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1 CAMINHOS PARA O ENCONTRO COM A LITERATURA: o espaço biblioteca e a formação do leitor em uma instituição não-governamental do noroeste do Paraná. Andréia Cristina CRUZ – UEM; Rosa Maria Graciotto SILVA – UEM. RESUMO Este trabalho apresenta um estudo sobre a leitura do texto literário em uma instituição não-governamental situada em um município do noroeste do Paraná. A instituição atende, em contraturno escolar, adolescentes de doze a dezoito anos e se propõe a desenvolver atividades que possam contribuir com a promoção do ser humano. Dentre estas atividades, podem-se destacar o incentivo à educação formal – Ensino Fundamental e Médio – e o anseio em desenvolver atividades ligadas à arte e à cultura como a dança, teatro, esportes e a leitura do texto literário. Esta última desempenha papel importante, pois de acordo com Antonio Candido (1972), a literatura apresenta função humanizadora, o que corrobora a proposta de promover, em vários aspectos, o adolescente atendido pela instituição. Esta entidade inaugurou, há pouco, sua sede própria construída com donativos oriundos de uma comunidade alemã. Dessa forma, apresenta uma estrutura física bastante propícia à realização de projetos como este que visa ao trabalho com o texto literário. Palavras-Chave: Literatura – Formação do Leitor – Biblioteca. Apresentação O presente trabalho relaciona-se com o projeto de pesquisa intitulado OFICINA DE LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR: um estudo sobre a recepção do texto literário por adolescentes de uma instituição não-governamental do noroeste do PR, desenvolvido como projeto da dissertação de Mestrado, pelo Programa de Pós- Graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá, PR. No entanto, antes de trabalharmos as Oficinas, é preciso investigar os diferentes aspectos que envolvem a leitura na entidade, isto porque almejamos que as Oficinas sejam elos entre as práticas já desenvolvidas e aquelas que podem ainda ser realizadas para mediatizar o caminho entre o leitor e o texto literário. Partimos, então, da observação das atividades já desenvolvidas na Biblioteca da entidade, uma vez que reconhecemos a Biblioteca como um importante mediador de leitura. Utilizaremos como instrumento de pesquisa para tal observação, questionários aplicados aos adolescentes e à Bibliotecária da entidade. Assim, temos como objetivo observar o trabalho com a leitura realizada na Biblioteca da entidade, verificando tanto as condições de acesso ao livro impresso,

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CAMINHOS PARA O ENCONTRO COM A LITERATURA: o espaço biblioteca e a formação do leitor em uma instituição não-governamental do noroeste do Paraná. Andréia Cristina CRUZ – UEM; Rosa Maria Graciotto SILVA – UEM. RESUMO Este trabalho apresenta um estudo sobre a leitura do texto literário em uma instituição não-governamental situada em um município do noroeste do Paraná. A instituição atende, em contraturno escolar, adolescentes de doze a dezoito anos e se propõe a desenvolver atividades que possam contribuir com a promoção do ser humano. Dentre estas atividades, podem-se destacar o incentivo à educação formal – Ensino Fundamental e Médio – e o anseio em desenvolver atividades ligadas à arte e à cultura como a dança, teatro, esportes e a leitura do texto literário. Esta última desempenha papel importante, pois de acordo com Antonio Candido (1972), a literatura apresenta função humanizadora, o que corrobora a proposta de promover, em vários aspectos, o adolescente atendido pela instituição. Esta entidade inaugurou, há pouco, sua sede própria construída com donativos oriundos de uma comunidade alemã. Dessa forma, apresenta uma estrutura física bastante propícia à realização de projetos como este que visa ao trabalho com o texto literário. Palavras-Chave: Literatura – Formação do Leitor – Biblioteca. Apresentação

O presente trabalho relaciona-se com o projeto de pesquisa intitulado OFICINA DE LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR: um estudo sobre a recepção do texto literário por adolescentes de uma instituição não-governamental do noroeste do PR, desenvolvido como projeto da dissertação de Mestrado, pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá, PR.

No entanto, antes de trabalharmos as Oficinas, é preciso investigar os diferentes aspectos que envolvem a leitura na entidade, isto porque almejamos que as Oficinas sejam elos entre as práticas já desenvolvidas e aquelas que podem ainda ser realizadas para mediatizar o caminho entre o leitor e o texto literário.

Partimos, então, da observação das atividades já desenvolvidas na Biblioteca da entidade, uma vez que reconhecemos a Biblioteca como um importante mediador de leitura. Utilizaremos como instrumento de pesquisa para tal observação, questionários aplicados aos adolescentes e à Bibliotecária da entidade.

Assim, temos como objetivo observar o trabalho com a leitura realizada na Biblioteca da entidade, verificando tanto as condições de acesso ao livro impresso,

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propriamente dito, como a dinâmica de trabalho da mesma, que pode contribuir ou não com a formação do leitor.

A Entidade em questão é de cunho social, atende desde 1992, adolescentes de baixa renda que apresentam, em sua maioria, desestrutura familiar. São jovens que estão em situação de risco, no ambiente familiar e social. Nesse sentido, a ONG visa promover, em vários aspectos, o adolescente. Para isso, utiliza diversas estratégias, como por exemplo, o incentivo a educação formal, a orientação profissional, o esporte, a música e a leitura.

Chamou-nos à atenção o desejo da entidade em incentivar a leitura em meio aos adolescentes, como forma de promovê-los. Pois, assim como Candido (1972), acreditamos que a leitura, especialmente a leitura do texto literário, contribui com a formação humana, o que corrobora a proposta de promover, em vários aspectos, o adolescente atendido pela instituição.

Essa formação humana, por meio do texto literário, é entendida, aqui, como a capacidade do sujeito conhecer-se e (re) conhecer-se no texto, isto porque, na interação texto-leitor, são contrapostas as representações literárias e sociais presentes na obra com aquelas trazidas pelo leitor. Nas palavras de Candido (1972, p. 806) “a literatura não corrompe nem edifica, mas humaniza em sentido profundo, por que faz viver”.

Para que haja a interação do leitor com texto, as práticas de leitura devem ser favoráveis ao diálogo. Nesse sentido, temos como base teórica para estas práticas a Estética da Recepção, proposta por Jauss (1994), na década de sessenta, do século XX. Esta teoria manifesta a importância do leitor na co-produção do texto e destaca a participação do indivíduo na atribuição de significados durante o ato da leitura.

De maneira sucinta, a leitura, então, é o resultado de uma interação entre o texto e o leitor. É o produto de um diálogo negociado entre a coerência interna do texto e a que o leitor lhe atribui por meio de seus conhecimentos prévios.

Nesta interação texto-leitor, muitas vezes, as representações de ambos são coincidentes, isto é, as presentes na obra são de conhecimento e de vivência também do leitor. Assim, os horizontes de expectativas, tanto do leitor, quanto da obra, são satisfeitos no ato da leitura.

Outras vezes, as representações da obra e do leitor são diferentes, rompendo com os horizontes de expectativas. Mas, é neste rompimento que são instigados os pensamentos do leitor, as reflexões, os sentimentos e as emoções. Nessa forma de leitura, o leitor tem oportunidade de vivenciar situações até então desconhecidas por ele. O leitor reflete e elabora conhecimentos que, talvez, possa vivenciar no decorrer da sua existência, alargando sua visão de mundo.

A Estética da Recepção, de acordo com Bordini e Aguiar (1988), discute o próprio conceito de literatura como sendo um sistema de sentido fechado e definitivo, enquanto objeto escrito, mas que se transforma em um sistema aberto, quando o texto

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se concretiza pela leitura. As autoras conferem a literatura, além da apropriação da coerência interna do texto uma extensão às relações que este tem com o mundo histórico e extratextual. 1. Uma pista pelo caminho: A Biblioteca

A formação do leitor e o gosto pela leitura do texto literário é um processo complexo e contínuo que pode iniciar-se no seio familiar e ganhar relevo no âmbito escolar, no momento em que o sujeito se alfabetiza e participa das práticas de leitura promovidas pela escola. Entretanto, o processo se amplia para as demais instâncias sociais como, por exemplo, as Bibliotecas, as ONGs, o mercado livreiro, dentre outras.

De acordo com Aguiar (2006), a Biblioteca é um espaço social que, como outros, modificou-se ao longo da história. Em seus primórdios era reservada apenas ao pequeno número de letrados que pertenciam à classe aristocrática ou dependiam dela e ao clérigo. Era um espaço sacralizado que guardava, cuidadosamente, os poucos livros, escritos ainda em pergaminho e costurados à mão.

A partir do século XVI, com o aparecimento da imprensa, os livros se multiplicaram e também as bibliotecas. Ainda assim, aquele espaço era restrito apenas às classes privilegiadas e detentoras do saber letrado.

Somente a partir do final do século XIX e início do século XX, quando começaram os rumores da “democratização” dos bens culturais, é que a biblioteca começa a ser vista de uma maneira diferenciada, mas ainda é restrita à classe abastada e culturalmente letrada, acostumada a conviver naquele espaço de leitura, já que a classe menos favorecida não estava apta a exercitar as regras e os rituais de leitura exigidos para o ambiente da biblioteca.

Atualmente, a biblioteca (pública ou escolar) está com as portas abertas a uma ampla clientela, oriunda de diferentes classes sociais. No entanto, isto também não significa que todos os freqüentadores da biblioteca têm acesso aos bens culturais ali existentes. A “democratização” dos materiais de leitura implicou consequentemente, na massificação dos mesmos.

Apesar de ter havido maior acesso, pelas classes antes marginalizadas, aos materiais impressos, as práticas de leitura são desenvolvidas de maneira superficial e aligeirada, de forma que os bens culturais disponibilizados na biblioteca, para muitos, ainda permanecem inacessíveis. Nesse sentido, é evidente reconhecer a importância das estratégias e atividades desenvolvidas na biblioteca, neste caso, na biblioteca da entidade, e o quanto isto pode contribuir ou não com a formação do leitor.

Entendemos que o espaço da biblioteca não é um mero “enfeite” e os livros não são apenas produtos ou mercadorias, mas sim objetos culturais, geradores de conhecimentos e prazer aos leitores.

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O objetivo da biblioteca, então, é incentivar e disseminar o gosto pela leitura, por meio de acervo organizado e integrado aos interesses dos leitores. É preciso, ainda, um ambiente agradável, acolhedor, conquistador, oferecer catalogações simples e de fácil manuseio, a fim de que este possa circular independente pelo local.

Não menos importante para a Biblioteca é o trabalho do bibliotecário. Este, além de primar pelas questões administrativas, de organização e manutenção do acervo, é também aquele a quem o usuário, muitas vezes, recorre. É importante que o bibliotecário assuma uma atitude de agente facilitador e motivador do aprendizado e da leitura. Para isso, precisa estar atento às necessidades da sua clientela, auxiliando-a, quando necessário, e, quiçá, promovendo situações que estimulem à leitura e torne este ambiente significativo para o usuário.

2. A Biblioteca da entidade No inicio e por algum tempo, a entidade funcionou, com dificuldades de

espaço, no Salão Paroquial da cidade, mas, em 2004, com auxilio de uma comunidade Alemã, a entidade ganhou um prédio novo. A sede da escola conta com quatro salas de aula, sala de vídeo, sala de informática, refeitório, cozinha, secretaria e bem ao centro do pátio fica a biblioteca.

A biblioteca é espaçosa e bem arejada. Possui, em todas as paredes, prateleiras de madeira, próprias para acomodação dos livros, além de mesas e cadeiras para uso dos adolescentes. A Monitora da Biblioteca, também, dispõe de mesa e materiais para realizar seu trabalho.

Em relação ao espaço físico, é muito agradável, acolhedor, limpo e organizado. As obras da biblioteca estão registradas e catalogadas em um livro, não disponibilizando consulta a catálogos de registro. Para encontrar a obra desejada, o usuário deve ir direto às prateleiras.

A biblioteca possui muitos livros, mas estes são, em sua maioria, livros didáticos, doados por uma escola estadual do município e enciclopédias, também recebidas em doação da Igreja Católica. O acervo de obras literárias, principalmente, as contemporâneas é menor. Como nosso interesse está voltado à literatura, deter-nos-emos à descrição do acervo literário.

Segue abaixo, quadro ilustrativo das obras e autores encontrados na biblioteca da entidade:

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Título da obra Autor Editora Nº S É R I E V A GA - L U M E

* A turma da rua quinze Marçal Aquino Ática 09 * Os barcos de papel José Maviael Monteiro Ática 05 * Tonico José Rezende Filho Ática 07 * Sozinha no mundo * O mistério das cinco estrelas * Doze horas de terror

Marcos Rey

Ática

03 03 03

* Deus me livre! Luiz Puntel Ática 07 * A ilha perdida * Spharion

Maria José Dupre

Ática

05 05

*O escaravelho do diabo Lucia Machado de Almeida Ática 08 *Cem noites tapuias Ofélia e Narbal Fontes Ática 03 *A primeira reportagem Sylvio Pereira Ática 03 *Confusões e calafrio Franco Silva Cintra Ática 07 *Dois garotos da pesada Manoel Cardoso Ática 08 *O menino que inventou a verdade Pedro Bloch Ática 04

* Reinações de Narizinho * Histórias de Tia Nastácia * O picapau amarelo

Monteiro Lobato

Brasiliense

01 01 01

* Os melhores contos de Natal Charles Dickens scipione 01 * Os cavaleiros da Távola redonda Adaptação do Clássico scipione 02 * O menino do dedo verde Maurice Druon José Olympo 01 * Uma professora muito maluquinha Ziraldo Melhoramentos 01 * Bisa Bia, Bisa Bel Ana Maria Machado Salamandra 01 * O fantástico Mistério da Feiurinha * Palavras, palavrinhas, palavrões

Pedro Bandeira

Siciliano

01 01

* Abre-te Sésamo Onici Claro Flores Brasil 02 * Dona Quitéria Trutuzeira Maria Heloisa Penteado FTD 01 * Um saci no meu quintal Mônica Stahel Martins 01 * Os contadores de histórias Nissan Mindel MAAYANOT 01 * Histórias de lenços e ventos Elias Kruglianski Ática 01

Tabela 1 Relação de obras, autores e número de exemplares encontradas na biblioteca da entidade. A biblioteca da entidade possui, ainda, duas coleções completas que

contemplam outras obras clássicas da literatura, como por exemplo, de Álvares de Azevedo, Lira dos vinte anos e Noite na Taverna; de Machado de Assis, Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Papéis Avulsos; de Érico Veríssimo, Solo de Clarineta e Clarissa; de Eça de Queiroz, O Primo Basílio e O crime do Padre Amaro; de Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição e Amor de Salvação; de Tomaz

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Antonio Gonzaga, Marília de Dirceu; de Aluisio Azevedo, O cortiço; de José de Alencar, Iracema, Lucíola e Senhora, dentre muitos outros autores e obras.

A biblioteca da entidade não possui um número muito grande de obras, mas há diversidade de autores. Contudo, o acervo não é renovado há algum tempo, o que, por vezes, pode provocar certo desinteresse ao usuário adolescente, que está sempre em busca de novidades.

Para investigarmos o trabalho desenvolvido na biblioteca, utilizamos como instrumentos de pesquisa questionários, dirigidos à Monitora da Biblioteca 1 e aos adolescentes. A partir de agora, faremos a análise dos resultados encontrados.

O questionário preparado para a MB buscou informações sobre três eixos: Identificação – idade, sexo, grau de instrução e curso formação –; Leituras – história de leitura da monitora, o gosto pela leitura, as preferências, o que compreende por literatura e que uso que faz dos textos literários, tanto na vida pessoal como na profissional –; Trabalho na Biblioteca – há quanto tempo desempenha a função, se conhece os materiais disponíveis, qual a finalidade da biblioteca na entidade, como é o trabalho de leitura na biblioteca, como é o atendimento aos usuários, se conhece o gosto de leitura dos adolescentes e se a biblioteca possui um projeto de incentivo à leitura.

MB tem vinte e dois anos, é acadêmica do Curso de psicologia e trabalha na entidade há seis meses. Segundo o relato da mesma, escolheu este trabalho porque precisa pagar a mensalidade do curso, já que estuda em uma faculdade particular.

Para MB, “ler é analisar uma obra, decifrar textos, tomar conhecimento”. Essa definição de leitura reflete que a mesma tem a visão do texto como “detentor do conhecimento”, isto é, a leitura serve para desvendar um saber que já existe no texto, independente do leitor. Nesta visão, o diálogo entre leitor e texto não acontece, pois o ultimo já apresenta um significado determinado, cabe ao leitor apenas tomar conhecimento deste significado.

Ao investigarmos sobre o apreço e a finalidade da leitura, MB afirmou gostar de ler. Segundo ela, por meio da leitura adquire-se conhecimentos e há melhora no vocabulário. Aqui, percebemos que, para ela, a leitura tem um valor utilitário, uma vez que apresenta a finalidade específica de instruir. Ficou evidente na fala da monitora que a mesma desconhece a gratuidade da leitura (apreciação estética, o prazer de ler), ao contrário, para ela, a leitura é vista no âmbito do pragmatismo. Esta afirmação é confirmada quando perguntamos sobre o que tem lido ultimamente e a resposta cita conteúdos específicos da área de psicologia.

No entanto, ao questionarmos sobre suas preferências de leitura e as leituras que fazia na infância e adolescência, encontramos como textos preferidos romances e contos. Um tipo de leitura que não é, necessariamente, utilitária. Apesar de MB afirmar preferir as leituras literárias, ao questionarmos sobre o autor preferido, não houve 1 Devido à necessidade de constante recorrência a este termo, a partir de agora, tratar-na-emos por MB.

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resposta, o que nos leva a crer que a literatura não apresenta uma participação importante em sua vida.

Perguntamos o que a pesquisada entendia por literatura, a mesma apresentou uma resposta bastante formatada, ao dizer que “literatura é arte de escrever, trabalho artístico em prosa ou verso”. Isto revela que a entrevistada não elaborou ainda uma opinião sobre o que seja literatura, talvez pela falta de envolvimento com o texto literário, o que provavelmente levou-a a pesquisar a definição em um livro didático ou enciclopédico.

A falta de envolvimento é confirmada nas perguntas seguintes que dizem respeito ao uso que faz dos textos literários na vida pessoal e profissional. Não houve respostas da entrevistada. Interessante observar que por se tratar de uma monitora de biblioteca, nem na vida profissional o texto literário é utilizado.

Nas questões que tratavam sobre o trabalho na biblioteca, muitas respostas foram deixadas em branco, ou, então, foram muito vagas e pouco esclarecedoras.

Indagamos sobre os materiais disponibilizados pela biblioteca e a resposta veio como “todas as matérias” (!). Parece-nos que, para ela, são bastante perceptíveis os livros didáticos de “todas as matérias” que estão nas prateleiras, mas as obras literárias permanecem invisíveis.

Para a entrevistada a biblioteca serve para fazer pesquisas escolares e leitura, mas não deixa claro que tipo de leitura e como elas são. Disse ainda que quando os alunos vão até a biblioteca para realizarem suas pesquisas são eles mesmos que retiram os livros da prateleira, mas, quando é um momento de leitura, é o professor que escolhe. A leitura, de acordo com a entrevistada, é feita em silêncio.

As perguntas que se referiam a identificação das obras literárias mais retiradas da biblioteca, se a monitora acreditava que os adolescentes gostam de ler, quais as preferências de leitura dos mesmos e se a biblioteca desenvolve algum projeto de incentivo à leitura ficaram em branco, sinalizando a falta de preparo para o cargo que exerce.

Constatamos, então, uma ausência de envolvimento com o trabalho na biblioteca. Talvez, por falta de informação, de conhecimento, de envolvimento com os objetivos da entidade de promoção do ser humano, ou, talvez, pelo fato de estar desempenhando uma função que não condiz com a sua formação, o que leva ao desconhecimento da finalidade da biblioteca, de como assessorar os freqüentadores do local, de possíveis estratégias de incentivo à leitura, dentre outras coisas.

Foram entrevistados, ainda, dezesseis adolescentes de 5ª e 6ª séries que permeiam entre onze a quatorze anos. A entidade, no entanto, atende, atualmente, cerca de cento e cinqüenta adolescentes de doze a dezoito anos que, obrigatoriamente, precisam estar matriculados no ensino fundamental ou médio. Estes, foram os adolescentes selecionados, porque pertencem à mesma turma na entidade e estão na faixa etária de interesse da pesquisadora.

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Com o questionário dirigido aos adolescentes, buscamos investigar o apreço pela leitura, o local onde mais realizam leituras, onde encontram os livros para ler, se são auxiliados por alguém na escolha dos materiais de leitura, como vêem o ambiente da biblioteca da entidade e se encontram os materiais que desejam para leitura na biblioteca da entidade.

Segue abaixo quadro, exemplificando os dados encontrados:

Pesquisados

Você gosta de ler? O quê?

Onde você

mais lê?

Onde você pega

os livros para ler?

Você é auxiliado na escolha dos

livros, na EOCA? Adolescente A

12 anos/ 6ª série Sim/ Gibi

Escola

Ganha de presente

Não

Adolescente B 13 anos/ 5ª série

Sim/ livros

Escola

Biblioteca da escola

Não

Adolescente C 12 anos/ 5ª série

Sim/ Livro infantil

Escola

Biblioteca da escola e da EOCA

Não

Adolescente D 12 anos/ 5ª série

Sim/ livros, gibis e histórias

Em casa Escola

Biblioteca da escola e da EOCA

Sim, pela bibliotecária

Adolescente E 12 anos/ 6ª série

Sim/ Poesia e outros

Em casa Escola

Biblioteca da escola e da EOCA

Sim, pela bibliotecária

Adolescente F 12 anos/ 6ª série

Sim/ histórias

Escola

Biblioteca da escola

Não

Adolescente G 12 anos/ 6ª série

Sim/ histórinhas

Em casa EOCA

Compra

Não

Adolescente H 13 anos/ 6ª série

Não/ Nada

Não gosto de ler

Não houve resposta

Em lugar algum

Adolescente I 11 anos/ 6ª série

Sim/ Todos

Escola EOCA

Biblioteca da escola

Não

Adolescente J 11 anos/ 6ª série

Sim/ revistas

Escola

Empresta com amigos

Não

Adolescente K 11 anos/ 5ª série

Sim/ Livro de ciências

Escola

Na biblioteca da escola e da EOCA

Sim, pela Coordenadora

Adolescente L 14 anos/ 6ª série

Sim/ Livro de histórias

Escola

Na biblioteca da escola

Não

Adolescente M 13 anos/ 5ª série

Sim/ Livro

Em casa

Na biblioteca da escola

Não

Adolescente N 12 anos/ 6ª série

Sim/ Livros

Em casa

Na biblioteca da escola

Não

Adolescente O 14 anos/ 6ª série

Mais ou menos/ Livro didático

Em casa Escola

Na biblioteca da escola

Sim, não identificou quem

Adolescente P 11 anos/ 5ª série

Sim/ Livro de espanhol

Escola

Outras bibliotecas

Não

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Tabela 2 – Condições de acesso à leitura na biblioteca da entidade, segundo os adolescentes – resultados parciais. Dos dezesseis entrevistados, quatorze disseram gostar de ler, um disse gostar um pouco e um não gosta nada de leitura. Apesar disso, verificamos que apenas oito dos entrevistados fizeram alguma referência ao gosto pela literatura – “gosto de ler histórias, historinhas, poesias, livros infantis, etc” – .

Houve predominância na leitura e no empréstimo dos livros pela escola de ensino regular, sendo que, menos da metade dos entrevistados, fizeram alguma menção a leitura da entidade.

A figura de MB está bastante ausente para a maioria dos adolescentes que freqüentam a entidade, no momento em que, o maior número de entrevistados disse não ter auxilio da monitora da biblioteca.

Estes resultados, ainda que parciais, já nos encaminham para a preocupação da necessidade de um projeto de formação de leitores, na entidade. Quase cem por cento dos adolescentes afirmaram gostar de ler, isso significa que são leitores em potencial, mas necessitam de estímulo para adentrarem ao mundo literário.

Por isso, urge que nos esforcemos para transmitir nosso amor pela literatura, contagiando-os, por meio de um trabalho organizado.

A respeito disso, Ana Maria Machado destaca que:

[...] ninguém resiste à tentação de saber o que se esconde dentro de algo fechado – seja a sabedoria do bem e do mal no fruto proibido, seja na caixa de Pandora, seja o quarto do Barba Azul. Mas, para isso, é preciso saber que existe algo lá dentro. Se ninguém jamais comenta sobre as maravilhas encerradas, a possível abertura deixa de ser uma porta ou uma tampa e o possível tesouro fica sendo apenas um bloco compacto ou uma barreira intransponível (Machado, 2001, p. 149).

Recai sobre aqueles que já adentraram este mundo, a responsabilidade de fazer

outros descobrirem o que está por trás dessa porta e desvendar o universo maravilhoso da literatura, estendendo o legado da cultura da humanidade. Considerações

Esta ONG, que apresenta como missão a promoção do ser humano, tendo a leitura como uma de suas estratégias, instiga desejo de estudo e incentivo. Ainda mais, porque encontramos em seus documentos e registros, dados que revelam os resultados já atingidos, em termos de promoção do adolescente no convívio social e no mercado de trabalho.

São mais de quinhentos jovens, em situação de risco, que passaram pela instituição e, hoje, estão na comunidade, exercendo diversos papéis sociais. São pais,

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professores, vendedores, funcionários públicos, dentre outros. Ex-adolescentes que poderiam ter trilhado por caminhos tortuosos, mas, conseguiram alcançar formação humana para desempenhar os respectivos papéis.

Estes ex-adolescentes da instituição e atuais cidadãos da comunidade, com freqüência, são convidados a retornar à entidade e relatar suas histórias de vida para os que hoje lá freqüentam. É possível perceber nos relatos dos mesmos, como a entidade foi importante para eles.

Assim, percebemos que existe um trabalho sendo realizado com os adolescentes, de uma maneira ou outra, esse trabalho está gerando um resultado positivo.

Entretanto, com as atividades de leitura, a entidade requer, ainda, uma melhor estruturação e o próprio entendimento da dimensão que a leitura do texto literário apresenta na formação do ser humano.

Nesse sentido, para que a entidade atinja seus objetivos de promoção humana, também por meio da leitura, é necessário que a mesma intervenha no trabalho já realizado, buscando orientações e possíveis caminhos, a fim de conseguir driblar as armadilhas do despreparo profissional e do comodismo que, por vezes, rondam o meio institucional.

Referências AGUIAR, Vera Teixeira de. O caminho dos livros: da biblioteca à comunidade. In: Territórios da leitura: da literatura aos leitores. Org: AGUIAR, Vera Teixeira de. MARTHA, Alice Penteado. Assis. SP: ANEP, 2006. BORDINI, M. da G.; AGUIAR, V. T. Literatura e a formação do leitor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. CÂNDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. São Paulo: Ciência e cultura, 1972. KUHLTHAU, Carol. Como usar a biblioteca na escola: um programa de atividades para o ensino fundamental. Trad: CAMPELLO, Bernadete Santos et alli. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994. MACHADO, Ana Maria. Texturas: sobre leitura e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.