candido - a literatura e a formação do homem

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  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    1/9

    6.A literatura

    e a ormaoohomem*

    I

    Nestapalestra,

    desejo

    apresentar lgumas ariaes obrea

    fun@o

    humanizadora

    a iteratura,

    sto

    , sobrea capacidade ue

    ela tem de confirmar a humanidadedo homem. Para este im,

    comeo ocalizando apidamente,nos estudos iterrios,o con-

    ceito de funo, vista como o papelque a obra literria desem-

    penhana sociedade.

    Esteconceitosocia.l e funono estmuito em voga,pois

    as correntes

    mais modernas

    se

    preocupam

    sobretudocom o de

    estrutura, ujo conhecimento eria, eoricamente,ptativoem

    relao ele,se-aplicarmos raciocnio eito com referncia his-

    tria. Em face

    destaos

    estruturalistas

    ptm,

    porque echamque

    possvel onhecera histriaaz a estrutua,mas noa histria r

    a estruture.Os dois enfoques eriammutuamente exclusivos.

    Que

    incompatibilidademetodolgicapoderia existir entre

    o

    estudoda estrutura

    e

    o da fr:no?O

    primeiro pode

    ser com-

    * A literaturae a formao o homem o textode uma conferncia ro-

    nunciadana )O(lV ReunioAnual da SBPC

    (Sao

    Paulo,

    ulho

    de 1972).Repro-

    duzo-osegundo verso ublicada m Cincia Cuhura

    (n

    9,

    vol.

    24, SoPau-

    lo, set.1972).

    N.

    O.)

  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    2/9

    Txtos

    e ntervno

    parativamente

    mais

    esttico

    do que

    o segundo,

    quevocaria

    ceftas

    noes

    m cedeia,

    e cunho

    mais

    dinmico,

    como:

    atuafo,

    pro-

    cesso,

    ucesso,

    istria.

    Evocaria

    a dia

    de

    pertinncia

    e de ade-

    quao

    finalidade;

    e da

    bastaria

    - p*r

    para

    chegar

    idia

    de vaor,

    posta

    enrre

    parnteses

    elas

    endncias

    struturalishs.

    Mais ainda:

    a

    idia

    de funo

    provoc

    no apenar

    una cer-

    ta inclinao

    para

    o lado

    do valor,

    mas

    para

    o lado

    da pessoa;

    no

    caso,

    o escritor

    (que

    produz

    a obra)

    e o leitor,

    coletivamente

    o pblico

    (que

    recebe

    seu mpacto).

    De fato,

    quando

    falamos

    em fun$o no domnio da literatura,pensamosmediatamente:

    l)

    em

    funo

    da iteature

    como

    um todo;

    2)

    em funo

    de uma

    determinada

    obra;

    3)

    em

    funo

    do

    autor

    -

    rudo

    referido

    aos

    receptores.

    Ora,

    uma

    caracterstica

    o

    enfoque

    estrutural

    no apenas

    concenar-se

    a obra

    tomada

    em

    si

    mesma

    o

    que

    alis

    ocorria

    em

    outras

    orientaes

    ericas

    nteriores),

    mas elacionJa

    um

    modelo

    vinual

    abstrato,

    que

    seria

    a ltima

    instncia

    heurstica.

    Isto provm

    do desejo

    de chegar

    a um

    conhecimento

    de tipo

    cientfico,

    que supera

    o conhecimenro

    demasiado

    contingente

    a

    obra singular

    em proveito

    de tais

    modelos

    genricos,

    que

    .1

    sesubordina

    e de

    que

    uma manifestao

    anicular;

    e

    que por-

    tanto

    a explicam.

    Elesno

    seriam

    a-histricos,

    mas

    elvez

    rans-

    histricos,porque possu

    mgeneralidade permannciamuito

    maiores,

    em rela$.o

    smanifestaes

    articulares

    obras),

    que pas_

    sam

    para

    segundo

    plano

    como

    capacidade

    explicativa.

    Atravs

    da

    mudana

    dasmanifestaes

    anilularo,

    elo p..--.cem,

    como

    sistemas

    bsicos

    e como

    princpios

    de

    organizao,

    escapando

    t

    certo

    ponto

    histria,

    na

    medida

    em que

    somodelos;

    mas nte-

    grando-se

    nela,

    quando

    vistos

    em

    suasmanifesta@es

    articulares.

    O ponto

    de visa

    estrutural

    consiste

    em ver

    asobras

    com

    refe-

    rncia

    aosmodelos

    ocultos,

    pondo

    pelo

    menos

    proviria

    e metodi-

    camente

    entre

    parnteses

    s

    elementos

    ue ndicam

    a suagnese

    78

    79

    DirEos

    e a

    sua il no num

    momento dado, e

    que poftnto acen

    am

    o

    seu

    carterde produto

    contingentemergulhado

    na histria.

    Isto

    dito

    paa

    ustificar

    a

    emao nicial:

    que os estu-

    dos

    modernos de

    literatura se volnm

    mais paa a estrutura do

    que para a

    funo. Privada

    dos seusapoios redicionais

    mais s-

    lidos

    (o

    estudo

    da gnese,a aferio

    do

    valor, a relao com o

    pblico), a

    noo de funo passa e

    fato

    Por

    uma certa

    crise.

    Seriapossvel,

    no

    entanto,

    focalila?

    claro, desdeque

    no

    queiramos

    substiruir um

    enfoque pelo outro. O enfoque

    estru-

    tural (inclusivesob a modalidademais ecente, onhecidacomo

    esrrururalismo)

    responsvelpelo maior aveno

    que os esrudos

    literfuiosconheceram

    m

    nosso mpo. Mas

    vai ficando cdadia

    mais claro que uma

    viso ntegra da

    literatura chegar

    e conci-

    liar num todo explicativo

    coerentea

    noo de estrutura

    e e

    de

    funo,

    que alis andaram curiosamente

    misturadas

    e mesmo

    semantiqrmene

    onfundidasem

    certosmomentosda

    entroPo-

    logia nglesa os anosde

    1930 e 1940.

    E ns sabemos ue a an-

    tropologia

    , com a

    ingstica,uma dasgrandes

    ontesdo estru-

    turalismo contemporneo.

    Voltando aospontos

    de referncia

    mencionados cima:

    na

    medide em

    que-nos nteressa mbm

    como experincia

    uma-

    na, no apenas

    omo produode

    obrasconsideradas

    rojees,

    ou melhor, transformees e modelosprofundos, a literatura

    desperta

    nevitavelmente

    interesse eloselementos

    ontextuais.

    Tanto quanto a

    esutura, eles

    nos

    dizem

    de perto, porque

    somos

    levadosa elespela

    preocupocom

    e nossa dentidade e

    o nosso

    destino,sem

    contar

    que a intelignciada estrutura

    dependeem

    grandepane de

    sesaber omo o texto

    seformaaparrrdo

    antex-

    to,

    at constituir uma

    independncia ependente

    se

    or

    permi-

    tido

    o

    jogo

    de palavras)

    Mesmo que

    isto nos afastede uma

    viso

    cientfica,

    difcil pr de

    ado os problemas

    ndividuais e sociais

    oue do astro sobras

    e as amaram

    eo mundo onde

    vivemos.

  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    3/9

    pria

    formao

    do

    homem.

    ^

    Irn

    -

    ^^I.s ' ' - f

    i r ' r^a:^ \ \o

    J5itali

  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    4/9

    Textos

    e ntevenco

    seranulado.Mas aospoucoso devaneio he foi aparecendo, o

    penas omo etapa nevitvel,ou solo

    comum a

    partir

    do qual

    sebifurcam reflexo ientfica

    e criaopotica,masa condio

    primria de uma atividadeespiritual egtma.O devaneio

    seria

    o caminho da verdadeira maginao,

    que

    no

    se alimenta dos

    resduos a percepo portanro no

    uma espcie e restoda

    realidade;masestabeece

    ries utnomas oerentes, partir

    dos

    estmulosda realidade.Uma imaginao

    criad,ora

    ara

    alm,e

    no

    uma

    imaginao eprodutiva

    ao lado, para

    aar

    como ele.

    O devaneio ruerie) e ncorpora imaginaopotica e

    acabana criaode semelhantesmagens;mas o seu ponto

    de

    partida

    a

    relidde ensvel

    o

    mundo,

    ao qual

    se iga

    assimne-

    cessariamente.

    araBachelard,

    staespcie e carga nicia l da

    imaginao formadapelosquatro elementos a tradio letica;

    os simples o mundo, segundo

    a

    viso

    de tantos scuos: erra,

    gua,ar e fogo.

    Independente e aceitarmos u no

    o

    ponto de vista

    de

    Bachelard, referncia eleserve este

    ontexto

    sobrerudo

    omo

    amostrado lao entre

    maginao

    iterria e realidade oncreta

    do mundo. Serve ara lustrarem profundidadea funo n-

    tegradorae transformadorada criao iterria com

    relao

    aos

    seuspontos de

    referncia a

    realidade.

    Ao mesmo empo, evocao essampregnaoprofun-

    da

    mostra

    como

    ascriaesiccionais

    e

    poticas odem

    atuar de

    modo subconsciente inconsciente, perando ma espcie e

    inculcamentoque no percebemos.

    Quero

    dizer que ascamadas

    profundas

    da

    nossa ersonaidade odem

    sofrer

    um bombardeio

    poderoso asobras ue

    emos

    e que atuamde

    maneira

    ue no

    podemosavaliar.Talvez os contos populares,ashistorietas lus-

    tradas,os romances oliciais ou

    de

    capa-e-espada,s itas

    de

    ci-

    nema,

    atuem tanto

    quanto

    a escolae a famlia

    na formao

    de

    uma criancae de um adolescente

    D re es

    -l

    Isto evaa perguntar:a i teratura em uma

    uno ormativa

    de ipo educacional?

    Sabemos ue a

    instruo os pases ivilizados empre

    baseou

    as etras.Da o elo entre

    ormao

    o

    homem,huma-

    nismo, etras

    umanas o estudo a nguae da iteratura.

    o-

    madasem si mesmas, eriam

    as etrashumanizadoras, o ponto

    de

    vistaeducacional?

    Sejacomo

    for, a sua uno educativa muito

    mais com-

    plexado que pressupe m

    ponto

    de

    vista estritamente edag-

    gico.A prpria aoque exercenascamadas rofundas afasta

    noo

    convencional

    de uma atividadedelimitada e dirigida

    se-

    gundo os requisitosdas

    normas vigentes.A literatva pode

    or-

    ma\ mas no segundo a pedagogiaoficial, que

    costuma v-la

    ideologicamente omo um

    veculo

    da trade

    famosa o Ver-

    dadeiro,o Bom, o Belo,

    definidos onformeos nteressesosgru-

    pos dominantes,para reforo da sua concepo e

    vida. Longe

    de serum

    apndice a nstruomoral e cvica

    esta

    poteose

    me-

    rreira do bvio,

    novamenteem grandevoga),ela agecom o

    im-

    pacto ndiscriminado a

    prpriavida e educa omo ela com

    ialtos

    e

    baixos,

    uzese sombras.Da asatitudesambivalentes

    ue

    suscitanos moralistas

    nos educadores, o mesmo empo

    fasci-

    nadospela sua ora

    humanizadorae temerosos a sua ndiscri-

    minada riqueza.E da as duasatitudes radicionaisque elesde-

    senvolveram: xpuls-la

    omo lonte de perverso subverso,

    u

    tentar acomod-lana bitola

    ideolgicados catecismos

    inclusi-

    ve fazendoedies xpurgadas e obras-primas,

    omo asdeno-

    minadasad usumDelphin, destinadas o filho de

    Lus XJ\|.

    Dado que a literatura,

    como a vida, ensina a medida em

    que tu com toda a suagama, artificial

    quer que ela uncio-

    ne como os mnuaisde virtude e boa conduta.E a sociedade

    o

    pode seno scolher

    que em cadamomento lhe parece dapta-

    do aosseus ins, enfrentandoainda assimos

    mais

    curiosos

    para-

    82

  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    5/9

    Textos

    de

    nterveno

    doxos

    pois mesmoas

    obrasconsideradas

    ndispensveis

    ara

    a formaodo moo

    trazem reqentementeo que s conven-

    es

    esejariam anir. Alis, essa spcie

    e

    nevitvel ontraban-

    do um dos meiospor que

    o

    jovem

    entra em contato com re-

    lidades

    que

    se enciona

    escamotear-lhe.

    Vejamos

    um exemplo apenas. odos sabemque rte e a

    literatura m um forte componente

    sexual,

    mais

    ou

    menos

    apa-

    rente em

    grande

    parte

    dos seusprodutos. E que age,porranro,

    como excitanteda

    maginao

    rtica.

    Sendo

    assim, paradoxal

    que uma sociedade omo a crist,baseada a represso o sexo,

    tenha

    usado

    sobras iterrias as

    escolas,omo nstrumentoedu-

    cativo. Basta

    embrar,

    na venervelradioclssica,extoscomo

    a lladn, o Canto IY da Eneida,o

    Canto

    IX

    dos

    Lusadas,

    s

    dlos

    de Tecrito, ospoemasapaixonados

    e Catulo, os

    versos

    rovo-

    cantes e Ovdio

    -

    tudo lido, traduzido,comentadoou explica-

    do em aula.

    Esta

    situaocuriosachegou

    at

    os nossos

    ias de

    costumesmenos gidos,e vive

    gerandobrigasentrepaise profes-

    sores, or causa a

    leitura

    de Alusio Azevedoou

    Jorge

    Amado.

    I

    O revestimento deolgico

    de um

    autor pode

    dar

    lugar

    a

    contradies ealmente nteressantes

    os poderesda socieda-

    de

    icando nibidos

    de restringira eitura de textosque deveriam

    ser banidos segundoos seuspadres,ms que petencema

    um

    autor ou a uma obra que, por outro lado, reforamestes adres.

    Nada

    mais significativo do que a voga, at h poucos anos,de

    Olavo Bilac,

    poeta

    que em muitos versos presentava sexo

    sob

    aspectos astante rus, perturbando a paz

    dos

    ginasianos,

    ujos

    mestres o ousavam

    odavia proscrev-los orque se ratavade

    um escritorde conotaes atriticasacentuadas pregador

    de

    civismo e do serviomilitar, autor

    de obrasdidticas

    adotadas

    cheias

    e

    boa

    doutrina .

    Paradoxos,

    ortanto,

    de todo lado, mostrando o conflito

    entre a idia convencional

    de uma

    literatura

    olue

    eleua edifrca

    Direes

    (segundo

    os padresoficiais)

    e a sua poderosa ora ndiscrimi-

    nada

    de

    niciaona

    vida, com uma variadacomplexidade

    nem

    sempre esejada

    eloseducadores.

    la nocorrompe em edifc4

    portnto;mas, r:zendo

    ivrementeem si o que chamamos

    bem

    e o

    que

    chamamos

    o mal,

    humaniza

    em

    sentido profundo, por-

    que

    faz viver.

    l

    Chegamos gora

    ao ponto mais complicado.Alm das

    un-

    es

    mencionadas

    isto

    :

    satisfazer necessidade niversalde

    fantasiae contribuir

    para a formaoda personalidade),

    eria a

    literatura ma

    unode conhecimento o

    mundo e do ser? or

    outraspalavras: fato de

    consistirna construode obras

    aut-

    nomas, om estruturaespecfica

    filia$.o a modelosdurveis,

    he

    d um significado

    ambm especfico,

    ue

    seesgota

    em si mes-

    mo, ou lhe permite

    representar e maneiracognitiva,

    ou suges-

    tiva, a realidadedo esprito, da

    sociedade,

    a

    natureza?

    Muitas

    correntes

    esttics,

    nclusiv

    asde

    inspiraomar-

    xista,entendem

    ue

    iteratura sobretudo ma orma de

    conhe-

    cimento, mais do

    que

    uma

    forma de expresso uma construo

    de objetos emiologicamenteutnomos.Sabemos ue as rscoi-

    sas overdadeiras;

    maso problema determinarqual

    o specto

    dominante e mais caracterstico

    a produo iterria.Sem

    pro-

    curar decidir, imitemo-nos

    a registraras rsposies admitir

    que a obra

    iterriasignificaum tipo de elaborao as

    sugestes

    da personalidade do

    mundo que possuiautonomiade significa-

    do; masque estaautonomia

    no a

    desligadas

    suas ontesde

    ns-

    piraono real, nem anula a sua capacidade e

    atuar sobreele.

    Isto posto, podemos

    abordaro problemada funo

    da ite-

    rturcomo reoresentacoe

    uma dada ealidade ociale

    huma-

    85

  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    6/9

    teratura

    num pasem formao,

    que procur su dentidade

    da variao

    os emas da ixao a inguagem,

    scilando

    drc",.,t.

    +

    i . . . . ' \

    dora e aienadora, onforme o asDecto

    u o autor considerado.

    vA:Iz,tr'',

    Mas antes e r alm,um parntse

    aradizerquehoje, anto

    dem

    "morte

    ao Regionalismo",quanto ao presente,

    menos-

    t,

    aC I

    utt;

    '

    lprezo

    pelo que i, quanto ao passado. sta

    atitude criticamente

    "

    ;rrr,

    o

    /boa

    sea tomrmos omo

    um

    "basta "

    iraniado pitoresco, ue

    lvem

    a serafrna

    de contasuma iteratura

    de

    exportao

    exotrsmo

    fcil.

    Mas foroso convir que,

    ustamente

    porque a literatura

    desempenhaunesna vida

    da sociedade, o

    depende

    apenas

    opinio crtica

    que o Regionalismo xistaou

    deixede existir.

    existiu,existee existirenquantohouver

    condies omo as

    extos de nterveno

    na, que aculta

    maior inteligibilidade

    com relao esta ealida-

    de. Para sso,

    vejamosum nico exemplo

    de relaodas obras

    literrias

    om a realidade

    oncreta: regionalismo rasileiro,

    ue

    por definio

    cheio de realidade

    documentria.

    Trata-se

    de um casoprivilegiado

    para estudaro papel

    da

    para sto entre

    a adeso os modelos europeus

    e a pesquisa e

    aspectos

    ocais.O Arcadismo, no

    sculoXVIII, foi uma espcie

    de identificaocom o mundo europeuatravs o seuhomem

    rstico idealizadona

    tradio clssica.O Indianismo,

    j

    no s-

    culo XIX, foi

    uma dentificao om

    o

    mundo

    no-europeu, ela

    buscade um homem rstico

    americano gualmente dealizado.

    O Regionalismo,que

    o sucedeu seestende t os nossos

    ias,

    foi

    uma busca do tipicamentebrasileiro

    atravsdas formas de

    enconrro.

    urgidas

    o conrato ntre

    o europeu o meioamerica-

    no. Ao mesmo

    empo documentrioe dealizador, ornece

    ele-

    mentospara

    a auto-identificao o homem

    brasileiroe ambm

    para uma sriede projees deais.Nesta

    palestra,o intuito

    mostrr que a

    sua

    uno

    social oi ao mesmo empo humaniza-

    ,

    -.,,i,,,

    ldo

    subdesenvolvimento, ue foram

    o escritora focalizarcomo

    r-.iu$"

    ^

    -.\.

    '

    ?'jn\r1i

    ll1,tw'ts*

    lr',:,01,\f ln"

    .,i,ica brasileira uanto

    na latino-americana, palavra

    de or-

    '

    '\

    ',

    ldem

    "morte

    ao Resionalismo".ouanto ao Dresente. menos-

    Direes

    tema as culturas

    rsticasmais ou menos margem da cultura

    I

    urbana.O

    que

    aconrece

    queelese

    vai

    modificando adaptan-

    do. superando s ormasmaisgrosseirastdar

    a impressa o e

    I

    quesedissolveu

    a

    general idade

    os emas niversais.omoe

    J

    normal em toda obra bem-feita.

    E pode mesmo chegar etapa

    onde os temas urais so ratadoscom um

    requinte qr,. .- g.-

    f

    ral

    s dispensado

    os emsurbanos, omo o caso e Gui-llR-

    mares osa, cujo

    propsito eria abivelfalar um super-Re-

    |

    "

    6

    gionalismo.Mas aindaa estamos ianrede

    uma

    variedade

    rl

    5u1."-malsinadacorrente. l] o,r,., ,-

    Fechandoo parntese, oltemosao assunto om uma con]

    "-"{

    tW'

    siderao e ordem geral:o Regionalismoestabelecem

    curio-

    J

    q."a,j

    *

    sa enso

    entre tema e linguagem.O tema rstico puxa para os{

    \

    aspectos

    xticose pitorescos , atravs eles,para uma ingua-l

    1.

    --^

    gem nculta cheiade peculiaridades

    ocais;masa conveno or- i,

    *

    Lal

    da

    iteratura,baseada o postuladoda

    nteligibilida",

    p,.,t, iL'^i

    '5"""

    parauma

    inguagemculta e mesmoacadmica.O Regionalismo

    .

    I

    ,

    deveestabelecer ma

    relaoadequada ntre os dois aspectos,

    l' '1-r-

    por issose orna um instrumento poderosode transformao a

    i/4t

    '-

    lngua e

    de

    revelao autoconscincia o pas; mas pod. ,.,

    '

    ll't"o

    tambm fator de artificialidade

    na lngua e

    d.

    "lien"a

    no plr-

    "r)*;r,;

    no do conhecimentodo

    pas.As

    duascoisas correm

    nasdiver-

    ..^ n4.

    sas ases o Regionalismobrasileiro,e eventualmente m obras

    i".s

    diferentesdo

    mesmo

    autor.

    Tomemos como exemplo dois au-

    toresda mesma ase,

    que

    seconheceram sestimaram:Coeho

    Neto

    (1864-1934)

    Simes opesNeto

    (1865-1916).

    Ambos escreveram um momen to de grandevoga da lite--

    ratura regionalista,quando ela parecia

    mais autntica

    do

    que

    outrasmodalidades, orque seocupavade tipos humanos,pai-

    sagens

    costumes onsideradosipicamentebrasileiros. o con-

    .junto,

    foi uma tendncia

    alsa,correspondendo modalidades

    superficiais e nacionalismo,baseada uma distncia

    nsupera-

    :-'l'n.\r'*"

    87

  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    7/9

    Textos

    de nterveno

    da entre

    o escritor

    e

    o

    seu pesonagem,

    ue

    ficava

    reduzido

    ao

    nvel

    da curiosidade

    e

    do pitoresco.

    No

    obstante,

    alguns

    es-

    critores

    conseguiram

    osio

    bem

    mais

    humanizadora.

    Os

    dois

    exemplos

    abaixo

    procuram

    sugerir

    as

    duasposies.

    O Regionalismo

    e Coelho

    Neto

    (cuia

    obra

    sedesenvolveu

    na

    maior

    prre

    em

    ourros

    umos)

    mosrra

    dualidade

    srilsrica

    predominante

    ntreos

    egionalistas,

    ue

    escreviam

    omo

    homens

    cultos,

    nos

    momentos

    de discurso

    ndireto;

    e

    procurevam

    nos

    momenros

    e discurso

    irero eproduzir

    o

    apenas

    vocabu-

    lrio e a sintaxe,maso prprio aspecto nico

    da linguagem

    do

    homem

    rsrico.

    Uma

    espcie

    e

    estilo

    esquizofrnico,

    uxando

    o texto

    para

    dois lados

    e

    mostrando

    em

    grau

    mximo

    o

    disran-

    ciamenro

    em que

    se

    situava

    o homem

    da cidade,

    como

    se

    ele

    estivesse

    uerendo

    marcar

    pela

    dualidade

    de discursos

    diferen-

    a

    de natureza

    de posio

    que

    o separava

    o

    objeto

    extico

    que

    o seu

    personagem.

    O conto

    "Mandov",

    de

    seu ivro

    SrrZa,

    pode

    ser

    romado

    como

    caso

    pico

    dessa

    oncepo

    lienadora.

    ejamos

    um trecho:

    -

    Novou?

    Oc abit

    ois

    mi.

    D cmais

    ma

    der_

    rubada

    modi

    u friu,

    genri.

    Um dos aqueiros

    assouJhe

    copo

    Mandov

    ebeu

    omgosto,

    sdcando

    ngua

    araam_

    ber s

    bigodes.

    aminha,

    enti.

    - Adeu

    -

    Ehl Tigre...

    ivanta.

    Coma ponra

    o p

    espremeu

    ventre

    eum

    conegro

    ue

    se evanrou

    igeiro

    ,

    rcbolindo-

    se,

    a acenar

    oma

    cauda, s-se

    mirlo

    rosnando.

    amu

    Adeu,

    enti.

    E,

    daporta,

    para

    ir,

    bradou:

    D

    um

    rombunesse

    queixada

    omed,

    enti.

    Fora

    a noite

    a esplndida,

    resca

    de ua.

    A

    estrada,

    muitobranca,

    nsinuava-se

    elo

    rvoredo

    perdia-se

    as om_

    Direes

    bras uietas. cabocloanou solhos ocu streladonde

    a ua

    brilhava

    , passandocajado elas ostas,

    altura

    os

    ombros,ergou sbraosobre

    le eixandosmos endentes

    e ps-se caminho, recedido

    elo

    co

    que

    seguia

    omo fo-

    cinhobaixo, mzigue-zagues,fariscar erva o

    p.

    A primeira

    coise

    que se nota nesecentauro estilstico a

    injustificveldualidadede

    notaoda faa,que no pode serex-

    plicada seno

    por motivos de

    ideologia.Do

    contrrio,

    por que

    tenrr

    ume notao fontica igorosapara

    fala

    do

    rsticoe acei-

    tar para a do

    nrador culto o critrio apoximativo

    nom?

    Com

    efeito, supondono narradorCoelho

    Neto uma performance -

    nica do tipo da que correnteentre as

    pessoas

    ultasdo

    Rio

    de

    Janeiro

    e

    nescidades o litoral do Norte do pas,o

    lgico

    seria

    (levando

    o critrio adotado

    at s ltimas conseqncias) ue

    escrim

    seepresentassessim:

    -

    No v?

    csabi?

    oismi. Dcmaizuma irru-

    bada mdiu riu, genti.Unduch

    aqueiruchasslhocpo

    i

    Mandov ebeu

    omgchto, hdcando ngua ra amb

    ruchbigodich tc.

    Isto no

    poderia

    ocorrer,

    porquen verdade procedimento

    exemplificdocom o texto de CoelhoNeto uma tcnica deo-

    lgica nconsciente

    pre

    aumentar

    a distnciaerudita do autor,

    que quer ficar com o

    requinte

    gramatical

    e acadmico, confi-

    ne o personagem stico, por

    meio

    de um

    idculo parupseu-

    do-realista,

    no nvel infra-humano dos objetos

    pitorescos,

    ex-

    ticos parao homem

    culto

    da

    cidade.Digo pseudo-realista, or-

    que na verdadeo que ocorre uma dualidadede

    critrios.Com

    efeito, ao

    narrador ou pesonagem ultos, de classe

    uperior,

    reservada

    ntegidade do discurso, que se raduz

    pela

    gafia con-

    vencional, ndicadora da

    norma culte. Nos livros regionalists,

    88

    l"

    89

  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    8/9

    Textos

    de nterveno

    o homem

    de

    posio

    ocial

    mais

    elevada

    unca

    rem

    soteeue,

    o

    apresenra

    eculiaridades

    e pronncia,

    o

    deforma

    s

    palavras,

    que,na

    sue

    boca,

    assumem

    estadodeal

    de

    dicionrio.

    uan-

    do,

    ao contrrio,

    marca

    o

    desvio

    da norma

    no

    homem

    rural

    oo_

    bre,o escriror

    ao

    nvel nico

    um

    aspecro

    uese

    erarolgico,

    que contamina

    odo

    o discurso

    e situa

    o

    emissor

    como

    um

    ser

    pafte,

    um espetculo

    itoresco

    como

    as

    rvores

    e os

    bichos,

    ei-

    to

    paracontempla$o

    ou divenimento

    do homem

    culto,

    que

    deste

    modo

    sesenre

    onfirmado

    na

    suasuperioridade.

    m

    rals

    asos,

    o Regionalismo uma falsaadmisso o homem rural ao uni_

    verso

    dos valores

    ticos

    e

    estticos.

    No

    entanto,

    o seupropsito

    consciente

    ra

    o contrrio.

    Ele

    seepresentou

    omo

    um

    humanismo,

    como

    uma

    recuDeraco

    o

    homem

    posto

    margem;

    e

    de fato

    pode

    serassim,

    qr.lrrrd

    "

    d.-

    libera$o

    temtica,

    sto

    ,

    a deciso

    e escolher

    rrarar

    omo

    rema

    literrio

    o homem

    rstico,

    seguida

    de

    uma viso

    humana

    au-

    tntica,

    que

    evite

    o rratamento

    alienante

    dos personagens.

    sta

    viso

    se raduz

    pelo encontro

    de

    uma soluo

    ingstica

    adequa_

    da; e dependendo

    ela

    que o

    Regionalismo

    pode

    rer

    um senri-

    do humanizador

    ou um sentido

    eificador.

    Dito

    de outro

    modo:

    pode

    irncionar

    como representao

    umanizada

    u

    como repre-

    senrao

    esumanizada

    o

    homem

    das

    culturas

    urais.

    Contrastandocom o casonegativode Coelho Neto, veja-

    mos

    o casopositivo

    de

    Simes

    Lopes

    Neto

    -

    escritor

    cuja

    fic_

    o,

    quantitativamente

    paca,

    mas

    qualitativamente

    elevada,

    e

    desenvolveu

    oda

    dentro

    do Regionalismo.

    Simes

    Lopes

    Neto

    comea

    por

    assegura

    ma identifica-

    o

    mxima

    com

    o universo

    da cultura

    rstica,

    adotando

    como

    enfoque

    narrativo

    a primeira

    pessoa

    e um narrador

    rstico,

    o

    velho

    cabo

    Blau

    Nunes,

    que

    se

    situa

    dentro

    d,amatri

    narada,

    e

    no raro

    do

    prprio

    enredo,

    como

    uma

    espcie

    e Marlowe

    gacho.

    Esra

    mediao

    nunca

    usada

    or

    Coelho

    Neto,

    encas-

    I

    {

    I

    Direes

    telado numa terceirapessoa lheiaao mundo ficcional, que

    hi-

    pertrofia o ngulo do narradorculto) atenua

    ao

    mximo

    o hiaro

    entre criador e criatura,

    dissolvendode certo modo o homem

    culto

    no

    homem

    rstico.

    Este deixa de ser um ente separado

    estranho,que o homem culto contempla,para

    ornar-seum ho-

    mem realmentehumano, cujo contato humaniza

    o

    leitor.

    Veja-se

    o final do conto

    'Contrabandista":

    Era usco-fusco.egaramacenders uzes.

    E nesse esmo empoparava o rerreiro

    comitiva;

    mas

    num

    silncio,

    udo.

    E o mesmo ilncio oi fechando odasasbocas abrin-

    do todosos olhos.

    Enro vimos

    os da

    comitiva

    descerem

    e

    um cavaloo cor-

    po

    entregue e um homem,aindade palaenfiado...

    Ningum perguntounada,ningum nformou de nada;

    todos ntenderamudo...r uea festa stavacabada

    a tris-

    teza omeada...

    frvou-se

    o corpo pra salada mesa, arao sofenfeita-

    do, que a sero trono dosnoivos.Entoum doschegados

    ise:

    -

    A guarda osdeuem cima... omou

    oscargueiros..,

    E mataram

    o

    capito,porque

    ele avanou ozinhopra mula

    ponteira

    e suspendeu m pacoteque vinha solto...e aindao

    amarrouno corpo...A foi que o crivaram e balas.,. arado...

    Os ordinrios ... ivemosque brigar,pra tomar

    o corpo

    A

    sia-dona

    me

    da

    noiva evantou

    balandrau oJango

    Jorge

    e desamarrou embrulho;e abriu-o.

    Erao vestidobrancoda filha, os saparos

    ralcos, o

    vu

    branco,as lores

    de

    aranjeira...

    Tudo numa

    plastadade

    angue...

    udo

    manchado

    e

    ver-

    melho, toda a alvuradaquelas oisas onitascomo que bor-

    I

    9l

    0

  • 7/24/2019 Candido - A Literatura e a Formao Do Homem

    9/9

    Textose ntrvenco

    dadade colorado, um padro squisito, e

    feitios

    estram-

    blicos...omo lores ecardo olferim smaeadascasco e

    bagud ...

    Ento

    ompeu

    chorona

    casaoda...

    Com a utilizaodo

    narrador fictcio fica evitedae situa-

    fo

    de dualidade,porque no h diferenade cultura

    entre

    quem

    nerre e quem ob.jeto

    da

    nerrative.No entanto, a estum

    rit-

    mo diferente,estocetos vocbulos reveladores ligeiras de-

    formaesprosdicas, onstruindo uma

    fala

    gacha

    estilizada

    convincente,mas ao mesmo tempo literia,

    esteticamente,-

    lida. Para o seu narrador Blau Nunes, o eutor dnh dois extre-

    mos possveis: u deformar as palavras grafar toda

    a narrativa

    segundoa

    falsa

    conveno ontica usual em

    nossoRegionalis-

    mo, de que vimos um exemploem Coelho Neto; ou adotar um

    estilo castio

    egistrado

    egundo

    asconvenes a norma culta.

    SimesLopesNeto

    rejeitou

    otalmenteo primeiro e

    adptouse-

    biamente o segundo,conseguindoum nvel

    muito

    eficientede

    estilizo.

    Gresa isto,

    o

    universodo homem rtico trazido

    paraa esfera o civilizado.O

    leitor, nivelado

    ao

    personagem ela

    comunidade do meio expressivo, e senteparticipante de uma

    humanidadeque a sua e, destemodo, pronto para

    ncorpo

    sua

    experinciahumana mais profunda o que o escritor lhe

    oferece omo

    viso

    da realidade.

    92