cai wen yu - lao qi gong, 2012

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Mestre Cai Wen Yu 2 Livro editado por Cai Wen Yu: www.caiwenyu.com.br. Texto: Fabíola Luz Diagramação: José Banch e Rene Bueno Ilustrações: Adriana Lisboa Fotomontagem: Maria Carolina Turin Capa: Rene Bueno Todos os direitos desta obra reservados a Cai Wen Yu. Copyright: Cai Wen Yu É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização do autor. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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Veja site:http://www.caiwenyu.com.br/O exercício básico de Yi Quan é o Zhan Zhuang, que é uma postura aparentemente estática onde o indivíduo exercita tensão e relaxamento, treinando a mente e o corpo. A teoria do Yi Quan baseia-se no fato de que o movimento do corpo constitui a contradição entre tensão e relaxamento, o que influencia o estado psíquico e físico. A metodologia de treinamento do Yi Quan pode ser aplicada a qualquer outra modalidade esportiva.O Mestre Cai (pronuncia-se “Tsai”) aprendeu Qi Gong em sua juventude. Em 1985 ele teve a oportunidade de transmitir seus conhecimentos como professor de artes marciais do Exército Chinês. Mais tarde, em 1989, continuou a ensinar em sua cidade natal. Desde 1997 está vivendo no Brasil, onde fundou a Associação Cai Wen Yu de Cultura Chinesa e Arte Marcial Tradicionais e está ministrando aulas de Yi Quan, Ba Gua Zhang, Xing Yi Quan, Tai Ji Quan e Qi Gong. The Cai Wen Yu Association of Traditional Martial Art and Chinese Culture was founded in 2001 by Sifu (Master) Cai Wen Yu, with main headquarters at São Paulo and a secondary one in Campinas. The association offers classes of Martial Arts (LaoQigongYi Quan, LaoQigongBa Gua Zhang, LaoQigongXing Yi Quan, LaoQigongTai Ji Quan) and LaoQigong. The classes are ministered exclusively by Sifu Cai (pronounced “Tsai”). New groups with at least four people may be formed.To us, Gong Fu is not the goal, the ends; it is the means, the process. Our goal is to study the science of the Human body to improve our knowledge and, thus, help each person to free themselves from their own limitations of thought, achieving a higher state of conscience

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  • Mestre Cai Wen Yu

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    Livro editado por Cai Wen Yu: www.caiwenyu.com.br. Texto: Fabola Luz Diagramao: Jos Banch e Rene Bueno Ilustraes: Adriana Lisboa Fotomontagem: Maria Carolina Turin Capa: Rene Bueno Todos os direitos desta obra reservados a Cai Wen Yu. Copyright: Cai Wen Yu terminantemente proibida a reproduo total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorizao do autor. A violao dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislao em vigor, sem prejuzo das sanes civis cabveis.

  • Lao QiGong

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    INDICE

    Prefcio Pg.4 Introduo Pg.6 Capitulo I Pg.9

    O que QiGong

    Captulo II Pg.19 Zhan Zhuang Em p como uma rvore As formas do treino

    Capitulo III Pg.42 Entrar no rio

    Capitulo IV Pg.49 Luta e Fora

    Capitulo V Pg.61 Meditao

    Capitulo VI Pg.64 Sade

    Capitulo VII Pg.103 As Fases do treino

  • Mestre Cai Wen Yu

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    PREFCIO

    Vivemos em um mundo marcado pela pluralidade, pela fragmentao e por suas lamentveis consequncias.

    Faz parte disso a ingnua percepo que se tinha de que o estrago feito em uma parte do planeta no atingiria o outro lado; no entanto, determinou inmeros desastres ecolgicos, conforme se pode ver hoje.

    Ao focalizarmos o microcosmo da vida humana, notamos que o bem-estar fsico e psquico do homem contemporneo segue a mesma propenso fragmentria depende da atuao de vrios especialistas entre mdicos, fisioterapeutas, personal trainers etc., compondo um verdadeiro arsenal teraputico, cuja manuteno por vezes exaustiva e dispendiosa.

    Essa tendncia revela, por um lado, a crena na autonomia das partes que compem o organismo humano e, por outro lado, a terceirizao do cuidado de si mesmo aos profissionais escolhidos. Assim, manter-se saudvel, calmo e bem-disposto parece depender apenas da competncia da equipe de cuidadores.

    Eis que surge ento, do outro lado do mundo, um conjunto de exerccios e posturas cuja origem data dos primrdios da civilizao chinesa. Ele devolve o corpo ao seu estado natural, chama-se QiGong, e em seu estilo mais antigo, fundado e ministrado pelo mestre Cai Wen Yu, hoje denominado LaoQiGong.

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    Com essa prtica, pode-se experimentar que, assim como as partes do corpo no so isoladas umas das outras, um homem no separado de outro homem, no independente da ligao com a Terra, no est solto no Universo gozando da indiferena das estrelas. Ele parte de um todo. Tudo est ligado, tudo um.

    O treino do LaoQiGong permite identificar, no plano sensorial, o Qi fio energtico comum a toda vida manifesta, fator de ligao que unifica a complexa diversidade do mundo. Reconecta o sujeito com seu prprio eixo, unifica a percepo de suas vrias dimenses em um todo capaz de tratar a si mesmo em inmeros aspectos. Este trabalho pretende dar uma ideia dessa possibilidade.

    O contedo deste livro foi coletado a partir de conversas com o mestre Cai, no Parque da Aclimao, em So Paulo, tendo como ponto de partida minhas anotaes de aula feitas durante anos de treino. As falas foram gravadas, transcritas, adaptadas lngua portuguesa e esto agora dispostas sua apreciao.

    Fabola Luz1

    1 Mdica psiquiatra (Unifesp), doutora em Psicologia Experimental (USP). Acupunturista (Amba).

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    INTRODUO

    A histria da humanidade sempre foi a histria do desenvolvimento contnuo do ser humano. O processo de seleo natural possibilitou vrias mudanas na estrutura do corpo. Em primeiro lugar, do ponto de vista da seleo natural, o precursor do homem andava de quatro, depois passou a andar sobre os dois ps. Por causa disso, pde aumentar seu campo de viso. As mudanas estruturais foram o primeiro passo para o desenvolvimento cerebral e possibilitaram a produo inicial das linguagens primitivas. Nessa poca a humanidade conseguiu, por meio da linguagem, ajudar-se mutuamente e aumentar o nvel de interao social. Em segundo lugar, graas ao andar bpede, os braos e pernas adquiriram funes diferentes e especializadas, possibilitando a fabricao de ferramentas e utenslios. O prprio uso do crebro nesse ponto adquiriu um nvel maior de desenvolvimento. Nesse momento, as atividades da vida humana no tinham como foco a sobrevivncia individual, e sim a continuidade da sociedade como um todo. Essa a diferena mais importante entre a sociedade humana e a da maioria dos animais. Pode-se dizer que a vida animal se resume em manter a continuidade da espcie: um processo no histrico. Enquanto a vida humana constri culturas e as deixa de herana aos descendentes, os animais no mostram mudanas nesse comportamento primitivo. Essa a

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    principal razo para afirmar-se que os homens vivem na histria. Como j dissemos, as mudanas do corpo humano possibilitaram o aparecimento de funes muito especficas, especialmente do crebro, que se desenvolveu cada vez mais. Por causa disso, a linguagem se tornou mais abundante e complexa, e o pensamento se ampliou. No estgio atual, o corpo humano costuma ser retratado como um instrumento avanado, com funes complexas, trabalhando como aparelho emissor e receptor com autocontrole prprio para anlise, gerenciamento, deduo etc. Isso torna o homem a melhor calculadora biolgica que existe. Nesse estado, o corpo humano parece estar no seu pice e na perfeio. Eis a importante questo que analisaremos agora: o desenvolvimento humano, que aparenta estar perfeito, pode no estar no seu fim. Precisamos saber se o estado atual no apenas mais um passo da evoluo e, caso seja, como fazer para prosseguir o desenvolvimento. O LaoQiGong considera o desenvolvimento uma sucesso de etapas. Isso explicaria por que o pensamento lgico se d em etapas. O corpo humano ento estaria sujeito a melhoras, e consequentemente seu poder interior aumentaria. O crebro nesse ponto se desenvolveria mais para chegar a um nvel maior. Ento, nesse estado, devemos repetir os mesmos passos dos nossos ancestrais primitivos para ascender cada vez mais (essa no uma simples repetio, a filosofia de voltar ao natural).

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    Talvez a capacidade do homem de andar com os prprios ps no tenha alcanado sua plenitude, talvez estejamos mais uma vez num processo de seleo natural. Todas as ideias do LaoQiGong existem para explicar e exercitar esse tema. Ao mesmo tempo que o ponto do comeo, o ponto final da filosofia do LaoQiGong. O aprimoramento do homem o foco das suas atenes. a partir da que eu fundei o LaoQiGong. Outros tipos de QiGong, embora semelhantes em alguns pontos, no seguem os mesmos princpios que este, por isso a comparao no se aplica.

    Liberdade e expresso so o maior anseio humano, o limiar da vida e a meta final do LaoQiGong. Dizemos que os membros do homem no so apenas uma parte do conjunto do corpo, so uma parte do Universo, fazem todas as tarefas em benefcio do universal. Cada pensamento e ao de nossas vidas sempre trar como pergunta se seremos capazes de beneficiar o Universo. Afirmamos que essa a busca do LaoQiGong: unir o plano do homem, da terra, com os cus. Chamamos a isso ainda de juno com o Universo. Dizemos tambm que somente quem chegou a esse nvel est na plena felicidade e sade.

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    CAPTULO I

    O QUE O QI O QUE QIGONG O QUE LAO QIGONG

    difcil definir o que o Qi. Na Antiguidade, foi definido pelos chineses de vrias maneiras. J disseram que Qi cor, que luz, que brilho. Depois, disseram que Qi informao, que sentir. Nenhuma dessas palavras define, na verdade, o que o Qi.

    Para dizermos algo que se aproxima do que queremos tratar neste livro, para termos uma ideia daquilo com que lidamos em nossa prtica, podemos dizer que Qi a energia da vida. Nossa vida Qi. Mais precisamente, nossa vida a energia do Qi. Ao nos darmos conta de que agora temos vida e a distinguimos, nesse momento percebemos o que o Qi, por assim dizer.

    Creio que mais sensato deixar esse assunto em aberto. Talvez no futuro, no se sabe daqui a quanto tempo, algum poder explicar com mais preciso o que o Qi. Por ora, ficamos com isto: Qi a energia da vida.

    Podemos dizer tambm o que no Qi. Respirao no Qi, imagem no Qi, tirar energia do corpo de outra

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    pessoa para remover doenas no Qi. Tambm podemos dizer que um estado de fora o Qi.

    No budismo dizem que as pessoas mortas tambm tm Qi, que a pedra tem Qi; mas ns queremos o Qi das pessoas vivas, das plantas, dos animais. isso que nos interessa, com isso que lidamos na nossa prtica. Na estrela distante, que parece incandescente, l tambm existe Qi. Pode-se falar tambm do Qi do Universo, mas, para os fins deste livro, optamos por focalizar o Qi das pessoas vivas, das plantas, dos animais.

    importante dizer ainda que no se pode falar do Qi de maneira separada, no se pode tratar isoladamente do Qi de uma pessoa. Do mesmo modo que, ao falarmos do peixe, no devemos consider-lo isoladamente, e sim levar em conta tambm a gua que o envolve nesse contexto, a gua e o peixe juntos so uma coisa s. Ao falarmos do Qi de uma pessoa, preciso considerar o ar, a terra e a pessoa, tudo junto. Pois o Qi est em tudo, a tudo envolve.

    Outro olhar ainda poderia ser considerado a respeito do Qi, no plano microscpico. Muito se tem dito atualmente nessa direo, notadamente nos estudos sobre a fsica quntica. Mas, a rigor, nada se sabe com preciso. Muito se fala sobre o Qi humano, sobre o fato de que tudo tem Qi. Mas o que sabemos ao certo que, quando queremos falar do Qi, precisamos levar em conta trs coisas conjuntamente: o homem, a Terra, o Universo.

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    O que QiGong H mais de 5 mil anos o povo chins descobriu uma srie de posturas e exerccios fsicos que se mostraram eficazes na manuteno e recuperao da sade e no aumento da fora fsica. Essas prticas auxiliaram na sobrevivncia daquele povo, como tambm possibilitaram bom desempenho nas lutas. Esse conjunto de exerccios veio a se chamar de QiGong, termo cujo significado se perdeu na origem dos tempos, mas que poderamos traduzir aqui, para fins prticos, como trabalho com o Qi. Ou, conforme vimos anteriormente, ao traduzirmos o Qi como energia vital, podemos entender o QiGong como o cultivo da energia vital. O treino do QiGong gera vrias sensaes diferentes, que acabam por caracterizar esse tipo de prtica. Isso nos leva a dizer tambm que QiGong sentir, conforme veremos adiante. LaoQiGong um tipo de QiGong

    Lao uma palavra chinesa que significa antigo. A escolha do nome foi proposital, pois, a rigor, esse estilo no nasceu agora. A origem de tudo o que poder ser lido nos captulos seguintes perde-se no incio da histria do povo chins, pois se refere ao perodo anterior ao do Imperador Amarelo Huang Di, imperador lendrio, sbio e moralmente impecvel que, ao que tudo indica, governou a China de 2.690 a 2.590 a.C. J naquela poca, os chineses

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    treinavam da mesma maneira com que praticamos hoje. A postura em p, o jeito especfico de andar, conforme veremos nos captulos seguintes, remontam quele tempo.

    LaoQiGong um tipo de treino bem antigo, ligado natureza, que originalmente se desenvolveu na busca da cura para doenas, no tempo em que no havia cincia, nem medicina, nem hospitais. Esse tipo de treino morreu na China, agora ns o descobrimos de novo. importante frisar que no estamos inventando nada. O nome, a marca LaoQiGong, apenas uma maneira de distinguir essa prtica dos estilos que se podem encontrar em vrios lugares do mundo, dado que este aqui preserva as posies e o entendimento do QiGong como era ensinado antigamente.

    O QiGong que se encontra hoje em dia, mesmo na China, muito diferente. O original se ramificou em vrios estilos, sendo que cada famlia desenvolveu teoria e prtica muito diferentes entre si. Questionamos muitos desses estilos, porque no so cincia nem so natureza: parecem tcnicas e posturas inventadas. A cincia e a natureza no mudam, sabemos que a qumica igual aqui e na China; um cavalo corre da mesma maneira, aqui e na China.

    Nosso estilo, completamente ligado natureza, no foi inventado, foi descoberto por mim a partir de pesquisas na tradio da arte marcial da minha famlia, da minha cultura e da observao na prtica diria que desenvolvo h vrios anos. Resolvemos batiz-lo de LaoQiGong justamente para fazer referncia s razes dessa prtica milenar. Poderamos ter usado o nome antigo, caso houvesse, mas esse estilo no tinha nome; naquele tempo, o povo chins

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    no tinha pressa em nomear as coisas nem as pessoas. O chins da Antiguidade no se preocupava com isso; quando nascia um filho, somente mais tarde ele recebia um nome. Apenas a nossa marca nova, para falar da descoberta de algo que j existia antigamente, mas no tinha nome.

    INTRODUO PRTICA

    Duas consideraes precisam ser feitas antes de iniciarmos a explanao da prtica, desenvolvida nos captulos seguintes. A primeira delas diz respeito s diferenas no modo de pensar oriental e ocidental. E, a segunda, questo da forma e do contedo.

    A diferena no modo de pensar entre Oriente e Ocidente a primeira questo a ser esclarecida. A cultura chinesa no tem interno e externo, a rigor. Para esclarecer isso, preciso pensar que, para o chins, quando voc quer conhecer fora, primeiro precisa conhecer a si mesmo. E, quando conhece a si mesmo, j conhece fora. Por isso, fora dentro, dentro fora. Isso mais ou menos o que prega a cultura da China, na sua origem. Por isso no h dentro, no h fora. Mas os chineses atualmente tambm se equivocam dizendo que dentro, interno, a China; e fora, externo, o Ocidente.

    Na verdade, esse no o modo de conhecer a fundo alguma coisa. Quando conhecemos a fundo, dentro fora, fora dentro. Na medicina, voc pode pensar que uma parte o p, outra parte a cabea, mas, na verdade, tudo um s, um corpo s. Fora e dentro tambm outra maneira de

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    falar do modo objetivo e subjetivo com que se aborda uma questo. Esse tema complicado da filosofia tem dividido, desde sempre, as vrias correntes que passam a considerar como mais importante a viso objetiva dos fenmenos ou a viso subjetiva. No me parece correta nenhuma dessas partes, isoladamente.

    Eu sempre digo que o pensamento humano do futuro no pode ser ocidental nem oriental. Que precisamos sair da desse lugar em que estamos acostumados a ver os fenmenos, seja dentro ou fora, subjetivo ou objetivo, e ir a outra parte para olhar melhor. como se estando na Terra precisssemos sair da Terra para ver a Terra.

    Do mesmo modo, falando do QiGong, se nossa investigao for feita de dentro do QiGong, a abordagem ser superficial, como o falar de filosofia de dentro da filosofia ser tambm superficial. Precisamos sair da filosofia para entender profundamente a filosofia, sair do QiGong para entender QiGong com profundidade. Assim a possibilidade de errar ser menor. Essa linha de raciocnio nos leva importante questo da forma e do contedo. A filosofia tambm se ocupa dela, desde sempre. E diz que o contedo a essncia da forma; que a forma tambm influencia o contedo; que uma forma pode ter vrios contedos; que um contedo tambm pode ter vrias formas etc.

    Para a nossa prtica, queremos que o contedo seja sempre um, determinado, enquanto a forma pode ser diversa. O contedo no se altera, a forma precisa se alterar muito. Quanto mais formas, melhor. A rigor, dois contedos apenas

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    para uma mesma forma tambm possvel encontrar. Forma e contedo precisam ter harmonia. No pode ser uma forma qualquer, pois aceitamos que h uma equivalncia entre forma e contedo.

    Do mesmo modo que uma pessoa de corao ruim pode roubar, fazer um movimento ruim na vida. E uma pessoa de corao bom costuma fazer um movimento bom; assim como uma pessoa com sade tem expresso bonita, e um doente no pode ser bonito. Do mesmo modo, para o QiGong, embora vrias formas devam existir, no se pode fazer qualquer forma. Ao treinar importante, principalmente no incio, que se procure fazer a forma correta. Com o tempo recomenda-se no pensar no contedo e na forma, tem de parecer que no se est fazendo nada. No fazer nada um fazer. Mas esse um estgio muito avanado da prtica. Inicialmente preciso ser cuidadoso. No treino, algumas regras precisam ser respeitadas.

    Primeiro, no se pode treinar sentado, pois essa posio no permite abrir a articulao do quadril nem outras articulaes importantes que possibilitam sentir a energia da cauda. Essa estrutura se perdeu na evoluo humana, mas sua energia se mantm e pode ser sentida em algum momento do treino.

    As formas no podem ser retas. A fora que advm da reta quebra coisas, fora de destruio. Para comear, as formas do corpo precisam formar tringulos, alavancas, crculos, no mnimo. Sem isso, a energia no consegue

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    funcionar. Como a fora de uma mquina, a fsica do corpo precisa ter isso, essa nossa forma.

    A forma no pode ser reta, a curva a forma de melhor fora, a forma da natureza. Parece-se com a espiral do DNA, com as curvas do cabelo, dos rios, das montanhas. J a fora da forma reta fora de quebrar coisas. Como prova disso propomos a seguinte experincia: em dois copos iguais, misture com uma colher, na mesma proporo, gua e mel. Em um deles, a mistura deve ser feita com movimentos circulares; no outro, com movimentos retos. O resultado que com o movimento circular fica difcil misturar o mel com a gua. Os movimentos retos realizam a quebra mais rpido, facilitando a dissoluo.

    Do mesmo modo, na arte marcial, a forma reta machuca mais. Na natureza, o caranguejo, o camaro, tudo tem curvas. Muitas vezes vemos formas retas na natureza. Mas, quando observadas por dentro, elas revelam inmeras curvas. Isso uma fora do Universo qual estamos ligados. No podemos considerar o homem isolado do Universo. No se pode separar, falar do ser vivo sem considerar a Terra, por exemplo.

    A relao dos seres com a Terra pode ser vista nas rvores. Uma laranjeira igual em qualquer lugar do mundo, mas a forma apresenta variaes, porque cada lugar diferente. Comparem-se Brasil e China. Na China as razes das rvores so profundas. Aqui, muitas vezes a raiz exposta. a mesma rvore, mas a forma da raiz diferente, porque a energia da Terra diferente, dependendo do lugar. O mesmo pode ser dito do animal, das pessoas. H inmeras

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    formas, a vida bonita justamente por essa diversidade. Se houvesse uma s forma, se fosse tudo igual, seria feio. A reside a beleza da Terra.

    Ainda em relao forma, podemos dizer que para cada doente h uma forma que pode harmonizar o seu tipo de doena; no mnimo, uma forma pode auxiliar. Podemos citar a presso alta. Nessa enfermidade, o doente precisa treinar com a mo para baixo. E se a coluna di, como fazer? Quantas estruturas h para harmonizar as enfermidades? Podemos dizer que inmeras. No podemos nos estender nesse item, pois, de to vasto, seria assunto para outro livro.

    Em cada tipo de esporte, tambm, h uma forma ideal para harmonizar os movimentos e obter o melhor resultado. Uma forma seria treinar, outra pular e assim por diante. Como podemos ver, a forma um assunto vasto.

    No QiGong, como na natureza, toda forma est relacionada a algum contedo. Essa associao forma-contedo foi um presente que a natureza nos deu, mas a inconscincia dessa relao tem nos impedido de cultivar tal padro de harmonia que os animais usam o tempo todo; e, como consequncia, tem nos levado a problemas de sade de vrios tipos. A prtica do LaoQiGong uma maneira de experimentar, no prprio corpo, essa correspondncia entre forma e contedo e de usufruir os benefcios dela decorrentes. Vamos a ela.

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    CAPTULO II

    ZHAN ZHUANG EM P COMO UMA RVORE A forma O conjunto de posturas e exerccios do LaoQiGong compreende partes que podemos chamar de as cinco fases do primeiro incio, nas quais modalidades especficas de fora sero metas a ser alcanadas. So elas: a fora da forma, a fora da mquina do corpo, a fora do pensamento, a fora do instinto e a fora da energia. Este livro tratar da fora da forma e da fora da mquina do corpo. Os outros tipos de fora sero assunto de trabalhos futuros.

    Este captulo tratar da fora da forma. Desde sempre, na histria do conhecimento humano,

    as consideraes sobre a forma evocam o seu complemento, o contedo. Forma e contedo so assuntos da filosofia, e, nesse mbito do conhecimento humano, forma e contedo podem ser vistos em vrias representaes: afirma-se que o contedo a essncia da forma, que a forma tambm influencia o contedo, que uma forma pode ter vrios contedos, que um contedo tambm pode ter vrias formas.

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    Para o LaoQiGong, o contedo tem a forma correspondente. Assim como se espera que uma pessoa boa no jogue papel na rua e que faa movimentos bons, supe-se que uma pessoa de corao ruim possa roubar, fazer coisas ruins. Do mesmo modo que uma pessoa com sade costuma ter um rosto bonito, espera-se que algum doente no se mostre bonito. Para ns, quanto mais feliz estiver a pessoa, mais sade ela tem, mais bonita ela .

    Portanto, no incio do treino de LaoQiGong, a forma muito importante, pois ela, uma vez correta, ser equivalente ao bom contedo que buscamos alcanar.

    Em primeiro lugar, o treino precisa ser feito em p. A postura sentada no permite a abertura adequada da articulao do quadril nem a movimentao de outras articulaes importantes, muito menos a experincia de sentir a cauda. O LaoQiGong considera que o humano perdeu a cauda no processo de evoluo, mas preserva a energia dela, conforme j foi dito. E que preciso recuperar a sensao da energia dessa estrutura perdida.

    A forma do corpo durante o treino precisa ter crculos, tringulos, alavancas. Caso contrrio, a energia no consegue fluir. A forma no pode ser reta. A fora correspondente forma reta uma fora destrutiva, ideal para quebrar coisas. No comeo do treino preciso atentar para a forma do corpo, que precisa ter curvas, crculos, formas semelhantes a rios, a montanhas, a forma do DNA, a forma da natureza, enfim.

    Na natureza, tudo tem curva. Mesmo as estruturas dos animais aparentemente retas so curvas no seu interior. Essa uma fora do Universo. a energia do Universo que

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    est em tudo o que existe. Por isso no se pode considerar o ser humano sozinho, de forma separada. No se pode falar do homem sem falar da Terra, sem falar de energia que tudo abrange.

    No mbito da natureza em geral, observamos que as rvores, embora sejam as mesmas em qualquer parte do mundo, possuem diferenas nas formas, porque cada lugar diferente, como citamos no captulo anterior. Com as pessoas ocorre o mesmo. Todas tm uma cabea, dois olhos, dois braos, duas pernas, mas cada pessoa diferente, e a reside a beleza.

    O corpo humano pode apresentar inmeras formas, inmeras propores. Mesmo se considerarmos as enfermidades, vamos observar que cada doena se apresenta de forma peculiar no conjunto que a medicina chama de sinais e sintomas. Percebemos que, mesmo nessas circunstncias, o treino de LaoQiGong pode beneficiar cada doente com a possibilidade de, no mnimo, uma forma especfica que o auxiliar a retornar sade.

    Nos esportes tambm podemos observar os benefcios do entendimento da forma. O LaoQiGong compreende que o jogador, de qualquer modalidade esportiva, precisa treinar com o corpo ligado, e no fragmentado. Respeitando essa regra bsica, precisar de uma forma especfica para pular, outra para correr e assim por diante.

    Todas essas consideraes sobre a forma precisam ser respeitadas pelos principiantes do treino de LaoQiGong. Somente em estgios mais avanados, recomenda-se que, durante a prtica, no se pense na forma ou no contedo, No

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    incio do treino, precisamos atentar, com cuidado, para as orientaes da postura, conforme veremos a seguir.

    As formas do treino Descreveremos agora, em linhas gerais, a primeira posio do LaoQiGong, que pode ser vista na figura 1.

    A coluna reta, a cabea levemente pendida para a frente, de modo que o queixo fique para dentro. Os braos abertos ao lado do corpo, como se pudessem abrigar duas bolas nas axilas. Os ps voltados para a frente, separados a uma distncia equivalente largura dos ombros.

    A coluna deve esticar, como se a cabea atingisse o cu. Os ps devem estar plantados no cho, como se alcanassem o centro da Terra.

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    fig. 1

    Posio 2 - Zhan Zhuang, ou Tou Li Shou Shen A segunda forma ser vista agora. Dada sua importncia na prtica do LaoQiGong, tentaremos descrever com detalhes a extenso dessa complexa posio, embora primeira vista possa parecer simples. chamada de Zhan Zhuang, termo que possibilita vrias tradues, como estar em p como uma rvore. Pode tambm ser chamada de Tou Li Shou Shen, que quer dizer em p, sozinho, segura o shen. (Ver a figura 2.)

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    fig. 2

    A coluna reta, a cabea levemente pendida para a frente, de modo que o queixo fique para dentro. Os braos abertos como se abraassem uma bola ou uma rvore. Os ps voltados para a frente, separados a uma distncia equivalente largura dos ombros. Vamos agora detalhar a posio focalizando: a expanso da cabea, as articulaes da cabea, os msculos do rosto, os cinco pontos de ligao, os tringulos. Expandir a cabea Consideramos que a raiz do humano est na cabea. Essa afirmao se assemelha aos ensinamentos de algumas

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    teorias ocidentais que dizem que do mesmo modo que a raiz das plantas vai ao encontro do seu alimento num processo de expanso no interior da terra, a cabea humana se dirige ao mundo por meio da viso, audio, degustao, absorvendo a luz, o som, a comida etc. Analogamente, consideramos que a raiz das rvores est na terra e a raiz do humano est na cabea. Durante o treino, pode-se sentir como se algo puxasse a cabea para cima. Isso importante, pois, quando a cabea se dirige para cima, o p pode ir para o cho, como se entrasse no cho. Em cima se liga ao cu, enquanto o p se liga ao cho. Esse um aspecto concreto fundamental do treino, preciso sentir isso. Depois, com muito tempo de treino, vem a sensao de estarmos pendurados l no alto, pelo cabelo. Essa conexo com o alto parece algo vazio, primeira vista, mas no , a sensao da raiz de que falamos. Visualizando a postura da cabea em relao ao corpo, como se fosse uma bola, uma bexiga presa na ponta de uma vara que, nessa, analogia seria a coluna reta. A coluna impe certa reverncia posio do rosto, levando o queixo para dentro. A cabea o chefe do corpo, o mais importante. Por isso, em todos os movimentos da prtica de LaoQiGong, a cabea vai primeiro. O que se observa comumente no ser humano que a cabea, que o chefe, costuma ficar descansando, enquanto o corpo trabalha, o que acaba levando a vrios problemas de coluna. Por isso precisamos sentir sempre que a cabea puxa a coluna e puxa a cauda, por consequncia: essa uma regra bsica. Sinta a cabea grande,

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    como se sasse do pescoo, como se fosse uma pipa. Esse um ponto concreto importante do treino. As articulaes da cabea Prossegue-se ento a postura Zhan Zhuang focalizando as articulaes da cabea no sentido de expandi-las. Com a boca levemente aberta, buscando a expanso da mandbula, preciso sentir como se mordesse duas bolinhas nos ltimos dentes da boca. preciso relaxar a boca e sentir que l no fundo existe uma base nas laterais do msculo da lngua. Para isso a mandbula tem de estar solta.

    Deve-se sentir as duas orelhas puxadas para cima, assim como o cenho, a raiz do nariz. A pele do rosto expandindo, a cabea para cima, os caninos quase aparecem. preciso sentir que as duas orelhas so puxadas em sentidos opostos, como se fossem orelhas de abano, como se fossem asas. preciso sentir a pele do rosto expandindo. preciso imaginar que a lngua continua para dentro, na direo da base, e que, a partir da ponta, tem um tamanho ilimitado. No necessrio preocupar-se com a relao da ponta da lngua com o cu da boca, conforme outras prticas de QiGong enfatizam. Em algum momento do treino ela pode subir naturalmente. Pode-se apenas dizer que, quando isso acontece, o praticante est experimentando o corpo inteiramente ligado, como um todo. Deve-se sentir como se houvesse uma corda atravessando a boca semiaberta, oferecendo resistncia ao

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    movimento de ir para a frente. Nessa hora deve-se tentar experimentar a existncia de trs pontos: dois deles em pontos ilimitados, l fora, e outro ponto dentro da boca. Tambm se deve procurar sentir como se houvesse um tubo que sai da garganta e alcana a barriga, num percurso nico, como se o diafragma no existisse. Esse o preparo para que, futuramente, esse tubo mantido d condies para a respirao natural, que perdemos em funo de preocupaes da vida. Vale lembrar que, quando dorme, todo mundo abre a boca. Antes que se chegue a isso, no entanto, possvel que a barriga chame a ateno como algo que est preso. Esse j um efeito do treino, o corpo mostrando que uma parte precisa relaxar. E por isso, em muitos momentos do treino, possvel que a respirao chame a ateno, como se a barriga estivesse presa. Nesse momento, preciso esquecer a barriga e a respirao, pensar em fora do corpo. Isso ajuda a esperar o tempo necessrio de treino, quando a respirao natural acontecer com tranquilidade. s vezes pode-se usar som ao treinar. So slabas ditas em alto e bom tom. O som atravessa o tubo e alcana o lquido da barriga, como se fosse um lago. Isso dar condies para que mais tarde se possa tentar falar slabas secas sem que o ar saia, mas que v para dentro e que, atravessando esse tubo imaginrio, alcance os lquidos abdominais, ricocheteando-os. Esse um exerccio altamente benfico para as vsceras.

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    Os cinco pontos

    Ainda na descrio da postura do Zhan Zhuang, atentemos para a existncia de cinco pontos: a cabea, os dois ps e as duas mos. Alm disso, um ponto no centro dos ps e outro no centro da cabea (o lugar da fontanela dos recm-nascidos), formando um tringulo. E quatro articulaes: duas dos ombros e duas da virilha. Temos, ento, cinco pontos, quatro articulaes e a coluna reta, tudo ligado.

    Considerando na frente as quatro articulaes e os cinco pontos, podem ser vistos trs tipos de tringulo, para fora. Um deles formado pela cabea e pelos dois ps. O segundo formado pelos cotovelos e pela nuca. O terceiro, pelos dois joelhos e pelo sacro. (Ver a figura. 2a.)

    Nas costas podemos visualizar outro tringulo formado pelas duas escpulas e pelo ponto de insero do pescoo na cabea. Alm disso, nas costas, podem ser visualizadas tambm duas cruzes: uma formada pela cintura escapular cruzando a coluna e a outra pela cintura plvica cruzando a coluna.

    Para dentro podem ser considerados mais trs tringulos. O primeiro liga a stima cervical com a parte superior do msculo trapzio. O segundo liga os dois pontos das articulaes dos ombros com o corao. O terceiro liga os pontos da articulao do quadril com o umbigo. So os tringulos internos.

    Alm disso, o LaoQiGong entende a coluna, vista longitudinalmente, como sendo composta de trs partes: a cabea, a parte que percorre o tronco e a cauda, tudo junto.

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    fig. 2a

    Assim, consideramos as condies bsicas para a

    energia de mquina de fora, que ser vista no captulo seguinte, como: coluna reta, cauda, cruz, seis tringulos, quatro articulaes. E mais cinco pontos e cinco nucas diferentes. Isso a mquina da energia.

    Consideramos que a preparao desses pontos no treino a educao fsica do corpo, na medida em que a prtica desse conhecimento tem a capacidade de consertar o corpo. Gostaramos que terapeutas corporais conhecessem essa antiga sabedoria sobre o corpo.

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    Sabemos que outras escolas de QiGong se preocupam com poderes sobrenaturais como mudar a cor da gua, levantar objetos sem toc-los etc. Ns no queremos o sobrenatural, no queremos novidade, queremos conhecer a verdade natural do corpo.

    A posio 2 sentado

    A prtica na importante segunda posio levar

    naturalmente a um desdobramento necessrio, que chamaremos aqui de posio 2 sentado. (Ver a figura 2b.)

    fig. 2b

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    Ao olharmos de perfil, na figura 2b, vamos observar mais detalhes da postura: na coluna reta, a cabea tem o movimento de subir, enquanto o cccix desce. preciso notar que a postura sentada no se d pela flexo do joelho, mas da articulao coxofemoral, ou do quadril.

    preciso saber que, ao abrir a articulao do quadril, a barriga pode relaxar. Ao abrir o ombro, o corao e o pulmo podem relaxar. Abrir as articulaes a condio bsica para fazer fluir a energia.

    O olhar preciso ouvir o ilimitado, sentir grande. L h som, h a msica do Universo. preciso olhar o ilimitado para ativar o tringulo interno do olho. O olho faz uma espcie de alavanca quando olha para o ilimitado. Parece olhar a luz, uma espcie de matria, no o ar. Nessa forma de olhar, o ar parece gelo, e o uso da tal alavanca parece quebrar o gelo, o ar no parece o ar, como se fosse duro. um tipo de foco, no o olhar normal. Isso o uso da alavanca no que chamamos de tringulo interno da viso. Por isso antigos mestres chineses, falando dos tendes, diziam que o chefe dos tendes est embaixo do p, a terra dos tendes est na sola do p. E o cu dos tendes est no olho. Esse tendo do olho muito conhecido pelos antigos taoistas. Mas o que ? Como fica l? No s a cabea que levanta, h um pequeno movimento efetuado pela alavanca interna do olho. A cabea no olha s para cima, h um pequeno movimento.

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    Essas sensaes fsicas aqui descritas so percepes da natureza do corpo, podem ser experimentadas por todo praticante disciplinado. Para esse nvel de percepo, so necessrios alguns anos de treino. A terceira posio

    fig. 3; pos. 3

    A terceira posio (ver a figura 3) uma variante da posio 2 e 2a. As mesmas recomendaes da posio anterior devem ser mantidas. Aqui, ainda com duas variantes: as mos abertas para fora e em concha ou as mos colocadas no ar, como se segurassem uma bola invisvel. Nessa posio

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    pode-se experimentar a energia se deslocando para as mos. E tambm se experimenta um balano do corpo, que se sustenta em uma perna e na outra. A importncia do exerccio consiste em experimentar o peso do corpo, percepo fundamental no treino, conforme ser visto adiante. A quarta posio A quarta posio, que dever ser tentada depois de muito tempo de treino, quando o bsico j tiver sido consolidado, consiste em se sentar no ar, com a coluna reta. Como se fosse uma variao da posio 2b, em que se levou o movimento do sentar ao seu limite. (Ver a figura 4.)

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    fig. 4

    O praticante se coloca, de ccoras, com a coluna reta. As mos podem experimentar quatro posies: abraar a rvore; abraar a rvore com as mos espalmadas para fora; ladear o corpo, como se formassem uma cruz em relao ao plano do corpo; e permanecer cadas lateralmente ao corpo. A posio tem importncia para que se possa experimentar: a terra, voc, o cu. , na verdade, um exerccio de mola. Essa posio facilita o treino da mola e permite caminhar como um animal que antecedeu o antropoide na histria da evoluo humana.

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    Mestre Cai na 4. Posio

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    A quinta posio Podemos observar na figura 5 a quinta posio. Nela, a coluna deve se manter reta, a cabea para cima. Comea pela postura Zhan Zhuang. A seguir, um dos ps levantado, numa posio que lembra certos animais alados, especialmente o flamingo dentro da gua. (Ver a figura 5.)

    fig. 5

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    Ao mesmo tempo que a coluna se mantm reta e a

    cabea busca o cu, o p que se encontra no cho busca o centro da Terra. uma posio importante para equilibrar os dois lados, para trabalhar as polaridades do indivduo: yin-yang, masculino-feminino etc.

    A sexta posio Essa posio sentada no recomendada a principiantes, pois seu efeito se d quando possvel experimentar a ligao dos olhos com o p contralateral, os dois ps colocados como se tocassem duas bolas.

    fig. 6; pos. 6

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    Mestre Cai na 5. Posio

    Um iniciante poderia conseguir se sentar na posio, sem alcanar o efeito, que pode ser visto ao se observar a posio de cima (figura da direita). Ali visualizamos dois crculos concntricos que se ligam coluna. Se observarmos a mesma figura, a segunda imagem, caso fosse entendida como algum andando no cho, tambm pode ser vista como o andar de um primata no humano. A stima posio De extrema importncia para a luta, essa posio parte tambm do Zhan Zhuang. Na sequncia, o corpo torcido para o lado. Possibilita a movimentao do peso do

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    corpo de maneira que se pode experimentar a ao da inrcia no corpo.

    fig. 7

    No treinamento para a luta, a ausncia da prtica dessa posio leva o praticante a usar o msculo, em vez de experimentar a fora advinda da movimentao do corpo.

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    A posio 8 A oitava e ltima posio, s recomendada para o praticante experiente, consiste em abaixar o tronco em toro, com os braos abertos, para um lado e depois para o outro. A posio permite esticar, ao mesmo tempo, toda a coluna e, praticamente, toda a pele do corpo. (Ver a figura 8.)

    fig. 8

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    Mestre Cai na 8. posio

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    CAPTULO III

    ENTRAR NO RIO

    Fabio Fabregas

    O treino de LaoQiGong no se limita a buscar a forma. Tambm sabido que no adianta buscar imagens do ilimitado, algo to falado nesse meio; buscar apenas a imagem do ilimitado sonho, no verdade. preciso que o corpo experimente por dentro alguma coisa. Que

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    experimente por dentro o ilimitado, caso contrrio o praticante pode treinar durante dez anos e no mudar nada.

    Vamos descrever neste captulo algumas sensaes esperadas como resultado do treino de LaoQiGong. Vale frisar que as sensaes que experimentamos no so imagens produzidas pela mente, mas percepes, tanto aquelas detectadas por meio dos sentidos conhecidos como outras que, embora naturais, no costumam ser acessadas por vias comuns, de modo espontneo.

    Primeiramente precisamos saber que os exerccios da prtica do LaoQiGong buscam a expanso do corpo, a abertura de todas as articulaes, levando separao entre os msculos e os ossos. Quando o osso se separa do msculo, a pele se abre, as clulas funcionam. Esse movimento de expanso que leva abertura da pele um excelente remdio para vrias enfermidades, no somente as da pele.

    No taoismo se diz que, quando o osso est fechado, o msculo abre. O msculo uma fora, o osso uma fora, a pele uma fora. No nosso treino preciso sentir que entre o osso e o msculo existe espao. Isso o que chamamos de relaxar.

    Relaxar expandir. Conforme j disse em trabalho anterior2, relaxar no ausncia de fora. Relaxar no ficar mole, no ser fraco, expandir. Em termos concretos, preciso ganhar espao nas articulaes e entre os msculos e os ossos. Depois disso possvel se comunicar com o espao

    2 QiGong, Arte marcial interna, 2006

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    fora dos limites do corpo. Fora no voc, mas quando voc consegue abrir por dentro, fora tambm se expande e produz um efeito em voc, muda o seu corpo.

    Ganhar espao um dos efeitos da prtica do LaoQiGong; pele, barriga, corao, tudo ganha espao. E tambm uma das condies para que, na sequncia, seja possvel sentir outras coisas.

    Nas artes marciais, ter esse espao tem sido equivalente a ter kung fu (ter energia). Nesse meio, tradicionalmente, costume comparar as pessoas e dizer que fulano tem mais kung fu do que sicrano, referindo-se pessoa que tem espao maior, que conseguiu conquistar mais desse espao no trabalho com o QiGong.

    Ns tambm sempre dizemos que preciso sentir o ilimitado. Ns queremos o ilimitado, mas nem sempre conseguimos sentir isso, no fcil, sempre deparamos com os limites.

    J dissemos, no captulo I, que QiGong um sentir. Como? No sentir frio, sentir calor, sentir a gua em contato com o corpo. Na verdade, sentir muita coisa diferente daquilo a que estamos acostumados. Precisamos nos propor a sentir principalmente duas coisas: a fora da Terra, aquela fora da Terra que puxa as coisas, a chamada fora centrpeta. E a fora do ar que nos empurra. isso que importa inicialmente. Quando aprendemos a expandir, somos capazes de sentir que o ar nos empurra. Queremos nos sentir leves, queremos sentir a fora da Terra nos puxando, sentir o que a vida humana na Terra, em contato com o ar. Assim como o peixe sente a gua e a fora da Terra,

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    assim como os animais que, em seu ambiente natural, se orientam tambm por essas sensaes. O treino de QiGong tem trs partes, costuma-se dizer. Primeiro necessrio experimentar o corpo inteiro ligado. A maioria das pessoas tem o corpo fragmentado, a cabea, o tronco e as pernas parecem trs partes distintas. s vezes os alunos me perguntam se possvel existir a ligao apenas na forma, externamente, enquanto dentro no est ligado. , no comeo s a forma, e importante que a forma busque essa ligao, o todo do corpo. Depois, com o tempo, percebe-se que no s a forma, que por dentro tambm est ligado. isso o que ns queremos. Quando o corpo est ligado por dentro, a existe a condio de sentir o ilimitado. Se a ligao se d somente na forma, no existe a experincia do ilimitado, apenas a imagem dele. Quando eu sinto o ilimitado, muitas vezes ele se impe a mim sem que eu o busque. Ento costumamos dizer que o ligar pode ser experimentado de duas maneiras: na forma mesmo, em que se pode ver o corpo como uma coisa s; e por dentro, e a, sim, possvel verdadeiramente experimentar o ilimitado.

    Em segundo lugar, possvel experimentar o que chamamos de mola. Para essa modalidade de treino preciso considerar a existncia da cabea, da coluna e da cauda como uma coisa s. Essa estrutura unificada ento far o movimento de expanso e contrao, concomitantemente com todas as articulaes do corpo, de modo que tudo abre e fecha, como uma mola. Quando o praticante vivencia a mola, podemos dizer que j tem contedo, a segunda ligao.

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    Em terceiro lugar, possvel experimentar o que chamamos de ondas. Essa uma parte mais complicada. As ondas acontecem em qualquer direo. A, sim, a essa altura do treino, o praticante pode, de fato, experimentar o ilimitado. A rigor, j a partir da mola possvel sentir o ilimitado. Sem a experincia da mola, ou das ondas, consideramos que a experincia do ilimitado s imagem, apenas sonho. A experincia de ligar e de sentir o ilimitado possibilita a percepo de ondas dentro do corpo. Ondas so um efeito, so a energia do QiGong trabalhando, fazendo voc se sentir maior, expandindo o seu corpo, os membros parecem compridos, tudo comprido. Se o corpo tem ondas, dentro tem fervor. Quando se chega l, o corpo j sabe o que QiGong.

    A experincia de ligar o corpo mais fcil de alcanar. O praticante disciplinado pode conseguir esse resultado em pouco tempo. A experincia de ligar por dentro mais difcil, s vezes liga, s vezes no. O mesmo acontece com as ondas: s vezes so percebidas em uma regio do corpo, outras no.

    Ao chegar a esse ponto, voc j entende o que QiGong. No adquirir poderes, ser imortal, querer voar, ficar dias sem precisar comer. O LaoQiGong se preocupa com o ser humano; quer saber como o corpo funciona; como se podem aumentar as habilidades, s isso. preciso sentir como expandir, como funciona, qual o limite para sentir o ilimitado do nosso corpo. Isso o aumento da sensibilidade, no filosofia. O corpo pode ter isso, todo mundo tem isso, s no sabe que tem.

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    A experincia da mola vem antes das ondas. preciso usar a mola para chegar s ondas. A mola d aumento da fora, d impulso, e a forma precisa mexer. Na experincia das ondas, a forma praticamente no mexe. Depois de muito treino voc no sabe diferenciar o que mola do que onda.

    Na experincia da onda, primeiro se percebe a onda por dentro do corpo. Principalmente dos ps para as mos. Depois para cima e para trs, como um tigre pronto para pular.

    Depois se percebe a onda l fora, como se um grande mar fosse as ondas. Equivale a dizer que, quando se tem energia, no se deve guardar na barriga como professa o taoismo, deve-se guardar fora. Como quando se ganha dinheiro, no se deve guardar no banco, mas fazer negcio. Quando as ondas so sentidas l fora, a regio do corpo que detecta essa percepo a debaixo dos braos, nas axilas. Ao conseguir treinar as trs possibilidades: ligar a forma, ligar por dentro na experincia da mola e vivenciar as ondas, o praticante conseguiu vivenciar o que se chama de entrar no rio.

    Ao experimentar entrar no rio, sente-se que todos os msculos querem expandir, querem abrir. Creio que a cincia diz que a possibilidade dos msculos de cada pessoa, quando ligados, soma toneladas de fora, no me lembro bem. O msculo sozinho no pode muito, pois h foras contrrias ao que ele executa. Mas, ao conseguir somar essa fora toda, pela experincia de entrar no rio, possvel alinhar essas foras e conseguir uma fora maior.

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    Por fim, depois de vrios anos de treino percebemos que a experincia de acertar a forma que levar a entrar no rio so pontes necessrias para atingir um estado em que se percebe que dentro e fora so uma coisa s. Para chegar at isso, precisamos praticar todos os dias.

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    CAPTULO IV

    LUTA E FORA H mais de 5 mil anos o homem conhece o lugar em que se encontra a fora do corpo para tudo, para viver, para lutar. Sabe-se que est na alavanca que se faz com o corpo. No necessrio inventar nada. Hoje se sabe que a alavanca usa a energia potencial. Pode-se ter cincia dessa energia quando, de sbito, quase camos aquilo que nos sustenta, naquele momento, essa energia de que falamos agora. O corpo humano foi construdo em bilhes de anos. O corpo uma cincia pronta para ser estudada. No muda mais. Temos dois olhos, uma boca, um cotovelo em cada brao. No precisamos de dois cotovelos. Precisamos saber como conhecer o corpo para saber usar o corpo. Podemos dizer que o estudo do kung fu ou do QiGong, que j tem 5 mil anos, uma cincia do corpo. Ns precisamos saber como trabalhar, como mudar o corpo. O corpo uma mquina. A alavanca, o tringulo, o crculo so os trs materiais da fora, podemos dizer assim. Aps essas formas estarem devidamente entendidas e executadas, preciso que a alavanca faa crculo e que o tringulo faa crculo. A alavanca faz crculo e isso constitui uma fora, como pode ser visto no movimento das rodas de um trem.

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    A alavanca

    A alavanca foi a primeira mquina que o homem conheceu. Arquimedes e Newton j falaram sobre a alavanca, a primeira mquina de fora do corpo. Usar essa primeira mquina fundamental para acessar a fora. Sem a alavanca o corpo s msculo, sem fora. A alavanca permite usar a energia. Podemos nos perguntar por que, na prtica do QiGong, a postura fundamental a de segurar a rvore. A alavanca a primeira resposta a essa pergunta. A postura de abraar a rvore Zhan Zhuang produz vrias alavancas. E, uma vez conquistado o todo do corpo, consciente do espao existente em todas as articulaes, percebemos que ele inteiro uma alavanca, cujo movimento produz energia. A rigor, para fazer essa energia movimentar, necessrio ter alinhado a rvore, o peso do corpo e o pensamento. Na prtica necessrio que as foras trabalhem juntas, todas funcionem ao mesmo tempo, ou de forma sincrnica. Como vemos, buscar entender o funcionamento da alavanca no equivale a encontrar prontamente o grande, o ilimitado. A necessidade de se ligar com o Universo assunto da religio, a busca da imagem de deuses sonho, conforme j dissemos. O LaoQiGong se prope a conhecer a cincia do corpo para saber como usar a energia dele e ento experimentar a ligao com o todo, com o Universo, pela via natural.

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    A Fora

    Fora no raiva ao quadrado. A fora j foi definida por Newton na equao F =

    m.a., quer dizer, a quantidade de fora diretamente proporcional massa e acelerao. Quando nos movimentamos normalmente, por vezes s uma parte que se mexe: o brao ou a perna, por exemplo. No treino de LaoQiGong, a conquista do todo do corpo equivale a um aumento da massa, na medida em que no uma parte isolada que se movimenta, mas o corpo todo. Ao conseguir ligar o corpo todo, o m da equao aumenta, e a fora tambm pode aumentar.

    Para cultivar a fora, necessrio aprender a fazer do corpo uma arma, cujo peso o peso do corpo = m. necessrio aprender a projetar esse m em direo ao adversrio. Somente a conquista do todo do corpo

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    possibilita essa projeo. Essa varivel, obviamente, limitada, na medida em que cada indivduo tem um peso especfico. Por outro lado, a acelerao tambm beneficiada no treino de LaoQiGong. A acelerao mede a variao da velocidade, diz a fsica. Para adquirir velocidade, preciso relaxar, o que se entende aqui por expandir o corpo, conforme vimos anteriormente. Assim diz a cincia do corpo, nosso objeto de pesquisa. A velocidade tambm fora, um tipo de fora; se analisarmos mais a fundo, s a velocidade fora; por isso precisamos relaxar, porque relaxar permite movimentar-se com velocidade. E como se faz o movimento? O movimento ocorre ao passarmos de uma estrutura para outra. preciso saber qual a melhor estrutura. At agora, sabemos que a experincia do todo aumenta o m e que relaxar permite a velocidade. Ento, tanto com o m quanto com o a da frmula de Newton pode-se ganhar fora. Fora energia. Essa uma teoria de fora.

    Na modalidade esportiva chamada levantamento de peso, j se sabe que o relaxar possibilita o levantamento rpido, enquanto o corpo duro no consegue velocidade. Do mesmo modo, na luta, o corpo duro no permite rapidez dos movimentos. fcil imaginar a importncia da movimentao rpida na defesa dos animais, inclusive do homem, contra predadores. Se um cachorro quiser me morder, e eu, por estar relaxado, me movimentar rpido, ele no conseguir me atingir.

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    Pode parecer uma teoria abstrata. Mas, concretamente, ao fazer o movimento, podemos dizer que a nossa fora (ou energia) conta em primeiro lugar com a fora da terra, em segundo lugar com a fora do ar e em terceiro com a nossa fora. As trs variveis precisam estar em harmonia, juntas. Para que eu me movimente para fora com rapidez, preciso que jogue o m em direo terra com rapidez. O peso do corpo bate rpido no cho e adquire velocidade. A fora bate no cho, o cho joga para fora com fora. Essa fora centrfuga que a fsica conhece. A fora centrpeta e a fora centrfuga, a rigor, acontecem ao mesmo tempo. isso que chamamos de fora da terra. Se no existisse a terra, no poderamos ter uma fora significativa. Um atleta que faz saltos consegue pular rpido quando bate rpido no cho porque o impulso vai no sentido contrrio.

    A varivel a da frmula de Newton usa o pensamento, o pensamento ajudando o corpo, levando-o a aumentar a velocidade. Ao ter conscincia (pensamento) de que ali vem um tigre, voc pode pular rpido para longe e escapar do perigo.

    Tambm sentimos a fora do ar, ao fazer movimento. A fora do ar possibilita ganhar velocidade. De que maneira, se, quando queremos ir para a frente, no podemos ir to rpido quanto gostaramos? Vamos nos lembrar de que um pneu de carro gira to rpido que parece parado. Quando queremos ir rpido, ficamos quase parados porque o ar nos empurra, ope-se ao nosso movimento, o ar nos segura, sentimos a fora do ar. Queremos ir rpido, o ar nos

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    empurra, a terra faz a fora centrfuga, de modo que o nosso corpo no consegue se mexer, mas dentro funciona aqui reside o ponto principal da fora do ar.

    Uma analogia para esse mecanismo pode ser encontrada no funcionamento das armas, das bombas. A bala do revlver precisa que o ferro a segure. O ferro a segura e o ar a empurra. Desse modo a bala se movimenta para a frente. O nosso corpo uma arma. A fora da terra nos joga para fora e rpido. importante que o ar nos empurre no sentido contrrio. A fora de dentro est em oposio fora do ar que est fora, e isso o que d movimento. Sem resistncia no h movimento. Do mesmo modo, muitas coisas na vida s se desenvolvem se tiverem uma resistncia. J sabemos que para o LaoQiGong a fora composta de trs partes: a fora da terra, a fora do ar e a fora do homem.

    Consideramos que essa teoria seria importante para a educao fsica. Sem levar em conta essas variveis, as lutas costumam usar apenas a raiva e a fora do msculo. O uso da raiva no eficaz: esse o sentimento de pior energia, por ser uma energia fechada. Os esportes usam as articulaes e os msculos, que so partes da energia, mas apenas partes. Acreditamos que os esportes, as lutas, a dana, as artes ganhariam muito caso levassem em conta a fora da terra, do ar e do indivduo, em harmonia.

    Ns no queremos ser imortais, ns queremos ser pessoas, nossa vida ar e terra, por isso precisamos pensar nisso, em todas as reas do conhecimento humano.

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    A luta Foras de fora e de dentro

    A luta faz parte da histria do homem, desde sempre.

    A arte marcial o resultado da experincia de luta pela sobrevivncia. Em cada perodo da histria da China, na formao de cada sociedade, o indivduo criou mtodos de defesa e de ataque para sua prpria proteo. Precisamos compreender as bases dessa luta, aprender como ela funciona, o que pode ser questionado, qual o nosso objetivo na prtica. Ns queremos que a energia do corpo funcione. J sabemos que preciso considerar a dimenso de fora. Ar e terra so de fora. Usamos fora para treinar dentro. Usamos dentro para sentir fora. Nenhum dos dois deve faltar.

    Os praticantes da arte marcial, tradicionalmente, tm considerado duas possibilidades em sua prtica, chamadas interna e externa. Para eles, a arte marcial interna aquela que s usa a respirao, s trabalha com o ar. Para ns no existe essa separao por considerarmos tudo uma coisa s, ou seja, treinar fora importante, treinar dentro tambm importante. Vamos deixar claro que treinar dentro focalizar as alavancas, as molas etc. Enquanto as foras de fora so as foras da terra e do ar.

    Interno e externo nasceram do budismo. Na origem, o externo foi chamado assim porque os primeiros praticantes saam de casa, iam para uma academia. O kung fu shaolim externo, por exemplo.

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    Primeiro, o corpo ligado, sozinho, tem harmonia, isso o que chamamos de interno. Depois, a harmonia com o fora chamamos de externo. A energia precisa passar pelo corpo, o corpo ponte. Terceiro, o kung fu interno no quer ganhar mais fora, mas se prope a ajudar a passar a fora da natureza.

    No momento do treino, importante esquecer o dentro e s sentir o fora. O efeito dentro, mas no se pensa nele, resultado de fora mais voc juntos, em harmonia. Assim dizemos que usamos fora para treinar dentro. S fora pode nos mudar. No se deve usar dentro para ajudar fora, como pensar na barriga, pensar nos meridianos, para conseguir algum efeito no treino. O trabalho feito com o corpo em relao com o fora. Eventualmente, algo de dentro pode nos chamar a ateno, mas isso j um resultado, e no o incio do processo. Na luta, ento, h trs foras: da terra, do ar e do indivduo. A fora do indivduo parece uma arma, uma mquina, uma alavanca, tanto faz. Na luta, a fora do ar somada do adversrio uma fora, a fora de fora, pois a gente no bate no ar, bate no adversrio. Usamos a fora dele, nos ligamos fora dele.

    Primeiro, precisamos que o peso do corpo tenha movimento. Segundo, precisa ter molas. Terceiro, ondas. Mola uma linha. A onda ocorre em vrias direes. Precisamos acessar as trs coisas ao mesmo tempo. Isso lutar.

    Usamos tambm a fora do adversrio. A fora de fora equivale fora dele somada fora do ar. Podemos

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    dizer que a frequncia da respirao do corpo, a frequncia da terra e a frequncia do ar precisam estar juntas, em harmonia. Diante de uma pessoa sentada, sem movimento, no podemos fazer nada. O outro em movimento tem uma frequncia, voc tem uma frequncia, a Terra tem uma frequncia. Com tudo junto pode acontecer uma luta. O bom lutador sabe como usar essas trs foras, em harmonia. A luta no tem mais a mesma procura que tinha no passado. provvel que, quando o homem comeou a ficar em p, o corpo dele tivesse mais fora, ele estava mais perto do animal. Hoje, podemos dizer que o kung fu est nas armas. O humano cresceu muito. Em alguns lugares ganhou muito, em outros perdeu. O pensamento ganhou muito com a cincia, o que no deixa de ser um tipo de fora. O corpo perdeu a cauda, perdeu a fora. Com o crescimento da cincia, o homem produziu armas, uma espcie de prolongamento dos membros. Gostaramos que, com o desenvolvimento da cabea, o corpo no perdesse a fora, a energia. Recuperar isso o nosso trabalho com o corpo. E, em relao cabea, queremos abrir canais, outras formas naturais de percepo.

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    CAPTULO V

    MEDITAO

    O que meditao?

    Para o LaoQiGong, meditao no a imagem de uma coisa, de um deus, de uma paisagem. Imagem a mente em atividade. Entendemos que a meditao alcanada na ausncia de imagem, na ausncia de pensamento.

    A meditao deve ser feita com o corpo todo trabalhando, preferencialmente em p, na postura Zhan Zhuang. Esse o nosso modo de meditar.

    O homem tem cinco sentidos comuns: viso, audio, tato, olfato, paladar. E sabemos que existe a possibilidade de fechar esses canais e abrir outros que possibilitam trazer novas informaes da vida. No treino do LaoQiGong, busca-se o fechamento dos cinco sentidos e o esvaziamento da mente. Como resultado da meditao, aparece o outro sentido. O corpo, ademais, percebido como um todo, capaz de sentir fora de seus prprios limites. Isso tambm meditao.

    A abertura do outro sentido torna possvel acessar habilidades humanas diferentes, habilidades incrveis que esto l, mas permanecem fechadas. Consideramos que o desenvolvimento dessa potencialidade um caminho

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    importante para o desenvolvimento do ser humano, na medida em que aumenta a inteligncia tambm o que chamamos de continuar a obra do humano, conforme mencionado na introduo deste trabalho.

    Um exemplo dessa habilidade de que falamos aqui acontece quando algum parente est com problemas e voc telefona para ele preocupado, como se sentisse distncia que algo no vai bem. Episdios como esse so relativamente comuns entre pessoas da mesma famlia porque elas costumam estar conectadas numa mesma frequncia.

    Outro exemplo desse outro sentir o que ocorre com os animais. Eles sabem quando vai chover, quando se aproxima uma tempestade, um terremoto. Nosso corpo tambm sabe quando o tempo vai mudar, apenas no damos ateno a isso. Hoje usamos apenas a cincia, as mquinas, para obter esse tipo de informao. Mas as pessoas do campo, muito ligadas natureza, ainda conseguem ter esse tipo de percepo.

    Ns podemos sentir mais, saber mais coisas. Ns temos recursos para isso: em nossa cabea h bilhes de neurnios, dos quais s usamos um pouquinho. Queremos acessar outras possibilidades. A meditao praticada para desenvolv-las.

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    CAPTULO VI

    SADE

    Aqueles que nos tempos antigos conheciam a maneira de conservar uma boa sade, sempre nortearam seu comportamento do dia a dia de acordo com a natureza. Seguiam o princpio do Yin e do Yang e se conservavam de conformidade com a arte da profecia, baseada na interao do Yin e do Yang. Eram capazes de modular sua vida diria em harmonia, de forma a recuperar a essncia e a energia vital, portanto podiam se cuidar e praticar a maneira de preservar uma boa sade. (Princpios de Medicina Interna do Imperador Amarelo Bing Wang. So Paulo. Editora cone, 2001, pg. 25)

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    Est registrado no livro do Imperador Amarelo que

    seus antepassados usavam a arte marcial para curar doenas e aumentar a sabedoria.

    Em outro livro, da mesma poca, est registrada a viagem do Imperador Yu, que viu pessoas fazendo QiGong, bebendo gua de orvalho depositada sobre as plantas e jejuando.

    Na China, o Imperador Yu (tambm chamado de Da Yu) tem uma influncia histrica igual de Confcio, Lao Tse e o Imperador Amarelo. Seu grande feito foi o de ter desviado as guas de um rio, trabalho que durou trs anos; durante esse perodo, ele jamais voltou para seu palcio, apesar de ter passado trs vezes na frente do mesmo.

    Diz a lenda que se machucou e que a cura de sua perna se deu de forma muito interessante. Depois de observar um grande pssaro (j extinto), que andava de maneira muito estranha seus passos circundavam uma rocha, atrs da rocha havia uma serpente, o pssaro conseguiu mover a rocha e comer a serpente , o Imperador Yu passou a imitar o andar do pssaro, curando dessa forma a sua perna. Esses passos ficaram conhecidos como os Passos do Yu.

    Os Passos do Yu so considerados movimentos milagrosos que usam o Qi das pessoas, do ambiente e do Universo. Depois do surgimento da religio taosta, eles foram considerados a essncia da arte marcial.

    Posteriormente, os monges taoistas, ao praticarem os Passos do Yu, acharam muitas semelhanas com o smbolo

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    do Bagua, j muito conhecidos por eles. Na verdade, poucos conhecem os Passos do Yu, que, a rigor, podem ser considerados como o segredo da vitria nas artes marciais.

    As lutas feitas hoje tm como ponto principal a forma de andar. Quando assistimos a uma derrota, no porque no h velocidade ou fora, mas porque os passos esto errados, o que prejudica a liberao da fora. Numa luta necessrio controlar a distncia entre voc e seu oponente. Perceber essa distncia o mais difcil e o mais importante.

    A histria do passarinho, no sabemos se verdade ou no. Mas h outra que pode ser comprovada. Tem um tipo de concha que sabe como comer o caranguejo. A concha circunda o caranguejo e ele fica parado, at morrer. A concha s pode com-lo depois que a carne apodrece. No sei o que ocorre, se energia, qumica ou smbolos que o seguram o caranguejo e o fazem parar. Entre os animais h vrios exemplos em que um dana e o outro fica parado. Parecem smbolos de caa. O que acontece, exatamente, no sabemos. Talvez na histria de Da Yu, a relao entre o pssaro e a serpente seja parcialmente verdadeira, talvez no. O importante que Da Yu viu o animal andar, e por isso fez o QiGong.

    Pode-se dizer que at hoje a cincia aprende muito com os animais. O andar do QiGong se caracteriza por ser mais natural. Em direo ao natural no se pode inventar nada, necessrio descobrir. H muitas linhas do QiGong que no so nem natureza nem cincia. Sabemos que a qumica, a fsica, seja no Brasil, na China, na Frana, so sempre iguais, o que confere o seu valor. Mas a arte marcial

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    seguiu um caminho em que parece que tudo subjetivo, feito sozinho, no natural. No Brasil e na China um cavalo corre da mesma maneira, porque natural. O QiGong ficou diferente porque o caminho que percorreu, no mundo, no um caminho natural. O LaoQiGong, conforme dissemos no comeo do livro, prope-se a descobrir o que natural, a entender a cincia da energia.

    O treino precisa ser feito em p, preferencialmente. o natural, assim como em casa de passarinho ningum fica sentado. O QiGong no deve ter nem 1% de subjetivo. Nada pode ser inventado. Quando comea a treinar, s vezes o aluno pensa: Eu fao assim ou assim?. Na verdade, no precisa se preocupar com isso, com o tempo o corpo conserta tudo sozinho. O subjetivo no pode ser conhecido, ao passo que o objetivo pode. Voc pode, e eu tambm, porque somos iguais, temos a mesma estrutura, a mesma natureza. Assim, voc pode chegar l, no apenas o mestre pode chegar l.

    O que sade?

    Sade, a rigor, no considerada como um efeito do

    QiGong. A sade vista como um estado normal. Os humanos no deveriam ter doenas, mas humanos tm doenas, agora mais do que nunca. Pode-se dizer ento que agora a sade parece importante.

    Se voc tranquilo, come de maneira equilibrada, descansa como se deve, dificilmente ter doena. Mas

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    sabemos que mais ou menos 17% de toda populao doente.

    Um dos resultados do treino que o praticante fique mais forte, tenha mais habilidade, mais fora a rigor, isso sade.

    Uma das formas de explicao desse resultado o fato de que o treino do LaoQiGong acaba expandindo praticamente toda a pele do corpo, consequncia natural da abertura das articulaes que a prtica possibilita, conforme vimos em captulos anteriores. Sabemos que na pele se encontram as vias energticas naturais chamadas de meridianos usados pela acupuntura, que, quando estimulados aumentam o fluxo energtico e promovem a sade.

    Assim podemos ver que dentro do nosso corpo existe mdico, hospital, remdio, existe tudo para uma vida saudvel, desde que a gente no atrapalhe a natureza. Podemos dizer que temos uma energia que cuida da sade. Os animais, em seu meio natural, no tm mdico, no tm cincia, mas tambm podem se curar.

    Antigamente, o povo chins observava os animais, para saber que remdio tomar diante das enfermidades. Quando um animal machuca o corpo, ele sabe que planta comer para resolver o seu problema. Aproveitando a sabedoria do animal, o chins comeou a experimentar as mesmas ervas no ser humano em situaes parecidas e a catalogar as plantas teis. Isso deu origem vastssima fitoterapia chinesa, hoje em dia aplicada no mundo inteiro.

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    O Imperador Amarelo disse a respeito da relao do homem com a natureza que o circunda: A respirao do Universo o melhor ar que existe. At agora, no achei outra ideia melhor que essa.

    Sade no igual a no ter doena. Sade uma fora. Assim como nosso intestino precisa ter fora, os dentes precisam ter fora, o corao precisa ter fora. No se pode tomar gua muito fria, comer muito sal faz com que a gente se sinta mal. preciso comer menos, com o aumento da idade. H uma srie de regras de alimentao e de hbitos de vida necessrios para proteger essa fora chamada sade. Muita coisa j conhecida sobre o funcionamento do organismo humano de modo geral, sobre o que se deve e o que no se deve comer ou fazer. E muita coisa tambm pode ser descoberta individualmente ao avanarmos no treino do LaoQiGong, dado que a percepo do corpo aumenta. Aprende-se a saber do que o corpo precisa e demora-se mais para chamar o mdico: a gente acorda o mdico que est dentro de ns.

    Hoje em dia o ser humano se preocupa muito com a sade, gasta muito dinheiro com hospital e com remdio, porque est doente. Agora as pessoas no conseguem dormir, no conseguem ter um hbito intestinal saudvel, tm muitos problemas por causa do estilo de vida, da alimentao errada e pelo fato de viverem muito alienadas do prprio corpo.

    Antes as pessoas morriam em funo das infeces. Agora o estilo de vida, a alimentao errada que as matam. Cientistas j provaram que o humano pode viver 120 anos,

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    pois h recursos para isso. E por que no vive mais do que os 70, 80 anos habituais? Esse um assunto que nos interessa, a longevidade. um grande tema, uma questo ainda em aberto para o humano. LaoQiGong e Acupuntura

    Para o pensamento chins, o conceito de Yin e Yang fundamental, considerado uma grande regra da natureza. O Yin precisa estar para dentro, o Yang para fora. A frente do corpo Yin precisa ficar para dentro. As costas so Yang precisam ficar para fora. Tudo na natureza assim: nos peixes, nos animais, nas folhas. Precisamos usar a regra da natureza para saber o que certo, o que errado. ela quem determina, no estamos inventando nada. Yin e Yang precisam estar em equilbrio. O corpo precisa manter-se, ao mesmo tempo, relaxado e tenso, em equilbrio. Yin para dentro, Yang para fora, relaxar para dentro e tenso para fora. Como um martelo, que na ponta tem de ser pesado e no cabo, relaxado, assim precisa ser a postura do corpo. Nas artes marciais, por exemplo, a mo precisa estar pesada, o corpo relaxado. E para a lana - a arma da arte marcial -, tambm vale a mesma coisa: a arma precisa estar pesada e o corpo leve. Para desempenhar bem outras habilidades humanas, como a msica, por exemplo, tambm vale a mesma lei da natureza: O violino pesado, o msico relaxado. Para dentro relaxar, para fora tenso.

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    Outra regra tambm precisa ser considerada: para cima Yang, para baixo Yin. Isso a natureza. Mas hoje em dia, Yin e Yang andam bagunados e assim, o Yin se desloca para cima, o que pode causar presso alta, por exemplo. Nessas condies, da hipertenso, segundo o conhecimento chins, podemos dizer que o rim est fraco e a cabea doente. Confcio disse: o Cu est em cima, a Terra est embaixo. Portanto, a ordem j est dada. Cu, Terra, e no meio estamos ns, os seres vivos. J existe a ordem. A chuva cai em direo Terra. Ela a me que tudo acolhe. O pai, o Cu, quer energia para cima. Nos dias de hoje, a lei da natureza no tem sido mais respeitada, existe uma baguna para cima e para baixo. Por isso h novas doenas. Por exemplo, numa noite dessas, ouvimos, estranhamente, um passarinho acordar e cantar s 4 horas da manh, no nos deixando dormir. Isso a desarmonia do yin e do yang. Em outras palavras, a falncia da ecologia. O ser humano tem hoje muitos problemas. A cincia explica a causa desses transtornos de outra maneira. Diz que o humano est diferente por causa da alimentao etc.. Ns temos outra forma de explicar: a energia humana que quebra a energia da natureza e como consequencia, nada pode funcionar bem. O treino do LaoQiGong tem resolvido alguns problemas de sade, que no se solucionaram pela via convencional. Por exemplo, uma mulher jovem tinha um problema no tero que a impedia de ter filhos. Aps um ano e meio de treino, engravidou e agora j tem duas crianas. O corpo sozinho arrumou a energia. Outra moa no podia

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    engravidar, embora no tivesse doena aparente. Treinou bagua por dois anos e hoje tem uma filha. Um rapaz com uma cifose acentuada melhorou bastante. Outro com tremor nas mos e tic nervoso, tambm sarou do problema. A essncia da Acupuntura, da medicina chinesa e do Qigong, a energia, o Qi. possvel sentir o Qi treinando o LaoQigong. Pode-se dizer que medicina chinesa e Acupuntura so uma prtica do Qigong. Acupuntura e Qigong. difcil falar claro sobre isso.

    Primeiro porque nem todo mundo sabe de fato o que Qigong. H muitas linhas que fazem a respirao, e treinam Dan tian, como no Qigong taosta. Outros fazem o Qigong sentado, como no budismo. Esses conceitos prendem o corpo e a energia da natureza que, no conseguindo funcionar, entra em desarmonia. Esses sistemas tm mais de 500 anos de existncia. Muitos grandes mestres do taosmo j disseram que esse sistema no estava certo. No sou eu quem est falando. Um grande mestre j disse que era preciso treinar a percepo de que no tem eu, no tem fora, tudo no tem. E assim se colocou em posio contrria ao Qigong taosta. Segundo, muitas pessoas acham que a teoria do Jing Luo (meridianos) a teoria do Qigong, mas no certo, porque isso misturar duas cincias diferentes. Simplesmente no a mesma coisa. Jing Luo uma grande

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    coisa para a medicina chinesa, cincia. Cincia e LaoQigong no so a mesma coisa. Em primeiro lugar, para a cincia, quanto mais concreto, melhor. Mais claro, melhor. Buscam-se as partes menores da matria, os prtons, os eltrons. Tudo isso muito bom. Enquanto para o Qigong o contrrio, quanto maior, melhor. Por exemplo, se voc quer treinar, voc o far juntamente com o Universo. Depois voc pode pensar: o Universo o que ? Sabemos que tem a famlia do sol, depois outras galxias, e depois o que ? Ns no sabemos. No saber o que faz parte da teoria do LaoQigong. No se sabe o que , no claro, isso faz parte do pensamento do LaoQigong. E na verdade, no precisa falar claro, LaoQigong no cincia. s praticar de determinado jeito e ver o resultado, o efeito que importa. Em segundo lugar, a cincia precisa da verdade, precisa de provas, se no, no cincia. Ao passo que o LaoQigong se parece mais com filosofia, com religio. No precisa de verdade, de prova, no pode provar nada. algo com sistema prprio, com filosofia prpria, no se pode misturar. Assim como na religio, se uma pessoa morreu pergunta-se pra onde vai? Vai ao paraso, no precisa provar isso, basta acreditar. Em terceiro lugar, j falamos aqui que Acupuntura e medicina no so o mesmo caminho do Qigong. Por que? Primeiro porque a teoria diferente. Medicina e Acupuntura

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    precisam de, no mnimo, duas pessoas trabalhando, o paciente e o mdico. Enquanto no Qigong treina-se sozinho, sozinho juntamente com a natureza. No Qigong, sujeito e objeto so uma coisa s. Por isso a teoria no pode ser igual. Em quarto lugar, o objetivo diferente. A medicina quer, como efeito, eliminar a doena. E saber qual a doena. Enquanto o efeito do Qigong no s tirar a doena. Qigong quer que a pessoa e a energia estejam em harmonia. Com movimento e harmonia. Quando a energia no est em movimento, h um problema, a pessoa fica doente. A medicina chinesa fala que a dor acontece quando a energia no flui. Quando volta a fluir, no di mais. Pode-se dizer que o Qigong mantm a sade, e a medicina elimina a doena. E pode responder tambm, qual a causa da doena. Qigong importante para o mdico saber qual a regra de determinada doena. A medicina pode se dirigir diretamente para o paciente. Enquanto o Qigong deveria ir para mdicos, pois o Qigong pode ensinar aos mdicos qual a regra da doena, qual a causa no material de determinada doena. Na teoria do Qigong, a pessoa, a Terra, o ar (ou Universo) so o material. Terra, pessoa e Universo quer dizer: preciso sentir a fora da pessoa, a fora da gravidade da Terra e a fora de resistncia do ar. Trs foras mais uma, como abcd, as 3 so iguais e compem uma coisa s, uma fora s, a quarta fora. A fora da pessoa, a fora da Terra e a fora do ar, so uma fora s. Esse o material do LaoQiGong. Enquanto para a medicina o material o paciente.

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    A terceira coisa diferente entre aprender LaoQigong e aprender medicina que o sistema no o mesmo. Antigamente a medicina chinesa era como Qigong. Agora no mais, s habilidade. Agora medicina e Acupuntura usam o sistema da anatomia, da disseco de cadver. O cadver o material, cortar o cadver o sistema. Conhecem a doena usando essa idia. O remdio usa essa idia, cortar a pessoa, usar faca, tesoura. E assim, a medicina pode ter descoberto muita coisa que ajuda o ser humano. Mas o LaoQigong precisa do ser vivo. LaoQigong no usa faca, no usa tesoura, usa a vida. LaoQigong e medicina tem 4 pontos diferentes: teoria diferente, material diferente, sistema diferente, efeito diferente. Essas quatro diferenas podem nos ajudar a estudar Qigong e a medicina da Acupuntura. Tudo importante, o que no se pode dizer : eu sou mdico, eu sei QiGong. Mas, apesar das diferenas, j falei outras vezes que medicina mais prxima de LaoQigong, do que outras reas do conhecimento humano, como a engenharia, por exemplo. E o mdico acupunturista precisa saber LaoQigong. Por exemplo, na prtica de inserir as agulhas, o acupunturista precisa estar concentrado no seguinte: O mdico, a agulha e o paciente precisam ser uma coisa s trabalhando ao mesmo tempo. Podemos dizer que a energia do mdico o motor. A agulha a passagem da energia, o instrumento, o caminho intermedirio. O paciente o receptor da energia do mdico. Assim a energia do paciente pode voltar a funcionar. como um sistema. Deve-se buscar movimentar a energia do paciente, coloc-la em harmonia.

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    Assim pode-se dizer que a dor acontece quando a energia no flui. Hoje em dia no mais praticada assim. S se pensam em meridianos, quais so os pontos no paciente, s isso. Agora os acupunturistas tm somente habilidade, mas isso no a energia da Acupuntura. Na verdade, na medicina chinesa, a agulha, o mdico, o paciente, cada um representa 1/3 de energia. Agora s se pensa no paciente, e faltam dois lados a considerar: o do mdico e o da agulha. Podemos dizer que o sistema de acupuntura mais importante para o mdico do que para o paciente. Na parte do paciente, pode-se pensar em meridianos e pontos. Mas o mdico precisa treinar LaoQigong. H, sem dvida, muitos grandes mdicos, que descobriram muitas coisas, e, mesmo cuidando somente dos meridianos e dos pontos, conseguiram ajudar muita gente. Mas no faltou uma parte. O melhor exerccio para o mdico acupunturista o Laoqigong. As outras linhas de qigong j no conseguem fazer fluir a energia de modo adequado como faziam os antigos chineses. Como treinar LaoQigong para acupuntura, um grande assunto. Para falarmos disso, usando a caneta e o papel muito difcil. preciso demonstrao prtica, muito tempo de treino. No entanto, deixamos apenas citado aqui lembrando que, primeiramente preciso ligar a agulha e o mdico, como se a agulha fosse parte do corpo dele. Ao treinar assim ele vai sentir que a agulha e o corpo podem ter fora igual, em harmonia.

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    E em segundo lugar, preciso saber que a fora da Terra, a gravidade, a fora de resistncia do ar e a fora da pessoa precisam fazer o movimento ao mesmo tempo e levar energia para a agulha. Assim possvel sentir que a agulha pode ser mais pesada que o corpo. Como se a agulha fosse grande, ilimitada. Nesse estgio voc ter a prova de que a sua energia j chegou na agulha. Para isso preciso treinar muito o LaoQigong. Em terceiro lugar precisa sentir as condies das trs partes do processo (paciente, agulha e mdico) como uma nica coisa. preciso ainda lembrar de outra regra: treinar a forma curva, e a fora reta. Usar tringulo (no corpo do mdico) para fazer crculo, a alavanca para fazer crculo. Aps muito treino da fora reta para frente chega-se a um estgio em que a forma no mexe, s energia se movimenta. Depois de saber tudo isso, pode-se comear a estudar Acupuntura, pois isso a base de todo o processo de cura, no modo chins de encarar a doena e o tratamento.

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    Seminrio realizado em Osasco para Academias de Arte Marciais

    Seminrio de QiGong para Educao Fsica

    Seminrio na USP sobre QiGong

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    Seminrio sobre QiGong UNICAMP

    Mestre Cai em clnicas na Alemanha e em Rondnia

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    DEPOIMENTOS

    A seguir, vamos ler depoimentos de vrios alunos que se prontificaram a fazer um relato breve da sua experincia com o LaoQiGong, para que se tenha uma ideia viva do resultado do processo que estamos tentando descrever neste livro. Lea von Hrabovsky, artista plstica, 77 anos Comecei a ter aulas com o mestre Cai Wen Yu em 2004, aos 71 anos de idade. Pulsos e joelhos ficaram fortificados. O desgaste das solas dos sapatos passou a dar-se por igual. O peso do corpo ficou mais bem distribudo. Atualmente chego a perceber quantos movimentos pouco lgicos fao. A conscincia do corpo ficou maior. A evacuao melhorou. Quase no me resfrio. Era demais. A disperso diminuiu. Sou mais produtiva, tambm inventiva. Tenho solues prticas divertidas. Minhas pernas ficaram mais retas, bem menos curvas. Christian, analista de sistema

    Quando comecei a praticar diariamente o LaoQiGong, notei que minhas dores nas costas sumiram e minha coluna, segundo quem entende de massagem, se alinhou. A minha dana tambm melhorou muito depois do treino. Fao aulas de dana (forr) aos fins de semana e tinha muito problema com dores nos joelhos e com o meu equilbrio. Agora, noto que meu

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    joelho no di mais e meu equilbrio melhorou muito! Eu me poupo muito mais, no sentido de no dormir mal, comer mal e exagerar em qualquer atividade fsica ou de lazer (isso atrapalha muito a prtica do QiGong.). Estou reparando em partes do corpo que nem imaginava que existiam (como a articulao do quadril) e me divirto muito com todo esse aprendizado. Gil

    Em relao parte fsica, senti uma grande melhora de

    uma dorzinha nas costas, regio torcica, que s vezes me incomodava. O incmodo melhorou bastante. Tambm percebi melhora na flexibilidade, realizando alguns movimentos que h muito no conseguia mais fazer. Tambm tenho a sensao de que meus golpes (chutes, socos, cabeadas etc.) ficaram mais potentes. Quanto questo energtica e psquica, tenho a sensao de uma boa melhora, inclusive no metabolismo e sistema imune. Costumo sentir muito sono, e necessito dormir um pouquinho durante o dia. Mas isso pode ser apenas um costume de famlia, no me incomodando desde que eu possa cumprir a quantidade de sono de que necessito. Como esclarecimento, estou treinando apenas os exerccios bsicos de Zhang Zhuan, alguns aspectos do Yi Chuan, exerccios de respirao, flexibilidade e alongamento. Sem mais delongas, fico por aqui com muito Ax para todos! Um abrao!

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    Maurcio Eu comecei a treinar com 15 anos de idade, tinha a fantasia de aprender kung fu. Fui passando de academia em academia, de mestre em mestre, procurando aprender uma modalidade. No tinha a preocupao se aprendia o certo ou o errado.

    Eu sempre esbarrava em algum problema e ia para outra academia, outra modalidade... Acabei treinando vrias modalidades de kung fu, kendo, esgrima, jiu-jtsu, luta greco-romana, boxe, levantamento de peso, que foi onde eu acabei me machucando.

    Foi a ltima coisa que treinei, porque eu tinha a preocupao de ganhar fora. Como tive a experincia de treinar com atletas de ponta na Rssia, percebi que alguns deles eram fortes demais, parecia que eu estava treinando com esttuas. Na China tambm senti a mesma coisa, percebi que faltava muita fora em mim e eu comecei a me preocupar s com a fora.

    Eu fazia exerccio isomtrico, levantamento bsico, uma modalidade de levantamento de peso, e acabei ganhando muita fora, s que era uma fora que eu s conseguia usar at certo ponto. Por exemplo, eu ia fazer luta com os companheiros e percebia que conseguia travar a luta, mas, quando eu precisava relaxar para atacar, demorava muito tempo entre o relaxar e armar um ataque rpido.

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    Foi a que conheci o mestre e comecei a treinar QiGong, que eu j tinha comeado a treinar com outro mestre. Eu estava um dia na casa desse outro mestre, e o mestre Cai apareceu por l. Meu mestre na poca disse: Voc treina com ele. Eu fiquei meio injuriado, mas depois entendi que foi a melhor coisa que tinha acontecido. Percebi que o mestre Cai tinha um conhecimento muito mais profundo do QiGong. Um dia ele estava me mostrando a fora e disse que ia me mostrar

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    como . Ele agiu como se a gente fosse praticar Tou shou: eu fazia fora para abaixar o brao dele e eu sentia a minha barriga ficar dura. Quanto mais fora eu fazia, mais eu ficava na ponta dos ps. Eu no conseguia firmar os ps no cho e fazer fora para baixo. A eu disse: isso!. Eu tenho de treinar isso! A eu comecei a me dedicar 100% ao negcio. A mdia de treino destes 7 anos iniciais foi de cinco horas por dia, todo dia, para chegar fora que eu queria. Ainda estou no processo. Eu percebi que essa caminhada que fiz, de 2.500 quilmetros carregando 65 quilos, me deu a convico de que eu estou com essa fora. Noriko, 61 anos

    A prtica do LaoQiGong com o mestre Cai resolveu um problema que tinha at alguns anos atrs. Eu sofria de uma dor na coluna, na regio lombar, constante. Parecia que a minha coluna estava meio travada: eu sentia dificuldade em levantar da cama, sair do carro, me inclinar para lavar o rosto etc.

    Hoje em dia, se fizer algum esforo muito grande, a lombar que vai reclamar mais, pois o meu ponto fraco. Mas nem se compara ao que eu sentia antes.

    A prtica do LaoQiGong me ensinou a tomar conscincia da minha coluna e a exercit-la.

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    Fabio Rezende

    J treino com o Mestre Cai h muitos anos, e quase no h comparao com o rapaz sedentrio e sem energia que eu era com o que sou hoje. Costumava sofrer com dores nas costas, por causa de uma lordose adquirida aps anos curvado sobre os livros e o computador, mas, depois que comecei a treinar LaoQiGong, esse problema, que me incomodava bastante, foi diminuindo at desaparecer. E nem percebi quando foi que as dores sumiram, de to natural que foi o processo de recuperao; eu apenas me esqueci que elas existiam. Sem falar que agora tenho sempre uma motivao a mais para continuar evoluindo nos treinos, motivao esta que afeta positivamente muitos aspectos da minha vida. Ian Prado Smit Kitadai, Antes e depois

    Quando Cai Wen Yu apresentou-me sua arte, logo notei

    que estava diante de algo que o pensamento ocidental no estava acostumado.

    Sempre achei que kung fu era mais um sistema de exerccios intensos, complementar formao cultural de algum. Mas, depois da apresentao do QiGong de Cai Wen Yu, vi que o kung fu uma forma de linguagem.

    Linguagem, no entanto, no significa aqui uma lngua com a qual conversaramos de forma instrumental com um estrangeiro ou programaramos uma mquina. Linguagem significa aqui aquilo que revela em ns uma maneira de ser. Especificamente o kung fu, revela em ns uma maneira de ser

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    aquele que luta. Da a conotao cientfica atribuda ao kung fu por Cai Wen Yu. Kung fu para ns, no termo grego, deve ser entendido como um logos, ou seja, algo como kungfulogia. Agora, o treino no mais uma relao de professor-aluno, com vista a passar certas formas de contedos conservados em manuais antigos, mas um encontro de investigadores de uma linguagem.

    O treino desta linguagem demonstra seu rigor cientfico pela deslumbrante capacidade de transformao do corpo. Este rigor garantido pela nfase no treino da postura da rvore (ou Zhan Zhuang). Neste treino, Wang Zhiang Zhai, o fundador do estilo Yi-Chuan e importante intrprete dessa postura, atingiu uma enorme capacidade de luta, lutando por unificar as artes marciais internas. Neste projeto, ele buscou esgotar as possibilidades da postura da rvore, sempre tendo em vista a unificao das foras do corpo.

    Se tal unificao possvel, o desenvolvimento do golpe deve acompanhar tal unificao. Assim, o treino tende a certo caminho de desenvolvimento de luta corporal, o qual sempre tem em vista a relatividade da fora como princpio. Isso mantm o treino livre de qualquer sistematizao formal de movimentos, os quais gerariam efeitos equivocadamente idealizados. Atento ao princpio, garante-se um excelente valor de verdade no que se pensa e se treina neste estilo de kung fu, o Yi-Chuan.

    Se eu pudesse sintetizar tudo num eixo antes e depois, esse eixo seria a questo da linguagem.

    Antes, basicamente, no conhecia meu corpo. Estava perdido naquele discurso de que se deve simplesmente intuir o

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    que se aprende sobre o corpo. Isso insensvel. O corpo, na realidade, comea a se fechar, atrofiar e embrutecer. No supunha que o