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HUMANIZAÇÃO PRÁTICA E REFLEXÃO IZABEL CRISTINA RIOS CAMINHOS DA NA SAÚDE

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HUMANIZAÇÃO

CAM

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ANIZ

AÇÃO

NA

SAÚD

E

PRÁTICA E REFLEXÃO

IZABEL CRISTINA RIOS

A Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) também mantém um outro projeto, em parceria com as Secretarias de Estado da Saúde e dos Direitos da Pessoa com Defi ciência, voltado à humanização da saúde: a Rede de Reabilitação Lucy Montoro.

• Conta com uma Unidade Móvel de Reabilitação e unidades fi xas de hospitais e centros de reabilitação, na capital e em diversas cidades do Estado de São Paulo. • Viagens da Unidade Móvel pelo estado para fornecimento de órteses, próteses e meios de locomoção a pessoas com defi ciência, onde não haja unidade fi xa. • Investimento de R$ 52 milhões na construção e ampliação das primeiras unidades fi xas e funcionamento até 2010. • Capacidade de 100 mil atendimentos mensais.

Caminhos da Humanização na Saúde é um livro composto por artigos e relatos que apre-sentam ao leitor a experiência da autora com o trabalho da Humanização em vários contex-tos do campo público da Saúde no Estado de São Paulo.

Alguns textos revelam seu mergulho teórico em territórios do conhecimento que permi-tem compreender e interpretar cenários, fatos e práticas, que re-signifi cados ganham vigor para outros desdobramentos.

Outros textos relatam experiências, às vezes no modo do “como fazer”, sem a pretensão de dar receitas prontas (que não existem), mas com a vontade de contar uma história de trabalho que pode servir de base para outros projetos.

A heterogeneidade dos textos testemunha al-gumas entre as muitas possibilidades para o pensar e o agir nessa temática. Mas em todos os casos, apresentam-se concepções e meto-dologias que se contrapõem a certa banali-zação do tema (que desqualifi ca o potencial transformador da Humanização sobre as prá-ticas e mentalidades na área da Saúde).

Os caminhos são muitos...

E este livro tem a intenção de estimular em todos que encontraram na área da Saúde o lugar para a expressão do seu encantamen-to pela vida humana, o desejo de criar outras formas mais efi cientes e signifi cativas de cui-dar das pessoas, mais gratifi cantes e fortale-cedoras para os seus profi ssionais.

Izabel Cristina Rios é médica, formada pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo), Psiquiatra e Psicanalista, com experiência nas áreas Clínica, Educação em Saúde e Desenvolvimento Humano e Ins-titucional. Atua principalmente nos seguintes temas: Humanização, Humanidades Médi-cas, Saúde Mental, e Educação Médica. No CEDEM-FMUSP (Centro de Desenvolvimento da Educação Médica FMUSP) é pesquisadora, coordena o Grupo das Disciplinas de Humani-dades Médicas e integra o Comitê HUMANIZA HC-FMUSP. No CRT DST aids (Centro de Refe-rência e Treinamento em Doenças Sexualmen-te Transmissíveis e aids) foi coordenadora do Comitê de Humanização e diretora do Núcleo de Desenvolvimento Institucional e Educação. Foi coordenadora da Área de Humanização da Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Se-cretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, coordenou grupos de Educação Permanente e Saúde Mental no Programa Saúde da Família. Planejou e implementou o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Casa Viva.

Comitê Humaniza HC FMUSP: valorização da vida e da cidadania

Objetivos:• Ferramenta de gestão para melhorar a qualidade e a efi cácia da atenção dispensada aos usuários do HC FMUSP;

• Conceber e implantar novas iniciativas de humanização que venham benefi ciar os usuários e os profi ssionais de saúde;

• Desenvolver um conjunto de indicadores de resultados e sistema de incentivo ao tratamento humanizado;

• Modernizar as relações de trabalho, tornando as Unidades mais harmônicas, com profi ssionais preparados para a humanização no cuidado.

Equipe Coordenadora do Humaniza HC:Profa. Dra. Linamara Rizzo Battistella, Dra. Valéria Pereira de Souza, Dr. Fábio Pacheco Muniz de Souza e Castro, Dra. Polyanna Costa Lucinda e Dra Izabel Cristina Rios constituem o GRUPO DE TRABALHO COMITÊ DE HU-MANIZAÇÃO da Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Comitê HUMANIZA HC.Informações: http://www.hcnet.usp.br/humaniza/

CAMINHOS DA

NA SAÚDE

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HUMANIZAÇÃO

PRÁTICA E REFLEXÃO

Izabel CrIstIna rIos

2009

CAMINHOS DA

NA SAÚDE

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Rios, Izabel Cristina Caminhos da humanização na saúde : prática e reflexão / Izabel Cristina Rios. -- São Paulo : Áurea Editora, 2009.

Bibliografia.

1. Humanização dos serviços de saúde 2. Médico e paciente I. Título.

09-06602 CDD-362.19892

Índices para catálogo sistemático:

1. Humanização dos serviços de saúde : Bem-estar social 362.19892

Produção Editorial: Áurea Editora

Coordenação: Dirceu Pereira Jr.

Edição: Milton Bellintani

Revisão: Silvia Marangoni

Projeto Gráfico e Diagramação: Mveras Design Gráfico

Apoio Oficial: Rede de Reabilitação Lucy Montoro

Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FFMUSP)

Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência

Governo do Estado de São Paulo

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Para Eduardo

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Prefácio - Dra. Linamara Rizzo Battistella ................................................ 05

1. Humanização A essência da ação técnica e ética nas práticas de saúde ............................ 07

2. Violência e Humanização .......................................................................... 27

3. O realce à Subjetividade Assim começa a humanização na atenção à saúde ...................................... 39

4. A cultura institucional da humanização ................................................. 57

5. Modelo de curso de humanização para serviços de saúde Conceitos e estratégias para a ação ................................................................71

6. Humanização no ambiente de trabalho O estudo de fatores psicossociais ..................................................................101

7. Oficinas de humanização Aproximando as pessoas para o diálogo .......................................................119

8. Recepção humanizada O programa jovens acolhedores .................................................................... 129

9. Rodas de conversa Aprendendo saúde mental no PSF ............................................................... 137

10. Impressões dos trabalhadores de uma unidade básica de saúde sobre o seu trabalho ................................................................................................151

11. Em busca da humanização nos serviços de saúde A questão do método .................................................................................... 167

SUMÁRIO

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PREFÁCIO

Linamara Rizzo Battistella

Humanizar a assistência é conceito e atitude! O Programa Nacio-nal de Humanização Hospitalar, criado em 2000, assumiu o desafio de “ofertar atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, melhoria dos cuidados e das condições de trabalho dos profissionais”. Este conceito depende da mudança de atitude em direção a cultura da excelência e da gestão dos processos de trabalho. Humanização é ferramenta de gestão, pois valoriza a qualidade do atendimento, preserva as dimensões biológicas, psicológicas e sociais dos usuários e enfatiza a comunicação e a integração dos profissionais. Fundada no respeito à vulnerabilidade humana e na crença de que a relação entre dois atores, profissional e paciente, está sempre sujeita a emoções que devem ser guiadas pelo sentimento de compromisso e de compaixão. Assim, sem esquecer a objetividade, é preciso interpretar a experiência de viver a doença, as seqüelas e a deficiência. Neste livro está traduzida, com muita riqueza, a experiência da hu-manização na assistência aos doentes crônicos e às pessoas com deficiência, para as quais a qualidade do cuidado supera a esperança de cura. Mas a autora vai mais longe, fornecendo as diretrizes para a implantação e o de-senvolvimento do programa de humanização hospitalar. Este livro traduz a experiência da Dra. Izabel Cristina Rios, profissional, dedicada ao “cuidar” e apresenta os resultados de experiências bem sucedidas, de ensinar os jovens médicos sobre a importância da humanização do cuidado. A esperança emerge a partir do exercício de escutar-nos uns aos outros e de reconhecer no sofrimento o direito ao atendimento precoce, resolutivo e de qualidade. O fortalecimento dos vulneráveis é alcançado com base nos direitos humanos e no respeito pela dignidade individual. Respeito é atributo indissociável da personalidade da Dra. Izabel Rios, que

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militou no programa de humanização desde a sua concepção, ajudou a implantar esta estratégia na Secretaria de Estado de Saúde e, mais recen-temente, no Hospital das Clínicas da FMUSP. Apoiar a edição deste livro sinaliza o compromisso do Governo do Estado de São Paulo em oferecer ao lado das modernas tecnologias da área de saúde, profissionais qualificados e sensíveis aos valores e crenças que permeiam a emoção do paciente e seus familiares. A implantação destes programas de humanização na Rede de Re-abilitação Lucy Montoro é um imperativo! O governo do Estado de São Paulo valoriza a oferta de modernas tecnologias na área de saúde, mas en-fatiza a necessidade permanente de qualificar, sensibilizar, e comprometer os profissionais com a humanização da assistência à saúde.

Linamara Rizzo Battistella é Médica Fisiatra, Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Coordenadora do Comitê de Hu-manização da Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Comitê HUManiza HC, e Secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Governo do Estado de São Paulo.

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HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS

PRÁTICAS DE SAÚDEa

CAPÍTULO I

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HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDE

A humanização é hoje um tema frequente nos serviços públicos de Saúde, nos textos oficiais e nas publicações da área da Saúde Coletiva.

Embora o termo laico humanização possa guardar em si um traço maniqueísta, seu uso histórico o consagra como aquele que rememora movimentos de recuperação de valores humanos esquecidos, ou solapados em tempos de frouxidão ética. No nosso horizonte histórico, a humaniza-ção desponta, novamente, no momento em que a sociedade pós-moderna passa por uma revisão de valores e atitudes. Não é possível pensar a hu-manização na saúde sem antes dar uma olhada no que acontece no mundo contemporâneo...

Em uma visão panorâmica, a época da pós-modernidade1,2 se carac-teriza pelo reordenamento social decorrente do capitalismo multinacional e a globalização econômica. Desabaram os ideais utópicos, políticos, éticos e estéticos da modernidade que creditavam ao projeto iluminista a cons-trução de um mundo melhor, movido pela razão humana. As pessoas, cada vez mais descrentes da política e das ideias revolucionárias que, na práti-ca, deram poder a governos corruptos e incapazes de promover o bem da nação, não buscaram mais seus referenciais de identificação nos grandes coletivos sociais, mas sim em si mesmas. Para certos autores, essa é uma das principais características do que eles chamam de época hipermoderna ou supermoderna3,4: a figura do excesso e da deformação notadamente no que se refere ao “eu”.

Nessa vertente, Lasch dá aos tempos atuais o nome de Cultura Nar-císica, e Debors, de Sociedade do Espetáculo5,6 , ora ressaltando o indivi-dualismo, o culto ao corpo e a supervalorização dos aspectos da aparência estética, ora ressaltando o exibicionismo, a captura pela imagem e o com-portamento histriônico que se realiza como espetáculo.

No campo das relações, a perda de suportes sociais e éticos, somada ao modo narcísico de ser, cria as condições para a intolerância à diferença, e o outro é visto não como parceiro ou aliado, mas como ameaça. Tal dis-posição, associada à rapidez e pouco estímulo à reflexão sobre os aspectos existenciais e morais do viver humano, faz com que a violência – que (por motivos que fogem ao alcance deste artigo) é parte do nosso cotidiano – se apresente também como modo de resolver conflitos.

a Publicado na forma de artigo na Revista Brasileira de Educação Médica, v., n., 2008.

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HUMANIZAÇÃO: A ESSÊNCIA DA AÇÃO TÉCNICA E ÉTICA NAS PRÁTICAS DE SAÚDE

No contraponto, do meio do século XX para cá, começam a se dese-nhar respostas para a sociedade assim estabelecida. Direitos Humanos, Bioé-tica, Proteção Ambiental, Cidadania, mais do que conceitos emergentes7, são práticas que vão ganhando espaço no dia-a-dia das pessoas, chamando-nos para o trabalho de construção de outra realidade.

Na área da Saúde surgiram várias iniciativas com o nome de hu-manização. É bem provável que esse termo tenha sido forjado há umas duas décadas, quando os acordes da luta anti-manicomial, na área da Saúde Mental8 , e do movimento feminista pela humanização do parto e nascimento, na área da Saúde da Mulher 9, começaram a ganhar volume e produzir ruído suficiente para registrar marca histórica.

Desde então, vários hospitais, predominantemente do setor público, começaram a desenvolver ações que chamavam de “humanizadoras”. Ini-cialmente, eram ações que tornavam o ambiente hospitalar mais afável: atividades lúdicas, lazer, entretenimento ou arte, melhorias na aparência física dos serviços. Não chegavam a abalar ou modificar substancialmente a organização do trabalho ou o modo de gestão, tampouco a vida das pessoas, mas faziam o papel de válvulas de escape para diminuir o sofrimento que o ambiente hospitalar provoca em pacientes e trabalhadores. Pouco a pouco, a ideia foi ganhando consistência, resultando alterações de rotina (por exem-plo, visita livre, acompanhante, dieta personalizada).

Em 2001, quando a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo fez um levantamento dos hospitais públicos do Estado que desenvolviam ações humanizadoras, praticamente todos faziam alguma coisa nesse sen-tido. O mesmo se verificou em noventa e quatro hospitais de referência no país, escolhidos pelo Ministério da Saúde, praticamente na mesma época. A iniciativa partia dos próprios trabalhadores, independentemente de in-centivo ou determinação dos gestores locais. Tratava-se de uma resposta a essa necessidade sentida e reconhecida pelas pessoas em seus ambientes de trabalho.

Hoje, várias sondagens conceituais, manifestações ideológicas, cons-truções teóricas e técnicas e programas temáticos fazem da humanização um instigante campo de inovação da produção teórica e prática na área da Saúde10.

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Sob vários olhares, a Humanização pode ser compreendida como:- Princípio de conduta de base humanista e ética- Movimento contra a violência institucional na área da Saúde - Política pública para a atenção e gestão no SUS- Metodologia auxiliar para a gestão participativa- Tecnologia do cuidado na assistência à saúdeEm nosso entender, a Humanização se fundamenta no respeito e

valorização da pessoa humana, e constitui um processo que visa à trans-formação da cultura institucional, por meio da construção coletiva de compromissos éticos e de métodos para as ações de atenção à Saúde e de gestão dos serviços. Esse conceito amplo abriga as diversas visões da hu-manização supracitadas como abordagens complementares, que permitem a realização dos propósitos para os quais aponta sua definição.

A humanização reconhece o campo das subjetividades como instân-cia fundamental para a melhor compreensão dos problemas e para a busca de soluções compartilhadas. Participação, autonomia, responsabilidade e atitude solidária são valores que caracterizam esse modo de fazer saúde que resulta, ao final, em mais qualidade na atenção e melhores condições de trabalho. Sua essência é a aliança da competência técnica e tecnológica com a competência ética e relacional.

Humanização e ética“Humanizar o quê? Por acaso não somos humanos?” (Auxiliar de

Enfermagem de uma UBS da SMS-SP)Há alguns anos, quando o assunto humanização chegou aos servi-

ços de Saúde, a reação dos trabalhadores foi a mais variada possível. Algu-mas pessoas (que já trabalhavam com ações humanizadoras) sentiram-se finalmente reconhecidas e encontraram seus pares, mas a maioria (que não fazia a mínima ideia do que se tratava) reagiu com desdém ou indignação: não eram humanos, afinal? Humanizar os serviços soava como um insulto. Entretanto, tão logo se começava a discutir a humanização como o proces-so de construção da ética relacional que recuperava valores humanísticos esmaecidos pelo cotidiano institucional ora aflito, ora desvitalizado, ficava clara a importância de trazer tal discussão para o campo da Saúde. A Me-

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dicina (e certamente todas as profissões que se destinam ao cuidar) é uma prática ético-dependente11, ou seja, ainda que o mundo se acabe em um livre agredir, em que vença o mais forte, o mais rico, ou o mais bonito, na área da Saúde é imprescindível a educação para a ética nas relações entre as pessoas, sem a qual não é possível realizar a missão que nos destina essa escolha profissional.

Humanizar, então, não se refere a uma progressão na escala bioló-gica ou antropológica, o que seria totalmente absurdo, mas ao reconhe-cimento da natureza humana em sua essência e a elaboração de acordos de cooperação, de diretrizes de conduta ética, de atitudes profissionais condizentes com valores humanos coletivamente pactuados.

No sentido filosófico, humanização é um termo que encontra suas raí-zes no Humanismo12, corrente filosófica que reconhece o valor e a dignidade do Homem – a medida de todas as coisas – considerando sua natureza, seus limites, interesses e potenciais. O Humanismo busca compreender o Homem e criar meios para que os indivíduos compreendam uns aos outros.

Na leitura psicanalítica, o termo fala do lugar da subjetividade no campo da Saúde. Humanização, como tornar humano, significa admitir todas as dimensões humanas – históricas, sociais, artísticas, subjetivas, sagradas ou nefastas – e possibilitar escolhas conscientes e responsáveis.

A Psicanálise se encontra com o Humanismo quando coloca no cen-tro do seu campo de investigação, compreensão e intervenção, o homem e sua natureza humana (que pode ser tão divina quanto demoníaca... No mais das vezes, as duas... Na melhor das hipóteses, a primeira cuidando para que a segunda se mantenha o mais quieta possível). A natureza hu-mana comporta pulsões para a construção e para a agressão. Em nossa es-sência, temos potencial para agir tanto em um sentido quanto em outro. O julgamento ético de cada ato e a sua escolha são tarefa psíquica constante, que põe em jogo os valores que a cultura nos dá por referência e os desejos que se ocultam no íntimo de cada um. Reconhecer a importância dessas características humanas é o primeiro passo para a humanização.

O segundo passo é desenvolver métodos que permitam a inserção de tais aspectos humanos no pensar e agir sobre os processos saúde-adoeci-mento-cura e nas relações de trabalho. Trata-se de criar espaços legítimos

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de fala e escuta que devolvam à palavra sua potência reveladora e trans-formadora13.

Na relação do profissional com o paciente, a escuta não é só um ato generoso e de boa vontade, mas um imprescindível recurso técnico para o diagnóstico e a adesão terapêutica. Na relação entre profissionais, esses espaços são a base para o exercício da gestão participativa e da transdis-ciplinaridade.

Na vertente moral, a humanização pode evocar valores humanitá-rios como: respeito, solidariedade, compaixão, empatia, bondade, todos valores morais7 pensados como juízos sobre as ações humanas que as de-finem como boas ou más, representando uma determinada visão de mundo em um dado tempo e lugar e, portanto, mutáveis de acordo com as trans-formações da sociedade. A humanização propõe a construção coletiva de valores que resgatem a dignidade humana na área da Saúde e o exercício da ética, aqui pensada como um princípio organizador da ação. O agir ético, neste ponto de vista, se refere à reflexão crítica que cada um de nós, profissional da saúde, tem o dever de realizar, confrontando os princípios institucionais com os próprios valores, seu modo de ser e pensar e agir no sentido do Bem... Claro que seria um ato de violência se, em nome da hu-manização, determinássemos quais os valores pessoais que cada um deve ter. Entretanto, na dimensão institucional, tratam-se de valores fundamen-tais para balizar a atitude profissional de todos com diretrizes éticas que expressem o que, coletivamente, se considera bom e justo.

A ética, assim pensada, torna-se um importante instrumento contra a violência e a favor da humanização.

Humanização e violência institucionalNa sua história, a humanização surge, então, como resposta espontâ-

nea a um estado de tensão, insatisfação e sofrimento tanto dos profissionais quanto dos pacientes, diante de fatos e fenômenos que configuram o que chamamos de violência institucional na Saúde. (Violência Institucional14 aqui se refere à expressão cunhada na História recente para definir a utili-zação de castigos, abusos e arbitrariedades praticados nas prisões, escolas e instituições psiquiátricas, com a conivência do Estado e da sociedade).

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Na área da Saúde, a violência institucional decorre de relações so-ciais marcadas pela sujeição dos indivíduos. Historicamente, a organiza-ção hierárquica do hospital do século XIX foi uma importante estratégia da Medicina da época moderna14 para o desenvolvimento da clínica e da tecnologia médica. Aumentou o acesso da população ao atendimento e propiciou grandes avanços técnicos. Entretanto, junto a esses progressos, também se engendraram situações que tornaram o hospital lugar de sofri-mento15. O não reconhecimento das subjetividades envolvidas nas práticas assistenciais no interior de uma estrutura caracterizada pela rigidez hie-rárquica, controle, ausência de direito ou recurso das decisões superiores, forma de circulação da comunicação apenas descendente, descaso pelos aspectos humanísticos, e disciplina autoritária, fizeram do hospital um lugar onde as pessoas são tratadas como coisas e prevalece o desrespeito à sua autonomia e a falta de solidariedade15.

A própria organização científica do trabalho (fortemente presente na área da Saúde) fragmenta o processo que vai do início ao fim da pro-dução, seja de bens, seja de serviços, deixando cada etapa do processo a cargo de um grupo de trabalhadores que acaba tendo apenas a visão da parte que lhe cabe e não do todo. Essa estratégia agiliza e multiplica o re-sultado, entretanto cria um estado de alienação em relação à importância de cada um para a realização completa da tarefa que, na área da Saúde, tem como consequência a naturalização do sofrimento e a diminuição do compromisso e da responsabilidade na produção da saúde.

Desenha-se, assim, um cenário social e institucional, em que a falta de sensibilidade e de valores humanísticos abre espaço para que o com-portamento violento (expresso em atos de brutalidade explícita ou sofis-ticados disfarces da intolerância e do desprezo) passe a ser a norma e não a exceção.

Outro fator que contribui para esse estado de coisas é a medicaliza-ção do viver humano. Inicialmente, a medicalização se referia à transfor-mação de problemas sociais em problemas de saúde. Por exemplo: antes de encarnar no corpo, a fome é um problema da pobreza ou da educação, de-pois de um tempo vira desnutrição. Combater a fome é diferente de tratar a desnutrição do ponto de vista social (uma coisa é dar atenção à Saúde,

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outra é mudar a distribuição de renda). Aos poucos, a medicalização foi abrangendo problemas que em épocas anteriores não teriam a Medicina como destino, mas sim outras áreas do saber. Com o aumento da crença das pessoas no que consideram verdades científicas na área da Saúde, e a decadência do valor socialmente dado às outras formas de compreensão da existência humana, toda e qualquer expressão da vida passa por um diagnóstico previsto em algum CID (Código Internacional das Doenças), e busca remédio na Medicina. Assim, toda tristeza vira depressão, toda in-quietação vira ansiedade e todo mundo procura os serviços de Saúde atrás de respostas rápidas e deglutíveis, mesmo que não funcionem...

Ao lado desse fenômeno cultural da contemporaneidade, em nossa realidade, o sucateamento dos serviços de saúde devido à má gestão da coisa pública ou aos sempre insuficientes investimentos frente aos cres-centes custos da Medicina Biotecnológica, levou à pletora do acesso aos serviços e ao esgotamento dos profissionais para atender. Filas interminá-veis, pacientes mal atendidos por profissionais mal remunerados e desva-lorizados, e todo tipo de conflito passaram a ser comuns nessa arena assim armada.

Como dito anteriormente, a humanização surgiu em resposta a esse enredo, na forma de ações localizadas, e foi se instituindo até chegar, hoje, à forma de uma política pública na área da Saúde. Não por acaso, a humanização une suas primeiras vozes nos hospitais, fazendo coro a um movimento contrário à situação em que há aqueles que mandam e deci-dem e outros que obedecem e não opinam sobre nada. Nesse sentido, a humanização buscava nas ações humanizadoras a recuperação não só da saúde física, mas principalmente do respeito, do direito, da generosidade, da expressão subjetiva e dos desejos das pessoas.

Humanização como política pública para a atenção e gestão no SUSA humanização nasceu dentro do SUS. Os princípios do SUS16 são to-

talmente de inspiração humanista: universalidade, integralidade, equidade e participação social. Levados às últimas consequências definem a humaniza-ção em qualquer concepção, em qualquer instância de atenção ou gestão. Tal caráter faz do SUS, hoje, o principal sistema de inclusão social deste país.

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Enquanto na maioria dos hospitais privados a humanização foi tra-tada como cosmética da atenção – recepcionistas jovens e bonitas, bem vestidas e maquiadas, ambientes bem decorados que não devem nada aos hotéis de luxo, frigobar no quarto e lojinha de conveniência –, nos hos-pitais públicos e movimentos sociais a humanização escapa aos modelos comerciais e recupera dos ideais do SUS a prática da cidadania.

Quase vinte anos depois da sua criação, o SUS é o sistema idealizado para os anseios de saúde do povo brasileiro, mas é também o sistema de saúde público que apresenta as contradições e heterogeneidades que ca-racterizam a nossa sociedade: serviços modernos, e de ponta tecnológica, ao lado de serviços sucateados nos quais a cronificação do modo obsoleto de operar o serviço público, a burocratização e os fenômenos que caracte-rizam situações de violência institucional estão presentes.

No ano 2000, o Ministério da Saúde, sensível às manifestações se-toriais e às diversas iniciativas locais de humanização das práticas de saú-de, criou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospita-lar (PNHAH). O PNHAH era um programa que estimulava a disseminação das ideias da Humanização, os diagnósticos situacionais e a promoção de ações humanizadoras de acordo com realidades locais. Inovador e bem construído por um grupo de psicanalistas, o programa tinha forte acen-to na transformação das relações interpessoais pelo aprofundamento da compreensão dos fenômenos no campo das subjetividades.

Em 2003, o Ministério da Saúde passou o PNHAH por uma revisão, e lançou a Política Nacional de Humanização (PNH)16, que mudou o patamar de alcance da humanização dos hospitais para toda a rede SUS e definiu uma política cujo foco passou a ser, principalmente, os processos de gestão e de trabalho. Como política, a PNH se apresenta como um conjunto de di-retrizes transversais que norteiam toda atividade institucional que envolva usuários ou profissionais da Saúde, em qualquer instância de efetuação. Tais diretrizes apontam como caminho:

- A valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão fortalecendo compromissos e responsabilidade;

- O fortalecimento do trabalho em equipe, estimulando a transdisci-plinaridade e a grupalidade;

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- A utilização da informação, comunicação, educação permanente e dos espaços da gestão na construção de autonomia e protagonismo;

- A promoção do cuidado (pessoal e institucional) ao cuidador. Nessa vertente, a humanização focaliza com especial atenção os

processos de trabalho e os modelos de gestão e planejamento, interferindo no cerne da vida institucional, local onde de fato se engendram os vícios e os abusos da violência institucional. O resultado esperado é a valorização das pessoas em todas as práticas de atenção e gestão, a integração, o com-promisso e a responsabilidade de todos com o bem comum.

Para sua implementação16, a PNH atua nos eixos de institucionaliza-ção que operaram a mudança de cultura a que se propõe. Tais eixos com-preendem a inserção das diretrizes da humanização nos planos estaduais e municipais dos vários governos, nos programas de Educação Permanente, nos cursos profissionalizantes e instituições formadoras da área da Saúde, na mídia, nas ações de atenção integral à Saúde, no estímulo à pesquisa relacionada ao tema, vinculando-os ao repasse de recursos.

Várias ações e indicadores de validação e monitoramento foram de-senvolvidos pelo Ministério da Saúde para estimular e acompanhar os processos de humanização não só nos hospitais, mas nos três níveis de atenção à Saúde no SUS. A estratégia de criação e fortalecimento dos Gru-pos de Trabalho de Humanização nas instituições (grupos formados por pessoas ligadas ao tema e aos gestores dos serviços de Saúde, com o papel de implementar a PNH na sua unidade) merece considerações à parte e ajustes (veja último capítulo deste livro), mesmo assim mostrou-se exitosa em vários locais, acumulando bons exemplos de trabalho na área.

Entretanto, a humanização só se torna realidade em uma instituição quando seus gestores fazem dela mais que retórica, um modelo de fazer gestão. Boas intenções e programas limitados a ações circunstanciais não sustentam a humanização como processo transformador. Os instrumentos que de fato asseguram esse processo são: a informação, a educação per-manente, a qualidade e a gestão participativa.

Enfim, pensar a humanização como política significa menos o que fazer e mais como fazer. Embora importantes, não são necessariamente as ações ditas humanizadoras que determinam um caráter humanizado ao

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serviço como um todo, mas a consideração aos princípios conceituais que definem a humanização como a base para toda e qualquer atividade. Este é o grande desafio: criar uma nova cultura de funcionamento institucional e de relacionamentos na qual, cotidianamente, se façam presente os valores da humanização.

Humanização e a gestão participativaCom a PNH, a humanização alcança os processos de gestão e orga-

nização do trabalho nos serviços de Saúde, e a gestão participativa des-ponta como modelo eleito para a realização dessa política. Quando fala-mos em gestão participativa ou cogestão estamos nos referindo ao modo de administrar que não se basta na linha superior de comando e inclui o pensar e o fazer coletivo17.

As estratégias para a gestão participativa nos serviços de Saúde de-vem ser estudadas caso a caso, partindo do conhecimento das realidades institucionais específicas, entretanto algumas ações que a propiciam em qualquer contexto são:

- A criação de espaços de discussão para a contextualização dos impasses, sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetem os profis-sionais de Saúde no dia-a-dia pela própria natureza do seu trabalho;

- O pensar e decidir coletivamente sobre a organização do trabalho, envolvendo gestores, usuários e trabalhadores, em grupos com diversas formações;

- A criação de equipes transdisciplinares efetivas que sustentem a diversidade dos vários discursos presentes na instituição, promovendo o aproveitamento da inteligência coletiva.

De um modo mais específico, a gestão participativa se dá por meio da criação de instâncias de participação nas quais é possível considerar e estabelecer consensos entre desejos e interesses diversos, por exemplo:

- O conselho gestor de saúde, que aglutina gestores, trabalhadores e usuários para decidir os rumos institucionais;

- A ouvidoria, que faz a mediação entre usuários e instituição para a solução de problemas particulares;

- As equipes de referência, que se compõem de profissionais que

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juntos acompanham pacientes comuns ao grupo;- Os grupos de trabalho de humanização, que fazem a escuta insti-

tucional e criam dispositivos comunicacionais;- As visitas abertas, que propiciam as parcerias com familiares para

o cuidado de seus parentes.Algumas ferramentas, como as pesquisas de satisfação dos usuá-

rios e dos trabalhadores, ou as pesquisas de clima institucional e de fato-res psicossociais do trabalho (FPST), podem ser bastante úteis para certos diagnósticos institucionais e para o planejamento da ambiência (ambiente físico, social, interpessoal) e da organização dos processos de trabalho. (Os FPST18 são dimensões referentes à gestão, organização e relações interpes-soais no trabalho, que no ambiente físico e relacional podem produzir a satisfação e o sentimento de realização, ou no seu revés, o sofrimento e o adoecimento do trabalhador. Permitem o estudo de como os trabalhado-res percebem a instituição, privilegiando o olhar subjetivo da experiência do trabalho na vida das pessoas em determinado tempo e lugar. Os fatores psicossociais que relacionam saúde e satisfação no trabalho abrangem: es-tabilidade no emprego, salários e benefícios, relações sociais no trabalho, supervisão e chefia, ambiente físico de trabalho, reconhecimento e valoriza-ção, oportunidades de desenvolvimento profissional, conteúdo, variedade e desafio no trabalho, qualificação, autonomia, subutilização de habilidades e competências, carga de trabalho (física, cognitiva ou emocional.)

Particularmente importantes são as estratégias, metodologias e fer-ramentas que se destinam ao desenvolvimento do profissional da área da Saúde. Acreditamos que a possibilidade de promover atendimentos verda-deiramente humanizados requer, necessariamente, a educação dos profis-sionais da Saúde dentro dos princípios da humanização e o desenvolvi-mento de ações institucionais visando ao cuidado e à atenção às situações de sofrimento e estresse decorrentes do próprio trabalho e ambiente em que se dão as práticas de saúde.

Nessa direção, a Educação Permanente19 é uma estratégia para o exercício da gestão participativa que visa à transformação das práticas de formação, de atenção, e de gestão, na área da Saúde. Baseada na apren-dizagem significativa, a educação permanente constrói os saberes a partir

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das experiências das pessoas. Nas rodas de conversa, oficinas e reuniões discutem-se os problemas, propõem-se soluções gerenciais, mudanças na organização do trabalho e definem-se ações educativas de acordo com as necessidades observadas.

Dessa maneira faz-se da gestão participativa o caminho para a hu-manização dos serviços. Entretanto, como há poucos gestores com forma-ção técnica para essa metodologia, ainda são raras as experiências dessa forma inovadora de fazer gestão de pessoas.

Humanização e a tecnologia do cuidado na assistência à saúdeNa assistência à Saúde, a supremacia do recorte biológico e o auto-

ritarismo dos discursos de saber e poder deflagraram crítica contundente ao modelo biomédico de atenção. No aprofundamento do estudo das situ-ações conjunturais associadas a esse fato, chegou-se ao que se pensa hoje sobre a humanização na vertente da indissolubilidade da relação entre atenção e gestão. Por outra linha do pensar (que também se articula com o que expusemos até aqui neste artigo), o foco ilumina a relação do profis-sional da saúde com o paciente e o resultado desse encontro.

Na Medicina, o tecnicismo da prática atual descartou os aspectos humanísticos no cuidado à saúde12. A biotecnologia aplicada à Medicina propiciou indiscutíveis conquistas para o bem das pessoas (alguém hoje consegue imaginar um procedimento cirúrgico, até mesmo de pequeno porte, sem anestesia, por exemplo?). Estudos mostram que os recursos tecnológicos, a visão centrada nos aspectos biológicos da doença, e a or-ganização do trabalho médico para o atendimento de massa ampliaram o acesso da população aos bens e serviços de Saúde, mas, em compensação, criou um abismo entre o médico e o paciente.

A tecnologia que é determinante para aumentar a sobrevida humana e para a diminuição drástica do sofrimento devido aos males que acome-tem a saúde, tornou-se um intermediário que afasta os profissionais do contato mais próximo e mais demorado com o paciente, não só por que agiliza o atendimento e aumenta a produtividade contada em números, mas também por que fascina e captura o interesse dos profissionais da Saúde, particularmente dos médicos. Os pacientes passam, então, à con-

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dição de objetos de estudo e manipulação na construção do saber e da prática científica. E os profissionais, à condição de peças e engrenagens que fazem funcionar a máquina institucional. O tecnicismo perde de vista estados vivenciais importantes para a realização do cuidado à saúde.

Já no modelo psicossocial agregam-se saberes de teorias compre-ensivas sobre o vínculo, capazes de desvendar atitudes e emoções que facilitam ou impedem o bom diagnóstico e a aliança terapêutica20,10. Por exemplo, a Psicanálise ensina que, ao adoecer, a pessoa vive um processo que chamamos de regressão narcísica21, que, em graus variáveis de acordo com a história pessoal, a personalidade e a gravidade de sua doença a torna mais frágil, mais sensível e mais dependente daquele que lhe presta cuidados. É como se o paciente, inconscientemente, voltasse aos tempos em que era cuidado por sua mãe e dela dependia para sua sobrevivência. Desconsiderar esse estado, ou tratar o paciente com displicência, superfi-cialidade ou mesmo pressa e desatenção às suas emoções, não é só uma falha ética, mas sim um erro técnico que pode provocar danos para o pa-ciente e o fracasso do tratamento. Por outro lado, não se trata de entender o paciente como infantilizado e desconsiderar sua autonomia, o que seria além de antiético, o descumprimento de um direito dos usuários de servi-ços de saúde22. Ou seja, não basta bom senso e paciência, é preciso que o profissional aprenda teorias e técnicas relacionais.

Entretanto, mesmo conscientes da importância do campo da sub-jetividade na Saúde, da ênfase dada ao princípio da integralidade e do desenvolvimento de tecnologias leves destinadas ao aprimoramento da atenção (particularmente no campo da atenção básica à saúde20), para a maioria dos profissionais, o modo tecnicamente humanizado permanece como utopia – aquele que seria o jeito certo de fazer, mas não dá ou não adianta.

O grande nó ainda não desatado talvez tenha a ver com a necessida-de de desenvolver nos profissionais o interesse legítimo pelo paciente. Ta-refa nada fácil nos tempos atuais, em que, como discutido anteriormente, prevalece o individualismo e o jeito narcísico de ser, inclusive na própria formação acadêmica dos profissionais da Saúde.

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Humanização e ensino médicoEmbora a PNH tenha como um dos seus eixos de implementação a

inserção das diretrizes da humanização nas escolas formadoras de pro-fissionais da área da Saúde, na prática, sua presença no ensino superior ainda é pálida e sôfrega.

No ensino médico, há algum tempo, várias escolas daqui e de ou-tras partes do mundo colocaram disciplinas de humanidades médicas nos seus currículos de graduação. As experiências são bem heterogêneas, mas é comum a dificuldade de integração dos temas humanísticos ao escopo da Medicina23. Ainda que essenciais para a boa prática médica, para mui-tos alunos e professores as disciplinas de humanidades médicas são tidas como prescindíveis e desinteressantes.

A humanização se inscreve como um tema dentro dessas disciplinas, mas frequentemente é abordada de forma superficial e periférica. Na nossa experiência de trabalho em uma disciplina de humanidades, percebemos que os alunos desconhecem completamente a abrangência significativa da humanização nas práticas de saúde. Ao final das discussões sobre o tema, mostram-se bastante surpresos ao descobrir que se trata de algo bem mais complexo e bem mais diretamente ligado ao exercício da Medicina do que as ideias de “ser bonzinho”, “ser educado” e “agradar ao paciente” que tra-zem nas suas associações ao tema e traduzem preconceito e descaso com o que mal conhecem.

Por outro lado, embora muitos hospitais-escola tenham Comitês de Humanização, o tema ainda é relativamente recente no cotidiano da maio-ria das práticas de atenção e ensino15. Sobre esta questão, no Seminário Internacional de Gestão – Mostra SES-SP de 2008, uma pesquisa realizada com residentes do primeiro e último ano da Residência Médica do Hospital Heliópolis da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo24 – para a qual convergem alunos formados em diferentes escolas do estado – revelou dados curiosos. Na entrada à Residência, os médicos apresentavam vaga noção do que seria humanização, considerando-a mais focada na quali-dade da relação médico-paciente. Na saída da Residência, a maioria deles apresentou maior falta de informação e de interesse pelo assunto, inclusive considerando que a humanização tem menos a ver com o seu trabalho e

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mais com o serviço de voluntários, a administração hospitalar, os psicólo-gos e assistentes sociais.

Esses achados corroboram nossas observações tanto no que se refere à timidez com que o tema está inscrito na formação médica, quanto ao fato de que ainda é prevalente nos hospitais a ideia da humanização voltada para ações pontuais que amenizam as tensões cotidianas da vida intra-hospitalar. Outra observação importante é que além de não ter havido acréscimo no seu aprendizado ao longo da Residência, houve uma distorção do que trata a humanização e a sua importância no trabalho médico.

Estudos que vão ao encontro da compreensão do papel da tecnolo-gia e das mudanças sociais do trabalho médico11, ou do atendimento hos-pitalar 15 mostram que as transformações tecnológicas da Medicina e o modo como se organiza hoje o trabalho médico não favorecem o discurso e a prática da humanização. A própria mudança do PNHAH para a PNH (que aumenta o campo iluminado da humanização, mantendo foco nas re-lações intersubjetivas, mas acentuando a necessidade de mudar processos de gestão e organização do trabalho na área da Saúde) tem como base a realidade descrita nesses e noutros trabalhos.

Parece fundamental que o ensino da humanização na formação mé-dica deve partir da conscientização do tema em todos os âmbitos nos quais se dá o aprendizado. É preciso que os hospitais-escola desenvolvam a PNH no seu dia-a-dia, ao mesmo tempo em que as disciplinas de humanidades curriculares trabalhem seus conteúdos com os alunos, em um verdadeiro movimento de integração serviço-escola.

Outro aspecto fundamental para o desenvolvimento da humaniza-ção no ensino médico é a inclusão dos seus princípios e diretrizes na ges-tão educacional, e a presença de espaços de construção de subjetividade, escuta e exercício de reflexão sobre a vida de estudante e de médico, como se observa nos programas de tutoria25.

Na condição de espaços nos quais se cultiva o vínculo, o respeito à diferença de opinião, a construção coletiva de ideias e juízos sobre os mais diversos temas do cotidiano médico, os programas de tutoria são locus privilegiados para o cultivo da humanização no ensino médico. Cenário que abriga histórias de vida, vivências comuns ao estudante de Medicina,

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situações que podem estar na frente ou atrás dos panos e que podem e devem ser conscientemente abordadas, trocando o cinismo pela ética.

Do caminho percorrido ao que ainda temos que percorrer...No tempo em que na Medicina havia poucos recursos para o diag-

nóstico e tratamento, a presença do médico ao lado do paciente, obser-vando-o minuciosamente, acompanhando sua evolução, ampliando seu conhecimento acerca da sua vida e hábitos, eram atitudes necessárias para o próprio exercício da profissão11. Essa atitude, mais próxima ao que hoje se postula para a humanização das práticas, não era algo da ordem do amor ao próximo, como, ingenuamente, uma certa visão romântica tende a insinuar. Vários relatos da história da Medicina mostram o grande inte-resse científico dos médicos na busca de soluções para os males do corpo, alguns levados pelo altruísmo, outros pela vaidade26. Durante muito tem-po, a proximidade com o paciente era quase um imperativo técnico para o exercício da boa Medicina11.

As mudanças sociais e culturais que atravessaram os tempos desde essa época transformaram a face da Medicina e das práticas de saúde, che-gando ao contexto que discutimos neste artigo e suas implicações no surgi-mento da humanização na Saúde. Começando por ações isoladas, pontuais, amadoras, a humanização foi desenvolvendo conceitos e tecnologias para sua aplicação tanto no campo das relações profissionais-pacientes, quanto no campo da gestão, chegando à forma de política pública na Saúde.

Entretanto, a falta de compreensão mais profunda da dimensão psi-cossocial que envolve os processos saúde-doença, a falta de compromis-so com o resultado do trabalho, a falta de decisões compartilhadas com pacientes, de projetos assistenciais discutidos em equipe multidisciplinar, e mesmo de gestão participativa nos serviços de Saúde, tornam a huma-nização do cuidado um projeto ideal ainda bem distante da realidade dos serviços de Saúde.

Trabalhamos durante vários anos junto aos hospitais públicos da Secretaria de Estado da Saúde coordenando a Área de Humanização e pudemos observar que além desses problemas estruturais referentes princi-palmente à gestão dos serviços, há um outro lado do problema que, menos

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evidente e mais entranhado na cultura dos serviços, também dificulta mui-to as mudanças de comportamento que a humanização advoga. Trata-se do que cada profissional espera da sua profissão. Para muitos, o trabalho é o dever a ser cumprido para dar direito ao salário. Para outros é também caminho para a satisfação pessoal, a superação de desafios, o prazer de ser alguém que faz diferença na vida dos outros, e na própria vida.

De acordo com nossa experiência e ponto de vista, a humanização só terá assegurado seu lugar na relação do profissional com o paciente quando se mostrar indispensável para os bons resultados que o profissio-nal deseja de si mesmo no seu trabalho27. Para isso, há que se provocar (se é que isso é possível) uma descoberta fundamental na vida dos profissio-nais de Saúde: a recuperação do desejo e do prazer de cuidar, algo que, de tão distante dos valores culturais que predominam na contemporaneidade, parece irremediavelmente perdido, mas quem sabe...

Aí então, a necessidade de bem cuidar será sentida como uma dis-posição que pode mover o desejo de aprender um outro jeito de ser e fazer o encontro clínico no campo intersubjetivo e, mais além deste, realizar a humanização em toda sua amplitude.

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20. AYRES, J.R. Cuidado: tecnologia ou sabedoria prática, Rev Saúde e Sociedade, 2000, n.6, vol.4.

21. FREUD, S. Introdução ao Narcisismo, Edição Standard Brasileira, Vol.

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XIV, Rio de Janeiro, Imago.

22. MINISTÉRIO DA SAÚDE – Cartilha dos direitos dos usuários da saúde, Brasília, 2006, [capturado 24 jun. 2008] Disponível em: http://www.con-selho.saude.gov.br/biblioteca/livros/cartaaosusuarios01.pdf

23. RIOS, I. C., LOPES JUNIOR, A., KAUFMAN, A., VIEIRA, J. E., SCANAVI-NO, M. T., OLIVEIRA, R. A. A Integração das Disciplinas de Humanidades Médicas na Faculdade de Medicina da USP – Um Caminho para o Ensino. Rev. Bras. Educ. Méd., v.32, n.1, 2008.

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25. BELLODI, P. L., MARTINS, M. A. Tutoria - Mentoring na formação médica, São Paulo, Ed. Casa do Psicólogo, 2005

26. THORWALD, J. O século dos cirurgiões, São Paulo, Ed. Hemus, 2005

27. RIOS, I. C. Ser e fazer diferente... É possível provocar o desejo? Rev. Interface, Comunic Saúde Educ, 2007, v.11 n.26.

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CAPÍTULO II

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A capacidade de verJosé Saramago, em seu “Ensaio sobre a cegueira” (p. 10) retira do

Livro dos Conselhos a epígrafe1:“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.E nos faz mergulhar numa história fantástica na qual uma misterio-

sa epidemia de cegueira branca acomete as pessoas de um país e, à medida que cada vez mais pessoas não podem ver o mundo, preocupadas consigo mesmas e sua sobrevivência individual, destroem-se as bases da organi-zação social vigente e se instala um estado de coisas em que domina o espírito do “salve-se-quem-puder”, a “lei do mais forte”, o individualismo, a ganância, o colapso de valores humanistas. O resultado é uma socieda-de caótica, destrutiva e suicida. Os personagens que conseguem manter princípios éticos e ações solidárias, sustentando uma organização coletiva baseada no respeito e cooperação, são os que escapam de ser tragados pela violência de uma multidão cega, potencialmente assassina, que percebe os outros como inimigos.

O autor tece uma analogia entre a perda da visão e a progressiva perda da humanidade decorrente do egoísmo de quem não consegue en-xergar o mundo como um lugar a ser compartilhado por todos, mas um lugar hostil que se presta a prover necessidades particulares.

Qualquer semelhança com situações das sociedades contemporâneas certamente não é mera coincidência. Saramago escreveu esse romance com clara intenção de fazer uma contundente crítica à dissolução de va-lores éticos e alertar sobre a decadência humana e social que acomete a sociedade quando esses valores entram em crise.

Por isso, a epígrafe nos precipita à responsabilidade: se podemos ver o que está acontecendo, devemos buscar a reparação. Ver, conhecer, refletir sobre si mesmo, os outros e as situações que nos envolvem em contexto particular e coletivo. É o princípio da ética, da cidadania, da humanização.

Princípio que emerge da concepção de homem comum no lugar so-cial e tempo histórico da modernidade. Podemos dizer que a noção de cidadania2 que temos hoje (um sistema de direitos e deveres que se apli-cam a todos os membros de uma sociedade) é uma evolução cujo ponto

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de partida foram as modificações econômicas, políticas e sociais que se iniciaram a partir do século XVI.

O mercantilismo e a criação de bases para o desenvolvimento do capitalismo3,4,5 iniciante exigiu uma sociedade organizada sob o esque-ma político representado pela figura do Estado, cuja consolidação se deu, principalmente, através da modificação do conceito do lugar do homem comum na sociedade. Cada indivíduo passou a ser importante porque o Es-tado construiu seus alicerces na coletividade. Nas sociedades capitalistas, o homem comum é chamado de cidadão e ocupa um lugar estratégico na sua constituição, dinâmica e sobrevivência, e as instituições surgem como dispositivos de ação para a organização da sociedade e manutenção da ordem. Nesse contexto, a vida como valor máximo do ser humano passa a ter uma importância particular, quando a esse valor supostamente na-tural agregam-se outros que permitem o uso das práticas de saúde como estratégia de ação sobre a população para, através da promoção da saúde e da reprodução, manter-se a vida, a saúde da força de trabalho e na con-temporaneidade, o consumo.

Entretanto, nessa configuração da sociedade em que todos são di-tos cidadãos – teoricamente com direitos iguais (inclusive de acesso a bens), mas que na lógica capitalista não estão ao alcance de todos – não se mantém a ordem das coisas sem que opere a violência3,6, nos seus mais diversos matizes.

A violência7 aparece como problema histórico e social em todas as sociedades, e nas sociedades da modernidade aparece como instrumento de organização e dominação. A violência revela estruturas de dominação de classes, grupos, indivíduos, etnias, faixas etárias, gêneros, nações e sur-ge como resultado de tensões entre os que querem manter certos lugares e privilégios e os que se rebelam contra eles, não necessariamente por sede de justiça, mas muitas vezes apenas por fome de poder...

Na nossa sociedade, a violência8 se revela estrutural ante a desigual-dade social e a incapacidade do Estado de suprir as necessidades de toda população, criando um contingente de excluídos que não tem meios para exercer seus direitos e deveres cidadãos. A exclusão social não é só uma questão de pobreza, mas principalmente de ausência de poder público e

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sua substituição por um poder paralelo, marginal e violento cujas regras não respeitam as leis do coletivo, porque nesses espaços de não-governo instauram-se domínios que governam com regras particulares.

Vivemos em uma sociedade violenta9: em 2006, as causas externas foram a terceira causa de morte na população brasileira, sendo que entre essas, os homicídios ocuparam o primeiro lugar. Não se tratam só dos atos de brutalidade criminosos (que já são bastante altos), o que cada vez mais chama a atenção é a prevalência de um modo subjetivo de lidar com situ-ações cotidianas e resolver conflitos pelo uso da violência.

Na contemporaneidade10, o individualismo e a desigualdade relati-vos ao modo capitalista de organização social, a deterioração e descrença nas instituições, as rupturas na malha de apoio social e a banalização da violência pela mídia tornam o viver violento um modo de estar no mundo quase aceitável, uma vez que a essas situações agregam-se valores que alimentam tal comportamento:

- A competitividade extrema que coloca o outro no lugar do inimigo em potencial e não como parceiro;

- O culto ao machismo e à força bruta como expressão de poder e virilidade;

- A adoção de figuras sociais de exuberante comportamento narcí-sico como modelos identificatórios;

- A capacidade de consumo como valor maior que a capacidade ética na construção da identidade pessoal;

- A busca do prazer fácil e imediato;- A velocidade e superficialidade dos contatos interpessoais, valen-

do mais a quantidade e o valor instrumental das relações, que a qualidade do encontro;

- A desqualificação de outros modos de pensar a existência humana (senso comum, Religião, Filosofia, Arte e Ciência) em favor do limitado discurso da ciência positivista;

- A desvalorização da vida, a coisificação das pessoas;- A medicalização, ou a transformação do mal-estar existencial (não

mais representado em outros campos do saber) em vago e doloroso mal-estar, vagando pelo corpo.

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Fatores psíquicos individuais11 também contribuem para o com-portamento violento, entretanto cabe lembrar que tais fatores são cons-titutivamente dependentes da cultura. Estudo de Vethencourt11 com jo-vens delinquentes pobres da Venezuela revelou, em suas histórias de vida, crianças que cresceram em ambiente pobre material e afetivamente, em meio a situações de violência e ausência de expectativas de realização de projetos pessoais. Tais jovens apresentavam desestruturação sutil da personalidade, desorganização do comportamento em relação a valores socialmente aceitos, regressão e reativação de núcleos de violência narcí-sicos, perda do autocontrole pela estigmatização, recrudescimento da raiva contra o outro e contra o próprio grupo.

Enfim, em uma visão macroscópica, a violência é um problema so-cial, histórico e cultural que decorre de relações sociais marcadas por con-tradições e diferentes formas de dominação, presente em todas as socieda-des, em tonalidades e graus de aceitação variáveis.

O comportamento violento é instrumental, latente nos valores cultu-rais vigentes, e manifesto no modo de ser cotidiano das pessoas. A opinião pública condena a violência, mas admite situações em que é aceitável, protegida e mesmo naturalizada. Instituições respeitáveis como a família (no que tange à violência doméstica), a escola, as empresas, o hospital, nos seus bastidores “podem” se amparar em ideologias que sustentam o uso da violência como meio.

Aproximando nossa lente para o campo das subjetividades7, a vio-lência se apresenta como um modo de relação humana, um comportamento que se molda dentro da cultura e dos valores reproduzidos nas instituições, começando pela família e depois avançando para outros espaços sociais. É assustador, mas, nesta sociedade, com frequência, dependendo do momento ou situação estaremos correndo o risco de sermos vítimas ou algozes.

O território da cegueira branca...Nas instituições, a violência decorre da cultura geral de violência

de que falávamos e da organização visando a manutenção da ordem que consolida lugares de poder e controle dos sujeitos.

Sobre a instituição12 devemos lembrar que ela é condição básica

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do desenvolvimento humano. Produto das interações humanas. Nascemos numa família, crescemos construindo nossa identidade nos grupos que participamos, seja a escola, a religião, o trabalho, a tribo. Portanto, sempre estaremos ligados uns aos outros em graus variáveis. A questão, portanto, não é crucificar a instituição, mas perceber suas várias finalidades, pensá-las e transformá-las a partir de valores éticos revigorados.

Na dinâmica institucional12, o modo de relação que está na base de qualquer tipo de violência, a relação de domínio e submissão, também se apresenta no que chama de violência institucional na Saúde. Segundo Foucault, a violência institucional3 historicamente se engendrou nos presí-dios, escolas, instituições psiquiátricas, que usavam o castigo moralmente legitimado pela sociedade.

A violência institucional na área da Saúde decorre de relações so-ciais marcadas pela sujeição dos indivíduos. Data na transformação do hospital antigo no hospital moderno3,5, sob os então “novos” métodos organizacionais. Historicamente, foi se configurando desde o controle, a alienação e o não reconhecimento das subjetividades envolvidas nas práticas assistenciais. Na vertente da organização científica do trabalho criaram-se as castas dos que pensam e dos que obedecem, levando-se ao estado de alienação do sujeito em relação ao seu trabalho, à instituição e ao contexto social em que se inscreve a sua prática que não só torna seu trabalho mecânico e sem sentido como potencialmente violento, porque perde qualidades fundamentais para o contato técnico e sensível necessá-rio às relações intersubjetivas na Saúde.

O assim chamado institucionalismo11 resulta dessa forma de violên-cia e faz com que a instituição de saúde passe a provocar doença ao invés do cuidado e da cura. Fatores que levam ao desenvolvimento do quadro clínico são:

- Uso da disciplina e rigidez hierárquica para organização e controle do trabalho;

- Supremacia do fenômeno biológico e da intervenção sobre um corpo descontextualizado de sua história;

- “Dessubjetivação” das pessoas envolvidas nas práticas;- Desenvolvimento de especialidades e tecnologias que fazem a clí-

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nica das doenças e não a clínica das pessoas historicamente constituídas;- Hegemonia do discurso médico em torno do qual orbitam discursos de

outras disciplinas, na maioria das vezes construídos sobre o mesmo modelo;- Uso do discurso do saber para o exercício do poder e de diversos

tipos de comportamento de dominação e submissão tanto entre profissio-nais, quanto em relação aos pacientes;

- Formas de comunicação apenas descendentes e ausência de direito ou recurso das decisões superiores.

Por outro lado, temos que considerar alguns elementos mais sutis que escapam a essa constatação sobre o modo como se encontra hoje a vida institucional na Saúde. Lembremo-nos de que, em cada época, se constroem saberes legitimados socialmente, diretamente implicados nas práticas sociais, entre as quais a Saúde.

Na nossa sociedade coloca-se a ciência positivista como hegemô-nica4 e desautoriza-se outros campos que anteriormente davam respostas às inquietações humanas como a Arte, a Religião, a Filosofia, os espaços coletivos de reflexão. Com isso, a sociedade ganha eficiência nas áreas tecnológicas, mas perde sustentação humanística para compreender a sub-jetividade humana.

Por exemplo: diminuindo as vias de escoamento representacional, o mal- estar existencial passa a ser percebido como sensação de doença e requer respostas na Medicina, no remédio, na intervenção no corpo13. Acrescente-se a maior ou menor vulnerabilidade psíquica e biológica de cada um para o surgimento da patologia mental e temos a prevalência crescente dessas patologias: estados depressivos, estados ansiosos e fóbi-cos, somatizações, adições (obesidade, alcoolismo, abuso de drogas).

Consoante a essa demanda, desde a década de 1970 vem se desen-volvendo um modo de fazer clínica psiquiátrica que se apoia preferencial-mente na teoria dos neurotransmissores e no uso de drogas, tanto para os casos em que os sintomas são indiscutíveis manifestações reativas a situações inerentes ao estar vivo, quanto aos casos de indicação precisa.

Passamos da fase em que todo comportamento incompatível aos ide-ais da sociedade burguesa era passível de internação e a loucura3 estava ligada à paixão, à falta de reflexão, contrapondo-se ao juízo e à virtude.

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Os avanços médicos do século XX desenvolveram outras referências para a patologia mental, menos apoiadas no juízo moral do comportamento desviante e mais “científica” dentro dos princípios da Medicina moderna. Entretanto, indo de um extremo para o outro nos encontramos diante da absurda situação que nos coloca os códigos de classificação de doenças2, no seu furor nosográfico que patologiza as expressões humanas em todas suas nuances, prestando-se muito mais aos interesses pecuniários dos se-guros saúde e ao progresso das vendas de psicofármacos pelas indústrias farmacêuticas, que aos propósitos terapêuticos a que se destinariam por princípio.

Nesse sentido, a humanização na Saúde (contra a violência institu-cional) chama à reflexão sobre em que se apoiam nossos saberes e práticas e quanto somos carregados por determinações sociais que imprimem inte-resses na nossa atividade.

Longe da cegueira, perto da humanização“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”Retomo a epígrafe porque acredito que esse é o nosso movimento

de escolha.Pensar a humanização, sob o ponto de vista que adotei neste traba-

lho, diz respeito a pensar em que contexto sociocultural se engendram as patologias e as práticas de saúde das quais somos agentes.

Vivemos numa sociedade complexa10, que, entre outros aspectos, se caracteriza pela velocidade e profusão de informações, superficialidade das relações afetivas e desarticulação dos universos simbólicos que tecem a malha de apoio social do indivíduo no coletivo. Preconiza-se o livre acesso aos bens de consumo sem que se forneçam democraticamente os meios práticos para o seu alcance. Exaltam-se o individualismo, a compe-titividade e o sucesso pessoal à custa da neutralização das diferenças e o acomodamento a modelos idealizados de bem-estar e prazer que limitam expressões diversas das subjetividades e não são possíveis a todos.

Nesse meio, as patologias e principalmente as mentais reproduzem no cenário da vida privada o modo de funcionamento social sustentado na contradição, alienação, isolamento e angústia.

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Se deslocarmos nosso foco de observação para o interior das institui-ções de Saúde12, não será surpresa perceber que também nelas essas vivên-cias se expressam, em graus variáveis. Subliminarmente, a não consciência da estrutura maior em que estamos imersos reproduz tudo aquilo que obser-vamos como características das sociedades contemporâneas: aprisionamen-to a valores descontextualizados, alienação, indiferenciação, individualismo e o aniquilamento das chances de manifestações de subjetividade.

Voltando às nossas reflexões iniciais, consideramos que as ações de promoção da saúde devem ter como base a compreensão da vida humana na diversidade de suas expressões individual e coletiva. Tal atitude pressu-põe a consciência de que todos nós estamos imersos nesse universo histó-rico de representações da vida, do prazer, do sofrimento, da morte, no qual se armam encruzilhadas que, para alguns, é a captura para a doença.

Os vários discursos na instituição constituem-se da sobreposição do sujeito psíquico (que comporta a dimensão de cada história pessoal) no sujeito institucional (lugar de representação, de imagos culturais, de papel social). Recuperar o lugar dessas duas dimensões é a perspectiva da humanização.

A humanização como reação à violência institucional na Saúde bus-ca recuperar o lugar das várias dimensões discursivas dos sujeitos que atuam ou recorrem às instituições de saúde, desconstruindo relações de dominação-submissão e dando lugar à construção de saberes compartilha-dos e o desenvolvimento dos potenciais de inteligência coletiva14 definidos por Levy como “a valorização, a utilização otimizada e a colocação em si-nergia das competências, imaginações e energias intelectuais, independen-temente de sua diversidade qualitativa e de sua localização” (Levy, 1993, p.36), que se traduz na comunicação, no debate e na divulgação das ideias para a construção de projetos e ações coletivas em sinergia com princípios, missão e visão institucional coletivamente construídos.

Cabe novamente perguntar: qual é o nosso papel como agentes de Saúde nessa sociedade?

Não temos como negar que respondemos por pelo menos duas fun-ções, uma manifesta, outra nem tanto. Nossa função manifesta é a promo-ção da saúde, e a outra é a criação de respostas para conflitos inerentes à

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vida na sociedade que, direta ou indiretamente, recaem sobre os corpos. Nessa vertente, tanto quem pratica quanto quem recebe cuidados de

saúde está exercendo cidadania. E mais, ambos estão atuando no campo dos direitos, em contraponto à violência. Os direitos humanos15 consti-tuem um sistema de conhecimento e prática que busca integrar direitos subjetivos com direitos sociais – algo absolutamente em sintonia com a humanização.

Os direitos subjetivos falam das liberdades individuais, e os direitos sociais, dos direitos que devem ser garantidos pelo estado: saúde, trabalho, educação entre outros.

Os direitos absolutos são exatamente o campo do nosso trabalho e a base de qualquer perspectiva de cidadania tanto para os profissionais quanto para os pacientes. Entre eles estão: o direito à vida, a não ser dis-criminado, a não ser torturado ou receber tratamento ou punição cruel, desumana ou degradante, a ser reconhecido como pessoa perante a lei e à liberdade de pensamento.

O bom cuidado da saúde é um direito humano e quando podemos exercer nossas atividades profissionais decentemente estamos exercendo nossos direitos de cidadão, caso contrário estamos no meio da encenação de uma farsa, cegos ou não.

Para finalizar, gostaria de lembrar a crônica de Carlos Drummond de Andrade,16 nos dizendo da fixação humana pelo verbo matar, que des-liza seu desejo homicida nos vértices de inocentes expressões linguísticas cotidianas com as quais vivemos matando o tempo, matando a fome. Ma-tamos aula, matamos charadas. Nosso dedo polegar é o mata piolhos. E termina brincando e nos chamando a refletir que:

“Se a linguagem espelha o homem, e se o homem adorna a lin-guagem com tais subpensamentos de matar, não admira que os atos de banditismo, a explosão intencional de aviões, o fuzilamento de reféns, o bombardeio aéreo de alvos residenciais, as bombas e a variada tragédia dos dias modernos se revele como afirmação cotidiana do lado perverso do ser humano. admira é que existam a pesquisa de antibióticos, Cruz Vermelha internacional, Mozart, o amor.” (1993, p.67.)

Não sei por quê... Mas acredito no poeta!

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Referências Bibliográficas

1. SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

2. BEZERRA JR, B. org. Cidadania e Loucura, Petrópolis, Editora Vozes e Abrasco, 1987.

3. FOUCAULT, M. Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal, 1986

4. MENDES GONçALVES, R. B. Medicina e história: raízes sociais do tra-balho médico, tese de doutorado, FMUSP, 1979, mimeo.

5. FOUCAULT, M. O nascimento da clínica, Rio de Janeiro, Forense-Uni-versitária, 1977.

6. SBPC, Violência, Revista Ciência e Cultura, nº.1, 2002.

7. COSTA, J.F. Violência e Psicanálise, Rio de Janeiro, Graal, 1986.

8. MINAYO, M.C. Violência e Saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva, História, Ciências, Saúde vol.IV, nov 1997-fev 1998.

9. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Saúde Brasil 2006: Uma análise da desigual-dade em saúde, Brasília-DF, 2006.

10. BIRMAN, J. Mal Estar na Atualidade, Rio de Janeiro, Civilização Bra-sileira, 2001.

11. VETHENCOURT, J. L., Psicología de la violencia. Gaceta APUCV/IPP, 62: 5-10, 1990.

12. SOUZA, M. L. R. O Hospital: um lugar terapêutico? Percurso nº.9, 2,1992.

13. BENOIT, P. Psicanálise e Medicina. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1989.

14. LEVY, P. As tecnologias da Inteligência – O futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Editora 34, 1993

15. Ayres, J. R., Calazans, G., França Jr, I. “Saúde coletiva e direitos huma-nos – um diálogo possível e necessário” Anais do VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.

16. ANDRADE, C. D De notícias e não-notícias faz-se a crônica, Rio de Janeiro, Record, 6ª. Ed, 1993.

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O REALCE à SUBJETIVIDADE: ASSIM COMEÇA A HUMANIZAÇÃO

NA ATENÇÃO à SAÚDE

CAPÍTULO III

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“Porque eu sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura.” alberto Caieiro

Para começar...O primeiro princípio norteador da PNH “A valorização da dimensão

subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão”1, logo no início da sua cartilha, destaca a importância da dimensão subjetiva na Humani-zação, dimensão esta que, ao longo do último século, foi se esmaecendo das práticas até a quase total desconsideração2, muito embora, inerente à condição humana, jamais possa desaparecer. Mas, o que se quer dizer com valorizar a dimensão subjetiva, ou em outros termos, trabalhar no campo da subjetividade na área da Saúde?

Minha proposta neste texto é fazer algumas reflexões sobre essa questão, particularmente no que se refere à atenção, sem pretensão de dar conta do assunto, mas com desejo de aproximação ao tema. Para começar, vou assumir a redação na primeira pessoa do singular, porque se trata da minha visão sobre o assunto, e por que me parece meio estranho falar de subjetividade usando uma linguagem que não considera a própria...

É possível que há uns bons anos, mais precisamente até a década de 1940, a relação médico-paciente fosse mais próxima, e nesse sentido mais humana, uma vez que diante de tão poucos recursos diagnósticos e terapêuticos, a proximidade do médico com seu paciente era quase um imperativo técnico3 para o seu ofício. No clássico Tratado de Medicina Interna de Cecil4, Lewis Thomas ilustra essa afirmação ao narrar uma im-pressão sua guardada da infância a respeito dos poucos recursos da Medi-cina e a dedicação do médico, no caso, seu pai: “Há aqui um mistério, e esse é um aspecto da medicina que tem sido esquecido por muitas pessoas, médicos e pacientes. Uma vez identificada a natureza da enfermidade e a notícia transmitida ao paciente, aconteciam várias outras coisas. Primei-ro, o médico assumia a responsabilidade pelo desfecho, fosse ele o melhor ou o pior. E talvez mais importante que tudo, ele se tornava um arrimo. Tornar-se um arrimo significava passar aos fatos, o que o médico fazia: ele podia não ter muito na sua maleta preta e não ter poções mágicas para servir e certamente nada que pudesse colocar ou tirar de um computador,

Heterônimo de Fernando Pessoa – “ Guardador de Rebanhos” , Poemas Completos de alberto Caeiro, Editora Martin Claret, 1ª. ed., 2006.

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porém ele tinha sua presença e aí estava a diferença. Sir William Osler costumava ensinar que isso poderia fazer toda a diferença do mundo, caso o médico entendesse o que estava ocorrendo ao seu paciente e usasse essa compreensão e se tornasse disponível ao mesmo tempo como uma fonte de esperança e força, esses atos de habilidade profissional poderiam melho-rar a situação. Eu acredito nessas coisas, mesmo que não as compreenda bem.” (Cecil, 1984, pp. 38-39) A presença do médico e o cuidado possível pelo conhecimento e compreensão da situação do paciente são tidos pelo autor como atos de habilidade profissional.

As grandes mudanças que marcaram nossa História contemporâ-nea5 refletem-se na área da Saúde em cenários nos quais nessa antiga mala preta (que hoje mais parece uma bolsa de Mary Poppins) há muito mais recursos para diagnosticar, intervir e medicar, e cada vez menos a presença realmente interessada e disponível do médico, e sejamos justos, não só deste, mas de toda estrutura do serviço de Saúde, que acaba se configurando em um labirinto frio e impessoal. Mudanças no processo de trabalho médico3 decorrentes da capitalização da Medicina e o aparato institucional e tecnológico interposto na relação com o paciente, assim como a organização hierárquica, a comunicação descendente e a gestão centralizada dos serviços respondem por grande parte do mal-estar das instituições de Saúde. Mal-estar que desencadeou movimentos teórico-práticos6 que hoje se agregam sob a bandeira da Humanização, que bem antes de ser política pública (Política Nacional de Humanização – PNH), se expressava na luta antimanicomial, na humanização do parto e nasci-mento, na criação de ambientes hospitalares mais acolhedores, partindo do ponto comum de tentar ultrapassar o recorte biológico e alcançar as muitas dimensões existenciais da pessoa que busca atenção à saúde (e da que lhe atende!).

Com certeza, o primeiro nó crítico da realidade das práticas de Saúde que, sob o enfoque da humanização, procurou-se desatar foi a questão da “dessubjetivação” dos envolvidos nessas práticas. Por esse caminho, uma das primeiras conceituações7 adotadas na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo para a Humanização dizia: “Humanização é o processo de trans-formação da cultura institucional que reconhece os aspectos subjetivos das

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relações humanas, os valores socioculturais e os funcionamentos institu-cionais na compreensão dos problemas e elaboração de ações de saúde, melhorando as condições de trabalho e a qualidade do atendimento.” (Rios, 2003, pp.20), conceito que pouco tempo depois encontrou respaldo na referida cartilha da PNH1.

Sem nos deixar cair na busca nostálgica do médico à semelhança do pai do nosso protagonista citado há pouco neste texto (que era o médico do seu tempo), posto que hoje os tempos são outros, voltando à minha questão inicial, a pergunta é: do que trata essa dimensão subjetiva esco-tomizada que agora queremos que venha à luz dos nossos olhos? Reitero: não acredito nas propostas de se tentar recuperar um modo de ser de ou-tras épocas, ainda que aparentemente fosse mais acolhedor, uma vez que pensar a subjetividade, e o trabalho nesse campo, hoje envolve conheci-mentos e habilidades técnicas e éticas marcadamente contemporâneas.

Dos meus autores mais caros8,9,10 utilizo a definição de subjetividade como o resultado de processos relacionais contínuos de natureza biológica, histórica, psíquica, social, cultural, religiosa, que se condensam ou sedimen-tam no indivíduo e lhe determinam características particulares. Resultado de processos relacionais, a subjetividade tem caráter dinâmico, contínuo e sistêmico, e se constrói nas relações com o mundo e com as pessoas11.

A subjetividade nos diz sobre o modo ou modos de ser das pessoas em determinado tempo e lugar. Embora as pessoas sejam bastante diferen-tes entre si, as subjetividades8 se constituem da interação entre o mundo interno (incluindo a biologia) e a história, valores e lugares da cultura da época, presentes desde antes do nascimento, a começar pela própria família que preparou o berço. Comporta um plano singular (aquilo que só diz respeito a mim mesma – minha constituição física, minha biografia, meus desejos e atos) e um plano coletivo (aquilo que compartilho com ou-tros seres humanos em um mesmo tempo – a linguagem, as necessidades básicas, os valores socioculturais). De forma muito simplificada, a título de exemplo, diríamos que a subjetividade capitalista12 produz a homoge-neização dos indivíduos, a normatização e massificação do pensamento segundo um sistema de valores consumistas. A subjetividade narcísica dos tempos atuais8, 9 produz comportamentos de descrença em relação ao ou-

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tro, isolamento e solidão, segundo um sistema de valores que têm o eu como sua referência. Portanto, quando falamos de subjetividade estamos dizendo de processos que se dão no indivíduo e no coletivo determinando modos de ser no singular e no plural. Assim como o mundo externo incide sobre nosso mundo interno, e nesse encontro molda nossa identidade, nós também somos agentes de transformação do mundo externo, cenário onde expressamos nossa singularidade.

No campo da subjetividade, tanto do ponto de vista individual quan-to coletivo, não existe neutralidade nas relações humanas. Mesmo quando aparentemente distanciadas pelo saber específico de uma técnica que tra-balha na concretude do corpo, como faz o modelo biomédico2 de atenção à saúde. Ainda que nesse modelo de atenção o corpo seja pensado pelos pro-fissionais como organismo, para o paciente e sua família, continua sendo corpo com nome próprio, portanto histórico, social, psíquico. E mais, no que se refere às relações que se estabelecem, pode-se ignorar os efeitos subjetivos que causam nos profissionais, pacientes e familiares, mas suas memórias vão guardar essas marcas silenciosas, e não menos atuantes na constante remodelagem das subjetividades das pessoas envolvidas.

Isto posto, através do prisma psicanalítico, proponho uma vista pa-norâmica da dimensão subjetiva da condição de paciente e da condição de profissional da Saúde manifestas no dia-a-dia do nosso trabalho quando do encontro de ambos.

O paciente e os aspectos psíquicos do adoecimentoEm um tempo distante, cada um de nós teve uma primeira pessoa

que cuidou de nós quando éramos bebês. E depois vieram outros: pessoas da família ou não, médicos, professores, amigos. A subjetividade começa a ser construída em uma relação13 que se dá no território que compreende o corpo do bebê e da sua mãe. O corpo a todo tempo cuidado, protegido, acariciado, é o palco de histórias e emoções que são construídas e guarda-das na memória que assim é, tanto psíquica, quanto corporal13,14. Sobre o corpo biológico do bebê em relação com o outro que lhe cuida se constrói o que, na Psicanálise, chamamos de corpo erógeno14,15, ou seja, uma estru-tura que é ao mesmo tempo física, emocional e histórica. Carrega a mate-

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rialidade da carne, líquidos e processos físico-químicos no mesmo invólucro da alma. Por isso, tocar o corpo será sempre provocar sensações, puxar pela memória, e escrever mais uma linha na história da vida da pessoa.

Na prática, não existe procedimento técnico, clínico ou cirúrgico, que não provoque emoções, sentimentos, lembranças, e não deixe seus rastros de impressões, efeitos e memória. Isso é importante porque os pa-cientes podem reagir ao contato físico com o profissional da Saúde de um modo que a gente muitas vezes não entende, porque não se trata apenas de um sentir por vias neurais... Mas um sentir carregado de vivências muitas vezes inconscientes para o próprio paciente. Nessa hora, precisamos dar um desconto e mesmo que jamais saibamos os porquês de suas reações, a nós cabe a calma, a habilidade para contornar a situação e se possível, a sabedoria de não julgá-los.

Tocar o corpo, mesmo que feito de modo absolutamente técnico e ético (como sempre deve ser, sendo o contrário totalmente inaceitável), nunca será sentido como um ato asséptico. Particularmente quando o tema a ser revisto no corpo for o sexo.

Sexo e subjetividade formam uma trama irredutível. De novo, da Psicanálise, aprendemos que o desenvolvimento da sexualidade está na base do desenvolvimento da identidade14,15. Nascemos seres sexuados, e antes mesmo de nos sabermos como um “eu” vivente, recebemos nomes e cuidados segundo o gênero. Para os meninos, azul. Rosa, para as meni-nas... É bem verdade que a sexualidade infantil13,14 (e hoje, espera-se que todo profissional da Saúde saiba) não é a mesma coisa que a sexualidade adulta, mas é no ambiente cultural que suas insígnias se inscrevem. No campo da subjetividade e dos processos relacionais que o constituem, a construção da identidade se dá junto ao desenvolvimento da sexualidade durante a infância e a adolescência pela composição de vivências corpo-rais, culturais e emocionais que formam a matriz da personalidade adulta. O processo é bastante complexo e absolutamente belo, como só é possível na natureza essencialmente humana da nossa existência.

Não sei se tão breve colocação de um tema cujo aprofundamento foge ao escopo deste texto seja suficiente para fazer perceber que, no nos-so cotidiano de profissionais da Saúde, precisamos estar atentos porque,

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em sã consciência, ninguém pensa em sexo como genitais internos e ex-ternos do ponto de vista semiológico (exceto nós, talvez...). Lembro agora de um episódio no posto de saúde em que eu trabalhava. A educadora de Saúde fazia grupos de gestantes para ensinar como funciona o organismo feminino na gravidez. Ela tinha vários materiais ilustrativos, com fotos e modelos tridimensionais de útero, ovários, útero gravídico, fetos, enfim... No primeiro encontro com as gestantes, seu objetivo era ensinar-lhes o que é a fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Bem intencionada, ela começou o encontro perguntando às moças ali presentes: vocês sabem como engravidaram? E aí foi risinho para cá, faces coradas para lá e estava literalmente na cara que todo mundo pensou numa cena, num lugar, numa pessoa, em tudo, menos no óvulo com o espermatozóide!

Não dá para separar a memória do corpo.E quando a pessoa adoece, então...Com a disseminação das informações de toda e qualquer natureza

pelos meios de comunicação, qualquer pessoa tem acesso a notícias de cunho médico, ainda que muitas vezes de forma e conteúdo inadequados. O tempo da inocência acabou... É cada vez mais comum o paciente chegar com um diagnóstico em mente e querer dirigir a prescrição, conforme viu na televisão e na Internet. O profissional da Saúde não é mais o detentor de um saber guardado entre seus pares, mas alguém que deve ser capaz de mediar esse saber junto aos seus pacientes e sociedade, considerando a singularidade de seu acontecer em cada pessoa.

O que precisamos ter em mente é que, o paciente, bem informado ou não acerca da sua doença, quando se apresenta para nós é, antes de tudo, alguém que pensa e reage à sua doença de modo particular e inconsciente-mente busca em nós mais que o conhecimento sobre sua doença, o suporte para os acontecimentos psíquicos devidos a esse adoecimento. As possi-bilidades são muitas, mas invariavelmente, o que acontece são singulari-dades diretamente vinculadas às experiências de vida. Porque como dizia, não há acontecimento no corpo que não evoque lembranças, sentimentos, culpas, desejos e tratar um paciente como um todo significa ter sensi-bilidade para tudo isso, ou no mínimo, respeito e comportamento ético. Lembremos que cada um teve uma experiência particular com o primeiro

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cuidador e os demais que surgiram ao longo da vida, e assim quando do encontro com o profissional de Saúde no momento do adoecer, vai nele depositar demandas que se referem a essas vivências, o que pode facilitar a construção do vínculo terapêutico ou impedi-lo totalmente, de acordo com a capacidade do profissional de perceber ou não essa dimensão afetiva do paciente, presente no modo como o paciente se dirige a ele e, em quase todos os casos, manifesta explicitamente quando ele sabe conversar com o paciente sobre a vida e não só sobre sintomas.

Há pouco tempo acompanhei um familiar a uma consulta com um médico especialista, professor titular de uma importante escola médica de São Paulo. A paciente apresentava-se bastante fragilizada devido à doença e recorrera a ele, que sendo médico e professor, lhe trazia à lembrança o marido há muitos anos falecido e que também tinha sido médico e profes-sor de Medicina. Um médico muito querido e admirado por sua competên-cia técnica e humana. Bem, o nosso professor aqui a recebeu com elegante e educada frieza, em quinze minutos escrutinou-a com precisão técnica e mandou fazer alguns exames. Quando ela o interrogou sobre o retorno para ver os exames, ele lhe disse que os mandasse pelo correio e ele lhe daria as orientações terapêuticas por telefone. Inconformada, pois o retor-no para complementação da primeira consulta trata-se inclusive de um direito do paciente segundo o Código de Ética Médica, em vão ela tentou reivindicar mais espaço de encontro e de conversa com o professor titular, que se manteve firme como o mármore do piso do seu belo consultório particular. O problema da falta de competência ético-relacional na atenção à Saúde não é privilégio dos serviços públicos como às vezes querem nos fazer crer... Acontece também nos melhores endereços da cidade.

Alguns autores14, 16,17 postulam que ao adoecer, principalmente quando de um evento mórbido relativamente grave, é comum ocorrer o processo de regressão narcísica, ou de retorno do interesse e energia (li-bido) da pessoa para ela mesma. O retorno ao narcisismo14 diz respeito ao modo de funcionamento psíquico que guarda semelhança com o modo subjetivo característico dos tempos precoces da vida psíquica normal, mas que no caso de um adulto pode significar comportamentos incômodos para ele próprio e seus cuidadores. Nesse modo de funcionamento psíqui-

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co14, ressurgem sentimentos habituais na tenra infância, ligados a vivências de desamparo e dor e a necessidade de ser cuidado por alguém dotado de especial capacidade de empatia e poder de proteção, tal como foi a mãe, ou sua substituta. A emergência dessas emoções por si só já pode desencadear muita angústia ao paciente, pois, na maioria das vezes, estamos falando de um adulto, uma pessoa independente, que estava vivendo dentro de contin-gências mais ou menos sob seu controle até ser interrompido pela doença. O abalo que a doença causa na imagem que o sujeito tem de si e a necessidade de cuidados para restaurá-la pode aparecer na forma de exigências ansiosas do paciente e de seus familiares para com o profissional da Saúde.

Por outro lado, o desligamento das energias psíquicas dirigidas ao mundo e a sua consequente volta para si mesmo (regressão narcísica) faz parte de um processo necessário para o acúmulo de forças para o restabe-lecimento. Se os conflitos que esse estado pode acarretar forem bem equa-cionados, ou seja, se o profissional compreender que se trata de alguém fra-gilizado vivendo um momento difícil, saber um pouco de sua vida anterior (como em outras situações difíceis ele se comportou, o que lhe faz bem ou mal, enfim saber um pouco do modo de ser do paciente), e principalmente se conscientizar de que muito do que depositar nele (profissional) se deve a esse estado de coisas e não propriamente a algum tipo de julgamento sobre o mesmo, é muito provável que ao invés de confusão e perplexidade, paciente e profissional da Saúde unam esforços no sentido da cura.

A escuta do que os pacientes contam nas bordas do roteiro da anam-nese nos revela o quanto a doença não é algo externo à suas vidas, como a princípio pode parecer. Ao contrário, o adoecimento está ligado ao modo de ser e viver das pessoas, sendo que a terapêutica deve considerar essa ordem de valor. Esta observação é particularmente valiosa para as doenças crônicas e aquelas chamadas psicossomáticas17 (mas cabe ressaltar que todo ser humano é psicossomático, ainda que tenhamos dificuldades para alcançar a dimensão mais verdadeira dessa afirmação).

Para outras pessoas, a regressão, a demanda de cuidados e a mobili-zação da família pode ser algo desejado. Pode ser do interesse do paciente enquistar-se na condição de doente14,16, como uma forma de vida protegi-da e circunscrita no refúgio da doença. Nesses casos, a cura pode ser sen-

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tida como uma ameaça e para que ela ocorra será necessário trabalhar pela aquisição de capacidade para cuidar de si mesmo e assumir uma atitude de maturidade, o que nem sempre será possível sem a ajuda de psicoterapia.

Há também aqueles casos em que a doença é uma forma de se obter gratificações sociais diversas ou mesmo se livrar de grandes sofrimentos psíquicos contra os quais não se consegue encontrar outras armas, por exemplo, quando a doença exige que o sujeito se afaste de relações ou situações que lhe são incômodas18. Infelizmente, essa situação é muito recorrente entre pessoas vivendo situações de trabalho penoso, muito fre-qüentemente na área da Saúde e da Educação... O modelo mecanicista18 que as instituições adotam para o trabalho na Saúde, além de não promo-ver a saúde integral dos pacientes, é também causa de adoecimento para nós mesmos.

Por fim, cabe lembrar que o lado oculto da queixa, ao qual estamos nos referindo nessas reflexões sobre aspectos subjetivos do adoecimento, é, na maioria das vezes, oculto também para o próprio paciente, pois se tratam de manifestações inconscientes. Este, sem saber, repete junto ao profissional de Saúde padrões de vinculação19 semelhantes aos que viveu com sua mãe, com seu pai, ou com aqueles que foram significativos em sua vida em outros tempos. Demanda-lhes o amor, ou a responsabilidade, ou a correção que esperava dessas figuras, e responde conforme seu desejo de ser amado ou de desafiar uma autoridade.

O profissional da saúde e o lugar do cuidador Meu convite agora é acompanhar algumas ideias sobre o lugar do

profissional da Saúde (aqui pensado e referido como cuidador) no con-texto atual das práticas de saúde e mais particularmente no que se refere a seus matizes subjetivos. Penso esse lugar como uma instância sobrede-terminada que comporta o papel social que é atribuído ao profissional, o imaginário cultural do qual faz parte, as películas mnêmicas que o pacien-te lhe deposita (como vimos anteriormente) e, é claro, sua pessoa real, sua personalidade e história pessoal.

O papel social3 do profissional da Saúde é definido pelo modo como se organiza a sociedade. Não pretendo aprofundar este estudo nessa ver-

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tente, mas vale a pena lembrar que esse papel comporta o cumprimento de funções que respondem a demandas dirigidas a uma área técnica específi-ca (referentes à profissão propriamente dita) e a demandas que se dirigem ao universo representacional da área da Saúde na nossa sociedade20: lugar de promoção da saúde, de amortecimento de conflitos sociais, de medica-lização, ou de referenciamento do mal-estar social e psíquico vivenciados como doença no corpo, produção de riqueza através da venda de serviços, equipamentos, insumos, drogas, enfim, está no papel social ser agente de várias ações de um conjunto maior sob regência da sociedade como um todo.

Outra dimensão que pesa na construção do lugar do cuidador diz respeito ao imaginário cultural16, aqui definido como conjunto de repre-sentações forjadas historicamente que compõem a identidade cultural do cuidador para o paciente e para o próprio profissional dentro de uma mesma época e lugar. Por exemplo, da imagem do curador-sacerdote e seus rituais, passando ao médico hipocrático que conduz a restauração do equilíbrio do homem com a natureza, até chegar ao médico moderno e os milagres tecnológicos que “vencem a morte”, sobre o profissional da Saúde recai tudo o que o paciente não sabe de si mesmo e espera que o cuidador saiba. Espera-se que seja piedoso e solidário, um missionário que dedique sua vida ao cuidado do próximo, um cientista que descubra a origem e o fim dos males, um profundo conhecedor do corpo humano e das técnicas e tecnologias capazes de manter seu perfeito funcionamento, beleza e vitalidade.

Mas é importante notar que tais imagens, ainda que carregadas de rastros históricos, se referem ao nosso tempo, a contemporaneidade. Veja-mos um dos porquês. O ato de cuidar, até o século XIX, significava tratar a doença com todos os (poucos) meios possíveis e esperar que Deus pro-cessasse a cura. Ao médico cabia fazer diagnóstico e prognóstico já que os recursos terapêuticos e tecnológicos eram muito escassos. Vem daí a frase célebre de Ambroise Paré “Eu o tratei, Deus o curou”(cit Benoit, 1989,p.98). À doença, à cura e à morte restava uma face oculta, referente à vida secre-ta do enfermo, cujo mistério era acessível apenas a Deus, cabendo a este o ato decisivo sobre seu destino. Com a descoberta da penicilina e o advento

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dos antibióticos na década de 50, foi se criando uma nova concepção do que seria o tratamento. Em surdina, foi ocorrendo a transferência do papel divino de curar para o papel do médico e da terapêutica medicamentosa na sociedade contemporânea. Nesse movimento fez-se também a transfe-rência dos questionamentos psíquicos sobre a vida, o sofrimento, a dor e a morte. “Onipotências à parte, o certo é que, ao se transformar o hospital, e não a casa, no local onde as pessoas adoecem e morrem, todas essas questões anteriormente compartidas pela sociedade como um todo se en-contram agora circunscritas àquele espaço.” (Pitta, 1990, p.31).

Quando uma pessoa adoece, conscientemente procura no cuidador a resposta para a doença e, inconscientemente, para os acontecimentos ocultos que acompanham o adoecer. O lado oculto que se apresenta na base da relação do profissional da Saúde e o paciente são as questões exis-tenciais (a face encoberta do sofrimento, da dor e da morte) e histórico-pessoais (a vida íntima do paciente, sua realidade psíquica, desejos, medos, culpas, amores e ódios mortais...) que podem ou não estar incidindo sobre o corpo e o modo de entender e reagir ao adoecimento.

A essas dimensões mais ou menos compartilhadas por todos cui-dadores de uma época, soma-se a dimensão pessoal. Nesta, um aspecto importante que contribui fortemente para a constituição da sua atitude e identidade profissional é a formação acadêmica21. A observação dos pro-fessores em ação, assim como os métodos de ensino e a cultura institu-cional da escola, imprime marcas, induz modelos, carrega emblemas e valores morais. Em todas as profissões da área da Saúde, mas certamente na Medicina e enfermagem, o profissional vai deparar constantemente com questões da vida, do sofrimento e da morte e a responsabilidade direta sobre elas. Algo fascinante, mas muito assustador e angustiante. Não serão poucas vezes que sentimentos de onipotência se reverterão em impotência e culpa. Se desde a formação21 não se aborda de forma humanística os conflitos tanto de pacientes quanto de profissionais, mas ao contrário, ora sumariamente negando-os, ora rechaçando-os por meio do distanciamento afetivo e do discurso científico, o resultado é aquele conhecido por todos nós na prática: aumento da distância entre profissional e paciente, aumen-to das defesas contra o sentir, e reforço da postura tecnicista e até mesmo

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cínica, por não se saber lidar com emoções próprias e dos pacientes.O profissional da Saúde nunca estará imune às determinações do pa-

pel social, do lugar imaginário, das demandas conscientes e inconscientes dos pacientes, da formação acadêmica e, como não poderia deixar de ser, principalmente da sua personalidade. Tanto que a pessoa do profissional é decisiva para o resultado do cuidado ao paciente. Sua visão de mundo, valores, desejos, história, relação com a profissão, convicções religiosas, políticas e científicas, enfim todo o seu ser subjetivo influi sobre o modo como se dá a sua prática diária, e as transferências19 psíquicas (inconscien-tes) do profissional e do paciente.

Desenvolver sensibilidade para o conhecimento próprio e do ou-tro pode ser protetor contra sentimentos inerentes à própria natureza do trabalho22, 18, entretanto não tem sido essa a saída eleita para lidar com essas questões. Em seu estudo, Pitta observou que o contato íntimo com pacientes mobiliza desejos e conflitos libidinais nos profissionais que exi-gem constante dispêndio psíquico para ser controlados, sob o risco de desencadear forte ansiedade e instabilidade emocional. Para se defender das sensações de ansiedade, culpa, dúvida e incerteza, os profissionais de-senvolvem recursos18 que muitas vezes se voltam contra sua própria saúde, tornando as pessoas que trabalham na Saúde particularmente suscetíveis ao sofrimento psíquico e adoecimento devido ao trabalho. Tais recursos são chamados sistemas sociais de defesa e incluem (Pitta,1990, p.65-67):

1. Fragmentação da relação técnico-paciente; 2. Despersonalização e negação da importância do indivíduo; 3. Distanciamento e negação dos sentimentos;4. Tentativa de eliminar decisões pelo ritual de desempenho das tarefas;5. Redução do peso da responsabilidade.Em outro extremo, a importância do trabalho nessa área, frequente-

mente, faz com que a vida profissional se hipertrofie ao custo da vida pes-soal. O envolvimento do profissional com seu ofício pode chegar a limites imprecisos entre dedicação e esvaziamento da vida pessoal em outros con-textos, reduzindo outras possibilidades de experimentação do mundo e se restringindo à busca de satisfação estritamente no ambiente de trabalho. Torna-se comum o sentimento de solidão e o pouco cuidado consigo mes-

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mo quando a vida profissional engloba os espaços da vida pessoal.O desejo de cura faz parte do tratamento, mas sobreposto à realida-

de, cria um embate de forças entre a onipotência da vontade e os limites da existência. Certas perguntas precisam ser consideradas frente ao “furor curandis”: o que é não desistir de um paciente? O que é aceitar os limites das possibilidades? O que é o bem? Bem para quem? Para o paciente ou para o profissional? Até onde nos é permitido avançar na direção do nosso desejo (ou necessidade), considerando que o desejo é o motor da vida, mas se delirante e obsessivo torna-se também violento e destrutivo. Reforço: saber administrar-se bem e com bom senso é a arte da relação interpessoal e do cuidado consigo mesmo. Reflexões fundamentais para amortecer a frustração dos inevitáveis fracassos, a depressão e o sentimento de impo-tência – sofrimentos inerentes à profissão.

Para terminar... A partir do que foi dito sobre a dinâmica do paciente e o lugar do

cuidador no campo da subjetividade, fica mais claro por que na relação do profissional de Saúde com o paciente, a terapêutica dificilmente será recebida somente como uma lista de procedimentos e cuidados, mas sim como um compromisso que o paciente vai assumir ou não de acordo com os sentimentos que o profissional da saúde lhe suscite: confiança, hostili-dade, desprezo, dependência, amor, raiva... Vimos também que esses senti-mentos são desencadeados por ligações inconscientes entre as impressões do paciente sobre o profissional da Saúde e registros mnêmicos incons-cientes da experiência de ser cuidado por alguém, funcionamento psíquico que Freud chamou de transferência. A transferência19 é um fenômeno in-consciente que ocorre em qualquer relação entre as pessoas, e diz respeito à projeção de imagens de personagens da história pessoal do indivíduo sobre a pessoa com quem se dá a relação. Frente a essas reedições de figuras, geralmente identificatórias, o indivíduo assume posições pré-determinadas e busca repetir padrões conhecidos de comportamento e satisfação. Consti-tuem verdadeiros clichês, cristalizações de posições e lugares previamente determinados. Ou seja, podemos estar atentos a isso ou não, mas nosso tra-balho sempre estará localizado no terreno das histórias de vida.

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E por aí, encontramos outra face do atendimento humanizado. Como disse ainda há pouco, o profissional não é um elemento neutro na atenção à saúde16, 21. O modo como se porta diante do paciente, seja com atitude carinhosa e maternal, ou autoritária e arrogante, refere-se à sua história pessoal. O seu temperamento, valores, preconceitos e emoções são ministra-dos a cada paciente de modo diverso e, na maioria das vezes, não calculado e sequer percebido. E aí está o problema (e também a solução...). A base do vínculo que permite uma relação dialógica de confiança e potencialmente terapêutica se assenta no campo das subjetividades em jogo. Palavras e atos veiculam mensagens terapêuticas ou iatrogênicas, pois são interpretadas como vindas de um lugar psíquico19 da história do paciente.

Em grande parte, a arte do trabalho do cuidador21 está em sua ca-pacidade de administrar, com bom senso e adequadamente, a sua própria pessoa e ao paciente de acordo com as necessidades deste, em doses ade-quadas. Certamente que para isso, o profissional deve ter algum conhe-cimento de si mesmo e de seu modo de ser e agir frente às situações e impasses do seu ofício. O ideal pessoal, o que deseja de si mesmo como profissional a partir de sua história, seus valores, emoções, preconceitos, variáveis que inclusive podem mudar frente às diferenças das pessoas en-volvidas nessas relações.

Outro fator igualmente importante na relação dessa dupla é o modo como se organiza o trabalho na instituição de Saúde. O profissional da Saúde que trabalha sob as rédeas da organização científica do trabalho sofre as consequências do controle, da disciplina, da fragmentação das tarefas cuja articulação com a totalidade do processo de trabalho fica obs-cura. Trabalha, portanto numa situação de alienação22, descontextualiza-ção e “dessubjetivação” de suas práticas, pano de fundo que por si só já serve de elemento facilitador para estados e manifestações patológicas de ansiedade. Acrescente a natureza do seu trabalho, o regime de turnos18, os baixos salários que fazem esses profissionais se sobrecarregarem com dois ou mais empregos, e as condições de trabalho estressantes: temos os re-quisitos necessários para o colapso da humanização na atenção à saúde.

Nesse sentido, não podemos deixar de assinalar a importância dos cuidados do profissional consigo mesmo para que se mantenha capaz de

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cuidar dos seus pacientes. Acredito que esse cuidado deva se desenvolver em dois âmbitos: pessoal e institucional.

Reafirmo aqui a necessidade de o profissional promover o autoconhe-cimento e refletir sobre o impacto da prática na sua vida. Fantasias de oni-potência no trabalho, cujas raízes inconscientes estão nas suas marcas histó-ricas, trazem no seu reverso a culpa e a impotência quando as limitações da realidade se impõem. A capacidade de transformar essas desilusões de forma positiva traz progresso para o sujeito, mas em geral isso só é possível quando são passíveis de análise e reflexão, muitas vezes difíceis e dolorosas.

No âmbito institucional, os programas de humanização têm enfa-tizado a importância do cuidado do profissional. Além das propostas de mudanças estruturais na organização dos processos de trabalho e gestão dos serviços, preconiza-se a criação de espaços de discussão e contextuali-zação dos impasses, sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetem os profissionais da Saúde no seu dia-a-dia. Espaços nos quais seja possível recuperar histórias e subjetividades pelo exercício da fala e escuta, devol-vendo à palavra sua potência terapêutica, organizadora do psiquismo, e estruturante das relações entre as pessoas. Entretanto, infelizmente, inicia-tivas concretas nesse sentido ainda são bastante modestas...

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14. FREUD, S. Introdução ao Narcisismo, Edição Standard Brasileira, Vol.14, 1914, Rio de Janeiro, Imago, 1980.

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16. BENOIT, P. Psicanálise e Medicina. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1989.144pp.

17. FERRAZ, F, VOLICH, R M. Psicossoma: psicossomática psicanalítica. São Paulo: Ed. Casa do Psicólogo, 1997. 234 pp

18. PITTA, A. Hospital: dor e morte como ofício . São Paulo: Ed. Hucitec, 1990. 200 pp

19. FREUD, S. A Dinâmica da Transferência, (Edição Standard Brasileira, v.12, 1912). Rio de Janeiro, Imago, 1980.

20. FOUCAULT, M Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal, 1986

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21. BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Ed. Atheneu, 1988. 291pp

22. DEJOURS, C A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do traba-lho 2ed., São Paulo, Cortez/Oboré, 1987

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CAPÍTULO IV

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I. O que estamos chamando de Cultura Institucional da Humanização?Cultura Institucional ou, segundo outros autores, Cultura

Organizacional1,2 diz respeito ao conjunto de valores, hábitos, procedi-mentos, normas e afetos produzidos pelas pessoas e pelo conjunto insti-tucional no trabalho. Caracteriza um ambiente de trabalho, influenciando o comportamento das pessoas no seu interior, tanto para a ação a seu favor, quanto contra (contracultura). Três dimensões culturais3, presentes de forma simultânea, fazem parte do que estamos chamando de cultura institucional:

1. A dimensão tecnológica, que compreende a tecnologia material (máquinas, materiais diversos) e a tecnologia organizacional (procedimen-tos técnicos de organização do trabalho, conhecimentos e habilidades para a ação, definição de papéis);

2. A dimensão institucional, que se refere ao conjunto de normas de funcionamento e de relacionamentos sociais, crenças e valores comparti-lhados;

3. A dimensão afetiva, que se traduz pelos sentimentos e emoções que permeiam as relações entre as pessoas, e destas para com a instituição.

Nessa leitura, a cultura institucional resulta da interação das pessoas em um coletivo submetido a determinadas leis e princípios de organização e funcionamento. É produzida por esse ambiente físico e humano e, reci-procamente, produz valores, atitudes e práticas que se expressam no modo de ser das pessoas no trabalho. Qualquer instituição que deseje promover mudanças organizacionais e comportamentais efetivas terá que conhecer muito bem tais funcionamentos e trabalhar no âmbito desse campo mar-cadamente construído de subjetividades.

Na área pública do setor de Saúde4 essa questão ganhou relevância quando começou a sofrer duras críticas em relação a algumas de suas ca-racterísticas técnicas e políticas, particularmente no que se referia a:

1. A atenção à saúde dominada pelo modelo biomédico de compre-ensão e intervenção sobre o processo saúde-doença e o decorrente descaso pelos aspectos humanísticos nele presentes;

2. A organização científica do trabalho que mecaniza procedimentos que se inscrevem em um campo vivencial que requer elementos afetivos in-

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compatíveis com essa metodologia de organização do processo de trabalho;3. O comando clientelista, assentado na rigidez hierárquica e nos

privilégios, na ausência de direito ou recurso das decisões superiores, na forma de comunicação apenas descendente e na ignorância de saberes referentes à gestão e administração de serviços.

Irrompeu dentro das próprias instituições um movimento técnico-po-lítico contra esse estado de coisas (identificado como uma cultura de violên-cia institucional), que abriu espaço para o surgimento de ações e processos de contracultura com o nome de Humanização. A Humanização surge, assim, como resposta espontânea a um estado de tensão, insatisfação e sofrimento tanto dos profissionais quanto dos pacientes, mediante fatos e fenômenos somente justificáveis em uma cultura institucional de violência.

Antes da repaginada teórica, prática e política que recebeu nos últi-mos anos, a humanização se apresentava como um forte desejo das pessoas pela mudança da cultura institucional na área da Saúde, particularmente nos hospitais – estes vistos como lugares nos quais prevalecia o desrespei-to à autonomia das pessoas e a falta de solidariedade4.

Hoje, a humanização tornou-se tão relevante para as transforma-ções necessárias ao desenvolvimento do setor público da Saúde que o Ministério da Saúde5 criou a Política Nacional de Humanização (PNH), com foco na mudança de cultura institucional e nos processos de gestão e de organização do trabalho. Os oito objetivos principais da PNH6 para a humanização hospitalar são (Santos-Filho, 2006, p.16-48):

“1. implementar gestão descentralizada e participativa2. assegurar ampliação de acesso, cuidado integral e resolutivo3. Organizar a atenção e oferta de cuidados a partir da implemen-

tação de equipes multiprofissionais com métodos e instrumentos de orien-tação do trabalho

4. Propiciar participação e valorização dos trabalhadores no proces-so e gestão do trabalho

5. Promover Educação Permanente dos trabalhadores6. assegurar direitos dos usuários, controle social e ações de promo-

ção à saúde no âmbito hospitalar7. adequar áreas físicas (seguindo o conceito de ambiência nos pro-

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jetos arquitetônicos e provisão de recursos materiais e insumos)8. Promover qualificação e otimização a partir de instrumentos sis-

temáticos de avaliação”

Para o monitoramento6 de sua implementação criou indicadores de referência que exigem ações transformadoras concretas na realidade dos serviços. Destacam-se entre tais indicadores: a existência de plano de gestão e avaliação baseado em metas; colegiado de gestão da unidade de saúde, conselho gestor; projetos terapêuticos singulares elaborados por equipes multiprofissionais; planos de trabalho estabelecidos com os trabalhadores, baseados em resultados de avaliação de desempenho; processos sistemáticos de avaliação de clima institucional e satisfação dos trabalhadores.

A Humanização não se basta mais em atividades lúdicas e amenida-des para “amaciar” o ambiente de trabalho. Requer ações planejadas para o desenvolvimento dos eixos que, segundo as referências tomadas neste texto, definem a cultura institucional.

A PNH propõe uma grande mudança organizacional que permitirá maior eficiência no setor e a valorização das pessoas em todas as práticas de atenção e gestão. Mudança que envolve, essencialmente, comporta-mentos e relações de poder no sentido da gestão participativa7 ou co-ges-tão aqui definida como uma prática política, pedagógica e administrativa que não se esgota na linha superior de mando e inclui o pensar e o fazer coletivo, dando voz e vez para todas as pessoas envolvidas na atenção e gestão das práticas de saúde. O que nos traz de volta à premissa inicial deste texto, ou seja, promover a cultura da humanização é base para qual-quer outro desenvolvimento previsto na PNH, ainda que, como veremos adiante, a promoção dessa cultura, de certa forma, seja em si mesmo o início da construção da gestão participativa a que se almeja.

Na prática cotidiana, algumas ações que fazem parte de todo pro-grama de desenvolvimento da cultura da humanização nos serviços, indi-retamente, criam bases para a gestão participativa, em qualquer contexto, porque promovem a criação de espaços de discussão para a contextuali-zação dos impasses, sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetem os profissionais de saúde no dia-a-dia (pela própria natureza do seu traba-

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lho), e estimulam o pensar e decidir coletivamente sobre a organização do trabalho, envolvendo gestores, usuários e trabalhadores, em grupos com diversas formações.

De um modo mais específico, a gestão participativa se dá por meio da criação de instâncias de participação nas quais é possível considerar e estabelecer consensos entre desejos e interesses diversos, do mesmo modo que a prática da humanização para a mudança da cultura institucional. Por exemplo: o conselho gestor de Saúde aglutina gestores, trabalhadores e usuários para decidir os rumos institucionais; a ouvidoria faz a media-ção entre usuários e instituição para a solução de problemas em âmbito mais particular; as equipes de referência se compõem de profissionais que, juntos, acompanham pacientes comuns ao grupo; os grupos de trabalho de humanização fazem a escuta institucional e criam dispositivos comu-nicacionais; as visitas abertas propiciam parcerias com familiares para o cuidado de seus parentes. Todos esses espaços fazem parte da PNH e de qualquer proposta de gestão participativa.

Também de uso comum para a humanização dos serviços, algumas ferramentas como as pesquisas de satisfação dos usuários e dos trabalha-dores, ou as pesquisas de clima institucional e de fatores psicossociais do trabalho8, podem ser bastante úteis para diagnósticos institucionais e para o planejamento da ambiência (ambiente físico, social, interpessoal) e da organização dos processos de trabalho.

Particularmente importantes são as estratégias, metodologias e fer-ramentas que se destinam ao desenvolvimento do profissional da área da Saúde. Acreditamos que a atitude verdadeiramente humanizada requer, necessariamente, a educação dos profissionais da saúde dentro dos prin-cípios da humanização e o desenvolvimento de ações protetoras contra as situações de sofrimento e estresse decorrentes do próprio trabalho e ambiente em que se dão as práticas de saúde. Nessa direção, a PNH elege a Educação Permanente9 como principal estratégia para o desenvolvimento profissional na área da Saúde. Baseada na aprendizagem significativa, a Educação Permanente constrói os saberes a partir das experiências das pessoas. Nas rodas de conversa, oficinas e reuniões discutem-se os pro-blemas de trabalho, propõem-se soluções gerenciais, mudanças na sua or-

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ganização e definem-se ações educativas de acordo com as necessidades observadas.

Enfim, sabemos que a Humanização só se torna realidade em uma instituição quando seus gestores fazem dela mais que um discurso, uma cultura e um modelo de gestão. Retórica, boas intenções e programas li-mitados a ações circunstanciais não sustentam a humanização como pro-cesso transformador.

II. Como promover a cultura da humanização nos serviços de saúde? O caso do CRT DST/Aids

A resposta à pergunta sobre como fazer para mudar a cultura nos serviços de Saúde no sentido da humanização começou a ser formulada antes mesmo da PNH, no programa que a antecedeu, o PNHAH (Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar), também do Ministé-rio da Saúde. A estratégia proposta previa a criação de Comitês ou Grupos de Trabalho de Humanização nos serviços de Saúde com a missão de pla-nejar e implementar um plano de trabalho adequado à realidade e recursos de cada instituição. O trabalho no CRT DST/Aids (Centro de Referência e Treinamento em Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Programa Estadual e da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo) tentou cami-nhar nessa direção. Passaremos agora ao relato dessa experiência.

Ações humanizadoras e atitudes em sintonia com os princípios ci-tados sempre fizeram parte do CRT DST/Aids, pela sua própria história de militância e parceria com a comunidade na luta pela cidadania e pelo combate e controle da Aids no Estado. Em 2004, com a intenção de fazer da humanização o fio condutor de uma ética que passasse por todos os processos institucionais, o CRT nos convidou para elaborar e coordenar a execução de um Plano de Desenvolvimento da Cultura da Humanização, de acordo com a PNH.

Iniciamos o trabalho com um estudo exploratório das represen-tações3 referentes à Humanização aqui compreendidas como as ideias, imagens, palavras, expressões ou conceitos investigados com metodologia qualitativa de pesquisa. Por meio de entrevistas em profundidade com pessoas identificadas como informantes-chave de setores responsáveis

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pela assistência aos usuários e pela gestão de pessoas foi possível cons-truir um primeiro desenho do que, no imaginário social desta instituição, naquele momento, se configurava como Humanização. A escolha dessa metodologia10,11,12 encontra amparo na literatura atual quando se refere a estudos no campo da subjetividade. De forma bem resumida, a Humani-zação era compreendida como um modo afetivo de cuidar dos pacientes “passar a mão na sua cabeça” e fazer tudo o que eles quisessem. As reações frente a essa visão eram diversas, mas também de caráter emocional, sim-páticas ou ciumentas, ou mesmo tão infantilizadas quanto a própria con-cepção que tinham sobre o tema... “Por que tudo para eles (os pacientes) e nada para nós?”. Embora reconhecendo a existência de várias ações vol-tadas para os funcionários (Projeto Cuidando do Cuidador, Acolhimento de Novos Funcionários, Atendimento da Medicina do Trabalho), era muito comum entre os trabalhadores o comportamento de comparação e queixa. Outras ações tidas como humanizadoras também se inscreviam no registro da hospitalidade: brinquedoteca, Projeto Leia Comigo, arte terapia, coral, teatro, feiras de funcionários e pacientes.

Era preciso promover uma discussão sobre Humanização, no seu sen-tido mais amplo, com a instituição inteira. O Plano de Desenvolvimento da Cultura da Humanização para o CRT compunha-se das seguintes etapas:

1º. Passo: Sensibilização dos gestores sobre o que é a humanização das práticas de atenção e gestão;2º. Passo: Criação de um Comitê de Humanização com representan-tes de toda comunidade CRT;3º. Passo: Capacitação do Comitê para os temas da humanização;4º. Passo: Elaboração do plano de trabalho do Comitê para o período 2005-2006;5º. Passo: Aprovação do plano pela Diretoria Técnica;6º. Passo: Divulgação do plano para todo o corpo diretivo da instituição;7º. Passo: Implementação do plano no biênio 2005-2006 ;8º. Passo: Avaliação do trabalho realizado e modelagens para o pró-ximo período.Seguindo os passos assim definidos, realizamos quatro seminários

com os gestores das diversas áreas que compõem o CRT. Nesses encontros,

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pudemos discutir o tema com um pouco mais de profundidade, e identificar as principais dificuldades para implantar a PNH do ponto de vista desse gru-po. Para eles, o maior problema seria, uma vez iniciado, manter o processo, pois se trata de algo que não permite conclusão em curto espaço de tempo e a tendência desses projetos é ir se perdendo ao longo do tempo. Também conversei, em particular, com cada gestor de grande área sobre suas dúvidas e preocupações referentes à PNH e a escolha de uma pessoa representante da sua área para compor o Comitê de Humanização do CRT.

O segundo passo foi a criação do Comitê. Cada gestor de grande área indicou dois representantes e ainda incluímos no grupo dois usuários, dois funcionários da ouvidoria, do grêmio de funcionários, do sindicato, da então CIPA, da Comissão de Ética em Pesquisa, das Terceirizadas, da Qua-lidade e da Comunicação Social. O grupo assim formado, durante quatro meses, participou de um curso de capacitação com metodologia de apren-dizagem significativa e exposições dialogadas sobre os seguintes temas:

- História e conceitos de Humanização e da PNH;- A Humanização no ambiente institucional do CRT;- Subjetividade e cuidado nas práticas de Saúde;- Estratégias, metodologias e ferramentas para a Humanização;- Estrutura, missão e gestão do Comitê de Humanização;- Elaboração do plano de trabalho.Ao longo do curso, discutimos cada tema por referência à sua realida-

de no CRT e assim embasamos a construção e o funcionamento do Comitê (descrito no seu regimento interno), e o plano de trabalho para o biênio 2005-2006, quando estreamos oficialmente no CRT, e na SES-SP, publicados no Diário Oficial. Estava criado o Comitê de Humanização do CRT DST/Aids.

Sobre sua estrutura e funcionamento: o Comitê era um grupo for-mado por representantes de toda a comunidade CRT e uma coordenadora, ligado diretamente à Diretoria Técnica e à área de Recursos Humanos, definido como uma instância que trabalhava para a compreensão da nossa realidade e para a elaboração (e às vezes, coordenação) de propostas para o desenvolvimento da cultura institucional da Humanização.

Suas principais funções diziam respeito a fazer reconhecimentos diag-nósticos de situação, disseminar as ideias da cultura da humanização em to-

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dos os espaços institucionais e propor ações e projetos junto às áreas a par-tir de suas realidades locais. Para cada projeto, formavam-se grupos-tarefa compostos por pessoas do Comitê e outras de vários setores, com a duração do tempo necessário para o planejamento e execução da tarefa. Todos os grupos-tarefa eram supervisionados pela coordenadora do Comitê. Todos os projetos, aprovados e incluídos no Planejamento Estratégico do CRT.

Na nossa visão, a cultura da Humanização se processa em dois pla-nos de ação: junto às pessoas, discutindo e construindo valores que farão parte das diretrizes de conduta ética e profissional, e junto às instâncias gestoras, desenvolvendo competências para a gestão participativa.

Desse horizonte e da experiência real, no exercício de suas funções, durante o período de 2005 a 2006, o comitê desenvolveu os seguintes projetos e ações:

1. Oficinas de humanização para usuários, gestores e funcionários:Realizamos 34 oficinas (30 para funcionários, 2 para usuários e 2

para gestores), alcançando 480 pessoas, dois terços do número total de funcionários. As oficinas tinham como objetivo a divulgação e discussão das ideias da Humanização, assim como os valores coletivos que devem nortear a ação de todos na instituição. Metodologias ativas foram usadas para estimular a participação das pessoas e na avaliação da atividade, a maioria dos participantes (88%) achou o trabalho bom ou ótimo e gostaria que houvesse mais oficinas dessa natureza.

2. Levantamento das ações humanizadoras no CRT:Foi feita uma pesquisa para saber e divulgar o que as pessoas con-

sideravam ações humanizadoras no CRT. Na visão dos trabalhadores, as três ações principais eram: o acolhimento de novos funcionários, as ações da Medicina do Trabalho (atendimento médico, programas de Saúde e de qualidade de vida), o projeto Cuidando do Cuidador (espaço de encontro para discutir temas relativos ao cotidiano do trabalho). Na visão dos usuá-rios, as três principais ações eram: o acolhimento do pronto atendimento, o grupo de adesão e a ouvidoria.

3. Pesquisa de satisfação do funcionário e clima institucional: Com o objetivo de entender a visão dos trabalhadores sobre o tra-

balho no CRT, realizamos junto aos profissionais uma pesquisa de fatores

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psicossociais do trabalho (aspectos referentes à gestão, organização do trabalho e relações interpessoais). Participaram da pesquisa 609 dos 731 funcionários em atividade, além das Terceirizadas (Cozinha, Segurança e Limpeza), totalizando 83,3% do conjunto. Os resultados mostraram que os trabalhadores do CRT DST/Aids tinham alto nível de consciência e moti-vação para o trabalho. Entretanto, mostravam-se insatisfeitos quanto à participação e autonomia.

4. Condução do processo de constituição do conselho gestor do CRT:Com o objetivo de constituir um Conselho Gestor no CRT DST/Aids

de forma integrada, participativa, envolvendo todos os segmentos des-de sua concepção, o Comitê de Humanização organizou um evento para usuários, funcionários e gestores para a discussão pública sobre controle social e o convite à participação no trabalho. O grupo de trabalho orga-nizado a partir desse evento contou com usuários, trabalhadores e uma coordenadora com experiência em técnica de grupo operativo. Fez uma agenda de reuniões quinzenais, ao longo das quais elaborou e executou o plano de trabalho com as seguintes ações: divulgação das leis que regem o controle social no SUS, definição de critérios para a candidatura de tra-balhadores e usuários, organização de palestras e seminários abertos para divulgação do que é um conselho gestor e do processo eleitoral na institui-ção, divulgação dos candidatos aceitos, organização do processo eleitoral e posse dos eleitos. Além da criação do COGES-CRT, esse trabalho resultou em maior discussão das ideias sobre controle social, participação popular, gestão participativa, trabalho em equipe e humanização entre usuários, gestores e trabalhadores da instituição.

Ao final desses dois anos de trabalho, pode-se dizer que a Humani-zação passou a constar da vida institucional, ainda que mais como hori-zonte utópico, que realidade concreta.

Em 2007, o Comitê realizou a Semana da Humanização, um grande evento de integração de todas as áreas do CRT em torno do tema. Cada representante de grande área e a coordenação do Comitê fizeram uma con-sulta aos funcionários sobre como percebiam a humanização no seu setor e em seu próprio comportamento. Depois, com cada equipe, escolheram-se os pontos de vista comuns a cada grupo e elaboraram pôsteres expondo as

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ideias do setor. O gestor responsável pela área recebeu o relatório completo dessa investigação e durante sua participação na mesa de encerramento do evento apresentou propostas de solução para os problemas apontados. Durante a semana, os pôsteres e fotos das equipes ficaram expostos e todos os dias, pela manhã, ou à tarde desenvolveram-se atividades: oficinas, pa-lestras, seminários sobre vários temas da Humanização. O encerramento se deu com essa mesa redonda composta pelo corpo diretivo do CRT, seguida por um coquetel.

III. Nem só caminho suave, nem só caminho das pedras...No início do nosso trabalho com a Humanização para os hospitais

da SES-SP, perguntávamos se chegaria um tempo em que não seria mais preciso haver um Comitê de Humanização nas instituições para que a Humanização se sustentasse como prática diária nos serviços. Ainda não temos essa resposta, mas o momento presente nos diz que esse tempo (se houver) ainda está bem longe.

Não são poucas as dificuldades enfrentadas ao longo desse caminho. Em nossa experiência, os principais obstáculos ao seu desenvolvimento são:

- No próprio Comitê de Humanização: um dos problemas cruciais é conseguir compor um comitê com membros que de fato sejam pessoas sensíveis ao tema, próximas aos gestores e às equipes de sua área, com tempo e vontade de trabalhar. Manter essas mesmas pessoas nos projetos iniciados é outro problema. O rodízio de participantes é grande, dificultan-do muito a continuidade dos processos, ou sobrecarregando aqueles que permanecem até o fim;

- No cotidiano institucional: é comum observarmos atitudes de re-sistência às ideias novas que a Humanização prega na contramão dos valores narcísicos vigentes em nossa sociedade, do comodismo geral, do descaso e inércia que caracterizam o comportamento de muitos funcioná-rios públicos assegurados em sua estabilidade de emprego. Também é fre-quente o surgimento de resistências corporativas contra o que entendem como um ataque ao seu poder de classe;

- No corpo diretivo: um grande problema é o despreparo dos gesto-res. Muitos gestores não têm qualquer formação para o seu trabalho. São

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amadores e aprenderam ofício na prática (com todos os vícios e virtudes). A estrutura do poder é engessada e, mesmo diante de evidências con-tundentes da incompetência de alguns, não muda, não abre espaço para novos talentos, não cria um plano de carreira interno que possibilite a ascensão das pessoas pelo esforço, capacidade e desempenho.

No caso do CRT, a Humanização cresceu e apareceu. Somado ao que já existia e foi potencializado, ao que foi planejado e feito pelo próprio Comitê e ao que foi estimulado pela disseminação das ideias da humaniza-ção, percebe-se um intenso movimento discursivo que ao longo do tempo, espera-se, consolide a cultura da Humanização.

O trabalho em equipe envolvendo usuários e trabalhadores revelou-se estratégia bem sucedida tanto para o alcance do objetivo comum a que se destina, quanto como meio, em si mesmo, para a participação comu-nitária na instituição. A aliança por meio do trabalho diminui a distância entre o paciente e o profissional de Saúde, sem descaracterizar lugares e competências. O técnico tem a especificidade do seu conhecimento, o usuário a força do seu saber e, ambos, o compromisso com uma história em construção.

Outra via derivada do compromisso com a Humanização foi a cria-ção de um espaço institucional voltado especificamente para o aprimo-ramento da instituição e de seus trabalhadores. Em 2007, a área de Re-cursos Humanos criou o Núcleo de Desenvolvimento13, com a missão de: “Promover o desenvolvimento pessoal e profissional por meio da educação permanente, da valorização dos profissionais, do aprimoramento das com-petências e talento das pessoas. Promover o desenvolvimento institucional mediante políticas e ações que fortaleçam a cultura da humanização, a gestão participativa e a organização dos processos de trabalho” (CRT DST/Aids, 2007, p.3).

O Núcleo de Desenvolvimento constitui-se em um setor destinado às questões da Humanização no seu sentido mais amplo. Muitas pessoas que trabalhavam no Comitê foram para o Núcleo de Desenvolvimento, mas, diferentemente do que acontece no Comitê, que trabalha pela huma-nização contando com a participação de pessoas que, além de todas as suas tarefas habituais ainda contribuem para as tarefas da Humanização, o Núcleo

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de Desenvolvimento tem uma equipe voltada especificamente para o tema. Entendemos esse desdobramento como um grande avanço, e é com

contentamento que vemos, ao longo desses poucos anos, as ideias da huma-nização ganhando espaço no CRT, assumindo diversos contornos e discursos.

Como no caso descrito, há várias experiências bem sucedidas de serviços que estão sendo repensadas a partir das ideias da Humanização. Mas, honestamente, temos de admitir: se por um lado a referência à Hu-manização tornou-se presente no dia-a-dia de muitos serviços de Saúde de forma institucionalizada, sua manifestação espontânea no comportamento das pessoas, ou sua prática profissional na gestão e na organização do trabalho ainda requer tempo e investimento...

Referências Bibliográficas

1. BERNARDES, C. Teoria geral das organizações: os fundamentos da ad-ministração integrada. São Paulo: Atlas, 1988.

2. SCHEIN, E. Coming to a new awareness of organizational culture. Sloan Manag. Rev., n.25, p.3-16,1984.

3. FALCÃO, E. B. M.; SIQUEIRA, A. H. Pensar cientificamente: representa-ção de uma cultura, Interface - Comunic, Saúde, Educ, v.7, n.13, p.91-108, 2003.

4. SÁ, M. C. Em busca de uma porta de saída: os destinos da solidariedade, da cooperação e do cuidado com a vida na porta de entrada de um hospital de emergência (Tese), São Paulo: Instituto de Psicologia da USP, 2005.

5. Brasil, Ministério da Saúde. HUMANIZASUS: Política Nacional de Hu-manização do Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2004.

6. SANTOS-FILHO, S. B. Monitoramento e Avaliação na Política Nacional de Humanização na Atenção Básica e Hospitalar – Manual com Eixos Ava-liativos e Indicadores de Referência. Ministério da Saúde, DF, 2006.

7. Brasil. MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS) Gestão e Formação nos Processos de Trabalho, Brasília, DF, 2004.

8. KRISTENSEN, T.S. The demand-control support model: methodological

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A CULTURA INSTITUCIONAL DA HUMANIZAÇÃO

challenges for future research. Stress Med, 11:17-26pp., 1995.

9. Brasil. Ministério da Saúde. A educação permanente entra na roda: pó-los de educação permanente em saúde, Brasília, DF, 2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/educacao_permanente_en-tra_na_roda.pdf>. Acesso em: 24/06/2008.

10. MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde, São Paulo-Rio de Janeiro, Hucitec-Abrasco, 1994.

11. DENZIN, N. & LINCOLN, Y.S. Handbook of qualitative research. 2nd ed. Thousand Oaks: Sage Pub., 2000.

12. LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M.; TEIXEIRA, J. V. O discurso do sujeito co-letivo: uma nova abordagem metodológica. Caxias do Sul: EDUSC, 2000.

13. São Paulo CRT DST/aids Planejamento Estratégico do Núcleo de De-senvolvimento da Gerência de Recursos Humanos, São Paulo, 2007.

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS

DE SAÚDE ConCEitos básiCos E EstrAtégiAs PArA A Ação

CAPÍTULO V

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Desde 2000, quando o Ministério da Saúde lançou o PNHAH (Pro-grama Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar), até os dias de hoje, passando pela PNH (Política Nacional de Humanização) lançada em 2003, constituem-se estratégia fundamental para o desenvolvimento da cultura da Humanização nas instituições os chamados comitês, núcle-os ou grupos de trabalho de Humanização. Entende-se que, sendo a Hu-manização um processo de transformação, é necessário que haja pessoas capacitadas para sua compreensão teórica e utilização de metodologias adequadas à sua implementação nos serviços.

A nosso ver, o Comitê é a primeira estratégia de desenvolvimento da cultura da Humanização. Depois, como discutiremos no último capítulo deste livro, outros recursos se fazem necessários. Entretanto, como primei-ro passo para a construção de um novo cenário institucional, o Comitê é fundamental.

Na área da Saúde, a Humanização se faz essencialmente:1. Trabalhando a instituição; 2. Trabalhando as pessoas. Ações simultâneas que envolvem várias pessoas em lugares, tempos

e projetos diferentes. Para que esse processo ocorra de forma integrada e articulada é necessário que se constitua um “grupo pensante e atuan-te”, representativo de todos os setores e também dos usuários da institui-ção, empoderado pela vontade política e apoio do gestor, e composto por pessoas tecnicamente competentes para as tarefas da humanização. Esse grupo é o que doravante chamaremos de Comitê de Humanização, cuja formação nos propomos agora a discutir e apresentar o modelo de trabalho que utilizamos na Secretaria de Estado da Saúde, quando coordenamos o Curso de Humanização na Área da Saúde – Conceitos e Estratégias para a Ação, ministrado no período de agosto a dezembro de 2005.

A constituição do Comitê fica bastante facilitada se houver na ins-tituição um profissional de nível superior da Saúde que possa ocupar o lugar de coordenador do grupo. É importante que esse profissional seja alguém reconhecido na instituição entre os trabalhadores e também pelos gestores. Deve ser alguém com acesso aos gestores e por estes, respeitado. É importante que seja alguém capaz de promover a aglutinação de pes-

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soas sensíveis ao tema da Humanização e de atuar como um facilitador para a compreensão teórica e prática da Humanização, capaz de transmitir conhecimentos adquiridos e reconstruí-los em sua realidade local, provo-cando efeito multiplicador do saber e fazer humanizado.

Com o intuito de desenvolver profissionais dos hospitais públicos estaduais para essa função de coordenador de Comitê de Humanização, em 2005 realizamos um curso para quarenta e dois hospitais. Da experiência adquirida nesse trabalho, acrescida das atualizações que hoje se fazem necessárias ao trabalho nessa área, elaboramos o projeto pedagógico de um curso de humanização para capacitação de profissionais de Saúde que queiram construir um comitê de humanização em seu serviço, ou mesmo renovar saberes e planos do grupo em que atuam. A seguir, apresentamos o Projeto Pedagógico.

Projeto pedagógico

Público-alvo Profissionais da Saúde com nível universitário, gestores, gerentes e diretores de unidades de Saúde com interesse em coordenar o pro-cesso de Humanização nos seus serviços.

Objetivo geralInformar e capacitar os profissionais para a apreensão conceitual da Humanização e a elaboração de estratégias para a sua aplicação prá-tica no desenvolvimento humano e institucional em sua unidade.

Objetivos específicos- Apresentar conceitos de Humanização;- Apresentar experiências práticas de humanização na Saúde;- Apresentar estratégias para a construção do Comitê de Humanização;- Discutir as funções do Comitê de Humanização;- Discutir as funções do coordenador do Comitê de Humanização;- Auxiliar a elaboração de plano de trabalho de cada instituição.

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Conteúdo programático1. Construção do conceito de Humanização / Experiências de huma-nização na área da Saúde;2. Humanização com o foco nas pessoas: - O olhar humano sobre o processo de adoecimento e o cuidar da saúde;- Fatores psicossociais do trabalho e o cuidado que deve ser dedica-do àqueles que cuidam da saúde das pessoas.3. Humanização com o foco na instituição: - A Política de Educação Permanente; - Os indicadores de humanização da PNH.4. Estratégias para desenvolver a cultura da Humanização nos serviços;5. Elaboração do plano de ação para a instituição de cada participante.

Estratégias de ensino-aprendizagemAs turmas podem ser de até 40 participantes. O curso conta com carga horária total de trinta e duas horas (32h)

distribuídas em cinco aulas de quatro horas (4h) cada, uma por semana, durante cinco semanas. Depois, se prevê um período de dispersão de três meses e mais três encontros de quatro horas (4h) de duração, um por se-mana, para acompanhamento da execução do plano de ação desenhado na primeira fase do curso.

Um coordenador orquestra as atividades de cada encontro, auxiliado por quatro monitores que acompanham o trabalho nos pequenos grupos. Cada encontro começa com uma atividade dirigida pelo coordenador do curso e depois de um breve intervalo a turma é dividida em quatro grupos de dez alunos para o trabalho prático e tarefa referente à sua realidade institucional particular.

Na primeira parte do encontro usam-se aulas expositivas, discussão de situações vividas, jogos dramáticos, recursos de linguagem audiovisual. Na segunda parte, tarefas monitoradas em grupo.

AvaliaçãoAo final da primeira fase do curso, procede-se à avaliação qualitati-

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va das atividades desenvolvidas, no que se refere à:- Assimilação das ideias da humanização;- Elaboração dos planos de trabalhos individuais.Após o último encontro para acompanhamento dos planos de ação,

avalia-se a situação em que estes se encontram e encaminham-se ações futuras para correção de rota ou acertos de sua implementação.

Roteiro das aulas

1. Primeira aula – Humanização na Saúde.Parte 1 – Apresentação do vídeo com documentário curta-metragem Ilha das Flores, de Eduardo Coutinho, seguida de discussão sobre os aspectos socioculturais (de nossa época) que o filme critica em con-traponto aos valores do Humanismo – tempo estimado de 1 hora.Parte 2 – Aula expositiva sobre História e conceitos da Humaniza-ção na Saúde (anexo 1) – tempo estimado de 40 minutos.Intervalo – 20 minutos.Parte 3 – Trabalho em pequenos grupos com monitor – tempo esti-mado de 1 hora.Roteiro de discussão:- Situação atual dos GTHs (Comitês ou Núcleos) de cada serviço;- Como eles se situam em relação à PNH?Relatório – tempo estimado de 1 hora.Esquema do relatório:- Quem somos: como está constituído o atual GTH, ou não temos GTH, ou quem são os profissionais desta equipe que participam ou querem participar dos projetos da humanização neste serviço.- Nosso GTH representa a instituição?- Como deveríamos nos compor para que o GTH do nosso serviço representasse a instituição?- Quais os princípios que devem orientar uma política de Humani-zação para o nosso serviço?

2. Segunda aula – O olhar humano sobre o processo de adoeci-

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mento e o cuidar na Saúde.Parte 1 – Oficina: Jogo do Abrigo Nuclear (anexo 2) Divide-se a turma em três grupos. Cada grupo discute a tarefa pro-posta e escolhe um redator de suas escolhas. Os redatores apresen-tam o trabalho de cada grupo para toda a turma – tempo estimado de 1 hora.Parte 2 – Aula expositiva sobre aspectos subjetivos do adoecimento (anexo 3) – tempo estimado de 40 minutos.Intervalo – tempo estimado de 20 minutos.Parte 3 – Trabalho em pequenos grupos com monitor – tempo esti-mado de 1 hora.Roteiro de discussão:- Quais os problemas que observamos nas relações entre profissio-nais e usuários?- Que trabalhos desenvolvemos para melhorar essas relações?Relatório – tempo estimado de 1 horaEsquema do relatório:- Quais os princípios éticos que devem orientar as relações entre as pessoas no nosso serviço?- Que ações podemos promover para o desenvolvimento dessa atitu-de ética coletiva que queremos para o nosso serviço?- Que ações podem melhorar a qualidade do atendimento que ofe-recemos aos usuários?

3. Terceira aula – Fatores psicossociais do trabalho e o cuidado que deve ser dedicado àqueles que cuidam da saúde das pessoas.Parte 1 – Oficina: Leitura da fábula O anel (anexo 4)Discussão da leitura em três grupos, tendo como questão o nosso valor como trabalhadores da Saúde e as situações de Humanização (ou não) em nosso cotidiano – tempo estimado de 1 hora.Parte 2 – Trabalho em pequenos grupos com monitor – tempo esti-mado de1 hora.Roteiro de discussão:- Que problemas observamos em nosso ambiente de trabalho?

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- Que trabalhos desenvolvemos para cuidar dos nossos trabalhadores?Intervalo – tempo estimado de 20 minutos.Parte 3 – Aula expositiva sobre cuidado para com o cuidador (anexo 5) – tempo estimado de 40 minutos. Relatório – tempo estimado de 1 hora.Esquema do relatório:- Quais ações já desenvolvemos para os trabalhadores em nosso serviço?- Que outras ações podemos promover para o desenvolvimento hu-mano e institucional? Como fazer?

4. Quarta aula – Estratégias para desenvolver a cultura da Humani-zação nos serviços.Parte 1 – Aula expositiva sobre Educação Permanente (anexo 6), e indicadores de Humanização da PNH – tempo estimado de 40 minutos.Parte 2 – Trabalho em pequenos grupos com monitor – tempo esti-mado de 1 hora.Roteiro de discussão:- Quais os principais problemas de gestão que observamos em nosso serviço?Intervalo – tempo estimado de 20 minutos.Parte 3 – Trabalho em pequenos grupos com monitor – tempo esti-mado de 1 hora.Roteiro de discussão:- Dos indicadores da PNH, em cada eixo, quais escolhemos para o nosso atual plano de trabalho? Parte 4 – Elaboração do pré-projeto do GTH do serviço – tempo estimado de 1 hora.Utilizando os relatórios realizados nos encontros anteriores e os in-dicadores escolhidos, o grupo deverá montar o pré-projeto de cons-tituição de um GTH ou do plano de trabalho de seu GTH, conforme o modelo descrito no quadro.

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Nome do projeto/planoIntrodução/JustificativasObjetivosEstrutura do Comitê- Composição- Funções- Subordinação direta- Normas de funcionamentoEtapas e Agenda da criação e implantação do ComitêProposta de Plano de Ação para o Comitê - Ações com foco na gestão- Ações com foco no usuário- Ações com foco no trabalhador da Saúde- Indicadores da PNH para monitoramento das ações

5. Quinta aula – Discussão dos planos de ação. Parte 1 – Trabalho em pequenos grupos com monitor – tempo esti-mado de 3 horas.Apresentação de cada plano de ação e comentários, sugestões, acrés-cimos pertinentes.Intervalo – 20 minutos.Parte 2 – Avaliação e encerramento do curso – tempo estimado de 40 minutos.Após três meses faz-se uma conversa com cada grupo para acom-

panhar o andamento do projeto ou plano de trabalho. Em 2006, quando foram realizados os encontros de avaliação previstos observamos que se-tenta por cento (70%) dos hospitais que participaram do curso consegui-ram implantar seus projetos/planos de trabalho naquele ano.

Os Comitês de Humanização bem construídos e legitimados institu-cionalmente são fundamentais para as mudanças que se preconizam com a Humanização. O curso que aqui apresentamos pode ser um começo.

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AgradecimentosÀ Cleusa Maria Gomes de Abreu – CRH/SES-SP e monitoras convi-

dadas para os cursos realizados, em 2005, no Centro de Desenvolvimen-to de Recursos Humanos da SES-SP: Yolanda Memrava Mendes, Cristina Rossi de Almeida Alonso, e Solange Guedes de Oliveira.

Anexo 1 – Aula expositiva sobre humanizaçãoTextos de apoio- Humanização: a essência da ação técnica e ética nas práticas de Saúde- Violência e HumanizaçãoFonte dos slides- Brasil. Ministério da Saúde. HUMANIZASUS – Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2004.

Humanização

é o processo de transformação da cultura institucional que reconhece e valoriza os aspectos subjetivos, históricos e socioculturais de usuários e profissionais, assim como os funcionamentos institucionais, para a compreensão dos problemas e elaboração de ações que promovam boas condições de trabalho e qualidade no atendimento.

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Ministério da Saúde

• PNHAH (2000) - Subjetividades e relações entre as pessoas

• PNH (2003) - Modelos de gestão e processo de trabalho

Humanização como política

• Eixo norteador das práticas em saúde em todas as instâncias do sUs, destacando o aspecto subjetivo presente em qualquer ação humana: olhar cada sujeito em sua história de vida e – como sujeito de um coletivo – sujeito da história de muitas vidas.

• Traduz princípios e modos de operar no conjunto das relações dos diferentes atores da rede sUs.

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Princípios norteadores da política de humanização

• Compromisso com a democratização das relações de trabalho• Valorização dos profissionais da rede, estimulando processos de educação permanente • Estruturar a atenção à saúde em todos os níveis mediante critérios de acolhimento, vínculo, resolutividade, integralidade e responsabilização entre trabalhadores, gestores e usuários na rede de serviços.• Promover ampliação e fortalecimento do controle social, com gestões democráticas e participativas nos serviços de saúde.• Promover ambiência acolhedora nos serviços de saúde.

Princípios norteadores da política de humanização

• Valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão• Construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos• Apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção de saúde e produção de sujeitos• Fortalecimento do controle social• Fortalecimento do trabalho em equipe, favorecendo a transversalidade e a grupalidade

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Exemplos de Ações Humanizadoras

• Recepção Humanizada/ Acolhimento • Humanização do parto e nascimento • Saúde mental do trabalhador da área da saúde• Brinquedoteca• Oficina de artes para pacientes e funcionários• Atividades de sala de espera• Biblioteca circulante, salas de leitura, Leia Comigo• Oficinas de humanização para funcionários

• E muitos e muitos outros...

Humanização na área da saúde se faz

• Trabalhando a Instituição – Gestão e processo de trabalho

• Trabalhando as pessoas – Atitudes e padrão de ética

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Anexo 2 – Dinâmica de grupo Abrigo NuclearFonte: SÃO PAULO (ESTADO). SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚ-

DE. Manual de Treinamento Introdutório do Programa Saúde da Família. São Paulo: Polo de Educação Permanente em Saúde da Região Metropoli-tana de São Paulo, 2002.

Dentro de poucos minutos haverá um bombardeio aéreo sobre nós. Em face desta ameaça de destruição imediata, faz-se necessário uma de-cisão igualmente imediata: existe neste lugar um abrigo nuclear perfeito, capaz de abrigar apenas sete pessoas entre doze que querem nele se insta-lar neste momento.

Você e o seu grupo têm lugar garantido nele e serão os responsáveis pela escolha dos outros seis que ficarão protegidos no abrigo.

Entre os que se apresentam nesta lista, escolham os seus seis companheiros:- Um violinista de 40 anos, drogadependente- Um advogado de 25 anos

Princípios norteadores da política de humanização

• Sensibilização dos gestores e diretores para o conceito e as diretrizes da humanização

• Divulgação interna da humanização

• Organização do Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) da instituição

• Capacitação do GTH para a construção de um plano de trabalho de humanização e para o exercício de suas funções.

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- A esposa do advogado, 24 anos que acaba de sair de um manicô-mio. Ambos só aceitam ir para o abrigo juntos.- Um sacerdote de 76 anos- Uma prostituta de 28 anos- Um ateu de 18 anos, autor de vários assassinatos- Uma universitária religiosa carismática que fez voto de castidade- Um biólogo, 32 anos, que sofre de ataques epilépticos- Um homossexual, 47 anos, poliglota- Um físico de 29 anos que só entra no abrigo se levar sua arma- Um declamador fanático pela Bíblia, 20 anos de idade- Uma menina de 12 anos com baixo QI

Anexo 3 – Aula expositiva sobre aspectos subjetivos do cuidadoTexto de apoio- O realce à subjetividade – assim começa a Humanização da aten-ção à Saúde

Aspectos subjetivos Aspectos éticos

Conceito de humanização: Humanização é o processo de transformação da cultura institucional que reconhece os aspectos subjetivos das relações humanas, os valores socioculturais e os funcionamentos institucionais na compreensão dos problemas e elaboração de ações de saúde, melhorando as condições de trabalho e a qualidade do atendimento. Primeiro princípio norteador da PNH:- Valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão.

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“Porque eu sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura.”

(Alberto Caiero)

A subjetividade é o resultado de processos contínuos de natureza biológica, histórica, psíquica, social, cultural, religiosa, que se condensam ou sedimentam no indivíduo e lhe determinam características particulares.

Diz respeito ao modo ou modos de ser.

Comporta um plano singular (aquilo que só diz respeito a mim mesmo - minha biografia, meus desejos, atos) e um plano coletivo (aquilo que compartilhamos com outros seres humanos num mesmo tempo – a linguagem, as necessidades básicas, os valores socioculturais).

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A pessoa do profissional de saúde

o profissional não é um elemento neutro. o modo como se porta diante do paciente, seja com atitude carinhosa e maternal, ou autoritária e arrogante, refere-se à sua história pessoal. o seu temperamento, valores, preconceitos e emoções estarão sendo ministrados a cada paciente de modo diverso e na maioria das vezes não calculado e sequer percebido.

E é aí que está o problema (e também a solução...)

O paciente e os aspectos psíquicos do adoecimento

• Regressão ao adoecer • O adoecimento ligado ao modo de ser e viver

• A condição de doente como uma forma de vida protegida

• A doença como forma de obter gratificações sociais

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Anexo 4 – Leitura em grupo do textoO anelUm aluno chegou ao professor com um problema:- Venho aqui, professor, porque me sinto tão pouca coisa, que não

tenho forças para fazer nada. Dizem que não sirvo para nada, que não faço nada direito, que sou lerdo e muito idiota. Como posso melhorar? O que posso fazer para que me valorizem mais?

O professor, sem olhá-lo, disse:- Sinto muito meu jovem, mas agora não posso ajudá-lo, devo pri-

meiro resolver meu próprio problema. Talvez depois. E, fazendo, uma pau-sa falou: Se você me ajudar, eu posso resolver meu problema com mais rapidez e depois talvez possa ajudar você a resolver o seu.

- C...claro, professor, gaguejou o jovem, mas se sentiu outra vez desvalorizado.

O professor tirou um anel que usava no dedo pequeno, deu ao ga-roto e disse:

- Monte no cavalo e vá até o mercado. Deve vender esse anel porque tenho que pagar uma dívida. É preciso que obtenha pelo anel o máximo possível, mas não aceite menos que uma moeda de ouro. Vá e volte com a moeda o mais rápido possível.

O jovem pegou o anel e partiu. Mal chegou ao mercado começou a ofe-recer o anel aos mercadores. Eles olhavam com algum interesse, até o jovem dizer quanto pretendia pelo anel. Quando o jovem mencionava uma moeda de ouro, alguns riam, outros saiam sem ao menos olhar para ele. Só um velhinho foi amável a ponto de explicar que uma moeda de ouro era muito valiosa para comprar um anel. Tentando ajudar o jovem, chegou a oferecer uma moeda de prata e mais uma de cobre, mas o jovem seguia as instruções de não aceitar menos que uma moeda de ouro e recusava as ofertas.

Depois de oferecer a joia a todos que passavam pelo mercado e aba-tido pelo fracasso, montou no cavalo e voltou. O jovem desejou ter uma moeda de ouro para que ele mesmo pudesse comprar o anel, livrando a preocupação de seu professor e assim podendo receber sua ajuda e conse-lhos. Entrou na casa e disse:

- Professor, sinto muito, mas é impossível conseguir o que me pediu.

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Talvez pudesse conseguir 2 ou 3 moedas de prata, mas não acho que se possa enganar ninguém sobre o valor do anel.

- Importante o que me disse meu jovem, disse sorridente. Devemos saber primeiro o valor do anel. Volte a montar no cavalo e vá até o joalhei-ro. Quem melhor para saber o valor exato do anel? Diga que quer vender o anel e pergunte quanto ele te dá por ele.

Mas não importa o quanto ele te ofereça, não o venda. Volte aqui com meu anel.

O jovem foi até o joalheiro e lhe deu o anel para examinar. O joa-lheiro examinou o anel com uma lupa, pesou o anel e disse:

- Diga ao seu professor que, se ele quer vender agora, não posso dar mais que 58 moedas de ouro pelo anel.

- 58 MOEDAS DE OURO! Exclamou o jovem.- Sim, replicou o joalheiro, eu sei que com tempo eu poderia oferecer

cerca de 70 moedas, mas se a venda é urgente...O jovem correu emocionado à casa do professor para contar o que

ocorreu. Depois de ouvir tudo que o jovem lhe contou, o professor disse:- Você é como esse anel, uma joia valiosa e única. Só pode ser ava-

liada por um especialista. Pensava que qualquer um podia descobrir o seu verdadeiro valor? E dizendo isso voltou a colocar o anel no dedo.

- Todos somos como esta joia. Valiosos e únicos e andamos por todos os mercados da vida pretendendo que pessoas inexperientes nos valorizem. Repense o seu valor!

Autor desconhecido

Anexo 5 – Aula expositiva sobre fatores psicossociais do trabalho

Textos de apoio- O realce à subjetividade – assim começa a Humanização da aten-ção à saúde. - Humanização no Ambiente de Trabalho – o estudo dos fatores psicossociais.

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Fonte dos slides- PITTA, A. Hospital: dor e morte como ofício . São Paulo: Ed. Hucitec, 1990. - VOLICH, R. M. Entre uma angústia a outra..., Boletim de Novidades Pul-sional, São Paulo, n.80 pp. 37-45, 1995.- DEJOURS, C. “A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do traba-lho” 2ed., São Paulo, Cortez/Oboré, 1987.

Objetivo deste encontro

Discutir os fatores psicossociais do trabalho e os cuidados que devem ser dedicados àqueles que

trabalham pela saúde das pessoas.

A saúde do profissional da saúde

na literatura geral: problemas de sono, perturbações na vida familiar, tendências depressivas, problemas gástricos, fadiga e estresse.No estudo da Anna Pitta num hospital público da capital paulista foram encontrados:

42,1% dos trabalhadores referiam problemas de saúde 60,2% queixas gênito-urinárias 57,7% poliqueixas 53,1% transtornos mentais 50,0% queixas mal definidas 42,0% doenças do aparelho digestivo

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Fatores psicossociais do trabalho

segundo a organização internacional do trabalho:

“ FPST são aqueles que se referem à interação entre e no meio ambiente de trabalho, conteúdo do trabalho, condições organizacionais e habilidades do trabalhador, necessidades, cultura, causas extra-trabalho pessoais que podem, por meio de percepções e experiência, influenciar a saúde, o desempenho no trabalho e a satisfação no trabalho.”

Estratégias defensivas contra a sobrecarga emocional

• Coesão da equipe• Hiperatividade verbal ou cinética• Absenteísmo• Chistes, anedotas• Agressividade reativa contra pacientes e colegas

(Libouban)

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Fatores psicossociais e satisfação no trabalho

• Estabilidade no emprego• Salários e benefícios• Relações sociais no trabalho• Supervisão e Chefia• Ambiente físico de trabalho• Reconhecimento e valorização• Oportunidades de desenvolvimento profissional• Conteúdo, variedade e desafio no trabalho• Espaços de fala e escuta• Qualificação• Autonomia• Subutilização de habilidades e competências• Carga de trabalho (física, cognitivas ou emocionais)

Alguns instrumentos de avaliação do ambiente de trabalho e estresse

COPSOC – Copenhagen Psychosocial Questionnaire

Burn-Out Inventory – Maslach e Jackson

Pesquisa de satisfação do profissional – Ministério da Saúde (PNHAH)

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Âmbito Pessoal

“tratar o outro é antes de mais nada, poder entrar em contato com nosso próprio sofrimento e com as expectativas que ele evoca em nosso foro mais íntimo. Cuidando das feridas do outro, podemos também efetuar o trabalho permanente de reparação de nossas próprias feridas narcísicas.”

R. Volich

Cuidando do profissional da área da saúde

“A forma suicida com que nos deixamos invadir pela violência, sem nada fazer, é talvez um sinal desse desejo latente de destruir o que não temos coragem para transformar.”

Christophe Dejours

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Anexo 6 – Aula expositiva sobre Educação PermanenteTextos de apoio- A cultura institucional da humanização- Humanização e Educação Permanente

Fonte dos slides- SUS de A a Z - http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz Departamento

de Gestão da Educação na Saúde/ SGTES/MS- BERBEL, N. N.: “Problematization” and Problem-Based Learning:

different words or different ways? Interface - Comunicação, Saúde, Edu-cação, v.2, n.2, 1998.

Âmbito InstitucionalPensar a organização do trabalho, envolver gestores, pessoal de RH, sensibilizando-os para as transformações necessárias no ambiente de trabalho.

Promover a transparência organizativa e a participação do trabalhador nas decisões relacionadas à sua tarefa e condições de trabalho.

garantir a todos oportunidades de desenvolvimento de habilidades e conhecimentos.

Criar espaços para a contextualização e discussão dos impasses, sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetem os profissionais de saúde no seu dia a dia.

Criar equipes interdisciplinares efetivas que sustentem a diversidade dos vários discursos presentes na instituição.

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Política de formação para o SUS

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE: Resolução nº 335, de 27 de novembro de 2003.Portaria MS no 198/GM/MS - 13 de fevereiro de 2004.ObjetivoConstruir uma política nacional de formação e desenvolvimento para o conjunto dos profissionais de saúde (educação técnica, educação superior, especialização) e produção de conhecimentos para a mudança das práticas de saúde, bem como a educação popular para a gestão das políticas públicas de saúde.

Análise crítica da formação e desenvolvimento de pessoas para o SUS

• Inadequação da formação profissional em todos os níveis às necessidades do SUS (capacidade de resolução, vínculo e responsabilização);

• Má distribuição das instituições formadoras e das oportunidades de formação;

• Profusão de iniciativas de capacitação pontuais, desarticuladas e fragmentadas;

• Baixa capacitação pedagógica em metodologias ativas de docentes, preceptores, tutores e orientadores dos serviços;

•Sistema de avaliação do ensino não pergunta sobre os compromissos institucionais com o sUs, valoriza titulação de professores.

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Resultados Esperados

• Profissional crítico, capaz de aprender a aprender, de trabalhar em equipe, de levar em conta a realidade social para prestar atenção humanizada e de qualidade;

• Universidade aberta às demandas, capaz de produzir conhecimento relevante e útil para a construção do sistema de saúde;

• Transformar o modelo de atenção, fortalecendo promoção e prevenção, oferecendo atenção integral e fortalecendo a autonomia dos sujeitos na produção da saúde.

Princípios

• Articulação entre educação e trabalho no SUS

• Produção de processos e práticas de desenvolvimento nos locais de trabalho

• Mudanças nas práticas de formação e de saúde, tendo em vista a integralidade e humanização

• Articulação entre ensino, gestão, atenção e participação popular e controle social em saúde

• Produção de conhecimento para o desenvolvimento da capacidade pedagógica dos serviços e do sistema de saúde

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Dois conceitos de ensino-aprendizagem na saúde

Educação Continuada: alternativas educacionais mais centradas no desenvolvimento de grupos profissionais, seja através de cursos de caráter seriado, seja através de publicações específicas de um determinado campo (NUNES);

Educação Permanente: estratégia de reestruturação dos serviços, a partir da análise dos determinantes sociais e econômicos, mas sobretudo de valores e conceitos dos profissionais. Propõe transformar o profissional em sujeito, colocando-o no centro do processo ensino-aprendizagem (MOTTA);

FocoProcessos de trabalho e equipes: atenção, gestão, participação e controle social, possibilitando a construção de um novo estilo de gestão, no qual os pactos para reorganizar o trabalho sejam construídos coletivamente e os diferentes profissionais passam a ser sujeitos da produção de alternativas para a superação de problemas.

MétodoAnálise coletiva dos processos de trabalho que permitam a identificação dos “nós críticos” enfrentados na atenção ou na gestão e a construção de estratégias contextualizadas e dialogadas entre as políticas e a singularidade dos lugares e das pessoas.

As atividades educativas são construídas de maneira articulada com as medidas para reorganização do sistema, implicando um acompanhamento e apoio técnico.

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Distinções Conceituais entre Educação Permanente e Educação Continuada

Educação PermanenteMetodologia

Aprendizagem significativa

é um processo pelo qual uma nova informação se relaciona com aspectos relevantes da estrutura de conhecimento do indivíduo (AUSUBEL)

Educação Permanente• Multiprofissional• Prática institucionalizada• Problemas de saúde• transformação das Práticas• Contínua• Centrada na resolução de problemas

Educação Continuada• Uniprofissional• Prática autônoma• temas de especialidades• Atualização técnica• Esporádica• Pedagogia da transmissão

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

Problematização

A primeira referência para essa Metodologia é o Método do Arco, de Charles Maguerez, do qual conhecemos o esquema apresentado por Bordenave e Pereira (1982).nesse esquema constam cinco etapas que se desenvolvem a partir da realidade ou de um recorte da realidade:

1. Observação da Realidade2. Pontos-Chave3. Teorização4. Hipóteses de Solução5. Aplicação à Realidade (prática)

Problematização

O que é problematizar?

• Partir da realidade concreta do sujeito• Criar o conflito cognitivo• Criar uma situação onde o sujeito possa dar o seu referencial• Identificar o que precisa ser mudado• Buscar os conhecimentos necessários para intervir na realidade

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MODELO DE CURSO DE HUMANIZAÇÃO PARA SERVIÇOS DE SAÚDE

A Gestão da Educação Permanente em SaúdeCIES – Comissões de Integração Ensino-Escola

O QUE SÃOinstâncias de articulação entre instituições formadoras, gestores do sUs, serviços e as instâncias do controle social para a gestão da educação permanente em saúde. Não executam ações.EM QUE SE CONSTITUEMEm espaços para o estabelecimento do diálogo e da negociação entre as ações e serviços do SUS e as instituições formadoras; No lócus para a reflexão de necessidades e a construção de estratégias e políticas no campo da formação e desenvolvimento.A QUE VISAMAmpliar a qualidade da gestão;Aperfeiçoar a atenção integral;Popularizar o conceito ampliado de saúde e;Fortalecer o controle social no Sistema.

Estratégias complementares para implementação da Educação Permanente

• Aprender SUS

• Escolas Técnicas do SUS

• Rede de Ensino para a Gestão Estratégica do SUS (Rege SUS)

• Formação de ativadores de mudanças na graduação

• Formação de facilitadores de práticas de educação permanente

• Análise sistemática das práticas de ensino, de atenção, de produção do conhecimento, de gestão setorial e de controle social

• Criação de espaços coletivos de discussão para intercâmbio e construção de alternativas;

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

O ESTUDO DE FATORES PSICOSSOCIAIS b

CAPÍTULO VI

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Humanização e Ambiente de Trabalho O estudo de fatores psicossociais3

IntroduçãoDizia Freud1,2 que tem saúde mental quem é capaz para o amor e

o trabalho. Trabalhar é meio de prover sustento para o corpo e para a alma. No trabalho passamos a vida, desenvolvemos nossa identidade, ex-perimentamos situações, construímos relações, realizamos nosso espírito criativo. E é também no trabalho que adoecemos.

A relação saúde e trabalho3,4,5,6,7,8 é objeto de estudo há vários anos, por vários autores. Na era moderna, a organização científica do trabalho4,5,9 – por meio dos seus instrumentos de controle, disciplina e fragmentação das tarefas – retirou do trabalhador a visão da totalidade do processo que, ao final, revela o fruto do seu trabalho. Nesse estado de alienação, perde-se o sentido sensível do trabalho que então se torna uma atividade penosa, cujo retorno financeiro nunca lhe basta, ainda mais ao se considerar que os salários dificilmente compensam o tempo de vida assim destinado. O que se ganha não paga o que se perde...

Na área da Saúde, o trabalho é também quase uma missão. Não são poucas as exigências: trata-se de trabalho reflexivo que articula di-mensões técnicas, éticas e políticas, em cenários de múltiplos e diversos atores – profissionais de formações diversas e usuários de todas as origens e culturas. Além disso, trabalha-se no campo temático mais denso da ex-periência humana: a vida, o corpo, a morte.

O trabalho na área da Saúde tem um custo elevado para os seus trabalhadores10,11. O ambiente insalubre, o regime de turnos, os plantões, os baixos salários, o contato muito próximo com os pacientes, mobilizan-do emoções e conflitos inconscientes, tornam esses trabalhadores parti-cularmente susceptíveis ao sofrimento psíquico e adoecimento devido ao trabalho.

Entretanto, apesar da importância desses aspectos (muitos deles ine-rentes à profissão), é cada vez mais evidente que a organização do traba-lho e o modelo de gestão9,12 concentram os principais fatores psicossociais relativos ao ambiente de trabalho presentes no adoecimento dos traba-

b Uma versão modificada foi publicada na Revista Saúde e Sociedade em 2008

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

lhadores da Saúde. Não à toa, em 2004, quando implantou-se a Política Nacional de Humanização (PNH) do Ministério da Saúde, elegeram-se os processos de trabalho e gestão como os principais alvos das ações humani-zadoras com as quais se pretende mudar a cultura institucional da atenção à saúde para usuários e trabalhadores13,14. Dos princípios norteadores da PNH destacam-se três que sustentam as necessárias mudanças na organi-zação do trabalho e gestão na saúde (HumanizaSUS, 2004 pp.17):

- Fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional, fomenta-do a transversalidade e a grupalidade;

- Compromisso com a democratização das relações de trabalho;- Valorização dos profissionais da rede, estimulando processos de

educação permanente.No sentido contrário à realidade atual da maioria dos serviços de

Saúde13, em que os trabalhadores pouco participam da gestão dos ser-viços, a PNH propõe como diretrizes essenciais para a humanização das práticas de saúde a gestão participativa, a educação permanente e o re-dimensionamento do trabalho para a produção de subjetividades. Não se trata mais de pintar paredes e fazer brinquedotecas, ou recuperar a teoria do vínculo. Ainda que tudo isso seja muito importante para a melhoria do espaço e das relações humanas, não haverá humanização se não houver profundas mudanças na forma do fazer institucional referentes à gestão e à organização do trabalho, resgatando aos trabalhadores o protagonismo, a dignidade, o respeito e a sensibilidade que se deseja ver aplicados no cuidado aos pacientes15.

Nesse contexto, em 2004, no Centro de Referência e Treinamento DST/Aids (CRT DST/Aids) realizamos uma Pesquisa de Fatores Psicosso-ciais do Trabalho (FPST), sobre a qual nos debruçaremos agora.

Os FPST são dimensões referentes à gestão, organização e relações interpessoais no trabalho16,6,7,8, que no ambiente físico e relacional podem produzir a satisfação e o sentimento de realização, ou no seu revés, o so-frimento e o adoecimento do trabalhador. Na sua essência, estuda-se como os trabalhadores sentem o dia-a-dia da instituição, privilegiando o modo subjetivo da experiência do trabalho na vida das pessoas em determinado contexto. A valorização desse campo de subjetividade15 vem justamente ao

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

encontro da Humanização, conforme mencionamos anteriormente. Segundo as referências tomadas neste estudo, os fatores psicossociais relacionados à saúde e satisfação no trabalho, ou o seu contrário, versam sobre: estabilidade no emprego, salários e benefícios, relações sociais no trabalho, supervisão e chefia, ambiente físico de trabalho, reconhecimento e valorização, oportuni-dades de desenvolvimento profissional, conteúdo, variedade e desafio no tra-balho, qualificação, autonomia, subutilização de habilidades e competências, carga de trabalho (física, cognitivas ou emocionais).

Nas organizações, modelos semelhantes são usados para pesquisar o chamado clima organizacional17, no qual se reconhecem os sentimentos e crenças que movem os trabalhadores na realização de suas tarefas e, indo mais longe, se obtêm importantes informações sobre o modo como as organizações funcionam. As pesquisas de clima organizacional revelam a cultura institucional18 e são importantes ferramentas para o diagnóstico de situação de trabalho e acompanhamento de mudanças19.

Há vários anos e em vários países, os FPST são estudados em di-versos setores produtivos no âmbito das relações saúde e trabalho. De-senvolvemos este estudo com o objetivo de compreender o modo como os funcionários do CRT DST/Aids percebiam a instituição, a organização do trabalho, as relações interpessoais e a gestão de pessoas. Nosso interesse em estudar esses fatores vem da fonte da Humanização e seu poder de fazer brotar as ideias que buscam o bem coletivo.

MetodologiaA proposta desta pesquisa foi apresentada, discutida e inserida no

Planejamento Estratégico do CRT DST/Aids em 2004. O CRT DST/Aids é o equipamento de saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo que coordena o Programa Estadual de DST/Aids e presta atendimento es-pecializado no âmbito das doenças sexualmente transmissíveis e Aids. O serviço conta com setores de assistência ambulatorial e hospitalar, vigilân-cia epidemiológica, prevenção, pesquisa, planejamento, recursos humanos, administração e apoio logístico. Nele trabalham médicos de diversas es-pecialidades (principalmente infectologistas), psicólogos, enfermeiros, as-sistentes sociais, nutricionistas, educadores em saúde pública, e o quadro

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administrativo da SES-SP. Eram 743 funcionários públicos do Estado, dos quais 280 em cargos administrativos e 463 em cargos técnicos da Saúde. Destes, 144 compunham o corpo de enfermagem (55 enfermeiros com ní-vel superior e 89 auxiliares com nível médio).

Trata-se, portanto, de um serviço público estadual de atenção à Saú-de pertencente ao SUS, e como tal, deve seguir suas políticas públicas, entre elas a PNH e seus enredos.

No começo do ano de 2005, desenhamos a pesquisa e contratamos uma pesquisadora autônoma para realizar a coleta dos dados. Considera-mos que a presença de uma pesquisadora não pertencente à instituição se-ria importante para que os funcionários ficassem à vontade para participar da pesquisa, sem medo de ser descobertos ou delatados para suas chefias. Em setembro de 2005, realizou-se a coleta de dados; durante os três meses seguintes, a análise e, ao longo do ano de 2006, apresentamos as informa-ções obtidas para todo o corpo diretivo da instituição, para o sindicato dos trabalhadores, e para cada macro-setor do CRT DST/Aids.

Algumas semanas antes da coleta de dados, fomos aos setores e orientamos os gestores locais sobre os objetivos da pesquisa, métodos e procedimentos da coleta, solicitando-lhes que transmitissem tais infor-mações aos seus funcionários. Talvez nosso primeiro diagnóstico já se apresentasse nesse momento: a maioria dos gestores locais não cumpriu a tarefa de comunicar aos seus funcionários o que seria feito.

Em compensação, o Comitê de Humanização local se encarregou de conversar com os trabalhadores nas oficinas de humanização realizadas naquele período e mesmo nos seus locais de trabalho, preparando-os para a pesquisa.

Durante três dias, os funcionários foram orientados por uma equipe de pesquisa para se dirigirem a um local reservado e responder o questio-nário de forma anônima e autoaplicada. O instrumento utilizado foi origi-nalmente concebido por Kristensen6 e colaboradores, no Instituto Nacional de Saúde Ocupacional da Dinamarca, adaptado para o português.

O questionário consta de uma primeira parte que investiga estresse e saúde ocupacional. Nele constam questões de caracterização sócio-demo-gráficas, de saúde (incluindo hábitos e comportamentos) e de característi-

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cas pessoais e situações de vida. (Esses dados foram coletados e são tema de outro estudo relativo ao diagnóstico de saúde e estresse.) Na segunda parte do questionário, o trabalhador não se identifica, e nela se investiga a vivência do processo laboral e do ambiente de trabalho. As questões estão dispostas em onze blocos que permitem o estudo das seguintes dimensões do trabalho:

1. Consciência: sentimento de que o seu trabalho faz parte de um conjunto maior, que é importante e útil para os usuários, conferindo-lhe importância pessoal.

2. Motivação: sentimento de interesse pelo trabalho.3. Relações Sociais: situações de isolamento ou de boa

comunicação com colegas, qualidade do ambiente social, par-ticipação em grupos e sentimento de fazer parte de uma co-munidade no trabalho.

4. Métodos e Tecnologias: adequação de instrumentos, métodos, tecnologia e outras ferramentas aplicadas ao trabalho.

5. Envolvimento no Trabalho: envolvimento pessoal, iniciativa e empenho no trabalho.

6. Crescimento Profissional: possibilidade de aprender coisas novas, uso de habilidades e conhecimentos e oportuni-dade de desenvolvimento profissional.

7. Apoio e Trabalho em Equipe: contar com a ajuda e apoio de colegas, de superiores, ser ouvido sobre problemas de trabalho e poder conversar sobre as questões do trabalho.

8. Papel dos Superiores: sentimento de que os superio-res apreciam a equipe, garantem oportunidades de carreira a todos, priorizam treinamentos e planos futuros, priorizam satisfação no trabalho, são hábeis no planejamento, na distri-buição de tarefas, na administração de conflitos e comunica-ção com equipe.

9. Comunicação: quão claras ou contraditórias são as informações, as demandas e os objetivos do trabalho, assim

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

como o papel, a responsabilidade e o que se espera de cada funcionário.

10. Valorização ou Reconhecimento: sentimento de que o trabalho é valorizado e reconhecido pelos usuários, colegas e superiores.

11. Satisfação: satisfação com as pessoas, o salário, as perspectivas de trabalho, o ambiente, o gerenciamento, o uso das habilidades, os desafios, a qualidade do atendimento ao usuário, o trabalho como um todo.

12. Organização do Trabalho: percepção do tempo dado para a execução da tarefa como muito, pouco ou muito irre-gular, sensação de falta de tempo para terminar as tarefas ou não.

13. Participação no Trabalho: participa das decisões so-bre o próprio trabalho, sobre com quem trabalha, na definição de métodos, do ambiente, da qualidade do trabalho, recebe in-formações sobre mudanças, sente que é ouvido no trabalho.

14. Diversificação: o trabalho é variado ou exige fazer sempre as mesmas coisas.

15. Flexibilidade: pode decidir sobre o seu trabalho, quantidade, horários, pausas, férias e ausências breves.

16. Responsabilidade: o trabalho afeta o bem-estar de outras pessoas, os erros podem prejudicar pessoas ou causar perdas financeiras, exige tomadas de decisões de grande im-portância.

17. Exigência Emocional: o trabalho exige lidar com pro-blemas emocionalmente difíceis, ou tomar decisões difíceis.

18. Exigência Cognitiva: o trabalho exige competências elevadas, ou demanda ideias novas e tomadas de decisões rá-pidas.

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Os dados foram inseridos em um banco construído em EPI-Info, e as suas informações descritas em gráficos e tabelas na forma de percentuais, para o todo institucional e por setores. A seguir, descreveremos alguns re-sultados extraídos da totalidade da pesquisa que, em contexto mais geral, permitiram uma aproximação da realidade de trabalho no CRT no que se refere às dimensões descritas, a partir da opinião dos trabalhadores.

ResultadosNo organograma do CRT DST/Aids, em 2005 havia a Diretoria Téc-

nica (instância gestora superior), à qual estavam ligados seis macro-seto-res chamados de Gerências: Administração, Assistência Integral à Saúde, Apoio Técnico, Recursos Humanos, Vigilância Epidemiológica e Preven-ção. A estas, ligavam-se micro-setores, os Núcleos, em número de vinte e cinco. Responderam o questionário 609 dos 731 funcionários em atividade nesses setores (subtraídos os que estavam em férias e licença), além das Terceirizadas (Cozinha, Segurança e Limpeza), totalizando 83,3% do con-junto. No Quadro1, pode-se observar essa distribuição. Responderam os questionários 97,8% dos trabalhadores da Gerência de Recursos Humanos, 83,4% da Diretoria Técnica, 82,5% da Gerência de Apoio, 80% da Gerência de Administração, 77,4% da Gerência de Prevenção, 75,8% da Gerência de Vigilância Epidemiológica, 70,2% da Gerência de Assistência e 45,5% dos trabalhadores das Terceirizadas.

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Setores Total Participantes %

Diretoria Técnica 24 20 83,4

Gerência Prevenção 31 24 77,4

Gerência Vig. Epidemiológica 29 22 75,8

Gerência Assistência 329 231 70,2

Gerência Apoio Técnico 137 113 82,5

Gerência Recursos Humanos 45 44 97,8

Gerência Administração 148 105 80

Terceirizadas 66 30 45,5

Total 809* 609 75,2

Quadro 1 – Número total e percentual de funcionários do CRT DST/Aids que responderam o questionário da Pesquisa de FPST, por setor, em 2005.

Férias e afastamentos = 78 funcionários. Total em atividade: 809-78 = 731 (83,3%)

caracterização sócio-demográfica, no CRT DST/Aids, em 2005, pre-dominavam profissionais do sexo feminino (69%), com idade entre 30 e 49 anos (66,4%), casados (53,7%), que se referem como de raça branca (56,8%), e com nível superior de escolaridade (52,0%). Grande parte dos funcionários (38%) não tinha filhos e habitava domicílios com três ou menos moradores (54,7%). O grupo dos profissionais em atividades ope-racionais constituía a maioria (59,6%), seguido dos chamados “técnicos” (27,4%), que no serviço público diz respeito aos profissionais de nível superior.

A presença de manifestações de estresse nessa população apresentou distribuição conforme descrição no gráfico 1.

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Gráfico 1 – Porcentagem de trabalhadores que referiam manifestações de estresse (alto, leve, moderado e nenhum) no CRT DST/Aids em 2005.

Considerou-se manifestação de estresse leve quando o funcionário assinalava como “raramente”, “nunca” ou “às vezes” a ocorrência dos si-nais e sintomas presentes no questionário. Quando referido “o tempo todo” ou “na maior parte do tempo”, considerou-se manifestação de estresse na forma grave.

Somando-se os que apresentavam manifestações graves e modera-das totalizou-se 248 pessoas (52,9%). As manifestações emocionais foram as mais freqüentes: 88,2% do total de funcionários referiram pelo menos um dos sintomas “o tempo todo” ou “na maior parte do tempo”. Esses nú-meros se assemelham aos encontrados na literatura, no que se refere ao estresse e sofrimento psíquico nos profissionais da área da Saúde10,12, e reforçam a importância de conhecer melhor o ambiente de trabalho e pro-mover as mudanças culturais preconizadas pela Humanização na Saúde com o intuito de cuidar daqueles que têm a missão de cuidar.

No estudo dos FPST, para o total de funcionários pesquisados, en-contramos a situação que se apresenta no gráfico 2.

39,7

42,2

13,2

4,9

NENHUM

ALTO

LEVE

MODERADO

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Gráfico 2 - Frequência de funcionários que consideravam como ótimo ou bom o nível de cada uma das dimensões no CRT DST/Aids em 2005.

As dimensões avaliadas em ótimo e bom permitem dizer que o con-junto dos funcionários apresentava elevado nível de consciência sobre o trabalho que desenvolvia (96,7%). No seu conjunto, eram bastante moti-vados (85,4%) e estabeleciam boas relações (84,5%) com os demais cole-gas – situações detectadas com nível ótimo e bom entre mais de 80% dos funcionários.

A maioria considerava bom o seu crescimento profissional no traba-lho (70,9%), os métodos e a tecnologia utilizada (76,6%), e o envolvimento pessoal no trabalho (75,9%). Estes últimos três aspectos tiveram respostas positivas por mais de 70% dos funcionários.

O nível de satisfação foi considerado ótimo e bom por 57,5% dos funcionários. Entre os que manifestaram insatisfação, os principais moti-vos foram: salário (44,3%), gestão local (18,8%), perspectivas profissionais (14,9%) e a falta de uso das habilidades profissionais (10,2%).

Em relação ao apoio na equipe, 68,5% consideraram ótimo e bom. A comunicação interna foi avaliada com ótimo e bom por 62,7%, o papel

0

20

40

60

80

100

Consciência M otivação RelaçãoSoc M étod.Tecn

Envolvim ento Crescim ento Apoio Com unicação

PapelChef Valorização Satisfação O rganização

Partic ipação Diversificação Flexibilidade

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112

HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

das chefias por 62,0 % e a valorização por parte de superiores, colegas e clientela, por 60,8%. Ainda que a maioria (entre 60 e 67%) avaliasse bem esses aspectos, é sinal de alerta o número de funcionários descontentes.

Os aspectos mais preocupantes, cujas porcentagens de ótimo e bom apontam para impressões desfavoráveis por mais de 50% dos funcionários foram: organização (50,3%), participação (39,3%), diversificação (34,6%), e flexibilidade (34,4%). Dentre as questões que compõem essas quatro dimensões, destacaram-se como maiores problemas: trabalho repetitivo (55,1%), não poder opinar sobre a quantidade do trabalho (49,1%), sobre como fazer (26,1%), sobre seus horários (44,8%), ter que trabalhar muito depressa (37,2%), não poder participar das decisões sobre o seu trabalho (37,9%) e não poder influir na qualidade do trabalho (43,1%).

Inerente à natureza e ao objeto de trabalho, a responsabilidade, as exigências cognitivas e as exigências emocionais são consideradas altas para aproximadamente 50%, 80% e 40% dos trabalhadores, respectiva-mente.

No estudo desses FPST por macro-setores (Diretoria Técnica e Gerên-cias), observamos distribuições semelhantes ao conjunto descrito acima. Mais uma vez, os pontos críticos que se evidenciam são aqueles relativos à organização do trabalho, participação e flexibilidade. Destacamos essas três dimensões segundo macro-setores nos gráficos 3, 4 e 5, por conside-rarmos informação de alta relevância na discussão da Humanização.

Podemos observar que em relação à media do CRT para a dimensão da organização do trabalho (50,3%), ficam acima a Gerência de Adminis-tração (59,6%) e de Apoio (52,5%). As demais ficam abaixo: Assistência (49,5%), Diretoria Técnica (44,4%), Recursos Humanos (42,1%) Vigilância Epidemiológica (39,1%), e Prevenção (36,0%).

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Gráfico 3 - Porcentagens de funcionários que consideravam como ótimo ou bom o nível de organização do trabalho nas Gerências do CRT DST/Aids em 2005.

50,3

36

39,1

42,1

44,4

49,5

52,5

CRT

PREVEN

EPIDEM

RH

DIRTEC

ASSIST

APOIOT

ADM

Para a dimensão da participação, os números são piores. Acima da média de 39,3% ficaram as Gerências de Vigilância Epidemiológica (48%), Diretoria Técnica (47,4%), Recursos Humanos (44,7%), Assistência (43,3 %) e Prevenção (42,3%), sendo que as Gerências de Administração (36%) e de Apoio (28,5%) ficaram abaixo da média.

Gráfico 4 - Porcentagens de funcionários que consideravam como ótimo ou bom o nível de participação no trabalho nas Gerências do CRT DST/Aids, em 2005.

39,3

28,5

36

42,3

43,3

44,7

47,4

48

CRT

APOIOT

ADM

PREVEN

ASSIST

RH

DIRTEC

EPIDEM

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114

HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Por fim, para a dimensão da flexibilidade ficaram acima da média de 34,4% as Gerências de Prevenção (51,9%), Diretoria Técnica (47,4%), Recursos Humanos (44,5%) e Vigilância Epidemiológica (42,3%). A Assis-tência ficou na média (35,4 %) e as Gerências de Apoio (29,3%) e Admi-nistração (24,3%) novamente ficaram abaixo da média.

Gráfico 5 - Porcentagens de funcionários que consideravam como Ótimo ou Bom o nível de flexibilidade nas Gerências do CRT DST/aids em 2005.

34,4

24,3

29,3

35,4

42,3

44,5

47,4

51,9

CRT

ADM

APOIOT

ASSIST

EPIDEM

RH

DIRTEC

PREVEN

DiscussãoDizem que a escolha por trabalhar na área da Saúde tem a ver com

a presença de traços de desamparo, de medo da vulnerabilidade, do sofri-mento, da doença ou da ausência de alguém amado, na história de vida do profissional20,21,22. Os sentimentos e emoções que brotam dos casos clínicos recuperam marcas inconscientes e, ao lidar com elas por meio do trabalho, faz-se uma ação reparadora. “Tratar o outro é, antes de mais nada, poder entrar em contato com nosso próprio sofrimento e com as ex-pectativas que ele evoca em nosso foro mais íntimo. Cuidando das feridas do outro, podemos também efetuar o trabalho permanente de reparação de nossas próprias feridas narcísicas.” (Volich, 1995, p. 41)

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Os fatores subjetivos presentes na prática profissional muitas vezes respondem pela angústia que aflora no cotidiano do trabalho na Saúde. Todo profissional desta área precisa, desde a sua formação acadêmica, refletir sobre a existência humana, sobre si mesmo e conhecer suas limita-ções. Reflexões fundamentais para lidar com a frustração dos inevitáveis fracassos, a depressão e o sentimento de impotência quando a realidade se impõe. Ser bom profissional é também ser capaz de suportar esses sofri-mentos inerentes à profissão e continuar desejando cuidar, num constante recomeçar. Frente à crueldade trágica da doença, o cuidador é aquele que tem capacidade de amparar e sabedoria de compreender que não lhe cabe o poder da vida, a todo o momento, dada e tirada.

O sentimento de grandiosidade dessa tarefa fez-se manifesto em nosso estudo, posto o altíssimo percentual de funcionários com consci-ência sobre seu trabalho e motivação. O custo emocional também, haja vista o altíssimo percentual de pessoas que referiram pelo menos uma das manifestações psíquicas de estresse presente “o tempo todo” no trabalho (88,2%). As frequências de manifestações de estresse encontradas no CRT DST/Aids, ainda que semelhantes às observadas em outros serviços de Saúde10,12, são altas e justificam o empenho pela melhora da vida dos pro-fissionais no ambiente de trabalho.

Como discutido anteriormente, mesmo considerando os aspectos subjetivos da vida das pessoas, o ambiente de trabalho agrega os princi-pais fatores de adoecimento do profissional de Saúde no seu ofício.

Também nesta pesquisa encontramos situações descritas para a maioria dos serviços de Saúde como realidade difícil para a implementa-ção da PNH: pouca participação efetiva dos trabalhadores na gestão e na construção do processo de trabalho.

Pudemos observar vários fatores psicossociais do trabalho e compre-ender como os profissionais sentiam o ambiente, e os pontos críticos que precisavam de ações reparadoras, ou mesmo de profundas transformações.

Ficou claro que a gestão precisava de aprimoramento, pois mesmo considerando as variações setoriais, o sentimento de insatisfação em re-lação ao papel dos superiores, ao apoio, à clareza e ao reconhecimento embalava o lamento de 40% do conjunto.

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HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Os pontos fortes encontrados (além dos já citados) – relações sociais, métodos/tecnologias adequados e envolvimento – confirmaram o apoio solidário entre colegas, a importância da qualidade e o sentimento sobre o valor do trabalho.

Os pontos fracos – organização, participação e flexibilidade – pre-cisaram ser encarados...

Retornando à PNH, sabemos que sua consolidação no trabalho passa, necessariamente, pela prática de dois princípios norteadores14 a destacar:

1. A construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos;2. A responsabilidade conjunta desses sujeitos nas práticas de aten-

ção e de gestão.O trabalho será produtor de sentidos para a vida do profissional

quando este for protagonista do processo4,13, com direito a participar das decisões sobre o que faz, como faz, quando e até mesmo onde faz. Isso se chama autonomia e caminha junto com o princípio da responsabilidade. Esses dois princípios podem se transformar em instrumentos de gestão bem mais eficientes que o controle e a burocratização.

“Promover saúde nos locais de trabalho é aprimorar a capacidade de compreender e analisar o trabalho de forma a fazer circular a palavra, criando espaços para debates coletivos. A gestão coletiva das situações de trabalho é critério fundamental para a promoção de saúde” (Humaniza-SUS, 2004, p.8).

Fazer gestão participativa é o desafio. No CRT DST/Aids, é a intenção. O gesto está em construção.Muito há que se fazer, mas como o caminho se faz ao caminhar, daqui

a um tempo, com certeza esse serviço terá outras histórias para contar...

AgradecimentosÀs grandes amigas que trabalharam na coleta e análise de dados,

Mara Regina Anunciação e Maria Célia Medina.

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117

HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

Referências Bibliográficas

1. FREUD, S. Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise. (Edi-ção Standard Brasileira, v.12, 1912). Rio de Janeiro, Imago, 1980.

2. Introdução ao narcisismo (Edição Standard Brasileira, v.14, 1914) Rio de Janeiro, Imago, 1980.

3. CASSEL, J. Psychosocial processes and “stress” theoretical formulation. Intern J Hth Services, v 1, n 3, pp:471-482, 1974.

4. DEJOURS, C. “A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do tra-balho” 2ed., São Paulo, Cortez/Oboré, 1987.

5. REGO, R.A. “Trabalho e saúde: contribuição para uma abordagem abrangente” Dissertação de mestrado apresentada no Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, São Paulo, 1987.

6. KRISTENSEN, T.S. The demand-control support model: methodological challenges for future research. Stress Med, 11:17-26pp., 1995.

7. Paraguay, A. I. B. B. Da Organização do Trabalho e Seus Impactos sobre a Saúde dos Trabalhadores. In: René Mendes. (Org.). Patologia do Traba-lho. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2003, v. 1, p. 811-823.

8. MARTINEZ, M. C. e col. Relação entre satisfação com aspectos psicos-sociais e saúde dos trabalhadores. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 1, n. 38, p. 55-61, 2004.

9. LACAZ, FAC, Sato, L. Humanização e Qualidade do Processo de Traba-lho em Saúde, in Deslandes, S (Org.) Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. p.109-139.

10. PITTA, A. Hospital: dor e morte como ofício . São Paulo: Ed. Hucitec, 1990. 200 pp.

11. VOLICH, R. M. Entre uma angústia a outra..., Boletim de Novidades Pulsional, São Paulo, n.80 pp. 37-45, 1995.

12. ARAÚJO, T.M.; Aquino, E; Menezes, G; Santos, CO; Aguiar, L Aspec-tos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadoras de enfermagem Rev. Saúde Pública 37 (4) pp. 424-433, 2003.

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118

HUMANIZAÇÃO E AMBIENTE DE TRABALHO

13. HENNINGTON, E.A. Gestão dos processos de trabalho e humaniza-ção em saúde: reflexões a partir da ergologia. Rev. Saúde Pública [on-line]. 42(3), pp. 555-561, 2008. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102008000300024-&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0034-8910.

14. Brasil. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Hu-manização do Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2004.

15. BACKES, D.S. Lunardi Filho WD & Lunardi VL. O processo de huma-nização do ambiente hospitalar centrado no trabalhador. Relato de pesqui-sa, 2006. Disponível em http://www.ee.usp.br/reeusp/upload/pdf/242.pdf. Acesso em 22/10/08.

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17. SHEIN, E.H. Organizational Culture and Leadership. San Francisco, Jossey Bass, 1992.

18. FALCÃO, E. B. M.; Siqueira, A. H. Pensar cientificamente: representação de uma cultura, Interface - Comunic, Saúde, Educ, v.7, n.13, p.91-108, 2003.

19. BERNARDES, C. Teoria geral das organizações: os fundamentos da administração integrada. São Paulo: Atlas, 1988.

20. BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Ed. Atheneu, 1988. 291pp.

21. BENOIT, P. Psicanálise e Medicina. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1989.144pp.

22. RIOS, I.C. A relação médico-paciente em tempos de pasteurização da sub-jetividade, São Paulo: Revista Ser Médico, CREMESP, v 8, pp: 16-19, 1999.

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OFICINAS DE HUMANIZAÇÃOAPROxIMANDO AS PESSOAS PARA O DIÁLOGO

CAPÍTULO VII

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OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

IntroduçãoDesde as primeiras abordagens nos serviços de Saúde, bem antes até

de se tornar uma política pública do SUS, a Humanização colocava ênfase na importância de construir espaços de intersubjetividades, nos quais as pessoas, pacientes ou trabalhadores da Saúde pudessem pensar a si mes-mos e aos outros como sujeitos das práticas de Saúde1. Participação, com-promisso, protagonismo e co-responsabilidade, resultariam desses espaços de expressão intersubjetiva.

Em 2005, no CRT DST/Aids (Centro de Referência e Treinamento em Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo), o Comitê de Humanização planejou e implementou um projeto de oficinas de humanização, por meio das quais promoveu a divulgação e a sensibilização dos trabalhadores para as ideias da Humani-zação das práticas de Saúde. Essas oficinas foram pensadas como espaços educacionais de aproximação das pessoas para o diálogo, para a reflexão sobre o modo como se dão os relacionamentos no ambiente de trabalho e para a construção de valores da ética da Humanização (respeito, solidarie-dade e compromisso com o bem coletivo).

ObjetivosAs Oficinas de Humanização tinham como objetivos:- Compartilhar com os trabalhadores de Saúde conceitos e princí-pios éticos da humanização;- Apresentar-lhes o Comitê de Humanização;- Colher impressões, ideias, queixas, sugestões e vivências referentes ao cotidiano ocupacional dos trabalhadores e pensá-los à luz da Humani-zação.

MétodosFormou-se um grupo-tarefa interdisciplinar com cinco profissionais

da saúde (um educador, dois psicólogos, um médico e um assistente social) do Comitê de Humanização, para planejar e conduzir o desenvolvimento das oficinas.

As oficinas destinavam-se a funcionários, gestores e usuários. Cada

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121

OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

oficina contava com até 21 participantes e se desenvolvia em um período de quatro horas de duração. Compunha-se de dois momentos assim estru-turados:

1. Momento de aproximação das pessoas à realidade da humaniza-ção no cotidiano de trabalho – por meio de dinâmicas de grupo, dramati-zação e atividades lúdicas;

2. Momento de apresentação de conteúdo informativo e discussão – por meio de exposição dialogada.

A proposta foi apresentada para a Diretoria Técnica da instituição, que aprovou seu desenho e contribuiu de forma incisiva para a liberação dos funcionários nos horários das oficinas, garantindo a participação de todos que assim desejassem.

Durante um mês, o Comitê de Humanização fez a divulgação das oficinas em todos os setores da instituição. A área de Recursos Humanos foi fundamental para a organização da logística das oficinas. Cada funcio-nário escolhia, entre as datas e horários oferecidos, uma que fosse adequa-da a ele, fazendo a inscrição com autorização da sua chefia. As oficinas eram realizadas no horário de trabalho.

Seguiam o seguinte roteiro:1. Apresentação das pessoas e do roteiro da oficina:O coordenador da oficina iniciava o trabalho formando uma roda e

entregando aos participantes o programa de atividades da oficina, comen-tando seu conteúdo rapidamente. Passava, então, a coordenar uma ativi-dade lúdica de apresentação dos participantes e da equipe de condução do trabalho daquela oficina.

2. Aproximação do tema ao cotidiano de trabalho:Formávamos, então, três grupos menores, cada um coordenado por

um monitor. Pedia-se a cada pessoa que respondesse, escrevendo em pa-pel, três perguntas:

- Cite três ações institucionais que você reconhece como humani-zadoras;- Descreva uma situação inesquecível de humanização ou falta de humanização no atendimento ou no trabalho;- Cite uma palavra que você define como humanizadora.

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122

OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

O monitor pedia que cada um lesse sua resposta e conduzia os co-mentários do grupo a respeito das situações apresentadas, assinalando as aproximações com os conceitos e princípios da Humanização. No final da discussão, pedia-se ao grupo que construísse uma expressão de consenso para definir a humanização para aquele grupo e escolhesse um participan-te para apresentar essa síntese aos demais.

Os três grupos se desfaziam e voltava-se à roda. Cada representante dos subgrupos apresentava a definição de Humanização por eles construída.

3. Intervalo para o lanche;4. Apresentação de conteúdo informativo sobre Humanização:O coordenador desenvolvia uma exposição dialogada sobre os se-

guintes tópicos:- O que é Humanização;- O que é a PNH (Política Nacional de Humanização);- Princípios da Humanização;- Como a Humanização se realiza em nosso cotidiano;- O Comitê de Humanização (o que é, quem faz parte, para que serve, e o que tem feito). 5. Avaliação da oficina:Os monitores entregavam aos participantes um questionário para

avaliação do trabalho desenvolvido no dia, com o seguinte formato:

Avaliação da Oficina de HumanizaçãoData da Oficina: ______________ Período: M ( ) T ( )

Afirmativas sobre a Oficina Excelente Bom Regular Ruim Péssimo

Conteúdo da Oficina

Equilíbrio entre conteúdo teórico e atividade prática

Tempo para execução da oficina

Material fornecido

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OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

Afirmativas sobre o Coordenador

Excelente Bom Regular Ruim Péssimo

Organização da oficina

Conhecimento do assunto

Facilidade de comunicação e clareza

Esclarecimento de dúvidas

Cumprimento dos horários previstos

Afirmativas sobre os Monitores Excelente Bom Regular Ruim Péssimo

Organização do trabalho de grupo

Conhecimento do assunto

Facilidade de comunicação e clareza

Esclarecimento de dúvidas

Cumprimento dos horários previstos

1. Quais assuntos poderiam ser discutidos com maior profundidade?2. Você recomendaria esta Oficina? Por quê?3. Com que palavra você definiria esta Oficina?4. Dê sugestões para que possamos melhorar esta Oficina.

ResultadosForam realizadas 18 oficinas para funcionários, duas para usuários

e duas para gestores. Do total de 731 funcionários, participaram 314 dos diversos setores, ou seja, em torno de quarenta e três por cento (43,09%).

Na avaliação da maioria dos participantes, as oficinas foram consi-deradas excelentes e boas (gráfico 1). A atuação de coordenadores e moni-tores também foi avaliada de forma satisfatória (gráficos 2 e 3).

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124

OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

Gráfico 1 – Avaliação das Oficinas de Humanização do CRT DST/Aids, em 2005, na opinião de 384 participantes (funcionários, gestores, usuários).

Gráfico 2 – Avaliação dos Coordenadores das Oficinas de Humanização do CRT DST/Aids, em 2005, na opinião de 384 participantes.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Exce

lente Bom

Regu

larRu

im

Péssi

mo

Conteúdo

Equilíbrio teoria e prática

Tempo disponível

Material didático

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Exce

lente Bom

Regu

larRu

im

Péssi

mo

Organização dassessões

Conhecimento doassunto

Facilidade de comunicação e objetividade

Esclarecimentode dúvudas

Cumprimentodos horáriosprevistos

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125

OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

Gráfico 3 – Avaliação dos Monitores das Oficinas de Humanização do CRT DST/Aids, em 2005, na opinião de 384 participantes.

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Exce

lente Bom

Regu

larRu

im

Péssi

mo

Organização dassessões

Conhecimento doassunto

Facilidade de comunicação e objetividade

Esclarecimentode dúvidas

Cumprimentodos horáriosprevistos

As perguntas abertas foram analisadas pelo método de categoriza-ção por proximidade discursiva2. Conforme podemos observar nos dois quadros abaixo, a maioria das pessoas que responderam por que recomen-dariam essa oficina concorda que ela é importante para conhecer o que é Humanização (28,7%). Outras (26,0%) acreditam que as oficinas podem promover o desenvolvimento das pessoas nos relacionamentos interpes-soais no trabalho. A propósito desse aspecto, em particular, os participan-tes que responderam à questão sobre quais os assuntos que poderiam ser abordados em maior profundidade, 38,4% das respostas se referiram aos relacionamentos interpessoais e ética.

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126

OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

Quadro 1 – Você recomendaria esta oficina? Por quê?Total de respostas: 272

Quadro 2 – Quais assuntos poderiam ser abordados com maior profundi-dade?Total de respostas: 314

Motivos N %

Conhecimento sobre Humanização 78 28,7

Possibilidade de mudança de comportamentos, atitudes, ética, postura e resgate de valores.

36 13,2

Melhoria dos relacionamentos 35 12,8

Crescimento pessoal e profissional 27 9,9

Troca de experiências, espaço para reflexão e integração 23 8,5

Conhecimento das ações da Instituição 16 5,9

Oportunidade de expressar livremente suas ideias 14 5,2

Participação dos funcionários no trabalho da humanização 11 4,0

Importante para humanização do CRT 10 3,7

Incentivo ao trabalho em equipe 07 2,6

Recomendação das oficinas para as chefias 05 1,9

Para sair fora da rotina 03 1,1

Assuntos N %

Relacionamento entre funcionários 43 13,6

Relacionamento entre chefia e funcionário 29 9,2

Ética 28 8,9

Relacionamento entre paciente e funcionário 21 6,7

Estresse Ocupacional 10 3,2

Qualidade de vida 3 0,9

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127

OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

Considerações sobre o trabalho realizadoTalvez o feito mais importante dessas oficinas tenha sido colocar a

Humanização em evidência na instituição. Como uma pedra lançada nas águas paradas de um lago, provocou ondas de repercussão que inaugu-raram o debate das ideias da Humanização de tal maneira que, hoje, a maioria das pessoas que participam daquele espaço tem na Humanização uma referência tanto para dizer da sua presença quanto da sua falta no cotidiano institucional. A principal crítica dos funcionários, hoje, é que eles gostariam que as oficinas se constituíssem em atividade programática, com periodicidade pelo menos anual, o que não ocorre.

Além desse fato, outro aspecto que salta aos olhos quando analisa-mos o resultado desse trabalho é o diagnóstico da necessidade de pensar as relações interpessoais pelo foco da Humanização.

Sabemos que a comunicação e a busca de entendimento entre as pessoas para a realização de tarefas coletivas torna-se particularmente importante quando mudamos do modelo de atenção e gestão médico-cen-trada para o modelo participativo e interdisciplinar. Nos tempos atuais, trata-se de criar condições para a realização de encontros intersubjetivos autênticos3, que garantam condições reais de participação, expressão de ideias e construção de consensos eticamente amparados.

Para se chegar a tais condições é preciso muito trabalho de apro-ximação entre as pessoas, construção de conduta ética institucional que possa referenciar os acordos entre todos, e a tarefa de desenvolver em si mesmo e no grupo alguma competência para escutar uns aos outros de forma respeitosa e, se possível, com alguma abertura crítica para a refle-xão. Não é um objetivo fácil de alcançar, ainda que imprescindível para a Humanização.

Mas, talvez, ao longo do tempo, nas oficinas de Humanização, seja possível criar condições necessárias para a construção desse campo rela-cional no qual se desenvolve a escuta uns dos outros, e, nesse exercício, alcançar a maturidade institucional para a realização dos consensos que propiciarão relações mais éticas e humanas em nosso dia-a-dia.

Page 129: Caminhos da humanizacao na saude 1

128

OFICINAS DE HUMANIZAÇÃO

Referências Bibliográficas

1. Brasil. Ministério da Saúde. HUMANIZASUS: Política Nacional de Hu-manização do Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2004.

2. DENZIN, N. & LINCOLN, Y.S. Handbook of qualitative research. 2nd ed. Thousand Oaks: Sage Pub., 2000.

3. HABERMAS, J. Consciência Moral e Agir Comunicativo, Rio de Janeiro,Tempo Brasileiro, 1989.

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RECEPÇÃO HUMANIZADA O PROGRAMA JOVENS ACOLHEDORES

CAPÍTULO VIII

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130

RECEPÇÃO HUMANIZADA

Há tempo que se diz que toda instituição de Saúde que quiser im-plantar a Humanização precisa começar pelas recepções. Herdeiras de um modelo de atendimento caracterizado pela dicotomia serviço e usuário, erguem-se como uma barreira que começa pela divisória, em geral de vidro, separando fisicamente a ambos, e continua no atendimento por meio de barreiras culturais, linguísticas e outras tantas quantas se fizerem necessárias. As recepções foram alvo seleto dos primeiros programas de humanização surgidos depois do PNHAH e da PNH.

No desenvolvimento do pensar sobre a porta de entrada e o acesso aos serviços, vários aprofundamentos conceituais e práticos convergiram para o que hoje chamamos acolhimento1. A qualidade da atenção, o inte-resse e a responsabilidade são aspectos enfatizados pela cultura da Huma-nização que devem estar presentes desde o momento em que as pessoas chegam aos serviços de Saúde.

A recepção humanizada se apresenta como porta de entrada para um serviço que tem a humanização como o eixo de todas as suas práticas. E na perspectiva da Humanização e do Acolhimento, surgiram vários pro-gramas com foco na recepção do paciente aos serviços, dentre os quais se destaca o Programa Jovens Acolhedores, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, sobre o qual apresentaremos algumas ideias neste texto, mais precisamente sobre a pedra angular de sua estrutura: a escuta.

O Programa Jovens Acolhedores2 recebe, desde 2003, alunos do ensino superior da rede privada para atuarem durante um ano junto às recepções dos hospitais públicos do Estado no acolhimento dos usuários dos serviços. Recebem uma bolsa de estudos para o custeio da faculdade, e despendem vinte horas semanais para as atividades do programa, que inclui: recepcionar todas as pessoas que procuram a unidade de Saúde e auxiliá-las na solução de possíveis problemas que possam ocorrer nessa chegada ao serviço, participar da capacitação para o trabalho na Saúde e no seu espaço de atuação, participar de reuniões de supervisão.

O curso de formação dos alunos (que podem vir de qualquer área do conhecimento e não só das Ciências da Saúde) cobre os seguintes temas2:

- Conceito de saúde e doença;- Aspectos psíquicos do adoecer;

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131

RECEPÇÃO HUMANIZADA

- Aspectos psicossociais presentes nas relações humanas;- Sociabilidade e comunicação, direitos sociais, cidadania e partici-pação da comunidade;- Processo de trabalho na instituição de Saúde;- Políticas de saúde: SUS e seus princípios;- Humanização da assistência à Saúde e ética.A propósito da Humanização, desfaz-se a ideia preconceituosa de que

se trata de um “jeito bonzinho de ser” (ainda que moralmente a bondade seja um valor muito apropriado não só à área da Saúde, mas em vários contextos da nossa sociedade), mas aqui no sentido de desqualificar seus propósitos mais amplos, uma vez que diz respeito ao modo como se dá a assistência, a organização dos processos de trabalho e a gestão do ponto de vista técnico e humanista. Sinaliza-se que a Humanização é uma política do SUS (Política Nacional de Humanização) que coloca ênfase na importância de se construir espaços de encontro das pessoas, pacientes ou trabalhadores da Saúde para a construção de relações mais justas, éticas e solidárias.

Assim pensado, uma recepção humanizada agrega profissionais com conhecimento de saúde coletiva e cidadania, sendo capazes de compreen-der as dimensões humanas do adoecimento da população atendida, para exercer de fato a escuta de suas necessidades. A recepção humanizada re-quer, necessariamente, a integração com todas as atividades institucionais que vão dar prosseguimento aos cuidados iniciados na recepção, compre-endendo pelo menos três ações básicas:

1. Escuta aberta, com respeito e real interesse na boa comunicação com o outro e resposta à sua demanda – papel do acolhedor;

2. Escuta qualificada, com as características da primeira, mas amparada tecnicamente para respostas mais complexas – papel da retaguarda técnica;

3. Gestão, organização e supervisão de todo o processo de acolhi-mento – papel do supervisor.

O acolhedor é aquele que promove o primeiro encontro do usuá-rio com a instituição de Saúde por meio de atitude cuidadosa, disponível para a escuta aberta às necessidades do usuário e capacidade de orientar sua inclusão dentro do sistema de Saúde. Para desenvolver esse papel, o acolhedor deverá conhecer bem a clientela e seus aspectos socioculturais,

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conhecer e atuar dentro dos princípios do SUS, e conhecer muito bem a ins-tituição em que atua. Por vezes, o acolhedor deverá contar com um profis-sional da saúde com nível superior que, enquanto retaguarda técnica, deverá solucionar suas dúvidas imediatas no dia-a-dia. De forma mediata, deverá contar também com a presença de um supervisor que (por meio de conhe-cimentos técnicos específicos da área da Saúde) seja capaz de ser também referência para a escuta qualificada, fazer o acompanhamento do trabalho do acolhedor e promover o apoio didático e a escuta do próprio acolhedor.

Ou seja, uma recepção humanizada precisa de gestão, organização, retaguarda de profissionais com conhecimentos da área da Saúde e com-preensão das dimensões humanas do adoecimento e das necessidades da população atendida, e acima de tudo, pessoas com legítimo interesse pelo bem uns dos outros, dispostas a conversar...

Ressalte-se que o Programa Jovens acolhedores surge com a missão de permitir o encontro humanizado entre usuários e serviços de Saúde, mas não só. O programa também tem um forte acento educacional. Além de contribuir para o custeio dos estudos desses jovens, permite que eles te-nham outro espaço de aprendizagem dentro da área da Saúde. Ao mesmo tempo, também na perspectiva da Humanização, traz outros olhares para dentro dos serviços. Um olhar que pode ser estranho e perturbador, ou que pode trazer coisas novas que oxigenem a instituição, vai depender muito dos alunos que chegam e de como os profissionais do serviço recebem e trabalham com esses “outros estranhos”.

Apesar de, em muitos casos, o Programa Jovens Acolhedores se dar em um hospital – lugar de hospitalidade – os tempos atuais não são lá muito hospitaleiros com os estranhos... A hospitalidade3, como a capaci-dade de acolher e abrigar o estrangeiro (ou o estranho no sentido de não familiar) nem sempre é possível quando as diferenças são percebidas como invasivas e vividas com hostilidade.

A presença dos jovens universitários nos serviços provoca reações diversas entre os funcionários dos serviços. Alguns gostam do contato com esse outro mundo, mas muitos enxergam os alunos como privilegia-dos, como uma casta a mais na instituição – que só serve para dar mais trabalho para os funcionários já sobrecarregados e tão pouco valorizados

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pela gestão. Com certeza, serviços nos quais a Humanização se esgota no Programa Jovens Acolhedores, e mais uma ou outra ação humanizadora, jamais conseguirão desenvolver a cultura da Humanização e nela a convi-vência enriquecedora das diferenças.

Por outro lado, pensando na situação em que os alunos são bem aceitos pela instituição, mesmo em tais condições favoráveis, o programa pede atenção. Voltando à questão da importância da escuta que singula-riza a ação desses jovens, reforçamos que o supervisor é a pessoa-chave para o sucesso desse processo...

O supervisor não é (e nem pode ser) um encarregado que controla o pessoal. Não é um bedel de alunos (embora seja alguém que dê limites e orientações). O supervisor é, acima de tudo, um modelo para o acolhimen-to e um tutor para o aprendizado da escuta aberta e de outras competên-cias comunicacionais.

Mas afinal, o que é essa escuta de que tanto falamos? No nosso ponto de vista, a escuta é essencialmente uma abertura para a conversa. A gente não pensa muito nisso, mas a conversa está na base das relações hu-manas. A conversa é essencial para a vida humana. A gente precisa tanto de conversa que, quando sozinhos, conversamos com os nossos botões... Falamos sozinhos... Não poder conversar é uma forma de penitência. Há quem diga que nos campos de concentração nazistas era comum separar os prisioneiros de mesma língua como forma de castigo e para evitar a aproximação entre as pessoas.

Habermas4 acredita que habitamos um mundo (da concepção Exis-tencialista, o mundo da vida) que se compõe das estruturas da cultura, da sociedade e da personalidade de cada um, no qual compartilhamos experiências pela conversa. Nessa condição, somos todos dotados de uma competência comunicativa universal com a qual buscamos, antes de tudo, o entendimento. Sim, ele diz que a função principal da linguagem é o entendimento entre os homens, e ainda que a fala se aplique a muitos outros interesses, primariamente ela surge como produção humana para o entendimento.

Mas veja bem, nesse sentido, conversar não é tagarelar. Quando, numa festa, uma pessoa conta a alguém sobre um filme e esse alguém

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emenda com um outro filme que ele próprio assistiu, não é exatamente uma conversa do ponto de vista que aqui adotamos. Quando alguém co-meça a contar um problema e o outro responde contando um caso seu, também. A conversa se estabelece quando a gente escuta de forma atenta, interessada e generosa aquilo que o outro diz e simultaneamente entre ambos se cria um campo de compreensão comum, um horizonte5 no qual aparecem as diferenças e se constroem possíveis sentidos e possibilidades de entendimento para o que é dito. Há conversa quando duas ou mais pessoas falam de seus pontos de vista e pensam, juntas, em uma resposta, uma ideia, uma reflexão a respeito.

O verdadeiro entendimento só ocorre quando criamos espaço para a compreensão da diversidade das ideias das pessoas e assumimos uma atitude consciente de respeito, legítimo interesse pelo outro, atenção e crítica racional. As premissas4 para a construção de consensos falam da necessidade de se estabelecer um campo relacional no qual os interlocuto-res tenham disposição e capacidade para:

- A compreensibilidade, ou o reconhecimento gramatical do que é dito;- A verdade, ou o reconhecimento do conteúdo verdadeiro e ade-quadamente justificado do que está sendo dito;- A sinceridade, ou o reconhecimento de que a intenção de quem fala é sincera;- A retidão, ou o reconhecimento de que o que está sendo dito é correto dentro da Ética.Mas o que é compreender? Essa pergunta está no cerne da herme-

nêutica5: elucidar o advento da compreensão, partindo da parte em relação ao todo e do todo refletido na parte. Toda compreensão é a busca de uma verdade que se apoia em uma compreensão prévia, que se manifesta por meio da linguagem, e tem, portanto, uma dimensão linguística e uma di-mensão histórica. Essa tradição, a qual estamos sujeitos, ao mesmo tempo em que permite abordar a realidade, também delimita nosso horizonte de produção de sentido. Ou seja, o processo interpretativo opera dentro de um conjunto relacional e diz respeito à produção de um sentido, um con-teúdo elaborado pelo exercício da razão sobre os fenômenos. Pressupõe opiniões, conhecimento prévio do assunto, apreensão de elementos em

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estudo, reflexão que leva ao encadeamento de um novo discurso sobre o assunto. Desta forma, o ato de compreender corresponde ao modo de estar no mundo próprio à condição humana. Partimos do que sabemos, criamos um jeito particular de nos aproximar dos fatos e fenômenos da vivência e depois pensamos, dialogamos, fazemos julgamentos, elaboramos interpre-tações, construímos conceitos que sedimentam conhecimento renovado, mas temporário, até que o processo ocorra novamente. Algo absolutamen-te próprio à experiência humana.

É isso que se espera do acolhedor e de seu supervisor. Se for assim, a conversa será em si mesma terapêutica, transforma-

dora, educadora. O supervisor não pode perder de vista esse importante papel que tem como educador, na qualidade de tutor. O que faz o tutor, e como faz, é essencialmente essa conversa de que estamos falando.

Não é uma tarefa fácil. É preciso aprender a ouvir, despojar-se de preconceitos e modelos pré-estabelecidos para, junto com o outro, pensar sobre o que ele está trazendo como questão e, quando possível, encontrar formas pessoais e institucionais de lidar com a questão. Muitas vezes os tutores ficam em dúvida sobre o que fazer com o que escutam, ou ficam angustiados por não saber como lidar com questões que não se esgotam no campo técnico da sua profissão. Também os supervisores em alguns momentos precisarão de suporte para suas próprias questões e angústias, e é importante que tenham a quem recorrer. Bons gestores sabem que essa é uma de suas funções... E que é assim que se ensina o acolhimento e a Humanização.

Referências Bibliográficas

1. Ministério da Saúde, Ambiência, Brasília-DF, 2004. Ver em http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/impressos/folheto/04_1163_FL.pdf

2. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Programa Jovens Acolhe-dores, site oficial, ver em http://www.jovensacolhedores.saude.sp.gov.br/

3. DUFOURMANTELLE, A. Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar de Hospitalidade, São Paulo, Escuta, 2003.

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4. ARAGÃO, L. Habermas: filósofo e sociólogo de nosso tempo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2002.

5. BERNSTEIN, R.J. Beyond objectivism and relativism: science, herme-neutics and práxis. Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1985.

Parabenizamos os queridos amigos Neil José Sorge Boaretti, Clara Ronconi da Silva Fonseca e José Luiz Brant de Carvalho, pelo importante trabalho dedicado ao Programa Jovens Acolhedores.

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RODAS DE CONVERSAAPRENDENDO SAÚDE MENTAL NO PSF c

CAPÍTULO Ix

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RODAS DE CONVERSA

IntroduçãoUm dos aspectos mais interessantes do Programa de Saúde da Fa-

mília (PSF) é a mudança no processo de trabalho, que nos chama de volta para o lugar de profissionais da Saúde em um tempo em que já estávamos acostumados a ser profissionais da doença.

No modelo proposto pelo PSF, as pessoas – pacientes e profissionais – estão mergulhadas na realidade local e nela resgatam espaços de subje-tividade que há muito se perderam nas práticas assistenciais ancoradas no modelo queixa-resposta médica. Nessa condição, ficam reforçados o en-contro e o vínculo, e as pessoas podem se ver como gente que tem nome, origem, história, família, personalidade, defeitos e qualidades humanas.

A qualidade da relação é outra, em particular no que se refere ao trabalho do agente comunitário de saúde (ACS), personagem que desponta como elemento indispensável na lógica de atenção do PSF.

No meio rural e em cidades de pequeno e médio porte, onde o PSF acumula experiência, o agente comunitário é um membro da comunidade, integrado à cultura local, capacitado para desenvolver ações educativas e preventivas, atuando na interface dos espaços público e privado. En-tretanto, nos grandes centros urbanos não é bem assim. Os aglomerados populacionais podem não se constituir em comunidades politicamente or-ganizadas e, muitas vezes, são áreas de exclusão social, carentes da ação do poder público, submetidas ao domínio de “autoridades marginais”.

Muitas vezes, o campo de trabalho do ACS é também um campo de batalha, em todos os sentidos. Batalha contra a miséria, a doença, a igno-rância, a violência, o desprezo pela vida humana e a morte. Nesse cenário, o cotidiano do ACS – às vezes o único elo da população com o poder público – se torna carregado de tensões sociais e psíquicas que fazem parte do exer-cício de sua tarefa e interferem no seu próprio bem-estar e vida pessoal.

O contato muito próximo e recorrente com situações graves de sofri-mento e degradação – além do fato de que temas de Saúde Mental, apesar de sua presença constante, são sempre complexos e pouco conhecidos para a maioria dos profissionais da Saúde que não são da área psi – tornam o trabalho ainda mais penoso.

Vários estudos com profissionais da área da Saúde têm demonstrado

c Uma versão modificada foi publicada na Physis – Revista de Saúde Coletiva, v.17, n.2, 2007

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ser esta uma população particularmente suscetível ao sofrimento psíquico e estresse, devido ao trabalho, apontando para a necessidade de se criar dispositivos institucionais para seu cuidado. Há muito se sabe que tais dispositivos começam pela criação de espaços de fala e escuta, nos quais a palavra circula, provoca descobertas, faz o conhecimento e tece sentidos para a vida e o trabalho.

Partindo dessas premissas, desenvolvemos a atividade descrita neste artigo, cuja intenção foi criar um espaço de acolhimento e aprendizado para os ACS de uma região periférica do município de São Paulo. Na perspectiva da Humanização, criamos as Rodas de Conversa sobre o Trabalho na Rua.

População acolhidaO trabalho aqui relatado se desenvolveu durante o período de setem-

bro de 2002 a setembro de 2003, na subprefeitura de Perus, no município de São Paulo, com o grupo de ACS do PSF, “Recanto dos Humildes”.

A subprefeitura de Perus era a menor do município em população, algo em torno de 150 mil habitantes. Uma região de grandes áreas de ocu-pação recente, sem infraestrutura e planejamento urbano e com poucos equipamentos públicos de Saúde. Os que existiam eram insuficientes para suprir a demanda crescente e, para piorar a situação, havia muita dificul-dade em se manter profissionais qualificados numa região distante, sem qualquer atrativo de remuneração, carreira ou desenvolvimento profissio-nal. O único atrativo era a beleza da paisagem verde, que ainda não havia sido destruída pelas invasões e pela falta de compromisso governamental com a preservação.

O PSF “Recanto dos Humildes” se instalou numa área complexa, onde coabitavam pessoas de classe média baixa e nichos de população em estado de exclusão social. A maioria era migrante. Grandes famílias de gente jovem subempregada, sem moradia decente, sem estudo, sem acesso a bens e serviços, sem esperanças. Os ACS, provenientes dessa co-munidade, eram em geral mulheres jovens, casadas e com filhos pequenos, migrantes de outros estados, que se destacavam dos demais por um certo grau de instrução que lhes permitiu passar no concurso e constituir uma “elite” trabalhadora local, alvo de admiração, respeito e, às vezes, cobiça.

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Durante todo o trabalho, contamos com o apoio da coordenadora da unidade do PSF – condição essencial para que esse tipo de trabalho dê certo.

Rodas de conversa sobre o trabalho na ruaCriamos dois grupos abertos que se reuniam quinzenalmente, com a

coordenação dessa psiquiatra e a presença variável de oito a vinte ACS por encontro. Nos primeiros encontros estabelecemos o enquadre, o contrato ético e a proposta de trabalho: “conversar um pouco sobre saúde mental para atender melhor à população e cuidar da gente mesmo também”.

Caracterizamos os grupos como espaços para falar das inquietações decorrentes do trabalho cotidiano dos ACS e para discutir situações clíni-cas sob o ponto de vista da Saúde Mental.

A experiência vivaGrupos abertos de tema livre (ou mais ou menos livre, como era o

nosso caso) não costumam ser espaços institucionais facilmente ocupados pelos profissionais de Saúde. Apesar da consciência de que é por meio da fala e da escuta que conseguimos elaborar vivências e lidar com emoções, vários comportamentos defensivos irrompem frente a tal oferta. Nossa ex-periência nesse tipo de trabalho revela a dificuldade que as pessoas têm para tratar aspectos da subjetividade sua e do outro, que se manifesta na forma de frequência baixa aos encontros, dificuldades em estabelecer vín-culos e identidade grupal, superficialização de temas problemáticos que possam envolver a pessoa do profissional, esvaziamento da atividade ao longo do tempo.

Nossa primeira surpresa foi observar um comportamento dos grupos de ACS totalmente diverso do descrito. Logo de início, os grupos estabe-leceram vínculo com a coordenadora e ocuparam o espaço e tempo com a abordagem de questões espinhosas, difíceis, e nas quais o envolvimento emocional do ACS ficava não só explícito, como era o próprio tema a que se pedia discussão, exigindo manejo cuidadoso para que o grupo não se tornasse um grupo de psicoterapia, mas pudesse oferecer suporte social para as vivências ali manifestas. Os participantes mostravam-se confiantes e à vontade para falar de suas angústias e sentimentos vários, interessados

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em compreender as razões psicológicas dos protagonistas das situações-problema, incluindo eles próprios.

Durante um ano, vários casos clínicos foram discutidos, chegando-se a condutas mais adequadas do ponto de vista da Saúde Mental, como também foram discutidas teorias e técnicas que instrumentalizavam os ACS para melhor reconhecimento dos aspectos subjetivos presentes nas diversas situações cotidianas.

Pela frequência e importância, destacamos alguns dos temas mais trabalhados:

1. Impacto emocional do encontro com a realidade de cada família;2. Dificuldades inerentes ao papel do ACS;3. Dificuldades para trabalhar em equipe;4. Preconceitos em relação à loucura e aos problemas mentais.Para ilustrar esses campos temáticos, vamos relatar fragmentos de

discursos dos ACS, recolhidos de alguns dos nossos encontros.

Relato 1 - Os ACS são mesmo pessoas da comunidade? Impacto emocional do encontro com a realidade de cada família.

ACS1: A primeira coisa que eu vi quando cheguei aqui foi um rapaz novo, assassinado, em pleno meio-dia o corpo exposto no meio da rua, largado como um cão. Só foi retirado dali pela polícia no fim da tarde. Ninguém se importou e isso foi o que mais me chocou. No Norte tinha muita seca, muita fome, mas parecia mais humano.

ACS2: Se eu pensar em tudo de ruim que eu vejo, enlou-queço. Tem que saber conviver com essas coisas. Eu nasci numa favela, cresci vendo essas coisas. Isso não me choca mais. Sigo minha religião e me fecho para esse mundo.

ACS3: O que mais corta o coração é ver criança passando fome. Quando pela primeira vez entrei numa casa que não tinha nada para as crianças comerem, pensei na minha filha e comecei a chorar. Nesse dia, não consegui comer. Fui em casa e peguei comida para dar para aquela menina. Não é certo, mas eu fiz.

ACS2: Eu choro depois....

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ACS4: O pior é que a gente não tem o que fazer. A gente se sente totalmente incapaz, então a gente chora mesmo, ou acaba se acostumando....

ACS1: Eu pensava que trabalhando na Saúde podia ajudar muita gente, mas agora... Os pacientes são muito carentes. Tem muita depressão. Falta de com quem conversar e as pessoas que-rem conversar. Fico escutando sem saber o que dizer.

ACS5: É, só que depois eles começam a achar que a gente é empregada deles. Começam a exigir: tem que arranjar o remédio custe o que custar, tem que fazer tudo na hora que eles querem e se não fizer eles vão correndo falar mal da gente para a diretora. Dá pena, mas dá raiva também!

ACS1: Alguns são assim, mas a maioria não. Tem muita gente precisando de atenção e carinho porque a vida aqui é mui-to mais dura que a vida que a gente leva lá no Norte. A gente tem que se acostumar, mas não dá para não ficar assustada.

Relato 2 - Não dá para resolver tudo. Dificuldades inerentes ao papel do ACS.

ACS1: Não dá para resolver tudo, e então a gente vive ouvindo desaforos. Outro dia apareceu um que queria que eu arrumasse uma cesta básica. Aí vem outra querendo que eu ar-ranje um advogado para ela conseguir uma pensão do cara que a largou com os filhos. Teve até um que queria que eu botasse es-goto na rua! Aí quando você diz que é só um ACS, eles chamam a gente de folgado!

ACS2: Eu não levo desaforo para casa, não! Se me desa-catam eu parto para a briga ali mesmo, na frente de quem quiser ver e é bom que vejam mesmo, que se a gente é muito mansa eles montam em cima e aí é bem pior. Se tiver que sair no braço, não quero nem saber se é paciente ou não, parto para cima e seja o que Deus quiser!

ACS3: Levar na ignorância é pior. Eu converso e, se não resolver, mando ir conversar com a equipe do posto. A gente não

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é uma equipe? O pessoal fica protegido dentro do posto e nós aguentamos o rojão na rua, precisa mandar o povo ir reclamar com o pessoal do posto também que é para eles sentirem na pele o que a gente passa.

ACS4: Eu gosto do trabalho na rua. Não suporto o dia que tenho que ficar o dia inteiro no posto. Gosto de conhecer as pes-soas. Tem gente briguenta, mas tem muita gente legal. Tem gente que vê a gente na rua e vem bater papo, agradecer as coisas que a gente faz. Dá gosto.

ACS5: Tem que ver também que tem muito ACS que não quer nada com nada. Não está nem aí com o povo. Eu faço tudo para resolver o problema das pessoas, aí me chamam de exibida, que eu faço porque quero ser melhor que os outros. Não é ver-dade. Eu gosto de ser ACS e acho que é minha obrigação fazer o impossível para resolver os problemas da população. Vou atrás mesmo, cobro e não sossego enquanto não consigo o que quero. O povo vive na minha casa. Não tem hora.

ACS6: Eu já não gosto do povo indo a qualquer hora na minha casa. Às vezes, estou na minha folga e não consigo botar o feijão no fogo de tanto que batem naquele portão. Também não gosto de atender à noite e de fim-de-semana. A gente tam-bém tem direito de ter sossego para a gente e para a família da gente.

ACS7: Nas minhas férias eu pus uma placa na frente da minha casa: estou de férias, procure o posto. Teve gente que re-clamou, mas eu não quis nem saber, estava de férias, não tinha dinheiro para sair dali e se a gente está em casa ninguém respeita sábado, domingo, feriado... E não é para urgência não, é porque acha que a gente tem que atender qualquer hora, qualquer dia.

Relato 3 - Enquanto isso, dentro da “nossa casa”... Dificuldades para trabalhar em equipe

ACS1: Para mim, o problema pior é com a gente mesmo. Não falo só da gente ACS, mas da equipe toda. Falta união. O

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pessoal da enfermagem se acha melhor do que nós, os médicos se acham melhores que os enfermeiros.

ACS2: Eu acho que os enfermeiros são os piores. Tem mé-dico bem legal, como aquela doutora que acabou de chegar e os pacientes já fazem fila na frente do posto para passar com ela. Aquela tem vocação, até o jeito de se vestir é de médica que gosta de pobre. Ela não tem frescura não, vai com a gente nas visitas, entra nas casas, conversa com todo mundo, não tem nojo. O povo diz que ela é como Jesus, até os olhos são azuis...

ACS3: E Jesus tinha olhos azuis? Esse povo não tem jeito mesmo... Mas a doutora é legal. O outro médico novinho também é bem legal, e é bonito... Vocês viram? Está assim de mulher que-rendo passar com ele! Ah, como eu queria estar na equipe dele...

ACS4: Que assanhamento é esse? Sossega, mulher, que ele é novo, mas já é casado! (risos)

ACS3: É casado, mas não está morto! Mas não é por isso que eu queria estar na equipe dele, quer dizer, não é só por isso, mas é que aquela equipe funciona melhor que a minha. Tem en-trosamento, todo mundo ajuda todo mundo, não tem essa coisa de um ver o outro no sufoco e não ajudar porque não é função dele, ou por que ele se sente mais que a gente para fazer o que a gente faz, entende?

ACS5: Isso acontece bastante na minha equipe também. Eles dizem que cada um tem sua tarefa. É verdade, porque a gente não vai saber fazer o que eles fazem, então por que eles deveriam ajudar a gente?

ACS3: Porque o nosso trabalho é mais pesado. Somos nós que vamos para a rua todo dia.

ACS5: Eu gosto de ir para a rua. Não acho que é mais pesado, é diferente. O que falta é a gente combinar melhor as coisas. Por exemplo, eu vou na casa de uma pessoa, explico que a consulta só pode ser marcada depois de tal dia, do jeito que fa-laram que era para eu fazer, aí o paciente vai no posto e consegue passar na frente. Com que cara eu volto na casa dele? Ele me vê

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na rua e diz que fulano sim é que é bom e eu não sirvo para nada. Isso é trabalhar em equipe?

ACS1: Também já passei por isso. Dei uma informação para o paciente e depois falaram outra coisa para ele no posto. Parece que é a gente que não sabe trabalhar direito.

ACS3: Eu acho que tem gente que faz isso de propósito. Para parecer que é melhor que os outros. Tem muita competição entre as equipes e entre os próprios ACS para ver quem é melhor. Não acho certo, mas é isso que acontece.

ASC2: E por que ninguém fala nada na reunião com todo mundo? Aqui, todo mundo fala pelos cotovelos, mas lá ficam quietinhos, como se nada tivesse acontecido.

ACS6: Aqui é diferente, dá para falar. Lá eu tenho medo de que fiquem com raiva de mim e me ferrem ainda mais depois. E olha que a coordenadora fala que é para a gente dizer tudo o que está sentindo, mas na hora não dá. Eu acho isso muito ruim, porque acaba não mudando nada. Eu queria saber falar no meio de muita gente e de gente com mais estudo que eu, mas acho difícil.

Relato 4 - Loucura ou sem-vergonhice? Preconceitos em relação à loucura e aos problemas mentais.

ACS1: Sabe, para mim o que mais tem é pessoa com pro-blema de cabeça mesmo. Acho que é a miséria que faz isso. Tem uma moça na minha área que é linda, parece uma bonequinha, mas todo mundo diz que é louca. Foi abandonada pelo marido. Ele arrumou outra dizendo que ela não sabe fazer nada direito, fica o dia inteiro na cama, as crianças todas emporcalhadas na rua pedindo esmola, comendo na casa dos outros. Fiquei com tanta pena que tomei como minha filha e comecei a cuidar dela. Vocês acham que ela é louca mesmo?

ACS2: Muito certa é que não é mesmo. Por que não levanta daquela cama e vai trabalhar? É moça, é bonita, vai à luta, ora! Mas não, fica ali jogada como um trapo, enquanto o marido dá no

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pé e as crianças ficam abandonadas. Que doença o quê! Para mim isso é sem-vergonhice mesmo.

ACS3: Eu não acho. Você sabe como foi a infância dela? Essas coisas de cabeça são muito complicadas. Até a gente mesmo, tem dia que parece que vai pirar... Eu já tomei antidepressivo e não acho que sou louca. Tem muito preconceito. Se vai ao psiquiatra e toma remédio é louco? Não é assim. Todo mundo de vez em quando pre-cisava vir aqui conversar com a doutora.

ACS4: Eu tenho uma vizinha que ficou com câncer de tan-to rancor que ela sentia do marido. A gente acha que não, mas engolir veneno faz mal para a saúde. Eu vi um médico na televi-são que falava que as coisas que a gente vai guardando, um dia acabam virando doença mesmo.

ACS5: E esse povo que bebe até cair ou que usa droga. Aqui está cheio de gente assim. É uma desgraça. O pior é que você fala, fala e pensa que eles param de encher a cara? Que nada... Nem querem tratamento. Eu tenho pena é da família. Meu primo mesmo é um desses. Está metido com o pessoal da droga, vive se metendo em rolo, qualquer dia aparece morto na porta de casa e quem vai fazer o quê? Vai ficar todo mundo de boca fechada porque ele se meteu nisso porque quis, a gente cansou de avisar que ele estava se metendo onde não devia.

Nesses recortes podemos observar muitas das questões que fazem parte do cotidiano de trabalho dos ACS que atuam em área de exclusão social. Os temas de Saúde Mental, tanto no que se refere à população quanto ao profissional da Saúde, são pre-ocupações importantes do agente comunitário. Os espaços para falar, pensar e aprender um pouco mais sobre si mesmo, o outro e a subjetividade tornam-se parte essencial da própria tarefa de promover a educação da população para a Saúde.

Reflexões sobre a experiência: asas do pensar...Pierre Levy, (1993, p.36) diz que inteligência coletiva é “a valoriza-

ção, a utilização otimizada e a colocação em sinergia das competências,

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imaginações e energias intelectuais, independentemente de sua diversi-dade qualitativa e de sua localização”, propriedade que se faz através da comunicação humana.

A escultura da identidade profissional parte dos elementos da expe-riência cotidiana e da reflexão lapidar sobre eles. Não existe um manual que padronize o que cada um deve sentir, até quando ouvir os reclamos do coração (ou do estômago) das famílias, o que fazer com os segredos que lhes são confiados em espaço doméstico.

Os recortes de discurso apresentados mostram sujeitos em ação inte-ligente. Ao mesmo tempo em que nos falam de histórias, buscam compre-endê-las pelo exercício do pensar compartilhado, que se vai transforman-do em possibilidade de significação dos acontecimentos.

Nos relatos, percebemos várias manifestações emocionais que emer-gem quando encontram a realidade concreta das pessoas em suas casas. Os ACS vivem naquele meio, mas não se isentam do mal-estar causado pelas condições de vida do ambiente. A ACS recém-migrante fala do choque cultural entre a vida pobre no interior do Nordeste e a vida violenta na periferia da cidade. Os colegas tecem soluções individuais: fechar-se em si mesmo, voltar-se à religião, calar as emoções. A crueza do que se vê e a impotência frente à complexidade dos problemas vão escurecendo os olhares e endurecendo os sentimentos.

Ao mesmo tempo, quando percebidos como legítimos representantes do escasso poder público local, aos ACS chegam pedidos que transcendem suas funções e, diante da não-resposta desejada, passam a ser vistos como incom-petentes e desnecessários. Reação irrefletida, que se reverte à medida que a população vai entendendo melhor o campo de atuação do PSF (mas não sem antes causar mais sentimento de impotência e mais frustração para o ACS).

Raiva e piedade se acumulam e recaem no cotidiano dos ACS nas situações em que ora se oferece até o que é da sua vida particular (caso da ACS que tira comida de sua mesa para dar à família necessitada), ora se apela para a ignorância, quando o assunto é desaforo (caso da ACS que briga na rua com quem quer que a ofenda).

Vida pessoal e atitude profissional em muitos momentos se confun-dem, e definir os limites do que é uma atitude acolhedora ou uma defesa à

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invasão de privacidade nem sempre é tarefa simples, mas é sempre tarefa necessária. E quando, nessa turbulência de emoções, o assunto chega aos temas psiquiátricos, as discussões pegam fogo.

Se, em qualquer circunstância, os aspectos psíquicos do viver hu-mano estão pulsando à flor da pele, quando o problema em questão é um caso que envolva a doença mental propriamente dita, então as cores do cenário se tornam bem mais intensas. A visão moral dos sintomas men-tais se choca com as ideias científicas de saúde e doença que a mídia ou o conhecimento médico veiculam, compondo o saber popular em tempos atuais. Tristeza da vida, preguiça ou depressão? Dependência, fraqueza da vontade ou falta de vergonha na cara?

O que foi feito: pensamos as pessoas e as situações de vida, come-çando pelo senso comum, depois percorrendo alguns conhecimentos sobre a mente humana e os efeitos sociais sobre o comportamento. E assim, bus-camos ampliar a capacidade de cada um para entender melhor o outro e a si mesmo, e agir de forma mais próxima à ética da Humanização. Afinal, se de médico e de louco todo mundo tem um pouco, no PSF, então...

No PSF, o contato diário e próximo não se dá só com a comunidade, mas com as pessoas dentro do equipamento de Saúde, que é tão lugar de ações para a saúde, quanto casa, lugar de histórias de amor e ódio. Dispu-tas para ver quem vai ser o melhor e mais queridinho do grupo, olhares sedutores que buscam seus pares, antipatias gerais, amizades à toda prova, embates de poder, preconceitos, fofocas, muitas fofocas... Pano de fundo sobre o qual as equipes vão experimentando o seu jeito de fazer saúde.

E como “roupa suja se lava em casa”, de tempos em tempos, na ins-tituição, é preciso lavar o pano de fundo, para que o trabalho em equipe possa acontecer de forma eficiente e verdadeiramente humanizada. Em muitas situações, é imprescindível que se fale do que está nas entrelinhas dos discursos que permeiam as relações entre as pessoas, definindo o que é do direito pessoal e do dever profissional, na arrumação dessa casa que precisa de muitos espaços: ambientes reservados para as especificidades, os lugares comuns e as muitas interfaces nas quais se pactuam responsa-bilidade e compromisso coletivos. Afinal, trabalhar com pessoas, no ter-ritório da vida, é um desafio que, nas palavras de Guimarães Rosa (1979,

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p.15), encontra sua mais pura expressão: Uma coisa é pôr idéias arranjadas, outra é lidar com país de pesso-

as, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente – dá susto se saber – e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons...

AgradecimentosÀ Maria Madalena Ferreira Alves, uma assistente social cuja sensi-

bilidade e coragem moldaram não só a excelente gestora, mas a criatura humana da categoria dos imprescindíveis.

Bibliografia

BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Atheneu, 1988.

BENOIT, P. Psicanálise e medicina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989.

CASSEL, J. Psychosocial processes and “stress” theoretical formulation. Intern J Hth Services, v. 1, n. 3, p. 471-482, 1974.

FERRAZ, F.; VOLICH, R. M. Psicossoma: psicossomática psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

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RODAS DE CONVERSA

Treinamento Introdutório do Programa Saúde da Família. São Paulo: Pólo de Educação Permanente em Saúde da Região Metropolitana de São Paulo, 2002.

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SAÚDE SOBRE O SEU TRABALHO

CAPÍTULO x

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1. O que fizemosEm 2002, o Projeto Acolhimento1 foi apresentado como um dos pro-

jetos prioritários da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, tendo como horizonte a transformação da cultura institucional da Humanização pela consideração aos aspectos históricos e subjetivos presentes nas prá-ticas de Saúde.

Tratava-se de criar condições institucionais para que funcionários e pacientes fossem vistos como cidadãos vivendo dentro de contextos socio-culturais vários, com existência pessoal que compreende sua religião, per-sonalidade, características emocionais e volitivas, capacidades intelectuais e potencial criativo que, respeitados e valorizados, promovem a saúde da clientela e a satisfação profissional dos trabalhadores da área da Saúde.

Para desenvolver e compartilhar as ideias e ações do acolhimento, à semelhança do que ocorria na Secretaria de Estado da Saúde, propôs-se a criação de Comitês de Acolhimento nos equipamentos de Saúde da rede municipal. Na UBS Perus, com o apoio do diretor da unidade, constituímos um grupo de trabalho formado por uma médica psiquiatra, uma educadora e uma enfermeira.

Essa UBS era, então, a única de toda a região de Perus, na periferia da cidade de São Paulo, e mesmo com a taxa de lotação de pessoal muito incompleta, seus 44 funcionários respondiam pelas seguintes atividades:

- Atendimento programático em clínica médica, Ginecologia e Obste-trícia, Pediatria, Oftalmologia, Psiquiatria, Odontologia pediátrica;- Educação em Saúde para gestantes, planejamento familiar;- Vacinação de rotina e campanha;- Ultrassonografia gestacional;- Exames preventivos das patologias de colo de útero e mamas;- Atividades de grupo (educativo e terapêutico) para hipertensos, puericultura, psicoterapia;- Grupo de apoio psicossocial para Agentes Comunitários de Saúde do PSF do Recanto dos Humildes;- Controle de doenças infecciosas: tuberculose, hanseníase, dengue, sífilis;- Coleta de material para exames laboratoriais;- Curativos e medicação;

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- Visita domiciliar;- Transporte de pacientes;- Recepção;- Administração;- Almoxarifado;- Farmácia;- Serviços gerais e portaria;- Comitê de Acolhimento.Diante das inúmeras dificuldades estruturais (falta de instalações

adequadas, de equipamentos, de insumos e remédios, de segurança e de profissionais em número suficiente para atender a demanda) nas quais transcorriam as atividades da unidade, a sobrecarga de trabalho e a des-confiança de que, mais uma vez, o funcionário fosse injustamente tratado como responsável pelas falhas do sistema de Saúde, optamos por iniciar o Acolhimento criando espaços de fala e escuta dos nossos funcionários sobre suas condições de trabalho. Resolvemos, primeiramente, acolher o funcionário...

As impressões e respostas obtidas nesse estudo diagnóstico de situ-ação local são a matéria deste texto.

2. Como fizemosPlanejamos um estudo exploratório que, em um primeiro momen-

to, abordava o seu campo com duas técnicas de coleta de dados (grupos focais2 e questionário autoaplicado) e, em segundo momento, procedia à análise descritiva dos dados empíricos.

Formamos três grupos, um de profissionais de nível superior (cinco médicos, dois enfermeiros, uma educadora e uma assistente social), um de profissionais de nível médio (oito auxiliares de enfermagem e cinco oficiais administrativos) e um grupo de funcionários operacionais (seis auxiliares de serviços e quatro vigias). Em cada encontro, perguntávamos sobre o que sentiam e pensavam sobre o seu trabalho, e as dificuldades encontradas no dia-a-dia. O grupo era coordenado pela psiquiatra, e ob-servado e relatado em caderno de campo pela educadora. Das informações obtidas nesses encontros, elaboramos um questionário que foi distribuído

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para os funcionários responderem e depositarem em uma urna, não ha-vendo necessidade de se identificar. A receptividade dos funcionários para os grupos foi muito boa e as respostas aos questionários alcançaram 81% do total de 44 trabalhadores da unidade.

O questionário continha doze perguntas fechadas e duas perguntas abertas:

1. SexoMasculinoFeminino

2. Idade18 anos21-29 anos30-39 anos40-49 anosMais de 50 anos

3. Cargo/Função AdministrativoMédicoEnfermeiroAuxiliar de enfermagemEducadorAssistente SocialAuxiliar de ServiçosVigia

4. Tempo de trabalho na unidade (em anos)Menos de 1 ano1-3 anos5-10 anosMais de 10 anos

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5. Tipo de contrato empregatícioCLTEstatutárioTerceirizadoTemporárioOutro

6. Possui outro vínculo empregatício atém deste?SimNão

7. Acha que suas ideias e sugestões são consideradas pelos superiores na tomada de decisões?SempreEventualmenteNuncaOutra opinião

8. Sente-se respeitado e valorizado como profissional:SempreEventualmenteNuncaOutra opinião

9. Considera satisfatório o relacionamento entre as pessoas do seu se-tor:SempreEventualmenteNuncaOutra opinião

11. O trabalho promove sentimento de realização pessoal:SempreEventualmente

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NuncaOutra opinião

12. Sente-se motivado para o trabalho:SempreEventualmenteNuncaOutra opinião13. Quais as dificuldades que encontra no dia-a-dia para a realização do seu trabalho?

14. Quais suas sugestões para melhorar nosso ambiente de trabalho?

3. O que encontramosNa análise descritiva, primeiro trabalhamos os dados referentes à

caracterização geral dos funcionários da UBS como um todo, e depois agrupamos por categoria profissional os dados referentes às impressões sobre alguns aspectos de clima institucional que apareceram nos grupos focais. Embora houvesse vários pontos de vista comuns entre os traba-lhadores, consideramos importante ressaltar as diferenças que, em uma leitura compreensiva3 da realidade, apontam para lugares distintos dos discursos e valores atribuídos aos mesmos.

Como é comum na área da Saúde4, 72% dos trabalhadores eram mulheres e 62% do total estavam na faixa etária dos trinta aos quarenta e nove anos. A grande maioria, ou 80%, contavam com tempo de serviço na unidade menor que dois anos, sendo que 59% tinham menos de um ano, supostamente devido às mudanças ocorridas na gestão municipal naquele ano. Em 2002, a prefeitura de São Paulo desfez o modelo de atenção à Saúde do governo anterior (cujo formato técnico-político descaracterizou o SUS nessa cidade), promovendo uma grande movimentação de profis-sionais entre as diversas unidades da rede. Do total de funcionários, 70% eram estatutários. Todos os médicos e enfermeiros da unidade tinham ou-tro vínculo empregatício em outro serviço de Saúde além daquela UBS.

No que se refere aos aspectos relativos à vivência subjetiva do am-

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biente de trabalho e da própria profissão, por categoria profissional, estu-damos os seguintes fatores psicossociais5 do trabalho:

1. Perceber que suas ideias e sugestões são consideradas pelos supe-riores na tomada de decisões em relação ao seu trabalho;2. Sentir-se valorizado como profissional;3. Perceber o relacionamento entre as pessoas do seu setor como sendo satisfatório;4. Sentir-se motivado para o trabalho;5. Sentir que o trabalho promove realização pessoal.

Impressões dos nove trabalhadores administrativos da UBS Perus, em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:

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Impressões dos dois enfermeiros da UBS Perus, em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:

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Impressões dos catorze auxiliares de enfermagem da UBS Perus, em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:

Impressões dos sete médicos da UBS Perus, em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:

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Impressões dos dez auxiliares e vigias da UBS Perus, em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:

Impressões dos dois profissionais da Educação e Serviço Social da UBS Perus, em 2002, sobre alguns fatores psicossociais do trabalho:

0%10%20%30%40%50%60%70%80%

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As principais dificuldades para a realização satisfatória do trabalho apontadas pelos trabalhadores, segundo categoria profissional, foram:

Administrativos- Falta de comunicação e entrosamento entre os diversos setores;- Espaço físico limitado, inadequado e de aparência ruim;- Desencontro de orientações entre as chefias;- Atitudes de desrespeito entre colegas;- Falta de sustentação e cumprimento às regras e normas propostas;- Falta de material básico e específico.

Enfermagem- Falta de funcionários;- Espaço físico limitado, inadequado e de aparência ruim;- Falta de material básico e específico;- Falta de treinamento adequado;- Sobrecarga de trabalho, desgaste físico e emocional;- Falta de comunicação e entrosamento entre os diversos setores;- Falta de expectativas para a solução dos problemas;- Falta de sensibilidade das chefias superiores (Coordenadoria, Se-cretaria Municipal de Saúde) para reconhecer a situação de trabalho estressante a que os funcionários estão submetidos.

Médicos- Número excessivo de pacientes e falta de funcionários;- Sobrecarga de trabalho, desgaste físico e emocional;- Falta de programas de saúde comunitários;- Falta de orientação técnico-política baseada na realidade da de-manda e dos recursos disponíveis;- Falta de medicação;- Falta de integração de fluxo de referência/contra-referência;- Falta de material básico e específico;- Espaço físico limitado, inadequado e de aparência ruim;- Falta de comunicação e entrosamento entre os diversos setores.

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Educador e Serviço Social- Número excessivo de pacientes e falta de funcionários.

Auxiliares de serviços e vigias- Desencontro de orientações entre as chefias;- Falta de comunicação e entrosamento entre os diversos setores;- Salários ruins;- Problemas pessoais.As principais sugestões dadas pelos trabalhadores para a melhora

das condições de trabalho na UBS foram agrupadas por temas citados de forma espontânea, e se referem à:

Relação com as chefias- Promover mais reuniões para a tomada de decisões;- Promover aliança das chefias com os funcionários na busca de soluções.

Expectativas quanto à atitude dos níveis superiores (Coordenado-ria, Secretaria Municipal de Saúde)- Acolhimento dos funcionários da base pelos funcionários de níveis administrativos superiores;- Recuperar os programas de saúde;- Planejamento e articulação do fluxo de referência/contra-referência- Ampliar e melhorar o espaço físico;- Informatizar o serviço;- Fornecer material suficiente e medicamentos;- Diferenciar e valorizar os funcionários públicos;- Contratar mais funcionários;- Melhorar a remuneração;- Igualdade de direitos e respeito para com todos os funcionários em todos os níveis hierárquicos.

Acolhimento e relacionamento interno- Avaliação periódica das condições de trabalho e respostas às soli-citações feitas;

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- Melhorar o entrosamento entre os setores na UBS;- Orientar melhor o usuário sobre funcionamento e atividades da UBS;- Promover ações preventivas para a saúde dos funcionários;- Promover mais atividades de educação em saúde e pós-consulta.

Administração e gerência- Organizar os setores definindo melhor horários e prioridades;- Definir melhor as atribuições dos funcionários;- Promover treinamento para os funcionários;- Adequação da demanda aos recursos disponíveis;- Organizar melhor a porta de entrada dos pacientes;- Solicitar mais funcionários para os setores deficitários.

4. O que pensamos sobre nossos achadosOs dados mostravam que os funcionários da UBS Perus eram na

maioria pessoas do sexo feminino, há pouco tempo na unidade, tendo apenas tal vínculo empregatício. A maioria considerava bom o relaciona-mento entre as pessoas, mas precisava ser melhorado, principalmente por meio de dispositivos coletivos de comunicação, como as reuniões. Todos sugeriam direta ou indiretamente a melhoria da comunicação, do entro-samento e relacionamento entre as pessoas. Alguns falavam da necessi-dade de mais reuniões de equipe que permitissem maior participação dos trabalhadores no processo de trabalho. Como mostram outros estudos3,4,6

ainda é insipiente o trabalho interdisciplinar que transformaria os agrupa-mentos em verdadeiras equipes de alta performance. A realidade ainda é a fragmentação do processo de trabalho e a execução individual de tarefas interdependentes.

Todas as categorias profissionais apontaram a dificuldade de co-municação entre os setores na UBS e instâncias superiores do sistema de Saúde, acarretando a impressão de abandono, isolamento e de “nunca saber o que está acontecendo dentro e fora da unidade”. Queixavam-se de pouca participação na organização do seu trabalho e na gestão, sendo que na maioria das vezes suas ideias e sugestões não influíam na tomada de decisões.

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Apesar das circunstâncias desfavoráveis, sentiam-se motivados para o trabalho, possivelmente pelo caráter próprio da atividade na área da Saúde, que entendiam como fonte de realização pessoal.

Foi unânime a avaliação de que o espaço físico da unidade era mui-to ruim, assim como a falta de funcionários para uma demanda cada vez maior da clientela, e a falta de materiais e medicamentos. Era uma ex-pectativa comum a todos a melhoria daquele espaço físico insuficiente, inadequado e muito feio.

Particularmente, quanto aos trabalhadores nas funções administra-tivas, na época do estudo, o grupo compunha-se das pessoas da recepção e do trabalho interno. O pessoal do trabalho interno aparecia como integrado e seguro quanto às suas funções na unidade. Apresentava-se como aquele que, apesar das dificuldades estruturais da unidade, tinha boas condições de trabalho e de relacionamento entre si, destacando-se dos demais como o grupo dos “privilegiados”, por não passarem pelo desgaste físico e emo-cional dos que estavam sobrecarregados pelo contato com a população.

Já o pessoal da recepção formava um agrupamento muito proble-mático, trabalhando em um ambiente de muito estresse e difícil organi-zação frente a grande defasagem entre vagas disponíveis e procura de atendimento pela população. Observava-se grande dificuldade de, diante da pressão da população, respeitarem e cumprirem as regras determinadas. Com frequência arrumavam saídas e transgrediam normas, competiam en-tre si e tinham muita dificuldade em estabelecer uma comunicação efi-ciente entre as pessoas do próprio grupo. Na época desse estudo, estavam muito fragilizadas pelo fato de estarem em fim de contrato. Ainda assim, havia pessoas interessadas no trabalho e em encontrar soluções para os problemas apontados. Esse é também um dado que deve ser considerado, o contrato de trabalho entre os grupos interfere, tanto para o bom desem-penho, quanto para a perda de interesse pelo trabalho.

As duas enfermeiras, assim como as outras duas profissionais de nível superior analisadas conjuntamente, não constituíram grupos em si, sendo que seus dados precisam ser vistos como expressões subjetivas. En-tretanto, juntando as enfermeiras com os auxiliares de enfermagem, te-mos o grupo da enfermagem, que se destaca dos demais por ser o menos

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motivado, o grupo por assim dizer, mais desiludido com as condições de trabalho e profissionais.

Os médicos formavam um agrupamento que mantinha uma postura ativa frente aos problemas, mas cada qual trabalhando de forma indivi-dualizada, resolvendo situações particulares do seu cotidiano. A maioria sentia-se comprometida com o seu trabalho, mas muito descontente com os problemas estruturais que dificultavam a realização plena de suas ativi-dades, deixando sentimento de frustração frente ao que gostariam de fazer e o que de fato era possível ser feito. Foi o grupo que mais expressou o sentimento de não realização pessoal com o seu trabalho. Estavam dispos-tos a participar, opinar, propor ideias para solucionar os problemas (que localizavam na organização e gestão do sistema de Saúde da prefeitura), desde que realmente fossem ouvidos e soluções encaminhadas. Cobravam mais ações locais, mais definições técnico-políticas, como programas de saúde e organização do fluxo de referência-contra referência.

Ao contrário dos médicos, os auxiliares de serviços constituíam um agrupamento bastante fragilizado principalmente pela indefinição de pa-péis e funções dentro da unidade. Apresentavam-se desanimados frente às perspectivas de melhoria salarial e profissional. Compunha-se de algumas pessoas com boa vontade e outras acomodadas, preguiçosas e até mes-mo resistentes às mudanças, uma vez que satisfeitas com sua ociosida-de. Alguns se sentiam discriminados pela função considerada menor, ou pela falta de função que era observada como menos valia entre os demais profissionais da unidade. Ressentiam-se da falta de chefia direta, de en-quadramento funcional, de avaliações periódicas e outros dispositivos que lhes garantissem identidade e respeito junto aos demais.

Quanto aos vigias, funcionários que então eram terceirizados, ha-via os que se sentiam integrados à unidade e os que se percebiam como excluídos, a depender de sua personalidade e consequente atitude, uma vez que não havia qualquer preocupação ou plano de integração de tais funcionários com os demais.

A perspectiva de melhora das condições de trabalho e atendimen-to fazia com que a maioria dos funcionários se interessasse pelo Projeto Acolhimento. Entretanto, a imagem de que o acolhimento tem como foco

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principal os usuários – embutindo uma crítica à conduta moral do fun-cionário – suscitava defesas que diminuíram quando mudamos o enfoque para o cuidado e valorização do profissional, com o objetivo de, por meio deste, melhorar a qualidade da atenção ao usuário. Nas reuniões de grupo focal a participação de todos foi intensa, muito empenhados em fazer aná-lises críticas, dar sugestões, deixar depoimentos. A pesquisa por questio-nário anônimo contou com 81% de respostas, número bastante satisfatório para esse tipo de investigação.

Este estudo mostrou resultados condizentes com a literatura3,4,6 acu-mulada na área da Saúde Pública, que diz que a realidade dos problemas de atendimento na rede pública compreende fragilidades técnico-políticas, vícios estruturais e deficiências de diversas naturezas, que não podem ser tratadas de forma reducionista. Acreditamos que esses problemas, croni-ficados ao longo de muitos anos de história, não devem ser dissimulados pela leitura superficial e irresponsável, que lhes atribui um caráter pre-ponderantemente moral e supõe que sejam oriundos da falta de cons-cientização do servidor público quanto à sua missão. O que constatamos por experiência própria e pelos métodos investigativos são problemáticas bem mais complexas que necessitam de uma compreensão maior e inter-disciplinar para, em um contexto de justiça e observância dos princípios da Humanização que incluem usuários e funcionários, sem preconceitos, promover as transformações que todos queremos, particularmente as que se referem à Educação Permanente e seus desdobramentos (valorização do profissional da Saúde, construção de equipes eficientes e efetivas, gestão participativa, e Humanização da atenção à Saúde).

Conhecer o funcionário, avaliá-lo com propriedade, valorizar e pro-piciar o desenvolvimento de seu potencial criativo devem constar como princípios de uma gestão participativa, competente e exemplar na adoção das ideias da humanização, imprescindíveis para o resgate do respeito aos nossos trabalhadores, para a melhoria das condições de trabalho e, em decorrência, a revitalização da atitude solidária e compreensiva que se espera de quem trabalha na área da Saúde. Atitude que se almeja, mas não se impõe, senão sob o risco de, em nome da Humanização, mais uma vez praticar-se a violência.

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AgradecimentosÀ Maria Teresa de Almeida Marciano (Educadora) e Maria Cristina

Fernandes (Enfermeira) que participaram da coleta de dados.

Referências Bibliográficas

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EM BUSCA DA HUMANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE SAÚDE:

A QUESTÃO DO MÉTODO

CAPÍTULO xI

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EM BUSCA DA HUMANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE SAÚDE: A QUESTÃO DO MÉTODO

A Humanização na área da Saúde1 surgiu do legítimo anseio das pessoas, trabalhadores e usuários dos serviços, pela melhoria das práti-cas de Saúde. Inicialmente voltada às ações de ambiência, acolhimento, cidadania, e reconhecimento do campo da subjetividade no atendimento, foi ganhando consistência prática e conceitual, passando da situação de ações humanizadoras, para a de programa, chegando à condição de po-lítica pública do SUS. Nesse percurso, à medida que se aprofundava a compreensão dos fatores envolvidos na paradoxal realidade na qual os serviços de Saúde, cuja missão é curar e aliviar, se transformaram (eles próprios) em lugares de sofrimento, constatava-se claramente que eram principalmente os aspectos organizacionais que sustentavam esse estado de coisas. Cultura institucional, organização dos processos de trabalho e gestão despontaram como os principais entraves ao desenvolvimento da humanização das práticas de Saúde.

Portanto, sem considerar a importância dos trabalhadores da Saúde no aprendizado de um modo de fazer suas tarefas em que seja ele mesmo o exercício da Humanização, e sem trabalhar a vida institucional em to-dos seus matizes, particularmente no que se refere à gestão das pessoas e processos de trabalho, é praticamente impossível tornar tais práticas mais éticas, justas e solidárias, como reza a cartilha da Humanização.

Como característico nos movimentos que começam do esforço co-letivo para a mudança da realidade, a Humanização trouxe dos seus pri-meiros ensaios metodológicos no PNHAH (Programa Nacional de Huma-nização da Assistência Hospitalar) o formato organizacional do Comitê de Humanização, que propunha a aglutinação de pessoas de diversas áreas da instituição, inclusive usuários e voluntários, buscando mais a represen-tatividade que a competência técnica para o tema. Depois chamado pela SES-SP de Núcleo de Humanização e na PNH (Política Nacional de Hu-manização), Grupo de Trabalho de Humanização (GTH), manteve-se esse formato. Ou seja, embora a PNH tenha mudado o patamar da Humaniza-ção quando esta deixou de ser um programa hospitalar e passou a ser uma política pública do SUS, do ponto de vista metodológico, a PNH, ainda que propusesse outras perspectivas e ferramentas de trabalho, como por exemplo, a matriz de indicadores de monitoramento da Humanização, da

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EM BUSCA DA HUMANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE SAÚDE: A QUESTÃO DO MÉTODO

qual falaremos adiante, não propunha mudanças significativas no modelo do Comitê de Humanização (apenas re-batizado de GTH).

Decorrem desse fato vários exemplos que revelaram a insuficiência metodológica do formato de Comitê para o desempenho das funções ne-cessárias às novas perspectivas para a Humanização e a busca de outros formatos mais adequados às exigências técnicas que hoje são imprescin-díveis para a Humanização. Para ilustrar esse fato, apresentamos um caso que acompanhamos durante aproximadamente quatro anos, no qual fica evidente que discursos e ações focais são necessários, mas não suficientes para desenvolver a humanização dos serviços e que o método do Comitê precisa ser revisto.

O Método: Comitê de HumanizaçãoHistória de Caso institucionalO serviço estudado constitui-se como caso por ser uma instituição

pública de saúde ligada à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, que presta atendimento ambulatorial, hospitalar e de pronto atendimento para a população, organizada nos moldes tradicionais dos serviços de saúde pú-blicos do SUS. Compunha-se de aproximadamente 800 funcionários, dos quais 60% em atividades operacionais e 30% nos chamados cargos “téc-nicos” – que no serviço público são os cargos ocupados por profissionais de nível superior. A maioria dos funcionários era do sexo feminino (70%), com idade entre 30 e 49 anos (67%), casados (54%), raça branca (57%), e com nível superior de escolaridade (52%). Outro aspecto importante, que também coloca este serviço na condição de caso modelar (por semelhança a outros serviços públicos de saúde), era a presença de grande número de gestores sem formação na área de gestão. Em 2006, uma pesquisa opera-cional apontou que, do total de 73 gestores desse serviço, ocupando cargos em diversos níveis hierárquicos (diretor técnico de serviço, diretor técnico de divisão de saúde, diretor técnico de departamento de saúde, assistentes de saúde I, II e III, supervisores de enfermagem) a metade não tinha qual-quer curso de gestão. A grande maioria tinha nível superior (86 %), mas pouquíssimos tinham pós-graduação (0,2 %). Muitos tinham experiência de gestão por período maior que dois anos (74%). Os principais problemas

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(por eles apontados) para os quais gostariam de aprimoramento se refe-riam à gestão de pessoas (78 %).

Como na maioria dos hospitais públicos, várias ações humanizado-ras faziam parte da rotina da instituição, tanto na atenção aos usuários, quanto aos funcionários, especialmente à saúde do trabalhador. Na época que a SES-SP convidou seus hospitais para o curso de Humanização na área da Saúde, esse serviço criou um Comitê de Humanização que, nos anos seguintes, trabalhou ativamente, cumprindo um árduo plano de tra-balho que resultou na disseminação das ideias da Humanização em todos os setores, entre trabalhadores e usuários, de maneira tal que a palavra humanização (e seus muitos sentidos) foi incorporada no vocabulário co-mum a todos. Incorporada nos discursos, mas não necessariamente nas práticas, especialmente as de gestão, nas quais os avanços reais foram bem modestos...

Durante quatro anos, um empolgado Comitê de Humanização rea-lizou palestras com funcionários, usuários e gestores, articulou-se com a ouvidoria, fez a divulgação das ações humanizadoras do serviço, promo-veu seminários, realizou pesquisa de satisfação do usuário com o atendi-mento, fez levantamento de clima institucional e planejamento de um cur-so de capacitação de gestores, somando muitos feitos em diversas áreas, iluminando muitas pessoas com os seus ideais.

Embora bem intencionado e contabilizando realizações, o Comitê não conseguiu sustentar-se conforme o desejado quando da sua criação. Ao final desse tempo, apesar das realizações, observamos que o formato de Comitê, ainda que legitimado pelos movimentos sociais dos quais surgiu, não se apresentou como método eficaz de trabalho para avançar no senti-do da PNH, conforme discutiremos a seguir.

Criado nos moldes dos grupos preconizados pelo PNHAH (Progra-ma Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar), o Comitê tinha representatividade e condições técnicas e operacionais para as atividades de disseminação das ideias da Humanização, mas não para orientar mu-danças de maior calibre, conduzir intervenções e monitorar a gestão e os processos de trabalho, como passou a se propor quando da mudança do PNHAH para a PNH. A prática revelou que a mudança de perspectiva da

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humanização do PNHAH para a PNH exige mudanças de método para sua implantação.

O Comitê, na maioria das vezes, é formado por pessoas que se ocupam em diversas atividades, não contando com tempo necessário para o volume de trabalho necessário para as atividades propostas na PNH, que ultrapas-sam aquelas pertinentes às funções do Comitê no PNHAH, e que em uma leitura mais técnica dizem respeito à área de Desenvolvimento Profissional e Institucional. Tais pessoas não têm, necessariamente, formação para as espe-cificidades dessa área. Ou seja, se a instituição tem uma área de Desenvolvi-mento, o Comitê pode e deve trabalhar com ela, monitorando os indicadores de Humanização da PNH, mas se é o próprio Comitê que vai estimular tais ações, a experiência revela sua incapacidade para tanto.

A cada ano, a maioria dos participantes abandonava o trabalho (porque tinham outras atividades mais de acordo com suas características técnicas). Pudemos constatar tal fato na prática, observando que os únicos membros do Comitê que permaneceram durante os quatro anos de estudo foram os profissionais de Recursos Humanos, cuja afinidade de campo de trabalho fazia sentido à sua permanência no Comitê. Essa rotatividade comprometia seriamente a realização de projetos a médio e longo prazo uma vez que, frequentemente, as pessoas que saíam eram substituídas por outras que pouco ou nada sabiam sobre Humanização, e tinham dificulda-de em aceitar dar andamento a projetos cuja autoria não compartilhavam (vaidade, competitividade e individualismo fazem parte do humano, inclu-sive em um comitê dessa natureza...).

Percebemos que, com a passagem do PNHAH à PNH, o Comitê per-deu a clareza sobre suas funções. As pessoas no Comitê tinham dificuldade em aceitar suas limitações para trabalhar dentro da proposta da PNH e, uma vez que esta se investia de grande valor, consideravam de menos valia as funções que caberiam ao Comitê no modelo do PNHAH. O re-sultado foi uma crise de identidade. Afinal, para que serve um Comitê de Humanização, se não lhe interessa fazer o que teria condições técnicas e operacionais, e o que deseja fazer é algo que transcende sua competência técnico-política? Na prática, o Comitê se desvitalizava, e pouco ou quase nada conseguia realizar de fato.

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Por outro lado, mesmo quando conseguia realizar a contento suas tarefas, estas se esgotavam em si mesmas, porque as respostas que deve-riam desencadear dependiam dos gestores, estes pouco interessados nas mudanças propostas. O Comitê na instituição é, no máximo, uma instância consultiva, e não sendo um grupo técnico capaz de trabalhar junto à ges-tão na organização do trabalho, pode fazer alguns diagnósticos e propor algumas ações, não mais que isso. Como exemplo, podemos citar o fato de que, embora o Comitê (do caso em estudo) tenha realizado um bom levan-tamento de clima institucional, cujos resultados foram apresentados para todos os gestores, dele não resultou nenhuma ação, simplesmente porque nenhum gestor se interessou em trabalhar sobre os problemas apontados. E o curso de capacitação de gestores, ainda que necessário e plenamente justi-ficado pela falta de capacitação (assumida por metade dos gestores), acabou esquecido no fundo de uma gaveta... Ao longo do tempo, observamos que a esperança de transformação da realidade pela Humanização foi perdendo fôlego. O Comitê reduziu-se a um grupo que apontava problemas institu-cionais, mas, sem participação efetiva nas instâncias de poder, tornou-se apenas mais uma voz abafada no coro dos queixosos e insatisfeitos.

Mais do que contar com o empenho de pessoas afinadas com as ideias da Humanização, se não houver uma mudança no molde do próprio grupo de pessoas que trabalham para a humanização dos serviços e sua inserção no âmbito da gestão, não há política de Humanização que se sustente.

A Educação Permanente como metodologia para a HumanizaçãoTalvez consciente dos fatos apontados até aqui, mas partindo de

outro ponto de observação crítica da realidade na área da Saúde – na vertente da formação profissional para as necessidades do SUS e os mo-delos de atenção coerentes com seus princípios –, em 2006, o Ministério da Saúde apresentou à discussão a Política de Educação Permanente3 (EP). Tratava-se de outra política pública do SUS que veio ao encontro da PNH, trazendo princípios e diretrizes de gestão que incluem, necessariamente, a participação dos trabalhadores e comunidade, e propõe uma metodologia capaz de promover as mudanças no modo de fazer gestão nos serviços de Saúde, permitindo a implementação da Humanização como política.

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A remodelagem dos Comitês para um novo formato, condizente com um GTH (Grupo de Trabalho de Humanização), ou seja, um grupo de tra-balho técnico-político com competência para a PNH e a EP, pode ser a estratégia para sair da crise de identidade e paralisia que discutimos no item anterior. Vejamos por quê.

Depois do PNHAH, vários hospitais decidiram adotar outro modelo de grupo para a Humanização. Esses novos GTHs são grupos pequenos, de pessoas com tempo de trabalho destinado a essa atividade, vindas das áreas de gestão, planejamento, qualidade, ouvidoria, recursos humanos e desenvolvimento, coordenados por alguém influente e expressivo junto à diretoria do Hospital. São profissionais de nível superior da Saúde, tecni-camente competentes para as áreas citadas e para a articulação da PNH com a macro-política institucional. Tais grupos são menos rotativos e têm mais credibilidade e influência nas decisões dos gestores. Alguns deles começam a trabalhar com a EP enquanto metodologia para o Desenvolvi-mento Institucional, outros ainda não se apropriaram dela, mas também trabalham na perspectiva do Desenvolvimento.

Um dos eixos de sustentação da cultura da Humanização e da qua-lidade nos serviços de Saúde presente na PNH2 se refere ao Desenvol-vimento Profissional dos trabalhadores, na vertente da valorização dos trabalhadores e da Educação Permanente. Por referência a essas políticas públicas do SUS (PNH e EP) e suas consequentes transformações culturais, entende-se como pertinente ao Desenvolvimento Profissional o conjunto de princípios, diretrizes gerais, métodos e processos que, no plano da vida de cada um, promove conhecimentos, habilidades, atitudes e potenciais criativos, e no plano da vida institucional, a participação de todos nos processos de gestão do trabalho.

Inscrita na PNH, mas ainda distante da maioria dos serviços e dos próprios Comitês, a Política de Educação Permanente veio a público pelo Ministério da Saúde quando a PNH já fazia sua história. Se hoje, pratica-mente todos os serviços públicos de Saúde conhecem a PNH, pode-se dizer o contrário sobre a EP. Pior. Além de não ser conhecida como uma política pública do SUS é confundida com Educação Continuada...

Constante reivindicação dos profissionais da Saúde, a demanda por

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capacitação é sempre crescente e as respostas, insuficientes. Da análise crítica4 dos muitos cursos, treinamentos e capacitações realizados na rede SUS, constatou-se, primeiro, a inadequação da formação profissional às necessidades do SUS (que requer a reestruturação dos cursos de nível mé-dio e superior), a má distribuição das unidades formadoras, a profusão de atividades de capacitação pontuais, desarticuladas e fragmentadas, a falta de professores capacitados em metodologias ativas de ensino-aprendiza-gem e sistema de avaliação do ensino que não inclui compromissos insti-tucionais com o SUS, sustentando-se na titulação de professores.

Em resposta3, o Conselho Nacional de Saúde, por meio da Resolução nº 335, de 27 de novembro de 2003, e o Ministério da Saúde pela Portaria MS nº 198/GM/MS de 13 de fevereiro de 2004, criaram a Política de Edu-cação Permanente, com o objetivo de construir uma política nacional de formação e desenvolvimento para o conjunto dos profissionais de Saúde (educação técnica, educação superior, especialização) e produção de co-nhecimentos para a mudança das práticas de Saúde, bem como a educação popular para a gestão das políticas públicas de Saúde.

Embora a princípio, pareça tratar-se de algo localizado no campo da educação em Saúde, a EP articula a formação profissional com a orga-nização do processo de trabalho, a gestão e a participação popular. Desta forma, propõe mudanças estruturais nos serviços de Saúde, a exemplo da PNH, com a qual compartilha muitas semelhanças. Ambas políticas querem o protagonismo dos sujeitos envolvidos nas práticas de Saúde, a participação nas decisões e na organização do trabalho, a transparência, o diálogo, a autonomia e a co-responsabilidade. A EP também espera en-volver as unidades formadoras com os princípios do SUS e a construção de conhecimento útil e relevante à realidade de saúde da população e ne-cessidades dos serviços.

São seus princípios4 (Tópico Política de Educação Permanente):– “a articulação entre educação e trabalho no SUS; – a produção de processos e práticas de desenvolvimento nos locais de serviço;– a mudança nas práticas de formação e de saúde, tendo em vista a integralidade e humanização;

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– a articulação entre ensino, gestão, atenção e participação popular e controle social em Saúde;– a produção de conhecimento para o desenvolvimento da capacida-de pedagógica dos serviços e do sistema de Saúde.”Além de propor o ensino que responde a necessidades sociais con-

cretas, a EP estimula a realização de todo processo, desde o diagnóstico de situação, necessidades de todas as ordens, inclusive as educacionais, e a realização das capacitações nos locais de serviço. Parte do pressuposto de que o trabalho5 na área da Saúde não pode ser um simples “executar tare-fas”, mas sim um constante pensar (sobre seu processo) e criar (estratégias que recuperem significados de vida tanto para os usuários quanto para os profissionais).

Elege como metodologia a Problematização6, definida como um método ativo que compreende cinco etapas, que se desenvolvem a partir da realidade ou de um recorte da realidade:

1. Observação da Realidade;2. Pontos-Chave;3. Teorização;4. Hipóteses de Solução;5. Aplicação à Realidade.A prática da roda de conversa cria o espaço no qual os problemas de

trabalho são discutidos pela equipe, coletando diferentes relatos e informa-ções que permitirão a compreensão mais profunda das situações em questão. No pensar coletivo, definem-se os nós críticos ou pontos-chave, busca-se conhecimento e compreensão relativos aos mesmos, levantam-se hipóteses de solução e desenham-se planos de ação que, aplicados à realidade produ-zirão resultados. Estes últimos serão avaliados posteriormente, retornando ao ponto inicial do processo, ou seja, a observação da realidade.

A solução do problema pode envolver mudanças no processo de trabalho, ou a capacitação para algo. Na roda se definem as necessidades e suas respostas. Na roda se faz gestão participativa e Humanização.

No caso estudado e aqui apresentado, observamos que algumas equi-pes trabalhavam com a metodologia da EP, enquanto que a maioria nem sequer realizava reuniões regulares. Mesmo quando havia tais reuniões, se

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constituíam em espaços de cobrança e distribuição de tarefas, nas quais o gestor detinha da primeira à última palavra (ainda que de maneira cordial e até mesmo simpática). Percebemos que a EP se encontrava na condição observada para a Humanização em seus esboços primevos: manifestações isoladas, fragmentadas e circunscritas a espaços limitados nos quais os gestores locais são afinados às suas propostas e métodos.

De mãos dadas...Ainda estamos longe do que esperamos da humanização das práti-

cas de Saúde, mas seria falacioso negar as muitas conquistas obtidas ao longo desse caminho.

Temos de reconhecer que, apesar do grande avanço que o SUS re-presenta para a Saúde no Brasil, observa-se que a cronificação do modo de operar o sistema público, a burocratização e os fenômenos que caracteri-zam situações de violência institucional estão presentes e requerem ações urgentes para modificar essa condição. Nesse cenário, as consequências sobre as pessoas envolvidas no trabalho são graves e acarretam a dimi-nuição do compromisso e responsabilização na produção da saúde, e o desrespeito aos profissionais da Saúde e usuários dos nossos serviços.

Quando, no ano 2000, o Ministério da Saúde lançou o PNHAH (Pro-grama Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar), sob respon-sabilidade da SES-SP, coordenamos a implantação de Núcleos de Huma-nização em 36 hospitais próprios com o objetivo de plantar as ideia da humanização, fazer diagnósticos situacionais e promover ações humani-zadoras, de acordo com realidades locais. Em 2003, o Ministério passou o PNHAH por uma revisão e lançou a PNH, Política Nacional de Humaniza-ção). Mais abrangente e madura em relação aos problemas que impedem o despertar da humanização nos serviços de saúde, a PNH representa um verdadeiro marco histórico6. No mesmo sentido, a Política de Educação Permanente une forças com a PNH (suprindo certa carência metodológi-ca desta no que se refere ao modelo de grupo para sua implantação) ao mesmo tempo em que, aliada aos princípios da Humanização, ganha força ética, de forma que juntas, EP e PNH talvez tenham maior poder transfor-mador das práticas.

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Sob diversas leituras é possível perceber que, nos tempos atuais, é imprescindível para o aprimoramento organizacional estimular nas pesso-as um comportamento de constante aprendizado, capaz de acompanhar as mudanças sócio-culturais que caracterizam a sociedade contemporânea. Na concepção filosófica7 de Pierre Levy, trata-se da construção de redes de informação que permitem o aproveitamento da inteligência coletiva na construção de saberes, que se atualizam constantemente em resposta a essas demandas. Na perspectiva de autores ligados à gestão empresarial8, particularmente das empresas privadas, a importância do desenvolvimento profissional surge no momento em que o cenário organizacional passa a demandar rápidas transformações e mudanças para se adequar ao ritmo do mundo, reformulando missão, estrutura e identidade. Para estes, a orga-nização atual deve ter como princípio incentivar em todos seus membros, e nela própria, o aprender a aprender constante. No contexto público da área da Saúde, essa necessidade também se evidencia e pede resposta, com a particularidade de que, nesse campo, é essencial a inclusão de um outro “vetor” 5 (ausente, ou pelo menos, não diretamente presente na organiza-ção privada), que diz respeito ao diálogo entre gestão, processos de traba-lho e políticas públicas. Desse diálogo, no plano macroinstitucional, nasce a proposta do Departamento de Gestão da Educação na Saúde/SGTES/MS4, que é construir uma política nacional de formação e desenvolvimento para o conjunto dos profissionais de Saúde para a mudança das práticas de Saúde.

No universo de cada unidade ligada ao SUS, há que se fazer uma tradução dessa política para a realidade local, tendo em vista as parti-cularidades de cada idioma nativo, desafio que, para Merhy, seria algo como uma implicação pedagógica9: “não é possível sustentarmos mais as quase exclusivas visões gerenciais que se posicionam sistematicamente pela noção de que a baixa eficácia das ações de saúde é devida à falta de competência dos trabalhadores e que pode ser corrigida à medida que suprimos, por cursos compensatórios, aquilo que lhes falta. Diante desta visão do problema, estes gestores passam a propor cursinhos à exaustão, que consomem recursos imensos e que não vêm gerando efeitos positivos e mudancistas nas práticas destes profissionais. Óbvio que, aqui, não estou

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jogando a criança com a água do banho; há treinamentos que são neces-sários para a aquisição de certas técnicas de trabalho, mas isso é pontual e pode ser suprido sem muita dificuldade. O que aponto é a necessidade de olharmos de outros modos explicativos para esta relação em dobra: educa-ção em saúde e trabalho em saúde, na qual é impossível haver separação de termos. Um produz o outro.” (p.172)

Em seus estudos5, Benevides aponta que a principal causa do mal-estar, angústia e desmotivação corriqueiros no sentir o trabalho pelos pro-fissionais de Saúde se deve à falta de participação nos processos de gestão de suas próprias tarefas. Na pesquisa de satisfação com o trabalho realiza-da em nosso caso modelo, um dos aspectos mais preocupantes apontados como desfavoráveis por mais de 50% dos funcionários foi justamente a baixa participação nas decisões sobre seu trabalho...

Quer queira, quer não, hoje, a Humanização é uma das priorida-des na área da Saúde e se apresenta como uma diretriz que deve nortear qualquer atividade que envolva usuários ou profissionais da Saúde, em qualquer instância. Partimos dos Comitês, Núcleos ou Grupos de Trabalho de Humanização nos serviços, mas acreditamos que a possibilidade de promover atendimentos verdadeiramente humanizados e de valorizar o trabalho profissional na área, requer, necessariamente, a implantação da Educação Permanente, garantindo o protagonismo dos profissionais da Saúde dentro dos princípios da Humanização.

Sabemos que são muito diversas as realidades dos serviços em re-lação a esse tema, mas de alguma forma (surpreendente), mesmo em con-dições bastante adversas, as sementes desses ideais (transformados em políticas) germinam, crescem e frutificam. Mais uma vez, a experiência prática certifica que a Humanização, tão bem escrita nos textos, na verda-de continua nas mãos das pessoas.

E como diria o poeta Carlos Drummond de Andrade, vamos de mãos dadas10...

“não serei o poeta de um mundo caduco.Também não cantarei o mundo futuro.Estou preso à vida e olho meus companheiros.

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Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.Entre eles, considere a enorme realidade.O presente é tão grande, não nos afastemos.não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.” (p.56)

Referências Bibliográficas

1. DESLANDES, S. F. Humanização, revisitando o conceito a partir das contribuições da sociologia médica, em Humanização dos Cuidados em Saúde, Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2006.

2. Brasil. Ministério da Saúde. HumanizaSUS: Política Nacional de Huma-nização do Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2004.

3. Brasil. Ministério da Saúde. A educação permanente entra na roda: pó-los de educação permanente em saúde, Brasília, DF, 2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/educacao_permanente_en-tra_na_roda.pdf>. Acesso em: 24/06/2008.

4. Brasil, Ministério da Saúde. SUS de A a Z, Brasília, DF, 2004. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz . Acesso em 25/11/2008.

5. BENEVIDES, R., Barros, M.E.B. Da dor ao prazer no trabalho. Disponível em http://www.unifesp.br/reitoria/pqv/textobethbarrosdadoraoPrazer.PDF acesso 03/11/2008.

6. BERBEL, N. “Problematization” and Problem-Based Learning: different words or different ways? Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v.2, n.2, 1998.

7. LEVY, P .Cybercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. 264 pp.

8. GOLDSMITH, M. & cols, Coaching - O Exercício da Liderança – Ed Campus, Rio de Janeiro, 2003.

9. MERHY, E. E. O desafio que a educação permanente tem em si: a pe-dagogia da implicação – Interface, Rev. Comunic, Saúde, Educ, v.9, n.16, p.161-77, set.2004/fev.2005.

10. ANDRADE, C. D. Sentimento do Mundo. São Paulo, Editora Record, 2001, 117p.

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HUMANIZAÇÃO

PRÁTICA E REFLEXÃO

CAMINHOS DA

NA SAÚDE

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NA

SAÚD

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PRÁTICA E REFLEXÃO

IZABEL CRISTINA RIOS

A Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) também mantém um outro projeto, em parceria com as Secretarias de Estado da Saúde e dos Direitos da Pessoa com Defi ciência, voltado à humanização da saúde: a Rede de Reabilitação Lucy Montoro.

• Conta com uma Unidade Móvel de Reabilitação e unidades fi xas de hospitais e centros de reabilitação, na capital e em diversas cidades do Estado de São Paulo. • Viagens da Unidade Móvel pelo estado para fornecimento de órteses, próteses e meios de locomoção a pessoas com defi ciência, onde não haja unidade fi xa. • Investimento de R$ 52 milhões na construção e ampliação das primeiras unidades fi xas e funcionamento até 2010. • Capacidade de 100 mil atendimentos mensais.

Caminhos da Humanização na Saúde é um livro composto por artigos e relatos que apre-sentam ao leitor a experiência da autora com o trabalho da Humanização em vários contex-tos do campo público da Saúde no Estado de São Paulo.

Alguns textos revelam seu mergulho teórico em territórios do conhecimento que permi-tem compreender e interpretar cenários, fatos e práticas, que re-signifi cados ganham vigor para outros desdobramentos.

Outros textos relatam experiências, às vezes no modo do “como fazer”, sem a pretensão de dar receitas prontas (que não existem), mas com a vontade de contar uma história de trabalho que pode servir de base para outros projetos.

A heterogeneidade dos textos testemunha al-gumas entre as muitas possibilidades para o pensar e o agir nessa temática. Mas em todos os casos, apresentam-se concepções e meto-dologias que se contrapõem a certa banali-zação do tema (que desqualifi ca o potencial transformador da Humanização sobre as prá-ticas e mentalidades na área da Saúde).

Os caminhos são muitos...

E este livro tem a intenção de estimular em todos que encontraram na área da Saúde o lugar para a expressão do seu encantamen-to pela vida humana, o desejo de criar outras formas mais efi cientes e signifi cativas de cui-dar das pessoas, mais gratifi cantes e fortale-cedoras para os seus profi ssionais.

Izabel Cristina Rios é médica, formada pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo), Psiquiatra e Psicanalista, com experiência nas áreas Clínica, Educação em Saúde e Desenvolvimento Humano e Ins-titucional. Atua principalmente nos seguintes temas: Humanização, Humanidades Médi-cas, Saúde Mental, e Educação Médica. No CEDEM-FMUSP (Centro de Desenvolvimento da Educação Médica FMUSP) é pesquisadora, coordena o Grupo das Disciplinas de Humani-dades Médicas e integra o Comitê HUMANIZA HC-FMUSP. No CRT DST aids (Centro de Refe-rência e Treinamento em Doenças Sexualmen-te Transmissíveis e aids) foi coordenadora do Comitê de Humanização e diretora do Núcleo de Desenvolvimento Institucional e Educação. Foi coordenadora da Área de Humanização da Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Se-cretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, coordenou grupos de Educação Permanente e Saúde Mental no Programa Saúde da Família. Planejou e implementou o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Casa Viva.

Comitê Humaniza HC FMUSP: valorização da vida e da cidadania

Objetivos:• Ferramenta de gestão para melhorar a qualidade e a efi cácia da atenção dispensada aos usuários do HC FMUSP;

• Conceber e implantar novas iniciativas de humanização que venham benefi ciar os usuários e os profi ssionais de saúde;

• Desenvolver um conjunto de indicadores de resultados e sistema de incentivo ao tratamento humanizado;

• Modernizar as relações de trabalho, tornando as Unidades mais harmônicas, com profi ssionais preparados para a humanização no cuidado.

Equipe Coordenadora do Humaniza HC:Profa. Dra. Linamara Rizzo Battistella, Dra. Valéria Pereira de Souza, Dr. Fábio Pacheco Muniz de Souza e Castro, Dra. Polyanna Costa Lucinda e Dra Izabel Cristina Rios constituem o GRUPO DE TRABALHO COMITÊ DE HU-MANIZAÇÃO da Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – Comitê HUMANIZA HC.Informações: http://www.hcnet.usp.br/humaniza/

CAMINHOS DA

NA SAÚDE