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CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2015 Lema: Eu vim para servir (cf. Mc 10,45) Tema: Fraternidade: Igreja e Sociedade CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Brasília - DF TEXTO-BASE CF2015_Texto_BASE_FINAL(26/09/14).indd 1 CF2015_Texto_BASE_FINAL(26/09/14).indd 1 08/10/14 09:25 08/10/14 09:25

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Texto final da Campanha da Fraternidade do ano de 2015 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

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  • CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2015

    Lema: Eu vim para servir (cf. Mc 10,45)

    Tema: Fraternidade: Igreja e Sociedade

    CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil

    Braslia - DF

    TEXTO-BASE

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  • Diretor Editorial: Mons. Jamil Alves de Souza

    Coordenador da CF:Pe. Luiz Carlos Dias

    Reviso Doutrinal:Pe. Antonio Luiz Catelan Ferreira

    Reviso:Antnio Bicarato

    Projeto Grfico, Capa e Diagramao:Henrique Billygran da Silva Santos

    Impresso e acabamento: Grfica Ipiranga

    Edies CNBBSE/Sul Quadra 801, Conjunto BCEP: 70200-014Fone: (61) 2193-3019 / Fax: (61) [email protected]

    C748c Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil / Campanha da Fraternidade 2015: Texto-Base. Braslia, Edies CNBB. 2015.

    Campanha da Fraternidade 2015: Texto-Base / CNBB.112p. : 14 x 21 cmISBN: 978-85-7972-352-0

    1. Igreja - Sociedade - Servio Social;2. Justia Social - Direitos Humanos - Dignidade;3. Igreja Catlica - Compromisso Social - Sistema socioeconmico - Brasil.

    CDU 250.1

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    APRESENTAOAPRESENTAOO Filho do Homem no veio para ser servido, mas para

    servir e dar a vida em resgate por muitos (Mc 10,45).

    Vida que resgata vidas! O Crucifi cado como servo das dores! A morte que liberta da escravido e concede a dignidade de servir como Deus serve! Deus servo, Jesus Cristo, que concede a toda pessoa bati-zada o dom de ser servio para os irmos e irms.

    Quaresma tempo de abertura para o mistrio da dor e da mor-te, da cruz, do Crucifi cado. Nele, somos conduzidos graa da vida plena, ressurreio. Ressurreio, transformao no mistrio da dor, da morte, da Cruz. Quaresma, caminho de identifi cao com Cristo, pede de ns jejum, orao, esmola.

    Jejum um abster-se, um esvaziar-se, um abrir-se. No vazio de ns mesmos, somos fecundados pela suavidade da gratuidade. Jesus crucifi cado, vazio de si, entrega suave-sofrida ao Pai: em tuas mos entrego o meu esprito (Lc 23,46). No jejum, somos reintegrados!

    A orao aproximao, nova relao, exposio; busca de atin-gimento pela amorosidade de Deus. Uma quase splica de afeto e de amor: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes? (Mt 27,46). A busca de corao pelo Pai. Quanta intimidade!

    A esmola, partilha de vida, cuidado amoroso, liberdade de entre-ga, servio! A esmola envio para o prximo. Encontro com aqueles que o Estado e a sociedade no querem (Madre Teresa de Calcut). Esmola, exerccio para o crescimento e fi delidade da nossa fi liao di-vina: sermos bons e generosos como Deus o .

    A converso, a mudana de vida que a Quaresma possibilita, um itinerrio de libertao pessoal, comunitrio e social. A Campanha da Fraternidade 2015 nos convida a refl etir, meditar e rezar a relao

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    entre Igreja e sociedade. O tema Fraternidade: Igreja e Sociedade, e o lema Eu vim para servir (cf. Mc 10,45). A Campanha vai ajudar--nos a aprofundar, luz do Evangelho, o dilogo e a colaborao entre a Igreja e a sociedade, propostos pelo Conclio Ecumnico Vaticano II, como servio ao povo brasileiro, para a edifi cao do Reino de Deus (Objetivo Geral da CF 2015).

    Sociedade vem de socius e id. Id, idade, que diz da fora, vigor; fora e vigor do socius. Socius o companheiro. A fora que faz e dei-xa ser companheiro. Companheiros, os que, unidos pela mesma fora e vigor, formam um grupo. Os que esto unidos pela mesma fora e vigor formam a sociedade. As pessoas que tm mesma pertena e bus-cam viver e conviver com um modo prprio de organizao, formam uma sociedade. As pessoas tambm recriam a sociedade. Porque for-mada por pessoas, a sociedade viva, se transforma. Uma sociedade sociedade quando todos participam do conviver e do decidir e no permitem que uma pessoa seja excluda. Para que a sociedade possa existir e persistir, deixa-se guiar por valores fundamentais de Justia, de Fraternidade, de Paz.

    O Conclio Ecumnico Vaticano II recordou que a Igreja Rei-no de Deus, Povo de Deus. Para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na terra o Reino dos cus, revelou-nos Seu mistrio e, por Sua obedincia, realizou a redeno. O Reino de Deus, j presente em mistrio pelo poder de Deus, cresce visivelmente no mundo.1 O Se-nhor Jesus iniciou a sua Igreja, pregando a Boa-Nova, isto , o adven-to do Reino de Deus (...). Este Reino manifestou-se lucidamente aos homens na palavra, nas obras e na presena de Cristo.2 Com a vinda do Esprito Santo, poderamos dizer que se completaram os tempos.

    Assim, a Igreja o novo Povo de Deus, a comunidade dos que cre-em. Deus convocou e constituiu a Igreja Comunidade congregadapor aqueles que, crendo, voltam seu olhar a Jesus, autor da salvao

    1 DOCUMENTO CONCILIAR. Constituio Dogmtica Lumem Gentium. n. 3.2 Idem. n. 5.

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    e princpio da unidade.3 Aqueles que tm seu olhar fi xo em Jesus vi-vem na sociedade. Eles compem com outras pessoas a sociedade. Os cristos, como participantes da sociedade, levam seus valores e com-promissos, ajudam a construir uma sociedade justa, fraterna e de paz.

    A Igreja, as comunidades de f, os cristos, so ativos na socie-dade. Eles, pelo dilogo e pela caridade, cuidam das pessoas que so excludas da sociedade. Ao mesmo tempo, participam ativamente das discusses e proposies que visam o bem de todos. Como nos diz o Papa Francisco: prefi ro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter sado pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar s prprias seguranas. No quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emara-nhado de obsesses e procedimentos. Se alguma coisa nos deve san-tamente inquietar e preocupar a nossa conscincia que haja tantos irmos nossos que vivem sem a fora, a luz e a consolao da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de f que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos do uma falsa proteo, nas normas que nos transformam em juzes impla-cveis, nos hbitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto l fora h uma multido faminta, e Jesus repete-nos sem cessar: Dai-lhes vs mesmos de comer (Mc6,37).4

    A Campanha da Fraternidade deste ano ser uma oportunida-de de retomarmos os ensinamentos do Conclio Vaticano II. Ensi-namentos que nos levam a ser uma Igreja atuante, participativa, con-soladora, misericordiosa, samaritana. Sabemos que todas as pessoas que formam a sociedade so fi lhos e fi lhas de Deus. Por isso, os cris-tos trabalham para que as estruturas, as normas, a organizao da

    3 Idem. n. 9.4 Cf. PAPA FRANCISCO. Exortao apostlica Evangelii Gaudium. Braslia: Edies CNBB,

    2013. 1 Edio. n. 49.

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    sociedade estejam a servio de todos. Na sociedade, a Igreja, as comu-nidades desejam seguir a Jesus: vim para servir e dar a vida em resgate por muitos (Mc 10,45).

    Maria, Me de Deus e nossa, nos acompanhe na caminhada quaresmal, para sermos sempre mais a presena da Igreja que serve a todos. Caminhemos todos com Jesus para Jerusalm e participemos com Ele da dor, da morte e da ressurreio.

    Abenoada Quaresma e Feliz Pscoa!Braslia, 6 de agosto de 2014Festa da Transfi gurao do Senhor

    + Leonardo Ulrich SteinerBispo Auxiliar de Braslia

    Secretrio Geral da CNBB

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    INTRODUOINTRODUO

    1. A Igreja recebeu de Jesus Cristo o mandato missionrio: Ide, pois, fazei discpulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado (Mt 28,19-20). Essa a sua vocao e a sua misso.1

    2. A Campanha da Fraternidade Fraternidade: Igreja e Sociedade deseja no tempo da quaresma recordar a vocao e a misso de todo o cristo, das nossas comunidades de f.

    3. As pessoas que vivem do Evangelho vivem na sociedade. A socie-dade formada por pessoas que convivem de forma organizada. A palavra latina societas recorda que sociedade pode signifi car as-sociao amistosa com outros.

    4. A palavra sociedade indica uma convivncia e atividade conjunta de pessoas, ordenada ou organizada. A sociedade um coletivo de cidados com leis e normas de conduta, organizados por critrios, e com entidades que cuidam do bem-estar daqueles que convivem.

    5. Na sociedade, no comum a todos, acontece a excluso e a no par-ticipao de pessoas que a compem. Vivem margem da socie-dade. O que, no entanto, caracteriza a sociedade a partilha de in-teresses entre os membros e a preocupao com o que comum.

    6. O Conclio Ecumnico Vaticano II recordou que para cumprir a vontade do Pai, Cristo inaugurou na terra o Reino dos cus, reve-lou-nos Seu mistrio e por Sua obedincia realizou a redeno. A Igreja ou o Reino de Deus, j presente em mistrio pelo poder de

    1 Cf. Idem. n. 19.

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    Deus, cresce visivelmente no mundo.2 O Senhor Jesus iniciou a sua Igreja pregando a boa-nova, isto , o advento do Reino de Deus (...). Este Reino manifestou-se lucidamente aos homens na palavra, nas obras e na presena de Cristo.3

    7. A Igreja, pelas lnguas como de fogo que se repartiram e pousa-ram sobre cada um deles (At 2,3), formou a Comunidade dos Santos, a comunidade como diz o Conclio Vaticano II con-gregada daqueles que, crendo, voltam seu olhar a Jesus, autor da salvao e princpio da unidade.4 Igreja comunidades, comuni-dade de comunidades! Igreja, os fi lhos e fi lhas de Deus que vi-vem da morte e ressurreio de Jesus, o novo Reino.

    8. Ela entra na histria dos homens, enquanto simultaneamente transcende os tempos e os limites dos povos.5 Igreja presente na realidade da humanidade; Igreja, os que creem vivendo no meio das casas dos seus fi lhos e das suas fi lhas.6 Uma Igreja ativa na sociedade. Os que so Igreja, os fi lhos e fi lhas, so parte da so-ciedade, vivem a sua f na sociedade. Testemunham os valores e deixam-se guiar pelos critrios do Evangelho.

    9. Nesse sentido, a Comunidade dos fi is, os cristos, uma Igreja em sada. Sabe tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, pro-curar os afastados e chegar s encruzilhadas dos caminhos para convidar os excludos. Vive o desejo de oferecer misericrdia. Como Jesus, que lavou os ps aos seus discpulos, pondo-se de joelhos diante dos outros para lavar os ps, assim o cristo vai ao encontro das pessoas acolhendo-as nas dores e sofrimentos. Com obras e gestos, a comunidade missionria entra na vida di-ria das pessoas, encurta as distncias, abaixa-se e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo.7 Ela busca

    2 DOCUMENTO CONCILIAR. Constituio Dogmtica Lumem Gentium. n. 3.3 Idem. n. 5.4 Idem. n. 9.5 Idem.6 Cf. PAPA FRANCISCO. Exortao apostlica Evangelii Gaudium. n. 28.7 Cf. Idem. n. 24.

    CF2015_Texto_BASE_FINAL(26/09/14).indd 8CF2015_Texto_BASE_FINAL(26/09/14).indd 8 08/10/14 09:2508/10/14 09:25

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    o contato com as famlias e com a vida do povo. No deveria tor-nar-se uma estrutura complicada, separada das pessoas, nem um grupo de eleitos que olham para si mesmos.

    10. As comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos e outras formas de associao so uma riqueza da Igreja, que o Esprito suscita para evangelizar todos os ambientes e setores.8

    11. A misso da Igreja de evangelizar passa pela caridade. A caridade anncio. Quando se l o Evangelho, encontramos uma orienta-o muito clara: no tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobre-tudo aos pobres e aos doentes, queles que muitas vezes so des-prezados e esquecidos, queles que no tm com que te retribuir (Lc 14,14). No devem subsistir dvidas nem explicaes que debilitem esta mensagem clarssima. Hoje e sempre, os pobres so os destinatrios privilegiados do Evangelho, e a evangelizao dirigida gratuitamente a eles sinal do Reino que Jesus veio trazer. H que afi rmar sem rodeios que existe um vnculo indissolvel entre a nossa f e os pobres. No os deixemos jamais sozinhos!9

    12. Os cristos so presena do Evangelho na sociedade. A Igreja re-conhece a laicidade do Estado. Sabe e afi rma que, como comu-nidade de fi is, participa ativamente da vida da sociedade; dela faz parte e participa da construo da sociedade justa, fraterna e solidria, preservando-a de ser excludente.

    13. Para a realizao da Campanha da Fraternidade deste ano, Frater-nidade: Igreja e Sociedade, so propostos os seguintes objetivos:

    8 Cf. Idem. n. 29.9 Cf. Idem. n. 48.

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    Objetivo geral Aprofundar, luz do Evangelho, o dilogo e a colaborao en-tre a Igreja e a sociedade, propostos pelo Conclio Ecumnico Vaticano II, como servio ao povo brasileiro, para a edifi cao do Reino de Deus.

    Objetivos especfi cosObjetivos especfi cos Fazer memria do caminho percorrido pela Igreja com a so-ciedade, identifi car e compreender os principais desafi os da situao atual.

    Apresentar os valores espirituais do Reino de Deus e da doutrina Social da Igreja, como elementos autenticamente humanizantes.

    Identifi car as questes desafi adoras na evangelizao da so-ciedade e estabelecer parmetros e indicadores para a ao pastoral.

    Aprofundar a compreenso da dignidade da pessoa, da inte-gridade da criao, da cultura da paz, do esprito e do dilogo inter-religioso e intercultural, para superar as relaes desuma-nas e violentas.

    Buscar novos mtodos, atitudes e linguagens na misso da Igreja de Cristo de levar a Boa Nova a cada pessoa, famlia e sociedade.

    Atuar profeticamente, luz da evanglica opo preferencial pelos pobres, para o desenvolvimento integral da pessoa e na construo de uma sociedade justa e solidria.

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    PRIMEIRA PARTEPRIMEIRA PARTE

    1. Breve histrico das relaes Igreja e sociedade no Brasil

    1.1. Das origens Cristandade14. As origens do Cristianismo esto radicadas na vida, pregao,

    morte e ressurreio de Jesus Cristo. Ele assumiu e viveu a cul-tura de seu povo, participando ativamente dos problemas daque-la sociedade. Os seus discpulos viam em Jesus a realizao das expectativas messinicas presentes na f e tradio do povo de Israel. As primeiras comunidades crists sofreram e foram per-seguidas, mas o exemplo dos mrtires as tornava ainda mais uni-das. O cristianismo fortalecido por este testemunho cresceu e se espalhou pelo mundo daquela poca.

    15. Alguns sculos mais tarde, para suprir carncias da sociedade ci-vil, a Igreja, j mais bem estruturada, pde servir na construo da civilizao europeia, aps a desarticulao das estruturas do Imprio Romano. Esta nova confi gurao sociocultural desen-volvida no continente europeu, com a participao expressiva da Igreja na sociedade civil, fi cou conhecida como Cristandade. A principal caracterstica dessa sociedade que a vida das pessoas e das instituies era organizada com inspirao crist. Este modelosocial vigorou durante a Idade Mdia.

    1.2. A Cristandade lusitana16. No sculo XVI ocorreram fatos de grande repercusso e forte

    implicao na sociedade da poca, a ponto de gerar crise e aba-lar as bases da chamada Cristandade. Entre estes, so dignos de

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    nota a Reforma Protestante e o Humanismo. A Reforma intro-duziu uma fratura no cristianismo. O Humanismo reivindicava uma sociedade articulada sobre bases humanas e no a partir de contedos da f.

    17. Com esta crise, e devido ameaa dos rabes, o Papado intensi-fi cou as relaes com os Reinos de Portugal e da Espanha, nos quais o esprito da Cristandade permaneceu mais forte. Esta aliana resultou no Padroado, um modo de relao entre a Santa S e o Estado Portugus, que conferia ao monarca a tarefa de de-fender a f e o direito de intervir em assuntos eclesisticos, como nomeao e manuteno de clrigos e fundao de dioceses. Ca-bia tambm ao monarca portugus enviar missionrios e gerir os trabalhos eclesisticos realizados no Brasil.10

    18. O regime do Padroado no impediu que a Igreja desenvolvesse sua misso na Terra de Santa Cruz com esprito missionrio, jun-to aos habitantes deste novo mundo. A ttulo de exemplo, os je-sutas, to logo chegaram, foram morar com os ndios em aldeias. Estudaram sua lngua, na poca chamada braslica.

    19. Houve uma verdadeira sada de si ao encontro do outro por par-te dos missionrios. Eles amaram e valorizaram a Terra de Santa Cruz e difundiram a ideia de que se tratava de um lugar de salva-o. Desenvolveram obras de aldeamento em proximidade aos primeiros colgios aqui instalados. Religiosos de outras Ordens tambm vieram ao Brasil, como os franciscanos, os carmelitas e os beneditinos.

    20. A misso da Igreja durante o povoamento do Brasil no fi cou res-trita aos missionrios clssicos. Os cristos leigos e leigas tam-bm exerceram um importante papel evangelizador. Por exem-plo, as confrarias leigas, mucamas e donas-de-casa, msicos e cantadores populares, e, ainda, os ermites e os denominados irmos, beatos e beatas, quilombolas e outros. A ao dessas

    10 Cf. BALDISSERI, L; MARTINS, I. G. M. (coord.). Acordo Brasil-Santa S comentado. So Paulo: LTr Editora, 2012. p. 76-77.

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    pessoas contribuiu na formao do catolicismo vivido pela grandemaioria do povo brasileiro.11

    1.3. O Imprio e o incio da Repblica21. Com a proclamao da Independncia do Brasil em relao ao

    Reino de Portugal, em 1822, Dom Pedro I foi aclamado Impera-dor. Em 1824, o Estado imperial nascente ganhou uma Constitui-o, que, a exemplo do Reino Portugus, reconheceu a Religio Catlica Apostlica Romana como religio ofi cial do Imprio Brasileiro.12 A Santa S por sua vez, ao reconhecer ofi cialmente o novo Imprio, concedeu ao Monarca o direito de Padroado, nos mesmos moldes do acordo fi rmado com os Reis de Portugal.13

    22. Da proclamao da independncia do Brasil at o incio da Re-pblica, a Igreja se fez presente na sociedade brasileira dirigindo estabelecimentos de ensino e introduzindo casas de misericrdia em favor dos enfermos e pobres. O Estado Monrquico nascente se mostrava precrio e desarticulado nessa funo. Muitos bispos e padres tiveram papis de destaque na administrao imperial, chefi ando cargos pblicos, aconselhando os Imperadores e per-sonalidades polticas, mediando conciliaes durante os confl i-tos e revoltas civis.

    23. No entanto, o sistema rgio do Padroado trouxe inmeros des-contentamentos Igreja, sendo um dos motivos do apoio de muitos eclesisticos ao movimento militar que extinguiu a Mo-narquia e implantou o sistema republicano em 1889.

    24. O Padroado Rgio chegou ao fi m por meio da Constituio Re-publicana de 1891. A partir disso, a criao de novas dioceses e pa-rquias, a fundao de seminrios e de obras voltadas aos pobres, a indicao e nomeao de clrigos para cargos eclesisticos e

    11 Cf. Idem, p. 46.12 Cf. CONSTITUIO POLTICA DO IMPRIO DO BRAZIL. Lei Imperial de 25 de maro

    de 1824. www.planalto.gov.com.br. Acesso em: 24/05/2014.13 Cf. BALDISSERI, L; MARTINS, I. G. M. (coord.). Acordo Brasil-Santa S comentado. p. 88.

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    outras atribuies, at ento de competncia do Estado Imperial, passaram, fi nalmente, a depender da prpria Igreja.

    1.4. Os desafi os da primeira metade do sculo XX25. Entre as dcadas de 1930 a 1950, a Igreja deparou-se com si-

    tuaes inditas que impunham novos desafi os pastorais. Eles decorreriam de ideias revolucionadoras, de novos movimentos sociais e culturais e de transformaes sociais e econmicas em curso na sociedade. Entre elas, merecem destaque a expanso acelerada de alguns centros urbano, a formao das classes m-dias, a ditadura Vargas, o centralismo e a redemocratizao po-ltica do ps-guerra, o modernismo nas artes e na literatura e a participao das Foras Armadas na Segunda Guerra Mundial, e podem ser apontados como realidades novas.

    26. A resposta da Igreja aos grandes desafi os veio na forma de vrias iniciativas organizacionais, entre as quais: a atuao da recm--criada Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952, as mobilizaes dos leigos, por meio da Ao Catlica Es-pecializada, em vrias dimenses sociais, o Movimento de Edu-cao de Base (MEB) e os sindicatos rurais de inspirao eclesial.

    27. Dentre as respostas ainda merecem especial destaque o I e o II Encontro de Bispos do Nordeste, realizados em Campina Gran-de (PB), em 1956 e 1959. Neles, os bispos, com a ajuda de espe-cialistas, empreenderam uma ampla anlise da situao regional. As concluses destas refl exes forneceram elementos para a ela-borao de projetos de ordem socioeconmica ou transforma-ram-se em reivindicaes para solucionar situaes do Nordeste. Algumas delas se concretizaram e trouxeram reais benefcios, a exemplo da criao da Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).14

    14 Cf. BARROS, R. C. Para entender a Igreja no Brasil: a caminhada que culminou com o Vaticano II (1930-1968). Petrpolis: Vozes, 1994. p. 122-123.

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    28. A experincia eclesial adquirida nos anos 1950 foi fortalecida com a criao da Conferncia Episcopal Latino-Americana (CE-LAM), pelo Papa Pio XII, em 1955. A presena pblica da Igreja ampliou-se junto sociedade com o Congresso Eucarstico In-ternacional do Rio de Janeiro, o Encontro Internacional da Ao Catlica e a criao da coordenao nacional de catequese. Esta experincia da Igreja no Brasil, em proximidade da realidade e de seus desafi os, preparou-a para receber, de maneira privilegiada, as propostas do Conclio Vaticano II.

    29. Ao fi nal de conturbado perodo poltico, aps a renncia do pre-sidente Jnio Quadros e a ascenso de Joo Goulart, a Igreja par-ticipou ativamente da mobilizao popular que culminou com o movimento militar de 1964.

    1.5. Desafi os do perodo da represso30. Com a implantao e continuidade do regime militar, no fi nal

    da dcada de sessenta e incio dos anos 70, em pleno perodo da represso, a Igreja deparou-se com outros desafi os e novas situa-es na sociedade brasileira. Naquele momento, eles eram oriun-dos sobretudo do avano da industrializao, do agravamento dos problemas sociais, tanto no campo como nas cidades, da di-tadura militar e de uma verdadeira ebulio cultural nos grandes centros urbanos.

    31. A Igreja, nesse perodo, respondeu com as primeiras experincias de Pastorais Sociais, como a Comisso Pastoral da Terra (CPT), a Comisso Brasileira Justia e Paz (CBJP), o Conselho Indige-nista Missionrio (CIMI) e com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), entre outros.

    32. A Campanha da Fraternidade, aps ser gestada na Arquidiocese de Natal no incio dos anos sessenta, rapidamente se estendeu a v-rias dioceses nordestinas. Em 1964, ela foi realizada em mbito na-cional. Na dcada de setenta, a Campanha da Fraternidade foi um veculo para denncias e debates relativos a temticas sociais do momento, como: migrao, trabalho, fome, moradia e outros. Em

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    1974, em plena ditadura militar, props o tema: Reconstruir a vida, e o lema: Onde est o teu irmo? A repercusso das suas temticas suscitou nimo ao povo brasileiro no enfrentamento das difi culda-des na caminhada de construo de uma nao livre e democrtica.

    33. Em 1976, por quase unanimidade, a Assembleia Geral do episcopa-do aprovou o documento Exigncias crists de uma nova ordem poltica, demonstrando a sintonia da Igreja com os acontecimen-tos do perodo. Este documento traduzia a experincia da Igreja no perodo de oposio ao regime de militar, como o seu empenho pela recuperao das liberdades individuais e institucionais.

    1.6. Desafi os da redemocratizao da sociedade34. No fi nal da dcada de 1980, a Igreja Catlica acompanhou e par-

    ticipou ativamente do processo de redemocratizao do Brasil. Os movimentos pela abertura poltica, entre eles o da Anistia e Diretas J, encontraram na Igreja um abrigo seguro para sua ar-ticulao. No processo constituinte, a Igreja atuou com empenho visando a consolidao de estruturas democrticas na socieda-de brasileira. Documentos eclesiais foram lanados em vista do aprimoramento das relaes democrticas no pas.15

    35. A CNBB, por meio do Setor Pastoral Social, passou a coordenar as novas iniciativas surgidas com essa perspectiva, com as pasto-rais: carcerria, da criana, do menor, dos migrantes e da mulher marginalizada. Estas realidades desafi adoras exigiam da solicitu-de social da Igreja mais contundncia e uma ao evangelizadora com foco especfi co.

    36. No fi nal do sculo XX e incio do sculo XXI, a participao social e poltica da Igreja na sociedade brasileira prosseguiu por meio de di-versos organismos e pastorais, entre os quais os Novos Movimentos, as Comunidades Eclesiais de Base, as Pastorais Sociais, o Movimento

    15 Cf. CNBB. Declarao Pastoral. Por uma Nova Ordem Constitucional (24 Assembleia Geral 1986), Exigncias ticas da Ordem Democrtica (27 Assembleia Geral 1989) e tica: pessoa e sociedade (31 Assembleia Geral 1993).

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    F e Poltica, as Semanas Sociais e o Grito dos Excludos. Este pro-cesso histrico no foi tranquilo. Na medida em que caminhava, au-mentavam os desafi os prprios das mudanas em curso.

    37. Contudo, no obstante os desafi os, a Igreja, animada pelo Esprito de Jesus, se revigora nas inmeras comunidades eclesiais e nos traba-lhos imprescindveis que presta ao povo brasileiro. A visita do Papa Francisco ao Brasil, por ocasio da Jornada Mundial da Juventude em 2013, na cidade do Rio de Janeiro, foi um momento de gran-de participao popular, manifestao de f e revigoramento para a Igreja, em sua misso e participao ativa no servio sociedade.

    2. A sociedade brasileira atual e seus desafi os 38. Na sociedade brasileira, as mudanas so to profundas e cons-

    tantes a ponto de se vislumbrar uma verdadeira mudana de poca.16 uma situao geradora de crises e angstias na vida pessoal, nas instituies e nas vrias dimenses da sociedade. As mudanas indicam tambm oportunidade de uma vida crist mais intensa e atuante.

    2.1. A demografi a39. A populao brasileira ultrapassou os 200 milhes de habitantes.

    Em 1960 era pouco mais de 70 milhes de pessoas. O Sudeste continua mais populoso, com mais de 80 milhes. A maioria da populao est concentrada na faixa litornea. O Centro-Oeste e Norte apresentam baixa densidade populacional. A expectativa de vida do brasileiro chegou, em 2012, a 74,6 anos.17

    40. Em 2013, o crescimento populacional registrado foi de 0,86%,18 e deve tornar-se negativo em 2040. Nos anos 1960, as mulheres

    16 Cf. CNBB. Documento 94. Diretrizes Gerais da Ao Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011 2015. Braslia: Edies CNBB, 2011. n. 17-20.

    17 Cf. http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/12/brasileiro-nasce-com-expectativa-de-vida-de-746-anos-aponta-ibge.html. Acesso em: 28/08/2014.

    18 Cf. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/08/1507099-populacao-brasileira-atinge-2027-milhoes-de-habitantes-calcula-ibge.shtml. Acesso em: 28/08/2014.

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    em idade reprodutiva tinham em mdia seis crianas. Em 2010, a taxa j havia cado para 1,8. Em quatro dcadas, a demografi a da populao deixou de tender para a exploso demogrfi ca, assu-mindo a perspectiva de crescimento moderado.19

    41. O perfi l demogrfi co da populao vem mudando. De um lado, h uma diminuio do nmero de crianas, e, de outro, existe um aumento de idosos. Este fator pode cooperar para o desenvolvi-mento da sociedade, mas tem implicaes preocupantes. O custo do cuidado com os idosos, hoje absorvido pelas famlias, sobre-tudo pelas mulheres, tende a aumentar. Manter este modelo ser difcil, com a progressiva reduo do tamanho das famlias e a transformao social do papel feminino.20

    42. A reduo de crianas e adolescentes, que poderia facilitar a ges-to do sistema educacional, ainda no proporcionou melhorias signifi cativas. Os ndices verifi cados nessa rea estratgica so baixos, comprometendo o futuro da nao. Na sociedade do sa-ber, a falta de qualifi cao profi ssional adequada severamente punida com a excluso dos postos de trabalhos mais dignos.

    2.2. A urbanizao e algumas difi culdades43. A urbanizao da sociedade brasileira foi muito rpida. Em 1940,

    a populao urbana era restrita a 31%; em 1960, a 45%, e hoje est em torno de 85%.21 Cerca de 44% dos brasileiros vivem em regies metropolitanas.22 Esta rpida urbanizao caracterizou--se pela falta de planejamento e resultou em problemas, como: favelizao, poluio, violncia, drogadio, enchentes, mobili-dade e precrias condies sanitrias. As pessoas concentradas nas periferias tendem a ser as mais afetadas com essas situaes.

    19 Cf. http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1440. Acesso em: 28/08/201420 Cf. Idem.21 Cf. http://educacao.globo.com/geografi a/assunto/urbanizacao/urbanizacao-brasileira.html.

    Acesso em: 28/08/2014.22 Cf. http://www.suapesquisa.com/geografi a/regioes_metropolitanas.htm. Acesso em: 28/08/2014.

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    44. A rpida urbanizao da sociedade brasileira, com inchao das cidades e surgimento de grandes regies metropolitanas, no foi acompanhada de adequadas polticas de moradias. A favelizao retrata desigualdades socioespaciais. O transporte pblico no atende as necessidades de deslocamento das pessoas, consi-derado ruim e inefi ciente, provoca longas esperas, tem veculos sempre lotados e servio caro.

    45. Mais de 50% dos domiclios no Brasil no tm coleta de esgoto e, do coletado, menos de 40% recebem algum tratamento. Para suprir o dfi cit de saneamento bsico, seriam necessrios inves-timentos da ordem de R$ 12 bilhes por ano, durante 20 anos consecutivos, algo que o desenvolvimento econmico atual no permite.23 A urbanizao provocou no Brasil um aumento na produo de lixo de 213 mil toneladas por dia, em 2007, para 273 mil toneladas, em 2013. A falta de um destino adequado a estes resduos fonte de diversos problemas sanitrios e ambientais.24

    2.3. Articulao: polticas pblicas com objetivos econmicos e sociais

    46. No incio do sculo XXI, houve uma melhor articulao das po-lticas pblicas com objetivos econmicos e sociais, na tentativa de romper com modelos de crescimento no inclusivos. Uma s-rie de polticas sociais foi implantada com o intuito de reduzir o contingente dos miserveis e trouxe avanos sobretudo em ndi-ces de alimentao e sade.

    47. O bolsa famlia talvez seja o programa mais conhecido e debatido entre estes esforos. Com 0,5% do PIB, o programa atende 14 milhes de famlias e atinge 1/4 da populao. Aps dez anos,

    23 Cf. Miguel. S. Censo 2011 revela as defi cincias do Brasil em saneamento bsico e a necessi-dade de mais investimentos. In: http://www.ecodebate.com.br/2011/05/17/censo-2011-reve-la-as-defi ciencias-do-brasil-em-saneamento-basico-e-a-necessidade-de-mais-investimen-tos/. Acesso em: 21/08/2014.

    24 Cf. http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/meio-ambiente/444229-producao-de-lixo-no-brasil-aumentou-em-60-mil-toneladas-desde-2007.html. Acesso em: 21/08/2014.

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    o programa contribuiu para a diminuio da pobreza extrema da populao de 9,7% para 4,3%.25 Outro ndice importante foi a reduo da mortalidade de crianas at cinco anos. O ndice de mortes por mil nascidos vivos passou de 53,7, em 1990, para 17,7, em 2011.26

    48. Este programa e outros do gnero so motivo de debates na sociedade brasileira. Muitos o criticam por considerarem estas aes meramente assistencialistas, carecendo de instrumentos para melhor qualifi car as pessoas assistidas e proporcionar-lhes sada efetiva da condio de pobreza extrema.

    2.4. Economia: estabilidade e avano da classe mdia

    49. A economia brasileira a maior da Amrica Latina e do hemis-frio Sul, sendo a oitava do mundo. Em 2013, o Produto Interno Bruto (PIB) do pas foi de R$ 4,49 trilhes, e a renda per capita dos brasileiros foi de R$ 24.065,00.27

    50. As duas dcadas de estabilidade econmica proporcionaram a gerao de mais empregos28 e o aumento da renda, infl ando a classe mdia, hoje estimada em mais de100 milhes de pessoas.29A ascenso social indita desse grupo de pessoas alavanca o consumo com a movimentao de 56% do crdito disponvel na economia.

    51. Esta classe mdia ampla passou a consumir alguns produtos antes restritos classe alta, como planos de sade, escolas particulares,

    25 Cf. http://www.worldbank.org/pt/news/opinion/2013/11/04/bolsa-familia-Brazil-quiet-revolution. Acesso em: 30/08/2014.

    26 Cf. Formenti. Lgia. Brasil atinge meta da ONU e reduz mortalidade infantil. In: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-atinge-meta-da-onu-e-reduz-mortalidade-infan-til,1170645. Acesso em: 20/08/2014.

    27 http://www.suapesquisa.com/geografi a/economia_brasileira.htm. Acesso em: 29/08/2014.28 Cf. Costa. G. Especialistas divergem sobre ascenso da nova classe mdia. In: http://memo-

    ria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-10-02/especialistas-divergem-sobre-ascensao-da-nova-classe-media. Acesso em: 28/08/2014.

    29 Cf. http://exame.abril.com.br/economia/noticias/54-dos-brasileiros-formam-a-classe-c-diz--serasa-experian. Acesso em: 30/08/2014.

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    previdncia privada e viagens areas, impulsionando a economia nos ltimos anos, devido a incentivos ao consumo. Atualmente, ela encontra-se endividada, com pessoas atnitas e angustiadas, num contexto de crdito caro e baixa poupana, dada a desacele-rao econmica do pas, verifi cada a partir de 2011.30

    2.5. As minorias na sociedade brasileira52. Parte das difi culdades enfrentadas por vrios grupos tnicos e

    culturais minoritrios na sociedade est diretamente relacionada dimenso econmica da pobreza. Merecem ateno, segundo a peculiaridade de cada uma das situaes vividas, os grupos tni-cos ou culturais: indgenas, quilombolas, pescadores, comunida-des tradicionais e povos nmades. Eles precisam, sobretudo, de apoio na luta pelos seus territrios, pela manuteno de sua cultu-ra e pela sobrevivncia no modo de vida prprio de sua tradio, em que pesem as enormes conquistas alcanadas aps a Consti-tuinte de 1988 e os confl itos e impasses territoriais decorrentes.31

    53. Outros grupos sociais tambm requerem devida ateno e cui-dado, como o dos dependentes qumicos e dos portadores de ne-cessidades especiais. O fenmeno da migrao tem aumentado no pas; estas pessoas que aqui buscam melhores condies de vida carecem de acolhida e amparo para se instalarem com digni-dade, condies de manterem sua cultura e assistncia religiosa.

    54. Os pobres e excludos tm rosto, tm uma corporeidade, trajet-ria de vida e esperanas. So indivduos e so grupos sociais. A sociedade brasileira, ao apresentar avanos na retirada de pessoas da misria e da fome, e ao oferecer melhores condies de vida populao em geral, no pode relegar ao esquecimento as mino-rias e suas demandas.

    30 CF. http://exame.abril.com.br/economia/noticias/54-dos-brasileiros-formam-a-classe-c-diz--serasa-experian. Acesso em: 30/08/2014.

    31 Cf. MIRANDA. E. E. O Brasil acabou? Agro DBO, v. 57, 2014. p. 28-29.

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    2.6. A violncia na sociedade brasileira55. A violncia no para de crescer, sob todas as formas e em todos os

    estratos da sociedade. O pas apresenta uma taxa de 20,4 homic-dios por 100 mil habitantes, a oitava pior marca entre 100 naes com estatsticas confi veis sobre o tema. As mais altas taxas de homicdios esto em Alagoas (55,3), Esprito Santo (39,4), Par (34,6), Bahia (34,4) e Paraba (32,8),32 com maior incidncia nas periferias urbanas e em cidades com rpido crescimento.

    56. As mortes violentas, antes concentradas em grandes centros ur-banos, se espalharam pelo pas. So 50 mil mortes violentas por ano. O comrcio de drogas e a drogadio esto entre as princi-pais causas do vertiginoso aumento da violncia e da crimina-lidade. O pas o maior consumidor mundial de drogas como o crack,33 e o segundo de cocana.34 O consumo devastador de drogas chegou a cidades do interior. Em meados de 2014, 350 mil pessoas usavam crack regularmente em S. Paulo.35

    57. O ndice de crimes e delitos esclarecidos baixo e contribui para a sensao de impunidade na sociedade. Mesmo assim, mais de meio milho de brasileiros est detido no sistema carcerrio. A maioria jovem,36 negra37 e pobre, com poucas oportunidades de

    32 Cf. Carvalho. J. Mapa da Violncia 2013: Brasil mantm taxa de 20,4 homicdios por 100 mil habitantes. In: http://oglobo.globo.com/brasil/mapa-da-violencia-2013-brasil-mantem-taxa-de-204-homicidios-por-100-mil-habitantes-7755783#ixzz33bT26EFh. Acesso em: 20/08/2014.

    33 Segundo pesquisa da Universidade Federal de So Paulo, um a cada 95 brasileiros j teriam cado na armadilha desta droga. Cf. http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/05/brasil-e-o-maior-consumidor-de-crack-do-mundo-revela-estudo-da-unifesp.html. Acesso em: 30/08/2014.

    34 Cf. http://port.pravda.ru/busines/25-09-2013/35329-brasil_cocaina-0/. Acesso em: 30/08/2014.

    35 Cf. Ricardo Brandt. Crack. A invaso da droga nos rinces do sossego. In: http://infografi cos.estadao.com.br/especiais/crack/index.html. Acesso em: 20/08/2014.

    36 As mortes no naturais e violentas de jovens como acidentes, homicdios ou suicdio. Se-gundo dados de 2013, esta taxa apresentou crescimento de 207,9%, a de homicdio cresceu 326,1%. Cf. http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-07-18/homicidios-de-jovens-crescem-3261-no-brasil-mostra-mapa-da-violencia. Acesso em: 29/08/2014.

    37 Cf. http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2013/10/18/indice-de-assassinato-de-negros-o--problema-e-social-e-nao-racial/. Acesso em: 28/08/2014.

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    reintegrao social. Esta situao provoca debates, solues so apresentadas. Dentre estas, algumas duras, como a diminuio da maioridade penal e at a pena de morte.

    58. O envolvimento dos jovens na drogadio e no trfi co, com a alta taxa de assassinatos que os atinge, um autntico extermnio,38 em que pese a crescente incluso, parece ilustrar o peso do materia-lismo e do consumismo associados busca da ascenso social, complexidade desse desafi o, s limitaes das polticas pblicas.

    3. O servio da Igreja sociedade brasileira

    3.1. O servio das comunidades catlicas na sociedade

    59. A Igreja Catlica tem como misso o servio sociedade em fa-vor do bem integral da pessoa humana.39 A mensagem do Evan-gelho exige dos cristos o direito e o dever de participar da vida da sociedade.40 Da a importncia do dilogo cooperativo frater-no e enriquecedor com a realidade social e as instncias represen-tativas da ordem social.

    60. O modo pelo qual a Igreja dialoga de maneira contundente com a sociedade em geral o servio cooperativo a favor da verdade, da justia e da fraternidade em vista do bem comum. A Igreja conta com a parceria de instituies e organizaes sociais, bem como de homens e mulheres de boa vontade, unindo foras para a erradicao de injustias e construo de uma sociedade que propicie a vida.

    38 Entre 1980 e 2011, as mortes no naturais e violentas de jovenscomo acidentes, homicdio ou suicdio cresceram 207,9%. Se forem considerados s os homicdios, o aumento chega a 326,1%. Cf. http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/108909/Mapa-da-Viol%C3%AAncia-mortes-de-jovens-crescem-326.htm. Acesso em: 02/09/2014

    39 Cf. Prembulo do Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Santa S relativo ao esta-tuto jurdico da Igreja Catlica no Brasil, 13/11/2008 Presidncia da Repblica, Casa Civil, Decreto de Promulgao n. 7. 107, de 11 de fevereiro de 2010.

    40 Cf. CELAM. Documento de Puebla. So Paulo: Paulinas, 1979. n. 503.

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    61. A Igreja Catlica est presente em todo o territrio brasileiro, participando e servindo, em vrios mbitos e por distintas for-mas, a sociedade brasileira. As dioceses e parquias, quando au-tnticas comunidades de f, unem pessoas. E contribuem para a edifi cao da sociedade brasileira atravs de vrios servios e obras diversifi cadas, que expressam a solicitude social da Igreja e a fraternidade, especialmente para com os mais necessitados.

    62. A Igreja, em suas articulaes pastorais, organiza movimentos em defesa dos direitos das pessoas, combate as injustias que aten-tam contra a dignidade humana e promove a assistncia a pes-soas ou grupos necessitados. Em suas comunidades, as oraes e celebraes so acompanhadas de refl exes acerca dos proble-mas enfrentados na sociedade e de aes prticas e concretas a favor de uma renovao social baseada no respeito dignidade da pessoa humana. A Campanha da Fraternidade um momento privilegiado de meditao, orao e transformao.

    63. Um exemplo do engajamento social e poltico recente da Igreja catlica com suas parcerias foi seu apoio ao Projeto de Participa-o Popular que resultou na instituio da Lei da Ficha Limpa (Lei 135/210).41 Em vigor, essa nova legislao impediu vrios candidatos condenados pela Justia de concorrerem ao pleito eleitoral de 2014. Desde agosto de 2013, outro projeto desta or-dem tramita no Congresso: o chamado Sade + dez, que rei-vindica 10% das receitas brutas da Unio para a Sade Pblica. Este projeto decorre da Campanha da Fraternidade de 2012.

    3.2. A solicitude da Igreja na assistncia aos mais necessitados

    64. A histria da sociedade brasileira traz as marcas do servio da Igreja aos mais necessitados. Em pocas de inexistncia de po-lticas sociais promovidas pelo Estado, a evangelizao suscitou

    41 Esta Lei impede pessoas que j tiveram condenao judicial em segunda instncia de se apre-sentarem como candidatas ao pleito eleitoral.

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    iniciativas e associaes para educar as crianas, suprir a fome, atender os doentes, prover lar para crianas abandonadas e lu-gar seguro para idosos, como as j evocadas Santas Casas de Misericrdia, as Conferncias Vicentinas, orfanatos, colgios, clnicas, hospitais etc. A assistncia tambm ocorreu por meio de pastorais que tradicionalmente servem aos enfermos e s famlias necessitadas.

    65. Outras mais recentes foram criadas, conforme as necessidades percebidas na sociedade, como a pastoral da criana. Os milhares de voluntrios por todo o pas, com dedicao s crianas mais carentes e orientao s suas famlias, salvaram crianas e contri-buram decisivamente para a diminuio da mortalidade infantil. Esta pastoral, com seus mtodos e participantes, simboliza um servio social concreto e efi caz da Igreja que, sem abdicar do so-corro aos necessitados, se empenha tambm na superao das situaes geradoras de morte.

    3.3. A solicitude da Igreja por meio de pastorais sociais

    66. A espiritualidade crist fomentou a ajuda aos necessitados, mar-cando a sociedade e a prpria histria da assistncia social e da promoo humana no Brasil, desde o incio do povoamento europeu do pas.

    67. A Igreja Catlica exerce sua solicitude social por meio de vrias pastorais e organismos. Com estes servios, a Igreja procura transformar efetivamente a sociedade brasileira pela incidncia das aes das pastorais sociais. Lembramos a pastoral do idoso, carcerria, da sade, do menor, dos pescadores, do povo de rua, entre outras. Elas expressam a solicitude e o cuidado de toda a Igreja nas situaes de marginalizao, excluso e injustia.

    68. As pastorais sociais atuam em diversos mbitos da vida social. No mundo rural: a questo agrria, os territrios dos povos tradi-cionais, a produo agrcola familiar e a preservao das riquezas

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    naturais. No meio urbano: os moradores de rua, as mulheres marginalizadas, o solo urbano e o mundo do trabalho. Com as minorias: povos indgenas, quilombolas, afrodescendentes, pes-cadores, ciganos e migrantes.

    69. Um dos organismos da Igreja que tem atuao importante nes-sa perspectiva a Caritas Brasileira, em campanhas emergen-ciais, na defesa dos direitos humanos e em projetos de supera-o da vulnerabilidade social. Atualmente, a Caritas brasileira conduz em nosso pas a Campanha Mundial Contra a Fome e a Pobreza,42 lanada mundialmente no dia 10 de dezembro de 2013. Em 2015, intenta apresentar sociedade as refl exes pro-duzidas nas rodas de conversas ao longo de 2014.

    70. Estes so alguns exemplos de atuao das pastorais sociais cujo universo bem mais amplo. Ainda merece ser citado o trabalho da pastoral da juventude, contra a violncia e mortes violentas de jovens, que registram aumento assustador. Esta ao deno-minada Campanha Nacional Contra a Violncia e o Extermnio de Jovens. As diversas pastorais sociais tambm suscitam refl e-xes abrangentes, em espaos como a Semana Social Brasileira, e questionamentos profticos, a exemplo do Grito dos Excludos.

    71. A pastoral da famlia visa a coeso das famlias, ncleo central da estruturao social. Educar para o amor, viver a diversidade familiar e das famlias, conviver com as diferenas e construir a fraternidade dentro do lar so passos iniciais da vida em socieda-de. um trabalho de grande importncia, pois notcias indicam crise nas relaes familiares, com pais deixando seus lares, a vio-lncia domstica vitimando mulheres e crianas, menores sendo explorados no mercado de trabalho e mesmo na sua sexualidade, e abortos sendo praticados.

    42 Esta Campanha foi idealizada pela Carita Internacional. Para maiores informaes acesse: www.caritas.org.br.

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    3.4. A Igreja Catlica e o contexto religioso da sociedade brasileira

    72. Na sociedade brasileira atual, a compreenso da f e sua prtica pas-sam por grandes mudanas. Muitas pessoas no valorizam mais a pertena a determinada religio, de forma ativa e sistemtica. A par-ticipao religiosa, nessa concepo, fi ca condicionada aos interesses pessoais no seio de uma sociedade competitiva e individualista. A busca por curas e prosperidade suscitou o crescimento de grupos re-ligiosos, com promessas para solucionar as demandas das pessoas.43

    73. Nesse contexto de religiosidade individualista, oportuno lem-brar o alerta do Papa Francisco acerca do mundanismo espiritual.Com esta expresso, o Papa alude a prticas dentro da Igreja ba-seadas na busca da autossatisfao, da perda do sentido comuni-trio e do projeto de Jesus. Uma f subjetivista fechada em seus prprios raciocnios ou um elitismo narcisista e autoritrio de quem se sente superior ao cumprir certas normas eclesisticas ou sendo fi el a um estilo do passado.44 A religiosidade, quando assu-me esses traos, apresenta resistncia a apelos em prol de aes pela edifi cao de uma sociedade justa e fraterna.

    74. Alm das transformaes das concepes religiosas na socie-dade brasileira, o ltimo Censo tambm aponta alteraes no perfi l entre as religies. Chama a ateno, e causa certo alarde, a diminuio da porcentagem dos que se declaram catlicos nas pesquisas.

    75. No Censo de 2010, os evanglicos, que na dcada de 70 eram 5,2%, hoje correspondem a 22,2%45 da sociedade brasileira, crescimento este que se acentuou a partir dos anos noventa.46

    43 Cf. CNBB. Documento 100. Parquia, comunidade de comunidades A converso pasto-ral da parquia. Braslia: Edies CNBB, 2014. n. 23.

    44 Cf. PAPA FRANCISCO. Exortao Apostlica Evangelii Gaudium. n. 94.45 Cf. Ritto, C. Populao catlica encolhe no Brasil. Evanglicos avanam. In: http://veja.abril.

    com.br/noticia/brasil/ibge-populacao-catolica-encolhe-no-brasil. Acesso em: 21/08/2014.46 Cf. http://charlesfl eury.wordpress.com/2012/11/23/perfi l-religioso-no-brasil-segundo-ibge-

    -vide-censo-2010/. Acesso em: 30/08/2014.

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    Outro dado importante nas estatsticas da religiosidade da socie-dade brasileira o aumento do grupo dos sem religio. Nos lti-mos anos, este grupo cresceu 70%, alcanando 8% da populao. A sociedade tambm convive com novas formas de religiosidade, de-rivadas das grandes religies asiticas e de diferentes seitas crists.47

    3.5. O Ecumenismo76. O Conclio Vaticano II incentivou a ao da Igreja em trs cam-

    pos de dilogo no mundo moderno. Cada um deles conta com um documento explcito, que expe a orientao da Igreja para entendimento melhor da questo religiosa: o Decreto Unitatis Redintegratio (UR), sobre o ecumenismo, a Declarao Nostra Aetate (NA), sobre as relaes da Igreja com as religies no cris-ts, e a Declarao Dignitatis Humanae (DH), sobre a liberdade religiosa. So temas de diversidade religiosa, mas incidem na re-lao da Igreja com a sociedade.

    77. A origem da palavra ecumenismo evoca a casa (oikos) e signifi ca a busca da convivncia pacfi ca sob o mesmo teto. O ecumenis-mo fortalece a busca de uma atuao conjunta em aes sociais inspiradas no amor ao prximo, bem como a colaborao na edu-cao para a paz e em aes que visem o bem-estar fsico, moral e espiritual do povo e o bem comum da sociedade.48

    78. A Igreja no Brasil desenvolve aes ecumnicas integrando o Conselho Nacional de Igrejas Crists (CONIC), incentivando os discpulos e discpulas missionrios a desenvolverem ativida-des mais intensas na Semana Nacional de Orao pela Unidade dos Cristos e na realizao da Campanha da Fraternidade Ecu-mnica. Algumas comunidades mantm estreitas relaes com outras confi sses crists, especialmente as tradicionais.

    79. Alm do ecumenismo, que se refere ao dilogo com as Igre-jas crists, a Igreja promove, em todo o mundo, o dilogo

    47 Cf. CELAM. Santo Domingo. So Paulo: Edies Loyola, 1992. n. 147.48 Cf. DOCUMENTO CONCILIAR. Decreto Unitatis Redintegratio. n. 18.

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    inter-religioso. Deus, em sua bondade e por meios que s ele conhece, acolhe as pessoas que o buscam nas mais diferentes religies, consideradas como respostas aos profundos enigmas para a condio humana.49 Exortando os fi is ao dilogo sincero com os membros das grandes religies, sobretudo o judasmo, o islamismo, o budismo e o hindusmo, a Igreja Catlica afi rma que nada rejeita do que h de verdade e santo nessas religies.50

    4. Igreja Sociedade: convergncias e divergncias

    4.1. O pluralismo80. A sociedade brasileira apresenta uma pluralidade cultural com

    sua matriz tnica de origem europeia, africana e indgena. Para o pluralismo tambm cooperou a vinda de muitos migrantes da Europa e da sia, ao longo dos sculos XIX e XX, alm das gran-des migraes internas. E, com o desenvolvimento dos meios de comunicao e transportes, a sociedade brasileira inseriu-se ain-da mais no mundo globalizado.

    81. H cerca de meio sculo, na poca do Conclio Ecumnico Vati-cano II, os padres conciliares j faziam aluso realidade do plu-ralismo e seus desafi os Igreja, ao proclamar:

    mais difcil hoje do que outrora fazer uma sntese dos vrios ra-mos do saber e das artes. Ao tempo em que aumenta a multido e diversidade dos elementos que constituem a cultura, diminui para cada homem a possibilidade de compreend-los e organiz-los. A fi gura mtica do homem universal desaparece, assim, cada vez mais.51

    82. O pluralismo pode trazer benefcios ao conceder mais liberdade s pessoas. Por outro lado, a perda ou a relativizao de referncias

    49 DOCUMENTO CONCILIAR. Declarao Nostra Aetate. n. 1.50 DOCUMENTO CONCILIAR. Declarao Nostra Aetate. n. 2.51 DOCUMENTO CONCILIAR. Constituio Pastoral Gaudium et Spes, n. 61.

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    culturais pode gerar fragmentao e desorientao em todas as dimenses da existncia.52

    83. Este ambiente plural torna-se fecundo quando permite a aber-tura das pessoas e dos atores sociais alteridade. A abertura necessria para o reconhecimento de que a diferena do outro, que o distingue, no motivo de afastamento.53 Esta atitude pressuposto indispensvel para se estabelecerem o dilogo e a partilha de experincias. Dilogo e partilha, no contexto atual, so o modo indicado para a superao de confl itos, construo da paz e fortalecimento da vida social baseada na justia e no res-peito aos direitos de todos.

    84. A Igreja catlica, nesse ambiente plural da sociedade, busca par-ticipar ativamente dos debates das questes mais relevantes. Por meio da CNBB, ela apresenta seus pontos de vista com Notas e pronunciamentos sociedade, acolhe grupos dos mais diversos para ouvir pontos de vista contraditrios, e integra movimentos com representantes de diversas instituies. Questes relativas defesa da vida, tocando em temas como os do aborto, da eutan-sia, da manipulao de embries e outros, so acompanhadas e articuladas pelos membros da Comisso para a Vida. Este proce-dimento tambm ocorre em dioceses e parquias.

    4.2. A Reforma Poltica e a participao popular85. O Brasil, aps a redemocratizao na dcada de 1980, consolidou

    um processo democrtico com participao em partidos e outras instituies da sociedade civil. Mas, este processo sofre sistemati-camente com a corrupo, uma das principais preocupaes das pessoas. O refl exo dessa situao pode ser notado no declnio da confi ana nas instituies polticas e na administrao dos gover-nos, na condenao e na priso de dirigentes e lideranas gover-namentais e partidrias.

    52 Cf. CNBB. Documento 100. n. 24.53 Cf. CNBB. Documento 94. n. 8.

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    86. O combate corrupo requer na base a formao moral e tica das pessoas e o aprimoramento do processo poltico para coibir tais abusos. Como promover o exerccio da poltica e dos governos em benefcio dos cidados e do bem comum? A despeito de todos os esforos empenhados e do vigor mostrado pelas manifestaes nas ruas em todo o pas, os resultados concretos foram limitados e ainda no aconteceu uma efetiva reforma poltica e social.54

    87. Diante dessa situao, animador perceber que um instrumento como a Lei da Ficha Limpa impediu, no pleito de 2014, a candi-datura de polticos condenados, inclusive entre os acostumados a expressivas votaes. A Igreja se alegra pela sua participao ati-va, com outras entidades da sociedade, em todo o processo que resultou na promulgao desta Lei de Iniciativa Popular.

    88. O aprimoramento do processo poltico e a qualifi cao dos polti-cos e dos partidos requerem o empenho e a participao dos cida-dos conscientes, e, por isso, dos cristos. Os debates e mobilizaes conduzem a aes concretas, e podero traduzir-se em uma refor-ma poltica abrangente. A luta pela reforma poltica a maneira de os cristos se colocarem contra o difuso sentimento de decepo e descrena na poltica institucional que paira na sociedade.55

    4.3. As redes de comunicao89. As atuais prticas de comunicao pela Internet, pelos celulares,

    tablets e computadores pessoais permitem novas formas de socia-bilidade e de conhecimento. Apesar do risco de um mau uso, esses meios aproximam pessoas e mundos, instauram novas formas de organizao e criam novas comunidades e sentimentos de pertena. As manifestaes sociais ocorridas recentemente em diversas par-tes do mundo e no Brasil evidenciaram o papel destas novas mdias, seja na convocao para a ao, seja na difuso de notcias e ideias.

    54 Cf. CNBB. Coleo Pensando o Brasil. Desafi os Diante das Eleies 2014. Braslia: Edies CNBB, p. 16.

    55 Idem. p. 17.

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    90. No entanto, a grande quantidade de informaes hoje dispon-vel nesses meios de comunicao pode levar fragmentao e ao enfraquecimento da capacidade de discernimento relativa s questes tico-morais.56 Permite vencer o monoplio do saber e evitar que se ocultem as verdades incmodas. Possibilita tambm s pessoas assumirem e construrem uma viso de mundo, em um contexto plural e complexo. O mau uso no invalida o bem que estes meios proporcionam sociedade e prpria Igreja.

    91. Contudo, h que considerar os riscos da interao virtual, frgeis e superfi ciais, muitas vezes. As formas de comunicao e de intera-o presenciais devem ser valorizadas. A relao face a face pos-sibilita um compartilhamento signifi cativo e gerador de compro-missos. As relaes ticas se vivenciam por meio de uma autntica alteridade, do encontro com o outro e com suas interpelaes. preciso proporcionar gerao hiperconectada a possibilidade de conexes pessoais duradouras e resistentes s crises.57

    92. A Igreja se alegra por ver inmeros leigos participarem ativamente desse meio, procurando testemunhar Jesus Cristo, com presena em muitos dos debates que ocorrem nas redes sociais. E, reconhe-ce que as comunidades em redes digitais complementam e fortale-cem as comunidades presenciais.58 A Igreja tambm est presente nos meios de comunicao com emissoras de TV e rede de Rdios.

    4.4. A racionalidade cientfi ca ou instrumental93. A corrente de pensamento chamada iluminismo propunha aos

    homens e mulheres guiarem-se exclusivamente pela racionalida-de. Ao negar qualquer possibilidade de transcendncia, produ-ziu-se deformao tica, enfraquecimento do sentido do pecado pessoal e social, e aumento do relativismo.59

    56 Cf. PAPA FRANCISCO. Exortao apostlica Evangelii Gaudium. n. 62.57 Cf. CELAM. Documento de Aparecida. So Paulo: Paulus, 2008. n. 489.58 CNBB. Documento 99. Diretrio de Comunicao da Igreja no Brasil. Braslia: Edies

    CNBB, 2014. n. 183.59 PAPA FRANCISCO. Exortao apostlica Evangelii Gaudium. n. 64.

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    94. A razo, na vertente cientfi ca ou instrumental, reduz a realidade ao mundo sensvel e compreende o mtodo experimental como ni-co capaz de produzir conhecimento. Essa razo est a servio do modo de produo do modelo econmico vigente na sociedade atual, e se mantm insensvel s problemticas humanas e sociais.

    95. Esta proposio reduz o indivduo dimenso racional-cientfi ca, o que implica na negao da subjetividade e da transcendncia. A afetividade, as artes, a mstica e a espiritualidade devem ser domina-das pela razo. Tudo aquilo que no submetido razo ou que no cabe nas suas estreitas margens deveria ser posto de lado. Com esta premissa, o processo civilizatrio foi compreendido na perspecti-va laicista, no religiosa. Cabe recordar o grande apelo de So Joo Paulo II, na Encclica Fides et Ratio,60 descoberta de que no h oposio entre f e razo e que ambas requerem-se mutuamente.

    96. Esta cultura promoveu a liberdade, mas tambm a opresso e a domi-nao com seus excessos, e provocou uma crise na cultura moderna, e desconfi ana na capacidade da prpria razo como apregoada aci-ma. Como decorrncia, houve desprestgio da razo, e consequente movimento de desconstruo dos pressupostos da modernidade, com exacerbao do emocional e da subjetividade. Para exemplifi -car, do penso, logo existo cartesiano, passou-se ao sinto, logo exis-to. Seguindo a lgica da racionalidade em questo, s as sensaes so consideradas critrios de verdade, mesmo as subjetivas, e no se admite instncia objetiva para submet-las crtica.

    97. Esta nova situao torna-se campo frtil para o aparecimento de algumas expresses culturais. Muitas deles acompanhadas de for-mas radicais de relativismos e ou fundamentalismos, acentuando ainda mais a crise da Modernidade. Diante das srias descon-fi anas capacidade da razo, movida pela f, a Igreja continua a defender e a propor sua capacidade de chegar ao conhecimento certo e benfi co para a sociedade e para todas as pessoas.61

    60 Cf. PAPA JOO PAULO II. Carta Encclica Fides et Ratio. So Paulo: Edies Paulinas, 1998. n. 17.61 Cf. Idem, n. 33.

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    4.5. O laicismo e a laicidade98. A partir do Sculo XVIII, com a progressiva constituio dos Es-

    tados Modernos e da Modernidade, foi se consolidando e institu-cionalizando o conceito de laicidade como algo inerente ao Esta-do Democrtico de Direito.62 A doutrina da laicidade prope ao Estado no optar por uma religio ofi cial, para se constituir com o perfi l laico e no religioso confessional, e resguardar o governo e a sociedade de possveis fundamentalismos religiosos.

    99. Com a doutrina da laicidade quer-se a constituio de um Estado sem interferncia de uma religio especfi ca, para garantir a liber-dade religiosa e o sadio pluralismo. Este conceito nem sempre foi bem compreendido por certos grupos polticos ou religiosos, ge-rando enormes resistncias que desfi guram a proposta da laicidade do Estado, como o laicismo, uma ideologia antirreligiosa militante.

    100. O laicismo na sociedade brasileira, por exemplo, hostiliza qualquer forma de relevncia poltica da f e procura desqualifi car o empe-nho social e poltico das religies. No cabe s Igrejas e a qualquer outra instituio religiosa defi nir e determinar os destinos da so-ciedade, como apregoa a doutrina. Mas o direito de manifestao e interveno, com a exposio de suas doutrinas e posicionamentos ticos, em favor da dignidade humana e da justia social.63

    101. A Igreja reconhece a laicidade, no tem pretenses de infl uir no poder para impor suas ideias e doutrinas. Por isso, no tem partido nem apoia nenhum partido. Sua participao na sociedade se ca-racteriza pelo fomento de valores em prol da vida, da dignidade das pessoas e do bem comum, a partir de Jesus Cristo. o seu modo de servir. Ela repudia com veemncia a proposio do laicismo, pelo preconceito contra a religio, em particular contra o catolicismo, e a incompreenso das razes religiosas presentes na histria e no

    62 Entre os franceses esta doutrina nega o direito religio de participar dos debates da socie-dade. Na Alemanha a laicidade no assumiu esta perspectiva. Cf. MIRANDA, M. F. A Igreja que somos ns. So Paulo: Paulinas, 2013. p. 69.

    63 Cf. CELAM. Documento de Aparecida. n. 99, 100 e 479.

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    povo brasileiro. A atuao do cristo na poltica uma das exign-cias de sua misso de testemunhar o Evangelho na vida.

    4.6. A cultura do descartvel102. Esta forma de cultura moderna e materialista distancia as pessoas

    dos valores ticos e espirituais. Impulsionada por estruturas so-ciais e econmicas, ela tende a transformar as pessoas em puros consumidores, estimulando-as a uma busca constante de satisfa-es de demandas que o prprio mercado prope.

    103. Na sociedade de mercado, tudo passvel de ser instrumentali-zado, tornado objeto de satisfao do sujeito. Uma vez usado, o objeto descartado, no tem mais nenhum valor. Este processo de objetivao no ocorre somente com as coisas, mas tambm com as prprias pessoas. Forma-se assim uma cultura do descar-tvel, denunciada pelo Papa Francisco na Exortao Apostlica Evangelii Gaudium:

    O ser humano considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lanar fora. Assim teve incio a cultura do descartvel, que, alis, chega a ser promovida. J no se trata simplesmente do fenmeno de explorao e opresso, mas duma realidade nova: com a excluso, fere-se, na prpria raiz, a pertena sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder j no est nela, mas fora. Os excludos no so explorados, mas resduos, sobras.64

    104. A Igreja no Brasil tem histrico de denncia deste processo na sociedade em que as pessoas so vistas apenas sob o prisma da produo e do consumo. Quando no se prestam a estas funes, tendem a ser descartadas e vo compor a massa sobrante da socie-dade. A Igreja, a partir da considerao da situao dos pobres, vem denunciando este sistema injusto que marginaliza grande quantidade de irmos e irms.

    64 PAPA FRANCISCO. Exortao Apostlica Evangelii Gaudium. n. 53.

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    4.7. Sinais de novos tempos105. Em contraposio cultura do descartvel, do relativismo e do

    materialismo, encontram-se tambm os sinais da formao de uma nova cultura em muitos homens e mulheres, crentes ou no, que se empenham em construir uma cultura que permita uma maior realizao humana, que respeite e ajude a desenvolver a pluridimensionalidade da pessoa humana, sua autonomia e aber-tura ao outro e a Deus.

    106. Esta cultura marcada pelo respeito conscincia de cada um, pela tolerncia e abertura diferena e multiculturalidade, pela solidariedade com todo o criado, pela rejeio das injustias e por uma nova sensibilidade para com os pobres. Os desafi os am-bientais e sociais suscitam a busca de solues concretas para a construo de uma sociedade mais harmnica e sustentvel, ba-seada no respeito aos direitos humanos e no compromisso com as geraes atuais e futuras.

    107. Tambm a responsabilidade em relao a todas as formas de vida se faz presente em muitas pessoas, traduzindo-se na cria-o dos mais diversos, e at contraditrios, movimentos sociais e associaes em defesa dos direitos da Me Terra e dos seres vivos. Perante essa diversidade, oportuno recordar que a Igreja contribui para esse debate fundamental na sociedade com a pro-posta de uma ecologia humana. A inteno integrar o respeito s convivncia na sociedade com o bom relacionamento com a natureza.65

    108. Uma parte das novas geraes, movida pela esperana e pelo de-sejo de construir um mundo melhor, no aceita a indiferena, a violncia e a excluso. Esse movimento busca construir snteses novas e criativas entre razo e sensibilidade, indivduo e comuni-dade, global e local.

    65 PAPA BENTO XVI. Carta Encclica Caritas in Veritate. Braslia: Edies CNBB, 2009. n. 51.

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    4.8. Esperana diante dos desafi os109. O Papa Francisco exortou todos os cristos a no assumirem uma

    posio pessimista diante das difi culdades presentes, nem uma po-sio meramente reativa ou pior, de resistncia e isolamento. Ele os chamou a unir foras com os homens e mulheres de boa vontade que desejam ser construtores do desenvolvimento humano integral:

    O individualismo ps-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vncu-los entre as pessoas e distorce os vnculos familiares. A ao pasto-ral deve mostrar ainda melhor que a relao com o nosso Pai exige e incentiva uma comunho que cura, promove e fortalece os vn-culos interpessoais. Enquanto no mundo, especialmente nalguns pases, se reacendem vrias formas de guerras e confl itos, ns, cristos, insistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as feridas, de construir pontes, de estreitar laos e de nos ajudarmos a carregar as cargas uns dos outros (Gl 6,2).66

    110. A complexidade dos processos sociais tem sua origem nas inten-sas transformaes vividas nos ltimos anos pela sociedade bra-sileira. Os limites efetivos dos chamados e documentos eclesiais para alterar tais fenmenos sociais so evidentes. Os desafi os co-locados s relaes entre Igreja e sociedade assumiram no Brasil caractersticas prprias, revelando novas temticas, com uma na-tureza to dinmica que as anlises sociais, econmicas ou cultu-rais simplistas no conseguem propor respostas adequadas aos desafi os dessa realidade, quanto mais modifi c-los.67

    111. Face a essa situao, preciso sensibilidade maior e um aprofun-damento das questes sociais, numa viso integradora. A Igre-ja, partindo de Jesus Cristo, prope-se a servir, nesse contexto desafi ador, com uma mensagem salvadora que cura feridas, ilu-mina e descortina um horizonte para alm dessas realidades.

    66 PAPA FRANCISCO. Exortao apostlica Evangelii Gaudium. n. 67.67 Cf. CNBB. Documento 94. n. 21-24.

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    Ao chegar ao corao de cada homem e de cada mulher, a Boa Nova e a esperana da Ressurreio podem mostrar-lhes quanto so amados por Deus e capazes de contribuir para criar uma nova e renovada humanidade.

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    SEGUNDA PARTESEGUNDA PARTE

    1. A relao Igreja sociedade luz da palavra de Deus

    112. As Sagradas Escrituras revelam que Deus um criador amoroso. Ele viu que toda a realidade criada boa em si mesma e desejou que o mundo fosse um lugar de harmonia e paz (cf. Gn 1,31).

    113. Na histria humana, o afastamento de Deus e a escolha pelo mal so os pecados que causaram um profundo desequilbrio no interior dos seres humanos e na prpria natureza criada (cf. Gn 3,14-17). Morte, violncia, guerras, confl itos, mentiras e sofrimentos so consequn-cias da desarmonia gerada pela opo humana (cf. Gn 4,10-14).

    114. As Escrituras testemunham a fi delidade de Deus a seu amor pe-los seres humanos, com suas intervenes na histria e propostas de alianas com os homens e mulheres. Chamou Abrao e lhe fez uma promessa que se estendia sua descendncia: Em ti sero abenoadas todas as famlias da terra (Gn 12,3).

    1.1. O povo de Israel, chamado a ser sinal para todos

    115. Quando, pela necessidade de sobrevivncia por causa da fome, os fi lhos de Abrao se tornam escravos no Egito, Deus, fi el pro-messa feita, os libertou, tendo Moiss e o prprio povo como protagonistas da histria de libertao. E puderam seguir em bus-ca de um novo lugar e modo de viver em liberdade.

    116. Com a libertao do Egito, Deus prope as bases de uma nova sociedade a ser construda. As Escrituras sagradas narram Deus celebrando aliana com os fi lhos de Abrao, que fez, dos liber-tos do Egito, o Povo de Deus. A aliana celebrada tinha tambm

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    implicao nas relaes entre os membros daquele povo. Um modo fraterno de viver e uma estruturao social justa deveriam torn-lo sinal para os demais povos, pois tinham o conhecimento da Lei do Deus da vida (cf. Ex 20,1-17).

    117. O povo de Israel, na sua caminhada pelo deserto, fez a experi-ncia de uma sociedade que atendia s necessidades bsicas de todos. O man foi dado para suprir as necessidades, no para a acumulao (cf. Ex 16,16); a liderana de Moiss era partilhada para servir melhor o povo (cf. Ex 18,24-27).

    118. A aliana e os mandamentos inspiraram algumas instituies para preservar o carter solidrio e fraterno do povo de Israel. O ano sabtico, institudo para o descanso das pessoas e da ter-ra, gerava solidariedade para com os pobres (cf. Ex 23,10-13); o ano jubilar propunha o retorno das terras aos donos originrios (cf. Lv 25,12-13), e o resgate de trabalhadores em regime de ser-vido por dvida (cf. Lv 25,35-54).

    119. A caminhada deste povo para a terra prometida foi dura. L che-gando, deveria viver a partir das inspiraes da Aliana, dos man-damentos e de instituies como as indicadas. Mas, a exemplo dos povos vizinhos, pede um rei, opta pela monarquia, sistema que se afastava do projeto de Deus. O profeta Samuel alertou para os riscos dessa escolha, ao falar a Israel sobre os direitos do rei na explorao do trabalho para si, na tomada de terras e na convocao de homens, para a guerra, e de mulheres, para seus servios (cf. 1Sm 8,10-18).

    120. Samuel tinha razo. A frase fez o que era mau aos olhos do Se-nhor (1Rs 16,25) repetida pelos profetas quando avaliam o procedimento dos reis de Israel. Retrata a distoro do projeto de uma sociedade justa e fraterna, onde fosse defendida a causa dos mais pobres. Ai dos pastores de Israel que apascentam a si mesmos! No so os pastores que devem apascentar as ovelhas (Ez 34,2)?

    121. Os projetos dos reis, desvinculados daquele oriundo de Deus, geraram injustias na sociedade de Israel que a desestruturaram.

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    Israel foi presa fcil do expansionismo babilnico, retornando condio de escravo de outro povo. Mas Deus no abandonou o povo com o qual celebrou aliana.

    1.2. O exlio e a relao de Israel com as naes gentias

    122. O exlio provocou profunda crise no povo de Israel. Houve con-fronto de sua histria, tradio e f com a de um imprio em seu resplendor. O exlio trouxe disperso do povo de Israel em meio s naes gentias, e ele se viu diante de duas alternativas: o ex-clusivismo nacionalista, fechado ao outro, e o risco da perda da identidade num mundo marcado pela pluralidade.

    123. No contato com outros povos, Israel compreendeu que a eleio amorosa da parte de Deus tambm era tarefa e responsabilidade: Eu, o Senhor, te chamei para o servio da justia, tomei-te pela mo e te modelei; eu te constitu como aliana do povo, como luz das naes (Is 42,6). Ficou mais claro o signifi cado do chamado a ser luz para as naes.

    124. Os profetas falaram com clareza que no basta orar, oferecer sa-crifcios para agradar a Deus:

    Parai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem, buscai o que correto, defendei o direito do oprimido, fazei justia ao rfo, defendei a causa da viva. Depois, vinde, podemos discutir diz o Senhor. Se vossos pecados forem vermelhos como escarlate, fi caro brancos como a neve (Is 1,16-18).

    Acaso o jejum que eu prefi ro no ser isto: soltar as cadeias in-justas; desamarrar as cordas do jugo; deixar livres os oprimidos, acabar com toda espcie de imposio (Is 58,6)?

    J te foi indicado, homem, o que bom, o que o Senhor exige de ti. s praticar o direito, amar a misericrdia e caminhar humilde-mente com teu Deus (Mq 6,8).

    125. A religio precisa expressar-se com sinceridade no servio aos outros, como na construo da vida social que gere vida a todos.

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    Agrada a Deus uma sociedade fundada na justia, que ampara os necessitados, e no cultos, oferendas, sacrifcios desvinculados de tais prticas. Os israelitas compreenderam que o desvio da Aliana fragilizou os seus laos sociais e sucumbiram facilmente ao poderio babilnico.

    1.3. Jesus e a organizao social de seu tempo126. No Novo Testamento, Deus leva plenitude seu plano de salva-

    o e libertao. Depois de ter falado muitas vezes pelos profetas e ter feito alianas com os homens e mulheres (cf. Hb 1), agora o prprio Deus se faz ser humano em Jesus Cristo (cf. Fl 2,7). Por meio de Jesus, chama os homens e mulheres a acolherem seu Reino de amor e justia (cf. Mc 1,15), e a estabelecerem relaes permeadas pela justia.

    127. Jesus realizou sua misso em meio aos problemas e injustias da sociedade do seu tempo, e propunha um novo modo de viver. Com suas aes, mostrou como deveria se caracterizar a vida dos homens e das mulheres no Reino de Deus. Ele colocou em pri-meiro lugar os pobres, os fragilizados, os excludos.

    128. Ele demonstrou amor e cuidado pelos pequenos e marginalizados do seu tempo: mulheres e crianas (Mc 10,13-16; 14,9; Lc 8,1-3); prostitutas (Mt 21,31; Lc 7,37); doentes (cegos, mudos, surdos, ga-gos, aleijados, encurvados, a mulher febril, a mulher com fl uxo cons-tante, leprosos e epilpticos) e endemoninhados (cf. Mc 1,32-34). Estes eram pobres: estavam nas periferias fsicas e existenciais. En-quanto isso, autoridades religiosas foram censuradas por Jesus:

    Amarram fardos pesados e insuportveis e os pem nos ombros dos outros, mas eles mesmos no querem mov-los, nem sequer com um dedo (Mt 23,4).

    Ai de vs, escribas e fariseus hipcritas! Fechais aos outros o Reino dos cus, mas vs mesmos no entrais, nem deixais entrar aque-les que o desejam (Mt 23,13) (...) Assim tambm vs: por fora, pareceis justos diante dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e injustia (Mt 23,28).

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    129. O sofrimento do povo, sem o amparo daqueles que deveriam servi-lo, levava Jesus compaixo: Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multido e encheu-se de compaixo por eles, por-que eram como ovelhas que no tm pastor. E comeou, ento, a ensinar-lhes muitas coisas (Mc 6,34).

    1.4. Jesus e a lgica do servio130. Jesus no se apresentou como quem queria prestgio, mas como

    servidor: Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso. Tomai sobre vs o meu jugo e sede discpulos meus, porque sou manso e humilde de co-rao (Mt 11, 28-29).

    131. E valorizou os humildes: Eu te louvo, Pai, Senhor do cu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sbios e entendidos e as revelaste aos pequeninos (Mt 11,25). Assim se expressou nas Bem-aventuranas: Bem-aventurados os pobres em esprito, porque deles o Reino dos Cus (Mt 5,3).

    132. Os acostumados a ser tratados como importantes fi caram inco-modados. Os sumos sacerdotes e os ancios do povo, ao verem o que Ele fazia, perguntavam: Com que autoridade fazes essas coisas? Quem te deu essa autoridade? (Mt 21,23).

    133. Jesus usou sua autoridade para servir. O servio, assumido como lema na Campanha da Fraternidade deste ano: Eu vim para servir (cf. Mc 10,45) foi a resposta de Jesus quando os discpulos no compreenderem o que Ele anunciava, a ponto de se interrogarem sobre quem seria o maior entre eles (cf. Mc 9,32-34). Tiago e Joo lutam pelos primeiros lugares e os outros dez se enchem de ci-mes (cf. Mc 10,35-41). Essa foi uma ocasio propcia para Jesus oferecer uma verdadeira catequese acerca do poder como servio (cf. Mc 8,34-35; 9,35-37). Jesus ento os chamou e disse-lhes:

    Sabeis que os que so considerados chefes das naes as dominam, e os seus grandes fazem sentir seu poder. Entre vs no deve ser assim. Quem quiser ser o maior entre vs seja aquele que vos ser-ve, e quem quiser ser o primeiro entre vs seja o escravo de todos.

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    Pois o Filho do Homem no veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos (Mc 10,42-45).

    134. Pela fala de Jesus, percebe-se que os prprios discpulos estavam tomados pela lgica de poder contrria aos valores do Reino anunciados por Jesus. Ele entendia e vivia o poder na perspec-tiva do amor, da entrega aos irmos e irms. Ele expressou isso concretamente nas opes de sua vida, a ponto de oferecer sua prpria vida pela humanidade.

    135. Quando Jesus fez esse anncio, Pedro no entendeu e ousou cen-sur-lo: Deus no permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te acontea! (Mt 16,21-22). Jesus apontou outra direo, mostran-do que o discpulo necessariamente deve seguir o Mestre. E o se-guimento conduz generosa entrega da vida em favor dos outros.

    136. O servio, ns o vemos expresso na ltima ceia, quando o evan-gelista apresenta o gesto do lava-ps. Durante a ceia, Pedro no queria permitir a Jesus lhe lavar os ps. Pedro disse: Tu no me lavars os ps nunca! Mas Jesus respondeu: Se eu no te lavar, no ters parte comigo ( Jo 13,8). Simo Pedro reagiu desta ma-neira porque considerava o Mestre muito importante para aquela funo, reservada aos de menor importncia em uma casa.

    137. Para assumir a misso de Jesus, o discpulo precisa estar toma-do pelo esprito de servio. Nessa perspectiva, se compreendem tambm outras orientaes sobre o discipulado e o servio ao mundo: Se algum quer vir aps mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me! Pois, quem quiser salvar sua vida a perder; mas quem perder sua vida por causa de mim e do Evan-gelho, a salvar (Mc 8,35). Essa lgica de servio coloca a reli-gio como instrumento de construo de uma nova sociedade.

    1.5. A Igreja nascente a servio de uma sociedade reconciliada

    138. Jesus confi ou aos apstolos a misso de construir o Reino de Deus no corao dos homens e mulheres deste mundo. Com a

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    morte e ressurreio de Jesus, Deus cumpriu sua promessa de enviar o Esprito Santo (At 2,1ss). Assim, receberam a fora sal-vadora que impele os discpulos missionrios de Jesus a anunciar este Reino e a chamar as naes a fazerem parte dele.

    139. O Apstolo Paulo, chamado por Jesus no caminho de Damasco (Atos 9), tornou-se um ativo missionrio e evangelizador, levan-do a muitas cidades a mensagem do Reino de Deus. A vida e a obra de Paulo, pastor e missionrio, se inseriram no mesmo hori-zonte de Jesus. Ele anunciava que Jesus

    (...) existindo em forma divina, no se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhan-te ao ser humano. E, encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo-se obediente at a morte e morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o Nome que est acima de todo nome (...). Jesus Cristo o Senhor, para a glria de Deus Pai (Fl 2,6-9.11).

    140. Paulo foi um missionrio eminentemente urbano. Ele criou uma rede de comunidades eclesiais e de colaboradores e colaboradoras nas periferias de grandes cidades do Imprio Romano, especial-mente Antioquia da Sria, Corinto, feso e Roma. Para ele, a fora do Crucifi cado-Ressuscitado determina o ser e o agir dos seus se-guidores: Portanto, se algum est em Cristo, criatura nova. O que era antigo passou, agora tudo novo (2Cor 5,17; cf. Gl 6,15).

    141. Esse novo inclui a lgica do servio. O seguimento de Jesus se ali-mentava da tradio de Israel, desse mesmo tronco e mesma seiva (Rm 11,16-24). Mas a tenda comum foi alargada e o apstolo dos gentios foi proclamar o amor universal e inclusivo de Deus: No h judeu nem grego, no h escravo nem livre, no h homem nem mulher, pois todos vs sois um em Cristo Jesus (Gl 3,28).

    142. Pelo servio, os cristos derrubam as barreiras que dividem a so-ciedade, pois: Cristo a nossa paz; de ambos os povos fez um s, tendo derrubado o muro da separao (Ef 2,14). Cristo veio anunciar a paz: paz para vs que estveis longe e paz para os que estavam perto. por ele que todos ns, judeus e pagos, temos acesso ao Pai, num s Esprito (Ef 2,17-18).

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    1.6. Igreja e sociedade: uma mensagem de esperana e vitria

    143. No livro do Apocalipse, o plano de salvao de Deus se mostra mais forte que as foras do mal. Deus tem a ltima palavra, a Ele pertence a vitria contra as foras que se opem ao bem.

    144. Para aqueles que com Ele lutam contra o mal, para aqueles que fi -zerem o bem, feita a promessa de uma Nova Jerusalm, a cidade onde seu projeto se realiza plenamente (cf. Ap 21,9-22,5). L no h choro, violncia e injustia. As portas nunca se fecham, mas todos esto em segurana. um novo tipo de sociedade, orienta-da pelos valores do Reino de Deus, presente em tudo e em todos.

    145. Nos captulos anteriores, o autor do Apocalipse, por meio de ima-gens profundamente evocativas, havia delineado um quadro bas-tante negativo e pessimista para a humanidade: tragdias, a besta que sobe do mar (cf. Ap 13,1-10), a besta que sobe da terra, o falso profeta (cf. Ap 13,11-18) e Babilnia, a cidade prostituta (cf. Ap 1718). Mas tudo isso vencido. A mensagem do Apocalipse de esperana e vitria. Na nova cidade h beleza, esplendor e santi-dade, um rio de gua viva alimenta a vida por onde passa:

    Ele mostrou-me um rio de gua vivifi cante, o qual brilhava como cristal. O rio brotava do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da praa e em ambas as margens do rio cresce a rvore da vida, frutifi cando doze vezes por ano, produzindo cada ms o seu fruto, e suas folhas servem para curar as naes. J no haver maldio alguma (Ap 22,1-3a).

    146. A criao reconciliada, a pessoa humana desenvolve-se inte-gralmente, as relaes desumanas e violentas so restauradas, o mundo se transforma:

    Esta a morada de Deus-com-os-homens. Ele vai morar junto deles. Eles sero o seu povo, e o prprio Deus-com-eles ser seu Deus. Ele enxugar toda lgrima dos seus olhos. A morte no exis-tir mais, e no haver mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas anteriores passaram (Ap 21,3-4).

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    147. Esse o fi nal feliz da histria humana, o projeto de Deus realizado. A Igreja, comunidade dos discpulos missionrios, convidada a fazer parte da construo desse novo mundo de justia, fraterni-dade e paz, pelo testemunho de Jesus Cristo e servio sociedade.

    2. A relao Igreja sociedade luz do magistrio da Igreja

    2.1. Igreja: comunidade dos seguidores de Jesus a servio da sociedade

    148. O signifi cado da relao da Igreja com a sociedade vem explicitadono incio da Constituio Apostlica Gaudium et Spes:

    As alegrias e as esperanas, as tristezas e as angstias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, so tambm as alegrias e as esperanas, as tristezas e as angstias dos discpulos de Cristo; e no h realidade alguma verdadeiramente humana que no encontre eco no seu corao. Porque a sua co-munidade formada por homens, que, reunidos em Cristo, so guiados pelo Esprito Santo na sua peregrinao em demanda do reino do Pai e receberam a mensagem da salvao para comunic--la a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gnero humano e sua histria.68

    149. A misso da Igreja Catlica colocar disposio do gnero humano as foras salvadoras que ela recebe de Cristo. Prope salvar a pessoa humana integralmente e restaurar a sociedade humana no que se refere sua fi nalidade mais autntica: o de-senvolvimento integral a partir do bem comum.69 Os cristos so anunciadores e agentes de uma nova ordem social: a civilizao do amor, na expresso de Paulo VI.70 Essa realidade que nasce

    68 DOCUMENTO CONCILIAR. Constituio Pastoral Gaudium et Spes. n. 1.69 Cf. Idem. n. 3.70 Cf. PAPA JOO PAULO II, Mensagem pelo XXXIV Dia Mundial da Paz. Roma, 01 Janeiro

    2001. n. 10.

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    do encontro amoroso