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outubro 2006 vol. 3 nº 3 Caminhos da transição agroecológica

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outubro2006vol. 3

nº 3

Caminhosda transiçãoagroecológica

2 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

v. 3, nº 3(corresponde ao v. 22, nº 2 da Revista LEISA)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa –, em parceria com a Funda-ção Ileia – Centre of Information on Low External Input

and Sustainable Agriculture.

AS-PTARua Candelária, n.º 9, 6º andar.

Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21)2233-8363

E-mail:[email protected] • http://agriculturas.leisa.info

Fundação IleiaP.O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10www.ileia.org

Conselho EditorialEugênio Ferrari

Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAss. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica

e Extensão Rural - Emater, RS

Marcelino LimaDiaconia, PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional-Fase/RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico, RS

Miguel Ângelo da SilveiraEmbrapa Meio Ambiente

Paulo PetersenAS-PTA

Romier SousaGrupo de Assessoria em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editor convidado para este número José Antônio CostabeberProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Adriana Galvão Freire, José Antônio Costabeber,Nádia Maria Miceli de Oliveira, Paulo Petersen

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque e tradução Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzFoto da capa Chico Caxias e Santina – Mestres na

convivência com o Semi-Árido, Remígio, Paraíba.Fotógrafo Francisco Nogueira

Projeto gráfico e diagramação I GraficciImpressão Holográfica

Tiragem 2.500

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

ISSN: 1807-491X

edito

rial

enfrentamento da crise socioambiental que se apro-funda na sociedade brasileira e, em particular, em nos-so mundo rural, requer uma mudança radical nas for-

mas de compreendê-la. O aparato tecnológico da Revolução Verde(aliado hoje à mitologia da revolução genética) e o pensamentoreducionista que lhe dá sustentação no plano econômico lançaramfortes âncoras no imaginário coletivo e acabaram por tutelar aspercepções sobre os conceitos de modernidade, eficiência e rique-za. Com isso, produziram um substrato ideológico apologético,comprometendo a visibilidade e a valorização de outros caminhosviáveis para o desenvolvimento, que estão sendo trilhados e que jáintegram nossa experiência histórica.

Vivemos em um país de paradoxos. Nossa massa é feitade pobreza, carências e fortes desigualdades, mas também de enor-mes abundâncias. Pelas condições territoriais, ambientais, sociais,culturais e científicas de que o Brasil dispõe, não precisamos aguar-dar por soluções vindas de fora para enfrentar os bloqueios estrutu-rais ao nosso desenvolvimento. Temos margens de manobra paraagir autonomamente e sair da passividade imposta pelo pensamen-to neoliberal. Como poucos países, temos a oportunidade de pro-mover o desejado encontro entre gente sem-terra e terra sem-gente. Dispomos de rica e diversificada base cultural na populaçãorural, que é portadora de fontes inesgotáveis de sabedorias passí-veis de serem valorizadas e desenvolvidas em interação sinérgicacom o saber científico, também disponível em nossas instituiçõesde pesquisa e universidades. Possuímos ricos ecossistemas que com-portam uma megabiodiversidade ainda por ser conhecida e social-mente utilizada mediante processos sustentáveis de manejo. Emsuma: se nossos problemas são de grandes dimensões, nosso poten-cial para enfrentá-los e superá-los é igualmente enorme.

Tirar partido de nossos próprios recursos e oportuni-dades é a melhor estratégia para impulsionar um padrão de desen-volvimento que seja capaz de produzir e distribuir riquezas, aomesmo tempo em que conserva a natureza e enriquece a culturapopular. É exatamente isso o que milhares de famílias agricultorasvêm fazendo país afora. Ao ingressarem em trajetórias de transiçãoagroecológica, elas têm procurado tomar as rédeas de seu destino.Fundamentam a inovação de seus sistemas produtivos no uso in-tensivo dos recursos renováveis localmente disponíveis, sejam elesos da natureza ou os das capacidades humanas. Constroem, assim,crescentes níveis de autodeterminação, livrando-se do receituárioda agricultura “moderna” que lhes impõe relações de dependênciatécnica, econômica e cultural.

Nesse sentido, antes de se configurar como uma alte-ração nos procedimentos técnicos da produção, a transiçãoagroecológica opera no plano das mentalidades. Orienta-se para aprodução de riquezas e o atendimento das necessidades humanas,através da mobilização e da gestão autônoma e inteligente dospotenciais ambientais, socioculturais e econômicos do meio.

Aprender e se inspirar com essas experiências inovado-ras, ainda isoladas entre si e também pouco visíveis para o conjuntoda sociedade, é um desafio para que a Agroecologia aflore e sedissemine como estratégia técnico-científica voltada para a pro-moção de um desenvolvimento auto-centrado e reprodutível, su-perando a lógica hegemônica que comanda o crescimento econô-mico pela via da subordinação da agricultura aos mercados, pró-pria ao agronegócio.

Os artigos publicados nesta edição de Agriculturasdeixam evidentes as características “de fundo” dos processos detransição agroecológica, chamando a atenção para um conjuntode condições necessárias para que as inovações técnicas e orga-nizativas implementadas sejam efetivas promotoras de mudançasestruturais em benefício das famílias agricultoras, em particular, eda sociedade, no geral.

O editor

O

Agroecologia:estratégia para a sustentabilidade

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 3

Índi

ce

Próximos números pág. 35

Publicações pág. 33

pág. 6

Artigos

Editor convidado José Antônio Costabeber pág. 4

A transição agroecológica na agricultura cubana pág. 6Julia Wright

Motivações para a transição agroecológica pág. 12no litoral norte do Rio Grande do SulAndré Luiz Rodrigues Gonçalves e Antônio Borges Model

Transição agroecológica na região pág. 15metropolitana de CuritibaPaulo Henrique Mayer

Aprimorando o manejo tradicional de açaizais nativos pág. 20Franquismar Marciel, Natalie Colmet, Sandra Regina,Ruivan Xavier, Arlene Lacerda, Gracivalda Machado e Romier Sousa

Restauração de paisagens e desenvolvimento pág. 24socioambiental em assentamentos rurais doPontal de ParanapanemaLaury Cullen Jr., Haroldo G. Borges, Jefferson Ferreira Lima,Nivaldo Campos, Tiago Pavan Beltrame, Antonio Vicente Moscogliatoe Elisângela Ronconi

Transição da agricultura no semi-árido africano pág. 29Michael Mortimore

pág. 12

pág. 15

pág. 20

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pág. 29

4 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

edito

r co

nvid

ado

longevidade da agricultura não poderá ser assegurada por um período histó-rico superior ao de algumas poucas gerações humanas se forem mantidos osmesmos níveis de consumo de recursos naturais não-renováveis (fertilizantes

derivados do petróleo), o uso crescente de agrotóxicos que contaminam o meio ambiente por perío-dos de tempo incertos ou não claramente conhecidos, a redução brutal da biodiversidade natural e aexclusão social de um enorme contingente de famílias de agricultores. A agricultura moderna ouconvencional é insustentável como demonstram estudos, pesquisas científicas e observações realiza-das com seriedade e independência em várias partes do mundo. Gradualmente o padrão convencionalde produção agropecuária degrada as bases de recursos naturais que até agora lhe deram sustentação.O mesmo se pode dizer do processo convencional de desenvolvimento rural – que extrapola a noçãomesma de agricultura ao agregar atividades não–agrícolas –, uma vez que também nesse âmbito asustentabilidade econômica, social e ecológica encontra-se ameaçada.

Buscar outros rumos para a agricultura e o desenvolvimento rural se torna, portanto, umimperativo socioambiental da maior relevância no começo deste novo milênio. A transiçãoagroecológica, referência-chave das motivações e objetivos de muitos técnicos, estudiosos e militan-tes, pode ser definida como um processo gradual, contínuo e multilinear de mudança nas formas demanejo dos agroecossistemas. Como propósito mais geral, está a passagem dos atuais padrões dedesenvolvimento rural ou de sistemas de produção de baixa sustentabilidade para modelos de agricul-tura e de manejo rural que privilegiem e incorporem princípios, métodos e tecnologias de base ecoló-gica. Isso implica não somente a busca de maior racionalização produtiva com base nas especificidadesbiofísicas de cada agroecossistema, mas também uma mudança nas atitudes e valores dos atoressociais em relação ao manejo e conservação dos recursos. A Agroecologia, como campo de estudos decaráter multidisciplinar, integra e articula conhecimentos de diferentes ciências, assim como saberespopulares, permitindo justamente que se construam estratégias e condições para apoiar esse proces-so de transformação, tendo-se como referência os ideais da sustentabilidade a médio e longo prazos.

A transição agroecológica pode ser considerada uma opção tomada por uma sociedadenum dado momento histórico, com base em um adequado processo de análise e compreensão dosriscos e limites hoje enfrentados pelas comunidades rurais, agricultores e consumidores em geral. Masela também pode representar uma necessidade inadiável dessa mesma sociedade, a partir da percep-ção clara da aproximação de um colapso no processo produtivo, fruto de nossas práticas e opçõestecnológicas e organizativas que contrariam os referenciais da sustentabilidade. Em qualquer caso, atransição agroecológica, enquanto processo social orientado para o alcance de índices mais equilibra-dos de resiliência, produtividade, estabilidade e eqüidade nas atividades agrárias, sempre estará con-dicionada e dependente dos graus de diversidade e de complexidade social e ecológica, o que tambémsignifica dizer que vai além dos aspectos meramente tecnológicos da produção rural. Como exemplodas novas exigências está a importância das iniciativas locais na construção de estratégias e conheci-mentos, assim como o protagonismo dos distintos atores sociais na definição das novas pautas dedesenvolvimento agrícola e rural.

Mestres agroecólogos, como Stephen Gliessman e Miguel Altieri, nos alertam a respeitodos níveis da transição agroecológica e sua complexidade inerente, sugerindo – como referência gerale didática – a existência de pelo menos três níveis fundamentais, que vão do mais simples ao maiscomplexo: a racionalização do uso de insumos, a substituição de insumos e o redesenho deagroecossistemas. No terceiro caso, espera-se que os agroecossistemas redesenhados funcionem combase em um conjunto novo de processos ecológicos. Com sua perspectiva sociopolítica de interpreta-ção agroecológica, o professor Eduardo Sevilla Guzmán nos ensina que a transição para agroecos-sistemas sustentáveis sempre vai depender de que os processos ecológicos emergentes venham acom-

Transição Agroecológica:rumo à sustentabilidade

A

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 5

José Antônio CostabeberExtensionista Rural da Emater/RS-Ascar – Santa Maria (RS)

[email protected]

panhados de um conjunto novo de construção social. Estamos nos referindo, nesse sentido, ao sociale ao ambiental como partes de um único processo: co-evolução entre cultura humana e meio ambien-te ou evolução integrada entre Sociedade e Natureza.

Nesse contexto, os artigos deste número da Revista Agriculturas nos dão uma mostra dadiversidade de formas de manifestação ou de níveis de alcance dos processos de transição agroecológica,que podem ser visualizados e servir como referência teórica e prática desde o âmbito local (umapropriedade rural), regional e até de todo um país. Em perspectiva mais macro (agroecossistema vistocomo um país), o artigo sobre a experiência cubana, de Julia Wright, mostra a complexidade doprocesso e as muitas razões que podem obrigar os atores sociais a concentrar esforços na promoçãoda transição agroecológica, apesar da inexistência de políticas públicas emanadas do Estado. O textotraz importantes análises sobre limites e possibilidades para a continuidade e/ou aperfeiçoamento datransição para uma agricultura orgânica ou agroecológica de maior sustentabilidade. O artigo Tran-sição na agricultura no semi-árido africano, assinado por Michael Mortimore, evidencia que as comu-nidades locais têm iniciativas próprias e capacidade para promover ajustes inovadores em seus siste-mas produtivos com base no uso inteligente dos recursos localmente disponíveis. Apresenta aindauma crítica aos programas de desenvolvimento e às políticas públicas convencionais exatamente porsua incapacidade de perceber tais iniciativas e de reforçá-las em benefício das próprias populações.

Entre as experiências brasileiras, o texto de P. H. Mayer apresenta uma concepção bastan-te abrangente do processo de transição agroecológica, ao abordar os esforços do trabalho de grupose associações de agricultores familiares na região metropolitana de Curitiba (PR) “para construir edisseminar alternativas técnicas, econômicas e sócio-organizativas para o enfrentamento da atualcrise”. Muitas famílias já possuem selo de qualidade ecológica da Rede Ecovida, o que significa umpasso à frente no fortalecimento das estratégias de conversão ecológica das propriedades. Já F.Marciel e seus colegas nos brindam com valiosas informações sobre a experiência que vem sendorealizada por comunidades de agroextrativistas na região amazônica, no sentido de aprimorar o manejotradicional de açaizais nativos. Fundamental nesse caso é a valorização do contexto histórico-culturale o reconhecimento da importância de se implementar métodos de trabalho que permitam a integraçãoentre formas tradicionais e científicas de produção de conhecimento inerente ao processo de transi-ção agroecológica. No texto assinado por A. L. R. Gonçalves e A. B. Model, são analisadas asprincipais motivações que levaram os agricultores familiares no litoral norte do Rio Grande do Sul,assessorados pelo Centro Ecológico, a adotar práticas e formas de organização segundo o enfoqueagroecológico. Embora as razões de natureza econômica tenham maior relevância na tomada dedecisão desses agricultores, o estudo conclui que “a disseminação da agricultura ecológica não seprocessará sem que novos valores de convivência social e ambiental sejam construídos de formaintegrada às mudanças nas práticas de manejo implementadas pelas famílias agricultoras”. O artigoRestauração de paisagens e desenvolvimento socioambiental em assentamentos rurais do Pontal deParanapanema, de L. Cullen Jr. e seus colegas, é um exemplo muito concreto da manifestação datransição agroecológica como algo complexo e que não se restringe a algumas práticas na agricultura,ao vincular a conservação com a reforma agrária e a extensão agroflorestal. Os autores concluem que“no Pontal há uma evolução de uma reforma agrária tradicional para uma reforma agrária diferencia-da, inovadora e benéfica tanto para humanos quanto para não-humanos ”.

Para finalizar, temos que avançar na compreensão da transição agroecológica não comouma volta ao passado, mas sim como avanço decisivo em direção a um “futuro sustentável”, tanto daagricultura como do desenvolvimento rural, a partir das lições tiradas dos erros e acertos de nossalarga história humana e agrícola. Como propôs o professor Ignacy Sachs, talvez um dia possamosdispensar o adjetivo sustentável, seja da expressão “agricultura sustentável”, seja da expressão “de-senvolvimento sustentável”. A transição agroecológica, como referida nos artigos publicados nestenúmero, aparece justamente como espiral de luz e como referencial prático para orientar essa larga edesafiadora caminhada cuja meta é a sustentabilidade em seu sentido multidimensional. Esperamosque a sua leitura resulte em novos e melhores frutos para todos aqueles que apostam na maiorparticipação dos atores sociais e na prudência tecnológica com compromisso e justiça social.

6 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

o início da décadade 1990, Cuba mer-gulhou em uma cri-

se provocada pela queda da UniãoSoviética, que até então era a suaprincipal fornecedora de alimentos,combustíveis e insumos agrícolas.Essa crise atingiu a agricultura cu-bana de forma especialmente gravepor quatro motivos. Em primeirolugar, porque os sistemas agrícolasno país estavam fortemente “indus-trializados”, tanto assim que utili-zavam mais tratores e fertilizaçãonitrogenada (192 quilos por hecta-re) que sistemas de produção simi-lares nos Estados Unidos. Em se-

gundo lugar, porque Cuba importa-va a maior parte dos insumos agrí-colas e produtos alimentícios neces-sários para o seu sustento. Em 1988,por exemplo, importou 100% do tri-go, 90% do feijão, 94% dos fertili-zantes, 82% dos agrotóxicos e 97%da ração animal. As fazendas con-troladas pelo Estado produziam ape-nas 28% das calorias consumidaspela população. Em terceiro lugar,porque Cuba passou a vender seuaçúcar no mercado internacional,deixando de receber, desde então,valores até três vezes superiorespagos por países com os quais man-tinha relações políticas privilegia-

A transição agroecológica naagricultura cubana

Julia Wright*

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Com o crescimento da consciência sobre a importância da agroecologia, muitaspossibilidades se abrem para o futuro da agricultura em Cuba

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Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 7

das. Além disso, com a entrada doaçúcar cubano nesse mercado, ospreços internacionais caíram dras-ticamente. Por último, porque opaís pouco diversificou sua produ-ção agrícola e sua indústria leve du-rante as décadas anteriores, o quecolocou sua economia numa situa-ção vulnerável.

Em um período de dois a quatro anos, a dispo-nibilidade de agroquímicos foi reduzida em 80%, enquan-to a queda de combustíveis fósseis foi de 47% para o die-sel e 75% para a gasolina. A importação de alimentos foireduzida à metade. Como resultado, tanto a produçãoagrícola como a disponibilidade de alimentos caíram a ní-veis alarmantes. Em 1993, o país esteve perto de enfren-tar uma grave crise alimentar.

Em meados dos anos 80, desenvolveu-se nopaís alguma consciência a respeito dos impactos negati-vos das práticas da agricultura industrializada sobre a qua-lidade dos alimentos e sobre a saúde humana, especial-mente devido aos altos teores de nitrato presentes emalguns alimentos. Outros impactos negativos desse mo-delo agrícola estavam relacionados à larga escala de desflo-restamento, salinização, erosão, compactação e perda dafertilidade dos solos. Os rendimentos das principais cultu-ras de exportação também estavam decaindo. Ao mesmotempo, a complexa estrutura de pesquisa agrícola não eramuito eficiente. Estava cada vez mais evidente que essemodelo agrícola não gerava autonomia ao país e que adependência de insumos devia ser reduzida. Infelizmente,antes que o país pudesse desenvolver estratégias para sairdessa situação, a crise já havia se instalado.

O êxito das estratégias parasuperar a crise

No período de uma década após o início da cri-se, a agricultura cubana duplicou sua produção, aumen-tando em 25% a disponibilidade de calorias e permitindo amanutenção de um programa alimentar consistente e so-cialmente eqüitativo. Esses resultados foram alcançadoscomo resultado da implementação de políticas estatais,mas também por mudanças provocadas pela absoluta im-possibilidade de o país seguir adotando o modelo produti-vo anterior. O foco no desenvolvimento e emprego detecnologias baseadas no conhecimento, nas habilidadeshumanas e nos recursos locais, em vez daquelas depen-dentes de insumos importados, esteve entre as principaismudanças implementadas. O novo modelo enfatizava a

diversificação da agricultura e dos mercados; o parcela-mento das grandes propriedades; o aumento da eficiênciados processos pós-colheita; o desenvolvimento de planosregionais de segurança alimentar (permitindo maior aces-so às terras); o desenvolvimento de um forte movimentode agricultura urbana; o investimento em pesquisa e emprogramas de extensão e capacitação agrícola; e a rever-são da migração campo-cidade por meio da criação demelhores condições de vida e oportunidades nas áreas ru-rais. O total dos subsídios estatais para a agricultura caiudrasticamente, com estimativas de queda entre 50 e 90%no triênio 1993-1996.

Apesar do planejamento centralizado, o gover-no abriu mão de grande parte do controle que exerciasobre a produção e a distribuição de alimentos. Iniciativase atividades promovidas por grupos locais agora eram in-centivadas, tornando a produção e a distribuição de ali-mentos mais descentralizadas. A produção e a produtivi-dade das principais espécies que compõem a cesta básicadobraram e continuaram a crescer. E o mais importante: adisponibilidade de alimento foi recuperada a níveis aceitá-veis no plano nacional. Ao final daquela década, Cubadetinha mais soberania sobre seu sistema alimentar do queem qualquer outro momento de sua história. A adoçãodesse novo modelo de produção permitiu uma excepcio-nal capacidade de recuperação da agricultura cubana du-rante a década de 1990.

O contínuo crescimento da produção alimen-tar, assim como de outros ganhos proporcionados pelonovo modelo agrícola, não estiveram relacionados apenasà utilização de técnicas de produção mais sustentáveis.Muitos outros fatores contribuíram para esses resultados:a diversificação de culturas com o plantio de espécies agrí-colas mais nutritivas e resistentes; o aumento da eficiên-cia e da autonomia das propriedades por meio de acordosmais estáveis de uso e gestão das terras; o desenvolvimen-

O foco nodesenvolvimento e

emprego de tecnologiasbaseadas no conhecimento,

nas habilidades humanas e nosrecursos locais, em vez daquelasdependentes de insumos importados,esteve entre as principais mudançasimplementadas.

8 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

to de vínculos locais entre produtores e consumidores; oreconhecimento oficial da contribuição da produção da agri-cultura de base familiar; e o aumento do leque de incentivospúblicos à disposição dos produtores de alimentos.

Fases da transição

Ao contrário do que se pensa, até o ano 2000não houve em Cuba nenhuma política oficial orientadapara a transição agroecológica. No entanto, muitas inicia-tivas isoladas estavam sendo empregadas nesse sentido,como o desenvolvimento de centros de produção deinsumos para controle biológico de pragas; unidades dedemonstração agroecológica; cursos de capacitação ecoló-gica; cultivos organopônicos urbanos (em canteiros comsubstratos orgânicos); e a organização de instituições depromoção da agricultura orgânica (Associação Cubanade Agricultura Orgânica e o Grupo de Agricultura Orgânica).

O motor das inovações implementadasnesse período inicial de conversão daagricultura cubana não foi uma mu-dança deliberada na forma de conce-ber o processo produtivo. Foi sim o re-sultado das restrições provocadas pelafalta de petróleo e de agroquímicos eda necessidade de alcançar a auto-su-ficiência alimentar no país. Ao estudaro desenvolvimento da produção agro-ecológica em Cuba na década de 1990,Funes (2002) identificou que os princi-pais métodos de manejo difundidos selimitavam a “substituir insumos”. Elese refere a esse período (1990-2000)como “a primeira fase” e a base para aconsolidação de processos mais avan-çados de transição agroecológica quese verificaram posteriormente.

Com efeito, agricultores, grupos e instituiçõescubanas continuavam operando nesse período segundo asconcepções do modelo convencional. Uma minoria supe-rou esse enfoque, ao eliminar qualquer insumo externo e seconcentrar na promoção de sistemas produtivos queinteragiam de maneira mais equilibrada com a natureza.Havia uma tendência de as instituições governamentais seorientarem mais pelo padrão industrial de produção agríco-la, enquanto alguns poucos projetos mais dinâmicos e or-

ganizados por agricultores, pesquisadores, grupos de ex-tensão ou ONGs adotavam um enfoque mais ecológico.

Nem todos partiram do mesmo ponto. Algunsgrupos, como os ligados ao movimento orgânico, ou osde pesquisadores sobre controle de pragas e doenças, játrabalhavam com base no enfoque agroecológico desde oprincípio dos anos 90. Já as antigas fazendas estatais trans-formadas em cooperativas, implementaram grandes mu-danças em suas práticas na década de 90, ao adotaremalgumas técnicas de manejo ecológico. Também houvediferenças no processo de transição de diferentes cultu-ras. O milho, por exemplo, permaneceu recebendo pou-cos insumos. Já a produção de bananas, deixou de de-mandar alto uso de insumos químicos para adotar ummodelo mais ecológico. Durante esse período, os produ-tos de exportação prioritários, como a cana-de-açúcar,permaneceram sendo manejados convencionalmente.

Desafios para o aumento de escalada agricultura ecológica

A experiência cubana evidencia que a falta deagroquímicos e de combustíveis fósseis não levam neces-sariamente a um emprego massivo de métodos de produ-ção agroecológicos. Mecanismos adicionais de apoio ne-cessitam ser criados para que isso ocorra. Segundo agri-cultores e profissionais do setor agrícola entrevistados entre1999 e 20011, uma série de condições seriam necessáriaspara a generalização da agroecologia no país. Esses fato-res podem ser classificados em três grupos: os relacionadosà produção do conhecimento agroecológico, os ligadosao acesso a recursos e tecnologias, e aqueles vinculados aquestões políticas e sociais.

1 A pesquisa foi realizada pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade deWageningen, Holanda. Foi financiada pelo Marie Curie Research Awards da UniãoEuropéia e pela WOTRO (Foundation for the Advancement of Tropical Research).O trabalho de campo incluiu entrevistas com 350 agricultores, pesquisadores, profis-sionais dos Ministérios da Agricultura, da Educação, do Meio Ambiente e da Saúde. Cultivos em canteiros: intensificando o uso do espaço

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 9

A necessidade de desenvolver sistemas deprodução do conhecimento agroecológico

Quase todos os agricultores entrevistados in-dicaram que a falta de conhecimento e de capacitaçãovinha sendo uma das principais limitações para o aumentode escala da aplicação de sistemas de manejo ecológico. Adisseminação de conhecimentos sobre agricultura ecoló-gica evitaria a criação de alguns mal-entendidos. A Agro-ecologia era concebida comumente como uma forma deagricultura que empregava poucos insumos externos e queera voltada para os pobres. Era relacionada assim a umaagricultura de baixos rendimentos, enquanto o empregode agroquímicos era associado a formas modernas de pra-ticar a agricultura. Essa percepção provocou hesitação doEstado em promover a agricultura ecológica já que seria“anti-revolucionário” implementar uma política que nãolevasse à maximização produtiva.

Os agricultores que associavam agri-cultura ecológica à falta dos agro-químicos tinham muitas dúvidas quan-to ao futuro. Para eles, parar de usaragroquímicos significaria o aumentoda incidência de pragas e doenças, oque resultaria na queda dos rendimen-tos. Implicaria também a diminuiçãodo tamanho e da qualidade dos produ-tos. O trabalho aumentaria devido àfalta de combustível para os tratores.Os riscos produtivos seriam maiores.

Acreditava-se também que aspráticas de manejo ecológicoseriam inapropriadas para pro-priedades de dimensão maior.

Os pesquisadores entre-vistados tinham percepções muitosemelhantes. Para eles, a agriculturaecológica estava associada a baixosrendimentos e à agricultura de sub-sistência.

Segundo os entrevistados,para que o potencial da Agroecologiafosse compreendido seria necessárioevitar denominá-la como agriculturade “baixo uso de insumos” ou “depoucos recursos”. Seria importantetambém divulgar os resultados de pes-quisas sobre o desempenho da agri-cultura ecológica.

Inicialmente, a dissemina-ção da agroecologia em Cuba se pro-

cessou da mesma forma que a agricultura industrializada,ou seja, por meio de métodos impostos de cima para bai-xo, com base na lógica da transferência de tecnologias.Essa abordagem convencional foi eficaz até certo ponto,mas logo mostrou seus limites. Com o tempo, asmetodologias também começavam a mudar e um conjun-to de novos desafios se apresentaram (ver quadro).

A necessidade de aumentar a disponibilidade e o acesso arecursos e a tecnologias apropriadas

De acordo com os agricultores entrevistados, afalta de insumos necessários para o emprego maciço dosmétodos biológicos de controle de pragas e de produçãode adubos orgânicos era o segundo principal obstáculoque deveria ser superado para que as práticas de manejoecológico se disseminassem. A insuficiência de recursos etecnologias apropriadas era vista como um problema tam-bém pelos profissionais de assessoria, que recomendaramaumentos nos investimentos para a produção e o armaze-namento de insumos biológicos.

A necessidade de garantir condições políticas e sociaisfavoráveis

Embora, sob vários aspectos, a reação políticaà crise do início dos anos 90 tenha favorecido o desenvol-vimento da abordagem agroecológica em Cuba, algumaspolíticas públicas jogaram papel contrário. Entre elas,podemos destacar:

• A legislação ambiental já havia sido implementadapelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Meio

Aproveitando ao máximo cada espaço disponível: horticulturaurbana em terrenos baldios

10 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

Ambiente, mas o Ministério da Agricultura aindanão havia internalizado seus preceitos;

• as metas nacionais de aumento dos rendimen-tos da agricultura no curto prazo confronta-vam-se com o objetivo de promover asustentabilidade no longo prazo;

• os planejamentos de produção realizados peloEstado indicavam muitas vezes o plantio de es-pécies que não eram apropriadas às condiçõesambientais locais. A lógica de “intensificação”produtiva adotada nesses planos estatais emgeral não favorecia a utilização de adubos ver-des, de consórcios e de pousios nos sistemas.O procedimento centralizado de distribuiçãode sementes pelo Estado dificultava o desen-volvimento de capacidades locais de estocagempor parte dos próprios agricultores;

• havia pouco incentivo para a produção de ali-mentos de qualidade. Os principais objetivosdas políticas oficiais estavam voltados para bai-xar custos produtivos e para a produzir grandesquantidades de alimentos que eram distribuí-dos pelo governo sem serem classificados.

Desenvolvendo sistemas deprodução ecológica

Mudanças práticas como as requeridas em umprocesso de transição agroecológica de abrangência nacio-nal exigem mudanças também nas mentalidades dos dife-rentes grupos sociais envolvidos. Aqueles que apoiavam aagricultura ecológica em Cuba, aliás, enfatizavam essanecessidade de mudança de pensamento no país para quese pudesse passar do estágio de substituição de insumospara o redesenho dos sistemas segundo o enfoque agro-ecológico.

O exemplo cubano demonstra que a remoçãoou a ausência de agroquímicos (ou do setor privado doagronegócio) não implica necessariamente no desenvolvi-mento de um modelo de produção ecológico. Tal proces-so de conversão exige uma decisão consciente. A produ-ção ecológica mostrou-se tecnicamente possível e econo-micamente viável como componente fundamental de umaestratégia voltada para a promoção da segurança alimen-tar da nação.

Desafios encontrados para aintrodução de métodos

participativos de pesquisaagrícola e extensão rural

Profissionais que foram capacitados para adotar mé-todos participativos encontraram dificuldades paraaplicar seus novos conhecimentos junto a suas ins-tituições e colegas que não foram capacitados.

Os agricultores continuavam não confiando nospesquisadores por conta de experiências negativasanteriores.

As abordagens participativas são introduzidas maisfacilmente em estruturas cooperativas menoshierarquizadas.

Novos métodos de trabalho ameaçam os poderesestabelecidos de indivíduos e de instituições, ge-rando reações contrárias.

Os novos papéis assumidos por técnicos e agricul-tores que atuam juntos por meio de abordagensparticipativas dificultam o reconhecimento do mé-rito dos primeiros.

As abordagens participativas exigem outros indica-dores de êxito dos programas além do aumento dosrendimentos dos cultivos e das criações.

Os agricultores têm pouco interesse em processosde experimentação se tiverem que seguir os plane-jamentos de produção definidos pelo governo.

Pesquisadores do setor agrícola não estão familiari-zados com conceitos das ciências sociais.

A revalorização da tração animal

Quadro 1

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 11

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*Julia Wright:International Programme,

Henry Doubleday Research [email protected]

Os sucessos obtidos em Cuba, no que se refereà segurança e soberania alimentar e à produtividade agrí-cola em geral, mostram o que pode ser feito quando hávontade política. Essa mesma disposição política para mu-danças deve continuar existindo com o desenvolvimentode políticas públicas mais amplas, voltadas para a promo-ção da agricultura ecológica. Essa conclusão vem da aná-lise de outro aspecto da transição cubana. Num períodode dez anos, o país saiu de uma séria crise de escassezalimentar para uma situação em que mais de um terço dapopulação de Havana está acima do peso, aumentandoem muito a freqüência de doenças relacionadas à obesida-de. Altos níveis de resíduos de agrotóxicos continuam sen-do encontrados nos produtos priorizados pelo Estado paraa produção de grande escala.

Se de um lado Cuba tem sido capaz de assegu-rar alimento para sua população ao combinar métodosecológicos com os convencionais, por outro, são as impli-cações mais amplas dessas estratégias que afetam a saúdeda nação e do meio ambiente. A degradação do solo con-tinua sendo um grande problema para o setor agrícola,assim como as secas sucessivas, para as quais se exigemcultivos e padrões produtivos mais adaptados e resisten-tes, além de sistemas de manejo hídrico sustentáveis.

Alguns efeitos positivos produzidospelas tímidas mudanças em direção aabordagens agroecológicas já come-çam a aparecer. Os agricultores já per-cebem alguns benefícios indiretos daredução do uso de agroquímicos sobreo meio ambiente e a saúde. O setor depesquisa, que foi forçado a conduzirseus trabalhos segundo o enfoque agro-ecológico, já tem desenvolvido inova-ções técnicas importantes. O sistemaalimentar cubano já começa a se be-neficiar com a maior diversidade de ali-mentos frescos. Outros benefícios daprodução agroecológica podem ser ex-plorados no futuro. Entre eles, estão odesenvolvimento de um setor de expor-tação de alimentos orgânicos e a pro-dução de gêneros de alta qualidade paraabastecer o crescente mercado internode turismo.

Cuba se diferencia por seu modelo centralizadode governo. Muitos podem argumentar que essa condi-ção torna difícil comparar a sua experiência de transiçãoagroecológica com a realidade de outros países. No en-tanto, em muitos lugares do chamado “mundo livre”, asdecisões sobre o desenvolvimento da agricultura e sobre a

cadeia de abastecimento alimentar são centralizadas porpoucas corporações, o que reduz muito as margens deescolha por parte dos consumidores e dos agricultores.

Uma característica da agricultura moderna é asua crescente mecanização e uniformização produtiva.Seus sistemas de produção e as longas cadeias produtivasa eles associados são altamente dependentes do uso decombustíveis fósseis. Cuba tem caminhado na direçãocontrária da tendência mundial. Seus sistemas de produ-ção e consumo são cada vez mais descentralizados e me-nos mecanizados, permitindo o aumento dos níveis deautonomia, diversidade e complexidade. Quando a temi-da crise global de fornecimento de combustível chegar, oexemplo cubano poderá ser inspirador de estratégias detransição para padrões produtivos mais sustentáveis.

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o longo dos últi-mos quinze anos,centenas de famí-

lias agricultoras no litoral norte doRio Grande do Sul vêm transforman-do seus sistemas produtivos com aadoção de práticas agroecológicas.Apoiadas pelo Centro Ecológico, ONGque atua na região em parceria coma Pastoral Rural da Igreja Católica,essas famílias vêm introduzindo mu-danças não só em seus métodos decultivo de frutas, verduras e legu-mes, mas também nas formas de seorganizar e comercializar. Atual-mente, existem na região doze As-sociações de Agricultores Ecologis-tas, reunindo mais de uma centenade famílias produtoras. Além disso,as diversas iniciativas inovadoras decomercialização, como a criação defeiras e cooperativas de consumo, e

o trabalho em educação ambientaljunto a escolas de ensino fundamen-tal são expressões das mudançasocorridas nessa década e meia depromoção da agroecologia. Este ar-tigo apresenta as várias razões quelevaram os agricultores a ingressarem trajetórias de transição agro-ecológica.

O contexto

O litoral norte do Rio Grande do Sul, mais co-nhecido como a região de Torres, congrega os municípiosde Torres, Três Cachoeiras, Morrinhos do Sul, Mampitubae Dom Pedro de Alcântara. À exceção de Torres, fortepólo turístico, os municípios da região têm como principalatividade econômica a agricultura de base familiar, res-ponsável pela ocupação da maior parcela de suas popula-ções. São milhares de famílias agricultoras que cultivambanana e arroz, as principais fontes de renda desses muni-cípios.

O Centro Ecológico passou a atuar na regiãoem 1991, implementando trabalhos de assessoria simila-res aos que já desenvolvia na serra gaúcha há mais de umadécada. Inicialmente, realizou ações de sensibilização juntoàs famílias agricultoras, estimulando-as a estabeleceremexperiências de agricultura ecológica. O grupo assessora-do era constituído por jovens lideranças de várias comuni-dades rurais que deram início a processos de conversãoprodutiva em suas propriedades e que buscavam, simulta-neamente, melhores alternativas para a comercializaçãode seus produtos. Como resultado dessas iniciativas, empouco tempo o grupo fundou a primeira organização deagricultores ecologistas da região, a Associação dos Colo-nos Ecologistas da Região de Torres (Acert).

André Luiz Rodrigues Gonçalves eAntônio Borges Model*

Motivaçõespara a transição

agroecológicano litoral nortedo Rio Grande

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A crise generalizada da agricultura familiar,provocada pela combinação da queda dos preços dos pro-dutos, com os crescentes custos de produção e a dificul-dade de venda da banana, motivou um grande número defamílias a experimentar os caminhos que vinham sendotrilhados com sucesso pelos agricultores ecologistas pio-neiros. O papel da Igreja, representada por alguns padresprogressistas, foi decisivo na divulgação dessas iniciativasbem-sucedidas de agricultura ecológica da região, indi-cando-as como referências a serem seguidas para que ascondições de vida no meio rural melhorassem.

Diferentes motivações

As razões alegadas pelos agricultores para asmudanças que introduziram nas suas formas de produzirsão de caráter objetivo e subjetivo (ver quadro ). O melhordesempenho econômico dos sistemas de produção ecoló-gicos é, sem dúvida, a principal motivação concreta apre-sentada para a adoção dos métodos de manejo agro-ecológicos. Um estudo recente do Departamento de Es-tudos Socioeconômicos Rurais1 confirmou essa percep-ção dos agricultores, ao demonstrar que um sistema eco-lógico de produção de banana na região de Torres chega agerar um valor agregado de R$ 8,6 mil por hectare, en-quanto um sistema convencional, mesmo quando bemmanejado, não rende mais que R$ 7 mil.

Vários fatores concorrem para justifi-car essa superioridade econômica dosistema agroecológico. Em primeirolugar, cabe destacar as oportunidadesde comercialização direta proporciona-das pelo fato de o produto ser diferen-ciado como ecológico. As feiras ecoló-

1 Os dados se referem ao ano de 2004. Para maiores detalhes, veja o boletim do Deser– Conjuntura Agrícola, n. 137, junho/2004.

Bananal em sistema agroflorestal

gicas, as cooperativas de consumo, avenda para a merenda de escolas mu-nicipais e, mais recentemente, o Pro-grama de Aquisição de Alimentos(PAA), coordenado pela CompanhiaNacional de Abastecimento (Conab),têm sido os canais de venda mais em-pregados para escoar a produção dasfamílias ecologistas. A redução doscustos de produção também contribuipara a melhoria do desempenho eco-nômico dos sistemas manejados eco-logicamente, que não dependem daaquisição de adubos químicos, agro-tóxicos e sacos plásticos para proteçãodos cachos de banana.

Ainda no campo das razões objetivas, as famíli-as ecologistas destacam a venda direta nas feiras comoelemento decisivo para a diversificação de suas fontes derenda, que antes estava praticamente restrita à bana-nicultura.

Da esquerdapara direita:Sistema agroflorestalna propriedade deAntônio Model, DomPedro de Alcântara - RS;

Reunião da AssociaçãoAcert

Visita de intercâmbio abananal em sistemaagroflorestal

14 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

A busca por meios de vida mais saudáveis e anecessidade de produzir alimentos livres de contaminantestambém são freqüentemente mencionadas como impor-tantes fatores nas tomadas de decisão que levam aos ca-minhos da transição agroecológica. Vários agricultoresassessorados pelo Centro Ecológico, seja no litoral norteou em outras regiões nas quais a entidade atua, já nãoadmitem mais se expor aos efeitos dos agrotóxicos.

Já as razões subjetivas para a transição estãorelacionadas fundamentalmente à “consciência socioam-biental” adquirida pelas famílias agricultoras. É comumouvir agricultores alegarem que não usam métodos demanejo convencional para não contaminarem o meio am-biente. Enfatizam também que não desejam ao próximoaquilo que não querem para si. “Como posso passar vene-no em um alimento sabendo que uma criança vai consumi-lo?”. Essa é a questão ética que permeia o debate dasfamílias envolvidas nos processos de transição agroeco-lógica na região.

A criação desse ambiente social que vem levan-do à transformação de práticas produtivas e de consciên-cias tem exercido um papel decisivo na elevação da auto-estima das famílias. É recorrente a afirmação de pessoasque se orgulham de ser agricultores ecologistas, mas queantes sentiam vergonha de ser colonos, pois se auto-iden-tificavam como pessoas rudes, ignorantes e sem valor paraa sociedade.

Conclusão

Para nós, está claro que as razões aqui apresen-tadas não são as únicas e nem operam de forma isolada

André Luiz Rodrigues Gonçalves:coordenador técnico do Centro Ecológico

[email protected]

Antônio Borges Model:agricultor ecologista da Associação dos

Colonos Ecologistas da Região de Torres (Acert)

Quadro-síntese das razões apontadas pelos agricultores para mudarem a forma de produzir.

nos processos de tomada de decisão que levam as famíliasa transformarem seus sistemas produtivos segundo oenfoque agroecológico. No entanto, ao longo desses quasevinte anos de trabalho, foi possível perceber que aquelesagricultores que permanecem na atividade e que atuamcomo verdadeiros catalisadores de mudanças em suas co-munidades são os que também se motivam pelas razões decaráter subjetivo. Percebem a agricultura ecológica comoum modo de vida e não apenas como uma atividade maislucrativa. Muitos chegam a afirmar que o aspecto econô-mico já não pesa tanto nas suas escolhas e que continua-riam adotando métodos agroecológicos mesmo na even-tualidade de eles se tornarem menos lucrativos que os con-vencionais.

A conclusão que pode ser tirada desses depoi-mentos é de que a disseminação da agricultura ecológicanão se processará sem a construção de novos valores deconvivência social e ambiental, que devem ser integradosàs mudanças nas práticas de manejo implementadas pelasfamílias agricultoras. Processos de transição agroecológicaorientados exclusivamente por motivações materiais ten-dem a ser mais vulneráveis às mudanças de conjuntura,podendo ser interrompidos com o surgimento de novasoportunidades de realização econômica baseadas em mé-todos convencionais.

Motivo Explicação

Objetivos Melhor preço pago pelo produto ecológico (“prêmio”)

Oportunidade de comercializar o produto diretamente

Oportunidade de comercializar outros produtos da unidade de produção

Economia de insumos: menor custo de produção

Qualidade superior do produto ecológico

Saúde: não se expor mais a agrotóxicos

Subjetivos Auto-estima: valorização de seu trabalho

Cuidado com o próximo: não envenenar seus semelhantes

Cuidado com o ambiente: não destruir o meio ambiente

Trabalho em grupo

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região metropoli-tana de Curitiba(PR) vivencia gra-

ve crise socioambiental que tem sidoresponsável pela inviabilização eco-nômica e social de um número cres-cente de unidades produtivas fami-liares. Em grandes traços, essa cri-se pode ser caracterizada pela com-binação do empobrecimento da nu-merosa agricultura familiar da re-

gião, resultante da insustentabi-lidade econômica e ambiental de seusagroecossistemas, com processosde concentração de renda e terraengendrados pela expansão de ati-vidades empresariais dos ramos damineração e do reflorestamento ho-mogêneo.Embora não tenha incorporado integralmente

os padrões produtivos da “Revolução Verde”, a agricul-tura familiar da região, em sua grande maioria, adota ma-

Transiçãoagroecológica

na região metropolitana de CuritibaPaulo Henrique Mayer*

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Dia de campo sobre sistemas agroflorestais na comunidade São Sebastião, Cerro Azul-PR

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nejos tradicionais que, no atual contexto, têm levado aoesgotamento da fertilidade natural dos solos e à degrada-ção das fontes de água. Seus produtos são mal-remunera-dos e chegam aos mercados por meio de uma cadeia deintermediação que se apropria de parte significativa darenda gerada.

Diante desse panorama estrutural adverso, umnúmero crescente de grupos e organizações da agricultu-ra familiar se mobiliza para construir e disseminar alterna-tivas técnicas, econômicas e sócio-organizativas para oenfrentamento das dificuldades. Assessorados pela Asso-ciação para o Desenvolvimento da Agroecologia (Aopa)1,esses grupos vêm promovendo ações em diferentes cam-pos que, juntas, contribuem para a promoção de níveissuperiores de sustentabilidade nos agroecossistemas geri-dos pela agricultura familiar da região.

Fortalecimento de processosorganizativos

Os baixos níveis de organização associativa éuma característica da agricultura familiar na região. Re-centemente, esse quadro vem sendo modificado com acriação e dinamização de organizações de base voltadaspara o desenvolvimento local e a emergência de um impor-tante espaço de articulação regional, o Fórum das Organi-zações da Agricultura Familiar do Vale do Ribeira. Comobjetivo de elaborar e executar propostas de políticas pú-blicas destinadas à promoção da agricultura familiar, oFórum congrega várias associações e sindicatos de traba-lhadores da agricultura familiar, ONGs, como a Aopa e oDepartamento de Estudos Socioeconômicos Rurais(Deser), e cooperativas de crédito dos municípios deItaperuçú e de Cerro Azul (Cooperativa de Crédito Rural

com Interação Solidária -Cresol). A luta por direitos bási-cos de cidadania – infra-estrutura viária, serviços públicosde educação e de saúde –, bem como por políticas orien-tadas para o fomento da agricultura familiar – sistemas decrédito e de formação adequados, garantia da posse, do-cumentação e titulação da terra –, faz parte do cotidianode debates do Fórum. Além disso, as reuniões mensaistêm se configurado como importantes oportunidades paraa convivência inter-institucional e o aprendizado mútuosobre diferentes estratégias para a promoção da transiçãoagroecológica.

A constituição de grupos ou associações deagricultores vinculados à Rede Ecovida de Agroecologia2

tem sido outro desdobramento das ações nesse campo dofortalecimento organizacional. Vinte e cinco grupos, in-tegrados por 302 famílias, estão hoje articulados no nú-cleo regional, que tem sede em Curitiba, e têm obtido o selode qualidade ecológica da Rede. Cabe assinalar que ter umplano de conversão ecológica da propriedade é uma dascondições para que a associação seja aceita pela Rede.

Algumas “portas de entrada” para trajetóriasde transição agroecológica vêm sendo exploradas pelasorganizações da agricultura familiar vinculadas ao Fórum.Cada uma delas encerra potencialidades e limites que me-recem ser destacados.

Acesso a mercados

Os processos pioneiros de conversãoecológica de sistemas de produção naregião metropolitana de Curitiba sederam principalmente por meio de ini-ciativas de famílias organizadas paracomercializar seus produtos em redesde supermercados e em feiras ecológi-cas da capital paranaense. Embora se-jam importantes canais de venda, elesapresentam enormes limitações quan-do se leva em conta o número crescen-te de famílias e grupos de agriculto-res(as) da região envolvido nos proces-sos de transição. Vários componentes

1 A Aopa foi fundada em 1995 como uma associação de agricultores ecológicos.Atualmente se constitui como uma ONG, prestando assessoria a 67 grupos de agricul-tores integrados por 700 famílias.2Rede de agroecologia organizada no sul do Brasil que reúne ONGs, associações egrupos formais e informais de agricultores, processadores, cooperativas de consumi-dores, técnicos e simpatizantes da agroecologia. A Rede tem uma marca e um selo quegarantem a qualidade ecológica dos produtos das organizações a ela vinculadas.

Dia de campo sobre pastoreio rotativo nacomunidade São Sebastião, Cerro Azul-PR

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 17

estruturais desses mercados colocamobstáculos ao acesso qualificado daampla maioria das famílias agriculto-ras. Trata-se, portanto, de opções mer-cadológicas acessíveis a poucos agri-cultores que, de forma pioneira e per-sistente, conseguiram construir rela-ções com seus consumidores.

Frente às limitações estruturais desses merca-dos, as entidades do Fórum decidiram promover ações deâmbito local e regional no sentido de estabelecer “circuitosde comercialização” alternativos na grande Curitiba e nospróprios municípios em que os alimentos são produzidos.Organizar as demandas de consumo das famílias de agricul-tores é uma dessas estratégias experimentadas. Ela se fun-damenta na óbvia constatação de que, além de produtoras,essas famílias são também consumidoras de alimentos.

O acesso ao Programa de Aquisição de Alimen-tos (PAA) do governo federal tem sido outro caminhoadotado para viabilizar a comercialização dos produtosdas famílias associadas às organizações do Fórum. Somen-te no ano de 2006 o volume de recursos alocado pelo PAA,por meio das articulações feitas pelo Fórum, ultrapassaráum milhão de reais. Esses recursos serão destinados prin-cipalmente à compra de alimentos para merenda de esco-las públicas dos municípios da região. Para operar com

sucesso um programa dessa natureza e nessa escala, foinecessário tecer uma complexa teia de relações políticas einstitucionais.

Essa interação com as escolas, proporcionadapelo programa PAA, vem permitindo que sejam realizadosdebates na rede escolar pública sobre a qualidade alimen-tícia da merenda, os problemas de contaminação de ali-mentos por agrotóxicos, os impactos do desflorestamentoe da poluição do solo e da água, entre outros temas afins.

Essa oportunidade de mercado também vemsuscitando, em meio aos grupos de produtores envolvi-dos, debates sobre planos de conversão dos sistemas pro-dutivos. Com isso, novos métodos de manejo, que permi-tem a renovação da fertilidade dos solos, que facilitam ediminuem a penosidade do trabalho e que alteram positi-vamente as relações de trabalho na família, vêm sendogradualmente incorporados às práticas cotidianas.

Auto-abastecimento familiarA especialização produtiva com foco nos mer-

cados, induzida pelos valores da modernização agrícoladisseminados na região, fez com que muitas famílias dei-xassem de produzir parte de suas próprias demandas ali-mentares. Assim, a produção destinada ao autoconsumodas famílias tem sido um tema mobilizador de muitas inicia-tivas que reforçam estratégias de conversão produtiva dosagroecossistemas.

Dia de campo sobremanejo ecológico deCitrus na comunidadeSão Sebastião, CerroAzul-PR

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A produção de pequenos animais, sobretudode ovinos, caprinos e galinhas caipiras, é uma das frentesque vêm sendo estimuladas para atender às necessidadesalimentares das famílias. O pequeno criatório permite oaumento da qualidade do abastecimento nutricional dasfamílias agricultoras, proporcionando também novas opor-tunidades para a geração de renda.

O desenvolvimento das hortas domésticas temsido outra linha de ação nesse sentido. Além de seremespaços manejados próximos às residências que ofertamparte significativa das demandas alimentares das famílias,as hortas apresentam o potencial de integrar mulheresagricultoras nos debates relacionados à transição agro-ecológica

Inovação tecnológica

Diferentes frentes de inovação nas práticas demanejo dos agroecossistemas têm sido estimuladas juntoaos grupos envolvidos em processos de transição agro-ecológica na região. No conjunto, elas proporcionam me-lhores condições para o funcionamento econômico e eco-lógico das unidades de produção e para a otimização dotrabalho das famílias.

Sistemas Agroflorestais (SAFs) estãosendo desenvolvidos com o objetivo dequalificar a mão-de-obra da famíliapara uma produção de alimentos abun-dante e escalonada durante todo o ano.Os produtos dos SAFs se destinamprincipalmente ao consumo familiar,mas também podem ser comercia-lizados quando há excedentes.

Métodos de manejo ecológico de pastagens,como o “pastoreio racional Voisin”, também têm sidoestimulados visando o aumento da fertilidade e da produ-tividade das áreas pastejadas, a melhoria da qualidade devida dos animais e a diminuição da penosidade do traba-

lho das famílias. O plantio de árvores nos pastos é realiza-do para aumentar as áreas de sombreamento para os ani-mais e incrementar a produtividade das pastagens.

O debate sobre a crescente escassez de águana região colocou para os grupos a necessidade de altera-ção de práticas tradicionalmente consagradas que interfe-rem negativamente sobre a economia hídrica dos sistemasprodutivos. Métodos de irrigação eficientes no empregoda água e técnicas de proteção de fontes, de uso racionalde recursos hídricos e de revitalização de nascentes vêmsendo desenvolvidas e disseminadas nesse sentido. Comefeito, os debates sobre o desflorestamento e a proteçãodas nascentes, das matas ciliares e das reservas legaisafloram regularmente nos grupos envolvidos em proces-sos de conversão agroecológica.

Outro tema importante tratado pelos grupos éa questão do manejo e da conservação da fertilidade dossolos. Práticas de controle de erosão e manutenção dafertilidade natural vêm sendo aplicadas amplamente. As-sessorado pela Aopa, o Fórum criou um banco de semen-tes crioulas e de espécies de adubos verdes para subsidiara disseminação dessas práticas conservacionistas. Essebanco tem permitido a introdução de centenas de varie-dades de espécies destinadas à adulação verde, à forma-ção de pastos, à produção de artesanato e ao consumoalimentar das famílias.

Educação agroecológica

Um curso técnico pós-médio em agroecologiafoi criado a partir de uma parceria entre a Aopa, organiza-ções da agricultura familiar, a Universidade Federal doParaná (UFPR), o governo do Estado do Paraná e o Mi-nistério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A idéia eradar aos agricultores escolhidos pelas comunidades e gru-pos envolvidos em processos de transição agroecológica aoportunidade de aprofundar seus conhecimentos teóri-cos e práticos. O curso foi concluído em maio de 2006 econtou com 22 semanas de aulas presenciais e outras 22de atividades nas comunidades. Todos os educandos de-

Da esquerda para a direita:Assembléia ordinária dos sócios daAopa em sua sede, Curitiba-PR

Formação de agentesmultiplicadores, Curitiba-PR

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 19

senvolveram ações práticas em suas propriedades e juntoaos grupos de agricultores aos quais pertenciam. A princi-pal atividade foi a elaboração de planos de conversão dapropriedade, envolvendo aspectos ambientais, sociais,econômicos e culturais. Esses planos foram construídosjunto com os grupos, com cada família indicando o queseria desenvolvido e estipulando a época e o prazo de exe-cução.

A trajetória do grupo SãoSebastião

O grupo de São Sebastião, do município deCerro Azul, localizado no Vale do Ribeira, expressa bemos resultados do conjunto das ações que vêm sendo em-preendidas para a promoção da transição agroecológicana região. Composto por 11 famílias, o grupo praticavaformas de agricultura tradicional, com sistemas produti-vos compostos por cultivos anuais manejados segundo ométodo de pousio, roça e queima (localmente denomina-do “roça de toco”), por áreas cobertas por pastagens deBrachiaria e plantios de Citrus para a venda.

O processo de conversão foi acelerado,uma vez que a maioria das famílias dogrupo nunca havia utilizado agrotóxi-cos e adubos de síntese química em seussistemas. Após dois anos de início datransição, as famílias implantaram sis-temas agroflorestais, desenvolveramhortas comerciais, introduziram o mé-todo do pastoreio racional Voisin, cria-ram um banco genético vivo de semen-tes de adubação verde, cereais e pasta-gens e estruturaram onze sistemas deirrigação de hortaliças. Ações voltadaspara a proteção de fontes e para o apro-veitamento dos resíduos animais paraa fertilização dos solos também vêmsendo implementadas pelo grupo.

Essas iniciativas motivaram as famílias a se or-ganizarem como grupo e a se associarem à Rede Ecovidade Agroecologia. Desde abril de 2006, seus produtos es-tão sendo certificados pelo processo participativo da Rede,o que lhes garante o acesso ao espaço de comercializaçãona feira ecológica de Curitiba. Além do incremento narenda gerado com a diversificação produtiva e com a ven-da direta, as inovações agroecológicas introduzidas nos

*Paulo Henrique Mayer:engenheiro agrônomo, membro da equipe da Aopa,

sócio-fundador da Rede Ecovida de Agroecologia e dou-torando em meio ambiente e desenvolvimento da UFPR

[email protected]

Processos detransição

agroecológica devem sersocialmente envolventes,

de forma a beneficiar um grandenúmero de agricultores familiarese consumidores urbanos paraque, de fato, tenham capacidadede promover mudanças sociais eambientais positivas para oconjunto da sociedade.

sistemas proporcionaram melhoria significativa na produ-ção para o autoconsumo. Algumas famílias chegam a con-sumir o equivalente a R$ 1,1 mil mensais de alimentosproduzidos na própria propriedade.

Nos anos 2005 e 2006, o grupo também sebeneficiou do PAA, sendo que, desde que obteve acertificação ecológica pela Rede Ecovida, vem conseguin-do um sobre-preço de 30 % nos produtos comercializados.

Considerações finais

A experiência que vem sendo desenvolvida naregião metropolitana de Curitiba evidencia que a transi-ção agroecológica é um processo complexo, não podendose limitar a medidas de substituição de insumos visandosimplesmente “descontaminar” os produtos para acessarmercados de nicho. A transição deve ser concebida deforma integrada, com processos mais amplos que levemao desenvolvimento socioambiental. Exige, portanto, ar-ticulações entre grupos e instituições para que as políticaspúblicas sejam influenciadas em favor da promoção dodesenvolvimento em escalas que vão desde o local até onacional. Processos de transição agroecológica devem sersocialmente envolventes, de forma a beneficiar um grandenúmero de agricultores familiares e consumidores urbanospara que, de fato, tenham capacidade de promover mu-danças sociais e ambientais positivas para o conjunto dasociedade.

20 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

ignificativa par-cela da produçãofamiliar rural na

Amazônia vive e trabalha em estrei-ta relação com a floresta, dela reti-rando seus meios de sustento. Namultimilenar história de convivênciado ser humano com os ecossistemasamazônicos, diferentes práticasagroextrativistas foram desenvolvi-das visando o aproveitamento darica biodiversidade do bioma pelaspopulações tradicionais.

Falar em transição agroecológica nesse contex-to significa compreender esse processo histórico-cultural,para a ele dar continuidade. Os pontos de partida dosprocessos de transição nessas condições não são sistemasmodernos altamente dependentes de insumos e conheci-mentos externos, mas manejos tradicionais que, no atualcontexto, apresentam insuficiências técnicas e ambientaisque limitam o atendimento das demandas das comunida-des agroextrativistas contemporâneas. Dinâmicas de ino-vação agroecológica na Amazônia vêm sendo orientadaspara aprimorar manejos tradicionais, dando continuidadee reforçando processos de inovação técnica e sócio-orga-nizativa herdados de gerações anteriores com o aporte deconhecimentos científicos.

Com base nesse entendimento, algumas enti-dades que atuam na assessoria a organizações de produ-

Aprimorando o manejotradicional de açaizais nativos

Franquismar Marciel, Natalie Colmet, Sandra Regina, Ruivan Xavier,Arlene Lacerda, Gracivalda Machado e Romier Sousa*

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Manejo de açaí nativo na comunidade de Jenipapo, Cametá-PA

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Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 21

tores agroextrativistas da Amazônia têm realizado esfor-ços no sentido de desenvolver e implementar métodos detrabalho que permitam a integração entre as formas tradi-cionais e científicas de produção de conhecimento nosprocessos de transição agroecológica.

O presente texto apresenta a experiência deinovação agroecológica do manejo de açaizais nativos nomunicípio de Cametá-PA.

Agroextrativismo tradicional doaçaí: um sistema em crise

A microrregião de Cametá é uma das áreas decolonização mais antigas do estado do Pará. Seus municí-pios são banhados pelo rio Tocantins e seus afluentes.Dois grandes ambientes são encontrados na região: o pri-meiro é denominado região das “ilhas”. Nele, predomi-nam a produção de açaí (Euterpe oleracea) e do buritizeiro(Mauritia flexuosa), duas palmeiras de fundamental im-portância para a sobrevivência dos habitantes locais; osegundo é a região de “terra firme”, onde há predominân-cia de dois tipos de vegetação: os campos naturais e a flo-resta ombrófila densa, esta última em grande parte trans-formada em “capoeira” ou “capoeirão” devido à agricul-tura itinerante praticada na região por mais de um século.

A construção da barragem de Tucuruí provo-cou grandes impactos negativos à saúde das famílias, àpopulação de peixes, à qualidade da água e à vegetaçãoda região das ilhas. Esses efeitos associados criaram difi-culdades técnico-econômicas para a reprodução das po-pulações ribeirinhas.

Para enfrentar essas limitações vivenciadas pe-las famílias e comunidades agroextrativistas de Cametá, aAPACC (Associação Paraense de Apoio às ComunidadesCarentes) deu início no ano de 2000 a um projeto de de-senvolvimento rural que incluía ações orientadas para ino-var as práticas tradicionais de manejo de açaizais nativos.

Aproximadamente 4.500 famílias vivem na re-gião das ilhas em Cametá. Segundo levantamento da

APACC, em torno de 50% dessas famílias realizam o ma-nejo de açaizais em 13.500 hectares. Desses, 511 famíliasestão cadastradas na cooperativa e têm o produto certifi-cado organicamente, buscando alternativas de comercia-lização no comércio justo. Essa prática foi fomentada apartir dos cursos de formação realizados pela APACC e dotrabalho com a rede de agricultores(as) multiplicado-res(as), tendo sido fortalecida, por meio da certificaçãoorgânica do açaí, implementada pela Cooperativa Agríco-la Resistência de Cametá – CART, com assessoria daAPACC e Fase (Federação dos Órgãos para AssistênciaSocial e Educacional).

Identificando fragilidades dosistema tradicional

O projeto se iniciou com um diagnósticoparticipativo conduzido por intermédio de entrevistas edebates realizados em reuniões comunitárias e visitas apropriedades. Vários temas relacionados ao desenvolvi-mento local foram abordados. O quadro 1 destaca as ques-tões de ordem técnica e organizativa mais diretamenterelacionadas à exploração dos açaizais nativos.1

Construindo os conhecimentos datransição

Os problemas identificados e debatidos no dia-gnóstico delimitaram o campo temático que orientou oprocesso de formação e de experimentação agroecológicaque a APACC passou a implementar em parceria com or-ganizações locais dos ribeirinhos.

As atividades de formação e de experimenta-ção foram desenvolvidas de forma integrada, tendo umasubsidiado a outra. Elas foram realizadas junto a gruposde agricultores(as) familiares interessados e tiveram comofoco a inovação dos métodos de produção e de comercia-lização do açaí. Os experimentos foram implementadosvisando a reconstrução dos equilíbrios naturais da flores-ta, de forma a combinar o alcance de níveis de produçãosatisfatórios e de boa qualidade com a capacidade de re-generação ecológica do ecossistema, garantindo assimmaiores níveis de sustentabilidade econômica à atividade.

O processo de formação baseou-se emmetodologias que primavam pelo inter-câmbio de experiências entre agricul-tore(as) e destes com os técnicos(as).Diferentes formas de manejar os açai-zais foram debatidas em oficinas dedois dias de duração. Essas atividadescriaram ambientes fecundos para que

Dinâmicas deinovação

agroecológica naAmazônia vêm sendo

orientadas para aprimorarmanejos tradicionais, dandocontinuidade e reforçandoprocessos de inovação técnica esócio-organizativa herdados degerações anteriores com o aportede conhecimentos científicos.

1 O Programa iniciou em 2000, no município de Cametá, com a formação de cercade mil agricultores(as) divididos em diversos grupos de famílias, 66 jovens rurais e 500mulheres (APACC, 2005).

22 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

houvesse a interação entre os conheci-mentos das próprias famílias com osconhecimentos acadêmicos dos técni-cos. As atividades de manejo, planeja-mento e avaliação das áreas experimen-tais foram realizadas em regime de mu-tirão, método esse que proporcionouricos momentos para a troca de experiên-cias e saberes entre técnicos e agricul-tores envolvidos.

Os conhecimentos adquiridos nas pequenasáreas manejadas em caráter experimental foram fundamen-tais nesse processo de formação. A grande novidade naspropostas de manejo em experimentação foi que elas nãose limitaram a alterar as práticas de condução dos açaizeiros,mas abrangeram também o conjunto das espécies da flo-resta que interagiam positiva ou negativamente sobre odesempenho produtivo da palmeira.

Alguns resultados

As propostas de manejo agroecológico dosaçaizais testadas pelos grupos locais apresentaram resul-tados muito positivos no que se refere ao enfrentamentodos principais problemas técnicos identificados no diag-nóstico. O sombreamento adequado dos açaizeiros e oequilíbrio ecológico proporcionados com as práticas demanejo fizeram que os problemas da peca e da seca desa-

parecessem. A fertilidade dos solos foi reconstruída emfunção dos maiores volumes de matéria orgânica deposi-tados no sistema. O período de produção do açaí foi pro-longado em 2 e até 3 meses (a safra passou de agosto aoutubro para agosto a dezembro, podendo chegar atéjaneiro), encontrando-se açaí em todo o período daentressafra. Verificou-se também aumento do número decachos por touceira e a melhoria na qualidade dos frutos,que deixaram de ter contato com animais e quaisquer im-purezas após a colheita. Aumentos de produtividade de275% (160 para 440 latas por hectare) foram verificadosem açaizais que passaram a ser manejados ecologicamen-te. A extração desordenada do palmito deixou de existir,sendo realizada somente a partir do manejo. Os resulta-dos positivos verificados nos primeiros experimentos le-vou os(as) agricultores(as) a implementarem novas expe-riências e ampliarem as áreas anteriores.

A articulação das famílias para o desenvolvi-mento das práticas inovadoras de manejo dos açaizais criouas condições favoráveis para que elas se organizassem paracomercializar em conjunto por meio de cooperativas lo-cais. O tema do crédito também vem sendo objeto dedebate entre os grupos envolvidos nas dinâmicas de ino-vação agroecológica. Atualmente, eles planejam em con-junto os momentos mais adequados de retirar o crédito,procurando direcioná-lo para ampliar as práticas de manejoinovadoras que vêm desenvolvendo localmente.

2 Fundo Constitucional do Norte é o principal fornecedor de crédito oficial na região.

Conseqüência

Quedas acentuadas nas produtividades dosaçaizais.

A seca dos frutos durante a maturação, o queprovoca grande perda na produção.

Desequilíbrios ambientais na floresta, diminuin-do a capacidade de regeneração dos açaizais.

Perda de qualidade dos frutos.

Perda da fertilidade do solo.

Instabilidade do preço do produto.

Assessoria técnica insuficiente e inadequada; des-valorização das práticas e saberes tradicionaisligados ao manejo dos açaizais; substituição dosaçaizais nativos por plantios em monocultura.

Problema Identificado

Peca (designação local para a queda de frutosdo açaizeiro antes de sua maturação).

Falta de controle do sombreamento doaçaizeiro.

Extração desordenada do palmito.

Contato dos frutos com animais e com o solono momento de colheita.

Não-aproveitamento da matéria orgânica

Dependência de atravessadores para a vendado açaí.

Aplicação inadequada dos recursos de créditodo Fundo Constitucional do Norte – FNO2.

Quadro 1 – Síntese das fragilidades técnicas e organizativas vivenciadas pelasfamílias e comunidades produtoras de açaí em Cametá-PA

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 23

A disseminaçãoda proposta

Os bons resultados verificados com asexperiências desenvolvidas por um nú-cleo pioneiro de 30 famílias agroex-trativistas de Cametá vêm se dissemi-nando para um universo de milhares defamílias na região, já abrangendo tam-bém os municípios de Limoeiro doAjuru e Oeiras do Pará. Nesses municí-pios, inicia-se processos de experimen-tação com manejo de açaizais em gru-pos de formação organizados pelaAPACC. Em Cametá, esse trabalho dedisseminação vem sendo realizado gra-ças à criação de uma rede de agricul-tores(as) multiplicadores(as) que atu-am junto às comunidades, estimulan-do as famílias a darem início a suas pró-prias experiências de manejo agroeco-lógico do açaí e da floresta. A imple-mentação de novas áreas é geralmen-te realizada por meio de mutirões econta com o apoio dos multiplicadoresque já possuem conhecimentos práti-cos e teóricos adquiridos em suas pró-prias áreas de produção.

Essa ampla disseminação do emprego do ma-nejo agroecológico dos açaizais criou as condições paraque discussões sobre a certificação orgânica do açaí fos-sem iniciadas (Sobrinho, 2005).

Os grupos diretamente envolvidos na experiên-cia têm se beneficiado dela não somente no que se refereaos resultados objetivos ligados ao aumento da renda e doauto-abastecimento familiar. A forma como as mudanças

Referências bibliográficas:APACC. Relatório Final do Projeto de Desenvol-vimento Rural no Município de Cametá - Pará.Cametá: APACC, 2005.

SOBRINHO, Sebastião Aluízio Solyno. A cer-tificação do açaí na região do Baixo Tocantins: umaexperiência de valorização da produção familiaragroextrativista. Revista Agriculturas, v. 2, nº 3.Rio de Janeiro: ASPTA, 2005.

CART- Cadastro de Certificação Orgânica.

* Franquismar Marciel:coordenador de extensão rural e formação dos

produtores(as) familiares da APACC/Cametá, Limoeirodo Ajurú e Oeiras do Pará

[email protected]

Natalie Colmet, Sandra Regina, Ruivan Xavier, ArleneLacerda, Gracivalda Machado:

equipe técnica da APACC/Cametá

Romier Sousa:professor da EAFC-PA e membro do Grupo de

Assessoria em Agroecologia na Amazônia – [email protected]

Encontro de agricultores em área de manejo de açaí nativo,comunidade de Ilha Grande de Juaba, Cametá-PA

nas práticas tradicionais foram desenvolvidas e dissemina-das operou um efeito muito positivo no plano da auto-estima das famílias, que passaram a se perceber de formamais positiva e a apostarem mais nos processos orga-nizativos locais. Efeitos na percepção das famílias sobre opapel da floresta também são dignos de destaque. Paraelas, o cuidado com a floresta é uma condição para queseus próprios meios de vida sejam preservados.

Agricultora Maria Angela na área de manejo de açaí nativo,comunidade de Jenipapo, Cametá-PA

24 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

histórico padrãopredatório de ocu-pação do Pontal

do Paranapanema, fundado emgrandes fazendas monocultoras,provocou uma drástica redução nacobertura florestal na região. Hojerestam apenas 1,85% da mataatlântica original. Os últimos rema-nescentes florestais e de espéciesanimais silvestres podem ser encon-trados no Parque Estadual Morrodo Diabo (37 mil hectares) e em al-guns fragmentos existentes em pro-priedades privadas.

A atual dinâmica de ocupação na região, com acriação de áreas de assentamento rural e a democratiza-ção do acesso à terra, tem determinado transformaçõesna paisagem. As pressões sobre as últimas ilhas debiodiversidade, no entanto, não serão eliminadas até quesejam desenvolvidos e disseminados processos de uso eocupação do solo capazes de conciliar produção agrícolacom conservação ambiental.

O Programa Agroflorestal no Pontal do Parana-panema do Instituto de Pesquisas Ecológicas IPÊ é orien-tado para a geração de referências técnicas e metodo-lógicas necessárias para a promoção do ecodesenvolvi-mento nos assentamentos rurais da região. Busca-se as-sim contribuir para a viabilização técnica, econômica esocioambiental da reforma agrária1

Estratégias técnicas para atransição

O Programa Agroflorestal vem implementandoquatro frentes principais de ação, que visam a integraçãodo processo de reforma agrária com a restauração ambientalda paisagem rural na região.

Ilhas de agrobiodiversidade

A primeira estratégia consiste em introduzir cor-redores entre áreas de florestas nativas por meio de ilhasde agrobiodiversidade constituídas por cafezais agro-florestais. Elas funcionam como trampolins ecológicos,estimulando movimentos saltitantes de dispersão paramuitas espécies silvestres. Além disso, as ilhas de café comfloresta exercem a função de reaproximar populações queantes já foram interconectadas. Dessa forma, auxiliam narecolonização de fragmentos recipientes, o que aumentaa heterogeneidade na paisagem (Figura 1). Esse fluxo con-tínuo leva a uma maior adaptabilidade e densidade dasespécies, principalmente daquelas mais suscetíveis aos efei-tos da fragmentação florestal por não terem condições dese perpetuar quando vivem em pequenas populações iso-ladas.

Nos seus oito anos de existência, o programaimplantou 60 ilhas de agrobiodiversidade de um hectareem média, beneficiando direta e indiretamente cerca de

Restauraçãode paisagens

e desenvolvimento socioambiental emassentamentos rurais do Pontal de Paranapanema

Laury Cullen Jr., Haroldo G. Borges, Jefferson Ferreira Lima, Nivaldo Campos,Tiago Pavan Beltrame, Antonio Vicente Moscogliato e Elisângela Ronconi*

1 Os autores agradecem os patrocinadores e parceiros que apóiam o programa: FNMA-Fundo Nacional do Meio Ambiente; PDA-Projetos Demonstrativos do Ministério doMeio Ambiente; Programa Petrobras Ambiental; Fundação O Boticário de Proteçãoa Natureza; Wildlife Trust; USA; Cocamp; Itesp; Incra; Ibama e Prefeitura Municipalde Teodoro Sampaio-SP, e a todas a famílias de assentados participantes que juntostrilham esse caminho rumo a um Pontal bom para todos.

O

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 25

200 famílias assentadas. Esses bosques de café agroflorestaltêm cumprido importante função econômica para essas famí-lias. Além da renda do café, a produção de culturas anuaisnas entrelinhas e na semi-sombra das árvores tem contribu-ído para a diversificação dos gêneros alimentícios e das fon-tes de renda para as famílias. As culturas do feijão, da abó-bora, do quiabo, do maxixe, da banana e do tomatinho vêmsendo consorciadas nas ilhas, gerando uma renda extra anualde aproximadamente R$ 1,2 mil. O café produzido em ilhascom três anos de implantação gerou, em 2006, uma produ-ção média de 15 sacas por hectare, o que significou umarenda de R$ 3,6 mil em média por produtor.

Os Sistemas Agroflorestais (SAFs) tambémprestam serviços ambientais em benefício ao desempenhoprodutivo de algumas culturas agrícolas. O estímulo aodesenvolvimento e ao abrigo de populações de insetospolinizadores e inimigos naturais de insetos-praga sãoexemplos desses serviços. Além disso, algumas pesquisastêm comprovado o efeito desses SAFs sobre o aumentoda diversidade de aves e insetos e o freqüente trânsitodessas espécies entre as ilhas e os fragmentos florestais daregião. Produtores e assentados também percebem mu-danças positivas nesse sentido. Algumas declarações sãomuito eloqüentes a esse respeito.

“Tem um tanto de pássaro que aparecepor aqui, que eu nunca tinha visto. Aqui,os pés de árvores são cheios de ninhosdeles, de vários passarinhos. Tem tuca-nos, araras que passam por aqui, louro,pomba asa-branca, pombinha rolinha...É cheio delas aqui. E tem horas que euestou carpindo e vêm uns passarinhosatrás de mim. Outro dia mesmo, eu es-tava carpindo e tinha um monte de pas-sarinhos atrás de mim, por que aqui nin-

guém mata, eles se acostumam com agente e vão se aproximando...”

Amélia de Oliveira Sales(Assentamento Tucano)

“Então, depois dessas árvores que euplantei aqui, esse bosque de ingá, temaparecido tucano, arara, canário-da-terra , beija-flor, tico-tico, louro, bem-te-vi, curruíla e muito mais qualidadede passarinhos.”

Ederval Alves da Silva(Assentamento Água Sumida)

Abraços verdes

Os fragmentos de mata vizinhos às áreas decultivo têm suas bordas expostas e desprotegidas. Porisso, são altamente vulneráveis às constantes incursões degado, plantas invasoras, cipós, fogo, queda de árvores,assim como a dissecações provocadas pelo vento. Aospoucos essas pressões vão consumindo os remanescentese afetando sua integridade ecológica.

Para amenizar a degradação das bordas dos frag-mentos florestais, o programa vem desenvolvendo a estra-tégia dos “abraços verdes”, ou seja, a implantação demódulos agroflorestais como zonas de amortecimentoecológico (Figura 2). Do ponto de vista biológico, um dosprincipais benefícios dessas zonas de amortecimento é aredução dos efeitos de borda que podem penetrar até 500metros para o interior dos fragmentos, promovendo alte-rações de micro-clima e outros efeitos negativos que, como tempo, podem levar à extinção desses remanescentes.

Alguns estudos acadêmicos vêm comprovan-do os efeitos ambientais positivos dos “abraços” sobre osremanescentes florestais. Entre os impactos identificados,

Figura 1: Ilhas de agrobiodiversidade com café e floresta. Ao fundo, o Parque Estadual Morro do Diabo

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26 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

destacam-se o aumento da densidade e da área basal daplantas nativas de fragmentos “abraçados” (Ferro, 2003)e a regeneração de árvores nativas nas proximidades dasbordas dos fragmentos, o que sugere a restauração natu-ral nessas bordas.

Cinqüenta hectares de zonas de amortecimen-to foram implantados na região, abraçando alguns frag-mentos florestais que compõem a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto. Ao associar sistemas agroflorestais compos-tos por espécies nativas com variedades de eucalipto derápido crescimento, os “abraços verdes” vêm garantindoo atendimento de parte da demanda de lenha e mourõespara cercas das comunidades. Essas áreas agroflorestadastambém proporcionam espaços diversificados e produti-vos para as comunidades rurais. Até o momento, 120 fa-mílias assentadas adotaram o sistema, gerando um rendi-mento médio anual de R$ 1,3 mil.

Corredores agroflorestais em reservas legais

A Lei Federal nº 8.171 e o Decreto Estadual deSão Paulo nº 50.889 estabelecem a obrigatoriedade deáreas mínimas florestadas em propriedades e assentamen-tos rurais. Aplicando-se os critérios dessas legislações noPontal do Paranapanema, conclui-se que a região possuium passivo ambiental de aproximadamente quatro milhectares que devem ser recompostos na forma de reservaslegais e áreas de proteção permanente.

O programa tem atuado no sentido de apoiaras comunidades a cumprirem com essa obrigatoriedadelegal. Licenças especiais são concedidas pelos órgãos res-ponsáveis, como a Fundação Instituto de Terras do Esta-do de São Paulo (Itesp) e o Departamento Estadual de Pro-teção de Recursos Naturais (DEPRN), para que as famíliasimplantem sistemas agroflorestais nas áreas de reserva le-gal do assentamento, que representam espaços adicionaisfora de seus lotes para seus cultivos agrícolas.

O sistema taunguia, que já vinha sen-do adotado com sucesso em outros as-sentamentos da região, tem sido o maisutilizado para esse fim. Esse tipo de sis-tema associa por um tempo limitadoos cultivos agrícolas de ciclo curto (mi-lho, feijão, amendoim e mandioca) comespécies florestais. As mudas das árvo-res são plantadas junto às culturas anu-ais e se aproveitam das operações demanejo dispensadas a estas últimas(capinas e eventuais aplicações de adu-bos). A partir de determinado estágiode desenvolvimento das árvores nati-vas, os cultivos anuais não são maisrealizados nessas áreas. Esse tipo de sis-tema permite que as famílias exploremeconomicamente as áreas de reservalegal enquanto elas estão sendo restau-radas, muitas das quais na forma decorredores ecológicos.

Até o momento, foram implantados aproxima-damente 45 hectares do sistema no Assentamento SantaZélia. Vinte famílias estiveram envolvidas na implantaçãodessas áreas, que receberam 110 mil mudas de espéciesflorestais nativas. Avaliações recentes mostram que, apóstrês anos, cada família obteve com as culturas agrícolasconsorciadas uma renda anual média de R$ 1,9 mil. Apartir dos dados de produção agrícola coletados junto àsfamílias que trabalharam a área, calculou-se o Valor Presen-te Líquido (VPL) e a Relação Benefício/Custo (RB/C) paraseis módulos agroflorestais analisados (ver tabela)2.

A renda anual média obtida com a exploraçãodas entrelinhas dos SAFs representa um incremento mé-

Figura 2: Zonas de amortecimento implantadas no entorno defragmentos florestais da região

Figura 3: Área de restauração de reserva legal por meio dosistema taunguia com cultivo de milho nas entrelinhas dasespécies arbóreas nativas

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 27

dio de 11% na renda total das famílias envolvidas(Rodrigues, 2006). No momento, após três anos deimplementação, os sistemas já estão com 70% desombreamento, permitindo apenas a manutenção de al-gumas espécies anuais menos exigentes da luz solar, comoa mandioca (Figura 3). Esse resultado é particularmenteimportante quando são analisadas as condições socio-econômicas das famílias participantes, que dispõem depouca área disponível para o cultivo de grãos.

Do ponto de vista florístico, as áreas de reservalegal implantadas por meio dessa estratégia estão confor-me esperava-se, embora apresentem uma diversidade deespécies um pouco inferior à encontrada em áreas de rege-neração natural. Esse comportamento é freqüente em áreasreflorestadas. No entanto, a proximidade com fragmen-tos florestais nativos permitirá que com o tempo ocorraum aumento de espécies nessas áreas.

Viveiros agroflorestais comunitários

Cursos e trocas de experiências realizadas men-salmente nas escolas rurais localizadas nos assentamentostêm estimulado a adoção de práticas de manejo agro-ecológico (agrofloresta, conservação dos solos, diversifi-cação produtiva etc) que visam a conservação da biodiver-sidade e dos recursos hídricos. Sementes e insumos têmsido fornecidos por ocasião desses espaços de capacitaçãocom o intuito de estimular a implantação de viveirosagroflorestais comunitários. Aulas práticas sobre a implan-tação e condução de viveiros são ministradas nos viveirosjá estabelecidos.

Aproximadamente mil assentados de 250 famí-lias da região já foram capacitados pelas ações do projeto.Muitos deles já possuem viveiros e produzem mudas deespécies arbóreas nativas e exóticas com o objetivo deproduzir lenha, embelezar os lotes, implantar módulosagroflorestais e comercializar mudas para as fazendas eusinas de açúcar e álcool do Pontal, que estão adequandosuas propriedades à legislação ambiental vigente. A vendade mudas de árvores já representa, em média, 35% da

2 O VPL é o lucro obtido pela atividade, já descontando a taxa de juros de mercado.Valores de VPL positivos indicam que a atividade é viável economicamente. A RB/Crepresenta o retorno de capital para cada unidade monetária investida. Valores infe-riores a 1,00 indicam prejuízo de investimentos.

renda total das famílias participantes. Atualmente, exis-tem 21 viveiros comunitários em oito assentamentos, comuma capacidade instalada de produção de aproximada-mente 500 mil mudas por ano.

Influência nas políticas públicas

Os bons resultados do programa têm sido valo-rizados a ponto de influenciar políticas públicas na região.Uma das principais conquistas nesse sentido foi a Lei nº11.600, de 19 de dezembro de 2003, que regulamenta osacordos com terras ocupadas na grande reserva para suautilização no processo de reforma agrária. A mudança nodecreto facilitou sua aplicação e deu ao Itesp e ao DEPRNo instrumento legal para uma escolha preferencial das áreasde reserva legal dos assentamentos em fragmentos de flo-resta nativa da região. A partir da sugestão de um zonea-mento agroecológico para a região do Pontal (Figura 4),consolidado como um despacho pelo Ministério Públicolocal, as áreas de reserva legal e de preservação permanen-

Aproximadamentemil assentados de

250 famílias da região jáforam capacitados pelas

ações do projeto. Muitos deles jápossuem viveiros e produzemmudas de espécies arbóreasnativas e exóticas com o objetivode produzir lenha, embelezar oslotes, implantar módulosagroflorestais e comercializarmudas para as fazendas e usinasde açúcar e álcool do Pontal,que estão adequando suaspropriedades à legislaçãoambiental vigente.

Tabela: Avaliação econômica dos seis módulos agroflorestais implantados naárea de reserva legal do Assentamento Santa Zélia.

* Taxa de juros de 10% ao ano

Indicador Família 1 Família 2 Família 3 Família 4 Família 5 Família 6

VPL* R$ 574,30 R$ 463,64 R$ 190,08 R$ 9137,35 R$ 1041,00 R$ 16,32

RB/C* R$ 1,95 R$ 1,33 R$ 1,02 R$ 3,55 R$ 1,70 R$ 0,48

28 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

Referências BibliográficasCULLEN, L. Alger; RAMBALDI, D. Land Reformand Biodiversity Conservation in Brazil in the1990s: Conflict and the Articulation of MutualInterests. Conservation Biology, v.19, n.3, 2005.p. 1-9.

FERRO, M. S. Efeito do plantio de Eucaliptos emfragmentos florestais no Pontal do Paranapanema– SP. 2003. 34 f. Monografia - Universidade Esta-dual de Londrina, Paraná.

RODRIGUES, E. R. Estratégia agroflorestal paraa recuperação de áreas de reserva legal em assen-tamentos de reforma agrária: um estudo de casono Pontal do Paranapanema, São Paulo. 2006.85 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Fede-ral do Paraná.

SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTA-DO DE SÃO PAULO. Avaliação e ações prio-ritárias para a conservação da biodiversidade daMata Atlântica e Campos Sulinos. Brasília: MMA/SBF, 2000. 40p.

VALLADARES-PADUA, C.; PADUA, S.; CULLEN,L. Within and surrounding the Morro do DiaboState Park: biological value, conflicts, mitigationand sustainable development alternatives. Environ-mental Science & Policy, n. 5, 2002. p. 69-78.

*Laury Cullen Jr., Haroldo G. Borges, Jefferson FerreiraLima, Nivaldo Campos, Tiago Pavan Beltrame, Antonio

Vicente Moscogliato e Elisângela Ronconi:técnicos do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas

[email protected] / www.ipe.org.br

te são hoje definidas nos novos projetos de assentamen-to, levando-se em conta a melhor conectividade entre osvários remanescentes florestais da região e as unidades deconservação.

Da mesma forma, o DEPRN e o Ministério Pú-blico regional têm funcionado como instâncias importan-tíssimas para a resolução de conflitos e proposição de acor-dos entre vários atores na paisagem. Como exemplo, cita-mos o mapa “Um Pontal Bom Para Todos”, aceito porvárias instituições (MST, Ibama, DEPRN, Itesp, Incra,fazendeiros etc) e sugerido pelo Ministério Público comoum zoneamento agroecológico apropriado para o extre-mo oeste Paulista (Cullen et al., 2005).

Outra importante ação resultante das pesqui-sas na região foi a inclusão do Pontal na faixa de priorida-de máxima para conservação. Isso ficou estabelecido du-rante o workshop promovido pelo governo federal e par-ceiros para traçar prioridades de conservação na mata atlân-tica (Secretaria do Meio Ambiente, 2000). Finalmente,culminou com a criação da Estação Ecológica Mico-Leão-Preto, uma unidade de conservação federal de proteçãointegral, salvaguardando a biodiversidade em 6,3 mil hec-tares compostos pelos quatro maiores fragmentos flores-tais do Pontal do Paranapanema.

Conclusão

Os trabalhos desenvolvidos no Pontaltêm evidenciado que, com extensãoagroflorestal direcionada e participa-ção comunitária é possível integrar di-versos segmentos da sociedade na for-mulação e execução de uma propostade desenvolvimento rural que combine

Figura 4: Zoneamento agroecológico sugerindo áreas de corredores agroflorestais e áreas depreservação permanente promovendo a conectividade regional no extremo oeste paulista

restauração ambiental comgeração e distribuição de ri-quezas. Verifica-se no Pontala evolução de uma reformaagrária tradicional para umareforma agrária diferenciada,inovadora e benéfica, tantopara os humanos quanto paraos não-humanos. A reformaagrária, que há cinco anos si-nalizava que seria a responsá-vel pela destruição do que res-ta de biodiversidade no Pontal,pode ser considerada hojecomo um dos elementos-cha-ve para sua conservação.

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 29

s regiões semi-ári-das da África abran-gem 43% de todo o

continente, excluídas as áreas de de-serto. Nelas, vivem 268 milhões de ha-bitantes, o que corresponde a 40% dapopulação africana. As secas freqüen-tes e outras adversidades ambientaissão freqüentes ameaças aos produto-res rurais. A pobreza é generalizada e,em alguns países, a insegurança ali-mentar e a dependência de programasassistencialistas é regra geral. Alémdos riscos associados à instabilidade cli-mática, os recursos naturais dão sinais

de degradação (desertificação). Pro-jetos de desenvolvimento em geral têmfalhado e são poucos os governos quealocam recursos suficientes para a pro-moção de políticas públicas voltadasao desenvolvimento.

O semi-árido africano não é um todo homogê-neo – os índices pluviométricos anuais podem variar demais de 1.000 mm a menos de 250 mm. Variados tipos desolo e usos da terra são vistos. A maior parte das políticasde grande abrangência não funcionam porque não sãodesenhadas com a flexibilidade necessária para se ajustar aessas diversidades.

São as populações locais que têm demonstra-do grande capacidade de adaptação às características

Transição da agricultura

no semi-áridoafricano

Michael Mortimore*

A região de Kano na época da colheita

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30 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

ambientais dessas regiões, tendo respondido de forma di-nâmica às oportunidades que lhes aparecem. Suas ativida-des econômicas se caracterizam pela constante inovaçãoe experimentação. Nesse contexto de instabilidadeambiental, os conhecimentos e estratégias locais são re-cursos valiosos que muitas vezes não são valorizados pe-los programas oficiais que apostam na introdução de no-vas tecnologias. Por essa razão, na maioria das vezes elestêm falhado.

Inovar para se adaptar a mudançasde longo prazo

A transição pode ser um processo longo queimplica em mudanças nos sistemas de produção, na rela-ção com os recursos naturais e nos modos de vida dasfamílias produtoras. É o resultado de vários fatores queinteragem entre si – inclusive mudanças de longo prazo,como os índices de pluviométricos, o crescimentodemográfico e a cultura material das populações.

Intervenções externas podem ser importantesna indução desses processos de transição, mas em geralelas têm sido equivocadas. Em um contexto no qual severifica a estagnação ou mesmo a diminuição dos recursosde assistência técnica governamental, torna-se essencialcompreender melhor os processos de transição promovi-dos espontaneamente pelas populações locais para quesejam promovidos modos de vida mais sustentáveis. Nes-se sentido, cabe colocar a questão: podem as famílias dosemi-árido implementar processos de transição para umacondição mais sustentável, apesar de todas as adversida-des que enfrentam por viverem em situações de risco decrescente degradação ambiental?

A convivência com as variaçõessocioambientais

As populações do semi-árido africano sempreconviveram com mudanças ambientais nos contextos emque vivem. Em geral, essas mudanças fogem a seu contro-le e são imperceptíveis por serem resultado de processosque se iniciaram há muito tempo. As adaptações realiza-das pelas populações dificilmente são percebidas por ob-servadores externos já que elas também são implementadasem ritmos lentos.

Atualmente, já se dispõe de informa-ções mais seguras sobre mudanças e

variações ocorridas ao longo de gran-des períodos – 40 anos ou mais – naÁfrica. Obtidos por meio da memóriae conhecimento local, esses dados delongo prazo podem ajudar na elabo-ração de políticas públicas e de práti-cas inovadoras ajustadas às necessi-dades das populações do semi-árido.As mudanças ocorridas na região deKano-Maradi, no norte da Nigéria e aleste de Níger, são bons exemplos nessesentido.

A urbanização é um fenômeno que torna críti-ca a questão demográfica nos países da África Ocidental.A capital do Níger, Niamey, por exemplo, contava commenos de 100 mil habitantes nos anos 60 e agora tem umapopulação de mais de um milhão. As estatísticas indicamque mais de 40% da população da Nigéria (que já ultra-passa os 100 milhões) já vivem nas cidades. Apesar dagrande migração campo-cidade, a população das áreasrurais no semi-árido continuou crescendo.

Até a década de 1990, as populações rurais daregião Kano-Maradi vinham dobrando a cada 30 anos.Isso significa que cada geração de agricultores dispunhade metade das terras para o cultivo do que a anterior. EmKano, mais ao sul da região, cada produtor dispõe de me-nos da metade de um hectare de terra cultivável. EmMaradi, mais ao norte, os agricultores se sentem ameaça-dos pela escassez de novas terras, embora cada famíliaainda detenha, em média, 18 hectares.

Como a média das chuvas na região decaiu prati-camente um terço entre as décadas de 60 e 90, a freqüênciadas secas aumentou. As perdas de safras causaram escassezde comida e a mortandade animal aumentou.

Para enfrentar esse quadro, as popula-ções locais foram levadas a adotar no-vos procedimentos de manejo agríco-la. Substituíram variedades de ciclolongo por outras de ciclo mais curto ede maturação mais rápida; intensifica-ram o cultivo nas áreas de baixio du-rante a estação seca; substituíram ga-do por animais menores e controlarammelhor as fontes de forragem, o que

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 31

permitiu a intensificação da atividadepecuária. Dessas e de outras maneiras,as adaptações foram sendo realizadasno sentido de garantir a produção dosprincipais gêneros alimentícios em es-calas que permitiram atender às neces-sidades básicas da população da região,apesar do aumento demográfico veri-ficado no período.

As decisões sobre o manejo em contextos dealta variabilidade climática, como o verificado na região,são tomadas em função de análises da situação do mo-mento. As chuvas podem cair a qualquer hora entre osmeses de abril e julho e terminar inesperadamente, o quetorna difícil predeterminar a melhor época para o plantio epara a execução de outras atividades de manejo. Se aschuvas pararem de cair no princípio da estação de cultivoem Kano, onde há dois períodos de colheita (o primeiro éo do milheto e o segundo o de sorgo, caupi e amendoim),o trabalho será orientado prioritariamente para a capina epara as colheitas realizadas no segundo período.

Assegurando a produtividade

As famílias de agricultores cultivam campos demilheto e de sorgo para assegurar sua própria alimentaçãobásica. Quando o ano climático é bom, os agricultores deKano conseguem obter produções para atender às suasnecessidades, apesar dos tamanhos reduzidos de suas pro-priedades. Conseguem isso realizando adubação intensi-va com resíduos orgânicos, plantando consórcios demilheto ou de sorgo com espécies fixadoras de nitrogênioatmosférico, como o feijão caupi ou o amendoim, e capi-nando os campos de cultivo diversas vezes durante o iní-cio da estação do plantio. O material recolhido das capi-nas é fornecido como forragem para os animais. As áreasde cultivo são apenas sulcadas para que a umidade do soloseja preservada.

No norte de Maradi onde a disponibilidade deterra já foi abundante e a mão-de-obra escassa, a práticade pousio era comum. Com a diminuição da disponibilida-de de terra e com o aumento demográfico, os pousios têmse tornado mais curtos ou inviáveis, provocando quedanas produtividades dos cultivos. Para melhorar o desem-penho produtivo de suas lavouras, os agricultores deMaradi passaram a adotar algumas práticas de integração

agricultura-pecuária. Têm deixado seus animais – ou ospertencentes a pastores nômades – pastarem nas áreas decultivo nos períodos de entressafra. Durante as épocas decultivo, os animais são mantidos presos. Essa medida exi-ge o aumento de trabalho das famílias já que passam a terque fornecer forragens aos animais confinados. A introdu-ção de novas espécies geradoras de renda nas áreas decultivo e o plantio e proteção de árvores nos sistemas pro-dutivos têm sido outras estratégias adotadas espontanea-mente pelas famílias agricultoras da região.

No passado, era possível estocar grãos por atétrês anos, o que evitava que as famílias fossem levadas àmigração. Atualmente, porém, é comum que a produçãode um ano seja toda consumida antes da próxima safra.Nos piores anos agrícolas, as adaptações desenvolvidasnão são suficientes para compensar as safras perdidas.Nesses casos, muitos tomam a decisão de migrar em buscade meios alternativos de vida.

Diversificando fontes de renda ecanais de comercialização

A especialização produtiva nas regiões semi-áridas é uma aposta altamente arriscada. Essa é a razãopela qual tradicionalmente os agricultores buscam diversi-ficar suas atividades. Na região Kano-Maradi, pequenosagricultores ingressaram no mercado agrícola global pelaprimeira vez por meio dos conselhos coloniais criados parapromover a produção de amendoim e algodão para expor-tação. Na época, poucos produtores estavam dispostos aassumir os grandes riscos dessas atividades. Mantiveramseus plantios tradicionais e plantaram os cultivos para ex-portação em novas áreas. Atualmente, com a diminuição

A especializaçãoprodutiva nas

regiões semi-áridas éuma aposta altamente

arriscada. Essa é a razão pelaqual tradicionalmente osagricultores buscamdiversificar suas atividades.

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da disponibilidade de terras por família, essa opção prati-camente não é mais viável. Por outro lado, essas alternati-vas de geração de renda pelo acesso aos mercados interna-cionais logo se mostraram inviáveis devido à queda dospreços das commodities e ao surgimento de doenças epragas nas plantações.

Mais recentemente, a agricultura foi diversi-ficada com o plantio de espécies com potencial de merca-do, tal como o gergelim em Kano e a chufa1 em Maradi. Ogado produzido em ambas as regiões é cada vez mais trans-portado para cidades costeiras. Os mercados locais de ali-mentos tradicionais básicos cresceram.

As melhoria das estradas e o livre trânsito en-tre fronteiras, viabilizado por regulamentações da Comu-nidade Econômica da África Ocidental, têm permitido aosagricultores melhores condições de conseguirem oportu-nidades de trabalho temporário fora da agricultura.

Esse maior leque de oportunidades de geraçãode renda depende do fortalecimento dos mercados locaise regionais. Na região de Kano-Maradi, não há mais ne-nhum local tão remoto a ponto de não ter algum vínculocom os mercados.

A diversificação das estratégias de ob-tenção de renda pelas populações dosemi-árido africano tem favorecido aplena participação dela na economiaregional. Até o presente momento, essaevolução tem se dado praticamentesem qualquer apoio do Estado, que con-tinua ignorando a contribuição que es-sas populações têm dado para o cres-cimento econômico nacional.

Fomentando a transiçãoNem todos os agricultores encontram-se na

mesma situação. Inovações interessantes para uns talveznão sejam necessárias para outros, ou simplesmente nãopodem ser adotadas devido a obstáculos impostos pelapobreza, pela escassez de mão-de-obra, por limitaçõescolocadas pelas relações de gênero ou outros fatores.

Em outros tempos, muitas intervenções reali-zadas por agentes externos não consideravam essas dife-

Michael Mortimore:Drylands Research (Pesquisa do Semi-árido)

[email protected]

O exemplo da regiãode Kano-Maradi

demonstra a existência deum contínuo esforço

realizado pela própria populaçãolocal para se adaptar a mudançasambientais e demográficas egarantir a produção de alimentosde forma a suprir suas crescentesnecessidades de consumo.Demonstra também a capacidadedos pequenos agricultores parapromover a transição para modosde vida mais sustentáveis sobcircunstâncias adversas.

1 Chufa (tiger nut no original) - Cyperus esculentus - é uma planta da família datiririca. Seus pequenos tubérculos são consumidos em culinárias influenciadas pelacultura árabe. (n.ed.)

renças e propunham soluções únicas e padronizadas paraos problemas das famílias da região. Atualmente, a aborda-gem de desenvolvimento que tem sido mais aceita é a queparte das demandas concretas das populações, consideran-do-se as especificidades que existem no interior delas.

Em vez de classificar as pessoas em duas sim-ples categorias – “as que adotam” e “as que não adotam”as inovações propostas –, os programas de desenvolvi-mento devem reconhecer as diferenças existentes para res-ponder melhor às necessidades e valorizar melhor as poten-cialidades dos grupos com os quais trabalham. Esse enfoquetorna o serviço oferecido mais apropriado e relevante parafomentar a transição da agricultura para padrões mais sus-tentáveis.

O exemplo da região de Kano-Maradi demons-tra a existência de um contínuo esforço realizado pela pró-pria população local para se adaptar a mudanças ambientaise demográficas e garantir a produção de alimentos de for-ma a suprir suas crescentes necessidades de consumo.Demonstra também a capacidade dos pequenos agricul-tores para promover a transição para modos de vida maissustentáveis sob circunstâncias adversas.

Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006 33

Publicações

Como tornar a agricultura brasileira susten-tável?

WEID, Jean Marc von der. In: CAMARGO, Aspasia,et al. Meio ambiente Brasil: avanços e obstáculospós-Rio 92. São Paulo: Ed. Estação Liberdade,2002. p.222-25.

Justifica a escolha da Agroecologia como base deuma agricultura brasileira sustentável. Aponta asconseqüências positivas que essa escolha promo-veria para o conjunto da sociedade. Entre elas,destaca a democratização do acesso à terra, a am-pliação dos empregos no campo, o aumento darenda de milhões de famílias e a ampliação da ofer-ta de alimentos.

Sustentabilidad ycampesinado: seisexperiencias agro-ecológicas en Lati-noamérica.

ASTIER, Marta;HOLLANDS, John(Ed.). México: Mun-di-Prensa, 2005.262p.

Apresenta uma me-todologia útil paraavaliar a sustentabi-

lidade de agroecossistemas em processo de transiçãoagroecológica. Essa mesma metodologia foi aplicada emdiferentes contextos da América Latina e deu lugar à rea-lização de seis estudos de casos que são integralmentereproduzidos na publicação. Um dos estudos foi realizadopela AS-PTA no Agreste da Paraíba.

Agricultura familiare agroecologia nosemi-árido: avançosa partir do Agresteda Paraíba.

SILVEIRA, LucianoMarçal da; PETER-SEN, Paulo; SABOU-RIN, Eric (Org.). Riode Janeiro: AS-PTA,2002. 355p.

A partir da leitura doamplo processo social em curso no Agreste da Paraíba,voltado para o desenvolvimento e a disseminação de ino-vações técnicas, metodológicas e político-organizativas,

apresenta propostas concretas de transição do atual pa-drão de desenvolvimento agrícola da região para um maissustentável. O livro está organizado em três seções. Aprimeira apresenta o ponto de vista da AS-PTA a respeitodos processos técnicos e metodológicos que conduzem adinâmicas de inovação agroecológica conduzidas pelas or-ganizações locais da agricultura familiar. A segunda partetraz um conjunto de artigos e resumos de pesquisas resul-tantes da interação dos agricultores-experimentadorescom profissionais da área científica. Por fim, apresenta osresultados da oficina de trabalho promovida em 2000, apartir da parceria entre a AS-PTA e o Centro de Coopera-ção Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desen-volvimento (Cirad), para análise crítica dos conteúdos emétodos empregados no processo local de pesquisa e de-senvolvimento.

34 Agriculturas - v. 3 - no 3 - outubro de 2006

A Revolução estáficando verde: ex-perimentos cuba-nos com agricul-tura orgânica.

ROSSET, Peter;BENJAMIN, Medea.Rio de Janeiro: AS-PTA; Ijuí: UNIJUÍ,1995. 110p.

Analisa as mudançasque ocorreram naagricultura cubana apartir de 1990, quan-

do houve o colapso das relações comerciais com o blocosocialista. Na impossibilidade de manter os padrões produ-tivos baseados no alto emprego de insumos industriais epetróleo, a agricultura cubana passou por uma transiçãoorientada para a manutenção das produtividades com ouso de processos ecológicos. A conversão da agriculturaconvencional para a orgânica foi analisada sob vários ângu-los: implicações no plano econômico, o manejo de pragas edoenças, o manejo dos solos, o emprego da mão-de-obra ea produção de novos conhecimentos técnicos. A experiên-cia cubana representa a maior tentativa da humanidade emrealizar a conversão de sistemas produtivos modernizadospara sistemas mais sustentáveis.

Accion colectiva yprocesos de transi-cion agroecologicaen Rio Grande doSul, Brasil.

COSTABEBER,Jose Antonio. Cór-doba, Espanha: Uni-versidad de Cordoba,1998. 422p.

Em sua tese de dou-toramento, o autoridentificou as razõesque fundamentam

as ações coletivas de geração de processos de transiçãoagroecológica na realidade da agricultura familiar do RioGrande do Sul. Após contextualizar as bases empíricas emetodológicas com que conduziu a pesquisa, enfoca otema da agricultura familiar no contexto do desenvolvi-mento do capitalismo no campo, aborda a questão dahegemonia do paradigma produtivista e a necessidadeda emergência do paradigma da sustentabilidade. Carac-teriza a agricultura familiar e a sociedade rural do RioGrande do Sul e analisa dados empíricos sobre o proces-so de ecologização e construção coletiva da transiçãoagroecológica a partir de três dimensões: econômica, so-cial e ambiental.

Introducción a la agroecología como desarrollo rural sostenible.

GONZALEZ DE MOLINA, M.; SEVILLA GUZMAN, E.; GUZMAN CASADO G.(Coord.) Madri: Mundi-Prensa, 2000. 535p.

Relata experiências de transição da agricultura industrializada para a agricultu-ra ecológica utilizando o conhecimento local como chave para o desenvolvi-mento de sistemas sustentáveis. A publicação ressalta a importância das di-mensões sociais e políticas nesses processos de transição e está subdividida emduas partes: a primeira consiste na interpretação teórica do modelo atual demanejo dos recursos naturais e das forças sociais, econômicas e políticas que ocondicionam; a segunda parte apresenta experiências concretas de transiçãoagroecológica.

EventosN

ovem

bro VI Encontro Nacional da Articulação do Semi-árido Brasileiro – VI Enconasa

Data: 20 a 24 de novembro de 2006Local: Crato (CE)Informações: www.asabrasil.org.brCom o tema “Agricultura familiar: tecendo vida, fomentando sonhos e construindo novas relações soci-ais no semi-árido brasileiro”, a Articulação do Semi-árido Brasileiro (ASA-Brasil) realizará, entre os dias20 e 24 de novembro, no Crato, Ceará, o VI Enconasa. O evento, que terá início com um “Cortejo daslutas e tradições dos povos do semi-árido brasileiro”, discutirá um projeto de desenvolvimento sustentá-vel fundamentado no princípio da convivência com o semi-árido. Os debates no evento serão referenciadosnas experiências concretas expostas na feira de “saberes e sabores” e nas visitas de intercâmbio queocorrerão na região.

VII Seminário Internacional sobre AgroecologiaVIII Seminário Estadual sobre Agroecologia

Data: 21 a 23 de novembro de 2006

Local: Porto Alegre (RS)Informações: www.emater.tche.brSerão realizados, entre os dias 21 e 23 de novembro de 2006, no Auditório Dante Barone da AssembléiaLegislativa, em Porto Alegre (RS), o VII Seminário Internacional sobre Agroecologia e o VIII SeminárioEstadual sobre Agroecologia. Partindo da reflexão em torno de experiências práticas e abordagens teóri-co-conceituais, o objetivo dos seminários é o contribuir no processo de construção paradigmática paraorientar estilos de agricultura de base ecológica e estratégias de desenvolvimento rural. O tema-chavedeste ano é “Educando para a cidadania e o desenvolvimento rural sustentável” e será desenvolvidoancorado em quatro eixos: a) políticas públicas e sustentabilidade; b) ecossistemas ameaçados etecnologias; c) relações entre comunidades rurais e urbanas; d) educação agroecológica e desenvolvi-mento rural.

IV Congresso Brasileiro de Agroecologia

Data: 21 a 23 de novembro de 2006Local: Belo Horizonte (MG)Informações: http://www.emater.mg.gov.br/site_emater/cba-agroecologia2006/index.htmCom o tema “Construindo horizontes sustentáveis”, será realizado o IV Congresso Brasileiro deAgroecologia (IV CBA), entre os dias 20 e 23 de novembro de 2006, em Belo Horizonte. O congresso épromovido pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e realizado pela coordena-ção geral da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), AssociaçãoBrasileira das Entidades de Assistência Técnica e Extensão Rural (Asbraer), Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG), Sociedade Mineira dos Engenheiros Agrônomos (SMEA), Embrapa e diversasoutras instituições públicas e privadas. A organização do evento recebeu 513 trabalhos técnico-científi-cos que serão apresentados nos painéis do evento.

Visite a página da Revista Agriculturas e tenha acesso atodos os artigos publicados nas edições anteriores, bemcomo aos mais de dois mil artigos sobre experiências emagroecologia publicados nas revistas Leisa Global, latino-americana, indiana, indonésia e africana ocidental.O usuário também encontrará informações sobre as próxi-mas edições, instruções para elaboração e envio de arti-gos, além de poder se subscrever para receber a revistaimpressa.

Acesse: http://agriculturas.leisa.infoA página conta ainda com a seção “dossiês temáticos”que oferece fontes de informação adicionais sobre os te-mas abordados em cada número. Finalmente, na seção“documentação”, o usuário poderá ter acesso ao centrode documentação da Fundação Ileia dedicado aos temasda agroecologia e do desenvolvimento rural sustentável.Em breve, o acervo do Centro de Documentação da AS-PTA também estará disponível para ser consultado pelapágina.

Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em Agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa latino-americana (editadano Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda).

V. 3, Nº 4 - A pesquisa em agroecologia no desenvolvimento local (prazo para recebimento de artigos já encerrado)

Apesar da estreita dependência das atividades agro-pecuárias em relação aos ecossistemas, as ciências agrá-rias convencionais se desenvolveram mantendo poucosvínculos com os princípios da Ecologia. Nos sistemastécnicos desenvolvidos segundo o enfoque científicoconvencional, os cultivos e as criações são manejadosde forma pouco conectada ao meio natural em que sãoproduzidos. As técnicas são disseminadas por meio depacotes voltados para proporcionar as condiçõesambientais adequadas para a máxima expressão produ-tiva das espécies de interesse econômico. Fertilizantesquímicos, agrotóxicos, rações industriais, irrigação emecanização intensiva são alguns dos instrumentosempregados para isso. Cria-se assim enorme artificia-lização das condições de produção, e o meio naturalpassa a ser concebido como mero suporte físico para asatividades produtivas.Mais recentemente, com o crescimento das oportuni-dades comerciais para os alimentos organicamente pro-duzidos, um número significativo de agricultores de to-das as regiões do mundo vem abolindo o emprego deinsumos não permitidos pelas normas desse mercadoemergente. Para tanto, muitos deles se limitam a subs-tituir insumos químicos por insumos orgânicos (ou na-

turais). Embora esse procedimento represente um avan-ço inquestionável nos padrões ambientais de produção,na maioria das vezes não é capaz de promover o resta-belecimento dos vínculos ecológicos entre as espéciescultivadas e criadas e os ecossistemas. Com isso, os pro-dutores permanecem altamente dependentes deinsumos externos às propriedades e comunidades e oscustos produtivos mantêm-se tão ou mais elevados doque os da produção convencional.A edição V.4, Nº 1 da Revista Agriculturas: experiên-cias em Agroecologia publicará artigos que retratem eanalisem experiências de famílias e comunidades de pro-dutores que vêm adotando sistemas de manejo estru-turados para valorizar explicitamente os processos eco-lógicos que atuam na reprodução da fertilidade e dasanidade dos agroecossistemas, promovendo efeitospositivos sobre o desempenho produtivo das atividadesagropecuárias e reduzindo ou eliminando a necessidadedo aporte de insumos externos às propriedades.

V. 4, nº 1 - Para além da substituição de insumos: otimização de processos ecológicos na agricultura

Datas-limite para envio dos artigos:

28 de fevereiro (Revista Agriculturas)19 de fevereiro (Revista Leisa latino-americana)

Próximos números