camargo guarnieri e mario de andrade

30
7/25/2019 Camargo Guarnieri e Mario de Andrade http://slidepdf.com/reader/full/camargo-guarnieri-e-mario-de-andrade 1/30  University of Texas Press is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Latin American Music Review / Revista de Música Latinoamericana. http://www.jstor.org Camargo Guarnieri e Mário de Andrade Author(s): Flávio Silva Source: Latin American Music Review / Revista de Música Latinoamericana, Vol. 20, No. 2 (  Autumn - Winter, 1999), pp. 184-212 Published by: University of Texas Press Stable URL: http://www.jstor.org/stable/780020 Accessed: 03-02-2016 11:56 UTC Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at http://www.jstor.org/page/  info/about/policies/terms.jsp JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected]. This content downloaded from 90.214.92.134 on Wed, 03 Feb 2016 11:56:02 UTC All use subject to JSTOR Terms and Conditions

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 University of Texas Press is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Latin American Music Review 

/ Revista de Música Latinoamericana.

http://www.jstor.org

Camargo Guarnieri e Mário de AndradeAuthor(s): Flávio SilvaSource: Latin American Music Review / Revista de Música Latinoamericana, Vol. 20, No. 2 (

 Autumn - Winter, 1999), pp. 184-212Published by: University of Texas PressStable URL: http://www.jstor.org/stable/780020Accessed: 03-02-2016 11:56 UTC

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Flavio Silva

Cam

argo

Guarnieri

e

Mario de Andrade

No

artigo

"In

memoriam

de

Camargo

Guarnieri",Jos6

Eduardo Martins

lembra:1

Quando,

em

1978...,

disse

ter

sido Mario

de Andrade

nocivo

a

mfsica

brasileira, eferindo-me,

na

verdade,

a

nao-ventila.ao

no

Brasil,

durante

decadas,

das

correntesmusicais

operantes

ora

de nossas

ronteiras,

ausada

por

uma

posicao

radicalizadado autor

de Pauliceia

desvairada,

amargo

Guarnierimostrou odoo seudesagrado, correndono ato o rompimento.

(Martins

993)

E

pouco

provavel queJ.

E.

Martins

pretendesse

imputar,

exclusivamente,

a

Mario a

responsabilidade

pela nao-divulgasao,

no

Brasil,

de

algumas

e

nao:

"da's)

"correntes musicais

operando

fora

de nossas

fronteiras".

Seja

como

for,

essa

era uma

alusao

insuportavel para

Guarnieri

que,

quando

evocava a

mem6ria

de

Mario,

era

para

reafirmar sua

concordancia

com

o

multifacetado

pensamento

daquele

que

proclamara:

"Eu sou

trezentos".

E

freqiientesforam as ocasi6es em que, a qualquer pretexto, invocava o nome

e/ou as id6ias

do

amigo

e

mentor

para

fazer

afirmaodes

que

contrariavam

suas

praticas

e

crencas

musicais.

Em

programas

de

concerto,

ele assim

explicava

a

substituicao

de

"concerto"

por

"choro"

no

titulo de

algumas

de

suas obras

para

instrumento solista

e

orquestra:

O

compositor referiu

choro"

porque

a

mensagem,

u

melhor,

a

linguagem

musical6

nacional,

pr6pria

do

autor

e

com

raizes

na

terra.

Comentando essa

afirma5ao

de

Guarnieri

em

estudo sobre tais

obras,

Lutero

Rodrigues observa:

Quanto

as

altera;6es

da

linguagem

musical

correspondentes

mudansa

do

nome "concerto"

para

"choro",

rocedimento

que

poderia

ser

inferido

da

definicao

e

Guarnieri,

bservamos

que

nada

acontece

fetivamente.

O com-

Latin

American usic

Review,

Volume

20,

Number

2,

Fall/Winter

999

?1999

by

the

University

of

Texas

Press,

P.O. Box

7819,

Austin,

TX

78713-7819

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Camargo

Guarnieri

Mario

de Andrade: 185

positor

mantem sua

linguagem

musical caracteristica.... Como nao

ha

diferenca

formal

significativa

entre "choro" e

"concerto",

pode-se

afirmar

que a escolha deste ou daquele termo foi ditada mais por crit6riospessoais

do

que

esteticos.

(Rodrigues,

em Silva

1999)

No

entanto,

foi

um

Guarnieri

com

apenas

25

anos

que

reagiu,

com

veemencia,

a

critica de

Mario

a

sua

Sonata

n?

2

para

violino e

piano

(1933).

Segundo

narrativa

do

compositor,

ele

entregara

ao mentor e

amigo

o

manuscrito ainda sem

indicacoes

de

dinamica:

"Mesmo assim o Mario

levou

a

Sonata

e

logo

depois

[ainda

em

1933]

me escreveu

uma

carta

esculhambando"

a obra:

No

segundo tempo,

me horroriza desde

logo

essa vontade do mal

...

que

e

a

dissonancia

pela

dissonancia.

Que

quer

dizer,

meu Deus esse elemento

acompanhante

iniciado

pela

mao

direita

e

que

com uma

malvadeza sadista

se

prolonga

e muda de notas

com

uma malvadeza

insuportavel

durante duas

paginas?...

Tecnicamente sao dissonancias.

Mas voce levado

pela

mania

da

dissonancia,

do

cromatismo,

da

alteracao

que

acabou dissolvendo

a

funcao

harm6nica

da

dissonancia,

perdeu

totalmente

as

estribeiras.

E

Guarnieri

lembra:

Eu

fiquei

louco de 6dio ...

procurei

me defender ... no fim eu disse:"Mario,

vamos

parar

com essa

correspondencia

porque

nao

quero

brigar

com voce."

O

segundo

movimento

da Sonata

comecava

piano,

mas isso nao estava

indicado

... a

sensacao

de

dissonancia

depende

da intensidade....

Assim,

o

Mario

6

que

deve ter tocado

forte.

Mais

tarde Mario reconheceu

que

errara e considerou essa

obra "uma

maravilha"

(Guameri

1981;

Andrade

1981),

mas o

epis6dio

deve

ter

deixado

alguma seqiiela

na mente do

compositor,

de acordo com

o relato de Vasco

Mariz:

Disse-me

certa

vez

Camargo

Guarnieri

que

resolveu "testar"

a

profundidade

dos conhecimentos

musicais

de

Mario

e

encarregou-o

de

fazer

um estudo de

sua Sonata

n?1

para

violoncelo

piano

[de 1931],

como

se

fosse

a

pedido

de

uma diretora de

uma sala de concertos. Reconheceu o

compositor paulista

que

Mario

fez uma

analise

6tima.

(Mariz

1983, 38;

Andrade

1935)

No

elogioso

artigo

"Mestre

Mario",

Guarnieri

fez

rapida

referencia

a

desentendimentos

com

o

amigo, ap6s

a

criacao

do

Departamento

de Cultura

da Prefeitura

de Sao

Paulo:

Passei

a ser

seu

subalterno

da

hierarquia

do

Departamento.

Todos

n6s

sabemos

que hierarquia

e

amizade sao coisas

incompativeis por

natureza.

Uma

repele

a

outra. Muita coisa

desagradavel

aconteceu.

Era

inevitavel.

Felizmente tudo

passou....

E

nossa

amizade retomou

o ritmo

primitivo.

(Guarnieri

1943)

Pode-se

considerar

que

os

epis6dios

mencionados

apenas

retratam

divergencias

ocasionais

que

nao

comprometem

a

tese

da

incondicional

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186 :

Flavio Silva

Photo 1.

Guarnieri,

compositor/regente

convidado. No

programa

Abertura

Festiva,

Concerto No. 5

para piano

e

orquestra

(dedicado

at

pianista

Lais de

Souza

Brasil).

fidelidade

guarnieriana

ao

pensamento

do

amigo,

mas

outros

epis6dios

e

outras atitudes do

compositor

apontam

no sentido de

diferencas

mais

profundas

entre ambos.

Assim,

a

pregacao segundo

a

qual

o

compositor

que

se

quisesse

"nacional" teria

que pesquisar

sistematicamente o

populario

para

fazer obra

significativa

(ou

"funcional")

da

"realidade

nacional",

nunca

foi levada tao

a

s6rio

por

Guamieri como

por

Guerra-Peixe,

que

nao

chegou

a

conhecer Mario mas

foi

quem

mais e

melhor obedeceu

ao

preceito

mariano.

Apenas

em

1937

Guarnieri fez

uma

e inica

viagem

(a

Salvador)

para

coletar

material

folcl6rico,

embora

continuasse

a

estudar

nosso

populario,

ainda

que

de forma

pouco

sistematica e sem a

preocupacao

de

ser um

pesquisador,

se como

tal

entendemos um

Bart6k,

um

Kodaly

ou

o

Guerra-Peixe que, em carta de 29 de novembro, 1950, assim se dirigiu ao

autor dos

Ponteios:

Nao sei

porque

voce,

misico

competente, inteligente,

culto,

tendo herdado

de Mario de

Andrade uma forma

excelente de

apreciar

o

folclore,

.

. . nao

escreve

artigos

ou livros focalizando essas

quest6es

cientificamente-ao

inves

dessa

tarefa ficar

para

orelhudos.... Isso 6 tao mau

quanto

o

dodecafonismo....

Ja

6

tempo

de

voce

publicar

alguma

coisa.

Vamos,

tome

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Camargo

Guarnieri

Mdriode

Andrade

: 187

a iniciativa

e

vera como o seu trabalho sera

superior

a

isso tudo

que

vem

sendo

publicado.2

Em varias

ocasi6es,

Stravinski foi

citado

por

Guarnieri como um

de seus

autores

prediletos,

o

que

significava

uma

nao-aceitacao

das

condenacoes

que

o criador do Sacre

recebera de

Mario,

do Ensaio

a

0

banquete:

Por valiosa

que

seja

a

obra,

devemos

repudia-la, que

nem

faz

a Russia

cor

Stravinski e Kandinski.... Toda arte socialmente

primitiva que

nem

a

nossa,

6 arte social

...

de

circunstancia.

E

interessada.... Numa

fase

primitivistica,

o individuo

que

nao

siga

o

ritmo

dela e

pedregulho

na

botina.... A

pedra

tem

de

serjogada

fora.

(Andrade

1962,

17-18)

A

Russia comunista

repudiou

Stravinski.

E

fez muito bem. Sem medo do

futuro.

(Andrade

1977,

131)

Voltando

de sua

primeira

viagem

aos

EUA,

Guarnieri fez

observaocies

bastante restritivas

a

Shostakovich

e a

Sinfonia

Leningrado:

Tenho

minhas reservas a

respeito

dessa obra do

grande

compositor

russo,

como

alias de toda

composigao

musical

que

fuja

ao verdadeiro sentido da

muisica. Nao compreendo misica como expressao de um ideal politico.

Sinfonia onde se

percebem

tiros

de

canhao,

roncos

de

avi6es,

matraquear

de

metralhadoras;

ambem

partituras

om

apitos

de

fabricas,

ruido de

maquinas,

etc. Shostakovich

6 russo e

tem

la suas raz6es

para

procurar

fazer as

coisas

a

sua

maneira.

Entretanto,

ao lado

dele,

na

Russia,

existe um outro

composi-

tor,

Prokofiev. Sua muisica

6

russa,

de

expressao

erudita,

e

eu

a

considero

maior

que

a

de Shostakovich....

A

forma

e a

forca

expressiva

nessa

sinfonia

[de

Leningrado]

sao

elementosja

conhecidos. Nao houve

contribuigao

nova,

como,

por

exemplo,

no

Sacre

du

printemps,

de

Stravinski....

Shostakovich

nao faz

muisica

de

expressio popular.

Ele

quer chegar

a

muisica

ao

povo por

meio de

processos que

somente serviram

para

vulgariza-lo.

Shostakovich

tornou-se

vulgar,

essa 6 a verdade.

Um

grande

compositor

tira

seus motivos

do

povo,

mas

fica

onde esta. Nao desce at6 o

povo.

Este 6

que, pela

cultura,

tera

que

subir ate ele. E

o

caso de

Villa-Lobos,

inegavelmente

muito

maior

que

Shostakovich.3

No "Prefacio" de

1945

i

biografia

desse

artista

por

Victor

Seroff,

Mario

considera-o

como

o

"compositor

de muisica

para

o

povo

duma comunidade

sem

classes

... o

compositor

vivo

mais

consciente

da mfisica

que

deve

e

quer fazer". Ele cria obra "consciente e exigente do seu poder funcional, e

predeterminada

a

uma

funcionalidade

politica

da

coletividade",

pois

"as

massas sovieticas

estao muito bem esclarecidas de

sua

ideologia

e do

que

elas

representam

na

sociedade

contemporanea...

de

que

sao a

mais

humana

experiencia".

Abundam

as

digress6es

"sobre a funcionalidade

politico-comunista

que

a

obra de Shostakovich

possa

ter

...

contra

a

mfisica

'modernista'

da

sociedade

burguesa

contemporanea".

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188

:

Flavio Silva

Repetindo

o

apoio

a

rejeicao

de

Stravinski,

Mario

tambem

apoiou

a

condenagao

que

Shostakovich

teria

recebido dos

lideres sovi6ticos:

A obrado

grande

compositor

e

apresenta

omo um turbilhao

esnorteante

de

grandezas

perigos,

nao foi

a toa

quepor

um

tempo

ela caiuno

desfavor

dos

te6ricos

e

dirigentes

a Rissia sovi6tica.Caso

hist6ricoalias

admiravel-

um bonito

exemplo

de

humanidade entreos

que

o

Comunismo

a

deu

ao

mundo....

Em

compensacao

oram

admiraveisde

grandeza

humana

os

dirigentes

os

sovietes,

na

sua

repreensao ompreensiva

expectante,

com-

positor

em seu mutismoe

esforco

posterior

de

readaptacao,

o

povo

russo

conservando

mfisico

na

sua

simpatia.4

No mesmo "Prefacio",Mario considera que o "esquerzo"da Sinfonian05

do

compositor

esta

"impregnado

do mau

espirito

de

Tchaikovski",

embora

este

seja apontado

como

"a

influencia

predominante

no

musico

comunista,

sobretudo

na

obra

sinf6nica":

Imagino

que

a

licao de

Tchaikovskideterminou

no misico

comunista

a

solucao

mais

social,

mais

para

o

povo,

de

preferir

a

orquestraiao

principio

classico

da

nitidez inear

estrutural,

o

principio

mpressionistico

os efeitos

de timbre

difundindo

s

formasnas

n6voasda

coloracao.

Entre

Tchaikovski

e

Rimski-Korsakov,

comunista

optoupela

tradicao o

primeiro,

me

parece

que

a

sua

opcao

foi comunistamente

melhor.

Ou

seja:

"comunistamente"

falando,

o "mau

espirito

de

Tchaikovski"

e

mais

"funcional"

que

o

de

Rimski-Korsakov

Mario

parecia

incapaz

de

perceber

o

russismo essencial

de

que

estao

impregnadas

as

melodias

do

autor

de

0

lago

dos

cisnes,

embriagado

clima

de

festa

popular

presente

em

tantas de suas obras e

que

encontra nova

traducao

na

stravinskiana Les

noces,

u

a

importancia

da in6dita

utilizacao de um

compasso

quinario

em

movimento

de

sinfonia.

A

profunda

rejeicao

de

Mario

a

Tchaikovski

chega

ao deboche no estudo Evoluadoocial da misica brasileira:

[Tchaikovski

]

um dos "mirificos

Sem

Carater',

raros

6

verdade,

mas

insolentes m suahabilissima

stentacao

..

especie

de fornocremat6rio

o

cisco

de

muitas

racas

.

.,

bom

para

um

plibicopreguicento,

nerte,

gnaro,

que

exige

s6 as

obras

mais

radicionalmente

aceis

e

os

pinchos

malabaristicos

da

brilhacao

e da

virtuosidade.

Tschaikovski.

Tsssssssssschaikovski

sic].

(Andrade

1939,

37)

Por

varias vezes Guarnieri

dirigiu

a

abertura Romeu

eJulieta,

que

amava

profundamente;nao 6 crivel que essa admiracao se restringissea uma inica

obra de

Tchaikovski.

No

Ensaio,

Mario

prefere

citar o

insignificante

C6sar

Cui,

que

"seria

ignorado

si

nao fosse

o

papel

dele na

formacao da

escola

russa"

(p. 19).Ja

em

0

banquete,

Mario vira

pelo

avesso o

que

parecia

uma

verdade

adquirida

e definitiva:

Todoo

orientalismoolcl6rico

de Rimski-Korsakov

u

de

Borodinnao ficou

nem como valor

intrinseco,

nem como

carater

de

nacionalidade.E muito

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7/25/2019 Camargo Guarnieri e Mario de Andrade

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Camargo

Guarnieri

Mdriode Andrade

:

189

menos as obras de Liadov ou Cesar

Cui. Ficou

Moussorgski,

em

tudo,

como

eslavismo e como

valor

imenso. Mas esse era

genio,

nao serve de

comparacao.5

Em

1935,

Mario criticou

o

que

considerava como

uma

perigosa

tendencia

de Guarnieri

para

o

que

chamava de "atonalismo":

O

pensamento

tonal de

Camargo

Guarnieri,

tanto nesta Sonata

[n?

1,

para

violoncelo e

piano]

como na maioria das obras

dele,

6

fundamentalmente

cromatico, ou,

como

se

diz

atualmente,

atonal.

(Andrade 1935)

O

cromatismo levado assim

as

suas filtimas

conseqiiencias

atonais,

torna

esta

esplendida

composicao

[Quarteto

n0?

]

duma aridez ainda

por

demais

inacessivel

a

maioria. Sem

a

menor alusao

politica,

6

uma

obra... da

oposiqio

...

0

pr6prio

ritmo

chega

a ser atonal ...

(Didrio

de SdoPaulo

29/

maio/1935,

em Andrade

1993,

312)

Segundo

declarou

em 1941

o

compositor,

a

partir

de

1928

"acentuaram-se

prodigiosamente

em mim as tend6ncias

polifonicas,

baseadas

no

atonalismo".

A

6poca

dessa

declaraqao

ele tinha uma boa

rela;ao

com

HJ.

Koellreutter,

que

por

volta

de

1947 se referiu

a

Guarnieri

como

um

"sincero

e verdadeiro amigo", que muito o assistira quando caira enfermo vitimado

por

uma

intoxicaqao

com chumbo.6

Foi ainda

em

1941

que

Guarnieri

escreveu

uma extraordinaria "Carta aberta"

a

Koellreutter

(Guameri

1941),

bem

diferente

da

que

viria a luz em fins

de

1950:

S.

Paulo,

28 de

agosto

de 1941

Meu caro

Koellreutter,

Assim

que

terminei a leitura de sua Muisicade

cdmara

obra

editada como

suplemento

ao n. 35 da revista

que

publicou

essa

carta],

para

canto,

viola,

corne

ingles,

clarineta baixo e tambor

militar,

senti

necessidade

de lhe

escrever

para

contar o

quanto

ela me interessou

e

tambem

para

conversar

um

pouco

com

voc6. Se eu

conhecesse

mais

a

sua

obra,

gostaria

de

fazer

um estudo sobre voc6 como

compositor,

mas

limitar-me-ia,

desta

vez,

a

comentar

sua

peca

acima mencionada e

expor

o meu

ponto

de vista

sobre

a

teoria

atonal.

Vamos

a sua

peca.

Acho

que

a

escolha da

poesia

foi muito

acertada

e

voc6

a

musicou muito

bem. A

imprecisao

do

assunto

poetico

se

uniu

perfeitamente

ao seu atonalismo. Nessa

peca,

tudo

6

indefinido. A

linha musical do primeiro verso 6 feliz, ondula e se inflexiona de acordo

com

a

palavra,

como

as

que

se

seguem.

Sua felicidade 6

completada

corn

a

escolha

do

conjunto

instrumental.

A variedade de

timbre,

o seu

emprego,

tudo

isso,

cria uma atmosfera muito

particular.

At6 o tambor

militar,

sempre

empregado

como

reforco,

ou

entao,

marcador

de

ritmo,

na

sua

peca

atinge

uma

expressao,

ou

melhor,

6

expressivo.

O

seu rulo

manso,

da-me

a

sensacao

"uma

andorinha cruza no ar

.. .".

Somente

o

corne

ingl6s,

acho-

o

numa

tessitura

um

pouco

aguda,

por

causa da

dinamicapp

eppp

indicada

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190 :

Flavio Silva

na

composicao.

Com dezessete

compassos

voce me

interessa

muito mais

que

milh6es de

compassos

doutros

compositores....

Quanta

gente

ao ler

a sua Mzisicade cdmaravai odia-lo Voce sera recriminado e alcunhado de

corruptor

do

gosto

musical

Nao

ha

de ser nada

Agora

uma

confissao:

cada

vez

que

leio ou

ouco

uma

peca

atonal,

surge-me

um

problema,

o do

belo. Nunca

pude

ainda,

apesar

de minha franca

simpatia pelo

atonalismo,

sem, entretanto,

pratica-lo

sistematicamente,

encontrar beleza nas obras

escritas atonalmente. Tenho

a

sensasao

de

que

essas obras

nao

chegam

a

ser

belas,

acho-as

profundamente

intelectuais. Tenho

a

impressao

de

que

o

compositor,

assim

que

tracou

o

seu

plano

formal,

comega

a

escrever

pensando

exclusivamente

na

relaago

intima

dos doze sons e

nas

tendencias

atrativas deles. A meu ver, a conducao das linhas possui um sentido mais

visual

que,

propriamente,

auditivo.

Talvez

seja

esse o

motivo

porque

a

musica atonal nao me

proporciona prazer

estetico,

portanto,

nao me

emociona,

nao

me

comove.

Acho,

nao

obstante,

muito interessante

as

obras

atonais e uma delas

e a

sua Muisica e cdmara.Mas sera

que

a

finalidade do

artista

e

produzir

obras

interessantes?

Poderao

me

responder que

[se]

eu,

pessoalmente,

nao

sinto

a

emorao

que

nelas se

contem, sou,

nesse

caso,

o

inico

culpado.

Pode ser

Admito o

atonalismo,

o

politonalismo,

a

tonalidade

fugitiva

de

Machabey,

enfim,

tudo. Dizendo

isso,

nao estou

afirmando a

tonalidade

fugitiva

dessas

manifestacoes,

esta claro. Todos os meios sao

licitos

quando

visam um fim

puramente

artistico, sincero. Por isso, admiro

voce.

A

sua Muzsica e

cdmara,

obretudo o seu

Improviso

estudo

para

flauta

solo

me

agradam

muito.

Quero

antever

em

voce

a mesma

transiago

por

que passou

Hindemith,

que

a

principio

escreveu tanta

misica

complicada,

obscura

e

hoje

esta

tao

claro,

simples, perto

de Bach.

Voce e

um

artista nato. Creio

em voce. Se

isso

nao fosse

verdade,

jamais

teria escrito essas linhas.

Bom,

paro aqui.

Receba um

abraco

do seu

amigo,

Camargo

Guarnieri

Pouco

depois,

a 2

de

setembro,

Guarnieri

compunha

seu

primeiro

Improviso

para

flauta

solo,

a

primeira

obra

de

brasileiro nato no

genero

(segundo

Celso

Woltzenlogel),

dedicada "Ao Koellreutter" e

certamente

inspirada

na

obra

analoga

deste

musico,

composta

em Manaus

a

26/7/1938 e referida

na

"Carta aberta" antes

transcrita. A 29

de novembro do mesmo ano

de

1941,

o

Improviso

guarnieriano

foi estreado

pelo

dedicatario em concerto

no Teatro

Municipal

de

Sgo

Paulo,

no

qual

os dois

muisicos

interpretaram

tambem

obras de

Bach,

Schubert

e

Hindemith;7

a dedicat6ria

original

foi

mais tarde riscada da

partitura

(certamente

ap6s

a

Carta aberta

aos

musicose

criticos do BrasiL distribuida

por

Guarnieri

em

fins

de

1950)

e atribuida a

Moacir Liserra.

Pode-se

supor

que

Mgrio

nao

estava

nada

satisfeito com

o

bom

relacionamento entre Guarnieri

e

o mfsico alemao. Antes e

depois

da

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Camargo

Guarnieri

Mdrio

de Andrade : 191

morte

de

Mario,

ocorrida

em

1945,

Koellreutternunca economizou

elogios

a

ele,

a

quem

se

referiu,

sempre

em

tom

deferente,

em

inuimeros

artigos

publicados

em

peri6dicos

brasileiros. Koellreutter

apreciava,

sobretudo,

as teorizac6es sobre "arte funcional" e as id6ias filo-comunistas

que

aproximam

o ensaista do

que

viria a

ser o

realismo

socialista

jdanoviano-

stalinista.

Guamieri,

apolitico

declarado,8

nao

simpatizava

com essas ideias.

Segundo Jorge

Coli,

Mario nunca se referiu diretamente

a

Koellreutter,

embora conhecesse o boletim

Mzisica

Viva,

editado

pelo grupo

de mesmo

nome,

ou

seja:

Mario

nunca

quis

retribuir,

dessa ou

daquela

forma,

aos

elogios

que

recebera

desse

grupo

e

de

seu lider. Mais ainda: "os

ataques

a

Escola de Viena, feitos por Mario de Andrade, tornaram-se veementes

exatamente no momento em

que

o

grupo alargava

o

campo

de

sua

acao"

(op.

cit.,

p.

290)

e

atingem

um

paroxismo

de violencia em tres

artigos

publicados

entre

1943 e 1944:

[Um]

nazismo

profetico

..

j

estalavanessa

polifonia

estrita obediente

da

musica

de

Bustehude

Joao

Sebastiao

Bach....

Na

Alemanha coral

sempre

assumiu

estino

politico

ou intencionalmente

rianizante.... E vem

a

sombra

malestarenta e

Schoenberg,

aso

grave

de

conseqiiencias

inda

arianizantes,

indo

logo

as do cabo

em

suas

teorias .. em

que

a

regra

e substituida

pela

ordem,pelocomando,o etemo fuehrismoermano.... Eimpossivel eparar

o

germano

do nazismo....

Como

sera

possivel

classificar

a

escala

dos seresvivos esses

alemaes,

esses

jap6es,

essas

epidemias

humanas

.. Me

pergunto

e nao

sera

questao

duma

operacao

irirgica,

duma

extirpacao

essa

gente

...

que

nao

deixarajamais

de

ser

epidemia

(op.

cit.,

p.

74-82,

139)

J.

Coli

prop6e

tres

explicacoes para

esses

delirios;

a

mais

plausivel,

a meu

entender, e a que neles ve um violento ataque indireto Koellreutter:

Os

alemaes,

todos os

alemaes,

sao

nazistas;

Schoenberg...

e

nazista....

Nao

haveria,

bjetivamente,

uasaltemativas

o

que

concere

a

Koellreutter.

Sentindo-se

meacado

nos seus

projetos

mais

caros,

Mario

de

Andradeataca

violentamente... tentava

atingir

a

penetracao

da modernidade

da

Escola

de Viena no

Brasil,

em enfrentar

polemica.

op.

cit.,

pp.

186-87)

Em 0

banquete-obra

inconclusa-Mario

faz

afirmacoes que

podem

ser

entendidas como

critica direta ou indireta ao Musica

Viva e

a

seu lider

Koellreutter:

A

mfsica brasileira

indanao

pode perder

de

vistao folclore.

Se

perder,

se

estrangeirizara

ompletamente.

Como

sucede corn os sistematizadores

o

atonalismo

ntegral,

os

que

baseiam

a

sua

criacao

na chamada"invencao

livre".

Andrade

1977,

150)

Mignone,

em

sua

"fase

atonal",

manifestou-secriticamente

sobre

a

influencia

recebida de

Mario:

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192 : Flavio Silva

Amparado

da cordial e

espontanea

amizade

de

Mario

de

Andrade,

embrenhei-me

no

cipoal

da mfisica nacionalista

e, tambem,

para

nao ser

considerado [... ] uma "reverendissima besta".... Compus, compelidogrifo

meu],

Quatro

antasias

brasileiras,

.

Maracatudo

Chico-Rei,

Festa das

igrejas

Sinfonia

do

trabalho.

Mas,

voltando a

minha fase

nacionalista,

devo declarar

que

nao andava

contente do

que produzia.

Dediquei-me, para

esconder-me de

mim

mesmo,

a

acompanhar

ao

piano, reger

orquestras.... Depois

de

dobrar o

cabo

das

boas

resoluc6es,

aos sessenta e mais

anos,

entreguei-me

a

escrever musica

pela

mfsica.

Agrado

a

mim mesmo e

6

quanto

basta. Aceito

e

emprego

todos os processos de composicao conhecidos. Transformo-os a minha

maneira.9

Esse

desabafo de

Mignone

6

cerca de 12

anos

posterior

a

"curioso

epis6dio

ocorrido,

ai

por

1946,

em casa

de Luis Heitor" e narrado

por

Vasco

Mariz,

um

de seus

participantes:

Estava

presente

Manuel

Bandeira,

dileto

amigo

do

mestre

[Mignone],

e

Mignone

atravessava

periodo

de

depressao

est6tica,

pois

julgava

a

sua

pr6pria

musica demasiado

facil

e mesmo

vulgar.

Em

uma noitada intima

estava

Mignone ao piano interpretandouma de suas famosas Valsasdeesquina eis

que

o

compositor

subitamente emendou acordes

puccinianos

e

a

melodia da

area E

lucevane

stelle,

da

6pera

Tosca. eu

dois murros

no

teclado

e

exclamou:

"isto 6

que

6

a minha

mfisica ".

Foi

um

constrangimento

geral

e todos

procuraram

consola-lo e

rebater sua

afirma(ao.

(Mariz

1998,

87)

Mais

tarde,

Mignone

afirmaria:

Em

geral,

condeno toda minha

musica

atonalista.

Continuo dentro

do

nacionalismo,

tao forte

quanto

antes,

porque

nele ha

uma

mensagem

de

riqueza, de variedade, de ambiente e de cor local. E nosso.... Mario me

mostrou a

importancia

do

que

e

nosso,

dizendo

aquela

celebre frase: 0 com-

positor

brasileiro

que

nao escrevemzisicanacionalista

e

uma

reverendissimaesta.

(Mignone

1977)

Embora esta

declaragao

de

Mignone

desautorize o

que

escrevera em

1968,

e evidente

que

o

compositor experimentou-e

pouco ap6s

a

morte

de

Mario,

de acordo

com

a

narrativa

de V.

Mariz -forte reacao

a

pregacao que

o

desviara da

"insidiosa e mortifera iara

internacional",

da "serenata italiana

que

lhe

ressoava nas

cordas

das

veias",

no dizer do lider do

nacionalismo

musical

(Andrade,

22

outubre

1939).

Quanto

a

Guarnieri,

defensor e

propagador

da

influencia de Mario mas

que

nunca aceitou ser um

pesquisador-compositor

como

Guerra-Peixe,

fazer

a

defesa do

comunismo como

Santoro ou

compor

uma

Sinfonia

do

trabalho

como

Mignone,

sua

iniciacao

a

criacao

propriamente

dita,

operada

sob

a

orientagao

de Lamberto Baldi

e

daquele

lider,

nao

trouxe nenhuma

mudanca

de

rumos

analoga

a

que

Mignone

sofreu ao

aceitar

a

doutrinacao

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Camargo

Guarnieri

Mario

de

Andrade

:

193

Photo

2.

Mario de

Andrade,

Lamberto

Baldi,

e

Camargo

Guarnieri

(1942),

fot6grafo nao identificado.

do

pr6prio

Mario-uma

mudanca bem

diferente da

que

Guerra-Peixe e

Santoro e tantos

outros

experimentaram

ao

seguirem

os

ensinamentos

de

Koellreutter.

As

reac6es de Guerra-Peixe

e de Santoro

contra seu

ex-mestre

foram

diretamente

proporcionais

a

violencia

da

mudanca

de rumos

que

experimentaram

em suas

fases dodecaf6nicas.10

Guarnieri

"mostrou-se definido desde

logo.

Cresceu como

a

palmeira,

retilinea,

sem

ramificacoes"

Caldeira

Filho

1999).Ja

em

maio de 1928

Mario

escreveu sobre o

jovem compositor que

conhecera

dois meses

antes:

A

Danfa

brasileiraja

ale

por

si ...

e

possui

umcarater rasileiro

nconfundivel.

E

mesmo

da

gente.....

E

um

trabalho delicioso.

Muito

bem feito.

Inspirado

em

elementos

etnograficos

.. mas

nao

empregando

orenquanto

o

aproveitamento

ireto

do

documento

popular....

Felizmente

Guarnieri]

ao

possui

essa

estupida

acilidademel6dica

que

esta

escangalhando

duma vez

esses

compositores

de

cancoes

pseudo-

brasileiras....

Mozart

Guarnieri,

ao.

A

melodiadele

e

brabae

desconfiada.

(Andrade,

de

maio

1928)

No Ensaio do

mesmo

ano,

lemos:

Numa sonatina

a

primeira,parapiano]

ainda

neditadesse

moco

de futuro

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194 : Flavio

Silva

Mozart

Camargo

Guarnieri,

"Andante"em

contrapontado

om eficiencia

nacionale

magnificamente.

Andrade

1962,

52)

A

mesma obra seria

consagrada,

no ano

seguinte,

em notavel estudo de Sa

Pereira

(Pereira1929).

E

possivel,

pois,

relativizar

a

importancia

de

opini6es

como a

deJ.

E.

Martins,

para quem,

na obra de

Guarnieri,

o "ano de 1928

[seria]

uma data delimitadora da fronteira de

opcao

estetica claramente

voltada ao nacional"

(Barbieri 1993),

em

fungao

da

edigao

do Ensaio.Por

essa

6poca,

o

compositor,

de acordo

com

suas

palavras,

"era um

sujeito

bisonho,

mal saido do

segundo

ano do

grupo

escolar",'2portanto,

incapaz

de

qualquer "opcao

estetica".

Parece, mesmo,

irreal falar em

opcao

est6tica,

mesmo posterior; seria mais adeqiiado considerar que, a partir de 1928,

tendencias

guarnierianas,

ja

delineadas,

passaram

a

ganhar

em

tecnica,

consistencia

e

profundidade,

gracas,

sobretudo,

a Baldi e Mario.

Quanto

a fidelidade ao

pensamento

de

Mario

alardeada

por

Guarnieri,

pode-se

estimar

que

o

compositor-de

certa forma como Koellreutter-

selecionou,

na

multiplicidade

daquele

pensamento,

os

aspectos que

mais

Ihe convinham e

que

foram

por

ele

considerados

como a

expressao

da

verdade do

amigo

e

mentor.

Essa

reiterada

afirmacao

de fidelidade

ocorre,

ao

que

parece,

sobretudo

apos

a morte de

Mario; antes,

Guarnieri

podia

dele

divergir,

mas nao

depois.

A divida do

compositor

para

com o

amigo

desaparecido

era tal

que

o

impedia

de fazer

qualquer

critica e

obrigava-o

a

incondicional e irrestritadefesa de suas

ideias,

por

mais

que

algumas

facetas

do "Mario trazentos"resvalassem

para aspectos politicos

e doutrinarios ou

revelassem

dirigismos

aos

quais

Guarnieri era visceralmente avesso.

A

tristemente famosa

Carta

abertaaos misicose criticos o

Brasil

publicada

em novembro de

1950,

provocou

enorme celeuma

ainda

hoje

latente.

Embora Guarnieri

sempre

se

proclamasse

autor do

documento,

tudo leva

a

crer

que

sua

redacao

recebeu consideravel

influencia

de

Rossini, poeta,

irmao do

compositor

e comunista convicto. Essa Carta

aberta,

adicalmente

diferente

da

de

1941,

retoma criticas ao dodecafonismo feitas

por

Honegger

e mistura

quest6es

musicais

a

ideias

mario-jdanovianas

num todo

francamente

incompativel

com o

sentimento do

signatario.

Os textos doutrinarios

deJdanov

sobre

muisica,

de fevereiro de

1948,

inspiraram

a

realizacao,

em maio do mesmo

ano,

de

congresso

de

misicos

ditos

progressistas

m

Praga,

do

qual

resultaramdocumentos

que

comegaram

a

ser

divulgados

no Brasil no mesmo ano.

Em

julho,

o

"Apelo"

de

Praga

foi

transcritona revista paulista Fundamentos amplamente comentado por

Santoro

na

mesma revista e no

mes

seguinte,

no

qual

esse

"Apelo",

acrescido

das

"Resolucoes"

dele

emanadas,

foi transcrito no

n. 16

de Musica

Viva.

E

flagrante

a

proximidade ideol6gica

desses documentos com

ideias

expostas

por

Mario

desde o Ensaio e

que

culminariam no "Prefacio"

(texto

mal

conhecido,

felizmente

reproduzido porJorge

Coli em

Mzisicafinal,

998)

de

janeiro

de

1945,

dois meses

antes

da

morte do ensaista.

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Camargo

Guarnieri

Mdrio

de

Andrade

:

195

Dentre

as varias

publicacoes,

totais ou

parciais, que

a

Carta abertade

1950

recebeu,

destaca-se

a

de

janeiro

de

1951 na

ja

citada revista

Fundamentos,

o

mesmo

nfimero em

que

foi

publicado

o

substancial

artigo

"A

estetica

a

luz do

marxismo",

do

argentino

Rodolfo

Ghioldi,

um

dos

lideres da

tentativa

comunista de

golpe

de estado

no

Brasil,

em

1935. Na

secao

"O

atonalismo-renfincia

ao tema e ao

publico"

desse

artigo,

lemos:

O

atonalismo...

6,

na

muisica,

mesmo

que

o surealismonas

letras,

o

abstracionismo

a

pintura

ou

o

existencialismo m

filosofia.

Um de seus

te6ricos,

o

frances

Leibowitz,afirmou,

precisamente, ue

o atonalismo o

existencialismo onoro.

(Ghioldi

1951)

E na

Carta

aberta:

E

preciso

que

se

diga... que

o

dodecafonismo,

m

musica,

corresponde

o

abstracionismom

pintura;

o

hermetismo,

m

literatura;

o

existencialismo,

em

filosofia;

o

charlatanismo,

m

ciencia.

1

muito

pouco

provavel que

Guarnieri tenha lido o texto de

Ghioldi,

mas

a semelhanca entre

as

duas

citac6es

acima,

agravada

por

sua

publicacao

conjunta,

nao

pode

ser

explicada por

mera

coincidencia

ou fenomeno

parapsicol6gico.

O texto do

argentino,

de meados de 1949 (conforme

informacao

por

ele

trazida),

6 anterior ao da Carta

aberta;

mais

provavel

e

que

ele

tenha sido indiretamente levado

a

Guarnieri

por

Rossini,

que

sem duvida circulava

na

redacao

de Fundamentos

que

talvez tenha sido o

artifice

da

publicacao conjunta.

Em

janeiro

de

1950,

Guarnieri declarou:

Duranteo ano

de

1933,

liguei-me

ao atonalismo...

que

os "novissimos"

descobriram

gora....

Maso

atonalismo,

a

realidade,

como um "chiclet":

no comeco6 muitobom ... depoissomee nao sepercebegostoalgum.Na

verdade,

por6m,

nao sou contratendencia

alguma.

O

essencial6 ser ho-

nesto,

seguir

seus

impulsos

nteriores.

Guarnieri 950)

Vimos

que

a

"Carta

aberta"de

1941

ja

fazia

restricoes

quanto

a

expressividade

do

atonalismo,

num

periodo

em

que

a amizade

entre Guamieri e Koellreutter

atingia,

talvez,

um climax

que

levou o

primeiro

a

compor

obra

a

partir

de

obra

do

segundo.

Mas

se

Guamieri em

janeiro

de 1950 declarava nao ser

"contra

endencia

alguma",

em novembro do mesmo

ano ele

se

manifestaria

frontalmentecontra

a

corrente

musical liderada

pelo Schoenberg,que

Mario

vituperara

como "arianizante"

m 1943 e criticara m

passagens

de 0

banquete

e

no

"Prefacio";

ao

6

impossivel

que

esses

vituperios

e

criticas

tenham

sido,

tamb6m,

formas adotadas

por

Mario

para

advertirseu rebelde

discipulo

dos

"perigos"

que

adviriam,

para

sua

criacao

musical

e

para

sua

nacionalidade,

do contato

corn o tamb6m

"arianizante"

Koellreutter

(de

acordo

com

a

interpretacao

deJ.

Coli

antes

referida).

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7/25/2019 Camargo Guarnieri e Mario de Andrade

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196 : Flavio Silva

Vista

por

esses

angulos,

a Carta aberta

pode

ser entendida como uma

resposta

tardia de Guarnieri

a uma critica velada-ou

angustiado

apelo?-

de Mario. A amizade e a

gratidao

passavam

acima de

quaisquer

outras

considerac6es.

Era

preciso

defender o

legado

do

amigo

e mestre contra os

que,

proclamando-se

seguidores

de

seu

pensamento,

de fato o

deturpavam

ao

desprezarem

a

importancia

do ser nacional.

Era

grande

a

ascendencia de

Rossini-universitario formado -sobre o

compositor.

Nao deve ter sido dificil ao

poeta-comunista,

autor de odes

a

Stalin e

a

Prestes

(mas

tambem

Mario escrevera um "Poema

para

Luis

Carlos

[Prestes]"),

onvencer

o irmao

da

urgencia

de investir contra os

que

pregavam

a

degenerescencia

da nacionalidade e da arte

musical.'3E, creio,

da confluencia dos varios fatores

assinalados

que

emerge

o

documento de

cujo

texto Guarnieri acabou

por

tornar-se

prisioneiro: por

um

lado,

ele

nao

podia

reconhecer

qualquer

influencia

de

Rossini sem se

desmerecer,

e

por

outro lado sua

imagem

ficou

associada

a

de um ferrenho

ditador,

contrario a livre

expressao

do

pensamento

criador.'4

As

menc5es

a

degenerescencia

cultural e musical encontradas na Carta

aberta

eram,

em

minha

opiniao,

entendidas

por

Guarnieri

em

termos

especificamente

culturais e

musicais,

sem

relacao

com

as

recusas

nazista

e

comunista a "musicadegenerada".Para Guarnieria misica era, sobretudo,

emocao-emocao que

ele

nao sentia nas obras

atonais,

conforme declarara

na

"Carta

aberta"

de

1941. Ele tambem

acreditava firmemente

na

ligacao

essencial entre

a

musica culta de um

pais

e

sua tradicao musical

e a

partir

de um certo momento

(depois

da morte

de

Mario?)

passou

a

considerar

inviavel a

manutencao

desse elo no atonalismo

e, sobretudo,

na

dodecafonia. Uma

musica

que

nao

exprimisse

emocao e

que

nao se baseasse

na

tradicao era

inaceitavel,

era um

contrasenso,

era uma decadencia ou

degenerescencia.

E

claro

que

essa conviccao

intima e

profunda

de Guamieri

tinha afinidades com algumas das proclamacoes de Jdanov, mas seria

desconhecer

por

completo

a

personalidade

do

compositor

imaginar

ou

afirmar

afinidades maiores entre os dois

pensamentos

do

que

a

assinalada.

Observe-se, ainda,

que

a

inviabilidade

da

relacao dodecafonia-tradicao

havia sido

proclamada,

de forma

contundente,

por

Santoro

antes da Carta

aberta

e,

depois,

por

Guerra-Peixe;

este

chegou

mesmo

ao

ataque pessoal

mais direto e virulento

a

Koellreutter,15

procedimento

cuidadosamente

evitado

por

Guarnieri-mas

nem

Santoro nem Guerra-Peixe

passaram

a

posteridade

como

inimigos

do

pensamento

criador.

Talvezfosse mais conveniente encarar esssas

quest6es por

outro

angulo.

A

difusao do dodecafonismo e

do

serialismo

foi

feita,

em

boa

parte,

a

partir

de

deduc5es

de

uma

pretensa16gicaque

fazia dessas

correntes

a

decorrencia

natural e necessaria

da

evolucao

da

muisica

ap6s

a

pretensa

dissolucao

da

tonalidade no Tristdo. sse dedutivismo totalitario evaria

Boulez

a

proclamar

que

todos

os

compositores

que

nao

compreenderam

a

mensagem

de

Webern sao

perfeitamente

"infiteis"

(Boulez

1991,

214).

Curiosamente,

a

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Camargo

Guarnieri

Mdriode Andrade : 197

pecha

de

"decadente",

aplicada pelos jdanovistas

e

assimilfveis

aos

que

recusavam

o realismo

socialista e

seus

dogmas, passaria,

mais

tarde,

a

ser

aplicada

a Penderecki

quando

ele voltou a

compor

obras com

comprometimentos

tonais.

Segundo

Bruno Prunes:

A

decadade

80

conheceu

a

emergencia

de variosmovimentos

musicais

que

se

colocaram m radical

oposicao

ao serialismodos

ultimos

rinta

anos....

Um

caso

exemplar

6

o de

Tristan

Murail....

Ele

buscou,

desde seus

tempos

de

estudante,

scapar

da

camisa-de-forca

erial,

em

cair

num

qualquer

st6ril

neoclassicismo.

Prunes

1990)

Mais

interessantes

ainda sao

opinioes

de

compositores

minimalistas:

Harvard havia-se

tornado

vitima

da

mafia

p6s-serialista....

Todos

compunham,

ervilmente,

ma mfisicaaltamente

complexa

e

alienada

das

plat6ias, ois

era

sso

que

nossos

equivocados rofessores

iziam er o futuro

de nossa arte.

(John

Adams)

A

maioria

dos

juizes

do mundomusical

..

nao nos deixava

divulgar

que

consideravam

experiencias

er6ticas.Eles

queriam

ecas

que

soassem

como

clones de

composi6ces

de

peso

de

Schoenberg,

Webern,

Boulez e

Stockhausen.SteveReich)

De

maneiranenhuma u me

renderia

mafia

erialista

que

parecia

ontrolar

todas as

universidades,

ara

nao citar

os cursosde

p6s-graduacao.Philip

Glass;

cita;6es

em

Toni1998)

Nesses

casos,

inexiste o confronto entre

nacionalismo

e

dodecafonismo/

serialismo,

o

que

parece

evidenciar

que

a

recusa ao messianismo

dodecaf6nico/serial

enquanto

unica saida

para

a

composicao

musical

nao

pode ser vista como mero produto de nacionalismos retr6grados ou de

realismos-socialistas ditatoriais.O

grande

problema

da Cartaaberta

parece

ser

a

recusa de

um

dogma

em nome

de

outro-o nacionalismo

musical,

que

Guarnieri

nao

podia

recusar nem entender

como

dogma.

Ela

pode

ser

vista como um

equivocado preito

de Guarnieri

a

mem6ria

do Mario

do

"Prefacio".

Em

quatro

artigos lapidares,

Andrade Murici

considerou

como

"legitimas

muitas

observaq6es

criticas da

Carta"(observac6es

que

ele

quase

nao

comenta),

mas

fez, sobretudo,

a

radiografia

quase completa

do

amontoado

dos

equivocos

que

ela

traz,

em

particularquanto

a

"um

aspecto

pragmatico dificilmente aceitavel: a guerra a tendencias musicais outras

que

a

nacionalista"

(Murici

1951).

Carleton

Sprague

Smith,

em

carta

de

19/dezembro/1950

ao

composi-

tor,

parece

ter antevisto

os

problemas que

o documento

traria

ao

composi-

tor:

Camargo,

oc6

me

diz claramente

ue

lhe

de

minha

opiniao

sobre

sua

carta

aberta

aos

mfisicos criticosdo

Brasil.Ao meu

ver,

cartas bertas unca

dao

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198

:

Flavio

Silva

bons resultados e

sim

trazem muitas

complicacoes.

Oxala isso nao aconteca

no seu caso.

O

desmentido

maior a

Carta

aberta viria do

pr6prio

Guarnieri.

Passada a

tempestade

que

provocara,

ele nao

hesitou

em

se

servir

de

procedimentos

seriais

e

mesmo

dodecafonicos

em obras como a Sonatina

n?

6para piano

e

a

Seresta

para

piano

e

orquestra

(1965),

a

Seqiiencia,

Coral e Ricercare

1966),

os Concertos

? 4

e

5para

piano

e

orquestra

1968, 1970),

o

quarteto

Anguistia

(1976).

Referindo-se

ao

Choro

para

viola e

orquestra

(1975),

cuja "primeira

frase

e estritamente

dodecaf6nica",

Lutero

Rodrigues

observou:

Os 12 sons sao integralmente apresentados ate o sol bemol do terceiro

compasso,

quando

voltam a

ser

ouvidos,

agora

na

forma

retr6grada.

A

segunda

frase

e

o

retr6grado

da

primeira,

porem

com

liberdades,

sem

a

estrita

utilizacao

da serie.

(Rodrigues

1993)

Mas

o mal estava feito.

Segundo

o mesmo autor:

As

piores conseqiiuncias

da

Carta aberta

nao

foram

logo

percebidas.

De

inicio,

. .

.

[ela]

favoreceu

ao

nacionalismo

que

ganhou

adesoes

e fez os anos

1950 ainda bastante favoraveis

a

Guarnieri....

Cristalizou-se

[depois,]

para

muitos, a imagem de Guarnieri como representante maximo de tudo o que

de

retr6grado

havia na

musica brasileira.

Para

isso,

contribuiu tambem o

surgimento

dos cursos de misica nas

universidades,

favorecendo a criacao

musical voltada

a

intemacionalizaqco

da

linguagem

musical.... Dessa

forma,

por

um

conjunto

de razoes

que

vao do musical

ao

puramente

ideologico,

Guarnieri

viveu os iltimos 30 anos de vida numa

especie

de ostracismo....

A

obra,

nem

sempre

a materializacao dos

principios

da

Carta

aberta,

passou

a

ser

previamente julgada

e

depreciada,

geralmente

sem

ser

ouvida.

(Rodrigues

1993)

Em 0 banquete,Mario escreveu:

Todos

os

tesouros de

expressao

musical ...

que

se confinaram mais

pro

lado

da

expressao

musical

psicol6gica

tem

que

ser abandonados

pelo

artista

brasileiro

para

que

ele

possa

fazer

musica

nacional.

Ou

o

compositor

faz

muisica nacional e falsifica ou abandona

a

forqa

expressiva

que

possui,

ou

aceita esta e abandona

a

caracteristicanacional.

(Andrade

1977,

39)

Nao era da indole de Guarnieri se "amolar com os

problemas

exteriores

da funcionalidade

da

arte" ou com "o

problema

detestavel da

nacionalizacao

da minha muisica a me impedir a liberdade de criacao" que tanto

preocupavamJanjao,

o her6i

(com

algum

carater )

de

0

banquete.

Mas

e

tambem

Janjao

que

proclama:

"O

que

a

gente

ama,

eu

pelo

menos,

e a

obra de

arte

mesmo"

(Andrade

1977, 112,

111)-e

e

nessa declaracao de

amor a "obra

de

arte

mesmo",

que

explode pela

boca

do

principal

inter-

locutor

de 0

banquete,

que podemos,

talvez,

encontrar o traco distintivo

maior entre as

preocupacoes

esteticas,

sociol6gicas,

funcionalistas de

Mario

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Camargo

Guarnieri

Mdriode Andrade

: 199

e a

preocupacao

essencial

de

Guarnieri

com

a

"mfsica

pura...

sem

contefdo

intelectual,

sem

programa"

(Guarnieri

16

margo

1941).

A

homenagem

maior de

Mario

a

Guarnieri

viria,

talvez,

em

O

banquete.

Flavia

Toni,

em

seu

Mdriode

Andrade

Villa-Lobos,

a a

um

capitulo

o

titulo

"Mario

de

Andrade e

'Janjao'

Villa-Lobos"-essa

relagao

entre

Janjao

e

Villa-Lobos nao

chega

a

ser

compreensivel. Segundo

V.

Mariz:

"Dizem

os

iniciados

que

Siomara era

Guiomar

Novais

eJanjao,

Camargo

Guamieri,

mas a

verdade 6

que

todos

sao

Mario

de

Andrade"-verdade

elementar-

mas

de acordo

com

informagao

de

Guarnieri ao

mesmo

autor,Janjao

"teria

sido em

parte inspirado

nas

reagoes

dele aos temas

debatidos"

nas

reunioes

as

quartas-feiras

na casa

de

Mario, por

volta

de 1930

(Mariz 1983, 52, 49).

"Mentira,

a

simpatica

cidadinha

[sic]

da Alta

Paulista"

(Andrade

1977,

45),

cenario de 0

banquete,

a

terra

de

compositorJanjao,

autor do

Esquerzo

antifascistaque

o

ensaista nao

compos

e da

Sinfonia

do

trabalho

que

ele

conseguiu

fazer

Mignone

compor.'6

Pastor

Fido,

que

nao

conheciaJanjao,

pergunta,

ao

encontra-lo:

-Voce

quem

e?

-Eu

sou

compositor.

-O moCo

caiu na

risada.

-Puxa

Compositor

om um

corpo

desses

-Que

tem o

meu

corpo

corna minha

misica?

-De fato nao teria

nada e

ate

cor

esse

corpo

a

gente

pode

ser

musico,

mas

duvido.

VocC,

ra

misico,

e

antipatico

primeira

ista,

como

e

que

vai

reussir?

Voce

nao

tem

o

physique

u

role,

migo.

Com

esse

corpao

esquipatico,

eito

aos pedagos,dos quaisnenhumpertencea um mfisico seu fado 6 feito o

meu,

desgraca.

Em

1932,

Fernando Mendes

Almeida,

um

dos

participantes

das

reunioes

das

quartas-feiras,

escrevia:

Um

dia,

Ferreira

restes'7

me

falou:"Nio

conhece?

Um

que

tem

um

nariz,

quase

naotosse e 6

antipatico

e

primeira

ista".

"Um

que"

.. Pensei:

deve

ser

parente

do

medico de

meu

tio.

E

nao era nada

disso,

nao. Era

Mozart

Camargo

Guarnieri,

ermelho

como um

pimentao,

cor cara

de

guarda-

civil e muisico tedebaixod'agua.

E

Mario de

Andrade,

em

carta de

28/janeiro/1939

a

Guarnieri:

A vida

brasileira

i

de

tomar

voce nos

bragos

perversos

voce

caminhara,

como

caminhamos

agora

todos,

os

intelectuais

honestos

deste

pais,

de

desilusao

em

desilusao,

de

miseria

em

mis6ria,

da

miseria

para

a

desilusao.

E

e

s6.

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200 :

Flavio

Silva

Notas

1.

Esse

estudo

aproveita partes

de

"Abrindouma

Carta

aberta",

ue

redigi

para

o livro

Camargo

Guarnieri-Vida e

obra,

com

catalogo

de obras

e

estudos de

varios outros

autores,

e

cuja

edicao,

por

mim

organizada

para

a

Fundacao Nacional

de

Arte,

do

Ministerio

da

Cultura,

esta

prevista

para

o

ano em curso.

2.

Carta

de Guerra-Peixe a

Guarnieri,

de

29/novembro/1950,

acusando

o

recebimento

de

exemplar

da

Carta

aberta,

com

a

qual

declara

concordar "numa

m6dia

de uns oitenta

por

cento".

Anos

mais

tarde,

ja rompido com Guarnieri,Guerra-Peixe declararia:

O

que

6

preciso

6

que

os

compositores,

o inv6s de

irem

sacaricar

o

exte-

rior

em

busca de

fama

facil

(fama

nacional,

6

claro),

ratemde tirar

umas

feriazinhas

cuidem de

recolher

algum

material

olcl6rico devidamente

observado

nas fontes

populares,para

que

nao aconteca

como sucede a

compositores,

principalmente

aulistas,

que passam

por

alto

pelo

folclore

cariocae

nordestino

enquanto

desconhecemo

bandeirante-excegao

eita,

ultimamente,

[Ascendino]

Teodoro

Nogueira.

Guerra-Peixe

965)

Os "paulistas"criticados sao, obviamente, Guarnieri e seu circulo de

discipulos.

Em

minha

opiniao,

Guerra-Peixe se considerava e

deve ser

considerado

como o

melhor

seguidor

de Mario.

Nao consta

que

Santoro,

outro

transfuga

do

Muisica

Viva,

tenha

feito

pesquisa

sistematica de

folclore,

e o

mesmo se

pode

dizer de

Mignone.

Villa-

Lobos nunca

foi um

pesquisador,

embora tenha

coletado

melodias

para

uso

pr6prio

ou

para

finalidades didaticas.

3.

Guarnieri 17/abril/1943.

Meses

antes dessa

entrevista,

Guarnieri

escrevera carta a

Mario

fazendo

restricoes

a

Shostakovich

que

suscitaramresposta do amigo datada de 28/janeiro/1943:

Minha

opiniao

obreo homem

nao 6

bem

a

sua

..

pelas

observac6esastante

injustas

obre

ele,

me

parece que

voc6 nao situou

o homem

como deveria

situar

paracompreende-lo

melhore

aprecia-lo

as

suas utas

est6tico-sociais,

que

sao

terriveis.

4. Em

Carta

a

imprensa

do

BrasiL

Shostakovich,

ap6s

declarar

que

fora

eleito

deputado

e

que

recebera a

Ordem de

Lenin,

afirmou:

Jamais alguemvetou as minhasobras-essaid6iasurgiutao somente nos

criticos

ociosos

que

colaboram

nas

paginas

dos

jornais

reacionarios.Eu

escrevo o

que

quero

e

como

quero,

e as

minhas obras

sao executadas

frequentemente

a

URSS....

Os

tracoscaracteristicos a nossa

mfisica

sovi6ticasao

a

ideologia

e o

conteuido

rofundo,

e

nao

a

atracao

da

forma

pela

forma.

Parece-me

que

este

6

um

dos

tracos

que

distinguem

muisica os

compositores

ovi6ticosde

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7/25/2019 Camargo Guarnieri e Mario de Andrade

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Camargo

Guarnieri

Mdriode Andrade

:

201

muitosdos nossos

colegas

do

estrangeiro.

nisto

que

reside

a

forca

da

mfsica

sovi6tica

..

Estessao os

fatos

Esta

6

a

realidade.Torna-se laro

para

cada

pessoaqueosjomaisreacionariosrasileirosesorientampovobrasileiro..

quero

que

o

povo

do Brasil

saiba

a autentica erdadesobre a arte

musical

avancadado meu

pais.

(Shostakovich

947)

5.

Andrade

1977,

112. Em

carta

de dezembro de 1878 a Mme. von

Meck,

e

ap6s

criticas contundentes

ao

Grupo

dos Cinco e

a

seus

membros,

Tchaikovski fez observacao

pr6xima

a de

Mario sobre

Mussorgsky:

Osjovens compositores

e

Petersburgo

ao bem

prendados,

mas

estao

odos

impregnados

da mais horrivel

presuntao

e

da conviccao amadorade sua

superioridade

todosos mfsicos do universo.... Tantasinteligenciasdas

quais-exceto

Rimski-Korsakov-nao

podemosesperar ualquer

oisa 6ria ..

[mas]

Moussorgski,

omtoda

a

sua

fealdade,

alaum novo idioma.Belo ele

nao

pode

ser,

mas

6

novo....

(Kolodin

1944,

213-7)

Sobre

os

"Cinco",

um

jovem

Claudio Santoro

observou,

em

1941:

"Demais

russo

6, tamb6m,

mais

do

que

se

pensa,

Tchaikovski,

apesar

dos seus

germanismos"

(Santoro 1941);

essa

observacao

pode

ser

entendida como uma critica

a

Mario.

Anos

mais

tarde,

Santoro

reafirmaria:"Tchaikovski era considerado, pelo Grupo dos Cinco, na

Russia,

como

um

compositor

nao nacionalista. No

entanto,

ninguem

nega

hoje

que

6

o

mais

russo de todos de sua

6poca"

(Mariz

1983:

73).

6.

Koellreutter

c. 1947. Lembra

Guarnieri:

ConheciKoellreuter

qui

em

Sao

Paulo.Ele

apareceu

omo flautista eu o

ajudei

muito.Arrumeinumeros oncertos

para

ele. Inclusiveo

acompanhei,

declinando

do cach6

que

teria direito

a

recebercomo

acompanhante.

Na

6poca

em

que

ele moravaem SantoAmaro

adoeceu,

e fui eu

quem

arrumou

um

m6dico

para

cuidardele. Eramosmuito

amigos.

(Guarnieri

987)

7.

0 Estado de

Sao

Paulo

assinalou,

no dia

seguinte

ao do

recital,

o

ineditismo

da

obra de Guarnieri:

Com

essa

obra,

Camargo

Guarnieri

evelaum momento

significativo

e sua

evolucao

e

6

curioso

que

o tenha

eitovoluntariamente

entro

dalimitacao

relativa falta de recursos

daquele

instrumento...

6

uma dessas raras

antecipacoes

da

formacao

de

um

"espirito"

rasileiro cimado folcl6rico

e

do

regional.

Artes

artistas

1941)

8. Alem de transcrevertrechos de O banquetem artigos publicados em

varias

revistas,

Koellreutter ez

a

defesa

do

"regime

socialista"em outros

textos,

alguns

dos

quais

citados

na

Bibliografia.

Num

deles-de

1983 -

6

feita

pomposa

citacao

de inutil

sentenca

proferida pelo

"guia ge-

nial",

"farol

da humanidade":

A

muisica,

ortanto,

6

o reflexo de uma determinada

ituacao

ocial

e sua

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202 :

Flavio

Silva

hist6ria o

reflexo da hist6ria da sociedade.

Acontece,

porem, que

a

musica

"nao s6

reflete

a

situagao

social,

mas

tambem

a

influencia".

[Stalin,

"O marxismo e os

problemas

da

lingiiistica"].

(Koellreutter 1983)

Para

Guarnieri:

O

compositor...

deve

participar

da vida social e

politica

de seu

pais.

Eu

constituo um caso

especial,

uma

excecao

que

nao deve servir de

regra

a

ninguem:

tenho horror a

politica.

Considero isso um

erro

porque

o mundo

em

que

vivemos e

eminentemente

politico

e

seus

problemas

exigem

militancia

e

participacao.

(Guarnieri

1957)

9. Mignone 1968. Considero esse artigo do compositor uma confirmacao

de

declaracoes

prestadas

em

entrevista

que

me

concedeu

em

novembro

de

1967,

cujas

informacoes

foram transcritas

nesse mesmo ano em

notas

que

redigi

para

programa

de concerto da

Orquestra

Sinf6nica

Brasileira.

A

crise

pela

qual Mignone

passara

por

volta

de

1939,

atribuida

por

Mario ao

apuro

da tecnica e a

exagerada

autocritica do

compositor

(Andrade

1939),

era

por

este diferentemente

interpretada

em

1967,

de acordo

com

a

transcricao

que

fiz

da referida entrevista:

Esse "ceticismo"foi antes de mais nada fruto de seu contato com o pr6prio

Mario.

Nacionalista "de fora

para

dentro"

[declaracao

de

Mignone],

para

ele

a

influencia de Mario foi talvez

mais malefica

que

util: o

ceticismo

que

ela

gerou

s6 foi mesmo

superado

depois

do

desaparecimento

de

Mario,

a

cujo

doutrinamento

"opunha

um

silencio

produtivo"....

Mario seria o seu

pr6prio

personagem,

um "her6i sem

nenhum

carater",

admiravel discutidor.

A

producao

musical

de Francisco

Mignone

vem

experimentando...

uma

mudanca de rumos.... Seu

credo

atual

orienta-se no sentido de um

"internacionalismo musical".... Ve o

nacionalismo como fase

superada,

pelo

menos

em

sua

criacao:

admira o

que

vem "de dentro

para

fora"

[Villa-

Lobos,

Bart6k],

mas nao o

que

vem "de fora

para

dentro",

e nesse ultimo

caso

situa toda sua

producao

nacionalista. Para

ele,

o

folclore

brasileiro,

enquanto

fonte de

criagao

erudita,

esta de certo modo

esgotado

... marcha-

se

para

uma musica universal sem

caracteristicas ocais.

Essas

afirmacoes

de

Mignone

nao

significavam

nenhum

tipo

de

alinhamento com

a

doutrinacao

de "um tal

de

Koellreutter"-e

assim

que

ele

se

refere

a

este

misico no

artigo

de

1968,

cuja

transcricao,

no

livro

organizado

em sua

homenagem

por

V.

Mariz,

tem

varios

erros

(ver Mariz 1998, 45).

10.

Santoro foi

o

primeiro

a

abandonar o

Muisica

Viva,

por

volta

de 1947-

8,

passando

logo

a

divulgar

as

diretrizes do realismo socialista de

Jdanov,

com violentos

ataques

a

"musica decadente"

de

Schoenberg

etc.

Ainda em

1954,

criticando Stravinski e

seu

"6dio

zool6gico

(como

diria

Lenin)

para

com

a

patria

do

socialismo",

ele

escreveria:

Procura

justificar

seu

desajuste

estetico

criando obras

que,

apesar

de suas

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Camargo

Guarnieri

Mario

de

Andrade

: 203

pretendidas

conquistas

no

dominio

da

tecnica,

nao

sao

suficientes

para

encobrir ideias

ultrapassadas,

lembrando uma

mulher velha enfeitada

exageradamente

com

roupas,

perfumes

ej6ias

da iltima moda....

Ora,

nada

mais

natural

que, agora,

se volte

para

o

dodecafonismo,

m6todo

pr6prio

dos

esgotados

e dos incautos ..

.,

tabua

de

salvacao

dos

que

...

se

refugiam

no

mundo do abstracionismo

que

esta

a

um

passo

do

charlatanismo....

E o

errado desta

miusica e

justamente

o seu

cosmopolitismo,

seu carater

especulativo,

seu hermetismo.

(Santoro

1954)

Guerra-Peixe abandonou o

Musica

Viva

em meados de 1950

e

s6

a

partir

de

setembro

do

ano

seguinte

passou

a fazer

ataques

pfiblicos

a

esse grupo. Em artigo seu de 1952, lemos:

O

caminho mais acertado

para

um

compositor contemporaneo

brasileiro

e

trilhar

a

senda do

nacionalismo

baseado diretamente nas fontes

populares

...

o mfisico

ha

de escrever

para

alguem

ouvir....

[O

dodecafonismo

e]

um

herm6tico

sistema

musical

...

uma caracteristica do

periodo

decadente

...

corrupgao

existencialista...

funcionalmente inexistente....

O

mais 6

conversa

fiada....

O

ser

revolucionario

deve

surgir

da

reacao

contra

o

esot6rico

fi-ri-fi-fi

do

formalismo da arte

pela

arte.

(Guerra-Peixe

1952)

Ambas as

citacoes

servem-se de termos

que ficaram,

de certo

modo,

"consagrados"

pela

Carta

aberta.

Eunice Catunda foi aluna de

composicao

de

Guarnieri em

1942,

antes

de

ingressar

no

Musica Viva

(Kater

1987,

9);

ela foi

o iunico membro

importante

desse

grupo

a dele

se afastar em

funcao do documento

guarnieriano,

conforme

telegrama

ao

compositor

seguido

de carta de

20/novembro/1950,

onde

afirma:

Corto

definitivamente as

amarras,

doa a

quem

doer,

nao

obstante

qualquer

incompreensao

ou desentendimento

que

possam

surgir

cor

pessoas

a

quem

me

liga

grande

amizade

individual.

Sua carta 6

uma

carta

serena,

sincera e

clara. Tudo o

que

voce diz nela 6 verdade. Todos os

perigos

ali

apontados

existem de fato.

11.

Grifo

meu. Desde

o

inicio,

Guarnieri

recusou-se

a

utilizar temas

folcl6ricos,

que

s6

aparecem

em

rarissimas

obras

suas,

com

a 6bvia

excecao

dos

arranjos que

fez.

12.

Guarnieri,

IX,

1943. At6 o final de sua

vida,

o

compositor

ressentia-se

de

nao

haver

sequer

concluido o

curso

primario,

embora se

orgulhasse

de

haver

freqiientado

a

"universidade Mario

de

Andrade".

13. O acervo de Guarnieri conserva carta que lhe foi dirigida, a 8/

dezembro/1950,

porJorge

Medauar,

poeta

e

colaborador

de

revistas

marxistas,

com extremada

manifestacao

de

apoio

a

Carta aberta

que

evidencia

o

quanto

seu texto era

palatavel para

os

comunistas:

Para

mim,

Cosmopolitismo quer

dizer

Imperialismo.

Sao uma

e

a

mesma

coisa.

Dodecafonismo,

pois,

hermetismo,

existencialismo

sao

geometria

do

mesmo

arquiteto.

Sao, enfim,

pontes

lancadas

no

terreno artistico. Por elas

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204 :

Fldvio Silva

trafegam

contrabandos

em forma de

livros,

quadros,

mfisicas,

poemas

ou

postulados

filos6ficos. Sao

pontes

por

onde...

chegam-nos

os

Sartre,

os

Camus,

os

Faulkner,

os Bertrand Russell. E em

troca,...

sao

transportadas

nossas areias

monaziticas,

petr6leo,

arroz,

feijao,

carne,

milho, enfim,

nossas

melhores reservas.

Os

poetas

que

se

esfregam

no

imperialismo

cantam

plenilinios,

mares,

hipocampos,

hemisf6rios,

alfa e

6mega,

antipodas, equin6cios

ou solsticios.

Com

esses

arranjos

inventaram

uma

"nova"

poesia.

Poesia

que

obriga

aos

tolos

incurs6es aos

lexicos.

Enquanto

sao folheados

dicionarios...

o

imperialismo

avanca....

Cinicos,

acocorados

a

sombra da bomba

at6mica,

nao

querem

vir

cantar

do lado iluminado.... Poetas de

estufa, girass6is

invertidos,

com

as maos escondem os olhos da luz forte

que

os

cega.

Mas

n6s canaremos

... os her6is e os cavaleiros

[obs.:

alusao a

Prestes,

o "Cavaleiro

da

Esperanca"]que

sao

a

esperanga

da nossa

gente.

E

contra

o

hermetismo,

contra

o

dodecafonismo,

contra

enfim todos os

correspondentes

do

imperialismo, oporemos

a

verdade....

Armados

do materialismo

dialetico,

do

marxismo-leninismo-stalinismo,

ssim como ontem

vencemos

Hitler,

hoje,

ao lado

da Uniao

Sovietica,

das

Republicas

Populares,

dos

Exercitos

Libertadores

e de

todos

os PartidosComunistas do mundo

inteiro,

haveremos

de vencer

a

civilizacao

at6mica.

14.

Comentando,

em

1957,

a obra

de

Roque

Cordero classificada

em

terceiro

lugar

em concurso de

composicao

em

Caracas,

Guarnieri

observou

que aquele

autor "merecia melhor

sorte,

muito

embora sua

obra fosse

dodecaf6nica",

e

acrescentou:

Nao e

que

eu fosse

propriamente

contrario

a

tendencia

criada

por

Schoenberg.

Eu sou contra o dodecafonismo ou contra tendencia

qualquer que

dogma-

tize o

compositor, que

nao

o deixe

livre

em

sua

peregrinagao

de

imagens

para compor

a

vontade.

(Guarnieri 1957)

Em

varias

ocasi6es,

Guarnieri

afirmou sua

admiragao

por

Schoenberg,

Webern

e,

sobretudo,

Berg. Quando,

em seus filtimos anos de

vida,

Ihe

faziam

perguntas

sobre

a

Carta

aberta,

o

compositor

procurava

desconversar

ou,

dependendo

do

interlocutor,

dava

respostas

atravessadas

e mal-humoradas.

15. 0

artigo

de

1953,

em

que

um

irado Guerra-Peixe desvela inimeros

(mas

nao

todos

os)

plagios

literarios cometidos

por

Koellreutter,

costuma

ser

ignorado

pelos que

defendem

a

qualquer preco

o

Musica

Viva e seu lider.

16.

A

Sinfonia

do trabalho

1939)

tem os movimentos: "O canto

da

maquina",

"O

canto

da

familia",

"O

canto do homem

forte",

"O

canto do trabalho

fecundo".

A

Sinfonia

da

Transamaz6nica

1972),

composta por

Mignone

em

louvor

a obra

fara6nica

do

regime

militar

vigente,

traz

anotacoes

que parecem

indicar a

transformaiao

da obra socialista

sugerida

por

Mario

em

sinfonia

transideoldgica:

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Camargo

Guarnieri Mdrio

de

Andrade

: 205

Essa obra

...

e uma

invocacao

quase onomatopaica

das

maquinas que

abatem

florestas

e

criam a

civilizaSao

contemporanea....

Ha

o canto da

maquina

e

o canto da terra....

Ergue-se

entao o Canto do Homem Forte.... A obra

termina com

o

"Canto

do TrabalhoFecundo"....

para

terminar,

ha um

trecho

aleat6rio,

improvisado

na

hora,

que

6 uma

homenagem

ao

novo,

ao

grande

Brasil de

amanha.

O

"esquerzo",

antifascista

ou

antinazista,

era uma

obsessao

de Mario

desde

pelo

menos

1943 e

que reaparece

em

O

banquete:

Como e

possivel

que

a

tua arte

ainda

nao

tenha

estourado

no

sarcasmo dum

Esquerzo

ntifascista

u melhor e

mais

dinamicamente

na Marchada Guerra?

(Coli 1998, 111;ver tamb6m pp. 115-16)

Que

mais

valor

tera

esse

"Esquerzo

Antifachista",

depois que

Mussolini virou

p6

de

traque?

Nenhum.

Nem

me interessa

que

tenha

mais

algum.

(Andrade

1977,

68)

17.

Ferreira

Prestes,

outro dos

participantes

das

reuni6es

as

quartas-feiras,

prematuramente

falecido,

foi

homenageado

por

Mario com

a

dedicat6ria

de

Musica,

doce

mzisicae

com

um dos

artigos

incluidos

nessa

coletanea.

Anexo

Cartaabertaaos

mzisicos criticosdo

Brasil

Camargo

Guarnieri

Considerando

as

minhas

grandes

responsabilidades,

como

compositor

brasileiro, diante de meu povo e das novas gera;6es de criadores na arte

musical,

e

profundamente preocupado

com

a

orientacao

atual

da

musica

dos

jovens

compositores que,

influenciados

por

ideias

err6neas,

se filiam

ao dodecafonismo-corrente

formalista

que

leva

a

degenerescencia

do

carater

nacional de nossa musica-tomei

a

resoluciao

de escrever

esta

carta-

aberta

aos misicos e criticos

do Brasil.

Atrav6s deste

documento,

quero

alerta-los

sobre os enormes

perigos

que,

neste

momento, ameacam

profundamente

toda a cultura

musical

brasileira,

a

que

estamos estreitamente

vinculados.

Esses

perigos

provem

do fato de muitos dos

nossosjovens

compositores,

por

inadvertencia

ou

ignorancia,

estarem

se

deixando

seduzir

por

falsas

teorias

progressistas

da

musica,

orientando

a

sua obra nascente num sentido

contrario ao dos

verdadeiros interesses

da

musica

brasileira.

Introduzido

no Brasil

ha

poucos

anos,

por

elementos

oriundos de

paises

onde se

empobrece

o folclore

musical,

o dodecafonismo encontrou

aqui

ardorosa acolhida

por

parte

de

alguns

espiritos

desprevenidos.

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206

:

Flavio Silva

A

sombra de

seu

mal6fico

prestigio

se

abrigaram

alguns

compositores

mocos

de

valor

e

grande

talento,

como

Claudio Santoro

e

Guerra-Peixe

que, felizmente,

ap6s

seguirem

essa orientacao

errada,

puderam

se

libertar

dela e retomar o caminho da mfisica baseada no estudo e no

aproveitamento

artistico-cientifico

do

nosso folclore. Outros

jovens

compositores,

entretanto,

ainda

dominados

pela

corrente

dodecafonista

(que

desgracadamente

recebe o

apoio

e a

simpatia

de muitas

pessoas

desorientadas),

estao sufocando o

seu

talento,

perdendo

contato com

a

realidade e

a cultura

brasileiras,

e

criando

uma

musica cerebrina

e

falaciosa,

inteiramente divorciada de nossas caracteristicasnacionais.

Diante dessa situacaoque tende

a

se agravardia

a

dia, comprometendo

basilarmente o destino de nossa

misica,

6

tempo

de

erguer

um

grito

de

alerta

para

deter

a

nefasta nfiltracao ormalistae antibrasileira

que,

recebida

com

tolerancia

e

complacencia

hoje,

vira

trazer,

no

futuro,

graves

e

insanaveis

prejuizos

ao

desenvolvimento

da misica nacional do Brasil.

E

preciso que

se

diga

a

esses

jovens

que

o

dodecafonismo,

em

mfsica,

corresponde

ao abstracionismo em

pintura;

ao

hermetismo,

em

literatura;

ao

existencialismo,

em

filosofia;

ao

charlatanismo,

em ci6ncia.

Assim,

pois,

o

dodecafonismo

(como

aqueles

e outros contrabandos

que

estamos importando e assimilando servilmente) 6 uma expressao

caracteristica de uma

politica

de

degenerescencia

cultural,

um

ramo

adventicio

da

figueira-brava

do

cosmopolitismo que

nos ameaca

com

suas

sombras

deformantes e

tem

por objetivo

oculto um lento e

pernicioso

trabalho de

destruicao

do

nosso

carater

nacional.

O

dodecafonismo

6

assim,

de

um

ponto

de

vista

mais

geral, produto

de

culturas

superadas,que

se

decompoem

de maneira

inevitavel;

6

um

artificio

cerebralista, antinacional,

antipopular,

levado ao

extremo;

6

quimica,

e

arquitetura,

6

matematica

na

musica-6 tudo

o

que quiserem-mas

nao

e

musica E um requintede inteligenciassaturadas,de almassecas, descrentes

da

vida;

6

um vicio de

semimortos,

um

refigio

de

compositores

mediocres,

de seres sem

patria, incapazes

de

compreender,

de

sentir,

de

amar e revelar

tudo

o

que

ha

de

novo,

dinamico e saudavel

no

espirito

de nosso

povo.

Que

essa

pretensa

musica

encontre

adeptos

no

seio

de

civiliza6ces

e

culturas

decadentes,

onde se exaurem

as

fontes

originais

do

folclore

(como

e o

caso

de

alguns

paises

da

Europa);

que

essa tend6ncia deformadora

deite

as

suas raizes envenenadas no solo cansado de sociedades em

decomposicao,

va

la

Mas

que

nao encontre acolhida

aqui,

na

America

nativa e

especialmente

em nosso

Brasil,

onde um

povo

novo e rico de

poder

criador

tem

todo

um

grandioso

porvir

nacional

a

construir

com

suas

pr6prias

maos

Importar

e tentar

adaptar

no

Brasil

essa caricaturade

musica,

esse

metodo

de

contorcionismo cerebral

antiartistico,

que

nada tem de

comum

com as

caracteristicas

especificas

de nosso

temperamento

nacional,

e

que

se destina

apenas

a nutrir

o

gosto

pervertido

de

pequenas

elites de

requintados

e

paran6icos,

reputo

um crime de

lesa-patria

Isso

constitui,

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Camargo

Guarnieri

Mdriode Andrade

: 207

alem

do

mais,

uma afronta

a

capacidade

criadora,

ao

patriotismo

e a

inteligencia

dos mfisicos brasileiros.

O

nosso

pais possui

um folclore

musical dos

mais ricos do

mundo,

quase

que

totalmente

ignorado por

muitos

compositores

brasileiros

que,

inexplicavelmente,

preferem

carbonizar

o

cerebro

para produzir

mfsica

segundo

os

principios

aparentemente

inovadores

de

uma

estetica

esdrnxula

e falsa.

Como

macacos,

como

imitadores

vulgares,

como

criaturas

sem

principios,

preferem

importar

e

copiar

nocivas

novidades

estrangeiras,

simulando, assim,

que

sao

"originais",

"modernos"

e

"avancados",

e

esquecem, deliberada e criminosamente, que temos todo um Amazonas

de

mfsica

folcl6rica-expressao

viva de nosso carater

nacional-a

espera

de

que

venham

tambem estuda-lo

e

divulga-lo

para

engrandecimento

da

cultura

brasileira. Eles

nao sabem ou

fingem

nao

saber

que

somente

representaremos

um autentico

valor,

no

conjunto

dos

valores

intemacionais,

na

medida

em

que

soubermos

preservar

e

aperfeicoar

os

tracos

fundamentais

de

nossa fisionomia

nacional em

todos os sentidos.

Os

nossos

compositores

dodecafonistas

adotam e defendem

essa

tendencia

formalista

e

degenerada

de muisica

porque

nao se deram

ao

cuidado elementar de estudar os tesouros da heranca classica, o

desenvolvimento

aut6nomo

da muisicabrasileira

e suas raizes

populares

e

folcl6ricas.

Eles,

certamente,

nao leram estas

sabias

palavras

de Glinka:

"a

muisica,

cria-a o

povo,

e

n6s,

os

artistas,

somente

a

arranjamos"

que

valem

para

n6s tambem

-

e

muito menos

meditaram nesta

opiniao

do

grande

mestre

Honegger

sobre o dodecafonismo:

"as suas

regras

sao

por

demais

ingenuamente

escolasticas.

Permitem

ao NAO

MUSICO

escrever

a

mesma

muisica

que

escreveria

um

individuo

altamente dotado".

Mas o

que pretende,

afinal,

essa corrente

anti-artistica

que procura

conquistar

principalmente

os nossos

jovens

muisicos,deformando a sua

obra nascente?

Pretende,

aqui

no

Brasil,

o mesmo

que

tem

pretendido

em

quase

todos

os

paises

do mundo:

atribuirvalor

preponderante

a

forma;

despojar

a

mfisica

de seus

elementos

essenciais

de

comunicabilidade;

arrancar-lhe

o contefido

emocional;

desfigurar-lhe

o

carater

nacional;

isolar

o

musico

(transformando-o

num monstro

de

individualismo)

e

atingir

o seu

objetivo

principal que

e

justificar

uma mfisica

sem

patria

e

inteiramente

incompreensivel

para

o

povo.

Como

todas

as

tendencias

da arte

degenerada

e

decadente,

o

dodecafonismo,

com

suas

facilidades,

truques

e receitas

de fabricarmusica

atematica,

procura

menosprezar

o trabalho

criador do

artista,

nstituindo

a

improvisacao,

o

charlatanismo,

a

meia-ciencia

como

substitutosda

pesquisa,

do

talento,

da

cultura,

do

aproveitamento

racional

das

experiencias

do

passado,

que

sao

as bases

para

a

realizacao

da obra

de arte verdadeira.

Desejando,

absurdamente,

pairar

acima

e

alem

da

influencia

dos fatores

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208 :

Flavio Silva

de

ordem

social e

hist6rica,

tais

como o

meio,

a

tradicao,

os

costumes e a

heranca

classica;

pretendendo ignorar

ou

desprezar

a

indole do

povo

brasileiro e as condicoes

particulares

do seu

desenvolvimento,

o

dodecafonismo

procura,

sorrateiramente,

realizar a

destruicao

das

caracteristicas

especificamente

nacionais da nossa

misica,

disseminando

entre os

jovens

a

"teoria"da mfisica

de

laborat6rio,

criada

apenas

com o

concurso de

algumas

regras

especiosas,

sem

ligaqco

com

as

fontes

populares.

O

nosso

povo,

entretanto,

com

aguda

intuica.o

e

sabedoria,

tem sabido

desprezar

essa

falsificacaoe o arremedo

de muisica

que

consegue

produzir.

Para tentar

explicar

a

sua nenhuma

aceitacao

por

parte

do

piiblico, alegam

alguns

dos

seus

mais

fervorosos

adeptos que

"o nosso

pais

6 muito

atrasado";

que

estao

"escrevendo muisica

para

o futuro"

ou

que

"o

dodecafonismo

nao

6 ainda

compreendido

pelo povo

porque

a

sua obra

nao

e

suficientemente

divulgada".

E

necessario

que

se

diga,

de uma

vez

por

todas,

que

tudo isso nao

passa

de

desculpa

dos

que pretendem

ocultar aos nossos

olhos os motivos

mais

profundos daquele

div6rcio.

Afirmo,

sem medo de

errar,

que

o

dodecafonismo

jamais

sera

compreendido pelo

grande

puiblico

porque

ele 6 essencialmente

cerebral,

antipopular, antinacional e nao tem nenhuma afinidade com a alma do

povo.

Muita coisa ainda

precisaria

ser dita a

respeito

do

dodecafonismo e do

pernicioso

trabalho

que

seus

adeptos

vem desenvolvendo no

Brasil,

mas

urge

terminaresta carta

que

ja

se torna

longa

demais.

E

ela nao estaria

concluida,

se eu nao

me

penitenciasse

publicamente

perante

o

povo

brasileiro

por

ter demorado

tanto em

publica-la. Esperei

que

se

criassem

condicoes mais

favoraveis

para

um

pronunciamento

coletivo

dos

responsaveis pela

nossa

muisica

a

respeito

desse

importante

problema que envolve intenc6es bem mais gravesdo que, superficialmente,

se

imagina.

Essas

condi6ces

nao se

criaram

e o

que

se nota

6

um

sil6ncio

constrangido

e

comprometedor.

Pessoalmente,

acho

que

o

nosso

silencio,

nesse

momento,

6

coniv6ncia

com

a

contrafacao

dodecafonista.

E

esse o

motivo

porque

este

documento tem um carater tao

pessoal.

Espero,

entretanto,

que

os

meus

colegas

compositores,

interpretes,

regentes

e criticos

manifestem,

agora,

sinceramente,

a sua

autorizada

opiniao

a

prop6sito

do assunto.

Aqui

fica,

pois,

o

meu

apelo patri6tico.

Camargo

Guarnieri

Sao

Paulo,

7

de

novembro de 1950

Qualquer pronunciamento

ou noticia

sobre esta

carta,

6 favor

dirigir

a:

Camargo

Guarnieri. Rua

Melo

Alves,

446.

Sao

Paulo,

Brasil.

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Camargo

Guarnieri Mdriode Andrade : 209

Bibliografia

As entradas referentes

a

entrevistas com

compositores aparecem

sob o

nome

do entrevistado.

O

nome do

entrevistador,

quando

conhecido,

e

informado ao

termino

da entrada.

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