candido - a literatura e a formação do homem
TRANSCRIPT
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
1/9
6.A literatura
e a ormaoohomem*
I
Nestapalestra,
desejo
apresentar lgumas ariaes obrea
fun@o
humanizadora
a iteratura,
sto
, sobrea capacidade ue
ela tem de confirmar a humanidadedo homem. Para este im,
comeo ocalizando apidamente,nos estudos iterrios,o con-
ceito de funo, vista como o papelque a obra literria desem-
penhana sociedade.
Esteconceitosocia.l e funono estmuito em voga,pois
as correntes
mais modernas
se
preocupam
sobretudocom o de
estrutura, ujo conhecimento eria, eoricamente,ptativoem
relao ele,se-aplicarmos raciocnio eito com referncia his-
tria. Em face
destaos
estruturalistas
ptm,
porque echamque
possvel onhecera histriaaz a estrutua,mas noa histria r
a estruture.Os dois enfoques eriammutuamente exclusivos.
Que
incompatibilidademetodolgicapoderia existir entre
o
estudoda estrutura
e
o da fr:no?O
primeiro pode
ser com-
* A literaturae a formao o homem o textode uma conferncia ro-
nunciadana )O(lV ReunioAnual da SBPC
(Sao
Paulo,
ulho
de 1972).Repro-
duzo-osegundo verso ublicada m Cincia Cuhura
(n
9,
vol.
24, SoPau-
lo, set.1972).
N.
O.)
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
2/9
Txtos
e ntervno
parativamente
mais
esttico
do que
o segundo,
quevocaria
ceftas
noes
m cedeia,
e cunho
mais
dinmico,
como:
atuafo,
pro-
cesso,
ucesso,
istria.
Evocaria
a dia
de
pertinncia
e de ade-
quao
finalidade;
e da
bastaria
- p*r
para
chegar
idia
de vaor,
posta
enrre
parnteses
elas
endncias
struturalishs.
Mais ainda:
a
idia
de funo
provoc
no apenar
una cer-
ta inclinao
para
o lado
do valor,
mas
para
o lado
da pessoa;
no
caso,
o escritor
(que
produz
a obra)
e o leitor,
coletivamente
o pblico
(que
recebe
seu mpacto).
De fato,
quando
falamos
em fun$o no domnio da literatura,pensamosmediatamente:
l)
em
funo
da iteature
como
um todo;
2)
em funo
de uma
determinada
obra;
3)
em
funo
do
autor
-
rudo
referido
aos
receptores.
Ora,
uma
caracterstica
o
enfoque
estrutural
no apenas
concenar-se
a obra
tomada
em
si
mesma
o
que
alis
ocorria
em
outras
orientaes
ericas
nteriores),
mas elacionJa
um
modelo
vinual
abstrato,
que
seria
a ltima
instncia
heurstica.
Isto provm
do desejo
de chegar
a um
conhecimento
de tipo
cientfico,
que supera
o conhecimenro
demasiado
contingente
a
obra singular
em proveito
de tais
modelos
genricos,
que
.1
sesubordina
e de
que
uma manifestao
anicular;
e
que por-
tanto
a explicam.
Elesno
seriam
a-histricos,
mas
elvez
rans-
histricos,porque possu
mgeneralidade permannciamuito
maiores,
em rela$.o
smanifestaes
articulares
obras),
que pas_
sam
para
segundo
plano
como
capacidade
explicativa.
Atravs
da
mudana
dasmanifestaes
anilularo,
elo p..--.cem,
como
sistemas
bsicos
e como
princpios
de
organizao,
escapando
t
certo
ponto
histria,
na
medida
em que
somodelos;
mas nte-
grando-se
nela,
quando
vistos
em
suasmanifesta@es
articulares.
O ponto
de visa
estrutural
consiste
em ver
asobras
com
refe-
rncia
aosmodelos
ocultos,
pondo
pelo
menos
proviria
e metodi-
camente
entre
parnteses
s
elementos
ue ndicam
a suagnese
78
79
DirEos
e a
sua il no num
momento dado, e
que poftnto acen
am
o
seu
carterde produto
contingentemergulhado
na histria.
Isto
dito
paa
ustificar
a
emao nicial:
que os estu-
dos
modernos de
literatura se volnm
mais paa a estrutura do
que para a
funo. Privada
dos seusapoios redicionais
mais s-
lidos
(o
estudo
da gnese,a aferio
do
valor, a relao com o
pblico), a
noo de funo passa e
fato
Por
uma certa
crise.
Seriapossvel,
no
entanto,
focalila?
claro, desdeque
no
queiramos
substiruir um
enfoque pelo outro. O enfoque
estru-
tural (inclusivesob a modalidademais ecente, onhecidacomo
esrrururalismo)
responsvelpelo maior aveno
que os esrudos
literfuiosconheceram
m
nosso mpo. Mas
vai ficando cdadia
mais claro que uma
viso ntegra da
literatura chegar
e conci-
liar num todo explicativo
coerentea
noo de estrutura
e e
de
funo,
que alis andaram curiosamente
misturadas
e mesmo
semantiqrmene
onfundidasem
certosmomentosda
entroPo-
logia nglesa os anosde
1930 e 1940.
E ns sabemos ue a an-
tropologia
, com a
ingstica,uma dasgrandes
ontesdo estru-
turalismo contemporneo.
Voltando aospontos
de referncia
mencionados cima:
na
medide em
que-nos nteressa mbm
como experincia
uma-
na, no apenas
omo produode
obrasconsideradas
rojees,
ou melhor, transformees e modelosprofundos, a literatura
desperta
nevitavelmente
interesse eloselementos
ontextuais.
Tanto quanto a
esutura, eles
nos
dizem
de perto, porque
somos
levadosa elespela
preocupocom
e nossa dentidade e
o nosso
destino,sem
contar
que a intelignciada estrutura
dependeem
grandepane de
sesaber omo o texto
seformaaparrrdo
antex-
to,
at constituir uma
independncia ependente
se
or
permi-
tido
o
jogo
de palavras)
Mesmo que
isto nos afastede uma
viso
cientfica,
difcil pr de
ado os problemas
ndividuais e sociais
oue do astro sobras
e as amaram
eo mundo onde
vivemos.
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
3/9
pria
formao
do
homem.
^
Irn
-
^^I.s ' ' - f
i r ' r^a:^ \ \o
J5itali
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
4/9
Textos
e ntevenco
seranulado.Mas aospoucoso devaneio he foi aparecendo, o
penas omo etapa nevitvel,ou solo
comum a
partir
do qual
sebifurcam reflexo ientfica
e criaopotica,masa condio
primria de uma atividadeespiritual egtma.O devaneio
seria
o caminho da verdadeira maginao,
que
no
se alimenta dos
resduos a percepo portanro no
uma espcie e restoda
realidade;masestabeece
ries utnomas oerentes, partir
dos
estmulosda realidade.Uma imaginao
criad,ora
ara
alm,e
no
uma
imaginao eprodutiva
ao lado, para
aar
como ele.
O devaneio ruerie) e ncorpora imaginaopotica e
acabana criaode semelhantesmagens;mas o seu ponto
de
partida
a
relidde ensvel
o
mundo,
ao qual
se iga
assimne-
cessariamente.
araBachelard,
staespcie e carga nicia l da
imaginao formadapelosquatro elementos a tradio letica;
os simples o mundo, segundo
a
viso
de tantos scuos: erra,
gua,ar e fogo.
Independente e aceitarmos u no
o
ponto de vista
de
Bachelard, referncia eleserve este
ontexto
sobrerudo
omo
amostrado lao entre
maginao
iterria e realidade oncreta
do mundo. Serve ara lustrarem profundidadea funo n-
tegradorae transformadorada criao iterria com
relao
aos
seuspontos de
referncia a
realidade.
Ao mesmo empo, evocao essampregnaoprofun-
da
mostra
como
ascriaesiccionais
e
poticas odem
atuar de
modo subconsciente inconsciente, perando ma espcie e
inculcamentoque no percebemos.
Quero
dizer que ascamadas
profundas
da
nossa ersonaidade odem
sofrer
um bombardeio
poderoso asobras ue
emos
e que atuamde
maneira
ue no
podemosavaliar.Talvez os contos populares,ashistorietas lus-
tradas,os romances oliciais ou
de
capa-e-espada,s itas
de
ci-
nema,
atuem tanto
quanto
a escolae a famlia
na formao
de
uma criancae de um adolescente
D re es
-l
Isto evaa perguntar:a i teratura em uma
uno ormativa
de ipo educacional?
Sabemos ue a
instruo os pases ivilizados empre
baseou
as etras.Da o elo entre
ormao
o
homem,huma-
nismo, etras
umanas o estudo a nguae da iteratura.
o-
madasem si mesmas, eriam
as etrashumanizadoras, o ponto
de
vistaeducacional?
Sejacomo
for, a sua uno educativa muito
mais com-
plexado que pressupe m
ponto
de
vista estritamente edag-
gico.A prpria aoque exercenascamadas rofundas afasta
noo
convencional
de uma atividadedelimitada e dirigida
se-
gundo os requisitosdas
normas vigentes.A literatva pode
or-
ma\ mas no segundo a pedagogiaoficial, que
costuma v-la
ideologicamente omo um
veculo
da trade
famosa o Ver-
dadeiro,o Bom, o Belo,
definidos onformeos nteressesosgru-
pos dominantes,para reforo da sua concepo e
vida. Longe
de serum
apndice a nstruomoral e cvica
esta
poteose
me-
rreira do bvio,
novamenteem grandevoga),ela agecom o
im-
pacto ndiscriminado a
prpriavida e educa omo ela com
ialtos
e
baixos,
uzese sombras.Da asatitudesambivalentes
ue
suscitanos moralistas
nos educadores, o mesmo empo
fasci-
nadospela sua ora
humanizadorae temerosos a sua ndiscri-
minada riqueza.E da as duasatitudes radicionaisque elesde-
senvolveram: xpuls-la
omo lonte de perverso subverso,
u
tentar acomod-lana bitola
ideolgicados catecismos
inclusi-
ve fazendoedies xpurgadas e obras-primas,
omo asdeno-
minadasad usumDelphin, destinadas o filho de
Lus XJ\|.
Dado que a literatura,
como a vida, ensina a medida em
que tu com toda a suagama, artificial
quer que ela uncio-
ne como os mnuaisde virtude e boa conduta.E a sociedade
o
pode seno scolher
que em cadamomento lhe parece dapta-
do aosseus ins, enfrentandoainda assimos
mais
curiosos
para-
82
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
5/9
Textos
de
nterveno
doxos
pois mesmoas
obrasconsideradas
ndispensveis
ara
a formaodo moo
trazem reqentementeo que s conven-
es
esejariam anir. Alis, essa spcie
e
nevitvel ontraban-
do um dos meiospor que
o
jovem
entra em contato com re-
lidades
que
se enciona
escamotear-lhe.
Vejamos
um exemplo apenas. odos sabemque rte e a
literatura m um forte componente
sexual,
mais
ou
menos
apa-
rente em
grande
parte
dos seusprodutos. E que age,porranro,
como excitanteda
maginao
rtica.
Sendo
assim, paradoxal
que uma sociedade omo a crist,baseada a represso o sexo,
tenha
usado
sobras iterrias as
escolas,omo nstrumentoedu-
cativo. Basta
embrar,
na venervelradioclssica,extoscomo
a lladn, o Canto IY da Eneida,o
Canto
IX
dos
Lusadas,
s
dlos
de Tecrito, ospoemasapaixonados
e Catulo, os
versos
rovo-
cantes e Ovdio
-
tudo lido, traduzido,comentadoou explica-
do em aula.
Esta
situaocuriosachegou
at
os nossos
ias de
costumesmenos gidos,e vive
gerandobrigasentrepaise profes-
sores, or causa a
leitura
de Alusio Azevedoou
Jorge
Amado.
I
O revestimento deolgico
de um
autor pode
dar
lugar
a
contradies ealmente nteressantes
os poderesda socieda-
de
icando nibidos
de restringira eitura de textosque deveriam
ser banidos segundoos seuspadres,ms que petencema
um
autor ou a uma obra que, por outro lado, reforamestes adres.
Nada
mais significativo do que a voga, at h poucos anos,de
Olavo Bilac,
poeta
que em muitos versos presentava sexo
sob
aspectos astante rus, perturbando a paz
dos
ginasianos,
ujos
mestres o ousavam
odavia proscrev-los orque se ratavade
um escritorde conotaes atriticasacentuadas pregador
de
civismo e do serviomilitar, autor
de obrasdidticas
adotadas
cheias
e
boa
doutrina .
Paradoxos,
ortanto,
de todo lado, mostrando o conflito
entre a idia convencional
de uma
literatura
olue
eleua edifrca
Direes
(segundo
os padresoficiais)
e a sua poderosa ora ndiscrimi-
nada
de
niciaona
vida, com uma variadacomplexidade
nem
sempre esejada
eloseducadores.
la nocorrompe em edifc4
portnto;mas, r:zendo
ivrementeem si o que chamamos
bem
e o
que
chamamos
o mal,
humaniza
em
sentido profundo, por-
que
faz viver.
l
Chegamos gora
ao ponto mais complicado.Alm das
un-
es
mencionadas
isto
:
satisfazer necessidade niversalde
fantasiae contribuir
para a formaoda personalidade),
eria a
literatura ma
unode conhecimento o
mundo e do ser? or
outraspalavras: fato de
consistirna construode obras
aut-
nomas, om estruturaespecfica
filia$.o a modelosdurveis,
he
d um significado
ambm especfico,
ue
seesgota
em si mes-
mo, ou lhe permite
representar e maneiracognitiva,
ou suges-
tiva, a realidadedo esprito, da
sociedade,
a
natureza?
Muitas
correntes
esttics,
nclusiv
asde
inspiraomar-
xista,entendem
ue
iteratura sobretudo ma orma de
conhe-
cimento, mais do
que
uma
forma de expresso uma construo
de objetos emiologicamenteutnomos.Sabemos ue as rscoi-
sas overdadeiras;
maso problema determinarqual
o specto
dominante e mais caracterstico
a produo iterria.Sem
pro-
curar decidir, imitemo-nos
a registraras rsposies admitir
que a obra
iterriasignificaum tipo de elaborao as
sugestes
da personalidade do
mundo que possuiautonomiade significa-
do; masque estaautonomia
no a
desligadas
suas ontesde
ns-
piraono real, nem anula a sua capacidade e
atuar sobreele.
Isto posto, podemos
abordaro problemada funo
da ite-
rturcomo reoresentacoe
uma dada ealidade ociale
huma-
85
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
6/9
teratura
num pasem formao,
que procur su dentidade
da variao
os emas da ixao a inguagem,
scilando
drc",.,t.
+
i . . . . ' \
dora e aienadora, onforme o asDecto
u o autor considerado.
vA:Iz,tr'',
Mas antes e r alm,um parntse
aradizerquehoje, anto
dem
"morte
ao Regionalismo",quanto ao presente,
menos-
t,
aC I
utt;
'
lprezo
pelo que i, quanto ao passado. sta
atitude criticamente
"
;rrr,
o
/boa
sea tomrmos omo
um
"basta "
iraniado pitoresco, ue
lvem
a serafrna
de contasuma iteratura
de
exportao
exotrsmo
fcil.
Mas foroso convir que,
ustamente
porque a literatura
desempenhaunesna vida
da sociedade, o
depende
apenas
opinio crtica
que o Regionalismo xistaou
deixede existir.
existiu,existee existirenquantohouver
condies omo as
extos de nterveno
na, que aculta
maior inteligibilidade
com relao esta ealida-
de. Para sso,
vejamosum nico exemplo
de relaodas obras
literrias
om a realidade
oncreta: regionalismo rasileiro,
ue
por definio
cheio de realidade
documentria.
Trata-se
de um casoprivilegiado
para estudaro papel
da
para sto entre
a adeso os modelos europeus
e a pesquisa e
aspectos
ocais.O Arcadismo, no
sculoXVIII, foi uma espcie
de identificaocom o mundo europeuatravs o seuhomem
rstico idealizadona
tradio clssica.O Indianismo,
j
no s-
culo XIX, foi
uma dentificao om
o
mundo
no-europeu, ela
buscade um homem rstico
americano gualmente dealizado.
O Regionalismo,que
o sucedeu seestende t os nossos
ias,
foi
uma busca do tipicamentebrasileiro
atravsdas formas de
enconrro.
urgidas
o conrato ntre
o europeu o meioamerica-
no. Ao mesmo
empo documentrioe dealizador, ornece
ele-
mentospara
a auto-identificao o homem
brasileiroe ambm
para uma sriede projees deais.Nesta
palestra,o intuito
mostrr que a
sua
uno
social oi ao mesmo empo humaniza-
,
-.,,i,,,
ldo
subdesenvolvimento, ue foram
o escritora focalizarcomo
r-.iu$"
^
-.\.
'
?'jn\r1i
ll1,tw'ts*
lr',:,01,\f ln"
.,i,ica brasileira uanto
na latino-americana, palavra
de or-
'
'\
',
ldem
"morte
ao Resionalismo".ouanto ao Dresente. menos-
Direes
tema as culturas
rsticasmais ou menos margem da cultura
I
urbana.O
que
aconrece
queelese
vai
modificando adaptan-
do. superando s ormasmaisgrosseirastdar
a impressa o e
I
quesedissolveu
a
general idade
os emas niversais.omoe
J
normal em toda obra bem-feita.
E pode mesmo chegar etapa
onde os temas urais so ratadoscom um
requinte qr,. .- g.-
f
ral
s dispensado
os emsurbanos, omo o caso e Gui-llR-
mares osa, cujo
propsito eria abivelfalar um super-Re-
|
"
6
gionalismo.Mas aindaa estamos ianrede
uma
variedade
rl
5u1."-malsinadacorrente. l] o,r,., ,-
Fechandoo parntese, oltemosao assunto om uma con]
"-"{
tW'
siderao e ordem geral:o Regionalismoestabelecem
curio-
J
q."a,j
*
sa enso
entre tema e linguagem.O tema rstico puxa para os{
\
aspectos
xticose pitorescos , atravs eles,para uma ingua-l
1.
--^
gem nculta cheiade peculiaridades
ocais;masa conveno or- i,
*
Lal
da
iteratura,baseada o postuladoda
nteligibilida",
p,.,t, iL'^i
'5"""
parauma
inguagemculta e mesmoacadmica.O Regionalismo
.
I
,
deveestabelecer ma
relaoadequada ntre os dois aspectos,
l' '1-r-
por issose orna um instrumento poderosode transformao a
i/4t
'-
lngua e
de
revelao autoconscincia o pas; mas pod. ,.,
'
ll't"o
tambm fator de artificialidade
na lngua e
d.
"lien"a
no plr-
"r)*;r,;
no do conhecimentodo
pas.As
duascoisas correm
nasdiver-
..^ n4.
sas ases o Regionalismobrasileiro,e eventualmente m obras
i".s
diferentesdo
mesmo
autor.
Tomemos como exemplo dois au-
toresda mesma ase,
que
seconheceram sestimaram:Coeho
Neto
(1864-1934)
Simes opesNeto
(1865-1916).
Ambos escreveram um momen to de grandevoga da lite--
ratura regionalista,quando ela parecia
mais autntica
do
que
outrasmodalidades, orque seocupavade tipos humanos,pai-
sagens
costumes onsideradosipicamentebrasileiros. o con-
.junto,
foi uma tendncia
alsa,correspondendo modalidades
superficiais e nacionalismo,baseada uma distncia
nsupera-
:-'l'n.\r'*"
87
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
7/9
Textos
de nterveno
da entre
o escritor
e
o
seu pesonagem,
ue
ficava
reduzido
ao
nvel
da curiosidade
e
do pitoresco.
No
obstante,
alguns
es-
critores
conseguiram
osio
bem
mais
humanizadora.
Os
dois
exemplos
abaixo
procuram
sugerir
as
duasposies.
O Regionalismo
e Coelho
Neto
(cuia
obra
sedesenvolveu
na
maior
prre
em
ourros
umos)
mosrra
dualidade
srilsrica
predominante
ntreos
egionalistas,
ue
escreviam
omo
homens
cultos,
nos
momentos
de discurso
ndireto;
e
procurevam
nos
momenros
e discurso
irero eproduzir
o
apenas
vocabu-
lrio e a sintaxe,maso prprio aspecto nico
da linguagem
do
homem
rsrico.
Uma
espcie
e
estilo
esquizofrnico,
uxando
o texto
para
dois lados
e
mostrando
em
grau
mximo
o
disran-
ciamenro
em que
se
situava
o homem
da cidade,
como
se
ele
estivesse
uerendo
marcar
pela
dualidade
de discursos
diferen-
a
de natureza
de posio
que
o separava
o
objeto
extico
que
o seu
personagem.
O conto
"Mandov",
de
seu ivro
SrrZa,
pode
ser
romado
como
caso
pico
dessa
oncepo
lienadora.
ejamos
um trecho:
-
Novou?
Oc abit
ois
mi.
D cmais
ma
der_
rubada
modi
u friu,
genri.
Um dos aqueiros
assouJhe
copo
Mandov
ebeu
omgosto,
sdcando
ngua
araam_
ber s
bigodes.
aminha,
enti.
- Adeu
-
Ehl Tigre...
ivanta.
Coma ponra
o p
espremeu
ventre
eum
conegro
ue
se evanrou
igeiro
,
rcbolindo-
se,
a acenar
oma
cauda, s-se
mirlo
rosnando.
amu
Adeu,
enti.
E,
daporta,
para
ir,
bradou:
D
um
rombunesse
queixada
omed,
enti.
Fora
a noite
a esplndida,
resca
de ua.
A
estrada,
muitobranca,
nsinuava-se
elo
rvoredo
perdia-se
as om_
Direes
bras uietas. cabocloanou solhos ocu streladonde
a ua
brilhava
, passandocajado elas ostas,
altura
os
ombros,ergou sbraosobre
le eixandosmos endentes
e ps-se caminho, recedido
elo
co
que
seguia
omo fo-
cinhobaixo, mzigue-zagues,fariscar erva o
p.
A primeira
coise
que se nota nesecentauro estilstico a
injustificveldualidadede
notaoda faa,que no pode serex-
plicada seno
por motivos de
ideologia.Do
contrrio,
por que
tenrr
ume notao fontica igorosapara
fala
do
rsticoe acei-
tar para a do
nrador culto o critrio apoximativo
nom?
Com
efeito, supondono narradorCoelho
Neto uma performance -
nica do tipo da que correnteentre as
pessoas
ultasdo
Rio
de
Janeiro
e
nescidades o litoral do Norte do pas,o
lgico
seria
(levando
o critrio adotado
at s ltimas conseqncias) ue
escrim
seepresentassessim:
-
No v?
csabi?
oismi. Dcmaizuma irru-
bada mdiu riu, genti.Unduch
aqueiruchasslhocpo
i
Mandov ebeu
omgchto, hdcando ngua ra amb
ruchbigodich tc.
Isto no
poderia
ocorrer,
porquen verdade procedimento
exemplificdocom o texto de CoelhoNeto uma tcnica deo-
lgica nconsciente
pre
aumentar
a distnciaerudita do autor,
que quer ficar com o
requinte
gramatical
e acadmico, confi-
ne o personagem stico, por
meio
de um
idculo parupseu-
do-realista,
no nvel infra-humano dos objetos
pitorescos,
ex-
ticos parao homem
culto
da
cidade.Digo pseudo-realista, or-
que na verdadeo que ocorre uma dualidadede
critrios.Com
efeito, ao
narrador ou pesonagem ultos, de classe
uperior,
reservada
ntegidade do discurso, que se raduz
pela
gafia con-
vencional, ndicadora da
norma culte. Nos livros regionalists,
88
l"
89
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
8/9
Textos
de nterveno
o homem
de
posio
ocial
mais
elevada
unca
rem
soteeue,
o
apresenra
eculiaridades
e pronncia,
o
deforma
s
palavras,
que,na
sue
boca,
assumem
estadodeal
de
dicionrio.
uan-
do,
ao contrrio,
marca
o
desvio
da norma
no
homem
rural
oo_
bre,o escriror
ao
nvel nico
um
aspecro
uese
erarolgico,
que contamina
odo
o discurso
e situa
o
emissor
como
um
ser
pafte,
um espetculo
itoresco
como
as
rvores
e os
bichos,
ei-
to
paracontempla$o
ou divenimento
do homem
culto,
que
deste
modo
sesenre
onfirmado
na
suasuperioridade.
m
rals
asos,
o Regionalismo uma falsaadmisso o homem rural ao uni_
verso
dos valores
ticos
e
estticos.
No
entanto,
o seupropsito
consciente
ra
o contrrio.
Ele
seepresentou
omo
um
humanismo,
como
uma
recuDeraco
o
homem
posto
margem;
e
de fato
pode
serassim,
qr.lrrrd
"
d.-
libera$o
temtica,
sto
,
a deciso
e escolher
rrarar
omo
rema
literrio
o homem
rstico,
seguida
de
uma viso
humana
au-
tntica,
que
evite
o rratamento
alienante
dos personagens.
sta
viso
se raduz
pelo encontro
de
uma soluo
ingstica
adequa_
da; e dependendo
ela
que o
Regionalismo
pode
rer
um senri-
do humanizador
ou um sentido
eificador.
Dito
de outro
modo:
pode
irncionar
como representao
umanizada
u
como repre-
senrao
esumanizada
o
homem
das
culturas
urais.
Contrastandocom o casonegativode Coelho Neto, veja-
mos
o casopositivo
de
Simes
Lopes
Neto
-
escritor
cuja
fic_
o,
quantitativamente
paca,
mas
qualitativamente
elevada,
e
desenvolveu
oda
dentro
do Regionalismo.
Simes
Lopes
Neto
comea
por
assegura
ma identifica-
o
mxima
com
o universo
da cultura
rstica,
adotando
como
enfoque
narrativo
a primeira
pessoa
e um narrador
rstico,
o
velho
cabo
Blau
Nunes,
que
se
situa
dentro
d,amatri
narada,
e
no raro
do
prprio
enredo,
como
uma
espcie
e Marlowe
gacho.
Esra
mediao
nunca
usada
or
Coelho
Neto,
encas-
I
{
I
Direes
telado numa terceirapessoa lheiaao mundo ficcional, que
hi-
pertrofia o ngulo do narradorculto) atenua
ao
mximo
o hiaro
entre criador e criatura,
dissolvendode certo modo o homem
culto
no
homem
rstico.
Este deixa de ser um ente separado
estranho,que o homem culto contempla,para
ornar-seum ho-
mem realmentehumano, cujo contato humaniza
o
leitor.
Veja-se
o final do conto
'Contrabandista":
Era usco-fusco.egaramacenders uzes.
E nesse esmo empoparava o rerreiro
comitiva;
mas
num
silncio,
udo.
E o mesmo ilncio oi fechando odasasbocas abrin-
do todosos olhos.
Enro vimos
os da
comitiva
descerem
e
um cavaloo cor-
po
entregue e um homem,aindade palaenfiado...
Ningum perguntounada,ningum nformou de nada;
todos ntenderamudo...r uea festa stavacabada
a tris-
teza omeada...
frvou-se
o corpo pra salada mesa, arao sofenfeita-
do, que a sero trono dosnoivos.Entoum doschegados
ise:
-
A guarda osdeuem cima... omou
oscargueiros..,
E mataram
o
capito,porque
ele avanou ozinhopra mula
ponteira
e suspendeu m pacoteque vinha solto...e aindao
amarrouno corpo...A foi que o crivaram e balas.,. arado...
Os ordinrios ... ivemosque brigar,pra tomar
o corpo
A
sia-dona
me
da
noiva evantou
balandrau oJango
Jorge
e desamarrou embrulho;e abriu-o.
Erao vestidobrancoda filha, os saparos
ralcos, o
vu
branco,as lores
de
aranjeira...
Tudo numa
plastadade
angue...
udo
manchado
e
ver-
melho, toda a alvuradaquelas oisas onitascomo que bor-
I
9l
0
-
7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem
9/9
Textose ntrvenco
dadade colorado, um padro squisito, e
feitios
estram-
blicos...omo lores ecardo olferim smaeadascasco e
bagud ...
Ento
ompeu
chorona
casaoda...
Com a utilizaodo
narrador fictcio fica evitedae situa-
fo
de dualidade,porque no h diferenade cultura
entre
quem
nerre e quem ob.jeto
da
nerrative.No entanto, a estum
rit-
mo diferente,estocetos vocbulos reveladores ligeiras de-
formaesprosdicas, onstruindo uma
fala
gacha
estilizada
convincente,mas ao mesmo tempo literia,
esteticamente,-
lida. Para o seu narrador Blau Nunes, o eutor dnh dois extre-
mos possveis: u deformar as palavras grafar toda
a narrativa
segundoa
falsa
conveno ontica usual em
nossoRegionalis-
mo, de que vimos um exemploem Coelho Neto; ou adotar um
estilo castio
egistrado
egundo
asconvenes a norma culta.
SimesLopesNeto
rejeitou
otalmenteo primeiro e
adptouse-
biamente o segundo,conseguindoum nvel
muito
eficientede
estilizo.
Gresa isto,
o
universodo homem rtico trazido
paraa esfera o civilizado.O
leitor, nivelado
ao
personagem ela
comunidade do meio expressivo, e senteparticipante de uma
humanidadeque a sua e, destemodo, pronto para
ncorpo
sua
experinciahumana mais profunda o que o escritor lhe
oferece omo
viso
da realidade.
92