caminhos e possibilidades para o brincar entre as crianças ... · reconhecer o direito da criança...
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Caminhos e possibilidades para o brincar entre as crianças e os adultos
Um relato das atividades lúdicas permanentes direcionadas às crianças de 0 a 6 anos no SESC Campinas - SP
Eixo 4- Práticas Pedagógicas, Culturas Infantis e Produção Cultural para
crianças pequenas.
Anne Binder1
Sandra Aparecida de Siqueira2
Resumo
Este texto traz experiências vivenciadas pela equipe de educadoras, no
processo de construção, planejamento e consolidação de uma ação
programática permanente direcionada às crianças de 0 a 6 anos no SESC
Campinas – SP. Tendo como um dos objetivos principais o fortalecimento
da relação adulto-criança por meio do brincar, um conjunto de ações foi
pensado, testado e (re)organizado, com vistas a superar o desafio de
envolver pais, mães, avós e responsáveis pelas crianças no momento do
brincar. Através da experiência prática e da troca junto às crianças e
adultos, foi possível avaliar que a preparação de espaços e situações que
possibilitem o livre brincar é uma das principais maneiras de estimular as
crianças desta faixa etária. Considera-se, assim, que ao brincar as crianças
conseguem dar os rumos e conduzir suas escolhas e que a atribuição das
educadoras, neste contexto, é mediar relações, preparar situações e
cenários, estimular as trocas entre as crianças e delas com os adultos.
1 Educadora equipe – SESC Campinas.
2 Educadora equipe – SESC Campinas.
“Que a importância de
uma coisa há que ser
medida pelo
encantamento que a
coisa produza em nós”
Manoel de Barros
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Olhares sobre a infância e o brincar
A simplicidade está presente na brincadeira. O brincar é uma forma
de explorar coisas, que independe do brinquedo. Renata Meirelles
3
Relatamos, neste texto, as experiências realizadas e vivenciadas por
parte da equipe de educadoras do Serviço Social do Comércio – SESC,
unidade de Campinas - SP, no âmbito das ações educativas e lúdicas
direcionadas às crianças de 0 a 6 anos e, especialmente, direcionadas à
primeira infância.
As ações programáticas para o público infantil no SESC SP têm como
um dos objetivos principais assegurar o brincar, sendo este compreendido
como um direito cultural da criança. Alinham-se aos objetivos gerais
propostos por esta instituição para a educação infantil4:
Reconhecer a criança como um ser que, em formação, possui uma
realidade existencial concreta e peculiar que deve ser respeitada
em sua singularidade.
Admitir que todo projeto de formação de cidadania, ainda que
voltado para o futuro, não pode prescindir dos valores do
presente, próprios do universo infantil, e com eles tem de ser
necessariamente articulados.
Reconhecer o direito da criança à formação sobre todos os
aspectos de sua existência individual e social, de modo a permitir-
lhe autoconhecimento e o domínio do meio em que vive.
Assumir a brincadeira como valor básico de toda ação educativa,
entendida como melhor forma de afirmação da identidade da
criança.
Nesta perspectiva, para além de aspectos cognitivo, motor e
intelectual que norteiam o processo de desenvolvimento infantil,
assumimos que as crianças devem ser envolvidas nas decisões que fazem
parte de suas vidas. Este é o desafio que se coloca em nossas ações. Ao
mesmo tempo, o que está no centro das intenções é o estimulo e
aprimoramento da relação das crianças com os adultos, sejam estes últimos
3 Renata Meirelles é educadora e pesquisa, desde 1994, brincadeiras de diferentes regiões brasileiras.
Idealizadora do Projeto BIRA – Brincadeiras Infantis da Região Amazônica, de intercâmbio lúdico em comunidades ribeirinhas e indígenas da Amazônia, e autora de “Giramundo e outros brinquedos e brincadeiras dos meninos do Brasil”, livro que publicado em 2007. 4 Extraído da publicação “uma conversa sobre o SESC” Coordenação José Menezes Neto e Hélio José P.
Magalhães. (pág. 25) Março/2010.
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pais, mães ou responsáveis. Na medida em que consideramos o brincar
como a principal forma que as crianças têm para se expressar, se comunicar
e aprender, entendemos que é significativa a presença e participação dos
adultos nas brincadeiras.
Como referências conceituais e metodológicas utilizadas no
desenvolvimento das ações programáticas, destacamos PEREIRA (1997),
KISHIMOTO (1997), FRIEDMANN (1996), FREYBERGER (2000), MEIRELLES
(2009), BENJAMIM (2002). Estes autores nos auxiliam na reflexão sobre a
primeira infância, o brinquedo e a brincadeira, os espaços para o brincar, a
educação não-formal e o papel do adulto neste contexto.
Por meio destes e de outros estudos, é possível compreender que a
infância, entendida como um período repleto de particularidades e fase
significativa/determinante da vida de todos é uma construção social e
teórica contemporânea. E nem sempre foi assim.
Levamos em consideração o fato de que a história da infância é
traçada sob a perspectiva do olhar do adulto, dada a impossibilidade de as
crianças registrarem de maneira sistematizada sua própria história. Se fosse
possível dar-lhes esse papel ao longo dos tempos (às crianças que estão nas
ruas, nas casas, no campo, nas instituições, no trabalho, etc) ouviríamos,
certamente, uma diversa gama de histórias que não nos permitiria traçar
um perfil homogêneo do que é a infância, descolando-as de seus contextos
históricos e sociais (ROCHA, R.C.L. 2002).
Estudos revelam que este período da vida, hoje nomeado como
infância, historicamente, passou por diferentes entendimentos: não era
percebido em sua singularidade, por vezes desvalorizado, considerado
apenas como um momento a ser superado em direção à vida adulta. Assim,
as representações sociais sobre a infância foram diversas. E é no início do
século XX que se constrói um entendimento mais específico sobre as
crianças, seja por meio de estudos na área da biologia, seja na área da
psicologia social. Com o passar do tempo, de acordo com as transformações
sociais, econômicas e políticas, a infância ganhou relevância e as crianças
passaram a ter, perante os adultos, olhares e espaços diferenciados.
Aspectos relacionados à proteção, vulnerabilidade e, mais recentemente, o
estatuto político da infância ganharam atenção especial, seja no meio
acadêmico ou no âmbito das leis e normas sociais.
As discussões atuais contemplam aspectos antes ignorados e
consideram a criança como um sujeito de direitos: ser histórico e social, que
tem participação direta sobre o mundo em que se encontra. Criança como
produtora de cultura. “Cultura da infância”, que se estabelece nas relações
com outras crianças (seus pares), com os adultos e de acordo com o
contexto socioeconômico em que estão inseridas.
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Assim, entendendo as crianças como sujeitos e agentes, com
conhecimentos, leitura de mundo, vontade própria, que precisam ser
observadas, compreendidas e respeitadas em suas particularidades, que se
iniciou e se consolidou uma programação específica direcionada às crianças
de 0 a 6 anos no SESC Campinas, ações estas que relatamos a seguir.
Os Primeiros Passos...
Tendo como principais motivadores a demanda por projetos e
ações que contemplassem crianças pequenas, é que se iniciou um trabalho
específico de planejamento programático para as crianças de 0 a 6 anos no
SESC Campinas. O trabalho teve início no primeiro semestre de 2010,
quando chegamos para compor a equipe de educadores da unidade. Até
então, quatro educadores/as eram responsáveis pela programação infantil
da unidade, porém atuavam mais especificamente nas ações processuais
direcionadas às crianças de 7 a 12 anos.
O momento de nossa chegada coincide, portanto, com o início de
um trabalho mais explícito, cuidadoso e direcionado, que buscava
aproximar pais, mães e filhos (especialmente os bebês) de um espaço
educativo, de lazer e fruição cultural que é o SESC Campinas. O princípio
orientador do planejamento era, e ainda é, o desenvolvimento de
atividades lúdicas que envolvessem e contemplassem não apenas as
crianças na experiência do brincar, mas, também, os adultos responsáveis.
Desde então, esta programação composta por diferentes atividades
temáticas acontece diariamente, de terça a domingo, em horários
diversificados. É destinada às crianças de 0 a 6 anos acompanhadas por um
ou mais adultos responsável. Cada ação tem duração de uma hora e meia
ou duas horas, porém a participação é espontânea e as crianças, junto com
os adultos, podem permanecer o tempo que considerarem prazeroso e
proveitoso.
As atividades temáticas são diversificadas e buscam utilizar
elementos de diferentes linguagens tais como literatura, música, dança,
canto, artes, entre outras. “Histórias Animadas”, “Meus Sentidos”, “Quer
Brincar? Vem Comigo!”, “De Fora do Berço”, “Vamos Fazer Arte?”, “Som,
Música, Ação!”, “Música e Movimento para Pequeninos”, “Corpo em Ação”,
“Nosso Quintal”, “Momento Lúdico”, “Brincadeiro”, “Revirando o Baú”, são
atividades que foram, outras ainda são, desenvolvidas neste projeto desde
o ano de 2010. Cada uma delas tem propósitos, intenções e preparos
específicos, porém, todas são realizadas no âmbito de um mesmo projeto
que tem como principais objetivos: desenvolver a autonomia infantil, bem
como o fortalecer a relação adulto-criança por meio do brincar.
“É no brincar, e talvez apenas no
brincar, que a criança ou o adulto
fruem sua liberdade de criação”.
D.W.Winnicott
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Já no planejamento inicial de cada ação, observamos que uma
questão fundamental seria a preparação/organização dos espaços para o
ato de brincar. O ambiente deveria ser estimulante e potencializar da
brincadeira, de forma que as crianças pudessem se apropriar e, ao mesmo
tempo, transformar.
Grande parte da programação aqui mencionada foi realizada em
uma sala de atividades, de porte médio, com uma face toda de vidro, que
possibilita visualização externa. Trata-se uma sala multiuso, não projetada
como um ambiente para crianças de 0 a 6 anos, mas que foi preparada para
acolher esta programação.
Em algumas ocasiões, as atividades também foram transferidas
para outros espaços da unidade, por vezes mais amplos, por vezes
menores; alguns com maior e outros com menor visibilidade; o que nos
colocava sempre um desafio de readequação tanto das propostas quanto
do ambiente. Diante disto, percebemos que é sempre possível criar espaços
estimulantes para o brincar, minimamente atrativos e aconchegantes.
O preparo, portanto, tem o intuito de transformar esse lugar
comum em um ambiente acolhedor, independentemente da idade, seguro
e especialmente convidativo ao brincar. Trabalhamos com cores, texturas,
tecidos, espelhos, objetos com volumes, cores, formas e tamanhos
diferenciados, ao mesmo tempo com pouco ou nenhum brinquedo
estruturado. Por vezes, objetos mais específicos como livros, fantoches,
cordas, bambolês, ioiôs, entre outros, são disponibilizados como elementos
para impulsionar o livre brincar.
Nesse livre brincar adultos e crianças, juntos, criam, comunicam-se,
aproximam-se.
Ampliando a prática e aprimorando o
fazer
Para construirmos caminhos possíveis no sentido de potencializar a
relação adulto-criança, é importante falar sobre a nossa própria prática e
relatarmos o começo de tudo... Chegamos juntas para esse trabalho e já
tínhamos experiências anteriores com processos de educação não-formal,
que tem a ludicidade como principal instrumento de trabalho. Porém, nossa
experiência com a faixa etária em questão era reduzida e não havíamos
passado anteriormente pelo desafio de envolver pais e mães nas atividades
com os pequenos.
E esse, de fato, foi nosso grande desafio.
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O SESC Campinas possui uma grande circulação de pessoas, de
diferentes faixas etárias que buscam atividades em diferentes linguagens
como esportes, saúde e alimentação, atividades artísticas variadas, entre
outras. Ao avistar um espaço com programação “monitorada” por uma
educadora, os pais, mães ou responsáveis pelas crianças se alegravam e
logo havia o desejo de, finalmente, ter um local onde deixar suas crianças
brincando em segurança. Ambos estariam, assim, liberados um do outro
para exercerem o seu direito ao lazer, separadamente.
Para ambos, adultos e crianças, essa parecia sempre uma boa
solução.
A princípio, tivemos grandes dificuldades em por em prática as
propostas de programação, especialmente pela falta de disponibilidade dos
adultos em permanecer no espaço.
Quando chegavam, sempre abordávamos primeiro a criança, que já
adentrava ao espaço e iniciava a exploração dos encantos e das
possibilidades de brincadeiras. Enquanto isso, conversávamos com o adulto
(comumente mães e avós) e explicitávamos as intenções e objetivos:
“Entre, brinque com seu pequeno”. As respostas eram geralmente
negativas. Percebíamos uma decepção inicial em não poder simplesmente
deixar a criança; ao mesmo tempo constrangimento e a não disposição para
o brincar. Uma dificuldade em estar e se comunicar com a criança por meio
da brincadeira.
Não raro, algumas crianças cujos pais já conheciam nossos convites
ao brincar, já chegavam sozinhas, nos dizendo que estavam autorizadas a
permanecer ali, brincando conosco. No afã de colocar em prática nosso
planejamento para essa ou aquela atividade, no início dos trabalhos era
comum recebermos crianças desacompanhadas dos adultos e, é bem
verdade, nos divertíamos muito. Assim, tivemos a oportunidade de
conhecer as crianças, experimentar atividades, utilizar diferentes materiais,
linguagens. Divertimos-nos e nos frustramos com propostas que pareciam
não funcionar mas que, na verdade, apenas não aconteciam como
esperávamos.
Caminhamos desta forma por alguns meses. Poucos adultos
envolvidos no brincar. As atividades eram muito agradáveis, porém
sentíamos que a ausência dos adultos poderia ser trabalhada por nós. Era
um objetivo a ser cumprido e tornou-se um desafio.
É importante salientar que, em um primeiro momento,
elaborávamos propostas muito sistematizadas e formatadas, com etapas
bem estruturadas. Ao longo do tempo, observamos que, para essa faixa
etária, não era necessário dirigir ações sistemáticas e esperar resultados. O
próprio processo, assim como as diferentes formas de apropriação das
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propostas pelas crianças eram realmente os aspectos mais fundamentais.
As crianças sempre as conduziam para outros lados...
Tendo em vista o pressuposto de que a criança deve ser agente
condutora de seu brincar, aprendemos com elas que deveríamos deixá-las
fruir em sua imaginação e desejo diante daquele espaço e daqueles
materiais. Sem frustrações para todos nós, educadoras e crianças e em
respeito à infância e à sua cultura.
Assim, após meses de observações e avaliações, chegamos a uma
ideia simples e que se apresentou bastante significativa: mudança de
abordagem. Mudança no convite ao brincar.
Passamos então a nos dirigir aos pais. A explicação da proposta,
seguida do convite. “Quer brincar?”. As crianças só poderiam entrar e
permanecer acompanhadas. Aos pequenos que chegavam sozinhos,
explicávamos também a intenção e as convidávamos a voltar com seu
acompanhante adulto. Etapa de desconstrução para reconstrução.
Nós educadoras, não dirigíamos mais as brincadeiras. O espaço era
preparado de diferentes formas por nós e oferecido ao adulto. Ali, ele teria
a possibilidade de estar e brincar com seu pequeno, de (re)aprender a
brincar, de conhecer o modo como brincam suas crianças, de ensinar suas
brincadeiras de infância... Tudo isso e o que mais inventassem nesse
universo tão propício à imaginação.
Para nossa satisfação, mais e mais pessoas começaram a freqüentar
as atividades. Lentamente, como bom processo educativo que se propõe.
Se por um lado deixamos de conduzir as brincadeiras, por outro,
passamos a observar com mais atenção os adultos e a relação que
estabeleciam com as crianças. Inicialmente era comum apenas mães e avós,
raramente alguns pais, tentando entregar-se ao lúdico com seus filhos/as e
netos/as.
A princípio, e por muitas vezes, havia o constrangimento, algo como
“brincar é coisa de criança” ou “não sei mais brincar” ou “o que é eu estou
fazendo aqui mesmo?”. Estas eram nossas leituras sobre suas expressões; e
o adulto permanecia ali, sentado, de canto, observando alheio à quão
valiosa era sua presença ali, para as crianças e para nós.
E, aos poucos, ante a sedução da magia e do fantástico que se
descortinava a seus olhos nos movimentos das crianças, rostos adultos
passavam de uma expressão constrangida para uma expressão leve, pés
calçados passaram a pés descalços, alguns sorrisos, depois gargalhadas e
pronto,: a entrega ao lúdico começava a acontecer! Estes foram e são
momentos de muita satisfação para nós: ver os adultos se dispondo à
brincadeira. A alegria das crianças com isso é encantadora.
“/.../ aprender com as
crianças pode ajudar a
compreender o valor da
imaginação, da arte, da
dimensão lúdica, da
poesia, de pensar
adiante.”
(KRAMER, 2003, p.105)
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É fato que essa disposição total dos adultos ainda não acontece em
todos os casos, mas hoje está presente grande parte dos que participam
das atividades. Houve nesse processo alguns adultos bem “brincantes”
(como chamamos os adultos que gostam de brincar), que tiveram uma boa
surpresa ao saber que: o espaço era pra eles também, que o brincar era
livre e o convite era à família. E brincavam. E brincam. Tiveram também um
papel importante na conquista desse objetivo.
De forma a exemplificar de fato a dinâmica desta programação e as
possibilidades, registramos a seguir alguns exemplos práticos.
A atividade Corpo em ação tem como objetivo o movimento
corporal de seus participantes. É um convite a transformar o corpo em um
brinquedo. Os materiais são meios para dar complexidade a esta criação. É
uma proposta simples e que tem ótima aceitação. A composição do espaço
define o quão ricas podem ser as experiências corporais que surgirão. Uma
enorme “cama de gato” armada com elástico, sem mais nenhum outro
objeto, já é o suficiente para envolver adultos e crianças por uma hora e
meia! Ou então um espaço composto apenas por bolas de diversos tipos
(bexigas, bolas gigantes, bolas de tênis, de jornal, de futebol). Ou uma
composição desses dois. Ou bambolês. Ou cubos de espuma, grandes e
pequenos onde é possível entrar, transformar em túnel, em fantasia.
Outra atividade que compõe a programação é Histórias Animadas,
uma das primeiras propostas que criamos. Como parte de nosso processo
de experimentação e aprendizado passou por várias transformações de lá
para cá. No início a atividade era dirigida por nós, educadoras, e apenas
crianças participavam. Escolhíamos um livro ou uma estória previamente e
propúnhamos uma contação ou mediação de leitura juntamente com
alguma atividade lúdica que remetesse ao universo daquela narrativa: uma
confecção, ou uma brincadeira, ou trazíamos fantasias para uma releitura,
dentre tantas outras propostas que foram surgindo à medida que tínhamos
que criar situações que ampliassem as possibilidades de vivenciar a estória.
A mudança surge quando ao invés de dirigirmos a atividade passamos a
propor a oportunidade de o adulto contar as estórias para as crianças ou
vice-versa. Livros, fantoches, dedoches, fantasias, cartões com imagens,
dado de imagens, baralho faz de conta, colchas e almofadas coloridas
convidam o público a contar, criar ou (re)significar estórias.
Revirando o baú e Nosso quintal são propostas mais recentes, que
buscam resgatar brincadeiras populares, essas que aconteciam em espaços
como os quintais das casas, nas ruas, praças. Trazem objetos conhecidos há
muito tempo por adultos de diferentes gerações. Ao revirar o baú, adultos e
crianças inventam, resgatam e reinventam jogos e brincadeiras, com
cordas, bambolês, piões, cinco marias, jogo da velha... Um estímulo à
memória e a criatividade. Cordas e bambolês não permanecem parados em
À espera dos convidados...
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canto algum do espaço, ganham movimentos e emprestam suas formas aos
mais devidos fins. Viram amarelinhas, cobras, mangueiras, cavalinhos,
pistas de corrida. São os preferidos, de adultos e crianças. Mães e pais
tentando recordar – com o corpo – como rodar um bambolê, algumas
crianças tentam pela primeira vez. Adultos pulando corda, crianças
aprendendo a pular corda... Juntos.
Neste contexto e, ao longo do trabalho desenvolvido, além da
mudança de nossa abordagem, notamos também que o espaço deveria ser
um pouco modificado. Ele deveria ser mais aconchegante para os adultos;
ter locais específicos para guarda de seus pertences; em que pudessem
sentar-se perto das crianças e dos objetos propostos para a atividade e que
esses lhes instigassem também a imaginação e a memória corporal de seu
brincar.
E assim...
Acreditamos que foi construído, gradualmente, um caminho e uma
“identidade” para a programação destinada aos pequeninos na unidade.
Hoje, o público já possui um entendimento dos combinados,
conhece como as atividades funcionam, chegam preparados e dispostos
para estar e brincar com as crianças. Evidentemente que fazemos um
trabalho contínuo de explicitar como o nosso trabalho é desenvolvido, pois,
ainda há casos em que os adultos gostariam de “deixar” as crianças
conosco. Nestes casos, optam por não brincar e os pequenos ficam
bastante frustrados. Porém acreditamos que além de brincar com seus
pares, é sempre muito proveitoso que as crianças brinquem com os adultos
mais próximos, sejam eles familiares ou responsáveis. Isto lhes traz
segurança, aprimora os laços afetivos ao mesmo tempo em que possibilita
compartilhar e construir saberes e aprendizados.
Hoje, nos sentimos mais seguras com o desenvolvimento desta
linha de programação, e a idéia do livre brincar nos faz todo o sentido:
estimular a imaginação, a troca entre os pares, a escolha de possibilidades.
Entendemos que as crianças conseguem dar os rumos e conduzir suas
escolhas no ato de brincar, e que nossa atribuição é mediar, preparar,
estimular, incrementar, aprender.
Aqui vale dizer que, como educadoras responsáveis por este
trabalho, hoje conseguimos brincar e mediar sem dirigir as atividades a
todo o momento, o que nos é bastante prazeroso, como boas “adultas
brincantes” que somos. E isso não impede que os adultos presentes deixem
de brincar com seus pequenos, ao contrário, existe hoje a percepção de que
nós não podemos substituí-los nesse ato de brincar.
“por entre tecidos e bastidores
coloridos /.../adornado de cores em
que a cada passo as coisas mudam
de lugar, a criança é recebida como
participante” (BENJAMIN, 2002,
p.69-70)
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Ao mesmo tempo tornou-se possível sermos mediadoras e
observadoras do brincar. Nessas observações percebemos aspectos muito
interessantes: temos um público freqüentador (que sempre retorna em
dias e horários parecidos) e um público flutuante e esporádico. Se, antes,
tínhamos um número grande de mães e avós frequentando as atividades,
passamos a receber um aumento do número de pais que passaram a
frequentar o espaço. Sozinhos com as crianças ou acompanhando a mãe e o
filho. Maior número de grupos familiares envolvidos juntos no ato de
brincar.
Podemos, também, trocar experiências com os adultos presentes
nas atividades. O ambiente acolhedor e o próprio brincar parecem gerar
segurança aos adultos, que compartilham conosco diferentes experiências,
questões, soluções, alegrias e conquistas vivenciadas na criação das
crianças, trazendo reflexões muito significativas para nós educadoras.
Também tivemos a oportunidade de receber educadoras que vieram
interessadas em compartilhar experiências e ouvimos relatos de mães que
se inspiraram em algumas atividades para propor brincadeiras em casa ou
na escola que a criança frequenta. Uma delas foi uma ideia bastante
simples, em que transformamos uma caixa de papelão num tipo de “boca
do palhaço”, com buracos em forma de olhos, boca e careca, por onde
poderiam ser lançadas bolas de jornal que também foram feitas por nós. É
nossa famosa “Caixa Maluca”. Outra foi um dado de histórias, feito também
com uma caixa cúbica de papelão, onde cada face possui uma figura, que
serve de mote para a criação coletiva de uma única história.
Conclusão
Aqui vamos concluir esse relato e apenas ele, pois nossas atividades
ainda acontecem e estão abertas às transformações que se apresentem ao
longo do percurso.
No que se refere à construção da ação programática propriamente,
foi muito importante estarmos apoiadas e subsidiadas pela instituição.
Tivemos autonomia e espaço para criar, inventar, errar, acertar, refazer,
transformar. Sempre temos uma enorme oportunidade de aprendizado,
tanto por nossas experimentações, pelos momentos de estudo, pela troca
de idéias entre a equipe, pelo convívio com as crianças e com os adultos.
Por meio das experiências praticadas e vivenciadas por até o
momento, consideramos que a preparação e o cuidado com o espaço físico
para o brincar é fundamental para a realização de propostas direcionadas
às crianças, em especial às de 0 a 6 anos. Acreditamos que educadores,
“Fazer do lúdico um
espaço dialógico
entre crianças e
adultos abre a
possibilidade de
participarmos da vida
da criança e de sua
cultura como um
outro que traz
experiências, histórias,
visões e valores
distintos e, por
ocupar um outro
lugar social e olhar
para a vida sob
outras perspectivas,
apresenta modos
diversos de
interpretar e lidar
com a cultura
contemporânea”.
(SALGADO, 2008,
p.105)
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professores ou mesmo pais que queiram estar e estimular as crianças
devem fazê-los em ambientes convidativos, aconchegantes, seguros, aberto
às mudanças feitas pelas próprias crianças, que ofereça estímulos e
desafios. A utilização de objetos não estruturados nas atividades traz muita
riqueza para elas, pois estimula a imaginação e a criatividade, além de
oferecer oportunidades diversas para compartilhar e reinventar.
Ressaltamos ainda que para além de vivenciar e de rever a própria
prática; observar e aprender com o público para o qual trabalhamos foi
fundamental para o amadurecimento do trabalho. Assim, os relatos
registrados neste texto traduzem nossos olhares e impressões sobre os
caminhos trilhados e também nos aponta novas possibilidades para trilhar
os caminhos que ainda estão por vir...
Referências Bibliográficas
BENJAMIN, W. Reflexões; a criança, o brinquedo, a educação. São
Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2002.
BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. 6ª ed. Revisão técnica e versão
brasileira adaptada por Gisele Wajskop. São Paulo: Cortez, 2006.
FREYBERGER, Adriana. O Espaço de Brincar. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU, Universidade de São Paulo-USP. São Paulo, 2000. ___. A Construção do Ambiente Educativo. Doutorado em Educação. Faculdade de Educação. Universidade de São Paulo-USP. São Paulo, 2005.
FRIEDMANN, Adriana. Brincar, crescer e aprender - o resgate do jogo
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KISHIMOTO, Tizuko. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo:
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___. O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 1998.
KRAMER, Sônia. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo:
Ed. Cortez, 2003
“Brincar com crianças não é
perder tempo, é ganhá-lo.”
Carlos Drummond de Andrade
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