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Relatório Preliminar
Trabalhos Arqueológicos
Cais do Capelo e Rua de Viterbo Campos n.os 2, 10, 28 e 36
Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, Porto
Laura Cristina Peixoto de Sousa
EMPATIA – Arqueologia Lda.
VILA NOVA DE GAIA, MARÇO 2007
Trabalhos Arqueológicos ● VTC 10.07
Cais do Capelo e Rua de Viterbo Campos n.os 2, 10, 28 e 36 (Santa Marinha, Vila Nova de Gaia)
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Índice
1. Introdução
2
2. Localização administrativa e geográfica 2
2.1. Circunscrição administrativa 2
2.2. Coordenadas geográficas 2
3. Informação histórica sobre o local 3
4. Contexto e objectivos dos trabalhos arqueológicos 7
5. Relação dos participantes e sua qualificação 8
6. Descrição e resultados preliminares dos trabalhos arqueológicos 8
6.1. Metodologia 8
6.2. Localização e estratégia da intervenção/ Sequências estratigráficas identificadas 9
6.2.1. Zona 1 – Interior 10
6.2.2. Zona 2 – Exterior, logradouro 10
6.3. Espólio 11
7. Medidas minimizadoras 11
8. Fontes e instrumentos de pesquisa/ Bibliografia 12
8.1. Mapas e cartas topográficas 12
8.2. Fontes impressas 12
8.3. Bibliografia 13
8.4. Sites 13
ANEXOS
Documentação/Pareceres IPA e IPPAR
Localização do edifício
Fotografias
FICHA TÉCNICA
Trabalhos Arqueológicos ● VTC 10.07
Cais do Capelo e Rua de Viterbo Campos n.os 2, 10, 28 e 36 (Santa Marinha, Vila Nova de Gaia)
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1. Introdução
O presente relatório expõe os resultados dos trabalhos arqueológicos
realizados nos imóveis localizados na Rua de Viterbo Campos n.os 2, 101, 28 e 36, no
Cais do Capelo, freguesia de Santa Marinha, em Vila Nova de Gaia, integrando a Área
do Castelo de Gaia, classificada como Imóvel de Interesse Público, pelo decreto n.º
29/90 de 17 de Julho de 19902.
Tratam-se de três edifícios, uma habitação e dois armazéns, que vão ser alvo
de reabilitação e remodelação arquitectónica para instalação de três habitações
unifamiliares e respectivas áreas de estacionamento e espaços exteriores, estando o
projecto a cargo da Arquitecta Carla Cabral. Por este motivo, tornou-se necessária a
realização de um estudo prévio de avaliação de impacto arqueológico.
Os trabalhos realizaram-se entre os dias 9 e 12 e 22 e 26 de Janeiro de 2007 e
consistiram na abertura de duas sondagens nas zonas que serão mais afectadas pela
construção, abrangendo uma área total de 13 m2.
Indicam-se, de seguida, as principais características (geográficas e históricas)
do local intervencionado, o contexto e os objectivos da intervenção, a metodologia
adoptada, localização e descrição sumária dos trabalhos arqueológicos e principais
resultados, bem como as medidas minimizadoras sugeridas.
2. Localização administrativa e geográfica
2.1. Circunscrição administrativa:
Distrito do Porto; Concelho de Vila Nova de Gaia; Freguesia de Santa Marinha.
2.2. Coordenadas geográficas:
41º 08’ 32’’ N de Latitude e 8º 37’ 35’’ W de Longitude (Datum Europeu) – Carta
Militar de Portugal à escala de 1:25 000, folha 122 (Porto).
1 Note-se que existem dois números de porta 10 na Rua de Viterbo Campos, correspondendo um deles à casa
intervencionada e outro ao edifício da antiga Fábrica de Cerâmica de Santo António do Vale da Piedade. 2 In http://www.ippar.pt/pls/dippar/pat_pesq_detalhe?code_pass=74135 (consultado em 9 Março 2007, às 0.28h).
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3. Informação histórica sobre o local
Implantada no Cais Capelo Ivens, na margem esquerda do Rio Douro, a casa
onde decorreram os trabalhos arqueológicos insere-se numa área de grande
sensibilidade arqueológica, fundamental para o conhecimento da história de Vila Nova
de Gaia: a Área do Castelo de Gaia, também denominada por Monte do Castelo.
A caracterização histórico-arqueológica deste local assenta em três pontos
fundamentais, a saber:
a) integração na Área do Castelo de Gaia;
b) localização nas imediações do Vale de Amores, Valdamores ou Vale
da Piedade;
c) proximidade da Fábrica de Cerâmica de Santo António do Vale da
Piedade.
No que diz respeito ao Castelo de Gaia, a referência mais antiga remonta a
meados do século XVI e é da autoria do cronista João de Barros (1496-1570): “He tão
antigo que dizem o fundou Caio Julio Cesar e dahi tomou o nome”3. A partir de 1983,
realizaram-se várias escavações nesta zona que confirmaram uma ocupação
permanente desde a Idade do Bronze até à Época Contemporânea. Apesar de pouco
ou nada se ter encontrado que identificasse um castelo medieval, é de realçar a
presença de um povoado fortificado castrejo, bastante romanizado, e uma imponente
muralha romana, que alimenta a discussão sobre em qual das margens se localizaria
a povoação romana de Cale.
“Foram, no entanto, encontradas determinadas estruturas pétreas (algumas
em negativo) e elementos cerâmicos cronologicamente atribuíveis à Alta Idade
Média, Idade Média e Baixa Idade Média (GUIMARÃES, Gonçalves, 1995, p. 131 e
segs.), embora a grande concentração de materiais pareça apontar para uma
presença humana mais constante no local entre os séculos V e VII. Mas, quanto ao
castelo medieval, propriamente dito, não será de afastar a hipótese de as suas
estruturas terem sido destruídas pela população durante a crise de 1383-1385,
como registou o cronista-mor do reino, Fernão Lopes (1380?-1460?), na sua
Crónica de D. João I.”4
3Apud A. Martins – Área do Castelo de Gaia. In http://www.ippar.pt/pls/dippar/pat_pesq_detalhe?code_pass=74135
(consultado em 9 Março 2007, às 0.28h). 4 A. Martins – Idem.
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Relativamente ao segundo ponto, este local encontra-se nas imediações no
chamado Vale da Piedade, também conhecido por Vale de Amores ou Valdamores,
topónimo mais antigo. Em 1569, aí se fundou um convento – Convento de Santo
António do Vale da Piedade, “na sequência da oferta que Brás Pereira Brandão,
Cavaleiro da Ordem de Cristo e Fidalgo da Casa Real, juntamente com sua mulher, D.
Mécia da Paz, havia feito três anos antes aos franciscanos da Província da Piedade,
doando-lhes terreno na sua Quinta de Valdamores para a erecção de um mosteiro. No
local existia já uma ermida da invocação a Santiago, onde se acolheram os primeiros
frades durante a construção do convento.”5
O local “estava afastado e seria de difícil acesso”6, pelo que “os suspeitos de
peste […] eram obrigados à quarentena no degredo do Vale de Amores, contíguo ao
seu convento”7. Segundo a tradição, a mudança de topónimo justifica-se nesta nova
“vocação” do local.
“Quanto aos Capuchos ou Antoninhos dispuseram-se em 1569 a aceitar um
sítio mal-afamado, na margem esquerda do rio, para se acomodarem. Parece que
a sua presença virtuosa justificou a mudança de nome do local de Vale de Amores
para Vale da Piedade. Em 1730 fundaram na Cordoaria um hospício para
convalescença dos religiosos e moradia dos ex-provinciais.”8
Em 1788, o Padre Agostinho Rebelo da Costa noticia que o Convento de Vale
de Piedade “pertence aos religiosos menores reformados da província da Soledade.
Foi fundado em 1569, e nele residem cinquenta padres que se alimentam de esmolas.
É casa capitular e residência do seu provincial”9.
Durante as Guerras Liberais, em 1832, o Convento, situado num morro
estratégico em frente à cidade do Porto, foi ocupado pelas tropas miguelistas para
instalação de uma bateria, sendo, no final desse ano, palco de um violento confronto
militar que expulsou aquele exército e ceifou centenas de vidas10.
5 SILVA, António Manuel S. P.; RIBEIRO, Manuela C. S. – Plano de Pormenor da Fraga – Vila Nova de Gaia: Relatório
de Pré-Avaliação Arqueológica e Caracterização Patrimonial (Projecto Polis). Vila Nova de Gaia, 2002, Ficha de
Inventário n.º 04: Convento de Santo António do Vale da Piedade. 6 Idem. 7 SILVA, Francisco Ribeiro da – Tempos Modernos. In RAMOS, Luís A. de Oliveira – História do Porto. Porto: Porto
Editora, 1994, p. 315. 8 Idem, p. 309. 9 COSTA, Agostinho Rebelo da – Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto [1788]. 3.ª ed.. Lisboa: Frenesi,
2001, p. 106-107. 10 SILVA, António Manuel S. P.; RIBEIRO, Manuela C. S. – Idem.
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“Uma tradição local situa neste terreno o “cemitério dos ingleses” […],
aludindo, por certo, à sua eventual utilização para sepultura de vítimas do confronto
militar das Regueiras, em finais de 1832, que se seguiu à expulsão da força
miguelista que ocupava o Convento de Santo António do Vale da Piedade por parte
das tropas liberais.”11
Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, o convento foi vendido ao
negociante do Porto António José de Castro Silva.
Desprovido da sua função religiosa este espaço descaracterizou-se e albergou,
ao longo do século XIX, novas construções, sobretudo industriais, como a Fábrica de
Vidros da Sociedade André Michon, fundada em 1853, a Fábrica de Sabão de Vale da
Piedade, do Visconde Castro Silva, em instalação em 1861, e uma Fábrica de Bebidas
e Destilaria, também de André Michon, estabelecida em 187512.
Entretanto, a área da antiga cerca conventual foi objecto de várias alterações e
vendas de terrenos, que ainda se verificam na actualidade.
O Convento de Santo António do Vale da Piedade está classificado como
Imóvel de Interesse Municipal pelo PDM de Vila Nova de Gaia (Edital de 23 de Julho
de 1989)13.
Quanto ao último aspecto apontado – proximidade da Fábrica de Cerâmica de
Santo António do Vale da Piedade –, é de notar que a casa onde decorreu a
intervenção arqueológica é vizinha deste edifício fabril, sendo esta uma das mais
antigas fábricas de cerâmica de Vila Nova de Gaia e que merece um destaque
especial na história da cidade e indústria cerâmica local e nacional.
A Fábrica de Cerâmica de Santo António do Vale da Piedade foi fundada pelo
genovês Jerónimo Rossi, em 1784, “numa propriedade adquirida para o efeito junto ao
mosteiro de Vale da Piedade”14, do qual tomou o nome, embora estivesse implantada
na Quinta da Eira15.
Não cabendo no âmbito deste relatório fazer um historial completo da fábrica
em questão, note-se apenas que esta unidade industrial laborou durante cerca de 150
11 SILVA, António Manuel S. P.; RIBEIRO, Manuela C. S. – Ob. cit., Ficha de Inventário n.º 01: Plataforma a poente do
Castelo de Gaia. 12 Idem, Ficha de Inventário n.º 04: Convento de Santo António do Vale da Piedade. 13 Idem. 14 Idem, Ficha de Inventário n.º 07: Fábrica de Cerâmica de Santo António do Vale da Piedade. 15 SOEIRO, Teresa; LACERDA, Silvestre; OLIVEIRA, Joaquim – Roteiro das Fábricas de Cerâmica Portuense. In
MUSEU NACIONAL DE SOARES DOS REIS – Itinerário da Faiança do Porto e Gaia. Lisboa: Instituto Português de
Museus, 2001, p. 107.
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anos (1784-1930), podendo, segundo Vasco Valente16 (1949), subdividir-se esta
centúria e meia de produção em três períodos: de 1784 a 1842, sob a direcção de
Rossi (falecido em 1821), suas filhas e Francisco da Rocha Soares, da Fábrica de
Miragaia, e outros empresários; de 1846 a 1886, desde que foi adquirida por João de
Araújo Lima até à sua destruição por incêndio; de 1897 até inícios da década de 1930,
período em que foi reconstruída sob nova gerência até deixar de laborar
definitivamente.
“Produzindo inicialmente louça de faiança de boa qualidade, de que se
exportavam grandes quantidades para o mercado brasileiro, a fábrica diversificou a
sua produção com João de Araújo Lima, a partir de meados do séc. XIX,
fabricando-se para além de faiança, louça de pó-de-pedra, grés, azulejo, telha
pintada e peças de ornamentação.” 17
A descrição mais completa da fábrica para o seu primeiro período de laboração
é a que consta de um auto de exame, de 1818, por parte do Superintendente do
Tabaco e da Alfândega e que diz o seguinte:
“fazendo-se o dito exame, se achou constar de huma grande propriedade, e
dentro della estabelecida a mesma fabrica, a qual se compoem de tres grandes
fornos = sete rodas = hum engenho para moer vidro = huma caza de pintura =
varios armazens = hum escritorio, o cupando-se nestas manufacturas hum
administrador; hum mestre de roda com quatro officiaes; quatro trabalhadores; tres
forneiros; tres trabalhadores dos mesmos; hum em moer vidro; tres officiaes para a
pintura; e hum trabalhador”18.
Em finais do século XIX, a fábrica teria uma disposição arquitectónica similar
ao que podemos vislumbrar na actualidade, não obstante o seu avançado estado de
degradação e o facto de, entretanto, ter sido adaptada para habitação.
“O Inquérito Industrial de 1881 apresenta esta fábrica ainda como um
estabelecimento de manufactura, descrevendo-a como um edifício sobranceiro ao
Douro, encravado entre as casas, de acesso íngreme, do tipo de habitação comum,
desenvolvido em altura por três andares, orientando-se a produção de cima para
baixo: nos vãos do telhado ficavam estufas de seca, oficinas de formaria e
depósitos, no terceiro andar as oficinas de fabrico de louça, tendo apenas tornos ou
16 Apud SILVA, António Manuel S. P.; RIBEIRO, Manuela C. S. – Ob. cit., Ficha de Inventário n.º 07: Fábrica de
Cerâmica de Santo António do Vale da Piedade. 17 Apud SILVA, António Manuel S. P.; RIBEIRO, Manuela C. S. – Idem. 18 Apud SOEIRO, Teresa; LACERDA, Silvestre; OLIVEIRA, Joaquim – Ob. cit., p. 107-108.
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rodas comuns, no segundo a prensa para fabricação de azulejos, no primeiro as
oficinas de pintura e vidragem. Havia apenas um forno central, com duas câmaras
sobrepostas, com abertura ao nível do primeiro andar. O transporte interno era
apenas o braçal, utilizando as escadas, como braçais eram todos os equipamentos,
indignando-se o inquiridor quando o fabricante “diz que não sente necessidade de
alterar o existente, nem sabe que outras máquinas devesse empregar”. Por ali se
acotovelavam 148 operários. Em suma, “uma péssima instalação”, para quem já se
habituara a perspectivar a instalação fabril com outras exigências.”19
Pinho Leal, autor coevo deste Inquérito Industrial, dá uma visão oposta do
mesmo edifício fabril:
“[…] caracteriza a fábrica como uma das melhores do reino, instalada em
edifício vasto, construído expressamente, com as paredes em granito revestidas na
frontaria por azulejos da própria fábrica, bem iluminada por trinta janelas e com boa
ventilação. O afastamento do rio seria uma garantia contra as inundações em
tempo de cheia. Dispunha já de uma máquina a vapor fabricada na Fundição do
Ouro.”20
No edifício desta antiga fábrica, sita, actualmente, na Rua de Viterbo Campos,
podemos apreciar a fachada revestida a azulejos e as telhas de beiral em faiança, dois
exemplares do que aí se produzia.
“A memória do Campo dos Cacos, um antigo vazadouro, e a abundância de
fragmentos cerâmicos e de louça enchacotada nos terrenos próximos dão pálido
testemunho do que foram cerca de 150 anos de produção cerâmica de uma das
grandes fábricas da região portuense dos inícios da industrialização.”21
4. Contexto e objectivos dos trabalhos arqueológicos
Além dos aspectos de ordem histórico-arqueológica atrás referidos, os edifícios
que vão ser alvo de remodelação e construção situam-se na Área do Castelo de Gaia,
classificada como Imóvel de Interesse Público, pelo decreto n.º 29/90 de 17 de Julho
19 SOEIRO, Teresa; LACERDA, Silvestre; OLIVEIRA, Joaquim – Ob. cit., p. 109. 20 Idem, p. 109. 21 SILVA, António Manuel S. P.; RIBEIRO, Manuela C. S. – Ob. cit., Ficha de Inventário n.º 07: Fábrica de Cerâmica de
Santo António do Vale da Piedade.
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de 199022. Logo, a presente obra está condicionada a uma avaliação prévia de
impacto arqueológico de modo a minimizar todas as acções que possam vir a afectar o
subsolo e a salvaguardar o potencial arqueológico da área em questão, impedindo a
destruição sem registo de quaisquer vestígios arqueológicos que possam ocorrer.
O programa de intervenção arqueológica elegeu como principais os seguintes
objectivos:
a) registar e avaliar o potencial arqueológico da área afectada pelo projecto
arquitectónico;
b) recuperar, de forma devidamente contextualizada, o espólio eventualmente
associado à sequência estratigráfica identificada;
c) obter um reconhecimento da área a afectar pelo projecto, de forma a avaliar
do seu impacto e proporcionar aos organismos de tutela – IPA e IPPAR –
elementos para fundamentar emissão definitiva de parecer sobre a
execução do projecto de arquitectura.
5. Relação dos participantes e sua qualificação
Constituíram a equipa de trabalho os seguintes elementos:
Arqueóloga, Directora de Escavação:
Laura Cristina Peixoto de Sousa
Colaboradores:
Carlos Alberto Fernandes Loureiro
Franceline dos Santos Gaspar
Rui Miguel Gonçalves Oliveira
6. Descrição e resultados preliminares dos trabalhos arqueológicos
6.1. Metodologia
A intervenção arqueológica foi realizada de acordo com as técnicas de
escavação e registo arqueológico desenvolvidos por Edward C. Harris (1979).
22 In http://www.ippar.pt/pls/dippar/pat_pesq_detalhe?code_pass=74135 (consultado em 9 Março 2007, às 0.28h).
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Este método de trabalho define-se pela identificação de Unidades Estratigráficas
(U.E.): unidades de deposição, naturais ou produto da intervenção humana,
individualizadas de acordo com as suas características físicas (compactação, cor,
composição, espessura, extensão), materiais incluídos (areia, argila, saibro, rocha,
cerâmica, vidros, carvões, metais....) e, sobretudo, pela sua relação estratigráfica com
as outras unidades (coberta por, cortada por, cheia por, serve de apoio a, igual a,
sincroniza-se com, cobre, corta, enche, apoia-se). Na identificação destas relações
tem lugar primordial a observação em planta, de modo que os registos dos cortes da
escavação constituem apenas um ponto de apoio à interpretação arqueológica.
Todas as U.E. são cotadas altimetricamente, em cotas absolutas ou de acordo
com um ponto fixo na escavação, denominado ponto zero, posteriormente convertido à
altimetria real. A superfície e limites das unidades são desenhados à escala 1:20 em
planta, realizando-se também cortes e secções à mesma escala gráfica. Os desenhos
de planos e cortes são digitalizados e tratados no programa Macromedia Freehand MX
11.0. Cada U.E. é fotografada em formato digital, com resolução de 7.1 megapixels,
com referência ao Norte magnético, escala e placa identificadora. Os materiais
arqueológicos de cada U.E. são depositados em sacas com etiqueta contendo o
número da unidade e marcados com o mesmo número.
Todos estes elementos são registados numa Ficha de Unidade Estratigráfica, na
qual se indicam todos os dados imprescindíveis para a identificação das suas
características. O conjunto de relações estratigráficas das U.E. representa-se
graficamente pela Matriz de Harris, que permite a leitura integrada da estratigrafia da
escavação. Finalmente, a identificação das relações estratigráficas e a análise dos
materiais arqueológicos recolhidos levam ao estabelecimento das fases ou períodos
históricos do sítio arqueológico.
O acrónimo atribuído à intervenção nos registos de campo foi: VTC 10.07,
sondagem (1 e 2), U.E. (ex.: 01, 02, 10, etc.) e data (ex.: 10 01 2007). Na marcação do
espólio: VTC 10.07, Sond. 2, U.E. 02, por exemplo.
6.2. Localização e estratégia da intervenção/ Sequências estratigráficas
identificadas
Pretendeu-se a análise estratigráfica do subsolo e a avaliação de eventuais
estruturas preexistentes que levassem ao estabelecimento de sequências e tipologias
de ocupação do local. Tendo em vista estes objectivos efectuaram-se duas (2)
sondagens arqueológicas, em zonas distintas da habitação, a saber:
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Zona 1 – Interior, rés-do-chão da casa (sondagem 1);
Zona 2 – Exterior, logradouro (sondagem 2).
As sondagens, de tamanho variável, perfazem uma área escavada de 13 m2,
tendo-se alcançado numa delas o afloramento granítico natural (sondagem 1).
6.2.1. Zona 1 – Interior
A Zona 1 localiza-se no rés-do-chão da casa, cujo nível de circulação se
encontra ligeiramente rebaixado em relação à Rua de Viterbo Campos. Aqui foi aberta
uma sondagem (sondagem 1), implantada junto à parede que delimita a habitação a
Oeste (ver Projecto de Arquitectura – Área de escavação 4), com as dimensões de 2
m x 2 m, perfazendo uma área escavada de 4 m2.
Esta sondagem deu-se por concluída quando se atingiu o afloramento natural
(U.E. 07), detectado logo após o início da escavação a cerca de 3 cm de profundidade,
mas tendo um desnível de cerca de 1 m.
Não foram detectadas quaisquer estruturas, à excepção da parede em granito
que delimita a casa (U.E. 03). Os restantes níveis estratigráficos correspondem ao
piso de circulação actual, composto por areia e saibro (U.E. 01), ao enchimento e
interface vertical da vala de fundação da parede da casa (U.E. 02 e 04,
respectivamente), a um nível com inclusões frequentes de material de construção e
carvões (U.E. 05) que poderá estar associado ao facto de aí ter laborado uma
carvoaria ou a um momento de destruição e/ ou obras no local e, finalmente, ao
interface vertical de um “corte” no afloramento (U.E. 06) que, dada a exiguidade da
sondagem, não foi possível perceber se é natural ou artificial.
O material exumado é de datação contemporânea (século XX) e composto,
basicamente, por cerâmica (comum e de construção), vidro, fio de cobre e plástico.
6.2.2. Zona 2 – Exterior, logradouro
A Zona 2 corresponde a uma das partes do logradouro do edifício, elevado ao
nível do 1.º piso da habitação (ver Projecto de Arquitectura – Área de escavação 1).
Nesta zona, realizou-se uma (1) sondagem (sondagem 2), com as dimensões de 3 m
x 3 m, perfazendo uma área escavada de 9 m2.
São de realçar alguns estratos e estruturas detectados, como os seguintes:
U.E. 07, com uma potência de cerca de meio metro, nível de depósito de cerâmica,
composto por faianças, mas, sobretudo, por fragmentos sem acabamento (“em
biscoito”) de peças de uso doméstico (pratos, pires, canecas…), decorativo (jarras,
figuras para jardim, pinhas, vasos…), revestimento e construção (azulejos, telhas…),
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outro (tinteiros e depósitos de areia…), alguns contendo indicações e desenhos a lápis
sobre os objectos, e, também, utensílios de forno para a cozedura de peças (tripés e
suportes de azulejos); U.E. 09, concentração de argila amarela junto ao corte Noroeste
da sondagem; U.E. 12, camada com forte inclusão de barro e pedras de pequeno e
médio porte; U.E. 08, muro em granito e tijolo, cuja única parede visível se encontra
rebocada e associada a um piso em tijoleira refractária (U.E. 14), apontando para o
interior de algum compartimento. Todas estas unidades, apesar de ainda se encontrar
em estudo a sua funcionalidade, estão, seguramente, relacionadas com a vizinha
Fábrica de Cerâmica de Santo António do Vale da Piedade e são, até ao momento,
os dados mais marcantes extraídos dos trabalhos arqueológicos realizados no local.
As U.E. 07 (“caqueiro”), 09 (nível de argila) e 12 (nível de argila e pedras)
podem corresponder ao momento de abandono e aterro das estruturas com as U.E. 08
e 14 (muro e tijoleira), estando estes estratos cobertos por níveis de datação
contemporânea (século XX), nomeadamente a camada vegetal do logradouro (U.E.
01) e duas canalizações que se sobrepõem, a mais recente em grés (U.E. 03) e outra
em granito (U.E. 11).
6.3. Espólio
No decorrer dos trabalhos arqueológicos foram detectados e recolhidos vários
tipos de materiais de datação moderna e contemporânea, com destaque para os
inúmeros fragmentos cerâmicos exumados da U.E. 07 da sondagem 2.
Estes materiais, em fase de limpeza, tratamento/conservação, marcação e
acondicionamento, encontram-se em arquivo provisório na sede da empresa Empatia
– Arqueologia Lda., sita na Rua José Falcão n.º 613, 4400-192 Santa Marinha – VILA
NOVA DE GAIA, e serão entregues oportunamente ao IPA.
7. Medidas minimizadoras
Face aos resultados da intervenção arqueológica efectuada, propomos como
medida minimizadora a escavação de toda a área do logradouro a afectar pelo
projecto de construção (ver Projecto de Arquitectura – Área de escavação 1),
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alargando a sondagem 2, que sugerimos ser efectuada de acordo com seguintes
etapas:
a) desaterro mecânico, ou recorrendo a meios expeditos, da área do
logradouro, sob acompanhamento arqueológico, até à U.E. 05 identificada
na sondagem 2;
b) recolha do espólio cerâmico da U.E. 07 (“caqueiro”);
c) escavação arqueológica, de forma a definir e compreender as estruturas
detectadas na sondagem 2 (U.E. 08 e 14);
d) registo, caracterização, implantação topográfica e levantamento das
estruturas identificadas;
e) prosseguimento dos trabalhos de escavação arqueológica até atingir o
afloramento natural ou até à cota da obra prevista para esta zona (3,30 m).
Caso os promotores decidam não avançar com obras na área do logradouro,
deverá proceder-se à protecção da sondagem 2 com geo–têxtil.
No que respeita à zona do rés-do-chão da casa, onde foi realizada a sondagem
1, não foram detectados níveis ou estruturas de interesse arqueológico que justifiquem
o acompanhamento dos trabalhos de construção, sendo a cota de obra para esta área
relativamente baixa (ver Projecto de Arquitectura – Áreas de escavação 2 a 5).
8. Fontes e instrumentos de pesquisa / Bibliografia
8.1. Mapas e cartas topográficas
CARTA Militar de Portugal à escala de 1:25 000 – Porto – Folha 122. Série M
888. Edição 3. Instituto Geográfico do Exército, 1999.
8.2. Fontes impressas
COSTA, Agostinho Rebelo da – Descrição Topográfica e Histórica da Cidade
do Porto [1788]. 3.ª ed.. Lisboa: Frenesi, 2001.
Trabalhos Arqueológicos ● VTC 10.07
Cais do Capelo e Rua de Viterbo Campos n.os 2, 10, 28 e 36 (Santa Marinha, Vila Nova de Gaia)
13
8.3. Bibliografia
HARRIS, Edward C. – Principles of archaeological Stratigraphy [1979]. 2.nd ed.
London: Academic Press Limited, 1989. 172 p.
MUSEU NACIONAL DE SOARES DOS REIS – Itinerário da Faiança do Porto e
Gaia. Lisboa: Instituto Português de Museus, 2001. 304 p. + mapa.
RAMOS, Luís A. de Oliveira, dir. – História do Porto. Porto: Porto Editora, 1994.
780 p.
SILVA, António Manuel S. P.; RIBEIRO, Manuela C. S. – Plano de Pormenor
da Fraga – Vila Nova de Gaia: Relatório de Pré-Avaliação Arqueológica e
Caracterização Patrimonial (Projecto Polis). Vila Nova de Gaia, 2002. 18 p. + Anexos.
SILVA, Francisco Ribeiro da – O Porto e o seu termo (1580-1640): Os homens,
as instituições e o poder. Porto: Câmara Municipal do Porto. Arquivo Histórico, 1988. 2
vol. (Documentos e Memórias para a História do Porto; XLVI), 1231 p.
8.4. Sites
IPPAR – Pesquisa Património: Área do Castelo de Gaia
http://www.ippar.pt/pls/dippar/pat_pesq_detalhe?code_pass=74135
(consultado em 9 Março 2007, às 0.28h).
VNGaia. Online – A História de Vila Nova de Gaia
http://www.vngaia.online.pt/historia/historia.html
(consultado em 9 Março 2007, às 1.07h).
Vila Nova de Gaia, 13 de Março de 2007
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(Laura Cristina Peixoto de Sousa)