caio fábio - nephilim.rtf

Download Caio Fábio - Nephilim.rtf

If you can't read please download the document

Upload: wilker-alves

Post on 22-Dec-2015

49 views

Category:

Documents


16 download

TRANSCRIPT

CAIO FBIO

NEPHILIM

Razo Cultural2000

Caio Fbio

Caio Fbio D'Arajo Filho amazonense, nascido em Manaus. Cresceu prximo s grandes florestas e aprendeu a am-las e respeit-las. Mudou-se para o Rio de Janeiro com a famlia na adolescncia e, depois da extraordinria converso crist que seu pai experimentou, voltou ao Amazonas na companhia dos pais e irmos.Aos 18 anos, depois de um perodo de grandes aflies existenciais, veio a ter um encontro com a f de seus pais, o que mudou radicalmente sua vida. De hippie sem causa, passou a ser conhecido como o pregador da juventude.Casou-se aos 20 anos e logo foi pai. Foi ordenado ministro presbiteriano no anoseguinte, quando escreveu seu primeiro livro.Sua ascenso foi sbita. Logo estava nas televises e jornais do norte do pas em razo das multides que se reuniam para ouvi-lo em teatros, estdios, ginsios, praas e grandes templos. Aps dois anos de pregaes, Caio Fbio j era reconhecido como o melhor orador sacro do norte do pas. Pouco tempo depois, tornou-se conhecido em rodo o Brasil e veio a ser considerado a voz mais lcida, provocativa, criativa e desestabilizadora do chamado meio evanglico, chegando, apesar disso, a ser visto como unanimidade entre os protestantes.Caio Fbio diz que sua carreira foi terrivelmente atingida a partir do conflito pblico ao qual deu face contra algumas prticas religiosas com as quais no concordava. Daquele momento em diante, deixou de ser uma figura do mundo religioso e passou a ser visto como um homem pblico cujas aes transcendiam os interesses da Igreja.Amante de causas sociais, Caio Fbio fundou vrias organizaes com a finalidade de diminuir o drama dos menos favorecidos. Sua maior obra, a Fbrica de Esperana, chegou a atender mensalmente, por vrios anos consecutivos, a mais de vinte mil jovens e adolescentes e foi considerada a maior obra social no-governamental da Amrica Latina.Alm disso, pelas campanhas e movimentos que se iniciavam no Rio de Janeiro e depois se espalhavam por todo o pas, foi um dos mais marcantes lderes de movimentos civis na dcada de 1990 em todo o Brasil.Empreendeu muito, tambm, na rea de comunicao, tendo fundado a Vinde TV, a Revista Vinde e dirigido vrios outros empreendimentos na rea.Em 1998 separou-se da esposa e viu sua imagem ruir dentro da comunidade crist qual ele tanto servira. Sobre esse episdio, diz trazer as maiores dores. Naquele mesmo ano se viu envolvido num escndalo poltico da maior repercusso e cujas aflies o perturbam at este dia.Caio Fbio, entretanto, no um espectador da vida. Mesmo nas mais adversas circunstncias, escreveu o livro que hoje est em suas mos, acerca do qual ele diz que no hesitaria em trocar os 106 livros que publicou durante os 25 anos de seu ministrio pela mensagem que este nico carrega. por suas prprias palavras que se pode perceber a importncia desta obra.Caio Fbio ganhou ttulos honorrios de doutor e mestre em teologia e foi considerado por uma revista crist inglesa e por uma pesquisa especializada internacional um dos cem lderes cristos mais criativos e respeitados do mundo no sculo XX.

Hellena, minha netinha.

Nota do Autor

Esta uma obra de fico.Toda e qualquer semelhana com a realidade mera coincidncia. Por esta razo, nela no tenho outra inteno seno provocara imaginao de meus leitores, na busca de tentar pensar, sem nervosismo religioso ou doutrinrio, uma das mais intrigantes histrias da humanidade, com suas implicaes na prpria formao do psiquismo humano e seus mitos.Aqui, portanto, no fao doutrina e nem ofereo argumentos de natureza teolgica, mas apenas exero o privilgio de ter recebido a beno da imaginao.

Introduo

A Mquina Quntica

. . . e ps a eternidade no corao do homem.Salomo, no livro de Eclesiastes

Um grupo considervel de pessoas neste fim de milnio j no pensa em "tempo" do mesmo modo que a maioria dos seres humanos ainda concebe esta dimenso. Hoje, com os novos experimentos da fsica quntica, uma revoluo est para acontecer. Haver grande aproximao entre cincia e religio, entre tecnologia e biologia, entre mquina e realidade orgnica. Muitas das hoje chamadas energias sutis - bem conhecidas por profetas e msticos como mundo espiritual - estaro ao alcance da cincia e da tecnologia.Mquinas sero construdas a partir de clulas, criando um mundo de comunicao instantnea de informaes. Sero aparatos magnticos, e no eltricos. Nada do que hoje chamamos de avanado poder, ainda, ser assim considerado depois que isto acontecer.Em meio a todo esse progresso, se chegar a uma concluso: a grande mquina quntica no est por ser criada, mas j existe h milhares de anos.Tambm se descobrir que esta mquina viva jamais foi usada em plenitude na Terra - exceto uma nica vez, h cerca de dois mil anos -, pois logo aps ter sido criada livre apareceu nela um desejo que, consumado, lhe atrofiou os sensores e inibiu seus recursos de percepo. Desse modo, ela perdeu a conexo com as milhares de formas de energias sutis e dimenses existentes no universo. A pior de todas as perdas, todavia, aconteceu na rea de voice recognition, pois nesta mquina quntica surgiu uma quase total impossibilidade para o reconhecimento da voz de seu Criador. A despeito disso, seu potencial no foi aniquilado, e, em tempo, ainda se saber sobre as grandes maravilhas que a habitam.A extraordinria tecnologia quntica presente neste planeta possui corpo, alma e esprito. O corpo experimenta o tempo; o esprito transcende ao tempo - pois tem natureza atemporal. E a alma faz o elo entre as vrias formas de energia da dimenso fsica e psicofsica, e as profundidades das formas de existncia que no podem ser medidas ou mesmo assumidas como reais no mundo das coisas palpveis, pois so espirituais.A vida humana o grande complexo eterno-temporal a ser descoberto nas dcadas por vir. E quando essa conscincia se instalar, ento se saber que a eternidade habita o corao dos homens e que o tempo nada mais que uma momentnea impresso de uma das muitas formas de existir e conhecer a existncia que os humanos possuem, mas que foi em ns atrofiada por algo que na linguagem teolgica se chama de a queda.Sobretudo, se saber que, assim como profetas visitam o que ser, tambm podem visitar o que j foi, pois, no esprito, o que , ; porque passado, presente e futuro nada mais so que expresses daquilo que , e habita o interior dos seres humanos.

Maria Flor de Cristo

Dar-vos-ei corao novo e porei dentro em vs esprito novo; tirarei o corao de pedra e vosdarei corao de carne.Profeta Ezequiel

Despediu-se da esposa e dos filhos enquanto era empurrado para dentro daquele lugar intermedirio, onde a vida e a morte alternavam cumplicidades. No corao, acreditava que no escaparia. Quando os procedimentos tiveram incio, mergulhou em escurido abissal e, numa frao de tempo que no sabia definir, abraou a si mesmo e entregou seu esprito. Era o dia 28 de abril de 1998. Quando despertou, soube que o transplante havia sido um sucesso. Dentro dele, entretanto, havia a sensao de que aquela realidade para a qual voltara j no era a mesma que tinha deixado. De volta ao seu pas, Abellardo encontrava os amigos e contava como estava se sentindo:- s vezes, eu penso que o transplante foi de alma - dizia. Sentia que havia uma outra energia pulsando nele de modo latente. Era como se estivesse possudo por um mundo de sentimentos e intuies que no conseguia associar a nada que fizesse sentido no seu mundo; e como se o corao que agora nele habitava tivesse sua prpria agenda emocional e no abrisse mo de praticar seus prprios ricos interiores. Impondo alegria, quando ele estava triste; tristeza, quando ele estava alegre; ou antipatia, quando ele sabia e sentia que estava sendo bem-tratado.E mais: ele no agentava inebriar-se com cheiros que antes ignorava, balanar-se gostosamente ao ritmo de msicas que antes no apreciava, reconhecer beleza interior em homens nos quais antes s via msculos, desejar comer comidas estranhas que jamais fizeram parte de seu cardpio, e, sobretudo, viajar para regies remotas pelas quais jamais se interessara antes. Alm disso, Abellardo Ramez II sentia que sua viso da vida mudara, dando-lhe a impresso de que este mundo estava sendo habitado, ao mesmo tempo, pelo passado, presente e futuro.Queria uma resposta. Por isso, leu. Leu muito. Num nico livro encontrou centenas de narrativas idnticas ao que sentia e tambm muitos outros relatrios cientficos que davam conta do mesmo fenmeno: atribuam ao corao no apenas o papel de bomba de sangue, mas o de detentor de memrias emocionais mais profundas, em estado bruto, no-elaboradas e filtradas pelas censuras exercidas pelo crebro.Inconformado com sua situao viajou outra vez terra de Merlin, onde sofrera o transplante. L, com a ajuda do Doutor Isaak Harbour - um dos mdicos que o operara -, descobriu quem era a pessoa que lhe doara o corao.Ao aproximar-se da rua onde a doadora vivera, comeou a sentir impulsos estranhos lhe visitando a alma. Olhou para um parque e sentiu paixo, como se naquele lugar, um dia, tivesse namorado. Viu um cachorrinho andando pela calada e teve desejo de parar para traz-lo ao colo, pois o animal lhe correu ao encontro fazendo-lhe com o rabinho saudaes de intimidade. Contemplou um jardim florido e chorou, como se nele tivesse um dia meditado. Parou, enfim, quase sem precisar confirmar o endereo, diante da porta de uma casa que seu corao chamou de lar. Ento bateu palmas, mas era como se no precisasse. Quando um homem de pele escura e cabea embranquecida abriu a porta, subiu-lhe ao corao um desejo enorme de saltar-lhe nos braos e cham-lo de pai.- Desculpe. Meu nome Abellardo Ramez II. Vim at aqui porque recebio corao de sua filha.O homem convidou-o a entrar e pediu licena para tambm chamar suaesposa. Uma senhora entrou na sala e olhou para ele.- O que , . Isto tudo e tudo - disse ela.- O que isto? Que coisa interessante!- No sei. Mas nossa filha sempre dizia isto.- Desde a operao que essa frase no me sai da cabea.Os pais de Vernica eram calmos e sutis. Eles contaram a Abellardo as grandes marcas da vida da filha. As histrias eram assustadoras. Era como se o que diziam fosse tudo o que vinha sentindo nos ltimos meses.O que mais o impressionou, no entanto, foi saber que a filha deles sonhava muito e, s vezes, acordava sem certeza se o que vira no sonho era fantasia ou realidade, de to ntidas que eram aquelas produes noturnas. Ela afirmava que em sonhos visitava lugares e pocas diferentes da histria. E dizia que se pudesse mudaria seu nome para Maria Flor de Cristo.- Vernica! Vero-cone. Imagem verdadeira. lindo o nome! E disto quepreciso: de uma imagem verdadeira!Ento contou aos pais da moa o que lhe vinha acontecendo. Depois, agradeceu a ateno que lhe haviam dispensado e despediu-se.- Ela gostava muito do livro de Enoque!- O qu? No entendi!- Ela lia o livro de Enoque! - repetiu a me de Vernica em tom maisalto, pois Abellardo j estava dentro do carro.Ele acenou para eles e partiu.

Ao voltar para casa as coisas no melhoraram. As angstias continuavam e ele j no conseguia mais se sentir produtivo. Trabalhava, mas nada tinha significado para ele. Muitos notavam que havia uma grande mudana acontecendo em sua vida. Mas ningum sabia o que era e nem como ajud-lo.Na sua esquisitice e proximidade distante de tudo, Abellardo percebeu que a melhor coisa a fazer era voltar a sua terra natal e tentar se reencontrar. Assim, decidiu voltar Amaznia! Props famlia que fizessem aquela viagem juntos, mas percebeu que aquilo no era possvel. Todos tinham suas prprias vidas e j no eram crianas para que ele os levasse de um lado para o outro.Sentindo a ansiedade crescer, decidiu que era hora de partir. Como no soubesse o que iria acontecer, escreveu uma carta aos filhos, parentes e amigos, entregou-a esposa, fez uma cpia para si mesmo e partiu, sem prazo para retomar. N o fundo, um sentimento apocalptico o possua. O mundo, conforme ele o conhecera at ento, iria acabar. Estranhamente, ningum que ele amava morreria. Mas ele jamais seria naquele mundo quem um dia fora. Seria apenas um pouco do algum de outrora, mas com outra face. Assim foi para o aeroporto e partiu sem dizer exatamente para onde ia, e sem a certeza se jamais voltaria.

A Conexo com o Livro

E andou Enoque com Deus, e j no era, porqueDeus o tomou para si.Livro de Gnesis, 5:24

No avio, Abellardo sentou-se ao lado de um homem que lia um livro com extremo interesse. Depois de algum tempo, olharam-se nos olhos e perceberam que se conheciam.- No acredito! Devo estar sonhando!- No possvel! voc mesmo?- Abellardo Ramez II? voc?- Joo Passarinho?! Que coisa! Voc no mudou nada.- Meu Deus! Quanto tempo faz?- Provavelmente uns trinta anos. A gente ainda jogava bola no VamosQue Vamos!- Que coincidncia, Abellardo!- No existe coincidncia, Joo. Foi s incidncia.- Voc continua mstico. Desde garoto assim. Nem nisto voc mudou! - E voc continua lendo! Que bom, Joo!- Claro. Especialmente um livro como este!Joo comeou a falar de velhos amigos e de como ainda mantinha contatocom alguns deles. Disse tambm que passara a se interessar por assuntos espirituais e que fazia parte de um grupo secreto. Abellardo achou estranho, perguntou o nome do grupo, mas Joo apenas respondeu que se pudesse dizer o nome, no seria secreto. Abellardo sentiu-se ridculo com a situao e ficou em silncio, olhando contemplativamente o rosto do velho amigo, como quem busca traos de felicidades e momentos que j pereciam apagados pelas eroses do tempo.- Que livro esse, Joo?- o livro de Enoque. Voc conhece?- J li h muitos anos. Mas acho que poca eu no estava preparado paraa leitura.- Como assim, Abellardo? Voc sempre me pareceu preparado para lertudo!- que eu estudei teologia e meus mestres faziam certas restries aolivro. Era sbio conhecer o livro, mas era perigoso gostar dele.- Este aqui eu ganhei de um amigo que mora na floresta. J estou terminando. Se quiser, pode ficar com ele.- Voc est me dando ou emprestando?- Dando. A menos que voc me diga que no vamos passar mais trintaanos sem nos encontrar.Continuaram falando de amenidades e dos rumos que suas vidas haviam tomado. Depois Abellardo contou a Joo sobre os ltimos acontecimentos de sua vida. E disse tambm que a mulher que lhe doara o corao gostava de ler Enoque.- O que voc lembra sobre o livro de Enoque? Sua memria era tima.Voc ainda tem boa memria, Abellardo?- Razovel. Mas como vou esquecer o livro de Enoque? Esse livro me perturbou por muito tempo. Enoque foi o stimo na genealogia de Ado, e foi arrebatado da Terra antes do Grande Dilvio, para no ver a morte.- E o que mais voc lembra?- Teoricamente, sei bastante.- O qu, por exemplo?- Sei que o livro de Enoque diz que, entre a criao dos humanos e ocataclisma mundial dos dias de No, houve uma rebelio angelical.- A segunda grande queda universal! A segunda, Abellardo!- Eu sei. Mas por que a nfase no fato de ter sido a segunda?- que a primeira foi puro narcisismo. Aquela de Lcifer!- A segunda tambm Joo. Foi apenas outro tipo de expresso narcisstica.Foi movida por desejo! Lascvia!- Abellardo, voc acredita que s duas quedas de anjos correspondem tambm quedas humanas? - Boa pergunta. Eu no sei. Nunca havia pensado nisto. Mas se tivesse que dar uma resposta aqui, diria "sim" e "no".- Como "sim" e "no"? Voc ainda gosta de respostas ambguas? Pelo jeito,parece que Sim.- Ambguo? Claro. Desde a queda de Ado que no mais possvel serhumano e no ser ambguo.- Ok! Mas voc no respondeu!- Certo. Respondendo, eu diria inicialmente "no". "No", porque a verdadeira queda, a queda de Ado, foi a da nossa natureza. Nesse sentido, depois de Ado, nos tornamos cados. E "sim", porque com a queda do segundo grupo de anjos camos, como nunca antes, no nosso comportamento. Acho que aquele negcio dos anjos quererem se misturar com a carne foi at mais profundo que se imagina.- Em que sentido aquela queda pode ter sido mais profunda do que se pensa, Abellardo?- Olha Joo, no Livro dos Comeos, se diz que algo assustador aconteceu depois da segunda queda de anjos. "E viu Deus que o caminho de todo ser vivente se havia corrompido sobre a Terra." E isto s dito depois da queda dos anjos, que se misturaram com a carne humana. E ento o Dilvio foi anunciado. Interessante, no mesmo?- Muito. Mas ser que achamos interessante pelas mesmas razes? Por que voc acha interessante?- Olha Joo, o fato de os anjos possurem as mulheres foi uma tentativa de encarnao. E encarnao s a do Nome, que Emanuel e significa Deus conosco. No caso da segunda queda, acabou sendo os demnios conosco. Talvez, por isto, a frase O Nome veio em carne para destruir as obras do diabo seja to crucial no mundo dos espritos.Quando Abellardo fez este comentrio, Joo Passarinho se inquietou. Pediu licena e se ergueu. Andou at o meio do avio, pediu gua, bebeu e retornou meio plido ao seu assento. No entanto, ao voltar, no deu a Abellardo nem a chance de perguntar como ele estava, pois foi logo perguntando:- Mas escuta Abellardo! Voc ainda lembra os nomes dos anjos que caram e seus lderes?- Mas por que voc quer saber Joo? Parece at aquelas brincadeiras dememria que a gente fazia.- Digamos que seja! Voc se lembra dos nomes deles?- Eram os Vigilantes Universais.- E voc lembra como eles caram?- Claro. Eles foram santos at o dia em que seus chefes, Azazyel e Samyasa,se encheram de desejos pelas mulheres. Mas j falamos sobre isso antes de voc se levantar.- Eu sei. Mas preciso falar. Olha, foi assim: uma estranha energia percorria seu ser quando viam as mulheres nuas, banhando-se, entretidas com sua prpria beleza, acariciando os cabelos; ou quando ficavam perplexas com a beleza de suas faces refletidas nas guas em que se lavavam.- Meu Deus, Joo! Esse negcio entrou em voc, cara. Voc falou como setivesse estado l ou estivesse lendo um texto. Estranho. Parecia decorado!- E quem disse que no estive? Sei tudo sobre essa histria, Abellardo. Edecorado? Claro que . De-cor-ado. Vem do cor-ao.- E o que mais voc sabe Joo?- Sei que depois de verem as mulheres, eles j no vigiavam a criao. Stinham olhos para as mulheres.- E o que eles fizeram para seduzi-las? Voc lembra?- Ora, meu amigo Abellardo! Eu que estava fazendo as perguntas.- Eu sei. Mas me diga. O que eles fizeram para seduzi-las?- Eles eram espritos. Por isso, tiveram que usar seus poderes dematerializao para serem vistos pelas mulheres. Eles tinham que ser o mais humanos possvel naquelas aparies, como os anjos, quando querem, conseguem fazer.- Como diz o Livro dos Livros, eles estavam indo aps outra carne e deixando o seu prprio domiclio.Ouvindo a narrativa de Joo, Abellardo recordou-se de muitos outros relatos de anjos que batalharam pelo povo de Deus, comeram manjares ao pr-do-sol e experimentaram a condio dos humanos, ainda que temporariamente. Ele lembrava at que havia uma advertncia para que se praticasse a hospitalidade, pois assim fazendo, muitos, sem o saber, poderiam estar hospedando anjos.- Depois de conhecer um anjo elas no queriam mais os homens, no Joo?- Azazyel, Samyasa e os outros Vigilantes se tornaram irresistveis. Eu noculparia as mulheres pela preferncia. Anjo deve ser melhor!- amigo. Ento o mundo mudou assim na Terra como no cu!Olhando pela janela do avio, Abellardo ento pensou que era incrvel comoas coisas dos cus mudam a Terra e, tambm, tragicamente, como as coisas da Terra podem provocar os cus, para o bem ou para o mal. E prosseguiu pensando com perplexidade em como os humanos se esquecem de coisas to essenciais como essa. E mais: como poderia uma histria to tragicamente fascinante ter sido quase totalmente negligenciada pela humanidade?!- Joo, me diga: como voc interpreta essa histria?- Ora, Abellardo! Voc sabe a histria. Por que voc quer que eu a interprete? - No sei. Mas me conte, mesmo que seja um capricho meu. D pra ser? Ento Joo disse que depois que os Vigilantes possuram as mulheres formosas, a Terra se corrompeu. Na nsia de aprofundar seu domnio ertico e hipntico sobre as mulheres, os anjos trataram de descobrir outros meios de seduzi-las. Assim foi que desenvolveram perfumes extrados de essncias naturais que os humanos ainda no conheciam; com pedras, arrancadas do corao da terra, criaram jias e adereos; desenvolveram msicas sofisticadas; construram instrumentos musicais avanados; conceberam projetos arquitetnicos gigantescos e os materializaram como lugar de paixo, seduo e prostituio no meio da Terra.E falou tambm que os Vigilantes se especializaram na arte de extrair da terra razes, cogumelos e outras ervas, de tal modo que misturadas, ou mesmo separadamente, criavam nos humanos, especialmente nas mulheres, as mais fantsticas e indescritveis sensaes. Elas passavam a sentir coisas de outro mundo. Seus olhos se abriam e seus sentidos se alteravam. A viso ficava meio dourada e a impresso das coisas se manifestava de modo arrebatado r e incontrolvel. E uma sensao chamejante de vida dava ao corpo uma espcie de sede satisfeita.Como que experimentando o destravamento de sua prpria memria, que agora era capaz de trazer lembrana as coisas que sabia e que haviam ficado armazenadas em seu inconsciente, Abellardo o interrompeu:- Os seres que nasceram das relaes sexuais entre anjos e mulheres eram gigantes e passaram a ser chamados de Nephilims, que significa aqueles que caram - disse.- amigo. O mundo enlouqueceu Abellardo! D pra imaginar?- Claro! As naturezas se misturaram. Era o comeo da reengenharia dasessncias proibidas.- Era mais que isso, Abellardo! Muito mais.- Ainda no terminei, Joo. Eu ia dizer que era o primeiro ato de interveno fsica da criatura nos estratos psicofsicos da criao. Como j falei, era tambm uma blasfmia, uma tentativa de encarnao.- Por isso que bom conversar com voc. Voc saca logo as implicaes.Que saudade dos nossos papos de maluco. Que saudade, Abellardo!- Mas, Joo, isto srio e no papo de maluco. A existncia se abriu para ser reproduzida contra a natureza das espcies criadas. E o que surgiu nessa recriao era o que no poderia ser e, portanto, era sem ser...- Pensando assim, Abellardo, s um dilvio poderia purgar a Terra! porisso que eu gosto desse livro. causa e efeito.- Claro! Claro! O Criador havia sido afrontado pela criao. O que maispoderia acontecer?- E vai mais longe ainda. Veio a punio. Ele baniu os Vigilantes dashostes celestes. A histria severa demais para o meu gosto!- severa, sim! Mas eles se tornaram seres cados, traidores de sua prprianatureza e vocao.- Mas e da? Tinha que ser assim? Por que uma punio para a eternidade?- Olha Joo, eterno, s o Eterno. A eternidade uma qualidade do Eterno, a eternidade comea e termina no Eterno.- Voc est dizendo que a eternidade tem fim?- O que estou dizendo que s o Eterno no tem comeo ou fim. Ele . - Ento a eternidade tem fim?! Tomara que tenha!- Tem, se ela comeou no Eterno. Comeou? Quem vem primeiro: o Eternoou a eternidade? Para mim a eternidade o ambiente do Eterno. Mas o Eterno mais que a eternidade.- Como? No estou entendendo! Baixa a bola, Abellardo.- Ento vamos falar de esporte. A d para baixar a bola.- Brincadeira. Mas diga: por que voc acha que o Eterno maior que aeternidade?- A eternidade , mas no sabe que . O Eterno e sabe que . A eternidade impessoal. O Eterno a pessoa de quem as outras pessoalidades, como eu e voc, se derivam, e tambm as outras existncias que existem sem saber que existem, como o sol, que , mas no sabe que . Alm disso, existem muitas eternidades.-Agora voc apelou. Que negcio este de muitas eternidades? J no bastahaver uma?- "Antes que os montes nascessem e formassem a Terra e o mundo, de eternidade a eternidade, Tu s...", o que eu creio. E tem mais: "... o amor doEterno de eternidade a eternidade . . .- Esse papo sexo dos anjos. No leva a nada, Abellardo!- U! Pensei que voc gostasse de sexo dos anjos. Afinal, amigo, o livrode Enoque , literalmente, sexo dos anjos.- O que quero dizer que essa conversa no tem nada a ver com o aqui e agora.- Ah, ? Como voc sabe? Talvez essa seja a grande questo, aqui e agora!Alm disso, amigo, quem sabe o que o aqui e agora? Eu no sei!Joo disse que precisava ir ao toalete. No estava se sentindo bem. Alm de tonto, estava suando frio. Enquanto isso, Abellardo decidiu ler alguns textos que falavam daquele mesmo episdio no Livro dos Livros.Primeiro leu So Judas: "E a anjos que no guardaram seu estado original, mas abandonaram o seu prprio domiclio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juzo do grande dia; como Sodoma e Gomorra, que se havendo entregue prostituio como aqueles (os anjos), seguindo aps outra carne, foram postas como exemplo do fogo eterno, sofrendo punio." E tambm leu So Pedro, o pescador que virou apstolo: "Deus no poupou a anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no Trtaro, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para o juzo; e no poupou o mundo antigo, mas preservou a No,... quando fez vir o Dilvio sobre a Terra.Recordou-se ainda de outro texto que falava de como O Nome, uma vez morto, visitou em triunfo espiritual aqueles seres que haviam cado antes das Grandes guas virem sobre a Terra: "E pregou aos espritos em priso, os quais, noutro tempo, foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos dias de No, enquanto se preparava a Arca..." E pensou: "Est claro que se est falando da rebelio dos Vigilantes que caram em prostituio e de como, por esta razo, o Dilvio caiu sobre a Terra!Olhou pela janela do avio. Tudo era verde l embaixo. Sbito, seus olhos mergulharam outra vez nas cenas que o livro de Enoque pintava em sua mente. Foi a que se deu conta de que ele e aquela histria estavam conectados. Era como se ele tivesse uma chave para abrir aqueles cenrios da Antigidade.Joo voltou do banheiro e, estranhamente, sem esperar qualquer sinal para o reincio da conversa, afirmou com extrema veemncia:- Os anjos cados precisavam se apossar dessa nova natureza. Ento comearam a comer animais vivos. Depois resolveram beber sangue humano. A Terra virou um cenrio de filme de terror. No meio da noite homens eram atacados na escurido. No dia seguinte amanheciam sem sangue ou mordidos e despedaados. Os Nephilims bebiam sangue humano porque sabiam que sangue e alma tm umarelao visceral.- Que mistrio! Que mistrio, amigo Joo!- Do que voc est falando, Abellardo?- que estou vendo como corpo e esprito s se casam na capela da alma. Semalma, um ser que corpo e esprito est fadado a existir rachado e descasado de simesmo para sempre.- Isto profundo, cara. Vou pensar nisto. "A capela da alma." Que coisa! - Se bem me lembro, Joo, o livro de Enoque diz que os Nephilims setornaram seres angustiados e dominadores.- Claro. Eles eram muito mais fortes, inteligentes e cultos em sua cincia. - Isso s explica o fato de serem dominadores. Mas eram tambm angustiados, perdidos dentro de si mesmos.- natural. Eles eram possudos pela dor de ser quase anjos e quase humanos.- Ento, voc justifica o fato deles terem se tornado os grandes dspotasdaquele perodo histrico, "vares de renome em toda a Antigidade"?- Sua memria impressionante. Pegue. Fique com o livro. Meu amigo Cedros disse que eu poderia dar o livro a quem tivesse alma. E nunca se esqueadisso: "Se absurdo, ento bem possvel.- No creio nisto!- Em que voc cr, ento?- Os impossveis dos homens so possveis para Deus! Nisto eu creio.- Cedros me disse que essa era uma outra verso, mas que era uma formaantiquada. Seja como for, fique com o livro.- Quem Cedros?- Hum? O qu?- Quem Cedros?- Um gigante, meu amigo! Um gigante!- Como assim, Joo?- Nada, querido Abellardo! S fora de expresso!Abellardo ouviu aquilo mas no deu importncia. Fixou O olhar na face deJoo Passarinho e depois o abraou. Foi quando avisaram que estavam pousandona capital de rodas as florestas.

O Caboclo Isaac Porto

No desprezeis os pequeninos, pois nos cus osseus anjos vem a face de meu Pai.O Nome

Ao chegarem, Abellardo despediu-se de Joo Passarinho e partiu sozinho rumo a Itacoatiara, a 220 quilmetros de distncia. Quando l chegou, procurou por um amigo chamado Tibrio e dele recebeu indicao para contratar um tal de Isaac Porco, que era dono de um barco confortvel, com capacidade para viagens mais longas, inclusive por rios ocultos - alguns, ele sabia, at fora dos mapas oficiais.Abellardo desejava realizar a mesma viagem que seu av havia feito quando tambm partira em busca de si mesmo. Abriu o velho mapa do av e mostrou a direo na qual deseja navegar.Isaac Porto era um homem de meia-idade, magro, quase alto, de rosto fino e cabeleira farta. No era bonito, mas possua uma espcie de charme primitivo, pois era cheio de histrias e tinha grande capacidade de se comunicar, apesar de falar muito errado. Seu sorriso era irresistivelmente cativante.- Olha, vai custar uns cem paus por dia - disse Isaac, parecendo manter o olhar em outro ponto, como que distantemente atento.Abellardo sentiu-se atrado por esse aspecto da personalidade do caboclo. Alis, as pessoas que o conheciam tambm costumavam dizer que ele era assim: distantemente atento. Assim, contratou Isaac com um sentimento de grande afinidade.- Seu Abellardo Ramez, me diga uma coisa: onde foi que conseguiu umnome to esquisito assim? Ou outra lngua?- Meu av materno era descendente de egpcios e minha famlia por parte de pai meio indgena. Acho que da que vem isso. Tem gente que diz que meu nome parece uma mistura de filsofo com fara. Sabe como ?- Sei no! Mas isso tambm no quer dizer nada. Sei que no sei de muitascoisas, seu Abellardo Ramez!Encheram o barco com mantimentos e partiram pelo rio Amazonas, pois era naquele oceano de guas barrentas que encontrariam a entrada do rio Urubu. Viajaram em silncio por um tempo, horas, talvez. Atarefado com as preocupaes da viagem, Isaac Porto andava de um lado para o outro, indo ao timo apenas para ajeit-lo ou redirecion-lo melhor. Abellardo se movia lentamente pelo barco. Andou por toda a sua extenso, pendurou-se para o lado de fora da embarcao como fazia quando criana e fechou os olhos, buscando, no ba do olfato, os cheiros que um dia haviam se reunido para compor seu sentido de experimentar aromas. noite ele estava saudoso, embora no soubesse de qu. Havia: um estranho silncio a sua volta. De repente, seus ouvidos se abriram. Ouviu de uma vez e ao mesmo tempo, diferenciadamente, milhes de vozes da floresta. Ento, levantou-se e foi para a proa do barco. L, repousando o peso do corpo numa perna s, Isaac Porto tomava um pouco de caf numa caneca esmaltada, meio quebrada nas beiradas.Abellardo ento contou-lhe de onde estava vindo. No geograficamente, mas na vida. Falou de tudo, inclusive do corao de Maria Flor de Cristo. Isaac Portoouviu.- Do jeito que voc est, s morrendo - disse.- , talvez voc tenha razo. No h nada mais vivo do que os momentosimediatamente anteriores morte. Sabe como ?- Sei, sim! J vi muito cabra que antes de morrer sentiu um monte de coisa. Parece que o cabra fica com um p l e outro c, a no sabe bem o que t acontecendo, n?Ento Abellardo disse que aquelas florestas escavam cheias de espritos opressores e energias psquicas. Falou com a conscincia de que seria entendido de alguma forma. Obviamente no exagerou. Chamou espritos opressores deterror noturno e energia psquica, de assombrao.- E o que esse negcio de esprito opressor?- So anjos cados que apavoram as noites e tambm os dias, espritosque se alimentam das supersties.A conversa continuou atraente. Falaram de algumas lendas da floresta e riram um bocado de algumas outras que s vezes so usadas pelas pessoas da regio para encobrir seus atos e deslizes.- como o pobre do Boto. Todo mundo pe culpa nele de pegar tudo que menina que vive na beira dos rios. O problema que o Boto s pega mulher em dia de festa. Tem coisa errada, no tem, no, Abellardo?- , o Boto como o diabo. Leva a culpa de tudo. Ningum diz "eu fiz porque quis". Eles tm que dizer que foi o Boto que mandou fazer ou forou a fazer.- , Abellardo, mas que o Bicho atenta, atenta sim! s vezes eu no digo"eu fiz porque quis", porque sei que fiz o que no queria fazer. D pra entender?- Claro. O Bicho, como voc falou, s tenta se houver predisposio nagente. Cada um tentado pela sua prpria cobia.Isaac ficou olhando ao longe.- Sabe, at eu t em falta com o Boto. Uma vez eu peguei uma mulhercasada que tinha um marido mole que nem jenipapo velho. Ela, meu amigo, era uma beleza. A pele era igualzinha a dessa frutinha, sapoti. Marrom e doce. Gosto de terra com acar. Os cabelos, que coisa linda! Uma cascata escorrida pelas costas. E as curvas, meu amigo! Era como esse rio espiado de cima, cheio devoltinha linda. Que coisa! Mas no t certo, n? o caso. Fiz o que no queria!- Faz muito tempo que isto aconteceu?- Faz um bocado de tempo, e foi como anteontem! - E a? O que aconteceu?- Vi a mulher sozinha mexendo farinha no forno. Toda suadinha. Chegaescorria. .. Fui e pedi pra provar a farinha. Ela deu um risinho. Conversamos e o resto, Abellardo Ramez, foi como se cu e inferno se unissem. Era um gosto de morte com sabor de vida que nem d pra contar como . A a danada, com os olhos ardendo que nem fogueira de So Joo, me atacou.Abellardo ouvia aquilo como se fosse um confessor. Havia uma dor saudosae um tom de culpa na fala do caboclo.- J sentiu isso na vida, Abellardo?- No, Isaac. Nunca. Com essa fora, nunca! Mas me diga: onde que oBoto entra nessa histria?- que a mulher ficou buchuda. Teve um menino e botou o nome dele de Isaaquinho. E como o marido dela ficou uns quatro meses viajando, ela disse queo Boto saiu do rio e botou semente nela. , virei peixe, meu amigo!- Voc a viu de novo, Isaac?- Todo dia. Toda hora. Ela t aqui, bem na minha frente. Mas nunca maisvi ela no.- E como foi que voc conseguiu esta faanha de no procur-la mais? - Olha, voc tem que saber que o que no seu, no seu. Mas vou mealimentar das lembranas dela pro resto da vida. E voc sabe como : tem gente que nos deixa marca at debaixo d'gua.- E como que voc se sente sobre o que aconteceu entre vocs? Ela era casada.- T errado e t certo. T errado porque a bichinha era casada. E t certo porque marido nenhum pode largar uma mulher como aquela sem satisfao. Ento, sou culpado pelo lado do marido e sou heri pelo lado da mulher.Ao ouvir isto Abellardo sentiu um mpeto de falar algo em contrrio. Teve uma crise de lgica grega e quase quis tentar provar que se estava certo, no podia estar errado, e se estava errado, no podia estar certo. Depois, percebeu que era melhor no dizer nada. Foi para a rede que estava armada ali no meio do barco, amarrada aos postes que sustentavam a cobertura da embarcao, e fez uma orao que h muito no fazia. "Ainda que eu passe pelas muitas guas, elas no me submergiro, pois Tu ests comigo. Depois, pegou o livro de Enoque e leu sofregamente. Mergulhou em suas imagens e na gravidade de suas terrveis afirmaes. Ento dormiu no embalo da rede.No meio da noite ouviu um som estranho. Sentiu o barco virar como se estivesse pousado no dorso de um monstro. De repente, sentiu que havia gua aoseu redor.- Pula, pula, enquanto d! - gritava Isaac Porto.Mesmo sem enxergar nada, Abellardo pulou no espao e teve a sensao deser projetado sobre a lmina da gua. O cheiro de fumaa e o som da mquina afundando lhe chamaram a ateno. Sentiu que mergulhara, mas parecia que pulara para dentro de algo. Queria sair, mas no encontrava como, pois abria os olhos e no via nada. Queria subir tona, mas batia com a cabea em algo que parecia uma parede de madeira e no lhe deixava espao para respirar. Por umnico momento, ouviu a voz de Isaac.- Sai do bicho antes que ele te leve pro fundo com ele!O problema que Abellardo no sabia onde estava nem o que era aquilo. Seaquilo era morrer, ento certamente era uma experincia que jamais tivera, nem de longe. S sentiu que seu humor comeava a mudar. O desespero foi dando lugar a um estranho sentimento de prazer. Sentiu o que os franceses chamam de "quase-morte" .Algo o estava lavando. E a escurido deixou de assustar. Mergulhou em regies de escuros e aparentemente inofensivos prazeres. Entretanto, no sabia onde ou o que era aquilo.

O Lugar dos No-Lugares

E ouvi uma voz que dizia: "Sobe para aqui e temostrarei o que deve acontecer depois destascoisas.Joo, o apstolo, no livro do Apocalipse, 4:1

A sensao era incomparvel. Olhou adiante e viu uma espcie de tubo, cujas paredes eram como as de uma bolha. Havia uma luz tnue, como uma suave claridade. Dava a sensao de que um nascer de sol estava para acontecer. A percepo da gua comeou a minguar. Sentiu tambm como se seu corpo estivesse se fundindo com todas as suas possibilidades de sentir, como se pela primeira vez pudesse se apropriar de todos os seus sentidos a um s tempo.De repente esse tnel-bolha comeou a se comprimir. Uma sensao de gua lavando seu interior percorreu-lhe o ser. Ento, tudo entrou em sofrimento. Era como se o lugar ou dimenso onde estava fosse como um ventre pronto para dar luz. Eram contraes contnuas, poderosas como os espasmos de uma cobra gigante. Ento, imagens. Milhares. Milhes de imagens. Cenas de todos os seus tempos e de alguns que nem sabia que eram seus. Conseguia ver e sentir tudo de uma vez, como se a vida tivesse sido uma nica experincia, contnua, completamente conectada em si mesma, e suas conseqncias nada mais fossem que o resultado lgico de todos os fatos.O tnel interior daquela sucuri estava chegando ao fim. Foi vomitado dentro de algo que, com certeza, existia dentro, e no fora. Ou seja, ele se sentia como algum que havia sido inseminado num tero dimensional.- Por que que voc anda procurando por mim?Levantou o olhar e viu um velho.- No sei quem voc. Quem voc?- Sou Enoque, o stimo depois de Ado, aquele que j no era, pois Deus otomou para si.Abellardo no podia entender. Morto, desconfiava, ainda no estava. Dava para perceber algumas sensaes fsicas demais para que fossem de outra dimenso. Mas onde estava?- Que lugar esse?- Esse no um lugar. Poucas coisas so lugares. O mundo dos lugares muito pequeno. Grande mesmo o Universo dos No-Lugares.- Ento, o que isso e onde eu estou?- Ora, a Amaznia! Onde que voc estava quando me encontrou? Vocno estava na terra das florestas?- , mas algo aconteceu! No sei se foi meu barco que afundou, se estou morto no poro do barco, se fui engolido por uma piraba gigante ou se foi uma sucuri que me espremeu no fundo do rio.- Nada disso importante. S uma coisa importante: voc um fugitivo, um Jonas!- Eu, um fugitivo? Como? Passei a vida sem fugir, enfrentando tudo, todos, sem medo, e querendo que minha vida tivesse um significado no mundo! - , mas tudo no passou de uma grande fuga. E sabe por qu?- Fuga?!- . Voc nasceu com muitos talentos. E isto fez com que seus verdadeirosdons acabassem sendo perdidos em voc. Gente como voc se engana o tempo todo. - Como assim?- Voc pensa que est indo, mas est fugindo. Pensa que est fazendo, mas,de fato, est desfazendo. Veja: por mais que voc faa, se no fizer o que voc nasceupara fazer, ser ento um fazer que no realizar sua alma.- E o que eu nasci para fazer?- Voc aprender agora!E como que voc sabe disso e sabe quem eu sou?Abellardo Ramez II seu nome. Voc seria chamado por outro nome,mas seus pais mudaram de idia na ltima hora.- Como voc sabe de tudo isto?- Onde eu existo e na misso que tenho, sabe-se de tudo o que se tem desaber e no se sabe de nada que no se precisa saber. Aqui, se for preciso, voc sabe.- estranho, mas sempre pensei que se um dia eu encontrasse algum dos meus heris, eles falariam com aquela voz solene de gente antiga e santa. Mas voc fala como eu. Por qu?- J ocorreu a voc que aqui, neste momento, neste lugar, para usar a sualinguagem, eu no seja uma imagem viva e real? Eu recebo misses inimaginveis. J fui a muitos mundos, dimenses, estados e lugares. A maioria deles existe onde ningum pode imaginar uma existncia.Foi quando Abellardo olhou em volta e se deu conta de que no havia cenrio algum onde estava. Era como se fosse um grande e csmico estdio de gravao, com fundo infinito em qualquer direo que se olhasse.Olhou para Enoque e o viu. Era alto, o cabelo era branco como o branco pode ser. Sua barba era longa e sedosa. Havia um cheiro de frutas que exalava dele. E seu hlito era o de jasmins na entrada da noite.A nica percepo diferenciada que ele tinha ali era a da tira de pano vermelho e acetinado que Enoque trazia amarrada testa, e que sobressaa com majestosasimplicidade no ambiente.- Por que foi que voc veio ao meu encontro?- Viemos ao encontro um do outro. Mas no fomos nem eu nem voc queiniciamos o movimento na direo do outro.- O que voc quer dizer com isto?- Abellardo, escute para sempre o que vou dizer: na existncia dos seresque sabem que so, no h nada que no seja desgnio de Deus e que tambm noos deixe livres para ser ou no ser..- Quer dizer ento que esse debate entre a vontade de Deus e a liberdadedo homem no cessa e no se explica nem aqui?- O que , . Isto tudo e tudo !- J ouvi essa frase.- Eu sei. Vernica! Esta frase estava no corao de Vernica.Ento, depois disto, por alguma frao de algo que Abellardo no sabiaprecisar, viu a histria emocional de sua vida. No eram eventos, mas emoes que se sucediam como ondas de um corao que fibrila. Mas bem embaixo dessa agitao de energias emocionais arrtmicas, surgiu de modo pesado, depois suave, uma msica sendo tocada. Foi quando percebeu que ali, mais ao fundo, as emoes da vida viravam msica. A cada fragmento de emoo correspondia uma nota musical, de modo que, s vezes, a msica era grave, s vezes, leve, s vezes, inclassificavelmente arrtmica, mas, s vezes, to arrebatadora que a nica opo era danar.- Eu vim para dizer que voc amado, que o seu pecado j foi perdoado e que o Amor Que ainda tem algumas misses para voc. Antes, porm, voc precisa ser curado.Ento, Enoque levantou o olhar aos cus, bendisse o Nome e baixou os olhos at encontrar os de Abellardo. A seguir, fixou o olhar to fortemente dentro de Abellardo, que era como se ele tivesse sido espetado contra uma muralha incandescenteno fundo do universo.Foi quando Enoque disse:- Ed timu hemo brese de dadiav mesrivre sera odre perama ara per vila cif: ei ranodnaba et si amaj. Eira xi ed et ac nun.Um elemento quente como fogo liquefeito foi derramado sobre ele, impregnando-o medida que escorria sobre seu corpo, densamente atravessvel.E por onde aquele fogo lquido passava era como se o sol nascesse na escurido de seu esprito, como se tempestades lavassem as florestas de sua alma, como se os campos de suas emoes parissem flores e as rvores dos seus pensamentos dessem luz frutos de esperana.Ento ele chorou como nunca chorara antes. Depois danou como nunca soubera que era capaz. E, por ltimo, explodiu em gritos de alegria pelo perdo que recebera e pela graa que insistia em fazer-lhe bem.Agora, todavia, comeava a suspeitar de que o que Enoque dissera antes era algo para se escutar e nunca na vida se esquecer: "O que , . Isto tudo e tudo ." Assim, refletiu, as discusses e vaidades da vida diminuam muito a seus olhos. E sua preocupao com imagem e reputao tambm quase desapareciam de todo, ficando-lhe apenas o cuidado com a dignidade e com as simples certezas de seu corao.- Voc est iniciando uma grande viagem. Conhecer os segredos dos Nephilims. Ser caluniado pelo que no fez e confrontado pelo que fez. Assim, aprender o sabor de ser quem voc , e tambm de ter que existir sabendo o quevoc no .- Mas o que isto tem a ver com ter cado aqui e encontrado voc?- Certas quedas so para cima, mesmo quando parecem ser o fim. Almdisso, seu interesse pelo que aconteceu antes das Grandes guas colocou voc como uma das poucas pessoas que acreditam na histria dos Vigilantes Universais. Ali est o segredo que todos os profetas conheceram e os apstolos reverenciaram.- Ento eu no estou errado quando creio que os apstolos e profetassabiam da histria em detalhes, Enoque?- Sim, eles nunca esconderam isto. Sem falar que o Livro dos Comeos tambm no faz mistrio do fato, mas diz apenas o suficiente para que se saiba queo Grande Dilvio aconteceu por causa de uma maldade sem cura.- Sem cura? Como?- Todas as coisas da Terra tm cura. As coisas dos cus no tm cura, porque, por sua prpria natureza, ou elas so ou no so. Mas o que aconteceu entre os Vigilantes e as mulheres formosas foi pior porque agora existem os Nephilims, que nem so anjos nem homens. Eles nasceram de uma unio de dimenses que seguiam por leis e cdigos diferentes.- Como leis diferentes?- No universo h vrias camadas de leis.- E que leis so essas?- H a Lei do Universo Superior. H a Lei do Mdio Universo. H a Lei doPequeno Universo. H a Lei da Terra. H a Lei das Naes. H a Lei dos Senhores e dos Mestres dos Homens. E h a Lei dos Submundos.- So sete nveis, certo?- Sim, e so conhecidos como as Leis das Camadas Universais.- E como elas so aplicadas?- Cada ser vivo ser julgado em apenas dois critrios: o da Lei do Grandeuniverso e o da Lei do seu universo particular, de sua dimenso, ou de seu territrioou espcie.- Mas em que essas leis so diferentes?- Elas operam sob o mesmo princpio, mas so diferentes em sua forma. Aprimeira afeta o dever para com o Criador e o Universo. A segunda so os deveres para com o grupo ao qual se pertence. E assim vai... desde os seres que rastejam at os arcanjos dos mais altos cus.- Por que as outras leis no nos dizem respeito? Sempre acreditei que a sabedoria da vida era alinhar tudo, das leis universais s locais, sem excluir nenhuma camada.- S nasceu Um capaz de obedecer a todas as leis do universo, do Trono Universal ao p da Terra, e que todo ser que respira d glria e majestade ao Seu Impronuncivel Nome! - bradou Enoque e se ajoelhou.Ento ouviu-se um som estrepitoso e era como se o universo estivesse se construindo e desconstruindo ao mesmo tempo, como se aquele Nome fizesse a essncia de todas as coisas cantar e gemer, exultar e grunhir de dor, danar e se ajoelhar em preces.- Os Vigilantes pertencem s Leis do Universo Superior. Por isto, eles no tm que ser confundidos pelas outras leis. Eles vivem no mundo onde o que , ; eno h dvidas. Eles existem acima das incertezas.- E quais as conseqncias para os anjos quando desobedecem?- Quando eles desobedecem, no h retorno. uma deciso absoluta derebelio. Pelo menos, no nessa eternidade.- Como nessa eternidade? Ento h muitas eternidades?- Achei que voc acreditava nisto. Veja: s h Um que Eterno. Maseternidades, j houve muitas e outras muitas ainda haver!- Mas o que voc quer dizer? Haver um dia em que tudo e todos se reconciliaro com Ele?- Um dia Ele ser tudo em todos!- E ns, os humanos? Como essas leis funcionam com a gente?- Ns que viemos do p, que somos menores que os anjos, vivemos sobtantas leis e somos confundidos por tantos outros mundos que existem acima de ns ou nossa volta, que quando quebramos a Lei, h sempre muitas causas em questo.- Estou comeando a entender. por isto, ento, que no se deve julgar o prximo?- Sim! Os filhos de Ado deveriam agradecer todos os dias por serem to pequenos, pois nessa pequenez que habita o mistrio que os anjos no entendem: o amor do Eterno e Seu poder de perdoar os filhos da Terra. Este o Amor Que !- Essa a glria de estar perdido, de no saber, de transgredir na confuso, e de viver de modo to indiscernvel?!- apenas por causa da rvore Seca onde Ele foi imolado. Ela o centrode tudo o que existe, e Nele tudo subsiste!Ento Abellardo achou que algo iria acontecer. Sentiu alguma coisa lhe pegando o brao. Seu cabelo foi como que puxado. Uma leve sensao de gua lhe chegou boca. Olhou e viu algo branco como areia bem ao fundo, prximo ao ombro direito de Enoque, que agora se virava e comeava a andar diante dele. Mas outra vez aquela impresso de natureza difusa e distante se afastou.Comearam ento a cair. Era como se arremessar de um avio e cair sem medo. No havia coisas para ver. Mas era como ver tudo a um s tempo, como se na queda tudo ficasse mais verdadeiro. De repente, voltaram ao mesmo cenrioonde a nica cor alm do branco era a fita vermelha acetinada na testa de Enoque.- Enoque, ento como ficam os Nephilims?- O que voc pensa sobre eles? Me diga: como os v?- Bem, eu acho que eles esto vivendo a condenao de sua histria.Alguns Nephilims foram muito maus. Outros, nem tanto.- Voc est quase certo. verdade que no h um nico julgamento. Mas os Nephilims se tornaram como nuvens de agonia sobre a Terra, atormentados e atormentando; tornaram-se espritos imundos. H muito para voc ver. S entender se puder ver. H muito a lhe dizer, mas ainda no a hora.- Eu me lembro de que quando era jovem, lia no Livro dos Comeos sobre a queda dos "filhos de Deus que possuram as filhas dos homens" e ficavaperturbado. No dava para pensar que fosse o que me diziam que era.- E o que os seus mestres lhe ensinaram sobre isto?- Muito pouco. Esse assunto meio proibido.- Sem saber o que houve na Antigidade, como se entender a humanidade? - indagou Enoque muito mais interessado em fazer Abellardo falar do que porque no soubesse. E perguntou outra vez: - O que lhe ensinaram os seus mestres?- Meus mestres sempre me diziam que eles no eram anjos, que os filhos de Deus que possuram as filhas dos homens eram os filhos de Sete, filho de Ado, e que eles haviam se casado com as filhas do banido e desterrado Caim. Houve at um grande mestre que tentou me convencer de que eram anjos sim, mas que possuram as mulheres na forma de espritos invisveis, e elas, possessas de sensualidade, se tornaram sexualmente adlteras, prostitutas insaciveis. Mas jamais me explicaram por que, ento, os filhos delas nasciam gigantes, Nephilims, tornando-se "os vares poderosos de toda a Antigidade".Quando falou isto, Abellardo percebeu que no havia som saindo de sua boca. De fato, aquela era uma conversa de pensamentos. Ele apenas tinha que pensar para se fazer ouvir.- Diga-me, como voc se recorda da Palavra que citou?Ento, Abellardo, sem fazer qualquer esforo para recordar-se do texto,apenas abriu a boca e falou:- Como foram se multiplicando os homens na Terra, lhes nasceram filhas. Vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si como mulheres as que, entre todas, mais lhes agradaram. Ora, naquele tempo havia gigantes na Terra; e tambm depois, quando os filhos de Deus possuram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos; estes foram poderosos, vares de grande fama na Antigidade.- Isto, Abellardo, j seria suficiente para que se soubesse sobre os Vigilantes e os Nephilims. E em muitos outros lugares no Livro dos Livros se falou do mesmo assunto.- Nunca entendi por que no se falou mais explicitamente do assunto! - Veja, Abellardo, se no se falou mais a respeito, foi porque no havia ainteno de encher a Terra com aquela memria.- Mas por que agora se deve falar nisso?- que a maldade dos anjos cados e seus filhos invadiu a Terra, mesmodepois das Grandes guas e mesmo depois que os ltimos descendentes dosNephilims morreram no corpo..- Eu sei disso! Mas por que somente agora se est falando nisso?- Este o tempo do fim! Esta a hora de lhes tirar o disfarce. Mas aindaest cedo para que eu fale a respeito de Genun e de suas maldades praticadas contra os filhos de Caim, corrompendo a casa de Jerede, meu pai.- Uma curiosidade: os gigantes que existiram depois do Dilvio eramdescendentes dos Nephilims?- Onde mais se diz no Livro dos Livros que os gigantes eram de outraorigem?- Em lugar nenhum!- , mas l se fala que os gigantes eram a descendncia dos filhos de Deuscom as filhas dos homens, as mais formosas!- Sim! Mas no se explica como eles sobreviveram s Grandes guas. Haveria algum deles na Arca?- Claro que no! Mas hoje ainda no tenho permisso para lhe informar. Um dia, talvez.

O ambiente tornou-se meio difuso como um sonho. Atrs do rosto de Enoque, pareceu surgir a face de Isaac Porto. Abellardo, porm, achou que era apenas impresso, dessas que se tm em muitos lugares e situaes, especialmente nas horas de crise.Enoque ento o pegou pela mo e juntos flutuaram sobre um rio de fogo frio, vermelho e incandescente. De repente, pararam. Ento, Abellardo viu que haviamvoltado ao mesmo cenrio.- O que foi que houve?- Senti que voc precisava de uma brisa da tarde-manh, foi s isto.- E por que eu preciso e voc no?- Ora, eu no preciso, eu gosto. Mas se gosto, preciso. E no gosto de nadade que no preciso. E no preciso de nada de que no gosto, pois tenho tudo. E assim . Lembra? Tudo .- Mas sua situao singular. Voc Enoque, o homem que j no era, pois Deus o tomou para si. Ou como algum j disse: Enoque foi trasladado para no ver a morte. Igual a voc, s Elias, de Gileade. E talvez Moiss, que morreu, mas teve o corpo guardado por anjos.- Sim, eu no passei pela morte e tambm no ressuscitei at hoje. Eu sou um dos primeiros que sero os ltimos. Mas aqui meu corpo . O seu corpo ainda est no meio do caminho, est sendo. Voc ainda est dividido. Voc ainda no sabe bem o que e muito menos quem .- E esta a grande questo na Terra. Alm disso, eu sou ainda completamente diferente de voc. Gosto de muito do que no preciso e preciso de muita coisa de que no gosto.- por isto que voc acaba sendo escravo de gostar do que no precisa e deprecisar do que no gosta!- Eu sei. Freqentemente, tambm vejo que fao o que no quero, e que o que quero no fao. s vezes d at vontade de gritar como algum j fez antes de mim: Desventurado homem que sou. Quem me livrar o corpo dessa morte?- Voc sabe que apenas porque eu nunca morri, mas fui arrebatado parano ver a morte, que posso estar aqui falando com voc? Voc sabe disto, certo?- Sim, eu sei.- Se eu fosse um morto, no teria permisso para falar com voc, pois seriaconsulta aos mortos, e isto cincia dos Vigilantes e Nephilims.De repente, Abellardo comeou a tossir. Sentiu gua esguichando para o lado de fora. Um frio enorme o abraou. Depois foi um calor de sangue que o possuiu. Ento sentiu seu corpo. Percebeu que havia tambm muita areia sobre ele, especialmente nos cabelos.- Acorda, homem, acorda! Eu sei que Deus no vai fazer isso comigo. Eu sei que Ele no vai deixar um cabra morrer na minha mo!Ento olhou e viu o rosto fino de Isaac Porro. Podia at sentir seu hlito e respirao. Uma sensao de familiaridade com o caboclo o possuiu. Agradeceu a Deus por ele estar ali, ainda que no soubesse onde era ali e nem que hora era aquela. Sentia-se vivo, mas sem foras e sem vontade de falar. Algum tempo depois,conseguiu perguntar:- Onde que a gente est Isaac?- Aqui no alto rio Urubu, bem longe de tudo. Um desses lugares quenem fantasma acha.- Mas o que aconteceu? S me lembro de que conversamos, fui para a rede me embalar e tudo ficou mais que escuro. Mergulhei e s voltei agora. Acho at que tive um sonho que era como um filme. Sei l. Parecia mais real que estar aqui com voc.- Acho que com aquele papo da mulher da farinha, me esqueci da vida. Deve ter sido um tronco ou uma pedra. J passei muito por aqui e nunca vi pedra,no. Mas o bichinho no agentou e foi pro fundo.- E o que foi que aconteceu comigo?- Voc mergulhou pra dentro do bicho, pro poro. Estava danado de escuro. Pulei atrs, mas no te peguei. Quando vi que voc tava danado, tratei de me salvar. Nadei pra longe do bicho at que deu p. O rio Urubu t baixando; ento,as guas to longe da praia. Olha s como as guas to longe de ns!- Mas e a, Isaac? Quer dizer ento que eu estou morto e no sei?- No, homem. Voc t mais aqui do que l. Isso com certeza. Mas queteve l, isso teve. Com um p na cova. Bonitinho!- Mas deixe de suspense e me conte, Isaac - falou Abellardo, meio sempacincia diante da novela do caboclo.- Hoje de manhzinha quando acordei, fui at a beira do rio. Ento, espiei de longe o casquinho do bichinho. Cheio de medo, porque vivo da gua, mas morro de medo dela... J quase me afoguei, depois eu conto. Ento fui l nadando. Subi nocasco do bicho e ele agentou. Acho que ali raso. Tem pedra com areia. Sei l!- Voc teve medo, Isaac?- Sou medroso, mano. Tinha um buraco no casco. Quando meti a cabeadentro, voc tava l. Com o nariz pra fora d'gua. Voc ficou engatado em uns troos. Os braos tavam seguros numas travessas do poro. E como o bicho virou, o que era embaixo ficou em cima. A voc se salvou.- E como foi que voc me tirou de l?- Deu um trabalho do inferno. Voc pesa pra caramba. Peguei primeiropelos cabelos. Depois segurei pelos braos. Voc at me deu uma olhada, cabra. Depois se foi de novo. Puxei voc pra c. T mortinho. Fiquei aqui do seu lado, deitado. At que voc comeou a falar num conhecido seu, um tal de Inhoque e o filho dele, que chamou de seufilhin.- Enoque. E-n-o-q-u-e. E no nada de seufilhin, so os Nephilims, que no so filhos de Enoque, mas sim dos anjos com mulheres formosas; e so gigantes - explicou com energia renovada.- Voc muito doido, homem. Essa noite na gua endoidou voc!- No sei o que foi, mas foi como se o livro que eu estava lendo desde queencontrei voc ontem estivesse vivo dentro de mim, e seus personagens estivessem livres na minha mente.- Por falar em livro, voc t falando daquele que t ali todo encharcadinho? - Como foi que ele veio parar aqui?- Voc estava com ele na mo. E num largou o bicho nem pra morrer. Deveser bom, o danado.- Me faz um favor, Isaac? Pe o livro pra secar ali naquele tronco?Abellardo levantou-se, andou lentamente em volta do lugar e percebeu que estavam perdidos, a menos que algum barco passasse ali. A margem mais prxima estava a quilmetros de distncia, e naquelas guas escuras nem ele nem Isaac Porto se atreveriam a nadar. Mas no se importou com isso. Ali, no meio do nada, viu que tanto fazia ficar perdido ou ser achado; a nica coisa que importava era viajar mais, especialmente se pudesse ainda revisitar aqueles mundos intermedirios, nos quais a imaginao era cheia de premonio e profecia e onde as viagens interiores poderiam lhe fazer ver com melhores olhos o que ele chamava de lado de fora. Ou seja: sua prpria imagem. Ento, teve uma enorme vontade de fazer um fogo e se sentir primitivo, como se nada fosse mais humano do que ser primitivo.

O Pacto de Execraes

Portanto, deve a mulher, por causa dos anjos,trazer vu sobre a cabea, como sinal de autoridade.So Paulo aos Corntios, 11:10

Abellardo Ramez II j havia acampado muitas vezes. Mas jamais estivera perdido. Estava perdido no porque no soubesse o caminho de volta, mas porque no tinha como voltar. Ele havia sido arrebatado e no deixara endereo. E, assim, semelhana de Enoque, ele tambm j no era. O estranho era que queria ficar perdido, pelo menos por um tempo, pois pensava que o perdido realmente perdido ficava livre de preocupaes.- Voc tem fogo a, Isaac Porto?- claro. S ando com esse bichinho aqui, esse isqueirinho pretinho. Agenta at as guas do rio Urubu.Abellardo ento se levantou, catou uns gravetos e fez um fogo.Era dia, mas soprava um vento frio. Alm disso, depois de passar a noitedentro da gua, qualquer vento o sensibilizava todo. Comeou a tossir muito. Uma sensao de febre passou a lhe esquentar o sangue. As juntas doam. A cabea pesava. Os olhos ardiam. Deitou na areia gelada, gemeu, se abraou, fez cafun em sua prpria cabea, alisou o peito, se ajeitou no cho e dormiu. Quando acordou, viu que j estava escurecendo. Ao seu lado, no cho, Isaac Porto olhava para cima, calado. Quando viu que Abellardo acordara, foi logo pulando e dizendo:- Acho ruim a gente sair daqui. Num passa nada, nem barco nem canoa. E os navios de linha arrodeiam as ilhas pelo lado de l. Quem mandou voc querer um lugar que nem t no mapa?! - Ento, estendendo a mo, deu-lhe algumas frutas que apanhara no mato, na entrada da floresta. Sentado na areia, Abellardo sentiu uma enorme e quase incontrolvel saudade dos filhos. Chorou em silncio. Depois andou de um lado para o outro. Havia uma ansiedade estranha em sua alma.

- Isaac, voc quer saber o que foi que aconteceu comigo durante o tempo em que fiquei meio morto no barco?- claro. Aquele negcio de Inhoque e seufilhin me intrigou, homem. Vai l. Me conta que t morrendo pra saber.- Olha, pra saber mesmo, s morrendo.- Ei, amigo, vira essa boca pra l. Num me conta, no.- Que isso, Isaac? S morrendo, porque por mais que eu lhe explique vocno vai entender. Era como se eu tivesse morrido. E morte, a gente no tem palavras para explicar, entendeu?- Entendi, sim. Mas prefiro entender pouco vivo, do que entender um bocado, morto.Abellardo contou a Isaac, em detalhes, o fenmeno de sua relao com aquele livro e como ele o levara para o lugar onde encontrara Enoque. Quando terminou, viu que Isaac Porto estava petrificado. Os clares trmulos da fogueira acendiam um brilho de perplexidade nos olhos do caboclo. Notou tambm queele estava parado porque no tinha coragem de andar.- Voc viu se o livro j secou?- T ali, olha. Botei em cima do tronco seco. T sequinho. Por qu? Vocquer ler o bicho?- , acho que vou ler um pouco. Voc se importa?- Me importo toda a vida. Mas o que que a gente faz aqui nesse fim demundo? S lendo, n?O ambiente era sinistro. A noite, escura acima e em volta deles, era misteriosa como o rio Urubu, que ali, adiante deles, assistia em silncio perdio que experimentavam. Havia uma espcie de silncio habitado. Os sons eram tantos que nem conseguiam diferenci-los uns dos outros, ficando apenas aquele zumbido da noite, viva e ocultadora dos seres que nela pululavam. Ento Abellardo comeou a ler o Livro de Enoque com voz de orador. Clara. Alta. Imponente. Grave.

Isto os anjos me mostraram. Deles eu ouvi todas as coisas e entendi o que eu vi; daquilo que no acontecer nesta gerao, mas numa gerao que est para vir, em um perodo distante, por causa dos Eleitos. Devido a isto eu falei com Ele, aquele que se estende para alm de sua habitao, o Santo e Magnfico, o Deus do Universo. Que doravante caminhar e aparecer com suas hostes, e ser manifesto na fora de Seu poder vindo do Cu. Todos devero ficar atemorizados, e os Vigilantes, aterrorizados. Grande medo e tremor devero atac-los, mesmo se esconderem-se nos confins da Terra. As montanhas mais altas sero perturbadas; as colinas exaltadas sero deprimidas, derretendo-se como favo de mel em uma chama. A Terra dever ser imersa, e todas as coisas nela perecero, pois o julgamento vir sobre todos, at mesmo sobre os justos.Mas a estes Ele trar paz, Ele preservar o eleito e para eles exercer clemncia. Ento todos pertencero a Deus, sendo felizes e abenoados, e o esplendor da divindade ilumin-los-.

- Abellardo, s um minutinho. Quem so esses eleitos? So os cabras de corao bom e que no se desviaram de Deus?- So, sim. Os eleitos so os que decidiram ser de Deus e que Deus tambm decidiu que eram Dele. D pra entender?- Claro. Parece com aquilo que meu tio Joozinho dizia sobre uma f danada que ele tinha e dizia que nunca iria abandonar. Ele dizia um negcio que eu nunca esqueo: "Se eu pudesse, eu num queria. Mas se eu quisesse, eu num podia." D pra entender?- Acho que d, sim. Deixa eu continuar.

E eis que Ele vem com mirades de seus anjos, para executar juzo sobre os mpios, destruir o mal de suas obras e reprovar todos os carnais, por tudo o que os pecadores e mpiostenham feito e cometido contra Ele e sua Criao.Todos os que esto nos Cus sabem o que l realizado. Sabem que os luminares celestiais no mudam seu caminho, que cada um nasce e se pe com regularidade, cada um em seu prprio perodo, sem transgredir os comandos que receberam, Mas os mpios resistem impacientemente, no cumprem os mandamentos do Senhor, mas transgridem e caluniam Sua grandeza, e malignas so as palavras em suas bocas polutas contra Sua Majestade.Tu que murchaste em teu corao, nenhuma paz jamais te alcanar, Assim, at mesmo amaldioars os teus dias, e os anos de tua vida ho de perecer, execrao perptua multiplicar-se- sobre ti, e no havers de obter misericrdia, Nesse tempo tu ters que renunciar publicamente a tua paz, sob os clamores amaldioantes dos justos, e at os pecadores te pronunciaro escrnios para sempre. Tu sers execrado com os mpios.Os Eleitos possuiro luz, gozo e paz, e herdaro a Terra.Mas tu, que s impuro, sers amaldioado.Ento a sabedoria ser dada aos Eleitos, os quais vivero e no mais transgrediropor impiedade ou orgulho, mas se humilharo, possuindo prudncia, e no repetiro suas transgresses,Os Eleitos jamais sofrero condenao perptua, nem morrero em tormento e indignao, mas a soma de seus dias ser completa e eles envelhecero em paz, enquanto os anos de sua felicidade sero multiplicados com gozo e com paz, para sempre, por toda a durao de sua existncia.Isto aconteceu depois que os filhos dos homens se multiplicaram sobre a Terra, e foi quando as suas filhas nasceram e se tornaram mulheres belas e elegantes. Nesse tempo foi que os anjos, os filhos dos cus, as viram e as observaram, e assim se enamoraram delas, dizendo uns aos outros: "Venham, tomemos para ns esposas da progenia dos homens e geremos filhos.Ento, seu lder, Samyasa, disse a eles: "Eu temo que vs podeis talvez vos indispor contra a execuo desta empreitada. E que eu sozinho sofra por to horrendo crime," Mas eles responderam, dizendo: "Ns todos juramos que ficaremos contigo,Assim, selaram seu pacto com mtuas execraes, dizendo: "Ns no iremos mudar nossa inteno, mas executar nossa empreitada conforme a projetamos", Juraram todos' juntos e se pactuaram atravs de mtuas execraes. Seu nmero total era de duzentos, que desceram sobre Ardis, que o topo do monte Hermon, nos dias de Jerede.Assim a montanha foi chamada de Hermon porque eles haviam jurado sobre ela, e ali selado uns aos outros por meio de mtuas execraes,Estes eram os nomes de seus chefes: Samyasa, o lder, Urakabarameel, Akibeel, Tamiel, Ramuel, Danel, Azkeel, Saraknyal, Asael, Armers, Batraal, Anane, Zavebe, Samsaveel, Ertael, Turel, Yomyael, Arazyal. Estes eram os chefes dos duzentos anjos, e o restante estava com eles.Ento tomaram esposas, cada qual escolhendo por si mesmo, as quais abordaram e com as quais coabitaram, ensinando-lhes feitiaria, encantamentos e a diviso das razes e rvores. E as esposas, ao conceberem, trouxeram ao mundo gigantes, os quais devoravam tudo que o trabalho dos homens produzia, at que se tornou impossvel aliment-los. Ento se voltaram contra os homens, para devor-los. E passaram a ferir pssaros, bestas,rpteis e peixes, para comer sua carne uma aps a outra e beber seu sangue.Ento a Terra reprovou os injustos.Alm disso, Azazyel ensinou os homens a fabricar espadas, facas, escudos e armaduras,ensinou-lhes tambm a produzir espelhos e o artesanato de braceletes e ornamentos, o uso da tinta, o embelezamento das sobrancelhas, o uso de pedras de cada tipo de acordo com seu valor e de toda a espcie de tintura, sendo assim o mundo alterado.A impiedade aumentava, a fornicao se multiplicava, e eles transgrediam e se corrompiam em todos os seus caminhos.Amazarak ensinou feitio e encantamento usando razes.Armers ensinou a feitiaria como soluo.Bakayal ensinou os astrlogos.Akibeel ensinou os sinais escondidos nos tempos.Tamiel ensinou astronomia.E Asaradel ensinou os movimentos da lua.E os homens, sendo destrudos, clamaram e sua voz chegou aos cus.Ento Miguel, Gabriel, Raphael, Suryal e Uriel observaram do cu e viram a quantidade desangue que se derramava na Terra, e a iniqidade que era feita sobre ela, e disseram uns aos outros: " a voz de seus clamores. A Terra privada de seus filhos clamou at os portes do cu.E a uma voz, santos do cu, as almas dos homens clamaram, dizendo: "Faa-se justia por ns junto ao Altssimo!Ento eles disseram a seu Senhor, o Rei: "Tu s o Senhor dos senhores, Deus dos deuses, Rei dos reis. O trono de Tua glria para sempre e sempre, e para sempre o Teu Nome santificado. Tu s bendito e glorificado. Tu fizeste todas as coisas, tu possuis poder sobre todas as coisas, e todos os segredos esto abertos e revelados perante Ti. Tu observas todas as coisas e nada pode ser escondido de Ti. Tu viste o que Azazyel fez, como ele ensinou toda espcie de iniqidade sobre a Terra e como ele mostrou ao mundo todas as coisas secretas que so feitas nos cus. Samyasa tambm ensinou feitiaria queles sobre os quais Tu lhe deste autoridade e queles a ele associados. Eles foram junto s filhas dos homens, deitando-se com elas, e tornaram-se poludos. E ensinaramnovos pecados a elas.As mulheres, de igual modo, trouxeram gigantes Terra.Assim toda a Terra se encheu de sangue e iniqidade.Agora, eis que as almas daqueles que foram mortos clamam. E apelam at ao porto docu. Seu clamor ascende, e no podem escapar da injustia que cometida na Terra.Tu conheces rodas as coisas antes de elas existirem. Tu conheces todas essas coisas, e o quefoi feito por eles, e ainda assim Tu no nos falas.O que, diante de todas essas coisas, devemos fazer com eles?

- Mano, esses cabras, esse Miguel e os outros, so muito decididos. Escuta: esses cabras respondem as rezas da gente?- Eu nunca orei pra anjo. Os anjos so servos de Deus e no so nossos intermedirios. S se deve orar a Deus. Se Deus os mandar ao nosso socorro, eles vm. Se no, a gente no vai orar pra eles, pedindo: "Ah, So Miguel, vem me ajudar aqui nessa ilha perdida." Posso continuar a leitura, Isaac?Ele apenas acenou com a cabea, estimulando Abellardo a prosseguir.

Ento, o Altssimo, O Grande e Santo, falou e enviou Arsayalayur, que Uriel, ao filho de Lameque, dizendo: "Diz-lhe em meu Nome: Esconde-te. Ento explica-lhe a consumao que haver de suceder, pois toda a carne perecer, as guas de um dilvio viro sobre toda a Terra. E agora ensina-lhe como poder escapar, e como sua semente poder permanecer em toda a Terra.E o Senhor disse a Raphael: ''Amarra as mos e ps de Azazyel, lana-o na escurido, e abrindo o deserto que est em Dudael, lana-o l. Sobre ele arremessa pedras pontudas e pesadas, cobrindo-o com trevas. L ele deve permanecer para sempre. Cobre-lhe o rosto para que ele no veja a luz. E no grande dia do julgamento, que ele seja lanado ao fogo.Restaura a Terra, que os anjos corromperam, e anuncia vida a ela, para que Eu a reviva. Todos os filhos dos homens no perecero em conseqncia dos segredos que a eles foram ensinados e pelos quais os Vigilantes sero destrudos, pois os ensinaram a seus descendentes.Toda a Terra foi corrompida pelos efeitos dos ensinamentos de Azazyel; para ele, ento, atribui todo o crime.Para Gabriel tambm o Senhor disse: "Vai aos bastardos, aos rprobos, e destri os filhos da fornicao, os filhos dos Vigilantes que vivem entre os homens. Lana-os para fora e incita-os uns contra os outros. Que eles peream num genocdio, pois a longevidade no ser deles. Ento eles havero de te implorar, mas neles seus pais no realizaro desejos; eles esperam por vida eterna e pela chance de cada um deles poder viver quinhentos anos sobre a Terra.De semelhante modo, para Miguel, disse o Senhor: "Vai e anuncia seu crime a Samyasa e a todos os que esto com ele, que se associaram com mulheres, para que sejam todos poludos com impureza. E quando todos os seus filhos estiverem mortos, quando eles virem a perdio de seus amados, lana-os e aprisiona-os debaixo da Terra por setenta geraes, at o dia do julgamento e da consumao. At que o julgamento que durar para sempre seja completado. Ento eles sero levados at as mais abissais profundezas do fogo, em tormentos, e em confinamento permanecero para sempre. Imediatamente aps isso ele, junto com os seus, ser queimado e perecer; eles sero aprisionados at a consumao de muitas geraes.Destrua todas as almas viciadas na luxria e os filhos dos Vigilantes, pois eles tiranizaramsobre a humanidade.Que todo opressor perea da face da Terra!Que toda obra m seja destruda!Que a planta da justia e da retido aparea, e seu produto seja uma bno!Justia e retido sero para sempre plantadas com deleite!E ento todos os santos agradecero e vivero at conceber milhares de filhos durante operodo de sua juventude e seus sbados sero vividos em paz. Naqueles dias, toda a Terra ser cultivada em justia, ela ser totalmente plantada com rvores e enchida de beno; toda rvore de deleite ser plantada nela. Nela sero plantadas vinhas, e a vinha que ser plantada nela dar fruto at a satisfao. Cada semente que seja lanada nela produzir mil para cada medida, e uma medida de olivas produzir dez prensas de leo.Purifica a Terra de toda opresso, de roda injustia, de todo crime, de toda impiedade e de toda poluio que foi cometida por sobre ela. Extermina-os da Terra. Ento os filhos dos homens sero justos, e todas as naes Me pagaro honras divinas e me bendiro, e todos Me adoraro.

Quando Abellardo terminou a leitura, Isaac Porto estava chorando. Eles nada disseram um ao outro. Apenas experimentaram aquele momento de puro encantamento e profundo silncio reverente. Depois de algum tempo, o caboclo falou.- Sabe que essa histria no me sai da cabea? Os nossos negcios de meter medo aqui so umas coisas bobas perto desses cabras. Saci Perer, Curupira, Bate-bate, Boi Bumb, Boto, cobra grande e outros bichos. Mas tudo daqui mesmo, tudo inocente, n?Abellardo disse que a febre estava aumentando. Ento deitou-se na areia. Disse suas preces e mergulhou em suas quenturas e dores febris. A noite, porm, s estava comeando.

Barsamyasa

Vs sois do diabo, que o vosso pai, e quereissatisfazer-lhe os desejos.O Nome

Virou-se, olhou para o alto e viu um mar de cristal espelhado. O mar estava cheio de ondas, que se derramavam meldicas como num harpejar. Dele recendia uma sutil fragrncia de jasmim. De repente, as ondas comearam a se agitar fortemente. E, medida que tremulavam, faziam-se sentir onde ele estava. Saindo do mar de cristal, ento, apareceu Enoque. Ele fez um sinal com a mo para Abellardo Ramez.- Levante-se e mergulhe para cima. Pule para o alto e cair nesse mar de cristal espelhado - disse.Ento, Abellardo se atirou para o alto, caindo altaneiramente, se abismando para a direo do cu, arrebentando-se contra outra experincia de vida. Quando entrou pelas camadas lquido-gasosas da lmina daquela substncia, daquele abismo celeste, sentiu gostos, cheiros e sons por ele jamais provados.Depois, sentiu que o atravessara. Um estranho sentido de familiaridade comeava a possu-lo. Havia odor de p seco e perfumado com aromas silvestres se aproximando dele. Depois, sentiu cheiro de carvalhais, cedros e algo que parecia eucalipto ou pelo menos era da mesma famlia. Uma luz forte lhe alterou a viso. Tudo ficou meio amarelado, discretamente dourado.Abriu os olhos e viu o sol. Cobriu o rosto e pensou: "Aquela febre deve ter me deixado morto at agora. Deve ser meio-dia." Olhou em volta e no viu Isaac Porto. Foi ento que percebeu que estava na Terra. frente dele havia um enorme deserto de areias pedregosas e amareladas. sua esquerda, uma alta montanha. direita havia colinas ondulantes, atapetadas com relva. Atrs, uma montanha coberta de rvores vestidas por folhagens multicoloridas e que ao vento caam aos milhares.Ele conhecia o lugar. J estivera l dezenas de vezes e o conhecia quase to bem quanto a sua terra. Mas parecia que agora havia algo diferente. Tudo era bem mais forte do que nos dias em que Abellardo visitara o lugar. Teve at mesmo a impresso de que a vegetao tinha cores mais intensas, as rvores estavam mais altas, as aves, maiores. Foi quando ouviu os grunhidos desesperados de um animal grande e forte. Parecia a luta e agonia de um touro. Correu at o alto de uma pequena elevao e, de trs de uma rvore, olhou para baixo, para o pequeno campo de oliveiras que ali havia. Encostado em um carvalho, havia um homem de uns quatro metros de altura, to forte que dava a impresso de que sua pele no podia deixar de exibir aquela fantstica exuberncia de nervos e msculos.Suas pernas eram longas e grossas. Os cabelos cor de mel escorriam sedosos at a altura da cintura. Ele vestia uma belssima armadura de ferro, que lhe cobriaapenas o dorso. Pendurada de sua mo esquerda estava a perna direita do touro. A besta agonizava no cho, banhada em seu prprio sangue que esguichava, enquanto um Nephilim devorava aquela perna crua e ensangentada.Era um espetculo de um realismo to alm do assistvel, que Abellardo achou que ia desfalecer.- Acorda homem! Se ficar, voc morre - dizia a voz de Isaac Porto. Tentou abrir os olhos mas no conseguiu. Eles ardiam muito. Depois, quase agonizante de febre e alucinaes, comeou, devagar, a perceber que ainda estava vivo. Havia apenas sonhado.Isaac prosseguiu dizendo que, embora febril, no dava para comparar seu estado com o de Abellardo:- Eu t com febre, mas no d pra falar besteira ainda. Mas voc fala pra caramba. E agora voc t at comeando a querer levantar e andar. Tive que puxar voc pra baixo. Inhoque e seufilhin continuam a perturbar. Um pouquinho antes de acordar, voc estava dizendo baixinho: " um seufilhin, meu Deus, um seufilhin!" O que voc viu l? Seu Inhoque tava l?- No estou conseguindo falar muito. Quero gua.- pra j - disse Isaac Porto, erguendo-se e indo at o rio, no sem sevangloriar de ter podido salvar a estada deles, pois, quando o barco afundou, ele pde pular na gua com sua sacolinha de mil e uma utilidades. - Se no sou eu, voc tava danado. Olha s aqui a canequinha - e j disse isto dando-lhe um pouco de gua.

Abellardo Ramez olhou outra vez para o alto e l estava o mesmo mar de cristal espelhado, s que agora as guas estavam turvas, escutas, e as ondas eram imensas. Ouviu uma grande voz dizendo:- Pule para cima e abisme-se nas profundezas do mar de cristal espelhado! - Tenho medo! - gritou.- No tema. O mar est em voc, e voc em si, pois em si vive. Se nopular, se no tiver coragem de mergulhar para dentro, ento para onde subir?- Como no ter coragem de mergulhar para dentro? Eu pensei que fosseum pulo para cima.- E h algum espao mais para cima e mais profundo no Universo do que o que encontrar quando pular para dentro? E que altura infinita no Universo mais profunda do que o abismo do seu corao?- Temo a mim mesmo.- Oua Abellardo. Pule para cima e se achar dentro, pois o mar de cristalespelhado s espelha a sua alma e o que seu corao guardar como lembrana de seus sentimentos. S no pular se temer o que abriga em seu corao.Ento, Abellardo Ramez se atirou de ponta-cabea e mergulhou nos pncaros das profundezas que se achavam dentro dele.- Silncio! Venha comigo.Abellardo quase morreu de susto. Mas logo percebeu que o tom daquela vozlhe era familiar. Olhou e achou que era Enoque. Mas havia algo errado com ele, ou, pelo menos, parecia quase essencialmente diference. Ele era quem Abellardo vira antes, mas tambm no era.- Voc Enoque?! - perguntou Abellardo, se dando conta de que era como se ali a sua lngua fosse a dele e a dele fosse a sua. - Com estas vestes estranhas devo pensar que voc um enviado? Quem lhe enviou? Eu conheo voc do livro. Depois nos encontramos, no h muito tempo para mim, mas h milhares de anos para voc. Lembra? Conversamos longamente quando voc me contou muita coisa sobre os Vigilantes Universais e os Nephilims. Lembra? S que l voc estava usando uma fita vermelha, acetinada, sobre a cabea - falou, sentindo-se um grande idiota.- No lembro. Mas sobre esse adereo na testa, posso lhe garantir que jamais usei ou usarei. coisa de mulher entregue aos humores da vaidade.Abellardo Ramez virou-se na direo oposta e viu que o Nephilim que vira antes agora estava deitado sobre o touro, os dentes cravados no pescoo do bicho,que estrebuchava cada vez mais fraco, medida que era drenado para a morre.- Eles viram vampiros! - exclamou Abellardo.- Isto que fazem abominao ao Senhor da criao. Ele no nos fez paraque nosso sustento viesse do sangue de outra vida - disse Enoque, e concluiu: O que eles fazem vergonhoso e abominvel at para se olhar.- Acredito que vim aqui para ajudar voc na luta contra aqueles que destroem os homens e a Terra - disse Abellardo Ramez, continuando a falar enquanto descia a elevao, acompanhando os passos largos de Enoque.Saram dali e seguiram por uma trilha ngreme que descia de um plat abaixo de onde Abellardo vira o Nephilim, na direo do rio Dan. Abellardo correu e passou a frente de Enoque. Ele conhecia o lugar e sabia que, por mais que tivesse alterado nos ltimos cem mil anos, pelo menos uma coisa no teria mudado na regio: uma linda cachoeira no fundo daquele pequeno abismo.- Eu sabia! o mesmo lugar. J estive aqui, Enoque!- Se voc daqui, ento sabe que essa cachoeira est aqui desde o incioda criao do mundo.- Do tempo que venho, essa regio j foi chamada de Mesopotmia eagora chamada apenas de Oriente Mdio.Enoque olhou para Abellardo com um olhar de perplexidade complacente. Parecia feliz e resignado com a sua presena. Ele estava acostumado ao sobrenatural, onde mundos de ordens diferentes se interpenetravam. Mas ser visitado por um conhecido do futuro era como ser amigo de quem morreu h milhares de anos antes de se nascer, mas que mesmo assim mais chegado do que um irmo.- Tenho que ir!- Para onde estamos indo, mestre?- Estamos, no! Voc quer saber se eu, Enoque, o stimo depois de Ado,estou indo?- Sim, claro, pois para onde voc for eu tambm irei.- Para onde eu vou voc no pode ir agora. No creio que seja possvel.No posso levar ningum comigo.- Mas por qu?- Voc no sabe agora, compreender depois.- Voc no sabe quem eu sou. Mas eu sei que voc sente quem eu sou.Quando voc souber, ento serei seu ajudante.Aps assim falar, Abellardo pensou que era tudo muito confuso. Ento concluiu que Enoque, o patriarca acostumado a anjos, entenderia sua visita se lhe contasse tudo. Mas ainda assim continuou relutante. Ele sabia que Enoque admitia que anjos viajassem da eternidade ao tempo, da imaterialidade matria, da no-reproduo gerao de filhos, mas ser que ele seria capaz de admitir um milagre menor, entre seres da mesma dimenso? Ser que estaria preparado para admitir o milagre de que o passado fosse ao encontro do futuro e o futuro viesse ao passado retribuir a visita? Decidiu contar tudo!- No quero incomod-lo, mas h algo que tenho que lhe dizer. Preciso de apenas um pouco de tempo com voc num lugar calmo. Por que no ficamos aqui, nessas pedras, ao lado da queda-d'gua?Enoque consentiu tacitamente.Ento, Abellardo falou-lhe sobre o que estava acontecendo no seu mundopresente sobre o que era o futuro de Enoque. Falou-lhe de como os Nephilims no voltaram aps as Grandes guas; de como, inexplicavelmente, ainda tivesse continuado a haver gigantes na Terra, entre eles os Enaquins, os Refains e os Amins. E que, mesmo depois de terem sido todos mortos, nunca haviam morrido nos pores das memrias coletivas.Enoque escutava com a mesma estupefao e perplexidade fascinada que acometera Abellardo quando o ouvira no Lugar dos No-Lugares, onde se haviam encontrado pela primeira vez. E como Enoque desejava saber tudo o que tivesse a ver com o futuro do mundo ou com os efeitos das aes dos Vigilantes e de seus descendentes na Terra, Abellardo continuou seu passeio pela histria da civilizao humana.- Mestre Enoque, o Grande Dilvio inundar toda a Terra, mas o maldos Vigilantes sobreviver.- Mas como, meu jovem?- As Grandes guas mataro o que tem flego sobre a Terra, mas noeliminaro as informaes sobre a possibilidade de criaturas manipularem e alterarem a criao, corrompendo a ordem original do Criador, como fizeram os Vigilantes. Essas informaes viajam por toda a Terra.- Ningum, exceto aqueles que o Eterno determinar, sobreviver s Grandes guas! - disse Enoque com um tom mais forre e grave.- A morte dos Nephilims e a priso dos Vigilantes at o tempo determinado aniquilar sua presena fsica sobre a Terra. Mas seu reinado de perversidade j foi muito longe. Alm disso, eles so cultuados como os grandes valentes da Antigidade, os mitos dos povos e os deuses das naes.- E como que voc sabe de tudo isto? Foi o Eterno quem lhe falou? - Li nos livros. Incluindo o seu livro.- E o que esses livros lhe contaram?- Por exemplo, o povo do norte do grande continente, os egpcios, aprenderam com eles cincias matemticas, clculos de grandes construes, o saber dos mapas da Terra e como se orientar pelos astros dos cus. At mesmo a escrita deles, os hierglifos, ningum na Terra consegue entender como apareceu de repente. Sabe por qu? Porque eles aprenderam essa arte com os Vigilantes, que lhes deram tudo pronto.Depois de falar, Abellardo manteve o olhar fixo em Enoque e deixou-se possuir por irresistvel curiosidade. Ento, perguntou-lhe como fora sua histria e a de seus ascendentes, e como ele conhecera o Eterno com intimidade.- Sobre isto falarei depois. Agora fale-me mais sobre como os Vigilantes eos Nephilims passaram para o seu mundo!Abellardo, ento, disse que acreditava que eles eram os deuses que reinaram nas primeiras dinastias dos egpcios; que entre os gregos viraram deuses mticos, tits e heris; que para os nazcas, ancestrais dos grandes incas, se revelaram como Viracochas, aquele que veio sobre as ondas do mar. E prosseguiu contando que Viracochas era gigante e por isso lhes ensinara a construir grandes edificaes nos altos montes. Falou-lhe tambm dos astecas que, em memria dos gigantes, ofereceram sacrifcios humanos de sangue. E no se esqueceu de mencionar os celtas, que se lembraram deles como grandes mgicos. J os vikings primitivos receberam a visita de gigantes inteligentes.- H at quem diga que os construtores de cidades perdidas no mar, como Atlntida, tambm foram eles - concluiu.Depois de uma breve pausa, Abellardo prosseguiu dizendo que em centenas de culturas da Terra havia registro, no mesmo perodo da Antigidade, destes mesmos seres. Falou tambm de como o seu calendrio solar, calculado com preciso, era quase que exatamente igual ao deles, mostrando que quem quer que pudesse fazer aqueles clculos tinha que ter conhecido os cus de cima para baixo e no apenas de baixo para cima.- Ora, so os Vigilantes Universais. Eles sabem tudo de cima para baixo. E os filhos deles sabem muito, embora no tudo o que eles sabem. H coisas que s se sabe sendo um deles. E os Nephilims no so completamente anjos nem homens. Por isso s sabem tudo do homem e dos anjos pela metade. Mas juntando tudo, um grande saber - interrompeu Enoque, deixando de ver em Abellardo um estranho e passando a encar-lo como um irmo.- Posso at lhe dizer os nomes de alguns desses gigantes que vo ficar famosos no meu mundo. Muito do que deles se dir depois exagero. Tudo vira exagero, para mais ou para menos. Por isto, desde que Eva comeu do fruto, em toda verdade humana h engano, e em todo engano humano h sempre alguma verdade.- Quais so os nomes que voc ouviu no futuro? - perguntou Enoque aAbellardo.- So muitos. Mas a mais famosa genealogia de Vigilantes de Zeus, como ser chamado pelos gregos, um povo que ainda vir. Segundo os gregos, antes dele existiram outros deuses, mas evitam dizer de onde vieram.- Como outros deuses? H um s Deus e o que os homens chamam dedeuses na Terra so os anjos cados dos cus.- Os gregos no sabiam disso.- Mas prossiga meu jovem.- Eles diziam que os deuses eram filhos do Caos com as Trevas, pois sedisserem de onde vieram, ficariam face a face com o Senhor de Todos, cujo Nome cala a boca dos deuses at o dia em que se dobraro diante Dele para cham-lo de Nosso Senhor.- Sim. Enos, meu ancestral, foi quem primeiro prestou culto ao Seu Nome. Mas fale-me sobre os outros nomes dos Nephilims. Voc falou em Zeus.- Segundo eles, de Zeus para cima, a genealogia seguia assim. Zeus tinha cinco irmos: Hstia, Demeter, Hera, Hades e Poseidon. O pai deles era Cronos, que foi filho de Urano, que foi o resultado daquilo que do Caos havia sado: o Dia, a Noite feminina, o ter e a Noite masculina. Todos vieram do Caos. Mas e o Caos,de onde veio?Ento, ouviu-se uma voz que entre eles estrondou, dizendo:- B'rishit bara elohim et hashamain veethaaretz!Abellardo ficou petrificado. Enoque, todavia, apenas ps-se de p e adorou,olhando para o infinito.- Eu sei que Zeus era um desses Vigilantes conhecidos em toda a Antigidade! Mas se eu disser isto no meu mundo vo me achar ridculo. Sabe por qu? Porque hoje eles tm utilidade para ns, pois, sendo anjos ou gigantes e tendo alterado a humanidade, eles, nos seus exageros, nos ajudam a nos ver, pois se parecem conosco, que tambm nos tornamos seres de duas naturezas.- Como disse antes, desde o Jardim Perdido, desde que Ado caiu, em todo bem humano h mal, e em todo mal humano ainda h algum bem - falou Enoque, com uma solenidade to aberta que chocava.Enoque comeou a caminhar. Andou at as guas que ali se derramavam em profuso, s margens daquele lugar incrustrado no meio da cachoeira, onde haviam se sentado para conversar. Abaixou-se, bebeu gua, caminhou de volta at onde estava Abellardo, respirou fundo, como que antecipando suas lutas do futuro, e disse:- Eles so muitos, esto tiranizando a Terra e devorando tudo o que existe. Mas o Eterno no ser frustrado em nenhum de seus desgnios!Abellardo, com extrema reverncia e gravidade, prosseguiu contando a Enoque tudo o que sabia sobre vrios outros povos e culturas da Terra, onde seres angelicais ou divinos possuam mulheres e essas davam luz gigantes. E afirmava com veemncia que para ele todas eram a mesma histria: esses hbridos haviam dado forma a boa parte do saber humano, de vaidades pessoais a instrumentos de diverso, aparatos de guerra, astronomia e astrologia, encantamentos qumicos e alteradores de conscincia. Eles haviam modelado a matemtica, a fsica, os calendrios e at os modelos psicolgicos, naquilo que Abellardo disse a Enoque que eram os chamados arqutipos universais das projees das almas: os mitos e os deuses.E prosseguiu aumentando suas certezas na medida em que aumentavam suas teses. Chegou mesmo a dizer que todos os movimentos de liberao da mente por meio de razes, ou de elementos qumicos de qualquer tipo, eram ainda o pulsar latente da cincia dos Vigilantes Universais no mundo.- Vou pedir autorizao para que voc venha comigo. No sei at onde poder ir. Provavelmente, no poder entrar nos meus encontros secretos, mas ver muito, pois muito h para ver. Disto tenha cincia, caso deseje prosseguir. Voc ver o pior de homens e de anjos.Abellardo ficou extremamente grato, mas pediu para falar s mais um pouco. E contou como a cincia das pedras", acerca da qual ele lera no livro de Enoque, tinha crescido tanto nos seus dias que havia se tornado maior do que os Nephilims e at mesmo que alguns Vigilantes. Era uma grande mente e guardava informaes em cdigos impressos em pedrinhas de silcio.- Oh! Eles usam muito o silcio. Dizem que naquelas pedras vai morar rodo o sab