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CALEIDOSCÓPIO POLICIÁRIO JANEIRO M. Constantino [email protected]

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CALEIDOSCÓPIO POLICIÁRIO  

JANEIRO  

M. Constantino  

[email protected]  

CALEIDOSCÓPIO POLICIÁRIO  

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EM JEITO DE INTRODUÇÃO   

Para todos o que é de todos.  Durante  anos,  como  gota  de  azeite  à  tona  de  água,  a  ideia  andava‐nos  no 

pensamento. Publicar na Internet uma espécie de Almanaque Policiário, marcando cada dia  do  ano  com  acontecimentos  produzidos  nesse  dia.  Passou  de  Almanaque  para Caleidoscópio Policiário, pois tal  instrumento apresenta mil  imagens, cores e formas, do mesmo modo como desejaríamos que no caleidoscópio coubessem efemérides literárias de autores e policiaristas, personagens reais e de  literatura de ficção, convívio, tertúlias existentes e já extintas. 

 Material acumulado ao longo de muitos anos não nos faltava, mas falta o essencial: 

a  colaboração  ‐  através  do  blogue  ou  de  policiariodebolso  de  todos  os  policiaristas interessados  em  partilhar dados  sobre  actividades  policiárias  passadas,  transformando um trabalho que inicialmente se previa individual num trabalho colectivo. 

 Um trabalho de todos para todos!  Amigos, confiamos em vós  M. Constantino 

 

CALEIDOSCÓPIO POLICIÁRIO  

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1 DE JANEIRO   

ANO NOVO – VIDA NOVA  Correr o risco de sonhar que, para além das  ideias, das crenças e dos sentimentos 

díspares, há algo que vai unir‐nos, é em si um sonho… mas realizável. Há  sempre  um  ponto  mais  alto  a  atingir.  Saibamos  ultrapassar  os  efeitos  das 

correntes e das marés. ANO NOVO Estamos presentes! 

  EFEMÉRIDES 

 1918 –  Uma  pequena  editora  de  Londres  publica  em  3  volumes  a  1ª  edição  do 

romance Frankenstein ‐ de autor anónimo. O nome da autora, Mary Sheelley, só surgirá na 2ª edição em 1923. 

 

  1952  –  Publica‐se o primeiro número da  revista policiária mensal O Gato  Preto  – 

Antologia de mistério e fantasia, organizada por Francisco A. Branco e Manuel do Carmo e colaboração de Victor Palla. Foram publicados seis números, uma promessa de árvore 

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de bons frutos que não perdurou.  Ernest Tidyman (1928‐1984) – nasce em Cleveland (EUA). Escritor policiário publica 

em 1971 Shaft. Jonh Shaft é um detective negro, o personagem principal de uma série de sete  livros que  foram adaptados ao cinema e à televisão. Ernest Tidyman recebe vários prémios  pela  adaptação  ao  cinema  da  obra The  French  Connection  ‐ Os  Incorruptíveis Contra a Droga. 

  

O PRIMEIRO CRIME  Apresentado como o filho de Adão e Eva, segundo a tradição ulterior, Caim matou 

por inveja o seu irmão Abel, apesar de advertido por Deus. O episódio da primeira geração humana mostra que o ódio e o crime remontam às 

origens e são fontes de pecado. Tem servido de tema a várias narrações literárias, conto e romance, já que respeita 

a motivação frequente do crime entre irmãos. Em  Adão  e  Eva  revela‐se,  desde  logo,  o  pecado  de  desobediência,  capacidade 

impulsionadora de disposição de praticar crimes que no homem se assinala através do filho, o fratricida Caim.  

O  primeiro  crime  da  história  hebraica  repete‐se  com  insistência:  Absalão matou Ámon,  Salomão matou  Adonias,  sem  esquecer  os  intermináveis  anónimos. Mas,  dos tempos sem história, da história ao presente, o crime é uma realidade, um contributo de vidas humanas brutalmente extintas sem justificação ao limite. Ontem como hoje, neste aspecto a Humanidade não evoluiu. O crime é uma constante. 

Em muitos milhares  de  anos  o  homem  permanece  igual  a  si  próprio,  imutável. Modificam‐se  as  condições  de  vida,  beneficia‐se  o  bem‐estar,  mas  mantém‐se  a permanente agressividade. 

Porquê? Pergunta sem resposta satisfatória. Existem teorias igualmente insatisfatórias. A explicação estará na explicação do próprio homem, sobretudo na compreensão da 

parte mais difícil do seu todo: a alma. Aí deve o homem debater e entrechocar as teorias e os conceitos da vida e da morte. Mas não é  fácil. As  razões que  levam ao crime e à delinquência são inexplicáveis e de motivação quase infinita, o que constitui um mistério para o próprio homem. 

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2 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Anthony Armstrong (1897‐ 1976) – George Anthony Armstrong Willis, escritor anglo‐

canadiano, filho de pais ingleses, nasce em Esquimalt, British Columbia, Canadá. Escritor de textos humorísticos, é autor de uma série de 5 romances policiários, protagonizados pelo detective privado  Jimmie Rezaire e parceiros: Viviane,  a  sua mulher, e Harry, um escroque  simpático  seu  amigo;  o  primeiro  livro  da  série The  Trail  of  Fear  (ou  Jimmie Rezaire), é publicado em 1927; a acção decorre em Londres nos anos vinte. 

Várias histórias deste autor  foram adaptadas ao cinema e à  televisão,  incluídas na série Alfred  Hitchcock  Apresenta.  Anthony  Armstrong  é  particularmente  conhecido pelo Ten‐Minute Alibi (1933), uma peça de teatro adaptada ao cinema em 1950. 

 

      Isaac Asimov  (1920‐1992) – Nasce em Petrovichi na Rússia. Emigra para os EUA e 

naturaliza‐se  em  1928.  Doutorado  em  Bioquímica,  serve  nas  Forças  Armadas  e posteriormente foi professor universitário até se dedicar em exclusivo à escrita. Escreveu centenas  de  artigos  e  livros  sobre  ciência  e  ficção  científica  da  qual  era  um  dos mais famosos especialistas. Ligou a ficção científica ao policiário. 

Em 1966 surge Asimov Mysteries, um  livro notável de 14 contos curtos de crime e detecção. Mais  tarde, em 1974, escreve uma  série de  contos  sob o  título  genérico de 

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Tales  of  the Black Widowers,  editados  entre  nós  pela  Editora Ulisseia  com  o  título Os Crimes dos Viúvos Negros. 

 Jean‐Bernard Pouy – Nasce em Paris em 1946. Editor e escritor de policial negro tem 

a sua estreia no policiário em 1984 com Nous Avons Brulé Une Sainte, que recebe no ano seguinte o Prix Polar & Co no festival de Bruxelas. Desde 2006 é editor de uma colecção de policial negro: Suite Noire da editora La Branche. 

  

O QUE É UM CRIME  Na imagem popular, crime identifica‐se com homicídio. Todavia no âmbito jurídico, 

sem  que  se  encontre  uma  definição  textual  (salvo  doutrinal),  o  termo  é mais  amplo: abrange  todos  os  delitos  que  atentem  contra  a  integridade  física  e  moral,  contra  a segurança e os direitos dos  cidadãos, ou  se afastem das  condutas que  legalmente  são essenciais à garantia do seu bem‐estar. 

Sem noção específica, a  lei penal  (não há pena sem  lei) anterior que a determine, não  só  induz  o  tipo  legal  de  ilícito  do  facto  humano,  por  acção  ou  omissão  da  acção adequada a evitá‐lo, sanções aplicáveis, bem assim os princípios gerais da sua aplicação no  tempo e no espaço. Tais  regras variam com o  tempo, o espaço e as consciências: o conceito de crime diferencia‐se sempre em função do meio, da cultura, da integração do homem da sociedade em que vive. O que ontem não passou de tradição, hoje poderá ser crime, o que  em dado  espaço  territorial  independente  é  tido  como  crime, num outro espaço  territorial  será  um  facto  banal  do  quotidiano.  A  variação  de  conceitos morais entre  civilizações  identificam‐se  com  os  respectivos  regimes  penais,  não  há  pois unanimidade. 

As  disposições  legais  mais  antigas  reportam‐se  ao  código  de  Hamurabi,  rei  da Babilónia no séc. XVIII a.C., baseia‐se nas leis de talião (vida por vida, olho por olho, dente por dente), depois o direito  romano…  seguindo  a marca  imparável do progresso, mas nem sempre e de todo eficaz no combate ao crime. 

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3 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  1934 – Data da fundação da associação americana dos amigos de Sherlock Holmes 

(S.H.), a The Baker Street Irregulars, uma organização fundada por Christopher Morley. É uma sociedade restrita em que os membros, com provas dadas sobre o conhecimento de S.H., são admitidos apenas por convite. Dedica‐se a estudos, conferências e à divulgação de S.H.,  também publicando  livros e uma  revista The Baker Street  Journal. Anualmente reúne  num  jantar,  excepcionalmente  aberto  a  Sherlockianos  de  todo  o  mundo,  que celebram o aniversário de S.H. 

É a sociedade literária mais antiga dedicada a Sherlock Holmes.   

      Rufus King  (1893‐1966)  – Nasce  em Nova  Iorque o  escritor  americano  criador do 

detective mais rico do mundo, Reginald De Puyster e de Lieutenant Valcour. Do primeiro romance Mystery  de  Luxe  (1927)  a  The  Faces  of Danger  (1964)  publica  3  dezenas  de narrativas,  entre  as  quais  Murder  by  Latitude  (1931),  um  famoso  caso  de  crime impossível em quarto fechado. 

Existem várias adaptações ao cinema de livros e de contos deste autor. Em Portugal, a  Costa  do  Castelo  Filmes  disponibiliza  em  DVD  O  Segredo  da  Porta  Fechada,  filme realizado  e produzido por  Fritz  Lang,  em  1948, baseado na obra de Rufus  King  Secret Beyond the Door. 

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Em português, um verdadeiro manancial de contos apresenta uma diversidade de interessantes personagens: Stuff Driscold, um  criminologista de um gabinete de xerife, Ben Coll, Elye, uma mexeriqueira e o famoso Dr. Collin. 

A  notável  versatilidade  de  King  é  evidenciada  por  este  personagem  que  aparece apenas nos contos curtos. O jovem Collin Starr herda o consultório do pai numa pequena cidade  imaginária,  Laurel  Falls  – Ohio. A  sua  simpatia,  aliada  a  sólidos  conhecimentos médicos  e  a  uma  capacidade  de  raciocínio  dedutivo  aguçada,  tornam‐no  num médico bem  sucedido  e  num  notável  detective/investigador  a  quem  as mortes  naturais  não passam despercebidas. 

  

PORTUGAL E O CRIME  Conhecido  e  divulgado  como  país  de  brandos  costumes,  vai‐se  ultrapassando  o 

fosso entre a  imagem e a realidade… basta a  leitura diária dos  jornais, ainda que estes vivam de anormalidades. 

No 1º quarto do passado  séc. XX,  segundo os estudos  (1931) de Mendes Correia, eram  as  pequenas  disputas  pessoais,  os  ressentimentos  e  a  embriaguez  que degeneravam em agressões e crime. Arraiais, romarias e feiras eram o palco preferencial para  lavar as afrontas reais ou presumíveis. Todavia, ao  lado dos crimes desta natureza, praticava‐se  a  delinquência  fortuita  num  impulso  de  vingança,  ciúme,  avidez  e mais raramente  por  causas  políticas,  pura  malvadez  ou  instigação  de  outrem. Tradicionalmente  eram  caceteiros,  jogadores  de  pau  –  crimes  fruto  da  impulsividade portuguesa – que preocupavam (?) as autoridades. 

De qualquer modo, para aquele período, as estatísticas registam 180 homicídios – o mais censurável para a mentalidade nacional, porquanto representavam uma extinção de vida. Para igual período, que representa o remanescente da 1ª metade do século (1926‐50),  o  registo  é  de  132  homicídios  dentro  da mesma  realidade.  Confirmado  por  Silva Maldonado, no 3º período (25 anos seguintes), por influência da distribuição de águas de rega,  limites de propriedade, que  se  juntam  às  causas  já  referidas, o  crime  aumentou consideravelmente  e  os  seus  instrumentos  também:  enxada,  foice,  forquilha  e  outros utensílios agrícolas emparelham com o varapau. 

No último período do século a situação agravou‐se com a transformação dos valores tradicionais. O modo de exercer e representar a violência modificou‐se, a criminalidade deixa de ser um facto ocasional e impulsivo e passa a ser programado. Não deixa de ser pessoal, mas surgem os gangues de bairro e grupos organizados nacionais e estrangeiros. 

A  arma  de  fogo  marca  presença,  ameaça,  fere  e  mata…  vive‐se  um  clima  de insegurança. 

Sem  analisar  de  modo  exclusivo  este  surto  de  violência,  os  factos  parecem demonstrar que há um virtual desregramento na intervenção da segurança/justiça. 

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4 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Maria Archer  (1899‐1982) – nasce em Lisboa Maria Emília Archer Eyrolles Baltasar 

Moreira. De 1910 a 1934 vive entre Portugal e Angola, Moçambique e Guiné o que viria a determinar o  realce da  temática  colonial na  sua produção  literária. Em 1935 publica o primeiro livro Três Mulheres, em Luanda e regressa de seguida a Portugal, onde luta para se afirmar como escritora e  jornalista. Em 1955 parte para o Brasil de onde só regressa em 1979. 

Maria  Archer  marcou  a  literatura  feminina  do  séc.  XX.  Escreveu  cerca  de  meia centena de obras, muitas com várias edições: romances, novelas, contos, peças de teatro e ensaios. Tem uma obra marcante na colaboração regular com diversos jornais e revistas relevantes  à época – Diário de  Lisboa, Eva, O Atlântico, O Mundo Português, Portugal Democrático,  Seara  Nova,  O  Estado  de  S.  Paulo  e  Gazeta  de  São  Paulo. Publica em 1947 um romance policiário de boa urdidura A Morte Veio de Madrugada, da qual são protagonistas Agente Félix e Crispim. 

 

     

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NARRATIVA POLICIÁRIA  Elemento  básico  da  narrativa  policiária,  o  crime  (em  regra  misterioso),  a 

investigação policial, as pistas, as armadilhas, o interesse dramático e o jogo de raciocínio e  mental  são  as  condições  que  definem  este  tipo  de  literatura.  Este  é  o  modelo concebido pelo norte‐americano Edgar Allan Poe em1941 ao publicar Os Crimes da Rua da Morgue. Nele  cria  o  primeiro  investigador  da  era moderna, Auguste Dupin  e mais tarde,  em  1887,  o  inglês  Arthur  Conan  Doyle  apresenta  o  inigualável  e  inesquecível Sherlock Holmes. 

Talvez por  ser uma  formação anglo‐saxónica, a narrativa policiária  (ou policial)  foi sempre mais apreciada nos países de  língua  inglesa, quer na  leitura, quer no numeroso grupo  de  autores.  Ao  longo  dos  anos  atinge  novas  regras,  sofre  mutações  até  ao presente, ora dominado pelo thriller, misto de aventura criminal e de suspense. 

Em França, país desde sempre considerado de elite  intelectual, o pioneiro é Émilie Gabaroriau, com O Caso Larouge (1866). 

A narrativa policiária em Portugal, como noutros países, não teve grande aceitação pelo menos  nos  anos  iniciais.  É  pioneira  a  dupla  Eça  de  Queirós  –  Ramalho Ortigão, com O Mistério da Estrada de Sintra (1870), primeiro publicado em folhetins no Diário de Notícias e depois em livro. 

Durante  décadas  foi  considerada  um  género menor,  popular,  havia  de  vencer  o estigma,  sobreviver e  impor‐se. Há presentemente um número  substancial de autores, colecções e obras policiárias best‐sellers no mercado. 

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5 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Arthur Bernède  (1871‐1937) – Nasce em Redon, Bretanha, França. Dramaturgo de 

sucesso publica o  livro Cœur  de  Française, onde  apresenta  as modernas  estruturas de espionagem  apesar  de  escrito  em  1912.  Escreve  duas  centenas  de  livros:  romances históricos,  aventuras,  policiais  e  de  espionagem.  No  tema  policiário  cria  o  detective Chantecoq, ex‐agente da Sureté, que  trabalha em colaboração com o  filho. A. Bernède escreve também com os pseudónimos Roland d'Albret et Jean de la Perigne. 

 

      Roy Peter Martin – Nasce em Londres em 1931. Exerce cargos políticos antes de se 

dedicar à literatura policiária. Usa dois pseudónimos: James Melville e Hampton Charles. Como  James  Melville  inicia  em  1979  a  série  superintendente  Tetsuo  Otani  com The Wages of Zen. Passada no Japão a série Otani (13  livros) combina excelentes tramas de crime com uma visão fascinante sobre a vida japonesa contemporânea. Como Hampton Charles escreve 3 histórias da série Miss Seeton, uma personagem de ficção que surge em 1968 e desaparece em 1999. São 3 os autores que escrevem 22 títulos diferentes de um género policiário conhecido como cozies (abreviatura de cozy mystery) nos quais a acção decorre em pequenas comunidades e onde as situações dramáticas são encaradas com o humor. 

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Umberto  Eco  – Nasce  em  Alessandria,  Piemonte,  Itália.  Professor  de  semiótica  é ensaísta,  filósofo, critico  literário e escritor.  Inicia a  sua actividade como  ficcionista em 1980  com  o  livro Il Nome  della  Rosa  – O Nome  da  Rosa,  um  bestseller  de  contornos policiais, adaptado ao cinema em 1986 por Jean‐Jacques Annaud. O segundo romance,  Il Pendolo Di Foucault – O Pêndulo de Foucault (1988), integra o esoterismo e a magia em temas actuais – futuro da informática e crime organizado. 

 

      Arthur  Lyons  (1946‐1980)  – Nasce  na  Califórnia  (EUA). A  sua  estreia  no  romance 

policiário é em 1974 com The Dead Are Discreet,  início de uma série protagonizada por Jacob Asch, de descendência judia, repórter do L. A. Chronicle, que depois ser preso por se recusar a revelar uma fonte, abandona o  jornalismo para se tornar detective privado em  Los  Angeles.  Jacob  Asch  é  personagem  principal  de  perto  de  duas  dezenas  de romances  e  contos  curtos  e  desaparece  prematuramente  em The Tongan  Nude,  um conto  curto  de  1997.  Uma  das  obras  de  Arthur  Lyons,  Castles  Burning  (1979),  é argumento de um telefilme Slow Burn (1986, MCA‐TV). Em Portugal A Universal edita um DVD Slow Burn – Mais Ardente Que o Desejo. 

  

VOLTAR AO PASSADO NO POLICIÁRIO – 1   O  Nome  da  Rosa de  Umberto  Eco  é  um  dos  muitos  romances  policiários  que 

apostam no  cenário do passado. Na verdade, a Antiguidade Clássica, a  Idade Média, a mais  recente  Época  Vitoriana,  têm  sido  palco  de  acção  dos  detectives  de  todos  os tempos. 

Steven Saylor, criador de Gordiano – o Descobridor, com a série Roma Sub‐rosa, que se  inicia  com Sangue Romano,  (Roman Blood – 1991) e em doze  livros  (dois dos quais contos) nos arrasta até ao final do Império Romano. 

Linsey Davis leva‐nos a Roma dos anos 70 a.C., apresenta‐nos Marcus Didius Falco, o 

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homem de mão do Vespasiano. Paul Doherty escreve A Máscara de Ré  (The Mask of Ra – 1998), Mortes no Templo 

de Horus (The Horus Killings – 1999), O Roubo do Colar de Anúbis (The Anubis Slayings – 2000), Os Assassinos de  Set  (The  Slayers of  Set  – 2001),  livros de  crime  e mistério no Antigo Egipto já publicados em Portugal. Nesta série foram ainda lançados pelo autor os seguintes  livros: The Assassins of  Ísis  (2004), The Poisoner of Path  (2007) e The Spies of Sobek (2008). 

Margaret  Doody  coloca  Aristóteles  como  investigador  policiário,  ou  equivalente, em Aristóteles Detective (Aristotles Detective – 1978), O Enigma de Aristóteles (Aristotle and  the Fatal  Javelin – 1980), A  Justiça de Aristóteles  (Aristotle and  the Poetic  Justice – 2000)  e  Aristóteles  e  os  Segredos  da  Vida  (Aristotle  and  the  Secrets of  Life  –  2002), publicados em Portugal. Margaret Doody escreveu ainda Aristotle and the Ring of Bronze (2003), Poison  in Athens  (2004), Mysteries of Eleusis  (2005) e Aristotle and  the Egyptian Murders (2010). 

Jose Carlos Somoza, premiado com o Gold Dagger Award – 2002 com A Caverna das Ideias (La Caverna de las Ideas – 2000), que decorre na Grécia Clássica, onde o decifrador de enigmas é o detective Heracles Póntor. 

Elizabeth  Peters  com  a  série  Amelia  Peabody,  uma  egiptóloga,  também  faz  uma viagem ao passado. A série reúne duas dezenas de livro e em Portugal estão publicados: Um Crocodilo na Duna (Crocodile on the Sandbank – 1975), A Maldição dos Faraós (The Curse of the Pharaohs – 1981), O Caso da Múmia (The Mummy Case – 1985), Um Leão no Vale (Lion  in the Valley – 1986), Um Crime do Museu Britânico Deeds of the Disturber – 1988), O Último  Camelo  Caiu  ao Meio‐Dia  (The  Last  Camel Died  at Noon  –  1991)  e A Cobra, o Crocodilo e o Cão (The Snake, the Crocodile, and the Dog – 1992). 

Brad Gexagley  situa O Ano das Hienas  (Year of  the Hyenas – 2005) no  cenário do Egipto e Ramsés III onde actua Semerket, um escriba do Departamento de Investigação e Segredos, que é também um detective beberão e de péssima reputação, mas que não se deixa enganar com facilidade. 

Com acção na  Idade Média O Nome da Rosa desenvolve uma  intriga de ambiente medieval,  protagonizado  pelo  frade  franciscano William  de  Baskerville,  senhor  de  um saber enciclopédico, e pelo  jovem discípulo Adso de Melk. A grande biblioteca de uma abadia  italiana é o  centro do enredo  labiríntico onde há homicídio, pistas,  suspense  e revelações de William. 

Também com acção no início do séc. XII a série do Irmão Cadfael, monge‐botânico‐detective do Mosteiro de Shrewsbury situado a oeste da Inglaterra junto ao País de Gales desvenda  intrigantes mistérios.  A  autora,  Ellis  Peters  tem  sido  galardoada  com  vários prémios. Entre nós, as Publicações Europa‐América editaram 21 títulos desta série. 

De Michael  Jecks,  reportado a Devon e ao  séc. XIV,  saiu O Último Templário  (The Last  Templar  –  1995),  cujo  personagem  principal  é  Sir Baldwin,  almoxarife  do  Castelo Lydford. 

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Em Lápides Mortais  (Death  Comes  as  Epiphany  –  1993),  de  Sharan  Newman,  a detective é uma  jovem noviça Catherine  Levendeur do Convento do Páriclo. Este  livro recebeu  o Macavity  Awads  –  Best  Frist Mystery de  1994.  A  autora  escreveu  já  uma dezena  de  livros  para  esta  série  que  se  passa  em  França  no  séc.  XII.  Em  Portugal  foi também editado A Porta do Demónio (Devil’s Door – 1994), ambos pela Bertrand Editora. 

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6 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Victor Werner – Nasce em Bruxelas em 1913. Director do Centro de Polemologia em 

Bruxelas serve na Sureté em França durante a 2ª Grande Guerra. Escreve obras de Direito Público, estudos de Polemologia e livros policiais e de espionagem com o pseudónimo de Henry  Favel:  Trop  Tard  Pour  Pleurer  (1975)  e Les  Assassins  Sont Morts  (1982).  Com  o pseudónimo de  John Bartok  colabora  com  Jean Gabriel  (ps. Gabriel Verniers) em Mort Provisoire (1959) e L’Inconnu de Festival (1961). 

 

      Paul Kruger (1917‐1979) – Nasce no estado de Wisconsin (EUA). É o pseudónimo de 

Roberta  Elizabeth  Sebenthal,  criadora  dos  detectives  privados  Phil  Kramer  e  Vince Latimer. Bullet for a Blond (1958), Weep for Willow Green (1966), Weave a Wicked Web (1967), If The Shroud Fits (1968), The Bronze Claws (1972) e The Cold Ones (1972). 

 Noel Behn  (1928‐1998) – Nasce em Chicago  (EUA). Produz romances policiais e de 

espionagem. O primeiro,  The  Kremlin  Letter  (1966),  é  adaptado  ao  cinema num  filme dirigido por  Jonh Huston. Segue‐se The Shadowboxer  (1969), The Brink’s  Job  (1976), Big Stick‐Up at Brink’s  (1978), Seven Silent Men  (1984) e Lindbergh  the Crime  (1994). Entre 1993 e 1997 escreve  sete episódios para a  série  televisiva Homicide:  Life on  the Street 

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(NBC).  

      Francis M. Nevins – Nasce em 1945 em Bayonne, New Jersey (EUA). Escreve vários 

ensaios  sobre a  ligação entre a  ficção e a  lei. Publica mais de meia  centena de  contos para  revistas  de  especialidade  policiária.  Ganha  dois  Edgar  Awards  MWA  (Mystery Writers of America) pela tese académica sobre Cornell Woolrich e Ellery Queen. Lançou ainda os seguintes livros: Publish and Perish (1975), Corrupt and Ensnare (1978), The 120 Hour  Clock  (1986), The Ninety Million Dollar Mouse  (1987), Into  the  Same  River  Twice (1996), Beneficiaries' Requiem (2000), Leap Day and Other Stories (2003) e Into the Same River Twice (2000). Muitos dos contos curtos de Nevins estão reunidos em Night Forms (2010). 

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7 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Ritchie  Perry  (John  Allen)  –  Nasce  em  1942  em  King’s  Lnn,  Norfork,  Inglaterra. 

Escreve obras de temas diversos incluindo policiárias. Inicia em 1972, com o livro The Fall Guy,  a  série Super  Secret Agent que  se prolonga  até 1985  com Kolwesi, o 14º  volume. Para  a  série   Frank MacAllister publica  2  livros: Mac  Allister  (1984)  e  Presume  Dead  (1987). 

 

      Hayford  Peirce  –  Nasce  em  1942  na  localidade  de  Bongor, Maine  (EUA).  É  um 

contista policial, um dos melhores neste género. Entre 1964 e 1987 vive no Taiti,  local onde  situa os protagonistas da  sua obra policiária:  Joe Caneili é um detective privado, único  elemento  da  agência  de  investigação  Caneili  na  cidade  de  Papeete;  outro personagem criado por Peirce é Tama, Comissário da Polícia da ilha. 

Na  série  Trouble  in  Tahiti  publica Blood  on  the  Hibiscus  (2000), P.I.  Joe  Caneili, Discrétion  Assurée  (2000), Commissaire  Tama,  Chief  of  Police  (2000),  The  Gauguin Murders  (2001)  e  The  Bel  Air  Blitz  (2002).  Joe  Caneili marca  presença  nos  seguintes contos  curtos:  The  Stolen  Grandfather  (1985), Fire  in  the  Islands  (1995), The Missing House (July 1995), A Matter of Face (1998), The Girl  in the Picture (1999). Publica vários 

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contos no Alfred Hitchcock's Mystery Magazine e no Ellery Queen's Mystery Magazine.   

VOLTAR AO PASSADO NO POLICIÁRIO – 2  Sobre a Época Vitoriana, há uma série imensa de pastiches de Sherlock Holmes, para 

além de muitos outros autores contemporâneos. Elizabeth  Peters,  já  referida  na  1ª  parte  de  Voltar  ao  Passado.  A  série  Amelia 

Peabody  desenrola‐se  num  período  entre  1984  e  1923  e,  como  a  protagonista  é arqueóloga, a autora explora na sua obra cenários do Antigo Egipto e da Época Vitoriana. Esta escritora utiliza 2 pseudónimos Barbara Michaels e Barbara Mertz. 

Anne  Perry  é  também  uma  escritora  policiária muito  conhecida  por  retratar  esta época. Cria três séries: Charlotte e Thomas Pitt, William Monk e The Christmas Stories; a primeira com 26 títulos publicados, a segunda com 17 e a terceira com 9. Está anunciada a edição para o corrente ano de pelo menos 3 obras destas séries. 

Muitos  outros  escritores  escolheram  esta  época  como  palco,  quer  construindo personagens cuja acção se desenrola em vários  livros, quer produzindo uma única obra policiária victoriana. 

 Emily Brightwell: série The Inspector and Mrs. Jeffries (29 títulos/próximo Mai.2012). Ray Harrison: mistérios de The Sergeant Bragg and Constable Morton (16 títulos). Alanna Knight: série The Inspector Faro Mysteries (16 títulos/próximo Mar. 2012). Amy Myers: séries August Didier (11 títulos) e Tom Wasp (2 títulos). Robin  Paige:  série Sir  Charles  Sheridan protagonizada  por  Kathryn  Ardleigh  (12 

títulos). Peter Lovesey: séries The Sergeant Cribb (8 títulos) e The Prince of Wales (3 títulos). Carole Nelson Douglas: The Irene Adler Adventures (8 títulos). William J. Palmer: série Mr Dickens (4 títulos). Jean Stubbs: série John Joseph (3 títulos). John Dickson Carr: The Hungry Goblin (1972). Evelyn Hervey: A Remarkable Case of Burglary (1975) e Man of Gold (1985). Anna Clarke: The Lady in Black (1977). Mark Frost: The List of Seven (1993) e The Six Messiahs (1995). Bernard Bastable: To Die Like a Gentleman (1993) e Mansion and its Murder (1998).  A Editora  Livros  do  Brasil,  na  colecção Vampiro e  a Editorial  Caminho na Caminho 

Policial têm publicado alguns títulos de Peter Lovesey: A Figura de Cera; nº 567 Vampiro – 1994 (Waxwork, Sergeant Cribb Series; 1978). Abracadáver; nº 576 Vampiro – 1995 (Abracadaver, Sergeant Cribb Series; 1972). Um Crime Passional; nº 587 Vampiro – 1994  (Bertie and  the Crime of Passion, The 

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Prince of Wales Series; 1993). O Suicídio do Jóquei; nº 616 Vampiro – 1998. Um  Caso  de  Espíritos;  nº  58 Caminho  Policial  –  1994  (A  Case  of  Spirits,  Sergeant 

Cribb Series; 1972). Bertie e os Sete Corpos; nº 128 Caminho Policial – 1994  (Bertie and Seven Bodies, 

The Prince of Wales Series; 1990).  Alguns  livros  de  Anne  Perry  foram  editados  pela Gótica na  colecção Nocturnos. 

Estão  disponíveis  os  seguintes  títulos  da  série  Thomas  Pitt:  O Mistério  de  Callander Square, O Crime de Paragon Walk, Um Morto a Mais em Resurrection Row, Os Segredos de Rutland Place, O Cadáver de Bluegate Fields. Da série William Monk: O Rosto de um Estranho, Luto Perigoso, Defesa e Traição, Uma Morte Súbita e Terrível, Os Pecados do Lobo e Caim seu Irmão. 

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8 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Wilkie Collins (1824‐1889) – Nasce em Londres aquele que é considerado o autor do 

primeiro romance detectivesco  inglês com The Moonstone (1868), depois de escrever o popular The Woman in White (1860), que sendo de um trama complicado, é de carácter sentimental. The Moonstone, publicado inicialmente em folhetim, constitui uma genuína e  bem  estruturada  narrativa  policiária  que  conserva,  ainda  hoje,  uma  frescura  de modernidade digna de  especial  referência. O  recurso  narrativo  através de  cartas  e de declarações  de  diversos  personagens  proporciona  um  estilo mais  vivo  e  directo  que acaba por captar a atenção. Robert Ashley, na biografia sobre Wilkie Collins, defende que o escritor pode também ser considerado como da primeira vez que  intervém um oficial de  polícia  em  A  Terribly  Strange  Bed  (1852),  a  primeira  história  de  detectives  com  A Stolen Letter (1854), a primeira história de uma mulher detective em The Diary of Anne Rodway (1856), a primeira história detectivesca de humor com The Bitter Bit (1858) e o primeiro  cão  detective  com My  Lady’s Money  (1877). W.  Collins,  no  campo  da  ficção policiária/detectives escreve ainda The Dead Secret (1857) e The Evil Genius (1886). 

O detective criado por Collins, o Sargento Cuff da Scotland Yard, é um homem alto, delgado  de  rosto  afilado;  pele  amarelada  e  seca,  olhos  azul‐claros  de  aço,  dedos compridos como garras; vestido de negro e gravata branca, um modo de andar suave e voz melancólica. Podia passar por padre ou por empresário  funerário…  também podia passar por qualquer espécie de pessoa. A aparência  cinzenta de polícia oficial, que no séc.  XIX  era  sinónimo  de  inaptidão,  esconde  um  cérebro  privilegiado  capaz  de transformar  em  êxito  o  trabalho  iminentemente  intelectual  da  sua  profissão:  a descoberta de delinquentes. Assim no caso que enfrenta, sem grandes aparatos e sem esforço  aparente,  logra  ultrapassar  com  sucesso  o  enigma  da  pedra  da  lua. Em Portugal, a reimpressão mais recente de Pedra da Lua  (2009) é da Colecção Crimes Imperfeitos da Editora Relógio D’Água.  

 

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      Denis Heatley  (1897‐1977) – Nasce em Londres. Editor e escritor, escreve mais de 

seis dezenas de  livros, publicados ao  longo de quase 40 anos: policiários de detecção, aventuras, oculto, espionagem e fantasia. Criou Duke de Richleau, que iniciou a série com The  Forbidden  Territory  (1933), mais  tarde  adaptado  ao  cinema. Outros  personagens: Gregory  Sallust,  surge em Black August  (1934),  Julian Day em The Quest of  Julian Day (1939), Roger Brook em The Launching of Roger Brook (1947) e ainda Molly Fountain com To the Devil – a Daughter (1953), adaptado ao cinema em 1976. 

  

O DETECTIVE: FICÇÃO E REALIDADE  Pesquisas minuciosas e  longas  levam  à  conclusão que o  aparecimento da palavra 

detective, com o significado actual, se deve a Charles Dickens, data de 1852 e surge no romance Beak House. 

Sou  o  Bucket  dos  detectives.  Sou  um  agente  detective,  assim  se  anuncia  o personagem. Porém, seria necessário o decurso de mais de cinquenta anos para que os londrinos aceitassem e começassem a confiar nos detectives à paisana. Eram encarados com a maior suspeita pela maioria dos ingleses. Os célebres bobbies, os agentes fardados da Scotland Yard, outrora  suspeitos de  se  colocarem acima da  lei e de  serem  inimigos naturais do homem  comum passaram  a  ganhar dos  londrinos. Mas os detectives  sem farda,  confundidos  com  o  povo  da  rua,  eram  alvo  de  suspeitas  e  preconceitos, possivelmente razoáveis, por parte de todos, desde pedintes a banqueiros. 

Dickens  faz  do  Inspector  Bucket  um  personagem  simpático,  porque  conhecia  os verdadeiros detectives da Yard, homens dedicados e decentes, tentando fazer o melhor para tornar a  investigação criminal uma ciência. No entanto na mente dos concidadãos de  Dickens  todos  os  detectives  eram  enquadrados  em  duas  categorias:  corruptos  e incompetentes, ou espiões e agentes da opressão política. Não é de admirar que Conan Doyle em 1880, através de Sherlock Holmes, retrate os detectives da Yard como amáveis, 

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mas broncos. Após o fracasso do caso de Jack o Estripador  iniciou‐se um período de real esforço 

para  dotar  a  Yard,  à  semelhança  da  Sureté  francesa,  de  condições  que  levassem  a investigação judicial a resultados firmes. 

O Departamento de Investigação Criminal (CID) da Scotland Yard levou o seu tempo a  criar e o  seu desenvolvimento  tem  sido  contínuo e bem  sucedido. As novas  ciências forenses de  localização e de  identificação de criminosos, mau grado o aspecto negativo de muitos anos de opinião pública adversa e de desconfiança dos júris britânicos, acabam por compreender e aceitar as descobertas científicas como elemento de prova. O CID é presentemente uma das principais divisões da Polícia Inglesa. 

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9 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Gil Brewer (1921‐1983) – Gil(bert John) Brewer morre em 1983. Este escritor nova‐

iorquino  começa  por  escrever  contos  com  vários  pseudónimos  (Eric  Fitzgerald,  Bailey Morgan, Elaine Evans, Al Conroy), publica o primeiro romance em 1951: 13 French Street. Segue‐se Flight to Darkness (1952) e em 1953 Hell's Our Destination que foi adaptado ao cinema. No  total,  Brewer  escreve  cerca  de  30  livros  até  1967.  As  suas  obras  incluem habitualmente um homem  comum que  se deixa  corromper e destruir por  se envolver com uma mulher diabólica. Nos seus romances concede especial importância ao papel da mulher no  aspecto do  sexo e da  fatalidade,  com um estilo  simples e directo, diálogos intensos. 

 

  

SHORT STORY – CRIME DE MORTE  A voz da mulher ao telefone era trémula: – Ela… matou‐o. – Como? 

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– Cortou‐lhe a cabeça. Que pavor! – Não!... – Sim. Esta manhã. Por instantes as linhas emudeceram. Houve um momento de forte tensão. – Não posso conceber… – É horroroso! – E finalmente apanhámo‐la! – Oh! É terrível! Assististe? – Claro… Claro que vi… Uma interferência exasperante a voz do homem. – Telefonista, telefonista! Não corte a ligação. Está? Está lá? – Vou chamar imediatamente a Polícia – Custa‐me a acreditar. Tens a certeza que viste? – Absoluta. Foi horrível. – Não te metas mais nisso. Eu aviso a Polícia. Desligaram. – Está lá? É da Judiciária? – Sim. – Tenho uma participação a fazer… – Diga. – Pretendo que detenham imediatamente a criada de uma vizinha. A minha mulher 

testemunhou  tudo.  É  odioso! Assaltou‐me  a  capoeira  e matou  o meu melhor  galo  da índia! 

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10 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Frances Lockridge (1896‐1963) – Nasce em Kansas City, Missouri (EUA). Forma com  

o marido  (Richard  Orson  Lockridge)  uma  dupla  de  escritores  dos mais  produtivos  da história  da  literatura  policiária.  Em  conjunto  criam  quatro  séries  de  diferentes personagens que por vezes  se cruzam. Frances Lockridge colabora em duas das  séries: Mr. and Mrs. North, uma  famosa dupla de detectives amadores, que se  inicia com The Norths Meet Murder em 1940 e termina com Murder by the Book (1963), num total de 26 obras publicadas  com  várias adaptações à  rádio, à  televisão, ao  teatro e ao  cinema; a outra série, Inspector Merton Heimrich, começa com Think of Death (1947) e nesta série Frances  Lockridge  colabora  em  16  de  um  total  de  24  livros.  Ainda  em  parceria  com Richard  Lockridge  são  publicados  The  Faceless  Adversary  (1956),  The  Tangled  Cord (1957), Catch As Catch Can (1958), The Innocent House (1959), Murder and Blueberry Pie (1959), The Golden Man (1960), The Drill Is Death (1961), And Left for Dead (1961), Night of  Shadows  (1962), The  Ticking  Clock  (1962), The  Devious  Ones  (1964), Quest for the Bogeyman (1964) e The Quest off the Bogeyman (1965). 

 

  James Norman  (1912‐1983)  –  James Norman  Schmidt  nasce  em  Chicago,  Illinois; 

especialista em história do México trabalha como jornalista do Chicago Tribune. Estreia‐

CALEIDOSCÓPIO POLICIÁRIO  

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se na  escrita policiária  em  1942  com  a publicação de  contos. Com Murder  Chop  Chop (1943)  inicia uma  série de  romances protagonizados por Gimiendo Hernandez Quinto, um mexicano que relembra a passagem do autor pelo México no qual obteve La Pluma de Plata, segue‐se An inch of time (1944) e The Nightwalkers (1947). 

 

      Guy Cullingford (1907‐2000) – Pseudónimo de Constance Lindsay Taylor. Nasce em 

Dovercourt,  Essex  –  Inglaterra.  Inicia  a  actividade  de  escritora  policial  em  1948 com Murder With  Relish,  sob  o  nome  próprio,  optando  pelo  pseudónimo  nos  livros seguintes: If Wishes Were Hearses (1952), Post Mortem (1953), Conjurer's Coffin (1954), Framed for Hanging (1958), A Touch of Drama (1962), Brink of Disaster (1964), The Stylist (1968), The Bread and Butter Miss (1979) e Bother at the Barbican (1991). Tem uma série de  contos  publicados  em  revista  da  especialidade,  no  Alfred  Hitchcock's  Mystery Magazine e no Ellery Queen's Mystery Magazine. 

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11 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  R.A.J. Waling  (1869‐1949)  – Nasce  em Devon,  Inglaterra.  É  jornalista  e  começa  a 

carreira  de  escritor  em  1908  com  várias  biografias;  vinte  anos mais  tarde  publica  o primeiro romance policiário, That Dinner at Bardolph's (1928), prelúdio de uma carreira que atinge 28  livros, abordando  todos os géneros policiários. Nos  romances de enigma classico  figura  o  detective  privado  Philip  Tolefree  e  o  seu  parceiro  James  Farrar  que surgem pela primeira vez em The Fatal Five Minutes (1932). 

 Manfred Bennington Lee (1905‐1971) – Nasce em Brooklyn, New York. Forma com o 

primo Frederic Dannay uma dupla sob o pseudónimo Ellery Queen. Em 1928 concorrem e ganham  o  concurso  organizado  pela  revista  Mc  Curie  Magazine com  o  romance The Roman Hat Mystery (1929). 

 

  Em 1933 fundam e dirigem a Mystery League que cessou no quarto número. Porém, 

em  1941  já  famosos  face  ao  seu  historial  literário  lançam  Ellery  Queen's  Mystery Magazine com êxito absoluto e expansão mundial. Deve ser actualmente a mais antiga colecção  de  contos  de  várias  tendências  e  géneros  policiais,  jamais  publicada.  Esta revista,  para  além  dos  romances  publicados,  é  uma  manifestação  do  interesse  dos 

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autores  pelo  género  policiário,  as  várias  antologias  são  hoje  quase  impossíveis  de encontrar.  A  partir  de  1935  expandem‐se, mantêm  um  programa  de  rádio,  passando mais tarde a Hollywood com uma série de filmes. 

O protagonista, na quase totalidade dos seus escritos é Ellery Queen. Ellery é alto, tem  ombros  largos  e  cintura  estreita  e  flexível.  Veste  fato  completo,  elegante, habitualmente cinzento‐escuro. Usa lunetas, as lentes sobre o nariz, nota imprevisível na silhueta atlética, mas visto de frente, os olhos revelam ser um homem de acção. Reside com o pai, o  Inspector da Polícia Richard Queen num apartamento da  rua 87, no West Side de Manhattan. Ellery é escritor mas, sobretudo, é um incorrigível detective privado que  quase  nunca  recebe  remuneração  pelos  serviços  prestados. Desenvolve  a  própria inteligência  e  o  seu  poder  dedutivo  quase  sempre  auxiliado  pelo  pai  que  recolhe  os indícios. Ellery  raciocina e encaixa as peças até  chegar à  solução  final. Em princípio as histórias correspondem a uma  linha de enigma, a perfeição de  jogo é tal que se atreve frequentemente a fazer um desafio ao leitor convidando‐o a identificar o assassino, uma vez que foram  lançados todos os elementos de  informação para o efeito. Ellery Queen, personagem  de  ficção,  surge  em  70  contos  curtos  e  em  30  novelas  com  destaque para The  French  Powder Mystery  (1930),  The  Dutch  Shoe Mystery  (1931),  The  Greek Coffin Mystery  (1932),  The  Chinese Orange Mystery  (1934)  e,  em  especial,  os  que  se desenrolam na  imaginária cidade de Wrightville que aparece pela primeira vez em 1942 em Calamity Town, a predilecta de Ellery. 

Os autores usando o pseudónimo de Barnaby Ross escrevem quatro romances: The Tragedy of X (1932), The Tragedy of Y (1932), The Tragedy of Z (1933) e Drury Lane's Last Case (1933). Nesta série o protagonista é Drury Lane, um actor shakespeariano, retirado no  seu  castelo  isabelino  construído  sobre  o  Hudson,  e  que  funciona  como  detective auxiliar do Inspector Trumm. 

Os  livros  de  Ellery  Queen  venderam mais  de  150 milhões  de  cópias  em  todo  o mundo. 

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12 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  1947 – Sete de Espadas, então já conhecido como produtor e decifrador policiarista, 

estreia‐se  como  orientador  no Jornal  de  Sintra,  com  a  secção  denominada Mistério  e Aventura. O  texto de apresentação de Sete de Espadas e primeiro problema da secção são hoje publicados, aqui no Caleidoscópio Policiário. 

 Arthur Wise  (1923‐1982) – Nasce em York,  Inglaterra. Publica o primeiro  romance 

policiário The  Little Fishes em 1961;  seguem‐se The Death's‐Head  (1962),  Leatherjacket (1970), Who  Killed  Enoch  Powell?  (1970),  The Naughty  Girls  (1972)  e  Blood‐Red  Rose (1981). 

 

      Trevanian  (1925/1931?‐2005)  –  É  o  pseudónimo  utilizado  por  Rodney Whitaker. 

Existe  alguma  controvérsia  quanto  à  data  de  nascimento  deste  escritor.  Segundo  o famoso Who's Who, Trevanian nasce em Tóquio a 12 de Janeiro de 1925, de acordo com outras  fontes  o  escritor  nasce  a  12  de  Junho  de  1931  em  Granville,  New  York.  Nas entrevistas  Trevanian  nunca  esclareceu  este  ponto.  Utilizou  ainda  os  pseudónimos Nicholas  Seare, Beñat  Le Cagot and Edoard Moran. Escreve  romances policiais, na  sua maioria thillers, que são bestsellers, traduzidos pelo menos em 14 línguas e vendem mais 

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de 5 milhões de cópias. Cria o personagem Jonathan Hemlock, que protagoniza The Eiger Sanction  (1972)  e  The  Loo  Sanction  (1973).  Escreve  ainda  The Main  (1976),  Shibumi (1979), The Summer of Katya (1983), Incident at Twenty‐Mile (1998) e The Crazyladies of Pearl Street (2005). 

Entre nós foram editados pelo Círculo de Leitores em 1983: A Missão Eiger e O Jogo da Morte, ambos da série Jonathan Hemlock. 

  

JORNAL DE SINTRA – MISTÉRIO E AVENTURA  MISTÉRIO E AVENTURA – Secção Policial Orientada pelo SETE DE ESPADAS 

 Leitores e caros colegas:  O nosso meio é pequeno e  refractário  a empreendimentos desta natureza. Estou 

certo que não faltará quem se erga da sua cátedra para nos atirar com a já tão conhecida e velha frase: Literatura de cordel… 

Estes catedráticos esquecem‐se, todavia, que a literatura de emoção e resolução de problemas  policiais  são  dois  dos  grandes  recreios  do  espírito.  Estadistas  de  todo  o Mundo, afadigados pelo vertiginoso atropelo dos acontecimentos internacionais, buscam um pouco de tranquilidade no exercício cerebral que  lhes oferece a  leitura dos grandes romances  policiais  e  a  resolução  dos  grandes  problemas.  Médicos,  advogados, engenheiros,  senhoras  da  melhor  sociedade,  estudantes,  cientistas  e  muitas  outras personagens de categoria social, não se envergonham de confessar a sua simpatia e o seu entusiasmo pela boa literatura de mistério e aventura. 

Quando fui até ao nosso director para  lhe  levar a  ideia desta secção, confesso que fui  a medo, mas  encontrei  nele  um  Amigo,  que  desde  logo  aceitou  e  acarinhou  esta resolução, dizendo‐nos: 

– De vez enquanto, sair fora do sistema rotineiro, também sabe bem… O  facto  de  nos  apresentarem  como  orientadores  desta  secção  não  significa  um 

maior merecimento, simplesmente – era preciso alguém a fazê‐lo!... Confiamos,  pois,  na  benevolência  dos  nossos  leitores  e  na  amizade  dos  meus 

camaradas. Tentaremos agradar e cá os esperamos neste cantinho – que é de todos.  Sete de Espadas     

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PROBLEMA 1 ‐ CRIME OU SUICÍDIO?  O  Inspector Charles Hardy  foi chamado com urgência a casa do escritor Luiz King, 

porque este tinha sido encontrado morto no seu escritório. Introduzido no palácio e depois no gabinete de trabalho do escritor, Charles Hardy 

verificou que o corpo se encontrava caído sobre a secretária, o braço esquerdo em cima do  tampo e o direito caído ao  longo da cadeira. No chão, uma pistola sem  impressões digitais  e  em  cujo  carregador  faltavam  algumas  balas.  Um  orifício  perto  da  orelha  e ligeiramente  chamuscado  mostrava  que  a  morte  tinha  sido  causada  por  uma  bala disparada a pouca distância. 

Depois de em  silêncio  ter analisado  todos estes pormenores, pediu ao criado que fizesse as suas declarações. Este disse: 

Como o fazia todas as noites, cerca das 10 horas dirigiu se para a porta do escritório e  bateu  3  pancadas,  avisando  desta maneira  que  o  jantar  estava  na mesa. O  tempo passou e  como não era hábito do escritor  fazer‐se esperar mais do que um quarto de hora, cerca das 10 e meia voltou, batendo e chamando em voz alta. Como não obtivesse resposta, espreitou pela fechadura e viu o escritor na posição em que ainda está. Como não tinha chave, visto que a única Yale que existia estava sempre em poder do escritor, chamou o cozinheiro preto, Jacob, que o ajudou a forçar a porta, verificando depois nada haver a  fazer, porquanto do orifício  junto à orelha do escritor  saía um  fio de  sangue… Mesmo do escritório telefonou para a polícia e nem ele nem Jacob saíram de lá. Tudo isto poderá ser confirmado por… 

– Muito obrigado, já sei como as coisas se passaram! – Caros colegas, como resolveu Charles Hardy mais este problema?   

CHAMADA PARTICULAR  MISS DETECTIVE – Sintra REPÓRTER SELECT – Amadora JOSÉ CARLOS SOARES – Sintra J. A. OLIVEIRA – Galamares REPÓRTER ENIGMÁTICO – Amadora ANTÓNIO GODEFROY – Queluz MIGUEL PESSANHA – Sintra REPÓRTER X – Amadora NICK CÁRTER – Sintra INSPECTOR FEIO – Amadora CAMELIANO – Sintra INSPECTOR KING – Amadora 

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O FEITICEIRO – Sintra SATANAZ – Amadora MARIA HELENA D. FERREIRA – Meleças SALOIO – Caneças  Como dissemos, este cantinho é de todos vós. Até breve.  Sete de Espadas 

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13 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Ted Willis  (1918‐1992)  –  Nasce  Edward  Henry Willis  em  Tottenham, Middlesex, 

Inglaterra. Escritor/argumentista de teatro, televisão e cinema  inicia‐se no policiário em 1950  com The  Blue  Lamponde  é  protagonista  George  Dixon;  segue‐se  a  série  para televisão Dixon  of  Dock  Green,  que  entre  1955  e  1976  apresenta  duas  centenas  de episódios.  Cria  e  escreve  várias  séries,  também  para  televisão,  como  Flower  of  Evil (1961), Outbreak of Murder (1962) ou Sergeant Cork (1963‐1968). 

 Amanda  Cross  (1926‐2003)  – Nasce  Carolyn Gold Heilbrun  em  East Orange, New 

Jersey‐EUA,  professora  de  literatura  e  escritora  femininista,  que  se  inicia  no  romance policiário  em  1964  com  o  pseudónimo  Amanda  Cross.  Escreve  14  livros  em  que  a protagonista é Kate  Fansler,  também uma professora de  literatura  inglesa que  resolve mistérios  habitualmente  passados  num  ambiente  académico.  Escreve:  In  the  Last Analysis  (1964),  The  James  Joyce  Murder  (1967),  Poetic  Justice  (1970),  The  Theban Mysteries (1971), The Question of Max (1976), Death in a Tenured Position (1981), Sweet Death,  Kind  Death  (1983),  No Word  From Winifred  (1986),  The  Players  Come  Again (1990), An Imperfect Spy (1995), A Trap for Fool (1989), The Puzzled Heart (1997), Honest Doubt (2000) e The Edge of Doom (2002). 

 

     

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Em Portugal foram editados os seguintes livros: O Manuscrito de  James  Joyce  (2001), Editora Pergaminho, Colecção As Damas do 

Crime. Título Original: The James Joyce Murder (1967); Uma  Espia  Imperfeita  (2003),  Editora  Pergaminho,  Colecção  As Damas  do  Crime. 

Título Original: An Imperfect Spy (1995).  Ron Goulart – Ronald Joseph Berkeley nasce em 1933, em Berkeley, Califórnia‐EUA. 

Escritor  com  uma  vasta  obra,  em  particular  no  campo  da  ficção  científica  e mistério, utiliza nove pseudónimos diferentes, sendo os mais conhecidos Kenneth Robeson, Frank S. Shawn, Joseph Silva, Con Steffanson. Escreve duas dezenas de livros de mistério, com destaque  para  as  séries  John  Easy  e  Groucho  Marx.  John  Easy  é  um  convencional detective privado de Hollywood que protagoniza alguns contos e 4 livros: If Dying Was All (1971),  Too  Sweet  to  Die  (1972),  The  Same  Lie  Twice  (1973)  e  One  Grave  Too Many (1974). Na  série  Groucho Marx,  Goulart  entrega  o  papel  de  detective  a  um  herói  da comédia;  uma  narrativa  recheada  de  clichés  e  de  referências  a  escritores  clássicos  da literatura policiária: Groucho Marx, Master Detective (1998), Groucho Marx, Private Eye (1999), Elementary, My Dear Groucho (1999), Groucho Marx and the Broadway Murders (2001), Groucho Marx, Secret Agent (2002) e Groucho Marx, King of the Jungle (2005). 

 

       

O LOCAL IMAGINÁRIO DOS ESCRITORES  Todos os escritores têm uma tendência para criar um cenário para os seus romances 

e contos. Deliberadamente e por razões várias. Nuns casos para dar ênfase à narrativa, caso de Dashiell Hammett, com a cidade de 

São  Francisco.  Igualmente Raymond Chandler, Raoul Whitfiel, William Campbell Gault, Arthur Lyons e muitos outros em relação a Los Angeles. 

Outros pelo  ambiente,  como Conan Doyle, que quase  sempre  leva  a  actuação de 

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Sherlock Holmes à sombria e vitoriana Londres, frequentemente envolvida em nevoeiro e chuva  e  tendo  ao  fundo  o  som  das  patas  dos  cavalos  dos  coches  nas  calçadas escorregadias; Faulkner escolheu um  local  imaginário Yoknapatawpha County no Estado do Mississipi; Arkham no Estado de Massachusetts ou R'lyeh são cidades na ficção de H. P.  Lovecraft;  Jack  Vance  imaginou  San  Rodrigo;  John  Crowe  (pseud.  de Dennis  Lynds) encontrou  um  local  imaginário  em  Buena  Costa;  Ellery  Queen  fixou‐se  na cidade Wrightville; Agatha Christie cria a aldeia de St. Mary Mead para a perspicaz Miss Marple e a  ilha Soldier  Island (ou Nigger  Island); Evan Hunter (pseud. de Ed McBain) na série 87th  Precinctcria Isola;  e mais  recentemente  Stieg  Larsson  em The  Girl with  the Dragon  Tattoo  imagina  a ilha  de  Hedeby  palco  de  um  desaparecimento.  Outro procedimento clássico consiste em reduzir os espaços a círculos fechados: um comboio, uma biblioteca, herdade ou palácio. 

Em  qualquer  dos  casos,  os  autores  concebem  os  locais  que  lhes  proporcionem ambiente e material para desenvolver crimes ou mistérios interessantes e indecifráveis. 

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14 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Thomas  Tryon  (1926‐1991)  –  Nasce  em  Hartford,  Connecticut‐EUA.  Em  1969 

abandona a carreira de actor de cinema e televisão para se dedicar à escrita de livros de mistério e ficção científica. Publica vários contos curtos e os seguintes  livros: The Other (1971), Harvest Home (1973), Lady (1974), The Night of the Moonbow (1989), The Wings of  the Morning  (1990),  In  the Fire of Spring  (1991), The Adventures of Opal and Cupid (1992) e Night Magic (1995). 

 

      John Lescroart – Nasce em 1948 em Houston, Texas. Escreve o primeiro livro Son of 

Holmes em 1986, seguido de Rasputin's Revenge  (1987), ambos da série Auguste Lupa. Cria ainda mais três séries: Dismas Hardy, com 13 títulos publicados, Abe Glitsky com 4 e Wyatt Hunt, com 3 títulos. Os seus livros estão traduzidos em 16 línguas e são editados em 75 países. Em Portugal: 

O primeiro livro da série Abe Glitsky A Certain Justice (1995) é editado em 2000, com título Justiça  Até  Certo  Ponto pela  Temas  e  Debates,  o  nº  6  da  colecção  Top  Ten  e novamente pelo Círculo de Leitores em 2002. 

O terceiro livro da série Dismas Hardy, Hard Evidence (1993) é editado pela Temas e Debates, 2003, com o título Prova Material. 

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ARQUITECTURA E CONTEXTO DA NARRATIVA POLICIÁRIA – 1   Em Os  Elementos  Fundamentais  da  Narrativa  Policiária  (in  Pesquisa Nov.1990) 

consideramos que o hibridismo de que  se  reveste  tal narrativa  impede uma definição generalizada.  Conclusão  válida.  É  bem  óbvio  que  nas  diversidades  de  concepção  e constante mutação da  sua arquitectura, é  inútil procurar um ponto  comum. Por outro lado  há  sempre  possibilidade  de  assinalar  em  concreto  as  bases  de  cada  padrão narrativo. 

No  todo  da  narrativa  policiária  há  que  distinguir  o  conteúdo  imaginário  do verdadeiro. No último caso é necessário determinar se tal assunto é puramente real ou se se está em presença de uma crónica novelada, por exemplo A Sangue Frio de Truman Capote. Não é indiferente pôr no mesmo saco as Memórias de Vidocq, descrição de vida e aventuras do célebre polícia francês, antes ladrão procurado por aquela, da história dos crimes  da  máfia  ou  recompilação  de  crónicas  forenses,  fichas  criminais  que correspondem  a  factos  verídicos,  e  a  novelação  literária  que  aproveita  a  realidade, rodeada de  fantasia bastante para  criar  tensão de mistério e  intriga  indispensáveis  ao interesse e apreensão do leitor. 

Há quem distinga  este  tipo de  literatura, que os puristas  classificam de narrativa criminal,  da  literatura  ficcionada,  a  policiária.  Bem  parece  teoria  de  emaranhar  ou complicar: a literatura policial é só uma, há sim diversos ramos, géneros ou subgéneros. Segundo o tema que aborda e visão do analista. 

O  romance, a novela, o conto, o enigma ou problema policiário  (jogo de  lógica de raciocínio proposto como passatempo  intelectual) são  ficção pura. Neles se distinguem os géneros maiores: a narrativa de enigma ou novela de problema clássico, a narrativa negra  ou  de  máscara  negra,  ou  de suspense.  Destas  sim,  ao  longo  do  tempo,  com acentuado  clima  no  espaço  norte‐americano,  são  férteis  os  sub‐géneros  (crook, hardboiled, thoug procedural, private eye, penitentiary story, psychology) a desenvolver em futuros TEMAS. 

No que  concerne a narrativa de enigma, a  clássica narração que origina o género policiário,  estruturada  na  existência  de  um  delito,  em  regra  um  homicídio misterioso, face ao qual o detective,  investigador privado ou simples curioso, recorrendo a  indícios encontrados,  a  procedimentos  técnico‐científicos  e  a  interrogatórios,  desmascara  o culpado. 

Para  captar  a  atenção  do  leitor,  que  em  muitos  casos  inconscientemente,  em nervosa expectativa, entra em competição com o  investigador, é  imprescindível utilizar pistas  falsas,  armadilhas  habilmente  urdidas  para  atrapalhar  a  acção  da  polícia  ou investigador, até ao encaixar das peças dispersas do puzzle  criado pela  inteligência do autor. 

Resumindo, na narrativa  clássica, mais do que  simples entretenimento, propõe‐se um jogo de inteligência – investigador/contraventor – que desafio o raciocínio do leitor. 

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Uma derivação do género, mas nele incluída é a chamada narração invertida. Nesta sabe‐se quem cometeu o crime e como foi cometido, residindo a expectativa em seguir o trabalho  do  investigador  e  seguir  os  escassos  indícios  que  o  delinquente  deixou  ao cometer  o  crime  até  à  sua  identificação. O  enigma  é  uma  interrogação  constante  em busca  da  resposta,  elucidação  ou  explicação  que  o  autor montou,  exige  um  princípio ético, convincente e a denúncia do mal face à ordem e à justiça. Obviamente que o autor com  frequência  inclui  aspectos  individuais,  sociológicos,  políticos,  fantasiosos  e  outros para dar um fundo de impacto à escrita e confundir o leitor, mas qualquer que seja essa derivação, determina sempre a resolução do enigma fulcral. 

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15 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Dennis  Lynds  (1924‐2005) – Nasce em  St.  Louis, Missouri‐EUA. Escreve diferentes 

géneros, especialmente de índole policiária com vários pseudónimos. Com o pseudónimo Michael Collins  inicia em 1967 uma  série  com o protagonista Dan  Fortune, em Act Of Fear.  Esta  série  tem  19  livros  publicados,  os  dois  últimos  Crime,  Punishment  And Resurrection  (1992)  e  Fortune's World  (2000),  reúnem  todos  os  contos  curtos  deste personagem.  Escreve  ainda  Lukan War  (1969),  The  Planets  of  Death  (1970),  livros  de ficção científica. Utiliza o pseudónimo de Willian Arden para os romances de espionagem industrial protagonizados por Kane  Jackson: A Dark Power  (1968), The Goliath  Scheme (1970), Deal  in Violence  (1971), Deadly  Legacy  (1973) e Murder Underground  (1974) e também  o  romance Mystery  of  the  Blue  Condor  (1973).  Com  o  pseudónimo  de Mark Sadler  escreve  as  aventuras  do  jovem,  Paul  Shaw,  proprietário  de  uma  agência  de detectives: The Falling Man (1970), Here To Die (1971), Mirror Image (1972), Circle Of Fire (1973), Touch Of Death (1981) e Deadly Innocents (1986). Com outros escritores (Walter Gibson, Theodore Tinsley e Bruce Elliott adopta o pseudónimo Maxwell Grant na escrita das obras sobre o personagem Shadow – O Sombra. Conhece‐se ainda os pseudónimos, John Crowe, Carl Dekker, Sheila McErlean. É um escritor galardoado com uma longa lista de prémios. 

 

 

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Michael  Collins  /  Dennis  Lynds  não  deve  ser  confundido  com  o  escritor  irlandês Michael Collins (1964), também autor de policiário com livros publicados em Portugal. 

  

O CONTO COMO EXPRESSÃO LITERÁRIA  De tal modo  tem sido controverso o conceito de conto o que é, o que não é, que 

amovemos  da  definição.  Qualquer  tentativa  será  mais  uma  entre  tantas.  Grave  Day classifica‐o  como uma  obra  em  que  a  prosa  se  pode  ler  de  uma  assentada.  Mário Albuquerque, mais  lato ao resumir conto: é tudo aquilo a que o autor chama de conto. Temo ter de discordar desta última definição: faz‐me  lembrar o quadro branco com um ponto negro… um chapéu mexicano na neve… 

Na verdade, o conto como expressão  literária  faz parte daquela  trilogia,  romance, novela, conto, consoante a sua dimensão ou extensão literária. Se para os dois primeiros não existem dúvidas, a classificação de conto pela sua dimensão peculiar tem de encerrar a  sua  unidade  de  efeito,  isto  é,  tem  de  produzir  um  efeito  narrativo,  ênfase,  com economia  de  palavras.  Cada  palavra  deve  contribuir  para  o  feito  final,  enquanto  o romance  e  a  novela  –  mais  curta  que  o  romance  –  têm  espaço  para  desenvolver incidentes, analisar e multiplicar acções. O conto é por natureza breve, rápido, preciso, em duas palavras: sintético e monocrónico. 

Duas  razões  fundamentais  parecem  estar  no  espírito  dos  autores  para  evitar  o conto:  o  romance  e  a  novela  podem  eventualmente  ser  lucrativos,  as  palavras  valem dinheiro  –  Rex  Stout  dizia:  se  tenho  uma  boa  ideia  não  a  desperdiço  num  conto;  a segunda razão prende‐se com a dificuldade em expressar uma ideia ou intriga em breves palavras. Há bons autores, muito bons até, incapazes de sintetizar as ideias. 

H.G. Wells, ele próprio um  contista hábil e  famoso, escreveu: um  conto pode  ser muito  brilhante  e  comovente,  horrível,  patético  ou  divertido,  belo,  profundamente sugestivo, mas não deve abranger mais do que meia hora de leitura. 

No aspecto  temático, o conto policiário é de apurado encanto, pela vivacidade de palavras  e  imagens ou pelo  assunto que  entra no  sentimento  colectivo.  Porém, o  seu encanto iguala a dificuldade de concepção, maior ainda do que aquela já referida para o conto em geral. A construção da  intriga, a unicidade do  tema e o  reduzido número de personagens a oferecer em cem palavras a representação de mil, não é tarefa fácil. E, por tal  facto, muito  se  tem discutido a preferência do  conto policiário ou do  romance. Do ponto  de  vista  do  valor  da  obra  os  críticos  são  unânimes  em  considerar  que  a mais genuína  expressão  do  género  (policiário)  só  se  encontra  no  conto.  No  entanto,  o predomínio do romance nos escritores profissionais está à vista, Para o leitor reconhece‐se geralmente  como verdadeira a aceitação do  conto pela necessidade vital do  tempo disponível para ler. 

Mais curto ainda do que o conto  tradicional, há uma  segunda modalidade que  se 

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espalhou  rapidamente  a short  story  –  raiz  americana  ao  que  se  crê  e  facilmente confundida com o próprio conto — o ideal adequado à pressa dos nossos dias e ao tema policiário.  Na  short  story  atribui‐se  importância  particular  a  um  efeito  principal desenquadrante, o suspense como  força motora até  final… em  regra a emoção  latente mantém‐se angustiante até à última e decisiva frase. 

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16 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Magdalen Nabb (1947‐2007) – Nasce em Blackburn, Lancashire, Inglaterra. Em 1975 

muda‐se para  Itália, fixa residência em Florença e  inicia a carreira de escritora de  livros infantis e policiais. Cria Marshall (Sargento) Guarnaccia, personagem central da sua obra policiária. O Sargento Salvatore Guarnaccia dos Carabinieri investiga e procura respostas para  crimes. Magdalen Nabb  inspira‐se  em  casos  reais  e  situa  os  acontecimentos  dos seus livros sempre em Florença, ou arredores, o que lhes confere um ambiente especial. 

Na série Guarnaccia: Death of an Englishman  (1981), Death of a Dutchman  (1982), Death  in Springtime 

(1983), Death in Autumn (1985), The Marshal and the Murderer (1987), The Marshal and the Madwoman (1988), The Marshal's Own Case (1990), The Marshal Makes His Report (1991), The Marshal at the Villa Torrini (1993), The Monster of Florence (1996), Property of Blood (1999),  Some Bitter Taste (2002), The Innocent (2005) e Vita Nuova (2008). 

Em  1986  publica The  Prosecutor,  escrito  em  parceria  com  Paolo  Vagheggi.  Um enredo onde se cruzam as Brigadas Vermelhas e os Serviços Secretos Militares. 

Em Portugal a Editorial Caminho, na Colecção de Bolso/Policial, editou: Morte de Um Inglês nº 2 (1984), Death of an Englishman (1981) Morte na Primavera nº 10 (1985), Death in Autumn (1985) Morte de Um Holandês nº 26 (1986), Death of a Dutchman (1982) Morte no Outono nº 48 (1987), Death in Springtime (1983) O Sargento e o Assassino nº 72 (1988), The Marshal and the Murderer (1987) O Sargento e a Louca nº 82 (1988), The Marshal and the Madwoman (1988) O Sargento e o Seu Caso nº 134 (1991), The Marshal's Own Case (1990) A Editora Livros do Brasil, na Colecção Vampiro, editou: Rapto de Uma Condensa nº 631 (2000), Property of Blood (1999) O Fantasma do Crepúsculo nº 649 (2001) Um Gosto Amargo nº 671 (2003), Some Bitter Taste (2002) Site oficial da escritora: http://magdalennabb.com/   

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ARQUITECTURA E CONTEXTO DA NARRATIVA POLICIÁRIA – 2   

BLACK MASK  No  período  entre  as  duas  Grandes  Guerras Mundiais, mais  na  primeira metade, 

viveram‐se uma série de momentos cruciais para a história e mudaram‐se bruscamente as  estruturas  sociais:  o  crime,  a  corrupção  a  todos  os  níveis,  a  violência  da  vida quotidiana foram o cenário para a nova narrativa. O pulp que  levou preferentemente o estilo  responsável da narrativa negra, ou máscara negra,  foi o Black Mask  fundado em 1920. Aí,  conscientes das mudanças  sociais e da nova  imagem do  crime,  aparecem  as primeiras novelas em que a dureza moral e física supera a narrativa de enigmas. Assim, Race  William,  criação  de  Carroll  John  Daly,  troca  as  lucubrações  dedutivas  pelo comportamento  justiceiro e violento –  físico e de  linguagem. Mas foi Dashiell Hammett que abriu o caminho da projecção do Black Mask. Por um lado, a importância sociológica, o  realismo  crítico, a violência e a  linguagem  inusitada  (a  célebre adaptação  realista da narrativa policiária) e, pelo outro lado, um detective que aplica a tarefa de investigação à sua maneira  – nem  sempre ortodoxa, utiliza métodos  e  resultados que ultrapassam  a ética pessoal, transcende a moral social e as convenções colectivas. Os fins justificam os meios, objectivo puramente profissional: e se há violência  física e moral, tem de se ser violento para sobreviver na selva em que vive submerso. 

A narrativa negra ultrapassa os  limites  geográficos do nascimento  e  estende‐se  a França,  Inglaterra… cresce, adquire cultura e prestígio. Chega a Hollywood, ao grande e pequeno ecrã. Excede‐se. Não obstante não perder a raiz violenta, os autores, além das origens de sempre, associam‐lhe bebida, bebedores e mulheres… 

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17 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Al Capone (1899‐1947) – Nasce Alphonsus Gabriel Capone em Brooklyn, New York‐

EUA,  considerado  o  maior  gangster  norte‐americano  de  sempre.  Descendente  de emigrantes  italianos,  inicia‐se cedo nos gangs de  rua. Chefia uma  rede de contrabando durante  a  Lei  Seca  e  acaba  por  dominar  o  crime  organizado  na  cidade  de  Chicago. Conhecido  por Scarface,  por  causa  de  uma  cicatriz  na  cara,  é  tido  como  um  homem destemido  e  implacável.  A  sua  vida  e  o  processo  atribulado  da  sua  detenção  são inspiração para escritores policiários e também para a indústria cinematográfica. 

 Grahams S. Moliner  (1919‐????) – É o pseudónimo adoptado por Graziela Saviotti 

Molinari. Nasce  em  Livorno,  Itália.  Frequenta  a Academia de Belas Artes de Brera  em Milão.  Fixa‐se  em  Portugal  em  1939  e  exerce  a  actividade  de  tradutora,  publicista  e cenógrafa –  trabalha para o Teatro Nacional D. Maria  II. Publica para a Editorial Gleba (1942‐1972), na Colecção Novelas Policiais, o  romance policiário A Morte Paira Sobre o Castelo (1948) cujo enredo se desenvolve em Itália. 

 Roy Lewis (1933) – John Royston Lewis nasce em Rhondda, Glamorganshire, País de 

Gales‐Reino Unido. Desde  1969  escreve  romances  policiários:  o  primeiro, A  Lover  Too Many, pertence à série John Crow – um inspector da polícia britânica – tem um total de 8 títulos. Segue‐se a série Eric Ward – um polícia que se tornou solicitador –, iniciada com A Certain Blindness  (1980) e que atinge o 16º  livro Guardians of  the Dead, publicado em 2008.  A  terceira  série,  Arnold  Landonum  –  um  perito  em  arquitectura  medieval  e investigador em Northumberland –  inicia‐se com A Gathering of Ghosts  (1982) e  tem o 22º livro, Goddess of Death, agendado para o final de Janeiro de 2012. Roy Lewis, que usa também  o  pseudónimo  de  David  Springfield,  tem  mais  treze  romances  policiários editados. 

    

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      John  Bellairs (1938‐1991)  –  John  Anthony  Bellairs  nasce  em  Calhoun  County, 

Michigan‐EUA. É  conhecido pelos mistérios góticos destinados a um público  jovem. Os seus livros são protagonizados por Lewis Barnavelt (6 títulos), Anthony Monday (4 títulos) e Johnny Dixon (9 títulos). Escreve ainda os romances The Pedant and the Shuffly (1968) e The Face in the Frost (1969). 

O primeiro livro da série Lewis Barnavelt The House with a Clock in Its Walls (1972) foi editado em Portugal, em 2006, pela Editorial Presença, nº 87 da Colecção Estrela do Mar, com o título A Maldição do Relógio. 

  

ARQUITECTURA E CONTEXTO DA NARRATIVA POLICIÁRIA – 3  

SUSPENSE  Na  revitalização da corrente dedutiva, a enigmática, por vezes paredes meias com 

ela,  inclusivamente nela, aparecem as narrativas de suspense: – a arte de transportar a angústia  do  universo  imaginário  à  consciência  do  leitor.  O  elemento  policiário, particularmente  o  detective,  desaparece  ou  é  secundário,  para  dar  lugar  à  ansiedade psicológica. O  interesse do  leitor deixa de se centrar na pergunta  ritual. Quem matou? Conseguirá  o  assassino  escapar?  Pergunta  que  só  o  autor  habilmente  incute  com crescente efervescência. 

Francis  Iles  (Anthony  Berkeley)  dá  um  primeiro  passo  em  Malice  Aforethought (1931) / Malícia Premeditada e em Before the Fact (1932) / Suspeita, sem que se falasse de suspense, mas sim de psicologia. É com William Irish, cujo verdadeiro nome é Cornell Woolrich, que vamos encontrar o real mestre da arte do suspense. Em Irish encontramos a  presença  da  fatalidade;  em  lugar  do  detective  a  vítima  ergue‐se  como  personagem central;  a  vida é  vista do  lado do  acaso; os  inocentes  são  inexoravelmente  coagidos  a integrar a engrenagem do enredo. 

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Neste  tipo  de  narrativa,  o  óptimo  mede‐se  pela  dose  de  angústia  real experimentado pelo leitor, pela tensão psicológica e impacto dramático que inocula. 

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18 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Milne  (1882‐1956) – Alan Alexander Milne nasce em Kilburn, Londres.  Jornalista e 

editor  da  revista  humorística Punch é  famoso  pelos  livros  infantis,  em  particular  pela figura  de Winnie‐the‐Pooh.  Em  1922  publica  o  romance The  Red House Mystery,  onde apresenta  o  investigador  Anthony  Gillingman,  e  o  seu  colaborador  Bill  Beverley,  que deparam com um crime estranho e aparentemente impossível. É uma parelha excêntrica, divertida,  cuja  narração mantém  uma  visão  humanística  pouco  comum. O  livro  é  um sucesso  de  popularidade,  mas  os  críticos  não  estão  de  acordo:  se  por  um  lado  A. Woollcott  considera The Red House Mystery  como uma das  três melhores histórias de mistério  de  sempre,  Raymond  Chandler,  no  ensaio The  Simple  Art  of Murder critica  o modelo de Milne,  contrapondo:  se um problema não  contém elementos de verdade e plausibilidade,  não  é  um  problema  e  se  a  lógica  é  uma  ilusão,  não  existe  nada  para deduzir. Este é o único romance policiário atribuído a A.A.Milne, no entanto este autor publica também o conto, The Rape of the Sherlock  (1903), que mais não é do que uma paródia holmesiana e escreve ainda dois livros de mistério. The Fourth Wall (1928), uma peça de  teatro,  representada pela primeira vez em 1928 no Haymarket Theatre e mais tarde adaptada ao cinema no  filme The Perfect Alibi, e Four Days' Wonder  (1933) uma narrativa  também  adaptada  ao  cinema. Em Portugal The Red House Mystery é editado pela Minerva, o nº 50 da Colecção Xis em 1955: O Mistério da Casa Vermelha. 

           

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CRIMINALÍSTICA – JUSTIÇA E PROVA  A  tradição  representa  a  Justiça  como  uma  figura  de mulher  de  olhos  vendados! 

Significaria a simbólica venda a integridade da justiça, mantém‐se actualmente o símbolo –  tornando‐a  inacessível  a  subornos,  presentes,  ignorando  as  coroas  dos  reis  ou  a sedução  da  carne,  no  estreito  caminho  da  VERDADE.  Significa,  em  resumo,  fechar  os olhos e abrir os ouvidos,  se bem que o  tempo  tenha puído a venda, que  se afigura  já pouco tapar. O mesmo se poderá dizer da balança, deve ter perdido o equilíbrio… 

Na prática judicial, não se diz à mulher da venda: Faz justiça! É necessário a prova. Durante  séculos,  para  punir  com  justiça  os  que  violavam  a  lei,  os métodos  eram 

bárbaros. O Juízo de Deus pela prova da caldeira, que consistia em mergulhar o braço do suspeito  em  água  fervente  para  retirar  uma  pedra  do  fundo  da  caldeira.  A  odiosa superstição de que o inocente não se queimava era revelado pelo Juízo de Deus, segundo o  grau  das  queimaduras.  De  igual  modo,  a  defesa  em  combate  singular  do  próprio acusado, ou quem ele escolhesse para o representar, defendia a sua inocência na prova do  pão  –  se  este  não  atravessasse  a  garganta  era  culpado;  o  julgamento  pela  cruz, quando o acusado, que deveria ficar de braços em cruz perante um crucifixo, baixasse os braços ou no caso de dois acusados, o primeiro a baixar os braços era culpado. Por último a tortura, a mais durável é recente, usada pela Inquisição de tão má memória. Qualquer suspeito que lhes caísse nas mãos estava destinado (não podia furtar‐se) às mais atrozes torturas  e  eram  utilizados  todos  os métodos  até  à  confissão  do  crime.  Confessavam preferindo a morte à tortura. 

Decorridos  tempos,  sem  tortura  visível,  a  confissão  ainda  é um  elemento de  alta importância e  relevo, quando não obtida por coacção, portanto espontânea, ainda que não prevaleça desacompanhada de outros factos probatórios. 

Constituem  objecto  de  prova  todos  os  factos  juridicamente  relevantes  para  a 

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existência ou inexistência do crime e possibilidade ou impossibilidade do sujeito. Como se vê tem um conceito bastante lato, distinguem‐se, porém, dois aspectos: o 

da  forma  e  o  de  fundo.  O  primeiro  constata‐se  por  um  facto material  (documento, perícia) ou experimental através da reconstituição a partir dos elementos conhecidos; o segundo, a prova  circunstancial, na maior parte das vezes  complexa, em que  intervêm procedimentos  discursivos  –  deduções  ou  induções  –  ou  intuitivos,  com  base  em circunstâncias. Nesta última caberá porventura a prova testemunhal. 

A  prova  final  resulta  do  valor  dos  meios  elementares  que  entram  como componentes do raciocínio, e cada um desses modos de prova desempenha o seu papel na  livre  apreciação,  segundo  as  regras  de  experiência  e  a  livre  convicção  da  entidade julgadora. 

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19 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Edgar  Allan  Poe  (1809‐1849)  –  Esta  data  e  o  ano  de  1809  é memorável  para  a 

literatura policiária.  

  Nasce  em  Boston  Edgar  Poe,  por  adopção  Edgar  Allan  Põe,  que  é  considerado 

incontestavelmente o  criador da narrativa do  género. Pode dizer‐se que nasceu  sob o signo do  infortúnio, para o quel em parte ele viria a  contribuir,  levado pelo génio que havia em si, um génio poeta sensível, onde abunda a fantasia, o sobrenatural, a magia e o terror  levados até ao paroxismo da arte. Todavia, soube aproveitar‐se, com excepcional brilho  imaginativo e  lógica matemática, para construir uma narrativa, de um novo tipo, publicada em Abril de 1841 no Graham's Lady's and Gentleman's Magazine, de Filadélfia, intitulada The Murders in the Rue Morgue. Com ela cria um novo género, a narrativa de dedução, cronologicamente o primeiro mito da investigação policiária, no protagonista C. (Charles) Auguste Dupin, que é o herói de mais dois relatos, The Mystery of Marie Roget (1842) e The Purloined Letter (1844). Enquadrados no tema policiário são de referir ainda Thou  Art  the  Man  (1844)  em  que  o  assassino  é  a  pessoa  menos  suspeita,  norma posteriormente seguida por muitos outros autores, e The Gold Bug  (1843), um notável conto de criptografia em que o autor  foi mestre e especialista. De  resto, para além do 

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policiário,  toda  a  obra,  poesia  incluída,  é  de  transbordante  qualidade.  Aconselhamos vivamente uma leitura detalhada de Edgar Allan Poe. 

 Alexander Woollcott (1887‐1943) – Alexander Humphreys Woollcott nasce em Colts 

Neck, New Jersey‐EUA. Escritor, jornalista, crítico teatral e literário escreve vários artigos sobre  literatura policiária.  Em 1934  reúne os  seus melhores  trabalhos  em While Rome Burns, um bestseller, onde se destaca o texto Hands Across the Sea, sobre a  justiça em tempo  de  guerra  e  The  Mystery  of  the  Hansom  Cab  onde  Woollcott  explica  a  sua perspectiva sobre um acontecimento verídico (O caso Nan Patterson). The Mystery of the Hansom  Cab  é  seleccionado  em  2008  pela  Library  of  América  para  ser  incluído  na retrospectiva  de  200  anos  de  crimes  verídicos  americanos  e  está  publicado  em  True Crime: An American Anthology. O conto de Woollcott Moonlight Sonata está incluído no The Vicious Circle (2007), uma antologia de Otto Penzler com escritores dos anos 20. 

 

      Patricia  Highsmith  (1921‐1995)  –  Nasce Mary  Patricia  Plangman  em  Fort Worth, 

Texas‐EUA. Cedo decide  ser escritora, apenas com 16 anos. O  romance Strangers on a Train (1949) foi um êxito cujos direitos foram adquiridos e levado à tela por Hitchcock em 1951. Em The Blunderer  (1954) repete o estilo, entre o suspense e o  interesse em  fazer sobressair os delinquentes  sob os aspectos mais 1955 publica The Talented Mr. Ripley onde põe  em  evidência  as  andanças de um  estranho personagem,  Tom Ripley.  Este  é culto, educado,  sedutor, não é um detective nem um gangster, escroque ou  justiceiro, mas  um  homem  totalmente  desprovido  de  consciência,  frio  ou  indiferente,  que mata sem  escrúpulos,  por  dinheiro  ou  por  prazer,  sem  outra  razão,  talvez  para manter  o elevado nível de  vida. É um homem que  vive  com  a excitação da  crueldade. A  autora repete  em  vários  romances  as  aventuras patológicas  de Ripley, que parece  seduzir os leitores. Highsmith usa  também o pseudónimo Clare Morgan no  romance The Price of Salt (1952). O último livro Small G – A Summer Idyll (1995) é publicado um mês depois da morte da escritora. 

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Patricia Highsmith é um dos grandes vultos do policiário, com mais de uma trintena de títulos publicados e duas dezenas de contos curtos.  

 Patricia Moyes (1923‐2000) – Patricia Pakenham‐Walsh nasce em Dublin, Irlanda. No 

final da guerra colabora com Peter Ustinov em  filmes de  ficção. Num período de  férias resolve escrever romances policiários. Em 1958 publica Dead Men Don't Ski, o primeiro de uma  série de  20  títulos protagonizada por Henry  Tibbett  e  a  sua mulher  Emmy. A crítica apresenta‐a como uma das mais talentosas escritoras do policiário neo‐clássico. 

 

       Don  Kavanagh  (1946)  –  Nasce  em  Leicester,  Inglaterra,  Julian  Patrick  Barnes. 

Jornalista, crítico de  televisão,  inicia a carreira de escritor policiário, sob o pseudónimo Don Kavanagh, em 1980 com Duffy em que o protagonista é um ex‐polícia bissexual, Nick Duffy. Nesta série escreve: Fiddle City  (1981), Putting the Boot  In  (1985) e Going to the Dogs (1987).  

 Thierry  Jonquet  (1954‐2009)  –  Nasce  em  Paris.  Lança‐se  na  escrita  em  1984, 

considerado  um  modelo  do  estilo  negro  francês,  é  hoje  um  dos  mais  conhecidos escritores franceses de crime/policiário. Thierry Jonquet utiliza quarto pseudónimos: Phil Athur e Vince C. Aymin Pluzin para dois ateliers de escrita que dirige; Martin Eden para dois livros relacionados com a série televisiva; David Lansky e Ramon Mercader para três romances de  ficção política. Depois do primeiro  romance policiário, Mémoire  en Cage (1982), segue‐se Du Passé Faisons Table Rase  (1982), Le Bal des Débris  (1984) e, sob o pseudónimo Ramon Mercander, Cours Moins Vite Camarade, Le Vieux Monde Est Devant Toi (1984). Thierry Jonquet é um escritor galardoado com vários prémios, com destaque para as seguintes obras: La Bête et la Belle (1985), Moloch (1998) e Les Orpailleurs (1993). Pedro Almodovar adapta ao cinema o romance Mygale, com o título A Pele Onde Eu Vivo. Em Portugal estão publicados: 

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A Morte Pode Esperar  (2006); Editora Ulisseia; Título Original: Ad vitam aeternam (2004) 

Tarântula (2011); Editora Objectiva; Título Original: Mygale (2002).  

 

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20 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Irving  Le  Roy  (1909‐1972)  –  Data  do  falecimento  de  Robert  Georges  Debeurre, 

escritor de aventuras policiárias populares. É  conhecido em Portugal pelo  supra  citado pseudónimo,  no  entanto  tem  escritos  sob  uma  extensa  lista  de  pseudónimos  como Georges Méra, Ergé Hemm, Rudy Georg Maïer, Irving Heller, Henry Haines, Susan Vialad, Howard Trévor, Andy Knight e provavelmente  Jaime Barbara, Gérald Rose, Georges de Guérigny, Robert J. Dolney e outros. 

 

  

Reg Gadney (1941) – Nasce em Cross Hills, Yorkshire‐Inglaterra. Trabalha na área da arqueologia e do teatro. Inicia‐se na escrita em 1971, mas só em 1984 se torna escritor a tempo  inteiro.  Escreve  para  televisão  e  cinema,  adapta  duas  obras  policiárias  para  o pequeno ecrã: The Bell  (1958) e The  Sculptress  (1993) de Minette Walters. Escreve os seguintes  romances  de  ficção:  Drawn  Blank  (1970),  Somewhere  in  England  (1971), Seduction of a Tall Man  (1972), The Last Hours Before Dawn  também  conhecido como Victoria (1974), Something Worth Fighting For (1974), The Champagne Marxist também conhecido  como  The  Cage  (1977),  Nightshade  (1987),  The  Achilles  Heel  (1996),  The Scholar  of  Extortion  (2003),  The  Woman  in  Silk  (2011).  Na  série  Alan  Rosslyn,  um detective privado, publica os seguintes títulos: Just When We Are Safest (1995), Mother, Son and Holy Ghost (1998), Strange Police (2000), Immaculate Deception (2006). 

Em Portugal o primeiro livro da série Alan Rosslyn é editado em 1996 pela Difel, na colecção  Literatura  Estrangeira,  Rivalidades  e  Corrupção,  um  livro  que  se  encontra 

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esgotado.   

ESPIÕES E TRUQUES DE ESPIONAGEM  Ora  admirado,  ora  odiado,  simplesmente  ignorado,  mais  frequentemente 

perseguido,  o  espião  é  um  alvo  a  abater.  Registemos  alguns  comentários  breves  de escritores sobejamente conhecidos. 

 “Ao  lavar  as mãos  recebi  um  arranhão  no  pulso  esquerdo  de  um  alfinete  que  a 

lavadeira  (calculei)  deixara  na  toalha.  Correu  um  pouco  de  sangue,  mas  envolvi  o ferimento num  lenço e, fatigado, deitei‐me adormecendo depois. Meia hora mais tarde fui despertado por uma dor  em  todo o  lado  esquerdo  – um  estranho  entorpecer nos músculos  da  cara,  das mãos  e  na  garganta  que me  impedia  de  respirar  ou  de  gritar. Tentei erguer‐me e premir o botão da campainha e pedir auxílio, mas não o pude fazer. Aquele alfinete tinha sido ali colocado de propósito. Fora sem dúvida envenenado…” 

William Le Queux (1864‐1927)  “Fechou por  completo os olhos. Os  circunstantes  fitaram‐no. Razunov  fez esforço 

para se recordar de algumas palavras francesas. – Je suis sourd – disse, voltando a desfalecer. – É surdo – exclamaram eles. Eis porque não ouviu o carro. Horas antes, enquanto a  trovoada ainda não  feria a noite, verificou‐se na  sala de 

Julius Lispara uma sensação. O terrível Nikita, vindo do patamar, erguera a sua voz rouca e sombria diante de todos os presentes: 

– Razunov! Mr. Razunov! O maravilhoso Razunov! Nunca mais será utilizado como espião  por  ninguém.  Não  falará,  pois  jamais  ouvirá  seja  o  que  for  na  sua  vida. Absolutamente nada. Rebentei‐lhe os  tímpanos. Oh! Podem confiar em mim. Sei como fazer as coisas. Sim, sei como fazer as coisas!” 

Joseph Conrad (1857‐1924)  “De qualquer modo o espião pode ser um ser admirável passível de consideração, 

no aspecto de carácter e honestidade, não  restam dúvidas que no plano profissional o espião é ipso facto, um mentiroso e ladrão! Mais ainda. Ele entra na função de corromper e subornar, aproveita‐se deliberadamente das fraquezas dos outros de forma a levá‐los à traição. Para obter os seus resultados poderá utilizar a extorsão e a chantagem. O facto de o seu móbil ser diferente de um vulgar ladrão, não entra em linha de conta…” 

Eric Ambler (1909‐1998) 

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21 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Israel Zangwill (1864‐1926) – Nasce em Londres. No campo policiário é famoso por 

um único  romance The Big Bow Mystery, publicado  em 1891. É um  romance histórico pelo  tema, o primeiro  crime  impossível  ou de quarto  fechado. A narrativa  é de  estilo livre,  vivo,  com  certa  dose  de  humor  e  sobretudo  engenhosa.  Israel  Zangwill  abre caminho temático para mais de um milhar de escritores, alguns em repetição do tema, que testaram os seus métodos. Desde a primeira edição este  livro nunca deixou de ser publicado, e em diversas  línguas. The Big Bow Mystery é  também adaptado ao cinema com diferentes  títulos: The Perfect Crime  (1928), um  filme com som parcial, The Crime Doctor (1934) e The Verdict, uma versão film noir de 1946 dirigido por Don Siegel. 

Em Portugal The Big Bow Mystery foi editado pela primeira vez em 1979 por duas editoras  Amigos  do  Livro  e  Círculo  de  Leitores  com  o  título  Crime  Impossível.  Mais recentemente, em 1991, pela  Livros do Brasil O Grande Mistério de Bow, o nº 522 da Colecção Vampiro. 

 

                     

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FICÇÃO – REALIDADE APARENTE  A primeira narrativa em que o crime é cometido em quarto fechado é precisamente 

a primeira narrativa policiária (1841), com a devida ressalva, por não estar em causa um assassínio  humano.  Depois  de  Poe  houve  um  desenvolvimento  notável  nos métodos usados nos enredos de quarto fechado: Le Fanu com Ghost Stories and Tales of Mystery (1851),  Aldrich  com Out  of  His  Head  (1861),  Zangwill  com  o  já  referido The  Big  Bow Mystery, Leroux com Le Mystère de  la Chambre Jaune (1907) … até ao rei de todos eles John Dickson Carr/Carter Dickson. 

Seria  de  pensar  que  os  limites  da  engenhosidade  metal  e  criativa  estivessem esgotados,  contudo  verificamos  que  é  infinita.  Há  sempre  novos  argumentos,  novos truques e variações sobre o tema garantidamente inesgotável. 

A  imaginação  fecunda  dos  escritores  não  deixa  de  nos  surpreender. O  crime  em quarto  fechado  –  mais  tarde  estender‐se‐ia  a  praias  desertas  e  áreas  geladas  sem pegadas  –  é  sempre  uma  impossibilidade  coberta  por  um  subterfúgio,  porquanto  é inaceitável admitir a  consumação de um  crime no  cenário de um quarto, ou qualquer outro recinto, inteiramente fechado e sem meios de comunicação com o exterior. Ainda que se saiba à partida que o crime em quarto  fechado é  fisicamente  impossível,  face à habilidade do escritor revela‐se uma realidade praticável. 

Afastam‐se  os  alçapões,  os  esconderijos  ou  saídas  secretas  tão  do  agrado  dos escritores do gótico, e  também os mecanismos ou engenhos ocultos que disparam por acção  inadvertida da vítima,  ficamos pelos métodos  inteligentes, verdadeiros passos de magia entre o possível e o impossível. 

Algumas hipóteses das várias encontradas: a) A vítima é atingida mortalmente antes de se entrar no quarto (para se proteger), 

o  agressor  tem  tempo  de  atirar  com  a  arma  para  dentro  do  quarto  antes  de  este  se fechar  ocasionalmente  passa  por  um  suicídio,  tudo  depende  do  ferimento  e  da  arma utilizada; 

b) É mesmo um suicídio. A vítima, por razões pessoais simula um crime ou trata‐se de um acidente que as circunstâncias apontam para crime; 

c)  A morte  é  executada  no momento  em  que  o  quarto  é  aberto  –  princípio  de Zangwill, depende da oportunidade e preparação do criminoso; 

d) O crime  foi executado no quarto e o assassino sai e tranca a porta. Há diversos métodos  para  o  efeito,  desde  a  manipulação  de  um  simples  fio,  até  outros  mais complicados; 

e) Gás, telefone electrificado, etc. Não  nos  alonguemos  na  resenha,  o  sabor  da  leitura  sobrepõe‐se  a  qualquer 

esquema. E não se fica pelo assassínio em quarto fechado, também o roubo é referido e com  que  mestria.  Estes  casos  exemplificam  o  recurso  ao  subterfúgio  nas  possíveis narrativas  de  quarto  fechado, mas  também  a  vida  real  caprichosa  nos  dá  exemplos  a 

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referenciar…   

MISTÉRIO QUARTO FECHADO  REALIDADE FECHADA 

 19  de Novembro  de  1799,  numa manhã  como  as  outras,  Emma  Chavesse —  na 

intimidade Mannette – desceu para a cozinha, preparou o pequeno almoço e dirigiu‐se para  o  quarto  da  patroa,  Louise  Dauvinier.  Bateu  à  porta  do  quarto  e  sem  esperar resposta como de costume prepara‐se para entrar. A porta não se abriu. Insistiu virando a  maçaneta  e  encontrou  a  mesma  resistência.  Estaria  trancada?  Sentiu  a  maçaneta húmida e pegajosa. Maquinalmente  limpou a mão no avental e aproximou o candeeiro de  luz  pálida.  Viu  que  estava  suja  de  sangue,  também  no  avental,  onde  se  limpara notavam‐se vestígios de  sangue. Apavorada, deixou a bandeja e correu para a entrada gritando que haviam assassinado a patroa. 

Um  homem  sexagenário,  antigo  polícia,  agora  jardineiro,  pegou  num  pequeno machado  e  seguiu  a  criada  tentando  abrir  a  porta  sem  sucesso.  Viu  as manchas  de sangue,  acenou  com  a  cabeça  com  entendimento  e  passou  diante  de  uma  chorosa Mannette, dirigiu‐se para o  jardim  tentando abrir as  janelas hermeticamente  fechadas. Voltou  para  dentro  e  tentou  entrar  pela  porta  do  toucador  ligado  ao  quarto, mas  foi avisado  pela  criada  que  a  patroa  tinha  a  porta  sempre  bloqueada  pela mesa  de  um pesado penteador. Estranho, pensou o homem, um crime em quarto fechado. 

Era necessário  forçar a porta. Dois vizinhos que entretanto acudiram, com a ajuda de  uma  viga  que  foram  buscar  fora,  arrombaram  a  porta,  não  sem  dano.  No  escuro tactearam até abrir a janela. Deparou‐se‐lhes um quadro horrendo: a Senhora Dauvinier estava pendurada  com um  lenço em volta do pescoço, estrangulada. Cortado o  laço e deitada  sobre  a  cama,  viam‐se  longos  fios  de  sangue  por  toda  a  parte  e  duas  feridas terríveis de  faca ou punhal. Marcas de  sangue bordejavam o  leito,  como  se Dauvinier tivesse ficado sentada. Os golpes de punhal tinham sido dados com violência, excluído a possibilidade de a própria se apunhalar, dada a  localização. Demais não se encontrou a arma.  A  vítima  tinha  saúde  robusta, mostrava‐se  alegre  e  nada  propícia  ao  suicídio. Crime!  Porém  como  poderia  ter  fugido  o  criminoso  de  um  quarto  completamente fechado? 

As averiguações levadas a cabo descobriram que a vítima era uma antiga prostituta de  luxo,  pela  qual  uma  condessa  se  apaixonara.  Todavia,  a  prostituta  abandonara bruscamente, retirando‐se para alguns quilómetros de Paris, fazendo uma vida recatada. Vivia com Mannette, há muito tempo aposentada, que lhe servia de empregada e parecia ser‐lhe devotada. Esta dormia no primeiro andar de um quarto que dava para os campos, não  se apercebera da ocorrência, para mais era um pouco  surda. Os vizinhos  também 

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nada viram nem ouviram. Os  investigadores não encontraram motivos para o  crime. Havia dinheiro  sobre o 

toucador, algumas jóias e, estranhamente, um punhal de cabo artisticamente trabalhado, com um motivo audacioso que a criada afirmou nunca ter visto. Aliás verificou‐se que era a arma do crime e através dela chegou‐se ao criminoso. De dado em dado  levou a um jovem soldado da 17ª Brigada do Exército do Reno, Felicien Jeannet, por quem a vítima se apaixonara e era a  razão do seu afastamento, não só da condessa como da vida de prostituta.  Jeannet  acabou  por  confessar:  por  ciúme  apunhalara  a  amante  e  fugira. Restava  saber  como  tinham  sido  trancadas as portas e  janelas… A pobre mulher  tinha pelo amante mais amor do que  supunha. Apunhalada,  sentindo a morte aproximar‐se, não quisera mais do que  salvar aquele que a havia matado. Com auxílio de Mannette conseguiu  ir  até  à porta do quarto, despedir‐se da  criada e  trancar  a porta.  Limpou  a arma e enforcou‐se com o lenço. 

Esperava  que  diante  da  impossibilidade  do  crime,  se  concluísse  tratar‐se  de  um suicídio. Em vão, não há crimes impossíveis! 

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22 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Anthony Abbot (1893‐1952) – Nasce Charles Fulton Oursler em Baltimor, Maryland‐

EUA. É  jornalista,  repórter, editor e escritor. Usa o pseudónimo Anthony Abbot para a escrita  de  temas  policiários.  Com  o  seu  primeiro  livro About  the Murder  of Geraldine Foster  (1930)  cria  o  Inspector  Thatcher  Colt,  o mais  trabalhador  e  tenaz  caçador  de criminosos;  Thatcher  é  um  felizardo,  solteiro  que  habita  uma  casa  de  cinco  pisos  em Manhatan  West,  com  ginásio  próprio  e  uma  biblioteca  de  5000  volumes  sobre criminologia.  Os  primeiros  livros  de  Anthony  Abbot  começam  sempre  pela palavra ABOUT, no entanto nas edições seguintes o título é diferente, o que baralha os seus leitores. Publica vários romances e contos. Abbot é um clássico entre os clássicos. 

 

  Joseph  Wambaugh  (1937)  –  Joseph  Aloysius  Wambaugh,  Jr.  nasce  em  East 

Pittsburgh, Pennsylvania‐EUA. Faz parte do United States Marine Corps e da Los Angeles Police Departement o que acaba por influenciar a sua obra literária. Escreve histórias de polícia para  a  televisão. No domínio da  ficção publica o primeiro  romance policial  em 1971, The New Centurions, mais tarde adaptado ao cinema. Seguem‐se: The Blue Knight (1972),  The  Choirboys  (1975),  The  Black Marble  (1978),  The Glitter  Dome  (1981),  The Delta Star (1983), The Secrets of Harry Bright (1985), The Golden Orange (1990), Fugitive 

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Nights  (1992),  Finnegan's  Week  (1993)  e  Floaters  (1996).  Na  série  Hollywood  estão publicados: Hollywood Station (2006), Hollywood Crows (2008), Hollywood Moon (2009) e Hollywood Hills (2010). Joseph Wambaugh tem um novo livro Harbor Nocturne a editar em Abril de 2012. 

Site oficial do autor: http://www.josephwambaugh.net/  

       

BIBLIOGRAFIA DE ANTHONY ABBOT – ADENDA  1  –  About  the Murder  of  Geraldine  Foster  (1930)  também  conhecido  como  The 

Murder of Geraldine Foster (1930). 2 – About the Murder of the Clergyman's Mistress (1931) também conhecido como 

The Crime of the Century (1931) ou The Mysterious Murder of the Blonde Play‐Girl (193?) ou ainda The Murder of the Clergyman's Mistress (1950). 

3 – About the Murder of the Night Club Lady  (1931) também conhecido como The Murder of the Night Club Lady (1931) ou The Night Club Lady (1932). 

4  –  About  the Murder  of  the  Circus Queen  (1932)  também  conhecido  como  The Murder of a Circus Queen (1933). 

5  –  About  the Murder  of  A  Startled  Lady  (1935)  também  conhecido  como  The Murder of a Startled Lady (1936). 

6 – About the Murder of A Man Afraid of Women (1937) também conhecido como The Murder of a Man Afraid of Women (1937). 

7 – The Creeps (1939) também conhecido como Murder at Buzzards Bay (1940). 8 – The Shudders (1943) também conhecido como Deadly Secret (1943).  Anthony  Abbot  escreve  um  romance  publicado  como  autor  anónimo  Dark 

Masquerade (1936). E quatro contos curtos: 

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1 – About the Disappearance of Agatha King (1939) 2 – About the Perfect Crime of Mr. Digberry (1940) 3 – The Face From Beyond (1946) 4 – The Ship of Sleepless Men (1958)  Em Portugal é possível encontrar: 1 – A Misteriosa Morte da Cantora, publicado em 1946 pela Tipografia Ibérica, nº 2 

da Colecção Os Melhores Contos Policiais. 2 – O Assassínio da Rainha do Circo, publicado pela Editorial Século em 1951. 3 – A Mão que Abriu o Ferrolho, conto publicado em 1964, em 50 Gigantes do Conto 

Policial, nº 6 da Antologia Policial de Ross Pynn. 4 – Um Rosto do Além,  conto publicado em 1967, em 34 Obras Primas do Conto 

Policial, nº 8 da Antologia Policial de Ross Pynn. 

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23 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Walter M. Miller  Jr  (1923‐1996) – Walter Michael Miller  Jr nasce em New Smyrna 

Beach, Florida‐USA. É um escritor de ficção científica, publica apenas dois livros, um deles postumamente:  A  Canticle  for  Leibowitz  (1959)  e  Saint  Leibowitz  and  the Wild  Horse Woman (1997). Em contrapartida, tem uma ampla produção de contos curtos. É detentor de vários prémios e está representado nas grandes antologias de ficção científica. 

Em Portugal, em 1971, a Livros do Brasil na colecção Argonauta, edita Um Cântico para Leibowitz em 3 volumes (nº 169, 170 e 171), que inclui o primeiro livro de Miller e os contos Fiat Homo, Fiat Lux e Fiat Voluntas Tua. Este conjunto é  reeditado em 2000 pela Europa América – nº 81 da Colecção Nébula; e é também esta Editora que publica com  o  nº  82  da  referida  colecção  o  outro  livro  São  Leibowitz  e  a Mulher  do  Cavalo Selvagem. 

 

      Stanislas‐André Steeman  (1908‐1970) – Nasce em Liège, Bélgica. Precoce contador 

de histórias publica o  seu primeiro  conto aos 14 anos na  revista Sincere, um  conto de Natal intitulado Les Crottes en Chocolat. Colabora com várias revistas e torna‐se jornalista da  La  Nation  Belge  onde  trabalha  com  o  famoso  Sintair  (Hermann  Sartini).  Em  1928 publica o primeiro livro policiário Le Mystère du Zoo d’Anvers. É laureado em 1931 com o 

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Grand  Prix  du  Roman  d'Aventure  com  Six  Hommes Morts  onde  aparece  o Monsieur Wens,  ou  seja  Wenceslas  Vorobeïtchik,  antigo  polícia,  agora  investigador  por  conta própria.  Na  série  de Wens  estão:  Six  Hommes Morts  (1931),  Les  Atouts  de M. Wens (1932), M. Wens  et  l'Automate  (1934),  La Morte  Survit  au  13  (1958).  Os  livros mais relevantes são: L'Assassin Habite au 21 (1939), Légitime Defense (1949), que mais tarde é editado com o título Quai des Orfèvres e Autopsie d'un Viol (1964). Muito bom o livro de contos L'Infaillible Silas Lord (1939), em que este mostra ser um Sherlock Holmes, fora do habitual. Stanislas‐André Steeman tem várias obras adaptadas a Banda Desenhada e ao cinema. 

Em Portugal os  livros deste autor foram editados com sucesso, entre 1931 e 1951, pela Livraria Clássica Editora, na Colecção Os Melhores Romances Policiais: 

1 – Seis Homens Mortos 2 – O Mistério de Lovernal 3 – O Iô‐iô de Vidro 4 – Duas Vezes Assassinado 5 – O Inimigo Sem Rosto E de outras editoras: 6 – Três Igual a Um (1950), Édipo 7 – Crimes, Vendem‐se! (1953), Dois Continentes, nº 4 da Colecção Máscara / Crimes 

à Vendre 8 – Sua Excelência a Morte (1955), Livros do Brasil, nº 94 da Col. Vampiro / Madame 

la Mort 9 – Autópsia dum Crime (1967), Empresa Nacional de Publicidade, nº 16 da Colecção 

Policial Esfinge  

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24 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  René Guillot (1900‐1969) – Nasce em Courcoury, na região de Poitou‐Charentes em 

França. É um escritor famoso pelos livros de aventuras para jovens, muito popular entre nós nas décadas de 60 e 70. No policiário é considerado um escritor de nível secundário pela escassez de produção neste campo. O livro mais conhecido é Les Équipages de Peter Hill  (1946),  distinguido  com  Le  Prix  du  Roman  d'Aventures,  um  prémio  literário  que distingue anualmente um romance policial francês ou estrangeiro. 

Les Équipages de Peter Hill  foi editado em Portugal em 1948 pela Livraria Clássica Editora, na Colecção Os Melhores Romances Policiais com o nº 72, A Tripulação de Peter Hill. 

  

  

 

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CRIMINOLOGIA: O INDÍVIDUO, O FUGITIVO E O DESAPARECIDO  A identificação correcta de um indivíduo é de capital importância, quer por simples 

actos  civis,  quer  no  domínio  da  criminologia  –  muito  particularmente  nesta. No passado marcavam‐se os criminosos até à mutilação, de forma brutal com um ferro ardente em várias partes do corpo e em diferentes países: na Rússia, França e Alemanha (1800), na China até 1905… 

Muito antes, na época de Ptolomeos no Egipto e no Império Romano, o sistema de identificação  dos  delinquentes  usado  era  surpreendentemente  semelhante  ao  futuro retrato falado. 

Na Época Medieval e até ao meio do séc. XIX as descrições não abonavam garantia e frequentemente davam lugar a confusões. 

Cerca de 1840, o belga Quetelet  (1796‐1874) afirmou que não há no mundo dois seres  humanos  exactamente  do  mesmo  tamanho.  Baseado  nesta  tese  e  nos conhecimentos de antropologia, Alphonse Bertillon (1853‐1914) idealizou um método de identificação  a  que  chamou  antropometria,  fundando  o  Service  de  l'Identité  Judiciaire datado  de  15  de  Fevereiro  de  1889.  Acrescentou‐se  a  fotografia  em  duas  posições  e depois em três, frente e perfis. 

A introdução da fotografia e posteriormente a descoberta da dactiloscopia, foram os avanços  mais  espectaculares  nos  processos  de  identificação.  Já  se  sabia  que  os babilónicos  para  se  protegerem  das  falsificações  marcavam  uma  impressão  digital quando  escreviam documentos  importantes. O  anatomista Malpighi  (1628‐1694)  tinha descoberto  as  linhas  papilares  e  Jan  Evangelista  Purkinje  (1787‐1869)  identificou diferentes padrões, no entanto sem pensar na identificação. O assunto passou por Georg Meissner  (1829‐1905),  William  Herschel  (1833‐1917),  Henry  Faulds  (1843‐1930)  até Bertillon que, entusiasmado com o seu sistema antropológico, não aceitou de imediato a dactiloscopia,  até  que  Galton  (1822‐1911)  e  Juan  Vucetich  (1858‐1925)  apuraram  o sistema que chegou a todas as polícias. 

A dactiloscopia dá‐nos aspectos surpreendentes. O mais  importante é que não há duas  impressões  digitais  idênticas.  A  Natureza  nunca  as  reproduz  exactamente;  se encontramos  duas  que  parecem  iguais  à  vista,  o  exame  microscópio  revela  logo  a diferença; entre pais,  filhos e  irmãos, mesmo gémeos, conserva‐se a diferença. Não  se podem alterar, mesmo as  cicatrizes não  são obstáculo à  sua  leitura. Mesmo a  cirurgia plástica é  inútil, as  linhas papilares só desaparecem após a morte com a decomposição do  corpo.  São  fáceis de obter  através dos  arquivos  de  identificação. Na  recolha basta papel e tinta, ou o uso de equipamento mais sofisticado, incluindo máquinas fotográficas digitais ou utilização de raios ultravioletas para a pesquisa  in  loco. A comparação faz‐se hoje  em  tempo  verdadeiramente  curto.  Esta  tarefa  incube  aos  laboratórios  da  Polícia Científica que, com meio século de atraso em relação às polícias europeias, acabou por ser estabelecido pelo Decreto  Lei nº 41036, de 2 de Outubro de 1957. Actualmente o 

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Gabinete  de  Identificação  e  Pesquisa  da  Polícia  Judiciária  mantém  uma  actividade constante neste campo. Não  interessa apenas a  impressão digital ou a palmar, mas tão somente uma particularidade destas. A  lofoscopia  interessa‐se pelos desenhos e  relevo epidérmico  que  permitem  distinguir.  Identificações  por  vezes  morosas  mas indispensáveis.   DESAPARECIMENTO 

 A  identificação é o primeiro passo, antes da transmissão de um aviso de alarme às 

polícias externas ao local do facto. Após  a  identificação  há  que  estabelecer,  se  possível,  a  motivação  para  o 

desaparecimento. Os  casos  de  desaparecimento  voluntário  (fugitivos)  ou  involuntários são ambos para trabalho policial. 

Tratando‐se de um delinquente profissional,  cuja  fuga oculta, na maior parte dos casos, um novo delito em perspectiva ou  já produzido, o  arquivo de  factos delituosos antecedentes contém numerosas anotações sobre hábitos, lugares, etc. Deve visitar‐se a última residência e as anteriores, parentes, amigos antigos e recentes, associados. Se for um  indivíduo  de  hábitos  nocturnos,  vigiar  as  casas  e  salões  de  jogos,  discotecas, restaurantes,  hotéis  de má  reputação.  É  importante  ter  em  conta  o modus  operandi anterior. 

A  cooperação  entre  polícias  é  essencial.  Estas  devem  actuar  com  habilidade  e naturalidade. Ter em atenção aos disfarces, no  limite, a cirurgia faz maravilhas; altera o rosto,  o  ângulo  dos  olhos,  o  tipo  de  nariz,  cobre  e  abre  cicatrizes  impedindo  o reconhecimento  à  vista  desarmada.  Um  bom  polícia,  porém  deve  estudar  a personalidade de um indivíduo, único facto difícil de disfarçar. 

Ainda  no  campo  dos  fugitivos, mas  não  delinquentes,  a motivação  é  o  suporte principal. Cherchez  la femme é um axioma a ter em conta: fugir de uma mulher ou com uma mulher é frequente. Outras causas são as querelas familiares ou laborais; emigração clandestina, frustração ou cansaço social, motivos que  levam os  indivíduos a afastarem‐se sem rumo. 

No caso de ausência involuntária o desaparecimento pode ser consequência de um acidente, doença, morte acidental ou homicídio, sequestro… 

O processo de desaparecimento involuntário é quase sempre mais difícil por falta de antecedentes e particularidades individuais. Existe um sem número de elementos ligados à pesquisa, desde a utilização de fotos actuais, investigação de movimentos bancários até às buscas com a ajuda do faro de um cão especializado no ramo. 

 

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25 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Somerset Maugham (1874‐1965) – William Somerset Maugham nasce em Paris, na 

embaixada  do  Reino  Unido.  Novelista  e  dramaturgo  britânico,  protótipo  do  escritor prolífero e popular, escreve o primeiro romance em 1897, Liza of Lambeth, inspirado nas suas  experiências  como médico  nos  bairros  humildes  de  Londres.  No mesmo  género ganhou  fama  internacional  com Of Human Bondage  (1915)  e  The  Painted Veil  (1925). Escreveu  muitos  e  excelentes  contos  e  peças  de  teatro,  alguns  dos  quais  de  tema criminal. Neste campo destacam‐se: Ashenden: Or the British Agent (1928), um conjunto de histórias incluído pela Mystery Writers of America no Top 100 Mysteries of All Time e que se julga ter influenciado Ian Fleming na criação de James Bond. Somerset Maugham colabora  regularmente  com  jornais  e  revistas,  em  especial  The  Criminal  com  cerca  de duas centenas de artigos e contos curtos. 

 

 

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As obras deste autor estão amplamente divulgadas em Portugal, em livros de bolso, em edições populares e por várias editoras, no  início publicadas pela Livros do Brasil e mais  recentemente  pela  Asa  Editores.  A  título  de  exemplo,  eis  as  obras  aqui referenciadas na sua edição mais recente: 

1 – Liza, a Pecadora (Círculo de Leitores, 1991) 2 – Servidão Humana (Asa, Colecção Vintage, 2011) 3 – O Véu Pintado (Asa, Colecção Pequenos Prazeres, 2004) 4 – O Agente Britânico (Livros do Brasil, Colecção Autores de Sempre, 1986)   

FICHA CRIMINAL: AL CAPONE  No  cemitério  de  Mount  Carmel  jaz  aquele  que  foi  considerado  o  mais  famoso 

gangster de todos os tempos: Al Capone, o Scarface. Nascido em Brooklyn, descendente de pais napolitanos que haviam adquirido a nacionalidade americana em 1906, o jovem Capone cresceu no bairro povoado por emigrantes  italianos que disputavam entre si os mercados,  clubes  de  dança  e  prédios  de  apartamentos.  Aos  14  anos  bateu  num professor,  foi expulso da escola mas quase de  imediato caiu, por sorte ou por destino, sob  a  influência  do  gangster  napolitano  John  Torrio.  Este  pertencia  à  quadrilha  Five Pointers e Alphonse Capone era o moço de recados. Aos 18 anos passou a trabalhar para Frankie  Yale,  com  uso  dos  punhos  e  das  armas  para  limpar  o  clube  do  patrão  de indesejáveis. Um companheiro que usava uma faca deixou‐o marcado para sempre numa face,  daí  a  alcunha  de  Scarface,  no  entanto  o  desfiguramento  não  o  afectou.  Cedo encontrou uma rapariga irlandesa, Mae Josephine Coughlin, com quem casou. Torrio foi o padrinho. Quando Torrio decide mudar‐se para Chicago, onde James Colosimo, Big Jim, possuía um clube onde se misturam homens de negócios, políticos, prostitutas e estrelas de cinema. Capone juntou‐se‐lhe em 1919 e exerceu a profissão de segurança, motorista e guarda‐costas. Em 17 de Janeiro de 1920 saiu a lei que proibia a produção e distribuição de álcool, o que conduziu a uma orgia de actividades  ilegais e  lutas ente os gangs pelo fornecimento, por vezes com a cumplicidade de polícias. Colosimo  foi alvejado, dizia‐se pelo sobrinho Torrio e de  facto este acaba por expandir o seu negócio. Em 1923 Torrio fez umas  longas férias pela Europa, Capone aproveitou para zelar pelos seus  interesses. Em 1924 o irmão de Capone, Frank, teve uma morte violenta. Capone matou Joe Howard, mas a polícia não conseguiu provar nada e Capone toma o lugar de Torrio, envolve‐se em outros  assassínios,  sempre  sem provas  acusativas  válidas. O  ataque  em 1926  com um grupo de pistoleiros junto a um bar de Capone é um banho de sangue, do qual é vítima o procurador William McSwiggin, foi atribuído a Al Capone, mas mais uma vez este não foi incriminado.  A  polícia  por  vingança  destrói‐lhe  vários  estabelecimentos,  mas  são reconstruídos por Capone. 

Durante  alguns  anos  o  tráfico  de  bebidas  alcoólicas mantém‐se  o  negócio mais 

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produtivo,  sempre  semeado de mortes à mistura. Depois Capone entra no negócio da extorsão, controlando trinta por cento do mercado. O massacre do Dia de S. Valentim é uma carnificina horrenda mas, de novo, Al Capone não é pronunciado por se encontrar em Miami. Em 1931 é acusado de dois crimes de evasão  fiscal por  ter violado a Lei da Proibição. Declara‐se culpado para reduzir a pena, mas ao ouvir o  juiz declarar que não havia negociações retira a culpa. Em 24 de Outubro desse ano é condenado a 11 anos de prisão, onde consegue manter alguns privilégios até que alguém denuncia essa situação e é transferido para Alcatraz onde cumpre o resto da pena. Sai em Novembro de 1939. 

Em 19 de Janeiro de 1947 sofre uma hemorragia cerebral e morre em 25 de Janeiro. Do seu tempo ficam as inúmeras mortes, os escritos e os filmes a que deu origem. 

 

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26 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Brian  Garfield  (1939)  –  Brian  Francis Wynne  Garfield  nasce  em  Nova  Iorque.  É 

escritor/argumentista de mistérios convencionais e espionagem, com mais de 20 milhões de  cópias  vendidas  em  todo  o  mundo.  Tem  a  particularidade  de  utilizar  diversos pseudónimos  Alex Hawk,  Bennett Garland,  Brian Wynne,  Brian Wynne Garfield, Drew Mallory,  Frank  O'Brian,  Frank  Wynne,  John  Ives  e  Jonas  Ward.  Começa  a  escrever policiários em 1962 com The Rimfire Murders como Frank O'Brian. Em 1966 publica The Last Bridge, a que se segue The Villiers Touch (1970) e posteriormente cerca de quarenta romances  e  contos.  Em  1976  recebe  o  Edgar  Award  for  Best Mystery  pelo  romance Hopscotch  (1975). Brian Garfield cria dois personagens: Paul Benjamin, um vigilante do Arizona protagonista em Death Wish (1972) e Death Sentence (1975) e Sam Watchman, polícia Navajo protagonista em Relentless (1972) e The Threepersons Hunt (1974). 

 

      John Wyllie (1914) – Piloto da RAF e prisioneiro dos japoneses trabalha para a Cruz 

Vermelha em África.  Vive  em  Portugal  e  na  Holanda.  Escreve  os  romances  policiários:  Skull  Still  Boné 

(1975), The Butterfly Flood  (1975), To Catch a Viper  (1977), Death  is a Drum… Beating 

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Forever (1977), Pocket Full of Dead (1978), The Killer Breath: A Doctor Quarshie Mystery (1979), Tiger in Red Weather (1980) e Long Dark Night of Baron Samedi (1981).   ESPIONAGEM  ESPIÕES NA GUERRA DA SUCESSÃO 

 O primeiro conflito bélico moderno, ou assim considerado, é a guerra da Sucessão 

Norte‐Americana  (1861‐1865).  Nesta  época  a  espionagem  ainda  seguia  a  tradição romântica, mais  espectacular  do  que  eficiente.  Não  havia  um  serviço  de  informação militar  ou  os  que  existiam  eram  péssimos.  Assim  concluiu  o  exército  do  Norte  que mostrou a necessidade urgente de um serviço de informação que facilitasse dados sobre as  forças  confederadas.  Houve  que  improvisar.  O  Presidente  Lincoln  encarregou  a organização  de  detectives  de  Allan  Pinkerton  do  assunto.  Logo,  os  primeiros  Serviços Secretos  americanos  foram  de  índole  privada.  Pinkerton  somou  alguns  sucessos  na contra‐espionagem,  todavia  foi  um  desastre  no  território  confederado,  o  que  viria  a contribuir para a sua dispensa. O maior erro foi a captura da espia sulista Rose Greehow. Esta  agente  facilitara  informações  ao  general  sulista  Beauregard,  o  que  lhe  permitiu ganhar a batalha de Manassas. Apesar de presa, Rose continua com a sua actividade de espionagem e quando foi posta em liberdade morre afogada ao atravessar um rio. 

Outra  famosa  espia  sulista  foi  Belle  Boyd,  cuja  destreza  profissional  lhe  valeu  a alcunha  de Cleópatra  do  Sul.  Conseguiu  salvar‐se  ao  longo  do  conflito  e  acaba  por dedicar‐se ao teatro e escrever as suas memórias. 

Do  lado Norte, Elizabeth Van  Lew,  com  residência em Richmond,  foi a espia mais famosa.  Informadora do General Grant,  chegou  a  colocar uma  colaboradora  fiel  como criada  em  casa  do  Presidente  da  Confederação  Jefferson  Davis,  sem  nunca  ser descoberta. 

Lafayette Baker, um antigo espião,  foi encarregado da National Detective Police, o primeiro serviço oficial de segurança dos EUA. Lafayette era responsável pela segurança do Presidente Lincoln e designou para guarda‐costas um só agente. Quando Lincoln  foi assassinado  esse  agente  estava  distraidamente  a  tomar  uns  copos  fora  do  teatro.  O assassino John Wilkes Booth fugiu, mas foi apanhado e morto antes que pudesse falar. O presidente  assassinado  foi  substituído  pelo  vice‐presidente  Johnson,  facto  que  foi repetido um  século mais  tarde em Dallas,  como que  seguindo um  imaginário guião de destino. 

A  conjuração  contra  Lincoln  dá  início  a  uma  turva  situação  política  dos  serviços secretos, não chegando a perceber‐se se correspondem aos  interesses do governo ou à regra do seu próprio jogo. 

 

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27 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Lewis Carroll (1832‐1898) – Charles Lutwidge Dodgson nasce em Daresbury, Halton, 

Cheshire, Inglaterra. Lewis Carroll é pseudónimo  literário deste matemático, fotógrafo e escritor.  É  educado  na  Universidade  de  Oxford,  onde  mais  tarde  é  professor  de matemática; é ordenado diácono pela  Igreja Anglicana  em 1832. De  carácter  tímido  e bondoso vê o seu grande valor matemático ultrapassado pelo mérito da palavra escrita. Como escritor é um marco da literatura de fantasia e uma referência entre os grandes da Literatura Universal. Alice no País das Maravilhas (1865) e Alice do Outro Lado do Espelho (1871)  são  obras‐mestras  entre  os  clássicos.  Todavia,  se  o matemático  é  ultrapassado pelo escritor, é  justo não esquecer os  Jogos de Lógica  (1886) e Lógica Simbólica  (1896) como adestrações  intelectuais. Lewis Carroll  tem uma paixão por enigmas, e por  isso a sua  obra  literária  contém  jogos  de  palavras  ou  enigmas  e  é  frequente  a  inclusão  de acrósticos  na  sua  poesia. Outra  área  em  que  é  perito  liga‐se  ao  desenvolvimento  de códigos e cifras. Entre 1858 e 1875 cria cinco cifras que utiliza na sua correspondência pessoal; todas são baseadas no sistema de substituição, onde cada letra é substituída por outra  e  a  palavra‐chave  é  a  base  da  cifra. O  interesse  de  Lewis  Carroll  pelos  desafios lógicos está bem manifestado em A Tangled Tale (1885), um conjunto de contos curtos e enigmas, publicados pela primeira vez em revistas e posteriormente reunidos em livro. 

 

 

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LITERATURA: O QUE É LITERATURA DE FANTASIA?  Tal  como  entendemos,  não  é  possível  conceber  um  conceito  de  literatura  de 

fantasia,  já que em boa verdade  toda a  literatura é  invariavelmente  fantasia, em  razão dos elementos  imaginários que  comunica.  Só na  representação ou  intenção  se poderá distinguir a realidade empírica que se mostra aos seus sentidos, ainda que copie o que existe,  ao  contrário  da  fantasia.  Esta,  proveniente  do  latim  phantasia  significa  irreal, quimérico,  imaginário.  Fantasia  aplica‐se  de  forma  indiscriminada  a  qualquer  tipo  de literatura que não dê prioridade à representação realista, designadamente os contos de fadas, folclore dos mitos, lendas, alegorias utópicas, abrange a ficção científica e o terror. Fantasia representa a violação daquilo que se aceita como possível, implica o exagero ou distorção da natureza, sempre em ruptura da ordem da realidade. 

  CONTO  

 O  presente  conto,  com  mais  de  duas  décadas,  da  autoria  de  Luis  Britto  Goraz 

(Brasil?) contém uma tripla vertente: É um conto de ficção científica; É uma alegoria; É  uma  lição  de  sabedoria  destinada  àqueles  que  na  vida  procuram  dispensar  o 

trabalho.  

UM MUNDO MELHOR  E conseguiu‐se a sociedade perfeita, atenuou‐se a  loucura da espécie humana e os 

homens ficaram dispostos a dedicar os seus esforços à consecução de um objectivo. Então reconheceram que não havia objectivo algum ao qual se pudessem dedicar… Entretanto, foi idealizado como objectivo a falta de todo o objectivo. Em primeiro lugar, a humanidade quis libertar‐se do trabalho, e assim se iniciou uma 

louca correria ao trabalho conjunto destinada ao objectivo – não trabalhar. Finalmente,  todo o  trabalho humano  foi  feito por máquinas, e as máquinas  foram 

construídos por outras máquinas, que por sua vez eram dirigidas por máquinas, assim se libertou a humanidade do trabalho. 

Porque  todas  as  faculdades  mecânicas  do  homem,  a  sua  musculatura,  os  seus membros  e  as possibilidades de mover‐se  e de mover objectos, deixaram de  se úteis, atrofiaram‐se – acabaram por desaparecer. 

Em segundo lugar, havia que libertar‐se a humanidade da escravatura do alimento. Todas as potencialidades químicas se implementaram na síntese das proteínas e dos 

hidratos de carbono a partir de matéria inanimada e do calor, e, finalmente, mediante a 

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energia  atómica,  força  e  matéria,  foram  transmutadas  nos  laboratórios  até  que formaram  a  mais  apurada  –  quinta‐essência  –  alimentícia,  susceptível  de  passar directamente ao canal sanguíneo sem prévia digestão. 

Como a boca, o estômago, o intestino, o fígado e, em geral, as vísceras deixaram de ter  a  pesada  tarefa  de  extrair  energia  dos  alimentos,  atrofiaram‐se  e  acabaram  por desaparecer. 

Em  terceiro  lugar,  quis  libertar‐se  a  humanidade  da  morte.  E  os  laboratórios eliminaram  as  toxinas  que  produziam  a  degeneração,  antes  conhecida  por  velhice, corrigiram  os  genes  do  suicídio  a  partir  da matéria  orgânica  resultante  da  síntese  do protoplasma, e desta a síntese da imortalidade. 

Com  a  desnecessidade  de  reprodução  os  órgãos  de  geração  atrofiaram‐se  e acabaram por desaparecer. 

Nesta alvorada do espírito o  intelecto,  já dono e senhor do Universo, estava capaz de lançar‐se à mais audaz das aventuras. 

Libertado  do  trabalho,  da  fome,  do  sexo,  libertado  da morte,  o  cérebro  humano dispunha‐se a criar o seu mais potente fruto: aquele que não nascia das vísceras nem do apetite da carne. 

Um acontecimento enorme, porém estava por surgir: com efeito, o cérebro humano também  deixou  de  ser  necessário,  também  se  atrofiou  e  também  havia  acabado  por desaparecer. 

 

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28 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  S.  H.  Courtier  (1904‐1974)  –  Sidney  Hobson  Courtier  nasce  em  Kangaroo  Flat, 

Victoria‐Austrália.  Começa  a  escrever  policiários  em  1950  com  The  Glass  Spear, protagonizado  pelo  Inspector  Ambrose Mahon,  uma  série  que  tem  um  total  de  sete livros. Em 1957 apresenta o  Inspector Digger Haig em Now Seek My Bones, uma  série também com um  total de sete  títulos publicados. Escreve ainda os seguintes  romances policiários: 

Softly Dust  the Corpse  (1960), Who Dies  for Me?  (1962), Murder's Burning  (1967), Ligny's  Lake  (1971),  Some  Village  Borgia  (1971), Dead  If  I  Remember  (1972),  Into  the Silence  (1973),  Listen  to  the Mocking  Bird  (1974), Window  in  Chungking  (1975),  The Smiling Trip (1975). 

 

      Tim Heald (1944) – Timothy Villiers Heald nasce em Dorchester, Dorset, Inglaterra. É 

escritor,  biógrafo  e  jornalista,  também  utiliza  o  pseudónimo  David  Lancaster.  Inicia  a actividade de escritor em 1973 com um romance finalista do New Blood Dagger Award. Este  livro é o primeiro de uma série protagonizada por Simon Bognor, um  investigador especial  que  é  um  anti‐herói.  A  série  Simon  Bognor  tem  12  títulos  publicados: Unbecoming  Habits  (1973),  Blue  Blood Will  Out  (1974),  Deadline  (1975),  Let  Sleeping 

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Dogs  Die  (1976),  Just  Desserts  (1977),  Murder  at  Moose  Jaw  (1981),  Masterstroke também editado com o título Small Masterpiece (1982), Red Herrings (1986), Brought to Book (1988), Business Unusual (1989), Death  in the Opening Chapter (2011) e Poison at the Pueblo  (2011). Tim Heald cria ainda uma outra série com o Doctor Tudor Cornwall, um  professor  universitário  de  Estudos  Criminais,  na  Universidade  de  Wessex.  Estão editados numa trilogia: Death and the Visiting Fellow (2004), Death and the D'urbervilles (2005) e A Death on the Ocean Wave (2007). 

 

         

 LITERATURA: DO CONTO DE FADAS AO POLICIÁRIO 

 Durante séculos a narrativa de aventuras conservou um estilo de uma  lenda ou de 

um conto de fadas, o maravilhoso e o fantástico. A imaginação dos nossos antepassados não  estava  controlada  por  uma  razão  obcecada  pela  ideia  probatória  e  confundia  o impossível  com  o  proibido.  Pouco  a  pouco  a  experiência  fez  retroceder  o  âmbito  da efabulação.  Os  deuses  desertaram  da  Terra.  Ficou menos  terreno  para  conquistar.  O paladino, a donzela e o malvado,  figuras eternas do  relato de aventuras, acercaram‐se dos  mortais.  Havia  chegado  o  momento  de  pôr  em  questão  as  raízes  da  fábula,  o estranho  e  a  suspeita.  A  imaginação  teve  de  alterar  as  suas  próprias  criações.  Assim acaba  o maravilhoso  fantástico,  por  triunfo  da  razão,  outro  aspecto  do maravilhoso moderno, mais consciente, mais refinado: o maravilhoso  lógico. A  inteligência começa a ser  usada  de  forma  arrojada,  a  narrativa  de  aventuras  transforma‐se  em  narrativa policiária. Com efeito é a lógica a encarregar‐se de criar o maravilhoso moderno, porque é ela que resolve os problemas. Se a imaginação não se apoia no raciocínio, não disporá de um grão íntimo da faculdade de surpreender. A surpresa é um dado certo dos enigmas subtis. A  lógica é uma espécie de  talismã: prevê ameaças, descobre complôs e detesta intenções  escondidas. Observa  os  personagens,  e  o  conflito  que  opõe  o  bem  ao mal, suscita angústia que ela mesmo colmatará mais tarde. Este dogma é o suporte necessário da narrativa policiária, há que destacá‐lo. Entre o polícia e o leitor, entre o detective e as potências do mal, o raciocínio  integrou‐se na ficção na mesma medida em que se cria e dissimula o mistério. O âmbito insólito da narrativa policiária dá mais magia, impõe‐se; só há um meio de escapar ao  feitiço,  convertermo‐nos em artesão maravilhado da nossa 

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própria ansiedade. A  presença  perversa  de  um  hábil  assassino  consegue  o  que  não  é  provável  na 

proliferante e obscura mitologia dos deuses. O momento em que a bala assassina ou uma faca  vibra,  fixa‐se  como  uma  realidade.  Assim  consegue  uma  ansiedade  instintiva, sabendo que é um medo construído mas surpreendente, também um desafio à reflexão, à  vontade  de  compreender…  faz  poesia  pura,  a  descoberta,  o  aspecto  inocente  e  o quotidiano das coisas. 

Diga‐se: a  imaginação não renunciou à sua  função  fabuladora,  instruída pela razão viaja até os limites do plausível e do verosímil. 

Entretanto, as leis da narrativa policiária pressupõem: 1º Deve haver, entre o mal e o raciocínio, um equilíbrio de tal forma doseado que a 

um máximo de perturbação corresponde sempre um máximo de perturbação lógica; 2º É preciso que os enigmas propostos ao detective sejam ao mesmo tempo difíceis 

provas da sua capacidade; 3º O estilo deverá valorizar situações dramáticas, delicadamente organizado graças 

à sua progressão lógica. Assim foi concebido pelo inovador Edgar Allan Poe.  (texto concebido a partir de uma tradução livre de um escrito de Thomas Narcejac. 

Representa uma introdução à Cronologia da Narrativa Policiária,  pelo que continuará num próximo dia…) 

 

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29 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Harold  Q. Masur  (1909‐2005)  –  Nasce  em  Nova  Iorque.  Advogado  de  formação, 

serve na US Air Force, que abandona nos anos 40; começa a escrever muito cedo para os pupls policiários.  Publica  o  primeiro  romance  em  1947:  Bury Me Deep;  escreve  um total de 15  livros policiários e numerosos contos, recolhidos em várias colecções. O seu personagem  principal  é  o  advogado  nova‐iorquino  Scott  Jordan,  que  chegará  a magistrado  público  em  1984  com  o  romance  The Morning  After.  Harold  Q. Masur  é Presidente de The Mystery Writers of America em 1973/74. 

  

  

Bibliografia – Série Scott Jordan: 1 – Bury Me Deep (1947)   2 – Suddenly a Corpse (1949) 3 – You Can’t Live Forever (1951) 

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4 – So Rich, So Lovely, and So Dead (1952) 5 – The Big Money (1954) 6 – Tall, Dark and Deadly (1956) 7  –  The  Last  Gamble  também  publicado  como  The  Last  Breath  e  Murder  on 

Broadway (1958) 8 – Send Another Hearse (1960) 9 – The Name Is Jordan (1962), short stories 10 – Make a Killing (1964) 11 – The Legacy Lenders (1967) 12 – The Mourning After (1981)  Outros livros: 13 – The Last Breath (1958) 14 – The Attorney (1973) 15 – The Broker (1981)  Em  Portugal,  o  conto Papazinho fez  parte  da  antologia 43  Autores  Violentos  do 

Conto  Policial,  o  nº  7  da  Colecção  Antologia  Policial,  publicada  pela  Ibis  em  1965  (2ª Edição). 

Também  foram  editados  vários  livros, por diferentes  editoras, por  vezes  com um título diferente para a mesma obra original. 

 

  

A Mulher dos Olhos Cinzentos (1958), Minerva, Colecção Xis nº 74 (Bury Me Deep) Ninguém é Eterno (1959), Minerva, Colecção Xis nº 87 (You Can’t Live Forever) Alta, Morena e Fatal (1959), Minerva, Colecção Xis nº 92 (Tall, Dark and Deadly) Tão Rica, Tão Bela e…. Morta (1960), Minerva, Colecção Xis nº 98 (So Rich, So Lovely, 

and So Dead) A Última Cartada (1961), Minerva, Colecção Xis nº 112 (The Last Gamble) Uma  Visita Macabra  (1962),  Século,  Colecção:  As  Grandes  Obras  de Mistério  e 

Acção (Suddenly a Corpse) Dinheiro Fatal (1964), Minerva, Colecção Xis nº 143 (The Big Money) Sepultem‐me Bem Fundo (1964), Ibis, Colecção Rififi nº 7 (Bury Me Deep) 

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Cadáver Inesperado (1965), Ibis, Colecção Rififi nº 20 (Suddenly a Corpse) Choque de Ambições (1967), Minerva, Colecção Xis nº168 Mercadores de Heranças (1970), Minerva, Colecção Xis nº192 (The Legacy Lenders?)   

LITERATURA: NARRATIVA DE TERROR – BREVE REFLEXÃO  No princípio era o verbo… frase notável. Nos  remotos  tempos  só  a  palavra  existia:  para  transmitir  sensações.  As  histórias 

eram cantadas, narradas, representadas pela dança, pela pintura nas paredes das grutas, nos riscos da areia húmida… Eram transcrições utilizadas para exorcizar, basicamente o medo.  Os  traços  das  estrelas  no  céu,  o medo  da  escuridão,  da  seca,  da  doença,  do desastre, da fome, da morte… apontavam e evocavam demónios reais e imaginários. Os demónios inspiram o horror, sentimentos de medo interior entram no espírito e gelam o sangue… 

Transporta‐se  de  século  para  século  de  forma  verbal,  até  que  chega  a  palavra escrita, passados milénios: na pedra rija, no tijolo preparado, no papiro, no papel. É uma nova dimensão para a narrativa. Uma existência  independente do narrador, sobrevive e espalha‐se pelo mundo. 

Mudam‐se os métodos narrativos, mas as histórias de terror são imutáveis; o medo é do incognoscível é o artista que domina o palco, o público e a mente. 

Em  tempos  idos,  com  as  tétricas  lendas medievais  eram  o  lúgubre  ambiente  das noites  tenebrosas  dos  castelos  fantasmagóricos,  o  cheiro  do  enxofre  do  senhor  dos infernos, os mortos‐vivos vampiros atravessando a terra das tumbas sedentos de sangue, monstros atemorizadores sem conta, peso e medida. Hoje o narrador moderno modera a descrição  e  apresenta‐o  em  múltiplas  formas,  como  uma  ciência  material,  onde  se distinguem três correntes essenciais: 

A alegoria moral, a metáfora psicológica e o fantástico. No  primeiro  grupo  destaca‐se  o  sobrenatural,  ou  melhor  o  encaixe  do  mal 

sobrenatural no quotidiano geral, o segundo recai sobre a psicologia humana em forma de  metáforas  ou  efeitos  científicos  e  a  terceira  corrente  citada  explora  o  anormal. Nenhuma delas enjeita a aproximação às correntes congéneres,  já que não se pode pôr limites ao fantástico, que a par do maravilhoso, continua nos modelos modernos. 

O medo a que chamamos terror, estranho e inconcebível tem a sua própria estética e só aguarda uma tensão ideal para se manifestar, 

Lembramos  os  góticos  Lewis,  Radcliffe,  Walpole,  os  românticos  Byron,  Keats, Shelley, os  imaginosos Poe,  Le Fanu, Dickens e progressivamente, Doyle,  Jacobs, M. R. James, Wills, Lovecraft… até aos modernos Clive Barker, Koontz e Stephen King. 

  

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CONTO   O autor do presente conto, Marcel Bealu, é um cultor da área fantástico – terror.  

VÍCIO SOLITÁRIO  No hotel onde me hospedara, o meu maior prazer consistia em espiar o que sucedia 

nos  quartos  da  frente.  Oculto  pela  sombra,  todas  as  noites  experimentava  inúmeras satisfações com tais vigílias: um rosto em oferenda, que duas persianas recobriam como pedra de um  túmulo, um braço nu mergulhando pelas águas negras de um  cortinado, uma cabeleira arrancada aos remoinhos da noite. Não me entregaria a um divertimento tão  só  visual  se,  em  determinada  noite,  os  reflexos  fugidios  do mistério  de  que me rodeava, não acabasse por despertar em mim a mais enlouquecida das paixões. Solitária como eu, vivia ali uma mulher. Por vezes cantava, e eu, do meu observatório, escutava, febril, os sons que me chegavam. Outras, vi‐a sentada no toucador… acontecia trincar os lábios para não gritar o meu deseje de vê‐la mais perto. Sucedeu, porém, que certa noite, esquecendo a minha cela de sombra, aproximei‐me;  interpretei como um apelo alguns gestos  desacostumados. Ainda  que  tivesse  fixado  a  localização  exacta  do  quarto,  com alguma hesitação bati à porta daquele onde tantas vezes sonhara entrar. Não houve eco de  resposta. Movido  pela  audácia  do  desejo,  receando  atrair  a  atenção  dos  vizinhos, deixei cair a mão e empurrei a porta. Estava nua e parecia adormecida. A aberração do meu espírito  fez‐me acreditar num estratagema  ingénuo do amor, ao qual  liguei desde logo o meu consentimento. Foi preciso que  tivesse perdido o domínio de mim mesmo para não reflectir na estranheza de um tal excesso. A face voltada,  inundada de sombra parecia animar‐se nas convulsões do prazer. Olhei com maior atenção e apercebi‐me de que só eu imprimira movimento ao rosto inerte, como de resto a todo o corpo e sacabara de fazer amor com uma morta. Repentinamente morta também a minha paixão. Fiquei apavorado.  Em  que  terrível  aventura  me  afundara.  Tinha  de  fugir  depressa. Mas  já soavam passos pelo corredor, a porta abria‐se e eu gritava no auge da minha angústia: Não fui eu, não fui eu! Não fui eu! 

 

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30 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  Jorge Reis (1926‐2005) – Pseudónimo de Atilano dos Reis Ambrósio. Nasce em Vila 

Franca  de  Xira.  Vive  em  França  durante  muitos  anos,  onde  estuda.  Exerce  várias profissões,  desde  tipógrafo,  empregado  fabril,  jornalista  e  bibliotecário.  É  igualmente redactor  de  uma  revista  francesa.  Inicia  a  actividade  literária  na Gazeta  de  Coimbra e revista Vértice. A  sua estreia no policiário, Matai‐vos Uns aos Outros,  com prefácio de Aquilino Ribeiro recebe o prémio Camilo Castelo Branco 1967. 

Este  livro  é  publicado  pela  primeira  vez  em  1961,  pela  Prelo,  nº  3  da  Colecção Autores  Portugueses;  tem  várias  edições. O  Círculo  de  Leitores  e  a  Editorial  Caminho também publicam este livro. A edição mais recente é de 1988 da Vega Editora. 

 

  Clara  Pinto  Correia  (1960)  – Nasce  em  Lisboa.  Bióloga,  historiadora  das  ciências, 

professora e investigadora tem larga experiência de escrita na área da sua especialidade. Escreve em 1985 um livro policiário Adeus Princesa, cuja acção se passa no Alentejo com a morte de um mecânico alemão na Base Aérea da Nato, em Beja. Criando ficção dentro da  realidade, o  romance deve  ser  considerado  como um marco na moderna  literatura policiária portuguesa. 

Adeus Princesa é editado pela Relógio D'Água na colecção Crime Imperfeito. 

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  Margaret York (1924) – Margaret Beda Nicholson nasce Compton, Surrey, Inglaterra. 

Durante a 2ª Guerra serve na Woman's Royal Naval Service. Assistente na biblioteca de duas universidades de Oxford, é a primeira mulher a trabalhar na Christ Church Library. Em 1979 e 1980 é a presidente da Crime Writers' Association. Publica em 1957 Summer Flightum romance de mistério e até 2000 escreve mais de 40  livros; como contista tem uma boa série de narrativas, reunidas em colecções. 

Em 1970, cria o personagem Patrick Grant, herói de uma série de romances: 1 – Dead in the Morning (1970) 2 – Silent Witness (1972) 3 – Grave Matters (1973) 4 – Mortal Remains (1974) 5 – Cast for Death (1976) No Medals for the Major (1974) é considerado o seu melhor romance e foi editado 

em Portugal em 1991 pela Ulisseia, nº 20 da Colecção S.A., com o título A Provação do Major  Johnson.  Estão  também  publicados  cerca  de  duas  dezenas  de  outros  livros  da autora  por  diferentes  editoras  com  destaque  para  as Publicações  Europa‐America na Colecção Livros de Bolso, série Clube do Crime e na Colecção Obras de Margaret Yorke. 

 

              

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 ESPIONAGEM: ESPIA POR AMOR À PÁTRIA 

 Quando  se  alude  a  espias  famosas,  desde  logo,  entre  centenas,  um  nome  surge: 

Mata Hari. Todavia, não será assim. Mata Hari conquistou realmente a celebridade nos anais  da  espionagem  e  literatura  biográfica,  crítica  e  de  ficção,  contudo  o  seu desempenho  como  espia  é medíocre,  quando  comparado  com  a  acção  de Louise  de Bettignies  (Adolfo  Coelho  in  Espionagem  –  Segredos  da  Grande  Guerra).  Enquanto  o interesse ou a escravidão de um passado pouco limpo são determinantes que impelem a maioria  das  espias  na  1ª  Grande  Guerra Mundial  (1914‐1918),  Louise moveu‐se  pelo amor à pátria, dedicação irreprimível da aristocrata que se não fosse a guerra, teria sido freira. 

Louise Marie Jeanne Henriette de Bettignies nasceu a 15 de Julho de 1880, pertencia a uma velha  família de Hainaut e podia orgulhar‐se de uma sólida ascendência  fidalga. Diplomada pela Universidade de Oxford, falando com perfeição inglês, italiano e alemão, além da sua própria língua, o francês. 

Estava em Lille, em casa da mãe, quando em Outubro de 1914 o exército alemão se apoderou da cidade. No desejo  imperioso de aspirar o ar da França  livre, parte para a Holanda  e daí para  Inglaterra. Num  apertado  interrogatório dirigido pelas  autoridades inglesas,  que  procuram  informações  acerca  do  inimigo,  mostra‐se  de  tal  modo observadora, que  lhe propõem a entrada para o serviço de espionagem britânico. Pede para  reflectir  e  aceita  a  missão  desde  que  trabalhe  junto  do  serviço  francês  de espionagem. Volta a França e, após consultar o seu director espiritual, decide aceitar a missão.  Antes,  patrioticamente,  oferece‐se  para  os  serviços  secretos  franceses, mas  é olhada com desconfiança pelos compatriotas, pelo que cumpre os serviços à ordem dos britânicos. A aristocrata, educada Bettignies, passa a ser a anónima cidadã Alice Dubois. 

Vezes sem conta atravessa a fronteira da Holanda, frequentemente vigiada dirige‐se a Lille munida de elementos para organizar os serviços de  informação na região, o que consegue.  Com  energia  incomum  percorre  a  região,  conquista  dedicações  e  colhe resultados eficientes. Disfarçada de  camponesa atravessa  fronteiras para  levar valiosas notícias e documentação precisa, transpõe barreiras de arame farpado, iludindo a luz dos 

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fortes  projectores,  detectando  na  escuridão  os  fios  dissimulados  de  alta  tensão. Memorizando um mapa numerado consegue através de um pequeno hieróglifo  riscado numa  carruagem do  caminho‐de‐ferro belga,  indicar  a  localização de baterias  inimigas que no dia seguinte serão atacadas e irão pelos ares. 

Junto de Alice, uma outra mulher, Marie‐Léonie Vanhoutte (ou Charlotte Lameron) desnorteia os serviços secretos alemães. Mas a roda da fortuna desanda. Marie é presa em Bruxelas e Alice arrisca tentar salvá‐la. Astuciosamente com um único salvo‐conduto, que depois de  lhe servir para atravessar um posto de guerra é enviado à companheira, por um  garoto, para que esta passe  também. Riem‐se da partida,  intempestivamente, pois  estão  a  ser  observadas  por  dois  agentes  que  lhes  pedem  a  identificação.  Agora juntas eram impossível repetir o truque, foram presas. 

Condenadas  à morte  em  1916,  Louise  escreve  ao  general  Von  Bissing  pedindo  o perdão para Marie, assumindo toda a culpa. O general não acede mas comuta‐lhe a pena em prisão. Pior do que a morte, Louise teme a clausura, contrai febre tifóide e morre em 27 de Setembro de 1918. 

É posteriormente agraciada pelos serviços franceses e ingleses com várias distinções honoríficas.  Marie  sobrevive  e  é  libertada  com  o  Armistício  e  também  ela  é  feita Cavaleiro da Legião de Honra. 

 

  

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31 DE JANEIRO   

EFEMÉRIDES  C.W.  Grafton  (1909‐1982)  –  Data  do  falecimento  de  Cornelius  Warren  ("Chip") 

Grafton.  Nasce  na  China,  filho  de  pais missionários  americanos.  Estuda  jornalismo  e estudos jurídicos. Em 1943 publica o primeiro livro The Rat Began to Gnaw the Rope, com o qual obtém o Mary Roberts Rinehart Award, para o melhor romance do ano. Em 1944 publica The Rope Began to Hang the Butcher e em 1950 Beyond A Reasonable Doubt. Os dois primeiros livros têm como narrador/protagonista o detective/jurista Gilmore Henry. Grafton deixou um manuscrito para um terceiro romance da série Gil Henry, The Butcher Began  to  Kill  the  Ox,  que  nunca  chegou  a  ser  editado.  Os  títulos  desta  série correspondem a uma lengalenga infantil. 

 

      

 A NARRATIVA DE ESPIONAGEM 

 Lado  a  lado  ou  constituindo  apenas  um  dos  ramos  da  grande  árvore  do  género 

policiário  (tanto se confundem), a narrativa de espionagem  tem um decurso paralelo e inter‐relacionado  com o uso do espião. Curiosamente, ou não,  talvez na  fatalidade do livro  mais  distinguido  no  mundo,  onde  nada  parece  faltar,  é  na  Bíblia  que  vamos 

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encontrar  a primeira  referência  à  espionagem. Moisés,  conduzindo os hebreus  após o êxodo do Egipto, não encontra mais do que inóspitos desertos para acolher o seu povo. Envia espiões às Terras de Canaã em reconhecimento local. Os fins justificam os meios… aliás, não será a espionagem um acto tão antigo como a existência humana? Eva espiava Adão para encontrar o ponto vulnerável, o homem primitivo espiava para atacar o  lado mais débil da caça ou de outros homens. 

Cipião  (236‐183  a.C.)  mandou  espiar  Aníbal  para  forjar  a  estratégia  de  vitória. Ramsés II (séc. XIII a.C.) usou da inteligência e arte da espionagem para vencer os hititas. Alexandre Magno, Ciro, Júlio César Augusto seguiram o exemplo. Mitrídates, Teodorico, os  cruzados da  Idade Média,  reis e vassalos dos estados modernos e  contemporâneos mantiveram e mantêm hordas de espiões, a pouco e pouco preparados, criaram serviços organizados  de  espionagem  e  contra‐espionagem.  Hoje,  utilizando  a  experiência adquirida  e  os  meios  adequados.  Grandes  e  prósperas  organizações:  CIA,  Deuxième Bureau,  KGB  ou NKWD,  Intelligence  Service, OSS,  Sûreté,  FBI, NSA, M‐16,  etc.,  etc.  A verdadeira expressão para definir a espionagem actual, é que se trata de um verdadeiro iceberg,  uma  enorme  montanha  de  gelo  cuja  parte  visível  sobre  a  água  parece inocentemente  inútil, mas a grande massa dura e perigosa permanece  invisível. É deste fenómeno que a narrativa de espionagem se alimenta. 

O primeiro romance deste ramo cabe a James Fenimore Cooper, nascido em 1789 (EUA),  que  publica  em  1821 O  Espião,  uma  abordagem  patriótica  às  andanças  de  um mensageiro do general Washington. 

Rudyard Kipling  leva a espionagem à  Índia com Kimba  (1901), Doyle põe Sherlock Holmes  a  resolver  O Caso  Naval  (1889),  mas  descritivamente,  com  maior  acerto,  só Joseph Conrad com O Agente Secreto (1906) nos dá uma verdadeira dimensão narrativa do tema. Em termos latos – este texto é uma abertura ao tema – passando por dezenas de  autores  que mereceriam  citação,  até  ao maior  êxito  comercial,  que  representa  o incrível  James  Bond,  até  ao  frio  Mr.  Smiley  de  John  Le  Carré,  vai  um  mundo extraordinário de literatura de espionagem. 

  

CONTO  O conto apresentado, de um autor desconhecido, Tex Ritter, foi publicado em 1946 

ou  1947.  Serve  para  divulgação  do  tema,  que  também  têm  cultores  portugueses  que serão futuramente referenciados 

 O PLANO SECRETO 

 Um ponto  luminoso surgiu subitamente na tela do radar, momentos depois o uivo 

das  sirenes  cortou  o  ar  da  Base  Digger.  A  incursão  dos  bombardeiros  japoneses 

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intensificara‐se nos últimos dias, mas a floresta camuflava inteiramente a acumulação de munições  que  durava  há meses,  tendo  em  vista  a  projectada  ofensiva  geral. Mesmo assim  os  japoneses  sobrevoavam  o  acampamento,  demonstrando  que  se mantinham alerta. 

Pouco depois o uivo das sirenes morreu e deu  lugar ao sinal de tudo bem. O avião foi  identificado como americano e  regressava à base após um voo de  reconhecimento. No radar o ponto  luminoso aumentou sobre o mar azul do Pacífico e o avião aterrou. O piloto permaneceu a bordo enquanto o técnico entregava um envelope endereçado ao Departamento de Observações e continha  filmes tirados ao  longo da  frente, situada 65 quilómetros  a  norte.  O  avião  manobrou  para  entrar  no  hangar,  enquanto  o  filme revelado  era  examinado…  O  tenente‐coronel  Wertenbaker  olhou  a  tela  onde  se projectava uma  imagem  ampliada  e  franziu  a  testa  intrigado.  Sabia que o  inimigo  era feroz e dele tudo havia a esperar. Apanhou uma vara e apontou um ponto da projecção. 

– O que é isto? – Perguntou. O major Herb, que olhava para o outro ponto da projecção, voltou a atenção para o 

ponto assinalado. – Sim esse ponto não se encontrava aí a semana passada. Herb retirou um filme do arquivo e colocou‐o no projector, procurando o reflexo da 

água agora detectado; não existia. – Eu já sabia. – Grunhiu Wertenbaker. – Uma vez que é um génio, diga‐me o que significa esse reflexo na água – disse Herb 

Berkker. O coronel estudou o filme, substituiu‐o pelo outro e respondeu: – Isto pode ser obra da chuva, tem chovido bastante… – É engraçado, recebi um relatório de manhã que comunica que as nossas provisões 

de água têm diminuído bastante, apesar da chuva. – Atalhou Herb. Wertenbaker sacudiu a cabeça: – Pode ser um detalhe sem  importância, aliás  temos assuntos mais  importantes a 

tratar, mais tarde voltaremos ao filme. – Quem sabe se Joe Fannel do Serviço de Inteligência, não poderia tratar do assunto 

– considerou Herb. – Está certo, remeta‐lhe tudo para que o estude. Uma pequena aeronave voltou ao local e três horas mais tarde o tenente Joe Fannel 

recebia novos filmes que estudou em detalhe e conferenciou com o seu capitão. Segundo ele, o ponto do manancial de água coincidia com o  local em que seria desencadeada a ofensiva geral. Para Fannel era um achado  importante, vital mesmo para a ofensiva  já marcada. Pediu um avião para o levar até ao local assinalado no mapa e algum material. Tencionava  esconder‐se  na  floresta  e  iria  ao  encontro  das  tropas  leais,  na  ofensiva, acrescentando: 

–  Os  japoneses  encaram  esta  guerra  seriamente  e  eu  também.  Eles  sabem  que 

CALEIDOSCÓPIO POLICIÁRIO  

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preparamos uma ofensiva e também onde vai começar! Quando anoiteceu um avião conduziu Fannel próximo das  linhas  inimigas e a cerca 

de 1200 metros de altura, lançou‐se em pára‐quedas, com uma pesada mochila sobre os ombros. 

A ofensiva teve lugar dez dias decorridos, a cerca de 6,5 quilómetros da represa de água. Vindos da costa, os bombardeiros americanos atacavam a retaguarda das posições inimigas. Ao  sul  da  cadeia  de montanhas  defendidas  pelos  japoneses  encontrava‐se  o vale,  o  único  ponto  de  acesso  a  estas  defesas,  e  foi  por  ali  que  a  infantaria  atacou. Enquanto  os  soldados  avançavam,  aviões,  tanques  pesados,  e morteiros  estabeleciam uma barragem de fogo. Surgiu então da floresta um homem roto e barbado que alegou ser  o  tenente  do  Serviço  de  Inteligência  das  forças  armadas  americanas.  Levado  ao quartel‐general, Joe Fannel prestou continência e sentou‐se cansado. Sorriu e disse: 

– Há dez dias que estou aqui, major, para me desincumbir da missão que o senhor e o  coronel Wertenbaker me  deram.  A  pequena  represa  encontra‐se  na  foto, major. O senhor e o  coronel  achavam que era uma  lagoa  formada pela água da  chuva, mas eu relacionei‐a  com  a  diminuição  das  correntes  no  sul,  e  estava  certo.  Os  japoneses construíram um dique de cimento armado. O seu plano era acumular água na represa e quando as nossas tropas avançassem e alcançassem o vale, dinamitavam a represa. 

– Quer dizer se… –  Isso. Seria,  se o plano  fosse bem  sucedido, mas há dois dias abri um buraco no 

dique e a água escoou antes de os nossos homens chegarem.