cametá - acordos de pesca - uma alternativa econômica e organizacional

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É apresentado, por meio desta série, algumas histórias que falam desaberes, de vidas, de gente construindo formas mais sustentáveis deconvivência com o meio ambiente. Essas histórias contam com o apoio doPDA – Subprograma Projetos Demonstrativos, parte do Programa Pilotopara a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, do Ministério do MeioAmbiente.

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  • CametAcordos de pesca - uma alternativa econmica e organizacional

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    20

    06

    Camet

  • Presidncia da RepblicaPresidente: Luiz Incio Lula da SilvaVice-presidente: Jos Alencar Gomes da Silva

    Ministrio do Meio AmbienteMinistra: Marina Silva

    Secretaria de Coordenao da AmazniaSecretria: Muriel Saragoussi

    Secretaria de Polticas para o Desenvolvimento SustentvelSecretrio: Gilney Viana

    Departamento de Agroextrativismo e Desenvolvimento SustentvelDiretor: Jorg Zimmermann

    Programa Piloto para Proteo das Florestas TropicaisCoordenadora: Nazar Soares

  • ApresentaoExpedienteSubprograma Projetos Demonstrativos PDA

    Secretrio-Tcnico: Jorg Zimmermann

    Secretria-Tcnica Adjunta: Anna Ceclia Cortines

    Equipe Tcnica: Alice Guimares, Demstenes de Moraes, Elmar Castro, Ida Pietricovsky de Oliveira, Isis Lustosa, Klinton Senra, Mauricio Barbosa Muniz, Odair Scatolini, Rodrigo Noleto, Silvana Bastos e Zar Brum Soares. Estagirias: Rafaela Silva de Carvalho e Yandra Fontes Bastos

    Equipe Financeira: Cludia Alves, Luiz Henrique Marciano e Nilson Nogueira

    Equipe Administrativa: Eduardo Ganzer, Francisca Kalidaza, Mariza Gontijo e Neide Castro

    Cooperao Tcnica Alem, GTZ: Denise Lima Pufal, Margot Gaebler e Monika Grossmann

    Cooperao Financeira: Repblica Federal da Alemanha KfW, Unio Europia CEC, Rain Forest Trust Fund RFT, Fundo Francs para o Meio Ambiente Mundial FFEM

    Cooperao Tcnica: Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD, Projeto BRA/03/009. Agncia Alem de Cooperao Tcnica, Deutsche Gesellschaft fr Technische Zusammenarbeit (GTZ)

    Esta publicao foi realizada com a colaborao da Cooperao Tcnica Alem - GTZ

    Agente Financeiro: Banco do Brasil

    Consultoras: Elza Falchembach (Universidade de Iju), Ladjane Ramos e Maristela Bernardo

    Colnia de Pescadores Z-16 de CametAs experincias nas localidades de Joroca de Baixo e Cuxipiari Carmo. Camet - 2003

    Presidente: Iracy de Freitas NunesVice- presidente: Lcio Ribeiro CoelhoSecretrio: Ney Lobato GomesTesoureiro: Jos Maria Lopes de Freitas

    Equipe de SistematizaoJos Domingos Fernandes Barra, Adalberto Portilho Costa, Jos Roberto Gomes Xavier, Lcio Ribeiro Coelho, Raimundo Xavier Pereira, Waldir Sousa Trindade

    Transcrio e ElaboraoJos Domingos Fernandes Barra, Adalberto Portilho Costa, Waldir Sousa da Trindade

    DigitaoKarlianne Damasceno Furtado.

    Projeto Grfico e capa: Masanori Ohashy(Idade da Pedra Produes Grficas)

    Fotos: Denise Lima e Colnia de Pescadores

    Copy desk: Mara Vanessa Dutra

    Apresentamos, por meio desta srie, algumas histrias que falam de

    saberes, de vidas, de gente construindo formas mais sustentveis de

    convivncia com o meio ambiente. Essas histrias contam com o apoio do

    PDA Subprograma Projetos Demonstrativos, parte do Programa Piloto

    para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil, do Ministrio do Meio

    Ambiente.

    Ao longo de seus dez anos de vida o PDA apoiou e apia cerca de 320

    projetos na Amaznia e na Mata Atlntica. A histria do PDA as histrias

    dos projetos apoiados pelo Subprograma tem demonstrado que h um

    acmulo de conhecimento sendo gerado pelas comunidades e organizaes

    de produtores familiares, criando e testando novas tecnologias e sistemas

    de produo sustentvel. H um saudvel dilogo entre conhecimento

    tradicional e novas informaes, apontando perspectivas viveis que,

    em alguns casos, j saem do limite do demonstrativo e passam a fazer

    parte de polticas pblicas locais e regionais. Importante lembrar que o

    que para o poder pblico valorizado por seu potencial demonstrativo,

    para os produtores e comunidades envolvidos a vida real sua vida, sua

    sobrevivncia.

    As histrias desta srie so narradas pelos prprios grupos envolvidos

    nos projetos apoiados pelo PDA. As narrativas so resultado de um processo

    de sistematizao de experincias cujo desafio maior aprender com as

    prticas, fazendo, destas, objeto de conhecimento. Em um projeto piloto

    realizado entre julho de 2003 e maro de 2004, onze iniciativas apoiadas

    pelo PDA sistematizaram alguns aspectos de suas prticas. O resultado so

    onze histrias reais, contadas por muitas vozes, tecendo narrativas cheias

    de vida, reflexo, descobertas, aprendizados.

    Cada grupo ou comunidade contou sua histria de seu jeito. Para isso

    criou momentos e instrumentos, experimentou metodologias, fez caminho

    ao andar. Os textos da srie revelam essa experimentao metodolgica,

    mantendo as estruturas e narrativas criadas por cada grupo envolvido.

    Como na vida, os textos das sistematizaes no seguem um nico roteiro,

    mas inventam seus prprios mapas narrativos.

    O PDA com alegria apresenta essas histrias de saberes, de gentes,

    de vidas, com o desejo de estar contribuindo para demonstrar caminhos

    possveis para polticas pblicas mais adequadas produo familiar, s

    comunidades tradicionais e ao meio ambiente.

    Jorg Zimmermann

    Secretrio Tcnico PDA

  • Introduo A construo da Usina Hidreltrica de Tucuru ameaas externas O papel da Igreja na mudana dos

    padres de organizao social e dominao econmica

    Um recorte sobre os movimentos sociais no Brasil

    Os movimentos sociais no Brasil e os pescadores no Par

    Um perfil do Conselho Pastoral da Pesca - CPP

    Movimento Nacional dos Pescadores Monape

    Movimento dos Pescadores do Par Mopepa

    O Contexto do Municipio de Camet A Colnia de Pescadores Z-16 de

    Camet: Lutas e Conquistas. Os Acordos de Pesca no Municpio

    de Camet Conjunto de Regras dos Acordos

    de Pesca

    Sumrio

    6

    12

    14

    16

    17

    18

    19

    21

    24

    28

    31

    22

  • Srie Sistematizao

    As Experincias dos Acordos de Pesca nas Comunidades do Municpio de Camet O Acordo de Pesca do Rio Jorocazinho de Baixo Acordos de Pesca da Localidade de Cuxipiari Carmo

    Os desafios para o futuro: as novas alternativas para a pesca Aprendizados e recomendaes Concluses

    Glossrio de alguns termos usados na narrativa

    34

    58

    51

    34

    5862

    64

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet

    Esse rio minha rua,Minha e tua murur,Piso no peito da lua,

    Deito no cho da mar.(Paulo Andr e Ruy Barata)

  • Srie Sistematizao

    IntroduoA regio do Baixo Tocantins compreende nove municpios e

    viveu uma fase urea da economia da borracha, a exemplo de

    toda a Amaznia, nos idos de 1850 a 1970. A partir da, veio a fase

    da produo de pimenta-do-reino. Nos anos 80, novas formas

    de ocupao foram iniciadas, com a implantao de grandes

    projetos governamentais e empresariais, culminando com a

    implantao da Usina Hidreltrica no rio Tocantins, no municpio

    de Tucuru, no Par.1

    Esse perodo ainda fortemente marcado pela dominao

    das oligarquias rurais, um mundo que foi pautado por regras

    muito particulares de dominao, em que o pleno exerccio da

    cidadania, por parte dos trabalhadores, encontrava limite nas

    diversas formas de dominao a que eram submetidos. Essa

    foi a estrutura de poder vigente em quase toda a Amaznia,

    sobretudo onde predominou o extrativismo.

    1 Alm de Tucuru, houve a instalao do complexo Albras/Alunorte em Barcarena, sendo os dois responsveis pelos impactos ambientais no Tocantins.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet

    Em Camet a pesca como atividade extrativa teve seus

    dias de domnio por grupos polticos locais que financiavam

    apetrechos na forma de aviamento prendendo, assim,

    o pescador, que sempre ficava devendo. Esses grupos

    fortaleciam suas relaes polticas fazendo concesses de

    espaos e recursos pblicos para seus aliados.

    Com a construo da barragem de Tucuru o impacto

    mais forte foi sobre a produo pesqueira. Isto ameaou

    a sobrevivncia das populaes locais, tanto as urbanas

    (consumidoras) quanto as ribeirinhas (pescadores

    artesanais) e os mercadores (atravessadores).

    No contexto dos anos 80 e incio dos anos 90 surgiram

    as unidades de mobilizao atingidos por barragens,

    remanejados, assentados que, na regio Tocantina,

    integravam os STRs (Sindicatos dos Trabalhadores Rurais),

    juntamente com as Colnias de Pescadores e outros

    segmentos sociais. Esse movimento desencadeou um

    processo de luta que buscava recompor as condies de vida

    anteriores, recusando-se aceitao passiva da poltica da

    Eletronorte.

    Uma das iniciativas buscadas pelos pescadores foi a

    conservao dos recursos pesqueiros e florestais por meio

    dos Acordos de Pesca ou Acordos de Preservao.

    Qualquer que seja a denominao reflete a preocupao

    com a escassez do pescado e as futuras condies de

    sobrevivncia das famlias.

    Este trabalho de sistematizao debrua-se sobre esses

    Acordos de Pesca no municpio de Camet, especialmente

    nas aes desenvolvidas no perodo de 2001 a 2003, quando

    a Colnia Z-16 recebeu apoio do PDA2 para a realizao do

    Projeto de Apoio a iniciativas comunitrias: preservao

    dos recursos aquticos, manejo florestal e piscicultura

    familiar como estratgias de valorizao de comunidades

    ribeirinhas.3

    2 PDA Subprograma Projetos Demonstrativos, do Programa Piloto para Proteo das Florestas Tropicais do Brasil (Programa Piloto), Ministrio do Meio Ambiente (MMA).

    3 O projeto PDA aconteceu num perodo maior: de setembro de 2001 a janeiro de 2005, mas o perodo sistematizado vai at 2003, quando foi feito o processo de sistematizao. Alguns ajustes a atualizaes foram feitas em agosto de 2005, por ocasio da visita de uma equipe do PDA a Camet, com a finalidade de colher mais alguns depoimentos e discutir com a Colnia a finalizao da narrativa.

  • Srie Sistematizao

    A experincia foi sistematizada com os seguintes objetivos: promover

    reflexo sobre a situao scio-econmica e ambiental dos pescadores

    artesanais; e contribuir para que haja adeso e expanso dos acordos de pesca

    a outras comunidades.

    O processo de sistematizao teve como eixo temtico: os acordos de pesca

    como alternativa econmica, alimentar e organizacional para os pescadores

    artesanais de Camet. O trabalho foi orientado pelas questes:

    Em que contexto social e poltico as iniciativas foram construdas?

    Essas iniciativas serviram como mobilizao e organizao das localidades em torno da proposta dos movimentos sociais da regio?

    Qual foi a relao dessas iniciativas com as polticas oficiais? Havia respaldo legal? Como se conseguiu?

    Como foram resolvidos os conflitos e em que intensidade eles aconteceram?

    Quais os parmetros de sustentabilidade utilizados e como foram medidos?

    A sistematizao partiu destas questes orientadoras e comeou com

    a realizao de reunies com os pescadores moradores das localidades de

    Cuxipiari Carmo e Joroca de Baixo. Essas comunidades foram escolhidas por

    serem aquelas com um trabalho mais antigo e que, portanto, poderiam servir

    de referncia para as demais. Foram utilizadas metodologias participativas

    nessas reunies. Comeavam com o grupo todo, depois dividiam em grupos

    focais, como: os mais antigos, os jovens, as mulheres, o pessoal de fora

    gente que vive fora, mas que da comunidade. As questes eram discutidas

    nesses grupos menores e depois voltavam para o grupo. Foram tambm

    feitas entrevistas individuais, definidas pela equipe de sistematizao (um

    engenheiro agrnomo, dois pedagogos e membros da diretoria da Colnia de

    Pescadores). As falas foram gravadas e transcritas (na ntegra), com posterior

    anlise pela equipe encarregada do trabalho. As anlises foram realizadas

    com foco nas dinmicas dos movimentos sociais, que trabalham no sentido

    da participao e da indignao com os rumos dos projetos polticos e de

    investimentos na regio.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet

    Atualmente, existem

    acordos nas comunidades de

    Vila de Janua Coellis, Paruru

    de Janua-Coelis (que envolve

    as localidades de Manoel

    Raimundo e Curupitomba),

    Jaracuera, Gama (que envolve

    as comunidades Capiteua,

    Ajara e Itanduba), Guajar

    (que envolve os rios Ajar e

    Caxinguba), Joroca de Baixo,

    Cuxipiari Carmo, Cuxipiari

    Furo Grande, Cuxipiari Costa,

    Tem-tem, Contra-Mar, o que

    demonstra que a mobilizao

    em torno da busca de um

    padro de vida sustentvel

    possvel.

  • Srie Sistematizao10

    Os acordos de pesca so fortalecidos

    medida que ganham apoio de outras

    instituies, como Ibama (Instituto Brasileiro

    do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    Renovveis), Colnia de Pescadores, ONGs,

    Prefeituras etc. Com isso, vai se construindo

    uma nova forma de gesto dentro do

    municpio. Depois de dois encontros

    amaznicos sobre Acordos de Pesca o Ibama/

    MMA normatizou a criao dos acordos atravs

    da Portaria 029 de 31 de dezembro de 2001.

    Isto representou o reconhecimento pblico da

    eficcia da iniciativa e um reforo legal para as

    comunidades.

    Atualmente, em Camet, h 30 Agentes

    Ambientais Voluntrios credenciados pelo

    Ibama4, que fazem o monitoramento e

    fiscalizao dos acordos de pesca, garantindo

    a segurana noturna e o compromisso firmado

    pelas comunidades. No processo de formao

    desses agentes foram realizados cursos de

    legislao, apoiados pelo PDA.

    4 A formao e o credenciamento de Agentes Ambientais Volunrios/AAV um programa criado pelo Ibama, baseado na lei nmero de 9608 de fevereiro de 1998, que dispe sobre servio voluntrio com a finalidade de propiciar a toda pessoa fsica ou jurdica, auxiliar o Ibama em atividades de educao ambiental, proteo, preservao e conservao dos recursos naturais em unidades de conservao federal e reas protegidas.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 11

    A fiscalizao um problema que eu dizia, quando a gente faz os nossos cursos: chato pra caramba a gente colocar no intuito que vai ser fiscal. Tem que acabar com essa histria de fiscal. Mesmo tendo as razes ambientais, eles no so fiscais. Porque, na hora que esses fiscais saem, parece que vira baderna! A gente tem que conversar pra que no haja fiscal ambiental, e sim vrios agentes. Que, se a gente pudesse, que todas as famlias tivessem seus agentes. A, pode desmistificar esse negcio de fiscal tambm. Tem que cultivar a idia, na rea do acordo, que todos so no fiscais do meio ambiente, mas responsveis pelo que escreveram e assinaram no acordo.

    Dona Rita,moradora da comunidade de Jorocazinho de Baixo

  • Srie Sistematizao12

    A construo da Usina Hidreltrica de Tucuru foi o maior

    impacto causado pela ao humana na regio. Dela decorrem

    graves problemas ambientais provenientes da imensa rea

    inundada que submergiu florestas inteiras. Ao entrar em

    decomposio, a floresta libera gs metano e xido de enxofre,

    tornando a gua extremante cida. Essa acidez e a multiplicao

    de algas causada pelo material em decomposio alteram os

    aspectos fsicos e qumicos da gua, causando impacto na

    reproduo de grande parte das espcies pisccolas. Segundo

    alguns moradores vrias espcies de peixes, que antes eram

    comuns na regio, quase desapareceram por conta da brusca

    mudana na qualidade da gua.

    Alguns outros impactos de Tucuru so: a reteno da maioria

    das espcies acima da barragem; o empecilho migrao

    das espcies de piracema (migradoras); aumento de doenas

    causadas pela m qualidade da gua para consumo; lanamento

    de herbicida como desfolhante para retirada da madeira

    submersa etc.5

    A construoda Usina Hidreltrica

    de Tucuru

    ameaasexternas

    5 Aps a construo da UHE Tucuru, a produo pesqueira de jusante sofreu um grande declnio, passando de 1.200 toneladas em 1981, para 186 toneladas em 1986. Entretanto, dados divulgados pela Sudepe (hoje Ibama) ressaltam que, desde 1978, as capturas j vinham apresentando uma tendncia de queda progressiva. O declnio registrado nas capturas pode ser um reflexo da ao conjunta dos impactos da barragem sobre a produtividade do sistema jusante e sobre o ciclo hidrolgico do rio, da sobre-pesca dos principais estoques e do acelerado desmatamento das margens do Tocantins. Recentes estudos realizados pela Eletronorte, demonstram que a produo jusante da barragem comeou a mostrar os primeiros sinais de recuperao, pois, enquanto no perodo de 1981 a 1989, os desembarques apresentaram uma queda na produo anual, sendo registradas 1.188 toneladas em 1981, 640 toneladas em 1987 e 1988 e 529 toneladas em 1989; dados atuais, coletados nos anos de 2001 e 2002, apontam para uma produo pesqueira local em torno de 680 e 750 toneladas/ano respectivamente. Este patamar ainda inferior aos nveis anteriores de produo e, com base apenas nos dados de desembarque, fica difcil saber se esse incremento representa de fato uma tendncia de recuperao ou conseqncia de uma nova dinmica da pesca na regio.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 13

    O mapar (Hypophytalmus marginatus), peixe smbolo da regio, principal

    integrante da dieta alimentar dos ribeirinhos, exmio migrador e que tem sua dieta

    baseada no consumo de fito e zooplncton, foi o mais afetado.

    Na floresta, a mortandade dos cacaueiros nativos (acredita-se que devido ao

    efeito do herbicida Tordon, utilizado a montante) e a reduo da reposio dos

    nutrientes na vrzea afetaram a produo e produtividade dos aaizais. O corte

    dos aaizais para retirada do palmito e a derrubada da madeira foram as primeiras

    aes do homem da regio para garantir sua sobrevivncia, acentuando os

    problemas ambientais.

    A populao, embora atnita com os impactos nas suas vidas, ouvia os

    discursos inflamados das elites e oligarquias locais de que isso era necessrio

    para vir o desenvolvimento. Somente aps o incio da dcada de 90, com as

    mobilizaes, houve reao da populao.

  • Srie Sistematizao1

    6 As irmandades eram instituies laicas que se encarregavam de organizar de ano em ano a festa do santo da localidade, quando as pessoas faziam suas promessas, esperando alcanar uma graa e pagavam a promessa no perodo das festas ou mesmo antecipadamente na casa do dono do santo.

    7 Comerciantes aviadores so aqueles que suprem as necessidades dos extrativistas adiantando a eles produtos de que necessitam para sua sobrevivncia e recebendo o pagamento em produo (a maioria no recebe em dinheiro, mas sim em produo). Ou seja, o extrativista entrega ao aviador sua produo para pagar a dvida da compra antecipada de gneros alimentcios e outras mercadorias que o comerciante lhe havia fiado. um sistema de crdito sem dinheiro, no qual o extrativista se v cada vez mais endividado.

    O papel da Igreja na mudana dos padres de organizao social e dominao econmica

    Devido s mudanas nos ecossistemas locais, com conseqente mudana

    nos modos de vida, a populao ribeirinha, os pescadores e extrativistas

    adotaram estratgias de (re)produo com a criao de animais domsticos,

    se integraram a projetos de crditos bancrios e passaram a criar peixe em

    cativeiro, em tanques escavados nas ilhas, com recursos financiados pela Igreja

    Catlica.

    A Igreja, dessa maneira, iniciou uma insero nas comunidades,

    promovendo verdadeira ruptura das irmandades6 organizaes religiosas

    de devoo a um determinado santo - com os caciques polticos locais, e

    organizando as Comunidades Eclesiais de Base. Isso foi um susto para a

    oligarquia local a igreja, que deveria prometer o cu, resolve promover a

    organizao das comunidades ao redor de projetos produtivos! O costume era a

    organizao a partir das irmandades; a cada ano, o dono do santo promovia

    a festa daquela devoo. A arrecadao para realizar a festa era feita a partir da

    ajuda dos padrinhos polticos, figures da poltica local que patrocinavam

    as festas e se consideravam caciques das irmandades.

    Em Camet a festa das irmandades teve uma particularidade: a exigncia

    de aquisio de uma coroa de ouro ou prata para o santo, o que tornava esta

    tarefa bastante onerosa para os camponeses. Ento, as famlias de comerciantes

    aviadores7 faziam esse papel e tornavam-se donos da festa e do santo. Os

    recursos dos pagamentos de promessa eram posse do dono do santo.

    Na localidade de Cuxipiari trs famlias juntaram o ouro e a prata e mandaram fazer a coroa da Trindade dos Inocentes ... O dono do santo era presidente da festa, o filho do dono do santo conseguiu (doado por polticos) material de pesca e tornou-se um pequeno empresrio e conseguiu vaga de professora para a filha e empregos para todos os filhos.

    Morador de Cuxipiari Carmo

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 1

    As irmandades

    se aproximavam de

    comerciantes e das

    oligarquias locais de

    polticos em troca de

    benefcios, comeando pela

    coroa, depois empregos,

    construo de barraco

    etc. Em troca os dirigentes

    das irmandades assumiam o

    compromisso de convencer os

    irmos e o povo das cercanias

    a votar naquele que conseguia o

    servio; ou seja, o dono do santo era o

    cabo eleitoral da rea.

    O mesmo padro de relao estabelecida entre aviador

    e aviado se dava tambm entre devoto e padroeiro - uma forma de domnio atravs da religio,

    tanto quanto o domnio atravs do aviamento. No caso da religio a dvida no era com o patro,

    mas com o santo. Portanto, no podia ser quebrado o princpio do compromisso, da lealdade e da

    reciprocidade.

    Com a criao das Comunidades Eclesiais de Base/CEBs muitas irmandades transformaram-se em

    comunidades de base. O carter econmico dos festejos permanece, mas agora os recursos so para

    a prelazia de Camet. O controle passou para a hierarquia eclesistica, entrando em coliso com os

    dois sustentculos bsicos do modo de organizar a vida social em Camet: os santos padroeiros e os

    comerciantes patres, figuras que representavam a segurana para devotos e clientes.

    As irmandades que ainda persistem esto, pouco a pouco, aceitando a presena dos padres

    e as aes pastorais. As famlias tradicionais e polticas da oligarquia local se afastaram da Igreja

    Catlica Romana e se juntaram para que fosse ordenado um padre da Igreja Catlica Brasileira, na

    qual se congregam. Constantemente os padres prelados so duramente criticados nos veculos de

    comunicao de propriedade do Deputado Gerson Peres, o maior perdedor com a nova organizao

    da Igreja na regio, j que era um dos maiores figures, com 1500 afilhados em Camet.

    Camet sede de prelazia. A igreja comeou a financiar projetos de criao de peixe, de frango,

    cantinas comunitrias, remdios caseiros, hortas comunitrias e outros. Algumas dessas iniciativas,

    j mais amadurecidas, foram apoiadas posteriormente no bojo do projeto da Colnia Z-16 aprovado

    pelo PDA.

  • Srie Sistematizao1

    Um Recorte Sobre os Movimentos Sociais no Brasil

    Para se estudar os movimentos sociais no Brasil, deve-se considerar as

    especificidades polticas, econmicas e sociais de cada perodo. Tambm

    deve ser ressaltado que as organizaes de classe, na maioria dos casos,

    sempre estiveram atreladas ao Estado, que monitorava suas aes, evitando

    o desgaste e o perigo ordem e ao governo vigentes e legitimando o

    poder governamental. Essa foi uma das caractersticas das ditaduras no

    continente latino-americano.

    No Brasil, foi no mbito da discusso sobre a reforma agrria que se

    articularam e surgiram vrios movimentos sociais no campo. Foram alvos

    de aes de reao, com assassinatos de sindicalistas e outros lideres com

    poderes de articulao entre os trabalhadores rurais.

    Na dcada de 70 a pobreza na regio cresceu de forma elevada. Alguns

    trabalhadores articularam-se numa participao mais efetiva do homem

    do campo no processo poltico nacional. Os movimentos sociais no campo

    viviam um cenrio fragmentado, no qual as aes ocorriam de maneira

    dinmica em vrias direes e os atores sociais se envolviam com suas

    ansiedades, esperanas e decepes. Esse era o cenrio poltico em reas

    pesqueiras.

    Agora vamos enfocar a lente desta abordagem para questes micro,

    desvelando os pescadores no processo de participao e organizao

    poltica em movimentos de carter social. Faremos um rpido resgate

    histrico da participao dos pescadores em alguns movimentos sociais

    - um perfil histrico do surgimento do Movimento Nacional dos Pescadores/

    Monape, do Movimento dos Pescadores do Par/Mopepa e do Conselho

    Pastoral da Pesca /CPP.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 1

    Os Movimentos Sociais no Brasil e os Pescadores no Par

    A participao dos pescadores em levantes populares foi essencial para o

    processo de independncia poltica do pas8. Porm, como parte das estratgias

    elitistas, essa participao dos pescadores em alguns movimentos de carter

    revolucionrio foi jogado para segundo plano nas histrias oficiais.

    Foi na Cabanagem que se visualizou o pescador participando de reaes por

    uma melhoria na qualidade de vida. Os Cabanos - como eram chamados os

    integrantes do movimento eram, em sua maioria, pessoas que moravam em

    reas ribeirinhas da Amaznia. A estavam os pescadores.

    No entanto, deve ser lembrado que a Cabanagem no era uma reao

    genuna dos trabalhadores da pesca, mas um processo cujo objetivo era um

    projeto maior de conquista social. At o perodo da Cabanagem, os pescadores

    no se encontravam organizados em associaes e sindicatos. Oficialmente, no

    Brasil e, especialmente, no estado do Par, estes se organizaram a partir da

    criao, pelo governo federal, da CNP (Conferncia Nacional dos Pescadores),

    da FEPA (Federao Estadual dos Pescadores) e das Colnias de Pesca, em

    19309. Estas organizaes oficiais foram criadas com objetivo de manipular e

    tutelar os pescadores. Isso ficava evidente pela relao entre governo central

    e os presidentes destas entidades o governo nomeava os presidentes das

    colnias e federaes que, no geral, eram administradores alheios ao cotidiano

    do pescador, mas que atendiam ao perfil administrativo imposto pelo governo

    federal.

    Nas ltimas dcadas, a postura de omisso das entidades oficiais na pesca

    provocou discusses entre as lideranas pesqueiras, desembocando na criao

    de sindicados e associaes, em nveis nacional, estadual e municipal. Percebe-

    se um avano significativo na organizao poltica no mbito da pesca, quando

    se tem como parmetro a subjugao poltica deste setor no processo histrico

    do Brasil e do Par.

    A organizao dos pescadores em associaes e sindicatos se deu com mais

    nfase nos anos da abertura poltica, na dcada de 80, com aes politicamente

    arrojadas, a exemplo da criao do CPP (Conselho Pastoral da Pesca), vinculado

    CNBB(Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil). Com a campanha para a

    Constituio Brasileira de 1988, alguns pescadores mais atuantes no processo de

    articulao poltica criaram um movimento paralelo neste perodo, denominado

    Constituinte da Pesca. Tinha como objetivo buscar a autonomia poltica e

    sindical dos pescadores. Isso foi garantido, posteriormente, com o surgimento

    do Monape, que, estrategicamente, estendeu suas bases de atuao s

    representaes estaduais.

    8 Trata-se aqui da independncia poltica oficial.

    9 As colnias tiveram sua criao originadas por um decreto de outubro de 1817, do rei de Portugal D. Joo VI, que consistia em criar vilas de pescadores ou colnias (da o nome) como forma de controlar a pesca e os pescadores para servir aos interesses da coroa (no caso, colher alimentos). Em 18 de maro de 1818 foi criada a primeira colnia de pescadores em Santa Catarina. A partir de 03 de maro de 1920 os assuntos da pesca passam para a Marinha, que cria hierarquias para melhor controlar a pesca e evitar levantes dos pescadores, como no passado. Da, em 1930, criam-se as Federaes Estaduais e a Confederao Nacional. Pelo Estatuto de 1973, as confederaes estaduais passaram a se chamar Federao, da surge a FEPA.

  • Srie Sistematizao1

    Um perfil do Conselho Pastoral da Pesca

    O CPP uma pastoral social ligada CNBB10, que tem como objetivo

    desenvolver trabalhos voltados promoo social dos pescadores

    artesanais e suas famlias, formar lderes e acompanhar as organizaes

    pesqueiras, basicamente no nordeste do Par.

    Na regio norte do Brasil o trabalho do CPP junto aos pescadores

    desenvolve-se quase que exclusivamente no Par, embora j tenham

    ocorrido contatos preliminares nos estados do Amazonas e Amap.

    Sua prioridade est na valorizao da relao do pescador com o meio

    ambiente, comeando por sua autovalorizao nos aspectos poltico, social

    e cultural - elementos para a construo de sua identidade pesqueira.

    So vrias as regies atendidas, dentre elas: Tocantins, Tapajs, Xingu

    e Salgado. No Tocantins as cidades atendidas foram: Camet, Tucuru, Breu

    Branco, Limoeiro do Ajur, Baio, Mocajuba e Oieras do Par; no Tapajs:

    Santarm, Prainha e Aveiro; na regio do Salgado: Santo Antnio do Tau,

    Maracan, Quatipuru e Marapanim; no Xingu: Porto de Moz, Souzel e Vitria

    do Xingu.

    10 Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 1

    Movimento Nacional dos Pescadores Monape

    O Monape nasceu dos anseios de uma classe que historicamente foi excluda dos

    direitos constitucionais. Alis, a histria dos pescadores artesanais no Brasil sempre

    foi marcada por lutas e conquistas. E havia a influncia do impacto organizacional

    efervescente da dcada de 70. Esse movimento teve seu nascimento a partir da

    sensibilidade de um frei franciscano de origem alem, Frei Alfredo que em 1970 veio

    morar no estado de Pernambuco, numa regio onde a concentrao de pescadores era

    grande.

    Inicialmente, o grande papel do Monape era fazer com que os pescadores

    adquirissem maior clareza de sua prpria situao e assim, de forma organizada,

    pudessem construir um sindicato capaz de melhorar e buscar recursos para o

    desenvolvimento da pesca artesanal. O grande passo, depois de criado o Monape

    era legitimar juridicamente e legalizar, perante a Constituio, algo que respaldasse

    a classe pescadora. Houve mobilizao nacional dos pescadores a fim de sensibilizar

    o governo federal para que fosse institucionalizada uma categoria de classe, de

    modo que os pescadores pudessem buscar melhores condies de vida. Destaca-

    se a Constituinte da Pesca, uma grande assemblia nacional que objetivava criar

    propostas para ser includas na legislao de 1988. Lutas incessantes foram realizadas

    junto aos rgos competentes: Ministrio da Agricultura e Sudepe (Superintendncia

    do Desenvolvimento da Pesca).

    A Constituio de 1988, em seu artigo 8, pargrafo nico, inc. I, estabelece:

    as disposies deste artigo aplicam-se organizao de Sindicatos Rurais e de

    Colnias de Pescadores, atendidas as condies que a lei estabelecer. No artigo

    correspondente, estabelece-se que livre a associao profissional, observando o

    seguinte: a lei no poder exigir autorizao do Estado para a fundao de sindicato.

    O objetivo do Monape , com a credibilidade dos pescadores, avanar nas

    conquistas das estruturas oficiais de suas representaes, fortalecendo-as e

    assegurando a autonomia poltica e econmica por melhores condies de vida e

    trabalho. As estratgias para atingir tais objetivos esto na realizao de seminrios

    e encontros para pescadores, crianas e jovens, incentivando a participao de

    lideranas locais no processo de capacitao; na produo de boletins e cartilhas

    informando sobre a importncia dos pescadores; na sindicalizao da mulher; na

    necessidade de associao na colnia para futuras aposentadorias; e em prestar

    informaes gerais sobre a relao sustentvel com o meio-ambiente.

  • Srie Sistematizao20

    O Monape tem um papel poltico-administrativo e de dinamizao para levantar a

    realidade do setor pesqueiro e das organizaes na pesca. As discusses e propostas so

    avaliadas em seus congressos nacionais internos. Busca-se negociar com rgos pblicos

    e bancos oficiais o acesso dos pescadores artesanais ao crdito, viabilizando alternativas

    econmicas com propostas de projetos s fontes de fomento.

    Est presente diretamente em 12 Estados, com 198 Colnias de Pescadores e quatro

    sindicatos, em contato para ampliao do movimento em mais oito estados, o que equivale

    ao aumento de 35 Colnias11. O Monape executa um trabalho com mulheres pescadoras

    em 11 Estados, j possui 54 associaes de pescadores e est ligado a sete federaes em

    sete estados brasileiros. Com isso, sua atuao tira do silncio mais de quatro milhes de

    pessoas que sobrevivem da pesca artesanal no Brasil e, sobretudo, mostra a importncia

    do trabalho de 1,5 milho desses pescadores que produzem 70% do alimento interno, ou

    seja, o que consumido nos principais mercados de venda de pescado in natura do Pas12.

    A grande importncia histrica do Monape foi ter organizado os pescadores em torno

    da legitimao constitucional da profisso, na Constituinte da Pesca.

    11 Dados de fevereiro de 2004.

    12 Fonte: A Pesca Artesanal no Estado do Par: Belm: Sinteps/SINE-PA, 2003. Dos quatro milhes de pescadores artesanais, 2,5 milhes pescam para subsistncia, ou so agregados em embarcaes de pesca para atender s indstrias nacionais ou proprietrios de suas embarcaes. Vale lembrar que esses nmeros incluem os coletores de camaro em todo o Brasil. Esse estudo ainda informa que no h dados precisos sobre a populao direta e indiretamente envolvida com a pesca artesanal.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 21

    Movimento dos Pescadores do Par Mopepa

    A criao do Mopepa (Movimento dos Pescadores do Par) est

    ligada a uma srie de fatores histricos que aconteceram principalmente

    nas dcadas de 80 e 90. Com o objetivo de ter uma referncia para

    os pescadores artesanais no estado e diante da m distribuio das

    riquezas, no que diz respeito pesca artesanal, que o Mopepa se

    coloca como um movimento capaz de lutar e garantir a participao

    ativa desse setor nas decises de polticas que lhe interessam, e na

    construo de sua prpria cidadania.

    A luta pela criao do movimento comeou no municpio de

    Santarm, quando um grupo de pescadores, incentivados pelo CPP,

    organizaram-se e conquistaram a Colnia que, a partir de ento, passou

    a ser dirigida por verdadeiros pescadores comprometidos com a luta.

    A fundao do Movimento iniciou com nove colnias; dentre elas,

    a Colnia de Pescadores de Camet. No ano de 1985, os pescadores

    do Par, atravs da luta do Mopepa, tiveram participao importante

    na aprovao da Constituinte da Pesca. Conjuntamente com outros

    pescadores do Brasil puderam dizer ao estado e sociedade que so de

    fato uma categoria de trabalhadores, que contribuem com a economia

    local, regional e nacional e que precisavam ser reconhecidos como

    movimento organizado.

    Apesar das dificuldades com a falta de recursos e de espao

    fsico como referncia para as Colnias, o movimento foi criado e

    institucionalizado no ano de 1998. Hoje, o Mopepa abrange 26 colnias,

    das 79 que existem no Estado13, fazendo um trabalho baseado nos ideais

    e na linha de ao trabalhada pelo Monape.

    13 Dados de fevereiro de 2004.

  • Srie Sistematizao22

    O Municpio de Camet est situado na mesorregio do nordeste paraense,

    na microrregio do Baixo Tocantins. Possui uma rea de 3.022 km2 e limita-se

    ao norte com a cidade de Limoeiro do Ajuru, ao Sul com Mocajuba, a leste com

    Igarap Mir e a Oeste com Oeiras do Par (Idesp, 1995).

    A vegetao principal do tipo palmeiras, representadas em grande

    quantidade pelo aaizeiro (Euterpe oleracea) e o buritizeiro (Mauritia flexuosa).

    Esto atualmente bastante explorados, sobretudo os aaizeiros, porque seus

    produtos - fruto e palmito - desempenham importante papel na economia

    local.

    O aaizeiro, que a espcie em maior quantidade nessas reas, ao ser

    cortado tem como conseqncia econmica a reduo na produo de frutos

    na safra seguinte. Do ponto de vista ambiental, com o corte aparecem espcies

    invasoras sem valor econmico e ocorre a degradao dos solos pela lixiviao.

    Camet possui uma populao de 97.504 habitantes, dos quais 50.075

    so homens e 47. 429 so mulheres. A populao residente na rea urbana

    corresponde a 41,42%, que perfaz um total de 40.388 pessoas, distribudas

    em 20.030 homens e 20.358 mulheres. O meio rural habitado por 58,58% da

    populao, o que corresponde a um total de 57.116 habitantes, distribudos em

    30.045 homens e 27.071 mulheres. (IBGE, 2000).

    Deste total da rea rural mais de 50% encontrase na regio das ilhas,

    distribuda em 122 localidades com 523 Comunidades Crists (Fonte: Prelazia de

    Camet). So aproximadamente 35 mil pessoas, denominadas de ribeirinhos e

    que reproduzem econmica e socialmente pela extrao e comercializao de

    frutos de aa, buriti, da pesca artesanal e do artesanato de cip e talas. Deste

    material so feitos instrumentos de pesca, como o matapi e o paredo, bem

    como utenslios domsticos, como tup, peneiras, paneiros e tipitis.

    O Contexto do Municipio de

    Camet

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 23

    A economia extrativista apresenta fortes oscilaes entre o

    perodo de liberao da pesca e safra do aa, quando a populao

    tem seu maior rendimento, e o perodo de defeso14 do pescado

    e entressafra do aa, quando ocorre uma queda vertiginosa da

    economia.

    Dados levantados pelo SINE/PA15 apontam que: 32% tm

    rendimento de um a dois salrios mnimos. 23,5% dos pescadores

    obtm renda mensal de at um SM. No estado, este estudo indica

    que 7,5% tm rendimento acima de cinco SMs.

    Uma pesquisa realizada pela UFPA (Universidade Federal do Par)

    nas ilhas de Camet mostra que sem estabelecer uma separao

    rigorosa com as atividades de pesca, o aa passa a ser reconhecido

    com uma atividade principal no seu perodo de safra que, em geral,

    corresponde aos meses de agosto e novembro. Nesses meses, a pesca

    no desaparece, mas os chefes das unidades familiares avaliam que o

    peixe fica muito mais escasso, obrigando os pescadores a se deslocar

    para lugares cada vez mais distantes. Mas, s vezes, por situaes

    familiares especficas, isso no possvel. A ento, a colheita do

    aa passa a ser praticada com mais freqncia. No perodo da

    entressafra, o preo da lata se eleva, chegando a custar at R$ 40,00.

    No perodo da safra h uma queda no preo, chegando a ser pago

    pelo atravessador at R$ 2,00. A maior freqncia de coleta do aa

    de 4 a 5 vezes por semana (28,6%); aqueles que praticam essa

    atividade diariamente representam 21,4%, enquanto na pesca essa

    freqncia relativa de 57,1%. A mdia de pessoas de cada unidade

    familiar que envolvida nessa atividade de 3,2. Na pesca, essa

    mdia cai para 2,4.

    A renda total gerada soma R$ 393,00 no perodo da safra. No

    perodo do defeso, essa renda na produo cai, mas compensada

    pelo seguro-defeso que complementa com um SM mensal para cada

    pescador ou pescadora. Como a pesca no totalmente fechada,

    h o limite legal de captura de cinco quilos por pescador/dia no

    podendo comercializar as espcies proibidas pela portaria.

    14 Perodo de defeso a poca de desova das principais espcies de peixes migradores. Para cada bacia ou regio tem um perodo que definido em portaria do Ministrio do Meio Ambiente. Na regio de Camet de 01 de novembro a 28 ou 29 de fevereiro (quatro meses).

    15 Sistema Nacional de Emprego, com delegacia em cada estado da federao. O SINE rgo do Ministrio do Trabalho e o pagador do seguro defeso dos pescadores artesanais. Para caracterizar esse direito vrios rgos do governo so envolvidos, o que gera grande ineficincia do sistema. Primeiro: O Ibama tem que emitir a portaria definindo o perodo de defeso para cada bacia. Segundo: a SEAP - Secretaria Especial de Aqicultura e Pesca tem que comprovar que o cidado exerce a profisso e que no tem nenhum impedimento para acessar o benefcio. Terceiro: O MTE, aps consultar a previdncia social, autoriza o pagamento.

  • Srie Sistematizao2

    A Colnia de Pescadores Z-16 de Camet: Lutas e Conquistas

    A Colnia de Pescadores Z-16 de Camet foi fundada em junho de 1923 pela capitania dos

    portos do Par e Amap com o objetivo de servir aos interesses do Estado e ser instrumento de

    dominao.

    Durante muito tempo, as Colnias permaneceram subordinadas ao Ministrio da Marinha.

    Eram consideradas reservas e seus integrantes eram obrigados a prestar servios gratuitos

    Marinha como guiar navios no labirinto fluvial amaznico, pelo conhecimento dos rios que os

    pescadores possuam, e pescar para alimentar a tropa da armada.

    A partir da dcada de 40, na poca do governo de Getlio Vargas, a subordinao das

    Colnias de Pescadores passou para o Ministrio da Agricultura que, entre outras coisas,

    estabeleceu o estatuto nico para todas as Colnias do Brasil. Desse modo, em vez da

    subordinao aos militares, as colnias passaram a servir aos interesses de polticos e, por

    conseguinte, s elites locais.

    A partir de 1982, com o auge dos movimentos sociais no Brasil, a Prelazia de Camet

    passou a fazer um grande trabalho de conscientizao dos pescadores, surgindo da, ainda

    que timidamente, um grupo de pescadores que partiram para a realizao de um trabalho de

    base mais intenso. A Igreja pretendia remover as algemas que prendiam os trabalhadores aos

    grupos oligrquicos, que eram a elite comercial afortunada de Camet. Amplas camadas de

    trabalhadores rurais e pescadores pauperizados viviam da ajuda dos patres do aviamento. O

    patro era, no campo, o que o figuro era na cidade.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 2

    A patronagem era o sistema de relaes e o aviamento era a operacionalizao

    da patronagem, que se dava na forma de crdito sem dinheiro entre o comerciante

    e os extrativistas. O comerciante sediado na capital, Belm, supria a pessoa de sua

    relao em Camet (grandes comerciantes patro para os extrativistas), para

    receber, em pagamento, o produto fsico recolhido. O patro atendia necessidade

    dos extrativistas na mesma lgica, trocando produo por produtos do comrcio.

    Dinheiro, s em caso de doena. O campons se sentia atendido e tinha mercado certo

    para sua produo; e o patro aumentava sua renda. Ele compra por cinco o que vale

    20 e vende por 20 o que vale cinco, como reza um dito regional.

    Uma das metas do grupo que se formou com a ajuda da igreja era a tomada

    da Colnia. Partiram, ento, para a disputa, com intuito de tomar para si o

    direcionamento da entidade, que afinal havia sido criada para favorecer a classe

    pescadora. Disputaram duas eleies, sendo derrotados em ambas em pleitos

    fraudulentos, baseados no estatuto imposto pelo Ministrio da Agricultura que dava

    plenos poderes elite no comando da situao.

    Com a promulgao da Constituio Federal de 1988 e com a mobilizao dos

    pescadores em todo o Brasil, conquistou-se a autonomia de organizao. As Colnias

    puderam, enfim, elaborar seu prprio estatuto.

  • Srie Sistematizao2

    necessrio lembrar que, na luta para a Colnia de Pescadores Z-16

    de Camet ser dirigida pelos verdadeiros pescadores, algumas pessoas

    tornaram-se importantes. Destacam-se, no perodo de 1980 a 1989, alguns

    companheiros como Felipe Monteiro dos Santos, pescador, morador

    da localidade de Itana, que encabeou a junta governativa; Carlos

    Schafhashec Neto, representante da Prelazia, hoje Secretrio Estadual da

    Pesca; e outros, que tiveram papel importante nesta conquista. No incio

    dos anos 90, os pescadores intensificaram a luta e foram gradativamente

    buscando seu espao, formando uma grande frente lutadora na qual se

    destacavam Juvenal Viana Teles16, Ney Lobato Gomes, Jos Fernandes Barra17,

    e o atual presidente da Colnia, Iracy de Freitas Nunes.

    Com as mobilizaes e assemblias conseguiram modificar o estatuto

    da entidade, respaldados pelas conquistas inseridas na Constituio

    Federal. Formaram uma junta governativa que venceu o pleito de 1989, mas

    no conseguiram assumir a presidncia, impedidos, mais uma vez, pelo

    presidente da FEPA (Federao dos Pescadores do Par), o que obrigou os

    pescadores artesanais a entrar na justia. Meses depois, tiveram ganho

    de causa, ficando a Colnia, a partir de ento, nas mos dos prprios

    pescadores. Porm,

    Ns esbarrava no estudo, era tudo analfabeto. Ns tinha a vontade,

    ganhemo a Colnia com a cara e a coragem.

    Joo Pereira, pescador da localidade de Cuxipiari

    Jos Fernandes Barra, atualmente vereador, nascido da luta dos

    pescadores, da qual participou, sendo eleito secretrio em 1994, analisa

    que:

    Nessa poca, era muito difcil a gente implementar alguma

    organizao, porque eles viam a colnia como um rgo assistencialista,

    clientelista. Estava muito naquela idia de que a colnia era pra poder

    tirar ficha para uma consulta mdica, extrair dente etc. No viam como

    uma entidade de organizao que pudesse estar frente de outras lutas,

    na busca de outros benefcios.

    Hoje, os pescadores so considerados uma classe organizada.

    Adquiriram, por um longo processo de lutas e prticas, um novo modelo de

    gesto para direcionar a categoria. Foi fundamental na tomada do poder

    poltico local (Prefeitura administrada pelo PT).

    16 Juvenal Viana Teles foi um dos grandes baluartes da conquista da Colnia de Pescadores. Exerceu dois mandatos seguidos e veio a falecer no ano de 2002, mas construiu sua histria junto categoria dos pescadores no municpio e no estado do Par.

    17 Jos Fernandes Barra sucedeu Juvenal Viana Teles e se elegeu em seguida vereador do municpio, o que vem demonstrando a grande fora dos pescadores.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 2

    Estrutura e funcionamento da Colnia Z-16 de Camet

    A hierarquia das organizaes dos pescadores no Brasil a seguinte:

    Confederao Nacional dos Pescadores

    Federao Estadual dos Pescadores

    Colnia de Pescadores

    As Colnias esto distribuidas em Zonas. As zonas representam as reas de

    atuao, geralmente os limites dos municpios. Cada municpio uma zona. Cada

    zona tem suas estruturas organizadas de diversas formas: capatazias, secretarias,

    ncleos. Em Camet so as coordenaes, antes chamadas de capatazias, distribudas

    nas ilhas como forma de descentralizar a administrao. Os coordenadores so os

    representantes legtimos da diretoria e fazem as declaraes de exerccio da profisso,

    por estar mais prximos dos que exercem a pesca. As coordenaes tm a funo de

    organizar os pescadores para os desafios, lutas e participao. Em Camet, so 7.500

    associados, de um total aproximado de 15 mil pescadores18.

    A colnia no sobrevive somente do pagamento dos seus associados. A partir de

    projetos aprovados19 consegue maior abrangncia em termos de organizao das

    comunidades, novas possibilidades e alternativas para a gerao de renda e maior

    presena junto aos seus representados.

    18 Dados de agosto de 2005. A estimativa de nmero total de pescadores aproximada porque muitos no tm documentos. Muitas pessoas dizem que nunca precisaram de nada que exija documentos, por isso no se interessam em tir-los; dizem que no precisam da Colnia, nem do Sindicato, e preferem ficar sem registros. Muitos outros tiram, aproveitando as campanhas.

    19 Com fontes como PDA, FNMA, PNUD, IIEB/PADIS.

  • Srie Sistematizao2

    Os Acordosde Pesca

    no Municpio de Camet

    A pesca e a relao com o rio marcam a vida material e social dos pescadores

    artesanais que utilizam, de modo sustentvel a biodiversidade nele existente como fonte

    de alimentos.

    Os ribeirinhos habitam s margens das guas Tocantinas, a grande maioria

    pauprrima, vive do mais primrio extrativismo a quilmetros de distncia das

    chamadas conquistas da civilizao. Filhos, muitos filhos, so a nica fartura nessas

    ilhas multicoloridas. (Carvalho, 1998)

    Rios, lagos, igaraps, furos corporificam o espao do homem ribeirinho do Baixo

    Tocantins e permitem a obteno de sua subsistncia. As guas so fonte de alimentao,

    de produtos para comercializar e de vias de transporte, mantendo viva sua cultura de

    economia extrativista. Os apetrechos de pesca tipo malhadeira, matapi, linha de anzol,

    tiradeira, arpo, zagaia, espinhel, pari, paredo, que por sculos vm sendo utilizados por

    esses povos das guas, representam essa dinmica cultural.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 2

    Esse equilbrio foi quebrado com os impactos sociais, ambientais e econmicos

    da barragem de Tucuru. Como estratgias de permanncia nos seus espaos, as

    comunidades esto desenvolvendo uma nova forma de manejar seus recursos

    pesqueiros, adaptando-se s novas condies ambientais. O elemento central dessa

    nova estratgia o Acordo de Pesca, que tem se consolidado em vrias comunidades.

    Esses acordos, delimitados a um rio ou um lugar situado em vrzea, definem regras

    cujo principal objetivo diminuir o esforo de pesca por meio da limitao de

    acesso e de formas de uso. Limitar o acesso significa restringir locais onde no se

    podem praticar determinados tipos de pesca como, por exemplo, nos poos de

    reproduo no se pode lanar rede, mas permitido pescar com canio. E formas

    de uso so regras como: no bater na vegetao ciliar, no cortar a vegetao, no

    matar tucunars quando esto no ninho, determinao de quantidade que pode

    ser capturada e, quando fazem a pesca coletiva, a forma de diviso da captura. O

    objetivo dessas regras e limitaes assegurar a manuteno da produtividade dos

    rios.

    O Ibama, reconhecendo sua incapacidade de mediar esses conflitos e gerenciar

    os recursos pesqueiros da regio est mudando sua filosofia de gesto, definindo

    critrios e mecanismos para legalizar os acordos e integr-los no sistema formal de

    gerenciamento pesqueiro. Para isso, conta com o respaldo de normas, estatutos e

    regimentos criados pelo governo federal (Portaria 29 de 31 de dezembro de 2001) e

    pelas prprias comunidades.

    No municpio de Camet comeou-se a pensar nos acordos de pesca a partir de

    1985, com a primeira experincia na comunidade de Paruru de Janua-Coelis. Foi a

    partir dessa iniciativa que os pescadores artesanais comearam a formular Acordos

    de pesca em reunies comunitrias, estabelecendo um conjunto de regras com a

    participao de toda a comunidade e definindo o acesso e uso do recurso pesqueiro.

    A emergncia do Acordo de Pesca uma evidncia de que os usurios locais

    so agentes ativos que respondem aos problemas ambientais. O acordo parte das

    caractersticas do ecossistema e dos atores sociais locais, mas sempre adequando essas

    especificidades legislao ambiental, para que no se criem armadilhas legais que

    possam ser questionadas por outrem.

  • Srie Sistematizao30

    Os Pescadores Artesanais Ribeirinhos

    Dentre os principais atores relacionados ao uso do recurso de vrzea esto includos

    os pescadores artesanais denominados de ribeirinhos. Geralmente, moram em

    comunidades compostas de uma dezena a algumas centenas de unidades familiares

    com relao de parentesco. As comunidades apresentam uma organizao bsica de

    liderana poltica, religiosa e esportiva, e na maioria das vezes possuem alguma infra-

    estrutura como escola, meios de transporte etc.

    Os ribeirinhos mantm uma atividade mista de uso de recursos incluindo pesca,

    criao de pequenos animais (galinhas, patos, porcos) e extrativismo vegetal. A

    importncia de cada atividade na economia familiar pode variar bastante de uma

    famlia para outra, mas no geral todas dependem da pesca e do extrativismo vegetal.

    Os pescadores artesanais so os criadores do Acordo de Pesca e os que mais se

    beneficiam com o seu estabelecimento. No entanto, necessrio ter uma viso de

    futuro e sair do imediatismo para perceber isso, j que a finalidade dos acordos

    ampliar os estoques pesqueiros por meio de estratgias de limitao de acesso e de

    uso.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 31

    Conjunto de Regras dos Acordos de Pesca

    O Acordo de Pesca fruto de um processo de discusso. construdo a partir de

    sucessivas reunies para assegurar o mximo de representatividade entre os diferentes

    usurios dos recursos. As regras incorporam aspectos culturais locais, econmicos

    e polticos, como o sistema de patronagem, e questes externas, como a poltica

    governamental e o mercado.

    Em termos oficiais, a atividade de pesca regulada por uma legislao federal

    e por portarias estaduais e municipais, alm das portarias regionais do Ibama no

    perodo de defeso. A ausncia dos poderes pblicos e a inadequao das portarias

    de defeso ao sistema ecolgico e social dos rios20 tm possibilitado o crescimento de

    iniciativas locais como mecanismo de gerenciamento da pesca.

    Para participar dos acordos o critrio bsico residir numa das comunidades

    envolvidas. As regras so dirigidas aos seguintes aspectos: a) apetrechos de pesca;

    b) local de pesca; c) espcies de peixe; d) estao do ano. Delimitam o acesso ao rio

    criando, em princpio, certos conflitos dentro e fora da comunidade.

    Um exemplo a proibio do pu, considerado predatrio por capturar peixes

    de diferentes espcies. No seletiva para tamanho dos peixes e feito em forma de

    arrasto, revolvendo o fundo dos rios.

    Embora as regras de acesso e uso sejam relativamente claras e reafirmem

    legislaes j existentes de forma simplificada, a maioria dos acordos carece de uma

    estrutura consistente de regras de punio e fiscalizao. As punies mais utilizadas

    so: advertncia oral pela comisso da Associao21, apreenso temporria e destruio

    dos apetrechos de pesca proibidos; em seguida, denncia aos rgos competentes; e,

    em alguns casos, raros, chega-se recluso do infrator. Em caso de se chegar a essa

    ltima alternativa, o Ibama solicita o apoio da polcia.

    20 Por exemplo: alguns tipos de material de pesca predatria no estavam includos na lei de crimes ambientais (foram includos recentemente, com a Portaria 043/2004 do Ibama). Outro exemplo de inadequao que a portaria para a Bacia do Araguaia-Tocantins, que so realidades totalmente diferentes. O perodo de defeso do Tocantins baseado nos estudos realizados no Araguaia e no Amazonas. Os pescadores da regio, por experincia, afirmam que o defeso deveria ser de outubro a janeiro e no novembro, e que a lista de proibio deveria ser outra, porque muitas espcies da lista no esto no perodo reprodutivo nessa poca. A discusso ter uma portaria exclusiva para o baixo Tocantins, na regio de baixo da barragem.

    21 A Comisso formada durante o fechamento do Acordo. So pessoas escolhidas na assemblia para serem responsveis por receber reclamaes, organizar eventos como palestras para as famlias, cursos de educao ambiental, legislao e para fazer a ligao entre a Associao e o Ibama. Geralmente, essas pessoas so da diretoria da prpria associao e outros so apenas scios.

  • Srie Sistematizao32

    Com a legalizao dos Acordos pela Portaria MMA/Ibama 029 de 31 de

    dezembro de 2001, estes ganharam fora de lei e o apoio do Ibama no processo

    de fiscalizao. Uma segunda inovao foi a formao de agentes ambientais

    voluntrios das comunidades, com poder de constatao para organizar a

    fiscalizao dos acordos, autorizados pelo Ibama local.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 33

    Alguns apetrechos de pesca

    Pu Grande rede de malha fina, chega a 1.300 metros. Serve para fazer grandes

    bloqueio e arrasta o fundo do rio. Pega tudo; por isso, h necessidade de extinguir

    este material. A existncia dele em Camet fruto das relaes patronais e polticas

    que se estabeleciam - muitos eram pequenos empresrios com esse tipo de material

    que precisa de uma turma de pelo menos 80 pessoas.

    Espinhel Cabo (corda) onde ficam vrias linhas dependuradas com anzol e, aps

    iscado, esticado no rio. Os anzis ficam cerca de meio metro distantes um do outro

    Ferradeira - Linha com vrios anzis (na mesma linha) com um peso na ponta

    inferior. O pescador, ao identificar o cardume, desce a linha e fica tentando ferrar o

    peixe. Os anzis penetram no peixe, que no pega o anzol por no ter isca. utilizado

    exclusivamente na pega de mapar.

    Malhadeira a rede de pesca fabricada de fibra, tem malhas de 4 a 6 mm

    entre ns e geralmente tem at 100 metros. O termo malhadeira devido ao material

    de fabricao e o tamanho. A rede de naylon e pode ser de at 1000 metros,

    dependendo da situao financeira do pescador.

  • Srie Sistematizao3

    O Acordo de Pesca do Rio Jorocazinho de Baixo

    A Acopremarj (Associao Comunitria de Preservao do Meio Ambiente do Rio

    Jorocazinho) uma entidade civil sem fins lucrativos, regida pelos seus estatutos e

    pelas disposies legais aplicveis. Tem o apoio das seguintes entidades: Ibama,

    Colnia Z-16 e PDA

    A referida Associao, usando de suas atribuies legais e estatutrias, decreta a

    seguinte nota:

    - Todos os moradores da rea em preservao tm o dever de colaborar pelo bem

    estar da populao ajudando na educao ambiental, preservando junto ao meio

    ambiente.

    Para que os objetivos sejam alcanados devem ser obedecidas as normas

    estatutrias como:

    - Pescar no rio sem usar instrumentos predatrios como:

    Malhadeira de arrasto, ceboleira, tarrafa, fisgadeira e pu.

    - No ser permitida a exportao dos alevinos (peixe mido) tirao de acar,

    vendas de pssaros e animais silvestres.

    proibido tambm o acesso de pessoal no local onde ser feita a pesca do mapar

    evitando assim a invaso e proteo aos mergulhadores.

    No permitido corte de aturi na rea preservada assim como baque de gua

    com vara na beira do rio.

    A bacia do poo da rampa intocvel.

    OBS: As malhadeiras a serem usadas sero limitadas da seguinte forma: malha 30

    mm e com 30 metros de comprimento.

    Vamos todos desenvolver sem depredar!

    Jorocazinho de Baixo, 25 de junho de 2001.

    Acopremarj, Ibama, Colnia Z-16 e PDA

    As Experincias dosAcordos de Pesca

    nas Comunidades do Municpio de Camet

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 3

  • Srie Sistematizao3

    Localizada a cerca de 8 km da sede do municpio de Camet, a comunidade de Jorocazinho de

    Baixo faz parte do complexo de ilhas da regio Tocantina. O rio de grande extenso e de enorme

    beleza e sua populao tem sido um importante exemplo na luta pela preservao do pescado.

    uma comunidade engajada, que no tem medido esforo para sensibilizar os moradores para a

    importncia dos acordos de pesca e para a necessidade de respeitar o perodo de defeso.

    Por que foi feito o acordo

    A necessidade de chamar uma discusso sobre Acordo de Pesca e preservao do rio

    aconteceu por conta da escassez de alimento, sobretudo o pescado - peixe e camaro. Alm

    disso, havia tambm o aumento de doenas, devido m qualidade da gua. Tudo isso em

    decorrncia dos impactos negativos causados pela Usina Hidreltrica de Tucuru. D. Rita,

    moradora e lder comunitria da regio, faz as seguintes consideraes:

    Desde 92, ou muito antes, a gente j vinha se preocupando com a escassez do lugar, doenas

    que a gente vinha tambm observando e, l pelo meado de 92, a gente fez reunies aqui.

    Teve um scio da associao, Joo Figueiredo, ele chegou aqui e falou: olha ns vamos ter que

    tomar mesmo providncia, porque no tem mais nada pra ns.

    Um dos importantes idealizadores do Acordo de Pesca na localidade de Jorocazinho de Baixo

    foi o pescador Joo Figueiredo Alves, que disse o seguinte:

    Eu tinha uma impresso que esse nosso rio aqui podia ter muito peixe, mas s que nesse

    perodo tinha uma tirao de acari aqui no rio, tinha tambm uma cercada com malhadeira,

    uma extenso de cem metro e o pessoal caa de vara, batendo gua... Isso atinge uma

    extenso muito grande, essa zoada espanta o peixe. Com isso, no tem lugar que fique peixe

    e todo lugar fica faminto. Eu comecei a anunciar, eu tinha uma idia de preservar isso daqui,

    se o povo me ajudasse ns ia ver se conseguia isso.

    A tirao de acari a que o pescador se refere a pega de acari no fundo do rio, dentro dos

    troncos das rvores. Mergulha-se e tira com as mos. uma prtica condenvel porque revira

    todo o fundo do rio e afugenta os peixes que inclusive queiram desovar no local.

    O instrumento de pesca chamado pu (uma rede de malha muito fina) teve um importante

    papel na escassez do pescado.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 3

    Eu recordo muito bem que num dia, foi nessa bacia da rampa a, seguidamente, dentro

    de poucas horas, foram oito bloqueios de pu! E ns lembramos bem que a ltima

    coisa que tiraram da foram maravalha e folha que veio do funco... Naquela poca era

    muito a invaso sobre a tirao de acar, muitos homens que se jogavam a puxando

    pau do fundo. Nessa poca deu um surto de diarria aqui. Quando vinha a gua, que

    enchiaEra s lama! E com isso a gente resolveu tomar essa iniciativa, foi por uma

    necessidade.

    (Dona Rita)

    Observa-se, pelo depoimento, que a utilizao do pu intensificou de forma decisiva

    o processo de extino do pescado, basicamente porque, tendo malha muito fina, no

    permite que os peixes menores escapem para que possam atingir o tamanho ideal para

    a pesca. O pu, naquele momento em que o pescado comeava a ser escasso na rea,

    era um instrumento inovador; grande parte dos pescadores adotou este mtodo por no

    deixar nada escapar de sua malha.

    De acordo com D. Rita, o que faz o trabalho ser levado em frente at hoje a

    necessidade de garantir a sobrevivncia e melhores condies de vida para as pessoas.

    O que levou a gente foi essa necessidade, o prejuzo que a gente estava tendo. Essa

    necessidade est fazendo com que at hoje a gente possa levar esse trabalho em

    frente Essa deciso que a gente tomou aqui, ns esperamos que seja tomada em

    outros e outros lugares, para a melhoria da populao.

  • Srie Sistematizao3

    O que a pesca do mapar

    Para entender a dinmica da pesca artesanal na regio, preciso saber como se

    pesca o mapar, que o peixe da alimentao popular regional.

    O mapar um peixe liso de hbito ilifago (se alimenta de lodos ou limo). muito

    gordo, por isso a indstria de pesca no o utiliza no processamento. Talvez seja por

    isso que no h pesquisa e nem interesse em pesquisar a dinmica, a biologia e a

    reproduo desse peixe, uma vez que os centros de pesquisa, no caso o CEPNOR22, s

    olham para a pesca industrial. o peixe smbolo da regio.

    A pesca do mapar se faz com rede aberta. necessrio uma turma de cerca de

    50 pescadores para que o peixe no fuja. Para identificar o cardume h a figura do

    taleiro, que conhece o tamanho do cardume com uma tala (espcie de sonar). A rede

    aberta em duas pontas, em forma de V. As duas pontas se encontram. Entram em ao

    os mergulhadores, pessoas treinadas que mergulham com cabos para cruzar as duas

    margens da rede, formando um poo. Neste momento, o cardume est totalmente

    preso. Da vo puxando a rede, fechando cada vez mais o espao, at ficar em

    condio do peixe ser coletado em paneiros e jogado nos barcos, que j esto a postos

    para receber.

    O mapar como a viso total de Camet, n. A gente sobrevive s de mapar...

    (D. Rita)

    22 Centro de Estudos Pesqueiros do Norte do Brasil. um centro ligado ao IBAMA, que funciona no prdio da Universidade Federal Rural da Amaznia, no Par.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 3

    Como foi feito o acordo

    No Jorocazinho de Baixo o Acordo de Pesca comeou no dia 19 de dezembro de 1993.

    Segundo o Sr.Gilberto, residente no rio,

    A primeira reunio que ns tivemos aqui foi no dia 3 de abril de 1993. Naquele dia,

    tinha 21 pessoas do Joroca e uma pessoa do Jaituba. Esta foi a primeira reunio que

    ns tivemos. A segunda reunio foi no dia 6 de junho do mesmo ano, com o Ibama.

    Quando ns fizemos o Acordo de Pesca aqui, que no tinha nada, ns no tivemos

    problema com ningum. Ns fizemos o acordo, saiu daqui, foi noticiado e no houve

    resistncia de nenhuma pessoa, nem questionamento, porque no tinha nada. Agora,

    ns comeamos a ter problema quando comeou a ter peixe de novo...

    D. Joana, que tambm moradora do rio e membro da comunidade, complementa:

    Aqui nesta comunidade estava presente a colnia dos pescadores, comunidades locais

    do quarto distrito, prefeitura municipal de Camet, cmara dos vereadores, Ibama,

    frum judicirio da comarca de Camet, Cuxipiari tambm estava presente Reuniram

    aqui e foi assinado a fundao da Associao de Preservao do Meio Ambiente do Rio

    Jorocazinho.

    Inicialmente, a idia foi formar uma rea de preservao que, segundo alguns

    membros da comunidade, seria importante para conter a ao de alguns pescadores que

    estavam agindo de forma indiscriminada no rio, utilizando instrumentos que prejudicavam

    a reproduo e crescimento do pescado. Para isso, o Sr. Joo Figueiredo foi orientado a

    procurar o Ibama, pois era de suma importncia conseguir apoio do rgo competente.

    Eu fui na cidade, fui falar com o Ibama porque, sem o apoio do Ibama, ningum pode

    fazer nada Eles me deram o apoio, agradeceram, a eu pedi por escrito, pra poder

    provar que ns ia ter a reunio aqui23.

    23 Interessante observar o valor da palavra escrita, do documento no papel. A fora dessa simbologia percorre toda a ao do acordo de pesca; o documento escrito altamente valorizado, embora muitas pessoas no saibam ler. A fora da lei, de ser um documento com respaldo legal, de estar apoiado pelos rgos responsveis, de ter assinaturas de todos, de ter sido discutido e firmado em assemblia, tudo isso fica plasmado no papel. E esse papel muito importante; os dirigentes costumam andar com cpias dos principais documentos em suas bagagens (mesmo que sejam analfabetos), as pessoas gostam de ter cpias dos documentos e as associaes cuidam de seus arquivos.

  • Srie Sistematizao0

    Dando-se conta da gravidade da situao, os moradores de Jorocazinho de

    Baixo iniciaram reunies para tentar encontrar solues capazes de conter a

    extino do pescado. Para isso, procuraram apoio de outras comunidades, como

    Paruru de Janua Coeli, que j vinha realizando o Acordo de Pesca. Tambm foi

    solicitada a ajuda do Ibama e da Colnia de Pescadores Z-16.

    Ento ns resolvemos, no dia 5 de setembro do mesmo ano, fazer uma reunio

    aqui pra ns fazer a primeira pesca. Alguns vereadores vieram aqui, a colnia,

    j com o Juvenal, o Ibama. Foram criados alguns critrios, como seria dividido

    o peixe, quem iria pescar... Fizemos esse acordo pra fazer a primeira pesca.

    Ns tnhamos um objetivo, quando foi feita a preservao aqui. No proibimos

    ningum de pescar. O pessoal alega, como um advogado tal chegou a fazer

    um documento e me tachou na frente do promotor, que ns tava privatizando

    o rio, Mas ns no proibimos aqui, jamais, uma pessoa de pescar. O que ns

    fizemos foi organizar e que acontecesse a pesca, sim, de uma forma correta e

    organizada, foi esse o objetivo.

    (Sr. Gilberto, pescador e membro da comunidade)

    O acordo tem um forte carter mobilizador e organizacional. Foram formadas

    equipes que realizaram visitas em todas as casas, para informar os moradores do

    Acordo de Pesca, sua importncia para toda a comunidade e o que cada famlia

    poderia fazer para garantir seu funcionamento e continuao.

    Joo Rola, pescador do rio Jorocazinho de Baixo, relata como se deu este

    trabalho:

    Nesse processo, ns fizemos o seguinte: coloquemo tudo as regras, depois ns

    samos de casa em casa colocando pra cada morador. Todos os morador daqui

    arreceberam. Se hoje tem algum morador que no cumpre o que est no papel

    e que foi pregado na parede... Porque eu fui nas casas e preguei na parede os

    detalhes que estavam escritos l sobre a questo das leis do lugar.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 1

    Benefcios

    Os benefcios alcanados pelo acordo tm sido muitos e de grande

    importncia para a comunidade. Nos apontamentos da Comisso da

    Associao, no ano de 1996, pescou-se o equivalente a cerca de 10 paneiros (um

    paneiro pesa 50kg); em 2001, 200 paneiros; em 2003, chegou-se a 350 .

    Isso mobilizou os moradores e fortaleceu as parcerias para a empreitada.

    As parcerias comearam a se intensificar, por exemplo, com a Colnia, com

    o Ibama... Voc est conseguindo mobilizar os moradores pra esse tipo de

    coisa. Tem a questo da prpria alimentao e tem tambm o lado social

    que sempre bom a gente destacar.

    (Joo Rola, pescador do Rio Jorocazinho de Baixo)

    Um outro importante benefcio alcanado, segundo os moradores do rio, foi a

    normatizao dos instrumentos de pesca permitidos. Joo Rola destaca tais van-

    tagens quando diz que:

    Hoje ns temos um estatuto. L colocado que ns usamos malhadeira

    malha trinta, a fibra trinta tambm, e com trinta metro de comprimento por

    dois de altura, isso pra colocar em lugar adequvel Outro sobre o acar, pra

    que ningum pudesse mexer os paus do fundo. Tambm pra colocar tarrafa,

    que se colocasse no lugar, enquanto o espinhel, o canio e a ferradeira, estavam

    extinto

    Joo Figueiredo cita alguns instrumentos que constam no estatuto da

    comunidade como proibidos para a pesca.

    A tirao de acari, proibido; a malhagem de arrasto aqui no rio, proibido;

    a pesca de pu, proibido; a cercada de beira, proibido. Certo que ns

    conseguimos esses itens, proibimos todo esses

    Essas proibies trouxeram alguns benefcios, relatados pelos moradores e

    tidos como de fundamental importncia:

    Depois da implantao do acordo, ns j tivemos renda pra ns, pra essa

    comunidade, porque ns j peguemos peixes. Ano passado ns peguemos uma

    base de dezesseis toneladas nessa regio do aqui do Joroca (Joo Rola)

    Ns temos conseguido e graas a Deus tem dado resultado, porque agora

    esse ano passado deu tanto dourado aqui nesse poo da rampa que pessoal

    de outros lugares vinham pescar e puxavam quantidade de peixe. J teve

    gente de pescar esse mandub, de puxar paneiro e meio de mandub,

    pescada.

    (Joo Figueiredo)

  • Srie Sistematizao2

    Ano passado deu muito mapar aqui. Pegaram uma semana

    toda... Muita gente salgou, secou no sol e teve muita famlia que,

    em dois ou trs dias, venderam. Isso j ajuda. E ajuda muito.

    Antes eles nunca me davam, mas hoje do. Tirei a comida e ainda

    fui comprar botijo de gs... A produo e a alimentao tambm

    melhorou.

    (Dona Rita)

    Outros benefcios, segundo Joo Figueiredo, esto, por exemplo, na

    possibilidade de o pescador utilizar seu canio para pescar o peixe

    sem agredir o meio ambiente, utilizando apenas o suficiente para o

    sustento da famlia.

    Depois que ns criamos esta organizao, est dando resultado.

    Pelo menos este ano, agora no tempo do mapar, quando iniciou a

    subida do peixe. O pescador daqui topou, tinha peixe aqui na rampa

    pra seiscentos e tantos paneiros. Ento tem vantagem, em outros

    tempos no parava esse peixe aqui

    Segundo Dinar Cordeiro, com a implantao do Acordo de Pesca,

    reforou a autoridade do povo do lugar:

    Muitos se deram bem com esse acordo. Naquelas alturas,

    por exemplo, se bloqueava um peixe aqui, quando a gente j ia

    chegando l, o cara24 j tinha at corrido Hoje no, pega o peixe,

    h o acordoEu acho que ns fomos at um espelho, porque quando

    comeou aqui, a foi comeando, algum j foi vendo, algum vinha

    ver, mas foi cada um ir fazendo nos seus lugares Acabou aquele

    negcio de o pescador tem autoridade, jogar a rede no porto de

    quem ele quiser porque ele paga, porque ele faz isso e aquilo... Mas

    que conversa essa! Porque eu acho que um acordo do povo do

    lugar uma autoridade total, porque eles que faz o regulamento

    pro pescador.

    Antes de ter acordo, os donos de pus entravam em qualquer

    lugar, arrastavam e iam embora sem dar satisfao pra ningum. Por

    isso que os confrontos, confrontos mesmo, aconteceram. Teve caso

    de quase assassinato. A diviso do pescado capturado nos bloqueios

    , hoje, parte do acordo.

    24 O dono da rede, que, na tradio do lugar, deveria distribuir parte do pescado para a populao do lugar onde foi feito o bloqueio.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet 3

    Conflitos

    Tivemos problemas com alguns moradores, inclusive, se for ver a histria a

    gente sabe que a situao aqui dividiu E a coisa que o peixe de todos, o

    peixe tem dono, coisa sagrada, foi Deus que nos deu pra ns. Agora, deu pra

    ns cultivar. Ento foi criado um pensamento de grupo, como foi colocado a,

    e quando apareceu o fruto do trabalho de grupo, a comea a crescer o que?

    A ambio, o olho grande, todo aquele negcio, a comea os conflitos. Porque

    apareceu fartura, a fomos tendo os grandes problemas. O grande desafio

    pela frente pra tentar manter aquilo que queremos e at hoje temos nossas

    associaes mantida. Tivemos alguns problemas com moradores e pessoas que

    vieram de outro local pra c criar problema

    (Jair, pescador e morador do Rio Jorocazinho)

    Joo Rola avalia que ainda existem moradores que no cumprem o Acordo

    de Pesca. Ele diz que a culpa no da comunidade, mas do prprio morador,

    que ainda no adquiriu a sensibilidade necessria para perceber que todo este

    esforo est sendo feito para o benefcio de todos. Joo Rola tambm reconhece

    a necessidade de se fazerem novas reunies para socializar com os moradores

    o trabalho que est sendo feito, os resultados alcanados e o que precisa ser

    melhorado com a ajuda de todos.

    Ainda no fizemos uma reunio com todos os moradores pra colocar alguma

    coisa sobre a questo do nosso lugar, do trabalho que estamos fazendo,

    porque ainda no chegou o momento. Mas ns estamos fazendo, primeiro ns

    fizemos isso, quer dizer, um alerta

  • Srie Sistematizao

    Ele diz que, embora alguns moradores tenham transgredido as regras do Acordo de Pesca,

    nem por isso foram levados a julgamento no frum judicirio. Explica que, quando a associao

    fica sabendo que algum est agindo de m f os associados chamam a ateno do pescador.

    Para ele, alguns pescadores no cumprem o Acordos de Pesca porque:

    s vezes ele pensa por duas coisas: que naquele momento ele vai ser saciado com o negcio

    do trabalho, que ele vai pegar um peixe, assaciar a vontade dele, mas depois ele no vai

    pensar que ele vai prejudicar o mesmo lugar. Essa questo do pescador hoje, na regio de

    Camet, aqueles que ainda no tiveram essa conscincia, porque o pescador que tem

    sua conscincia, ele no vai se prejudicar ele mesmo. Ns temos que trabalhar na questo

    da economia porque se estamos trabalhando naquele lugar, se eu acho que posso pegar

    trs quilos de peixe pra alimentao do dia, eu j t satisfeito, mas tem gente que coloca a

    malhadeira, que pegou cinco quilos e acha que tem que pegar vinte, pra manter J vai fazer

    parte de negcio25.

    25 A quantidade para captura diria, cinco quilos, ditada pela legislao do defeso.

    Ainda h conflitos tambm com pessoas

    que vm de outros rios e se sentem no direito

    de pescar da forma como bem entendem,

    causando certo mal-estar aos moradores locais.

    Tudo isso tem resultado em vrios conflitos,

    havendo discusses bastante agressivas desde o

    incio do acordo at hoje. Os prprios moradores

    reconhecem que isso sempre vai fazer parte do

    processo de manuteno do acordo.

    O primeiro grande problema era o dono do

    terreno, que era dono do rio, foi o primeiro

    problema que ns tivemos. Ele dizia que era

    dono do terreno e que ia mandar fazer a pesca

    do peixe, que era dele porque ele era o dono

    do terreno e dono do rio. Ns entendemos

    que os rios so de domnio pblico e de uso

    comum do povo, ento no propriedade

    particular. E se de uso comum do povo,

    ele dita regra. A prpria lei diz isso, de

    domnio pblico, mas proibido pescar tal

    poca, proibido pescar em rea que est sob

    proteo. (Gilberto)

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet

    Foi necessrio o povo entender que esse tipo de interveno as regras

    do acordo - fazia-se necessrio para garantir a reproduo dos peixes, com o

    intuito de afastar o perigo da extino. Mas a questo da viso imediatista e

    individualista muito forte:

    Conflito, ns temos passado muito e conflito no acaba porque mesmo onde

    no tem organizao a gente v conflito. Porque quando a gente v que

    aparece alguma coisa assim, quando a gente organiza, que aparece as coisas,

    mais quem pensa em si.

    Dinar Cordeiro, morador e pescador do Rio Jorocazinho de Baixo, v com

    desalento a falta de crena na organizao e como alguns moradores do lugar no

    se conscientizam.

    Algum no se d bem com isto, porque ele estava acostumado a fazer a

    baguna, ainda faz por a, talvez escondidoEu acho que uma doena do

    povo, no querer obedecer ordem, o regulamento, coisas que vm at pro

    benefcio da gente

    Tudo se torna muito mais difcil quando no se tem outras alternativas, e Joo

    Rola, que tambm faz parte da Colnia dos Pescadores Z-16, diz o quanto difcil

    colocar em prtica tudo aquilo que discutido:

    Eu estou h 20 anos na colnia batendo com esse pessoal e a gente no

    consegue. Teve uma reunio l ano passado e ns conversando sobre a questo

    do mapar miudinho, a lei, colocando como ; e a, quando ns terminamos

    de l, que ns vinha passando aqui no Jaituba, o cara j tava bloqueando com

    o pu. Mas, oh meu Deus, ser que ele no entendeu, ou ele fez aquilo de

    afronto? Ele t se prejudicando mesmo, ele t prejudicando a prpria entidade

    que est apoiando ele So coisas que a gente tem que pensar.

    Mas trabalhar a conscientizao no tarefa fcil em uma sociedade viciada.

    Joo Rola continua dizendo o quanto difcil a tarefa de conscientizar os

    pescadores.

    O cara acha que deve pegar o mapar de oito milmetro, que eu j tenho visto.

    J levei pra cidade, j levei pro Ibama, porque sinceramente, um mapar de

  • Srie Sistematizao

    oito milmetro! Voc acha que vai estar mantendo a necessidade da pessoa, naquele

    dia mantm, mas no outro dia no vai manter. E se ele pegar quinhentos quilos de

    mapar mido, dentro de seis meses ele pode pegar esse mapar que vai estar maior,

    j com vinte centmetro... Esse mapar de vinte centmetro j no vai dar os quinhentos

    quilos, com certeza j vai dar seus oitocentos a uma tonelada. isso que o pessoal

    tem que pensar, se ns pegar o camaro a mesma coisa... Ento so coisas que o

    pescador, ele exagerado no seu trabalho, ele ainda no tem essa conscincia, ele

    acha que hoje sai com seis metros de malhadeira pro rio, pega 20 quilos, mais tarde ele

    torna voltar pra pegar mais 20 quilos, e assim que o negcio.

    Na rea conservada, pode-se pescar; no pode desrespeitar a legislao. O perodo

    em que a pesca proibida perodo do defeso - acaba sendo um importante motivo

    para que algumas famlias deixem de cumprir o acordo. O seguro do defeso26 no atinge

    todos os moradores das ilhas, porque no esto inseridos na estrutura sindical. Por isso,

    urgente o desenvolvimento de trabalhos que garantam a sustentabilidade destas famlias,

    e a Eletronorte tem o compromisso moral de faz-lo.

    26 Pagamento de um salrio como uma espcie de seguro-desemprego por reconhecimento de que o pescador, naquele perodo, no pode exercer sua profisso. O problema que nem todos esto cadastrados e, por isso, no recebem o seguro do defeso.

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet

    Dificuldades

    Alm dos conflitos internos e problemas de invaso de pescadores de

    outros lugares, h a ausncia de polticas pblicas apropriadas, de crdito e de

    esclarecimento.

    No tinha uma poltica voltada para a pesca no municpio. O que tinha era algumas

    ajudas isoladas; quando precisava ajeitar alguma coisa, ia l com o prefeito e

    ele ajudava Se j tem uma poltica direcionada para a pesca, ns temos que

    ter o conhecimento de para quem vem essa poltica. Porque as primeiras vezes

    quando houve financiamento pra pescadores, h mais de 20 anos, quem pegou o

    dinheiro no foram pescadores e sim o pessoal que comprava cacau, que comprava

    pimenta

    (Gilberto , pescador do rio Jorocazinho de Baixo)

    O Sr. Drcio, tambm pescador local e membro da comunidade, faz o seguinte

    raciocnio com relao ao pouco apoio a iniciativas com essas:

    s vezes a gente tenta trabalhar nessa rea a e no tem condio. A nica coisa

    que a gente v que est dando apoio so essas entidades particulares. Eu queria

    lembrar at o que um senhor idoso me disse: olha, todo mundo fala em preservar

    a Amaznia, s que num t dando condio pra ns se manter na Amaznia. E

    com isso, o que vai acontecer, eles querem que ns preserve, mas no do as

    condio, e com isso o que vai acontecer: ns vamos acabar com a Amaznia e

    morre eles l e ns aqui. Hoje a gente pescador, no tem condio de manter

    outra atividade de pesca se no for assim em coletividade. E o apoio atravs de

    entidades particulares, ento, se existir outra entidade, ou secretaria, por que

    no se manifesta, pra que possa buscar condio pra gente movimentar essa rea

    a. Porque, se no tiver condio para a rea pesqueira, o que ns vamos fazer

    acabar. O poder pblico deveria buscar condio para que a gente pudesse

    trabalhar e nos dar condio para preservar.

  • Srie Sistematizao

    Outra dificuldade foi o enfrentamento com as oligarquias tradicionais,

    que procuraram emperrar os acordos no Joroca, onde se fazia uma ferrenha

    oposio aos polticos e empresrios do municpio:

    Foi formado grupos aqui, com o apoio de autoridades, justamente

    para questionar o acordo. As autoridades na poca eram vereadores,

    e houve influncia de algumas pessoas l em Camet, principalmente

    baro que patrocinavam pessoas justamente pra questionar. Essas

    mesmas pessoas trouxeram pescadores de outras localidades, de outros

    municpios. Quando ns soubemos, fomos na justia pra tirar eles

    imediatamente, e o conflito foi muito grande. (Gilberto, pescador)

    A estrutura da Federao, que est a servio desses grupos polticos,

    tambm fez tentativa para proibir o acordo na comunidade.

    Tivemos srios problemas com o presidente da Federao dos

    Pescadores na poca. Ele veio questionar por duas vezes com a gente,

    em Camet, veio defender uma pessoa que pagou ele pra vir. Eu tive

    srios problemas, teve vezes que pra eu ir l em Camet tive de levar

    proteo, na minha casa teve gente mandado, os caras chegaram l

    armados.

    (Gilberto, pescador)

    Ele (o presidente da Federao, Orlando Lobato) entrou na nossa rea

    e eu acho que ele usou de um desrespeito. Porque assim como a gente

    uma entidade qualquer, ns poderamos receber ele e conversar com ele

    e explicar como era. A ns falamos para o promotor o seguinte: Olha,

    doutor, ns gostaramos que o sr. Orlando Lobato, como ele representa

    uma entidade da associao dos pescadores, que ele tivesse o respeito

    conosco. No porque ns somos moradores ribeirinhos, somos pessoas

    carentes, mas tambm a gente conversa alguma coisa. Ns estamos

  • Acordos de Pesca no Municpio de Camet

    recebendo em nossa casa um seminrio com 35 entidades l de

    fora. E muitos sabem que podem vir pra c e sentar com a gente,

    em nossa casa. E ser que ns no ramos dignos de receber o

    sr. Orlando Lobato? Como que ele chega na nossa rea, chega

    medindo bacia, fazendo isso... E se a gente chegar l na federao

    dos pescadores, empurrando a porta do gabinete dele, com certeza

    ele vai esquentar, porque a gente t entrando sem permisso, no

    ? Ser que ele vai gostar? Ele falou para o promotor que ns

    estvamos privatizando o rio e falando que era proibido pescar ali.

    Ns falamos assim: Ns, da associao da comunidade, falarmos

    uma besteira dessas..., falamos assim mesmo, Agora, o senhor,

    da Federao dos Pescadores, vim falar aqui, perante o promotor,

    assim, isso eu acho imperdovel. Ento so momentos que ns j

    tivemos, que j teve tempos muito difceis.

    (Dona Rita)

    O pescador Gilberto lembra que uma das dificuldades para se

    chegar ao acordo foram as barreiras burocrticas para legalizar a

    associao:

    Ento ns entendemos que s ns aqui na comunidade, o grupinho,

    ns no teriamos chance de resistir. Porque primeiro lutar contra o

    dinheiro t muito difcil; e ningum tinha como questionar. Ento o

    que ns fizemos: vamos tentar criar uma associao imediatamente

    pra ver se a gente consegue ter mais um respaldo. Tivemos

    problema na legalizao, porque, para ser legalizada, o cartrio s

    registrava uma associao se ela tivesse passado pelo Dirio Oficial

    da Unio. Ficou muito difcil para ns porque ns no tnhamos esse

    tipo de acesso no governo do estado e na assemblia. Tinha que

    ter uma peixada l e ns no tnhamos esse acesso O prefeito da

    poca nos deu essa colaborao, ele conseguiu que ns tivssemos

    essa publicao.

  • Srie Sistematizao0

    O que ainda falta fazer

    Os moradores do Rio Jorocazinho reconhecem que, para que o Acordo de Pesca d

    maiores resultados, necessrio que os outros moradores dos rios vizinhos tambm

    elaborem seus prprios Acordos de pesca. Isso necessrio devido mobilidade dos

    peixes, que vo ser capturados em outro