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Calorimetria indireta (CI) Guilherme T. Araújo, Me, MBA, MD 1. Introdução e definições O gasto energético total (GET) diário compreende o gasto energético basal, o efeito térmico dos alimentos e o gasto da atividade física. Podemos assim definir que: Gasto energético basal (GEB): O dispêndio basal representa a energia despendida por um indivíduo mantido em repouso, em um ambiente termicamente neutro, pela manhã, ao acordar após 12 horas de jejum, e depende da massa corporal magra e, em menor extensão, da idade, do sexo e de fatores familiares. O dispêndio basal representa 60% a 75% do custo energético diário e inclui a energia gasta com a bomba de sódiopotássio e outros sistemas que mantêm o gradiente eletroquímico das membranas celulares, a energia empregada na síntese dos componentes do organismo, a energia necessária para o funcionamento dos sistemas cardiovascular e respiratório e a energia despendida pelos mecanismos termorregulatórios para manter a temperatura corporal; Gasto energético em repouso (GER): A condição basal não é encontrada nas situações clínicas habituais. É denominado GER o gasto energético despendido em repouso pelo indivíduo, em um ambiente que não é termicamente neutro e enquanto recebendo medicamentos ou tratamento suportivo incluindo o suporte nutricional. O dispêndio de repouso costuma ser 10% maior do que o dispêndio basal; . Efeito térmico dos alimentos: referese ao gasto provocado pela digestão, absorção, transporte, transformação, assimilação e/ou armazenamento dos nutrientes, que varia de acordo com o substrato consumido. Em jovens eutróficos, com peso constante, a ingestão de hidratos de carbono aumenta o gasto energético em 5% a 10%, a ingestão de lipídios aumenta de 3% a 5% e a de proteínas aumenta aproximadamente 20%. Assim, considerase que, em uma dieta mista habitual, o efeito térmico do alimento em teoria é de aproximadamente 5% a 7% do seu conteúdo energético. Efeito térmico do exercício: é o dispêndio de energia referente à realização do trabalho mecânico externo; este representa 15% a 30% do dispêndio energético diário, e varia com o nível de atividade física, levandose em conta a intensidade e a duração do esforço físico realizado. Diversos fatores, como idade, composição corporal, hormônios tireoidianos, catecolaminas, temperatura do ambiente e corporal, estados patológicos e uso de drogas/tratamentos podem influenciar os componentes do GET. Para uma terapia nutrológica adequada é fundamental o conhecimento do GET. Estudos mostram que apenas 14 a 32% dos pacientes recebem regimes de nutrição que proveem ± 10% da necessidade calórica diária. A subnutrição está associada à deterioração da massa magra,

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Page 1: Calorimetria indireta (CI) - abran.org.br · Calorimetria indireta (CI) Guilherme T. Araújo, Me, MBA, MD 1. Introdução,edefinições, Ogasto"energético"total"(GET)diáriocompreende"ogastoenergéticobasal

                                                                                                                                                                                 Calorimetria indireta (CI)

Guilherme T. Araújo, Me, MBA, MD

1. Introdução  e  definições  

O  gasto  energético  total  (GET)  diário  compreende  o  gasto  energético  basal,  o  efeito  térmico  

dos  alimentos  e  o  gasto  da  atividade  física.  Podemos  assim  definir  que:  

• Gasto  energético  basal  (GEB):  O  dispêndio  basal  representa  a  energia  despendida  por  um  

indivíduo  mantido  em  repouso,  em  um  ambiente  termicamente  neutro,  pela  manhã,  ao  

acordar   após   12   horas   de   jejum,   e   depende   da   massa   corporal   magra   e,   em   menor  

extensão,  da  idade,  do  sexo  e  de  fatores  familiares.  O  dispêndio  basal  representa  60%  a  

75%  do  custo  energético  diário  e  inclui  a  energia  gasta  com  a  bomba  de  sódio-­‐potássio  e  

outros   sistemas   que   mantêm   o   gradiente   eletro-­‐químico   das   membranas   celulares,   a  

energia  empregada  na  síntese  dos  componentes  do  organismo,  a  energia  necessária  para  

o   funcionamento   dos   sistemas   cardiovascular   e   respiratório   e   a   energia   despendida  

pelos  mecanismos  termorregulatórios  para  manter  a  temperatura  corporal;  

• Gasto   energético   em   repouso   (GER):   A   condição   basal   não   é   encontrada   nas   situações  

clínicas   habituais.   É   denominado  GER  o   gasto   energético  despendido   em   repouso  pelo  

indivíduo,   em   um   ambiente   que   não   é   termicamente   neutro   e   enquanto   recebendo  

medicamentos  ou  tratamento  suportivo  incluindo  o  suporte  nutricional.  O  dispêndio  de  

repouso  costuma  ser  10%  maior  do  que  o  dispêndio  basal;.  

• Efeito   térmico   dos   alimentos:   refere-­‐se   ao   gasto   provocado   pela   digestão,   absorção,  

transporte,   transformação,   assimilação   e/ou   armazenamento  dos  nutrientes,   que   varia  

de   acordo   com   o   substrato   consumido.   Em   jovens   eutróficos,   com   peso   constante,   a  

ingestão  de  hidratos  de  carbono  aumenta  o  gasto  energético  em  5%  a  10%,  a  ingestão  de  

lipídios  aumenta  de  3%  a  5%  e  a  de  proteínas  aumenta  aproximadamente  20%.  Assim,  

considera-­‐se  que,  em  uma  dieta  mista  habitual,  o  efeito  térmico  do  alimento  em  teoria  é  

de  aproximadamente  5%  a  7%  do  seu  conteúdo  energético.    

• Efeito  térmico  do  exercício:   é  o  dispêndio  de  energia   referente  à   realização  do   trabalho  

mecânico   externo;   este   representa  15%  a  30%  do  dispêndio   energético  diário,   e   varia  

com  o  nível  de  atividade  física,  levando-­‐se  em  conta  a  intensidade  e  a  duração  do  esforço  

físico  realizado.    

Diversos   fatores,   como   idade,   composição  corporal,  hormônios   tireoidianos,   catecolaminas,  

temperatura   do   ambiente   e   corporal,   estados   patológicos   e   uso   de   drogas/tratamentos   podem  

influenciar  os  componentes  do  GET.  

Para   uma   terapia   nutrológica   adequada   é   fundamental   o   conhecimento   do   GET.   Estudos  

mostram  que  apenas  14  a  32%  dos  pacientes  recebem  regimes  de  nutrição  que  proveem    ±  10%  

da   necessidade   calórica   diária.   A   subnutrição   está   associada   à   deterioração   da   massa   magra,  

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                                                                                                                                                                                 imunossupressão,  déficit  da  cicatrização  de  feridas  e  aumento  do  risco  de  infecções  nosocomiais.  

Por   sua   vez,   a   hipernutrição   associa-­‐se   à   lipogênese   e   hiperglicemia,   que   pode   exacerbar   um  

quadro  de  insuficiência  respiratória.  

Podemos  definir  o  GER  de  três  formas:  

• Equações   preditivas:   são   práticas   não   havendo   necessidade   de   equipamentos  

especializados  e  profissionais  treinados.  Existem  mais  que  200  equações  preditivas,  que  

podem  não  refletir  a  composição  corporal,  estado  nutricional  e  etnia  populacional.  Por  

exemplo,  a  equação  de  Harris-­‐Benedict,  que  é  a  mais  utilizada,  estima  o  GER  com  uma  

precisão   de   ±10%   em   80%   a   90%   dos   indivíduos   normais.   Quando   empregada   em  

pacientes  gravemente  enfermos,  porém,  essa  equação  prediz  corretamente  o  dispêndio  

em  menos  de  50%  dos  indivíduos;  

• Calorimetria   direta:   é   a   medida   do   calor   produzido   pelos   processos   metabólicos   para  

quantificar   o   GET.   O   calor   corporal   total   é   diretamente   medido   por   uma   câmara  

termicamente   selada.   Apesar   de   ser   o   método   com   maior   acurácia,   é   extremamente  

dispendioso,  não  acessível  e   requer  profissionais  bem  treinados.  Portanto  este  método  

está  basicamente  restrito  ao  meio  acadêmico;  

• Calorimetria   indireta:   é   um   método   não   invasivo   que   determina   as   necessidades  

nutricionais   e   a   taxa   de   utilização   dos   substratos   energéticos   a   partir   do   consumo   de  

oxigênio  e  da  produção  de  gás  carbônico  obtidos  por  análise  do  ar  inspirado  e  expirado  

pelos  pulmões,   sendo   considerado   como  padrão  ouro  para  medição  do  GER  na  prática  

clínica.  

 

2. Bases  teóricas  para  a  calorimetria  indireta  

A   CI   mede   a   produção   de   energia   a   partir   das   trocas   gasosas   do   organismo   com   o   meio  

ambiente.   A   denominação   indireta   indica   que   a   produção   de   energia,   diferentemente   da  

calorimetria   direta   que  mede   a   transferência   de   calor   do   organismo   para   o  meio   ambiente,   é  

calculada   a   partir   dos   equivalentes   calóricos   do   oxigênio   consumido   e   do   gás   carbônico  

produzido.   Admitindo-­‐se   que   todo   o   oxigênio   consumido   é   utilizado   para   oxidar   os   substratos  

energéticos  e  que  todo  o  gás  carbônico  produzido  é  eliminado  pela  respiração,  é  possível  calcular  

a   quantidade   total   de   energia   produzida.   Essa   “produção   de   energia”   significa   a   conversão   da  

energia   química   armazenada   nos   nutrientes   em   energia   química   armazenada   no   ATP   mais   a  

energia  dissipada  como  calor  durante  o  processo  de  oxidação.    

Sendo   assim,   a   CI   mede   o   volume   do   oxigênio   consumido   (VO2)   e   do   volume   do   gás  

carbônico  produzido  (VCO2)  durante  o  ciclo  respiratório,  e  a  partir  destes  dados  calcula  o  GER  e  

o  quociente  respiratório  (QR),  utilizando  as  seguintes  equações:  

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A  relação  entre  o  VCO2  e  o  VO2  é  referida  como  quociente  respiratório  (QR):  

 

3.  Tipos  de  calorímetros  

Os   aparelhos   de   CI   medem   o   VO2   e   o   VCO2,   analisando   o   ar   inspirado   e   expirado   pelo  

indivíduo  num  determinado  período  de  tempo.  De  acordo  com  o  princípio  de  funcionamento,  os  

calorímetros  são  classificados  em  equipamentos  de  circuito  fechado  e  equipamentos  de  circuito  

aberto:  

• Circuito  fechado:  o  VO2  e  o  VCO2  são  medidos  por  alterações  no  volume  dentro    de  um  

reservatório   fechado   contendo   oxigênio.   Os   aparelhos   clássicos   consistem   de   um  

espirômetro   de   selo   d’água   contendo   oxigênio   a   100%,   um   filtro   com   cal-­‐sodada   para  

absorver  o   gás   carbônico   e  um  circuito   respiratório   com  válvula   inspiratória   e   válvula  

expiratória.  O   indivíduo  respira  continuamente  o  gás  contido  no  espirômetro  por  meio  

do  sistema  de  válvulas  direcionais.  A  redução  no  volume  do  gás  contido  no  espirômetro,  

no   período   do   exame,   permite   determinar   o   consumo   do   oxigênio.   Apesar   de   ser  

considerado  padrão-­‐ouro  este  equipamento  é  pouco  utilizado  (Figura  1).  

• Circuito   aberto:   ambos   os   extremos   do   sistema   se   comunicam   com   o   ambiente.   O   ar  

inspirado   é   mantido   separado   do   ar   expirado   por   meio   de   um   sistema   de   válvulas  

unidirecionais.   A   análise   dos   gases   é   realizada   por   meio   de   sensores   ligados   a   um  

computador  (Figura  2).  

Recentemente,   foram   desenvolvidos   calorímetros   portáteis,   entretanto   estes   calorímetros  

utilizam   apenas   um   filtro   de   VO2   para   medição   do   gasto   energético.   Tais   calorímetros   são  

apropriados  apenas  para  pacientes  em  ventilação  espontânea  e  em  ambiente  ambulatorial,  uma  

vez  que  ele  assume  um  QR  (por  exemplo  de  0,8)  constante  para  todos  os  pacientes.  

 

 

 

 

 

 

𝐺𝐸𝑅   = [3,941(𝑉𝑂2)  + 1,106(𝑉𝐶𝑂2)]  ×  1440  

𝑄𝑅   =  𝑉𝐶𝑂2 𝑉𝑂2!  

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Figura  1:  Esquema  de  um  calorímetro  de  circuito  fechado  

 

FIO2   =   Fração   de   oxigênio   no   ar   inspirado;   FICO2   =   Fração   de   gás   carbônico   no   ar  inspirado;  FEO2  =  Fração  de  oxigênio  no  ar  expirado;  FECO2  =  Fração  de  gás  carbônico  no  ar  expirado;  VI  =  Volume  minuto  inspiratório;  VE  =  Volume  minuto  expiratório.    

   

Figura  2:  Esquema  de  um  calorímetro  de  circuito  aberto    

FIO2   =   Fração   de   oxigênio   no   ar   inspirado;   FICO2   =   Fração   de   gás   carbônico   no   ar  inspirado;  FEO2  =  Fração  de  oxigênio  no  ar  expirado;  FECO2  =  Fração  de  gás  carbônico  no  ar  expirado;  Q:  Fluxo  total  de  ar.  

         

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                                                                                                                                                                                 4. Realização  do  exame  

A  CI   é  um  exame  não   invasivo  e   relativamente   fácil   de   se   realizar,   todavia  para   resultados  

mais   fidedignos   alguns   procedimentos   devem   ser   observados.   Abaixo   listamos   recomendações  

que  devem  ser  observadas  para  melhorar  a  acurácia  do  exame:  

ü O  paciente  deve  permanecer  em  repouso  em  posição  supina  por  pelo  menos  30  minutos  

antes  do  exame;  

ü Pacientes  recebendo  alimentação  intermitente  (por  exemplo,  nutrição  enteral  in  bolus  ou  

ciclíca)  devem  ser  examinados  1  hora  após  a  última  alimentação  no  caso  de  se  desejar  

avaliar  o  efeito  térmico  dos  alimentos  ou  após  4  horas  da  última  refeição  caso  este  dado  

não  seja  de  interesse  de  estudo;  

ü Em  pacientes  recebendo  nutrição  contínua,  a  composição  da  nutrição  deve  estar  estável  

por  pelo  menos  12  horas  antes  do  exame;  

ü As   medidas   devem   ser   feitas   em   ambiente   silencioso,   com   pouca   iluminação   e  

temperatura  estável  em  cerca  de  20°C;  

ü Todas  as  fontes  de  oxigênio  suplementar  (por  exemplo  cânulas  ou  máscaras  de  oxigênio)  

devem  ser  retiradas,  caso  seja  possível;  

ü A  fração  de  oxigênio  inspirado  (FiO2)  deve  permanecer  constante  durante  o  exame  e  não  

estar  superior  à  60%;  

ü O   exame   deve   aguardar   ao   menos   90   minutos   caso   seja   necessário   ajustes   nos  

parâmetros  ventilatórios;  

ü Deve-­‐se  verificar  se  não  há  vazamentos  nas  cânulas  do  sistema;  

ü O  paciente  não  deve  ter  recebido  anestesia  geral  nas  últimas  6  a  8  horas  antes  do  exame;  

ü Se  o  paciente  estiver  agitado  ou  com  queixas  álgicas,  analgésico  e  sedativos  devem  ser  

administrados   30  minutos   antes   do   exame,   e   sua   administração   deve   ser   considerada  

para  a  interpretação  do  exame;  

ü O  estudo  deve  ser  atrasado  3  a  4  horas  após  hemodiálise;  

ü O  estudo  deve  ser  atrasado  em  1  hora  após  procedimentos;  

ü Procedimentos  de  cuidado  de  enfermagem  devem  ser  evitados  durante  o  exame.  

A   duração   do   exame   depende   da   obtenção   de   um   estado   de   equilíbrio   metabólico   e  

respiratório,   caracterizado  pela   estabilidade  das   leituras   obtidas.   Esta   condição  de   equilíbrio   é  

reconhecida  quando  o  VO2  e  o  VCO2  variam  menos  de10%  e  o  QR  menos  de  5%  num  intervalo  

de   tempo   de   cinco  minutos.   O   dispêndio   energético  medido   nesse   intervalo   de   cinco  minutos  

extrapolado   para   24   horas   é   considerado   como   representativo   do   dispêndio   energético   de  

repouso  diário.   Alguns   pesquisadores   recomendam  um  período   inicial   de   adaptação   de   5   a   10  

minutos,   para   estabilização   das   leituras,   e   um   período   de   medição   de   20   minutos.   Quando   a  

leitura  não  estabiliza,  recomenda-­‐se  estender  a  determinação  para  25  minutos.  Quando  se  utiliza  

o   monitor   metabólico   como   um   parâmetro   de   perfusão   tecidual,   costuma-­‐se   medir  

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                                                                                                                                                                                 continuamente  o  VO2  até  a  normalização  do  estado  hemodinâmico.    

 

5. Indicações  

Existe   comprovação   científica  de  que   a   calorimetria   indireta  pode   ser  usada  nos  pacientes  

com   déficits   ou   riscos   nutricionais,   fatores   de   estresse   físico   ou   situações   em   que   o   uso   de  

equações  preditivas  esteja  prejudicado,  como,  por  exemplo:    

• Trauma  neurológico;    

• Paralisia;    

• Doença  pulmonar  obstrutiva  crônica;    

• Pancreatite  aguda;    

• Câncer  com  tumor  residual;    

• Trauma  múltiplo;    

• Amputações;    

• Pacientes  nos  quais  peso  e  altura  não  podem  ser  medidos  com  acurácia;    

• Pacientes  que  não  responderam  ao  tratamento  previamente  estimado;    

• Paciente  que  requerem  uso  prolongado  de  cuidado  intensivo;    

• Sepse  grave;      

• Pacientes  extremamente  obesos;      

• Pacientes  com  hiper  ou  hipometabolismo  grave;      

• Pacientes  em  ventilação  mecânica;      

• Doença  de  Chron;      

• Sobrepeso.      

 

6. Interpretação  dos  resultados  

6.1. Interpretação  do  GER  

Caso  o  exame  tenha  sido  realizado  com  o  paciente  em  jejum  ou  com  nutrição   intermitente,  

deve  ser  adicionado  5%  ao  valor  do  GER  para  consideração  do  efeito  térmico  dos  alimentos.  Caso  

o   paciente   esteja   em   alimentação   contínua   o   valor   encontrado   no   exame   já   abrange   o   efeito  

térmico  do  alimento,  tornando-­‐se  desnecessário  o  acréscimo  de  5%.  

Normalmente   o   valor   de   GER   encontrado   é   multiplicado   por   um   fator   de   atividade   ou  

estresse,  entretanto  estudos  recentes  demonstram  que  tais  fatores  tendem  à  sobrestimar  o  GET.  

Desta  forma,  a  adição  de  5  a  10%  em  pacientes  de  UTI  e  20%  em  pacientes  não  críticos  parece  

razoável  para  o  cálculo  do  GET.  

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6.2. Interpretação  do  QR  

Tradicionalmente   o   QR   é   utilizado   para   se   determinar   o   substrato   energético   utilizado  

(Tabela   1).   Seguindo   esta   premissa,   um  QR  menor   que   0,85   sugere   subnutrição.   Um  QR   entre  

0,85   e  0,9   sugere   a  utilização  mista  de   substratos,   sugerindo  um   regime  nutricional   adequado.  

Por  fim,  um  RQ  maior  que  1,0  sugere  hipernutrição  e  potencial  lipogênese.  Valores  abaixo  de  0,65  

e  acima  de  1,25  sugerem  erro  na  técnica  de  medição.    

Tabela  1:  Interpretação  do  QR  

Substrato  utilizado   QR  

Etanol   0,67  

Oxidação  lipídica   0,71  

Oxidação  proteica   0,82  

Oxidação  mista  de  substratos   0,85  

Oxidação  de  carboidratos   1,0  

Lipogênese   1,0  –  1,2  

7. Planejando  uma  intervenção  nutrológica  

Para  um  adequado  planejamento  nutrológico,  é   importante  entender  a  resposta  metabólica  

ao  estresse  e  como  ela  varia  de  acordo  com  o  tempo.  Existem  três  fases  de  resposta  metabólica  ao  

estresse:  

• Fase  de  estresse  (fase  ”ebb”):  geralmente  dura  entre  12  e  24  horas.  É  caracterizada  pela  

instabilidade   hemodinâmica,   hipometabolismo,   prevalência   de   hormônios  

contrarregulatórios  e  resistência  insulínica;  

• Fase   catabólica   (fase   “flow”):   costuma   durar   entre   7   e   10   dias,   caso   não   ocorra  

complicações,   mas   pode   persistir   por   semanas.   As   manifestações   clínicas   desta   fase  

incluem  febre,  hipercatabolismo,  gluconeogênese  e  demanda  aumentada  de  oxigênio;  

• Fase   anabólica:   após   a   resolução   da   fase   catabólica   a   fase   anabólica   pode   durar   por  

meses.   É   caracterizada   pela   recuperação   do   peso   corporal,   restauração   da   massa  

muscular   esquelética   e   do   tecido   gorduroso.   Clinicamente   é  marcada   pela  melhora   do  

apetite  do  paciente,  que  associa-­‐se,  por  sua  vez,  da  elevação  sérica  de  GH,  insulina,  IGF  e  

androgênios.  

O   suporte  metabólico   é   o   foco  da   intervenção  nutrológica   durante   a   fase   “ebb”e   “flow”.  Os  

pacientes   são   nutridos   com   100%   ou   menos   do   GER   com   alto   valor   de   nitrogênio   (1,5   a   2,0  

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                                                                                                                                                                                 g/kg/dia).  O  objetivo  é  preservar  a  massa  magra  sem  os  efeitos  negativos  da  hipernutrição.  

Quando  o  paciente  migra  para  a   fase  anabólica,  a  necessidade  energética  tende  a  aumentar  

significativamente.   A   ênfase   da   intervenção   nutrológica   se   volta   para   a   recuperação   do   estado  

nutrológico   do   paciente.   Nesta   fase   os   pacientes   podem   ser   nutridos   com   até   130%   do   GER,  

mantendo-­‐se  o  agressivo  aporte  proteico  (1,5  a  2,0  g/kg/dia).  

Preferencialmente  os  substratos  energéticos  utilizados  para  alcançar  o  GER  devem  ser  não  

proteicos,  sendo  15  a  20%  das  calorias  provindas  de  proteínas,  50%  de  carboidratos  e  20  a  30%  

de  lipídeos.  

 

8. Estudo  de  caso  

Paciente   masculino,   de   62   anos,   sofreu   uma   colisão   frontal   com   um   carro,   tendo   sofrido  

hemorragia   subaracnoide  com   lesão  axonal  difusa,   fratura  de  quadril   e  acetábulo  esquerdo.  De  

antecedentes   pessoais   apresenta   doença   arterial   coronariana,   diabetes   mellitus   tipo   1,  

dislipidemia,  hipotireoidismo,  artrite  e  demência  vascular.  Sua  estatura  é  1,90  m,  peso  atual  de  

87,7  kg  (IMC:  24,3  kg/m2).  Pela  equação  de  Harris-­‐Benedict  seu  GER  é  1804  kcal  e   levando  em  

consideração  o  fator  de  correção  de  1,2  seu  GET  é  2165  kcal.  

Sobre  o  caso  clínico  apresentado,  discuta:  

a. Este  paciente  possui  indicação  de  realização  de  CI?  Por  que?  

b. Abaixo  é  demonstrado  os  resultados  da  CI  realizados  durante  a  internação  (Tabela  2):  

Tabela  2:  Dados  da  CI  durante  o  período  de  internação  

DATA   2°  DIH   4°  DIH   8°  DIH   18°  DIH  

GER  (kcal/dia)   986   1.822   2.214   2.673  

QR   0,54   0,81   0,97   0,86  

Estabilidade  hemodinâmica  

NÃO   SIM   SIM   SIM  

CI:  calorimetria  indireta;  GER:  gasto  energético  em  repouso;  QR:  quociente  respiratório;  DIH:  dia  de  internação  hospitalar  

Sobre  os  dados  da  CI  apresentados,  discuta:  

b.1.  Discuta  o  resultado  da  CI  do  2°  DIH;  

b.2.  Explique  por  que  houve  alterações  dos  valores  de  GER  ao  passar  do  tempo  de  internação;  

b.3.  Baseando-­‐se  nos  dados  da  tabela  a  terapia  nutrológica  aplicada  neste  caso  estava  correta?  

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9. Bibliografia  recomendada  • DIENER  JRC.  Calorimetria  indireta.  Rev  Ass  Med  Brasil  1997;  43(3):  245-­‐53  • Dias   ACF,   Silva   Filho   AA,   Cômodo   ARO,   Tomaz   BA,   Ribas   DF,   Spolidoro   J,   Lopes   AC,  

Marchini   JS.   Gasto   Energético   Avaliado   pela   Calorimetria   Indireta.   Projeto   Diretrizes  AMB  

• Haugen   HA,   Lingtak-­‐Neander   Chan,   Li   F.   Indirect   Calorimetry:   A   Practical   Guide   for  Clinicians.  Nutr  Clin  Pract  2007  22:  377  

• Wooley   JA.   Indirect   Calorimetry:   Applications   in   Practice.   Respir   Care   Clin   12   (2006)  619–633  

• Psota   T,   Chen   KY.  Measuring   energy   expenditure   in   clinical   populations:   rewards   and  challenges.  Eur  J  Clin  Nutr.  2013  May  ;  67(5):  436–442.