cadernos de histÓria e a r t e e b o r e n s e · ao bater da primeira pedra do velho paço, ......

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T ÚLIO E SPANCA CADERNOS DE HISTÓRIA E ARTE EBORENSE III PALÁCIOS REAIS DE ÉVORA EDIÇÕES NAZARETH - ÉVORA 1946

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T Ú L I O E S P A N C A

CADERNOS DE HISTÓRIA

E A R T E E B O R E N S EI I I

PALÁCIOS REAIS DE ÉVORAE D I Ç Õ E S N A Z A R E T H - É V O R A

1 9 4 6

TÚLIO ESPANCA

CADERNOS DE HISTÓRIAE ARTE EBORENSE

IIIPALÁCIOS REAIS DE ÉVORA

#

1946

PALÁCIOS REAIS DE ÉVORA

1.» PARTE

INSTITUIÇÃO DAS POUSADAS E FUNDAÇÃO DOS ESTAUS

M problema insolúvel sc nos afigura hoje,localizar com relativa precisão as primitivascasas reais da côrte portuguesa, dentro dosmuros da mui nobre e vetusta cidade deÉvora. Todos os reis da primeira dinastianela assentaram com mais ou menos demoraao sabor de suas predilcções ou necessi-

dades políticas c militares. Aos monarcas D. Afonso Hcnriques, D. Dinis,D. Afonso IV, D. Fernando c D. João I —, mereceu Évora desveladasatenções e assistência nos múltiplos aspectos da administração medieval,e, o desenvolvimento do burgo histórico amparado pela sociedade contem-porânea, feita de massas anódimas e anónimas mas caminhando numtrilho històricamente definido, teria a sua culminância topo-geográficaao atingir a maioridade com o crepúsculo do Séc. XIV.

O glorioso Fundador da pátria portuguesa, viveu ao que parece ea insegurança da época impunha, dentro das sólidas torres do alcaçarmoirisco, onde instalou em 1177 os cavaleiros da Ordem de Calatrava,com a designação de freires de Évora, mais tarde de Avís; os seus suces-

4 PALACIOS REAIS DE ÉVORA

sores até D. Duarte, se tiveram aposentos propriamente assentes em casasda corôa —, a tradição e seus vestígios arquitectónicos feneceram com orodar sempiterno da civilização. Frei Jerónimo de Belém, o douto cronistados seráficos padres franciscanos, diz que D. Afonso IV, aquela robustafigura que a Idade Média portuguesa cognomisou de Bravo e que nestacidade assentou côrte durante 14 prósperos anos de seu reinado, tevepousamento em paços apar do Convento de S. Francisco, em cuja igrejagótica — a de três naves —, teve lugar o casamento, por procuração,do infante D. Pedro com D. Constança Manuel, juramentados pelo bispode Lamego D. Frei Salvador.

Neste incipiente solar ante os sisudos tonsurados do piedoso Poverelhse tramariam as intrigas de D. Leonor Teles, os incestuosos amores como Conde Andeiro, c a aparatosa prisão do Infante D. João, Mestre deAvís e de Gonçalo Vasques de Azevedo, pelos fidalgos Vasco Martins deMelo, alcaide-mór de Évora e o escudeiro Gonçalo Vasques Coutinho,com cêrca de duzentas lanças, ante a passividade dos terços auxiliares doDuque de Cambridje, que acampavam nos arredores da cidade.

D. Duarte deu principio aos Estáus na Praça Grande, logo após ascomplicadas Cortes de 1435*36, iniciadas em Évora e concluídas em Leiria,para dar exemplo aos nobres que exorbitam na sua conduta numaépoca cm que o flagelo das terras era o pousamento da comitiva e guardapessoal dos reis, conforme incisivamente se proclamou no Capítulo n.° 91:

Outrossy Senor saiba rosa merce que jaa é tempo delrey dom Pedrot oso at oo foy mandado que c certos arrequerimento dos concelhos q. todol-los condes e fidallguos e prellados e caualeiros q cassas theuesem nascidades e atilas tj has correge sé e has nom dexafse cair pera é el/asauerc de poufsar quando ha terra t/iefse e pela esto lhe foy afsinadotemo a q has fezeré e per o aro das guerras cefsou q se nõ fes ora vospedé de mercê q mandees q hos fsobre ditos repay ré suas cafsas pera etilas pousar?. E quando uierc aos ditos IIugares o nom o querendo ellesjazer que per i os lhes nom sejam dadas outras nenhuuas pousadas pera éellas auerc de poufsar quando vos aa terra vierdes.Item. Aos LCY capitollos diz Eli Rey que hos pelados e fidallguos corre-jam as cafsas q. teuerem nas cidades e uillas ou has allogem ou vedamde guifsa q. sejafii corregtdas daqui a dous an nos e fse has nom cor re-gerem a tea !>o dito tempo manda ho dito sejam dadas outras cafsas depousadia pera suas pefsoas (*).

(') Arquivo da Ginura de £vora. Lit".* 2.' de Pergjmitho, flí. J9 v. A -14.

PALACIOS RJíAIS DE EVO RA

O assunto não era novo, porem, na vida civil portuguesa da época.São frisantes os exemplos citados nas Côrtes de Coimbra (Artigos Gerais),do ano de 1395, onde se protesta contra os abusos cometidos pelos pre-lados e ricos homens, cavaleiros e nobres damas que, em estalagens rom-piam as roupas alheias e provocavam outras irregularidades (2) c, noRegimento da Cidade de Evora, composta também no reinado de D. João I,no capítulo IX — Titulo das Pousadas, específica e codifica-se que:

Proíbe aos cavaleiros e escudeiros o aboletamento cm casas parti-culares da cidade, excluindo apenas os condes e bispos ou outros preladosque conduzissem a câmara del-rei, mas só no caso de haver falta de camasem estalagens. Aos juizes do Senado estava vedada a desobediência destalei sob penalidades severas, e a sua anulação só era concedida pelo rei oupelo Infante D. Duarte (3).

Ao bater da primeira pedra do velho paço, estava como juiz dacidade Álvaro Vasques Tisnado, homem bom, e comoTrocurador do banco,Manuel Domingues, fidalgo eborense e grande orador.

O centro cosmopolita já era então no vasto terreiro da PraçaMaior sobranceiro às torres de sólido aparelho visigótico e muro quebrado,coroado ainda por denticuladas ameias muçulmanas e casario esmagandoo adarve, cm terras dos antigos fossos, as alcárcovas dos infiéis. Pequenafieira de pardieiros, aqui e ali, sem sucessão de continuidade, com arcosc pilares de granito sobrepujados por modestas câmaras de um só piso,salientes, com açoteias c balcões de grelhas, rótulas c ferros góticos recor-tados pela forja de mestres mouros. No tôpo do Norte, a mcdiévicaigreja paroquial de Santo Antoninho, com campanário e adro vasto, aolado da velha albergaria do Corpo de Deus, anichadas à sombra mile-nária e magestosa do pórtico triunfal romano, com suas colunas, pilastrasc frontão patinados pela vetustade. A Ocidente e no começo, a capelinhade Nossa Senhora (4), de campanil, casinhas irregulares, de arcaria

(*) Uv* 1* de Perg.*, tl. 14 v.(*) Documento feito pelo Corregedor d* Córte Joane Mendes; Registado no Ur.*

Pequeno de Perg? do Arq. Mua. Pub. por Gabriel Pereira: Documentoj Hntóricoi daCidjJe de P.torj, Vol. 1.*, pig. 175.

(*) Capela alta quo ficou pertencendo aoi Estáus, com a invocação de N.* S.‘ do»Rei», e pela qual 50 ministravam o* ofícios divinos aos preso) da cadeia fronteira, a partirde 1505? António Francisco Barata, in P.ror* Aystigj. pig. 40. atribui a sua fundação aoalcaide D. Fernando de Melo, o que t incompatível com os dados históricos c crooológicos.Este fidalgo morreu quase dez anos antes da mudança e edificação da cadeia municipalda Praça, motivo que o autor conjecturou para a juvtificaçlo do templo. Contudo, naprimeira metade do S<í. XV ji a capela existia, segundo os mss. do Cartório Municipal,aliis corroborados pelo poeta Garcia do Rèsendc, na Crónicj de D. Joio II.

6 PALACIOS REAIS DE fVORA

nalgumas faceiras (J), c as portas chapeadas de ícnro. dc bandas eargolas, contrafortadas, com munhoes c esteios rijos sob arcobotantcse campanário dos rabis e alcaides, triste paredão sem fenestras ou seteiras,alto e negro. Era a boca da populosa comuna dos filhos de Israel, a Judariadc Évora, das maiores do reino e das principais da Europa quatrocentista.No amago dum gigante de pedra, em frente, no ângulo oriental da Praça,sotoposta aos arquinhos de capitéis góticos primitivos, de lâmpada votiva,o nicho entre colunata com a imagem de Santo António, gracioso iconcdc tosca pedra na arte românica.

Na face meridional e confiante com as casas do Comendador dasOlalhas, ficavam os pardieiros e loja que foram de Gonçalo Vaz, o dosBaraços, por singular advertência do destino, onde se confessou o Duquedc Bragança cm 1483 a Frei Paulo, um dos bons homens dc Vilar,momentos antes de subir ao cadafalso, — substituídas na primeira vintenado Séc. XVI pelos Paços do Concelho.

Nesta comprida Praça, torta de nascença, e ocupando a área sensi-velmente da actual, se concentrava a vida doburgo. Ao alvôr do dia,o bulício característico do mercado medieval: pregões, acotovclamento,relinchar das alimárias, lixo e o vaivém das donas cristãs, almocreves,mouros forros e judeus.

Quadro pitoresco retrospectivo impossível de reconstituir. Chãodomingueiro, ponto de reunião dos fidalgos, escudeiros e infanções,archeiros e besteiros do presídio de Ceuta; mesteirais e braceiros, arraiamiúda e vilanagem. No adro de Santo Antão, os oficiais do rei, ashansas dc mercadores, os alvasis e aguasis do Senado e os pregoeirosda Câmara, precedidos de trombeteiros, liam. cm seus rôlos dc perga-minho, as leis c sentenças, compromissos e os alvarás da pragmáticamedieval. Aqui se corriam os toiros, se realizavam os torneios, justas,jogos de canas, momos c cavalhadas. Nas vésperas bélicas era o sommarcial dos instrumentos guerreiros: cavalaria e peonagem de arneses.

(*) Em 1528, o licenciado Franci*co Gonçihn habitava num* cavas 1 eiquina daRua tk> RaintunJo. cvntíguas 1% dc Vcr-o-Peso. tobeeposta» arco* da (idade. <►» quaivpertenciam ao povo c para o bem comem, no di/cr Je D. Joio III. Carta datada de 20 deAgovto, para o Senado.

TJIWC* da face da Praça, onde estio hoje montados o comultório do Dr. ArturCotta e Pòsto da Gmiisslo Municipal dc Turismo. Quando da montagem deste escritório. navai* dc entrada, ao picar dat paredes^ puzeram-sc a osso dois viu» dc grussa cantaria, croto» dc pilam também dc granito.

A ob«ruçlo dc?ta arcada remonta a época bastante recuada. )i em 1654. este corpo >eencootrav* tapadio. corro o afirma o c«cmlo do To**bo JJ CJmjrj, Sebastião Rodrigues Feio.Coní. Códice ms. cit.. Título: CM* JO Ptjo, fí. V».

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lanças c máquinas dc fogo—, a corredoura, enfim da raça épica c irre-quieta. Mas no recinto também, nas horas solenes c tementes dc Deus,a nobresa e o povo se curvavam ante as graves procissões conduzidaspelo Cabido da Se e os sisudos padres domínicos e franciscanos, únicosrepresentantes coevos na urbe do cléro regular, secular c monástico.

No cimo da Praça c à esquina da carreira dos toiros, campeavamentão umas casas foreiras à Ordem dc Àvís e integradas na Comendadc Mcnda Marques, donde se dominavam os campos bravios do termo:a N. a Atalaia dos moiros, no alto de S. Bento, e o convcntinho dasfreiras dc Cistcr e, na lonjura. ao pôr do sol. a provença de Moutcmuro,de matagal emaranhado super povoado dc animais feroses —, onde serefugiavam os pobres da cidade —, por doação de D. João I, de 30 dcJunho dc 1421, nas numerosas antas então existentes c nas ruínas dohistórico c célebre castelo dc Geraldo Sem Pavor.

D. Duarte tomou indevidamente posse do edifício, criando dcinício um litígio que só teve integral solução no reinado de D. Manuel,o qual. em 25 dc Março dc 1498, dc acordo com o Mestrado da Ordemdc Cristo, resolveu o pleito a contento das partes interessadas, desmem-brando das rendas da cidade, cm sacrifício da Corôa, a renda dos pretos,em troca c escambo perpetuo.

O assento original foi feito na sede da Ordem, cm Tomar, peloescrivão da Chancelaria. André Fernandes (°). As obras a fazer nosEstaíís. seriam de grande volume, atestando-o a circunstância dc exigira aplicação de materiais robustos dc cantaria que os mestres foram bus-car à centenária muralha visigoda. já aberta, demolindo algumas torrespertencentes à fazenda real (?).

Vários mestres dc pedraria c carpintaria trabalharam nas obras,c alguns nomes foram conservados nos diplomas coetâneos: Em 1435,Mestre Pero. castelhano, foi isentado de ter cavalo, dc besteiro do conto,e dc aposentadoria, como bom oficial de seu mister; pelos anos dc 1443estava nomeado por D. Afonso V, como arquitecto do Convento deS. Francisco. Aos 28 de Dezembro de 1451 exercia as funções de paccirodos Estáus c doutras obras da casa real cm Évora i Esteves Rodrigues,com 14.000 libras de ordenado por ano. além dc outros previlégios.

(') TVWrr 3o Tombo. Gaveta 19, Maiso 14. N* 4. Exiuc urra cópia na IkhüotecaCIX

PáSlifj dc Évora. Cod —2-1

O TOrre do Totnbo, Chancelaria de D. Atonto V. Liv* $4, fl. 175.

s PALACIOS REAIS DE ÉVORA

Foi este mestre que, dirigindo as obras do palácio do fidalgo SueiroMendes, obteve del-rei c do Senado, em 1467, consentimento para des-locar umas pedras dc arte que estavam nos Açougues (Templo Romano)e aplicá-las como matéria ornamental na fachada daquele solar, agoraimpossível de localisar.

Da obra de carpintaria, são citados neste período, três mestres:Estevão Lourcnço, do qual, numa carta dc previlégio do rei Africano,passada cm 24 dc Julho de 1440 declara el rei ter visto outra de seu paiem que o tomava por seu carpinteiro para as obras que mandasse jazerem Èvora (*).

Falecendo por 1449, sua viúva Beatriz Aires recebeu dc el-rei idênticacarta de benesse. João Ledo, mestre da carpintaria real da cidade dcÉvora, cm 26 dc Janeiro de 1451, substituiu aquele, cuja carta de nomea-ção é conjuntamente diploma dc previlégio. Finando*se por volta de 1480,teve como sucessor, ao que parece, Lourenço Gonçalves. Outros artífices,alguns estrangeiros, serviram os reis da dinastia de Avís em seus paços.Em 10-6-1452, D. Afonso V passou carta simultânea previlegiando aLambertc, carpinteiro francês, e a Mestre Gris, serralheiro alemão, ambosresidentes cm Évora (°).

Confinante com as casas dos Estáus existia a capela da invocaçãodc Nossa Senhora Mãe de Deus, administrada desde época muito antigapela Câmara, c que, nas vultuosas obras dos paços D. Duarte absorveu,ao que o Senado nunca levou por bem e sc queixou nas Côrtes dc Maiodc 1441, celebradas em Tôrres Vcdras, na regência do infante D. Pedro,requerendo a restituição do que pertencia à cidade. O Conselho satisfeza petição pela justiça nela contida, c foram procuradores de Évora nestasCôrtes, os Vereadores Lopo Vaz de Camões e Rodrigo Estevens. Estavade luto a edilidade, porque, andando os infanções c escudeiros do burgocm revolta, se matara o honrado Juiz de fora com alçada por el-rei nossosenhor (,0).

Não conseguimos apurar sc o Juiz era Diogo Gonçalves de Macedo,se Alvaro Vaz Tisnado.

No ano dc 1443, estando como aposentador-mor Rui Mendes Cer-veira e vindo a Évora D. Fernando, Conde de Vila Real —, Abraão,

(‘) Doc. perdido tfüisc completamente por ter sido lavado ccm tintura dc nozde galha.

(') Chancelaria de D. Aforwo V, Liv.* 12.“ fl. 94. Pub. por Soma Viterbo, inD/eionJriú dos Arquitetos, etc.

(*') P." Jo$£ tope* de Mir*: Cartório Jj Cirrsjra, ÍI. S4 v.

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jubctciro judeu, negou-se a aboletar o grande fidalgo, primo do rei,motivo que originou uma carta dc D. Afonso V na qual se isenta aqueledos cidadãos colectados, mas obriga-o a dar aposentos ao nobre titular.

Em fins de 1449, a côrte de D. Afonso V preparava-se para sedeslocar a esta cidade, c faltando os cómodos para tal, a 4 de Outubroa Gamara fez uma •petição a el-rei, pelos cavaleiros da casa real e verea-dores do Concelho, Lopo Vaz de Camões, antepassado do imortal épico,e Álvaro Vieira, nesse sentido — ao que o monarca respondeu que, todosse haviam dc acomodar, c que breve previniria o aposentador dosEstáus (ll). Deste ano c o edital referendado pela chancelaria régia etornado público nesta cidade antes do S. João, proibindo a entrada dcmais sal cm Evora e seu termo, sob penalidades graves em benefício dascasas da Aposentadoria c risco da perda das bestas c carretas e bois q otrouxere e ///ais a casa e q se ueder ou seis ///ill ts por cila (I3). Entretanto,transferindo D. Afonso V a sua casa para os estudos do Convento deS. Francisco, cedeu ao povo o paço dos Estáus para neles se montar agrande estalagem do Concelho e, da fazenda real, por provisão dc 5 deAgosto dc 1460, foram atribuídos como subsídio para estas obras, 15.000reais brancos da renda dos vinhos da Comarca, por ano, sendo a Câmaraempossada deste imóvel segundo documento datado de 19-1-1463 ( 15).Outros capítulos corroboram e ampliam as dotações, comuns a impostos,para os mesmos, que foram:

a) Restituição dc 50.000 reais das rendas dos vinhos.b) Absorção dos 15.000 rs que eram destinados às obras da vila

dc Redondo, com a condição de certos munícipes pagarem o imposto dosreais pretos à casa real c não ao Concelho, como era costume antigo ( 14).

Em 1462, a vinda c abolctamcnto do Infante D. João. sobrinho dorei, que estava enfermo, e seu séquito, nas casas da Praça, deu dcsinteli-gcncias entre o monarca c o Concelho, este como representante do inte-resse comum c da Casa dos Vinte c Quatro Mesteres. O contador da côrte,João Afonso, sacou sete camas da Judaria e três da Mouraria, alterandoos ânimos c o preceituado no regimento sumário havido entre a cidade ca Corôa. Do pleito há variada correspondência no Arquivo Municipal,datada de Março e Setembro de 1462, tendo ido a Santarém como delegado

(") Liv.* 4.* do* O ri)*, fl. 150. Em CKfívJo da Câmara c estudei f o Pcro dcCarvalhais.

( , !) Trcslado dc uns capítulo* do Liv.* 2.* dc Pt'tjniiho da Cimara, fl. 71.('*) P.* José Lopes de Mira. Cart. dj CJm. fl. 100.(") Capítulos dc 29-7-1461. lewdos a Lisboa pelo eseudeiro eborense Joio Roiz

Madridc. Liv.' 2.' dos Orig. fl. 181.

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da Gail da local o barbeiro Gil Martins» que levou doze dias de viagem,numa besta, recebendo de el-rei como ajudas de custo 420 reais brancos ( 13).No mês de Setembro aposenta-se nos Estáus o Infante D. Fernando, Duquede Viseu e a mulher do Infante D. João, com numerosa câmara, que seespalhou pelas estalagens e estáus de aluguer, tendo a comuna judaicade emprestar, além doutras cousas atinentes, 705 leitos completos, o quemotivou no bairro grande pobresa, trabalhos, sacrifício e fadigas.

O representante dos hebreus Zaa Boca, e Álvaro Gonçalves, peloConcelho, estiveram nos paços expondo a S. A. quão grave e injuriosaera para o povo tal imposição, pedindo a codificação do Regimento daAposentadoria de Évora ( ttí).

18-1*1463. — D. Afonso V comunicou à Câmara a nomeação deum juiz para dar início ao estudo da Aposentadoria, e que esta lhe deviadar casas e cama enquanto estivesse cm comissão, sem agravo intencionalpara o Senado, indicando, outrosim como cobrador das rendas da Aposen-tadoria o tesoureiro Diogo Pires por carta feita em Estremôz pelo escrivãoGonçalo Cardoso (17).

Em resposta a uma pergunta feita pelo Concelho e levada pessoal-mente a Lisboa pelo vereador Vasco Afonso, com data de 26-6-463, achancelaria insiste pela imposição da terça das obras da Casa dos Estáus,invocando na fiança, caso preciso, a hombridade dos fidalgos, cava-leiros, misteres c povo miúdo da cidade. Os impostos criados eram: taxade um real preto cm cada arratcl de carne; Idem, sobre o pescado; Ibidemna venda dos coiros —, autorizando o aumento de meia canada sobre oalmude de vinho. Na mesma carta se fala da isenção dos besteiros dotermo de Évora para servirem nas praças de Ceuta e Alcácer Seguer ( ls).Estudadas e ponderadas pelas partes interessadas a elaboração dum esta-tuto definitivo que regesse as casas de pousamento, em 18 de Junhode 1464, nos Paços do Concelho, então situados entre os palácios deMartim Afonso de Melo; de D. Diogo de Castro, capitão-mor de Évora,c celeiros dos bispos (hoje Biblioteca Pública), foi lavrado um longoinstrumento de contrato entre os delegados do rei, do Concelho, nobresa,povo e Casa dos Vinte e Quatro, pelos mesteres, mouros forros e judeus —,

(*') Uv.* 2.* dos Orig. fl. 174. Seria esta personagem 0 Mestre Gil do grandeAlexandre Hcrculano, figura central da -crónica do século XV», do «Panorama*, 18JS,inquilino dc Gonçalo Vai, dos Baraços, pela trégica morte do II D«c)ie de Bragança naPraçn dc Évora?

(“) IJv: 2‘ dos Otig. fl. 177.(”) Lit * 2: dos Otig. f|. 158.('*) Carta patente, feita por António de Matos. Ur* 1.' dos Orig. fl. 148.

PALACIOS REAIS DE EVORA II

ficando regulados as pendências, litígios e interesses. Este documentohistórico, é o termo de encerramento de duas anteriores reuniões havidasentre as mesmas classes, cm 11 c 14 dc Abril, respectivamente, do mesmoano, na ermida dc São Miguel da Frciria c nos paços episcopais, esta soba presidência do notável prelado D. Jorge da Costa, que morreu Cardealde Alpedrinha.

À primeira sessão, no vetusto ambiente do templo coevo da fundação,pequenina capela românica onde oraram os gloriosos cavaleiros da milíciadc Avís —, completamente cheio dc povo, vassalos del*rei, lavradores,vinhateiros, picheleiros, tosadores, alfaiates, cutelciros, arrieiros, sapateiros,carpinteiros c outros misteres, na pitoresca expressão do manuscrito —,compareceram os honrados e discretos Paes Varela, escudeiro da casa reale Juiz dc Évora; João dc Faria. Lopo Gomes Pestana, Nuno AlvaresTisnado. Fernando Ancs. Vereadores; João Antunes, Procurador do Con-celho; João Afonso, ourives c Martim Afonso, carpinteiro, procuradoresdo povo miúdo e misteres, que arengaram, defendendo a sua corporação.

Testemunharam este acto, Fcrnão Gomes, oleiro, João Rodrigues,ccrieiro, João Rodrigues, tecelão, Pero Murteira, tosador, Fcrnão Martins,burgiginciro, Fcrnão Batel, pichelciro, Rodrigo Eanes, barbeiro, AlvaroAfonso, sapateiro, João Afonso, cutelciro c outros, c João Dias, tabeliãopúblico de el-rei o cscrcvcu c autenticou. Traçados os capítulos gerais dosestatutos da Aposentadoria, nesta reunião primária, ficou imediatamenteconvocada outra definitiva nos paços góticos dos bispos, contíguos i Sc.com as capitulações escritas c ponderadas, elcgcndo-sc para tal, os seguinteshabitantes da grande c complexa comunidade eborense medieval: Rui deSousa, do Conselho da Corôa; Diogo dc Gois, em nome dos fidalgoslocais; Paes Varela, Juiz do povo; Lopo G. Pestana c João dc Faria, Verea-dores, pela Câmara; Lopo Vaz dc Camões, Luís Lourcnço c Vasco Martinsde Pavia, por parte dos cidadãos c homens bons da cidade; João Afonso cMartim Afonso, pelas corporações mecânicas c serviçais. Desta transcen-dente reunião, a que a voz autorizada c sapiente de D. Jorge da Costadeu invulgar brilho, sairam as directrizes do Regimento da Aposentadoriade Évora (base do entendimento c unidade histórica entre as batisas dcmercadores, a nobresa c o povo dum lado, e a Corôa c o Senado com ospoderes do absolutismo medieval), que chegou, com ligeiras modificações,em exercício até o reinado dc S. Sebastião. Os principais pontos são assimcomentados, após a introdução que discorda da nomeação dos oficiais dagovernança, que eram providos anualmente pela Câmara c que os mesteresdesejavam indicar:

12 PALACIOS REAIS DE EVORA

1.° — Que sc recebam todos os lanços das rendas das imposiçõesda Aposentadoria, arrematados de comum acordo com osoficiais da cidade;

2."—Que se meta a pregão a sisa do sal, mês e meio antesdo S. João Baptista, e que fique aos mesteres a faculdadeda sua cobrança e direito de opção;

3."—Idem, àcerca das rendas dos vinhos, carne e pescado;4.° — Compromisso perpétuo de preparar o aposentamento dos

reis de Portugal e cortesãos, ou hóspedes estrangeiros,ministros plenipotenciários e legados de papas, sem cons-trangimento dos habitantes da cidade. Neste capítuloexiste o parágrafo cm que o povo se responsabilizavapela integral satisfação, até quinhentos mesteirais cpovo miúdo;

5.° — Que todo o dinheiro excedente nos encargos perma-nentes (liquidações dc aluguer de casas particulares)sc aplique em benfeitorias da Aposentadoria, sua amplia-ção e cngrandecimento, e não an outras cousas, e queel/es o d es pendão sem alguma malicia;

6.° — Que o Juiz e Vereador nomeados em exercício anual,elejam um tesoureiro em nome dos fidalgos e que, seos restos forem em grande abastança, sejam restituídoshonestamente;

7.° — Que, não comportando os Estáus senão determinadonúmero dc pessoas, que seja usada a faculdade dosmembros da côrte se aboletarem onde quiserem;

8.° — Que, os vassalos c previlegiados restaurem as suascasas, na obrigação de as alugarem quando tal se torneimperioso;

9.° — Que, aqueles do povo nomeados no mister da gover-nança, tenham como auxiliar um escrivão;

10.° — Que o pagamento de camas, por aluguer, fosse; deescudeiro, 140 reais; por homem dc pé, 120 reais, cadamês.

Os nobres de Évora acharam razoáveis c aceitáveis as condições dosmisteres e da Câmara, como reza o diploma, muito justas e boas, de grandefranquesa e liberdade para todos os moradores da cidade, elegendo-se,imediatamente, por sugestão dc D. Jorge da Costa, os dois juizes doregimento — Lopo Vaz de Camões e Vasco Martins dc Pavia, compro-

PALACIOS REAIS DE ÊVORA 13

mctcndo-sc. por espontânea generosidade os três vereadores principais.Paes Varela. Juiz, Lopo Gomes Pestana e João dc Faria, a contribuíremno primeiro ano, com a tença dc nove mi! reais.

Foi este o primeiro tributo do contrato das Aposentadorias comD. Afonso V, que atingiu o montante dc sete mil c quinhentos cruzados.

Outorgados os seus capítulos, foi lavrada uma escritura públicapelo escrivão da Câmara. Pero dc Carvalhais. O bispo D. Jorge da Costalevou pessoalmente a el-rei, cm Lisboa, o contrato original, que foi subme-tido a estudo pelos Conselheiros D. Fernando dc Castro, vèdor da Fazenda;Gonçalo Vaz. escrivão da Puridade, e Álvaro Pires Vieira, os quais, nageneralidade, deram parcccr favorável. Este longo instrumento, apensoao alvará dc confirmação, com cerca dc 4.000 palavras, foi aprovado pelachancelaria real c passadas duas cópias, testemunhando Lopo Rodrigues,alcaide pequeno, Pero dc Carvalhais, Estevão da Cunha, João dc Évora,criado do Conde dc Abranchcs, Fcrnão Vaz, escudeiro do alcaidc-morD. Fcrnão dc Melo, Diogo do Couto c João Aires, cabouqueiro. Assinarammais; pela nobresa dc Évora, Rui dc Sousa, senhor de Sagres c Beringcl,futuro embaixador cm Castela, Diogo de Gois, Lopo Vaz dc Camõesc Luís Lourcnço, cuja escritura lavrou o tabelião del-rei João Dias ( ,0).

Solidarizando-sc com o sacrifício geral, o antigo hospital do Corpodc Deus, resignou ao fóro da rua de Maria Louçarn, cedendo umas casaspara a cidade fazer nelas estáus, sob renúncia dos confrades da Alber-garia (:o). Como a Córtc do rei Africano estavá quase permanentementena cidade (onde sc realizou a recepção da missão diplomática do rei Jorgeda Boémia, dirigida pelo barão dc Rosmital c cujo relato do cronistaTctrcl, impresso cm latim, fala cncomiàsticamente do palácio dos Estáus.então residência do Duque dc Viseu D. Fernando (1466), agravandoc sobrecarregando as rendas municipais, aos 23 de Maio dc 1470, foipromulgado e aprovado um regimento colectando os vendedores dosaçougues novos, na Praça Grande, para as obras da Aposentadoria. Foifirmado entre a Câmara c a Casa dos Vinte e Quatro, isentando das contra-facções os negociantes estrangeiros, pcrcebendo-sc desta contribuição 10.350reais pretos por ano.

Era almoxarife da Aposentadoria Álvaro Gonçalves c escrivão da

(*') P.* Jmí Lupo dc Min: Ctnófio /i CÍKJTJ c TCK^C is fl.17.(**) Fóro n* Gibi kl Pcror*; ZXv. Hirt. Cii. £tc **. pig. 125.

14 PALACIOS REAIS DE EVORA

mesma Lopo Gomes Eanes (21). Os oficiais deste cargo foram isentadosde alistamento para as campanhas dc Castela, por alvará de D. Afonso V,dado em 20-3-1476, c das guerras de Africa, prcvilégios concedidos, rcspccti-vamente, por D. João II e D. Manuel, em cartas datadas de 8*6-1484 c15-2-1496 (••). Nas Cortes de Lisboa, de 1476, os procuradores dc Évora,Paio Rodrigues e Lopo Serrão, cavaleiros da casa real, nos capítulos espe-ciais 8.° c 9/\ levantaram o problema dos abusos das nomeações, protes-tando contra o facto dc Nuno Vaz ter sido investido como tesoureiroperpétuo da Aposentadoria, com 5.000 reais dc ordenado e mantimentospor ano, à custa dos rendimentos da mesma, o que era contrário aosprincípios estatuídos na letra do contracto e regimento especial. Tristãoda Costa, recebedor da Aposentadoria, e Nuno Fernandes, escrcvaninha,estavam também ocupando o cargo com prasos excedidos — , respondendoSua Alteza, que fosse ouvido o conselho das Aposentadorias e dada plenasatisfação a quem a tivesse, interessando-se, porém, para que se manti-vesse no lugar Tristão da Costa, seu criado, bom e deligente funcionáriode seu ofício ( í3).

Terminara, praticamente, o heróico reinado do monarca cavaleiroque, de longada estéril, partiu para França em Agosto deste ano, pedirauxílio ao arteiro aliado Luís XI, e deixando o governo do reino, tãoalquebrado de finanças, ao príncipe D. João. Logo em Abril dc 1477,este como regente, convocou o Conselho da nação numa sala do conventosuburbano de Santa Maria do Espinheiro, onde se tomou conhecimentooficial do desastroso estado económico do reino, após 14 anos de guerrasafricanas c contra Castela. Durante esta campanha, contigentes militarestransitavam constantemente por ívora e obolctavam-sc nas Aposentadoriasdo povo, excedendo tantas vezes a lotação das casas da Praça c estalagens,que a Câmara oficiou a D. João II solicitando da necessidade de os conti-gentes se fazerem acompanhar de carruagem e acampamento volante,salvo os nobres da comitiva do príncipe, que o Concelho podia acomodar,até 10 dias, com raras excepções. El-Rei respondeu de Montemor-o*Novo,por carta assinada por seu punho c pelo do conde barão de Alvito, cescrita por Nicolau Eanes, 27-9-1481 (- 4). Arrastando-se o pleito pelarecusa da guilda dos mercadores judeus, D. João II publica um acordão

(") Ur: Ptq. dt Perg.. fl. 161 v.\(“) Toinbo da ApoieKtjdorjj, fl. 72 v.*. A cartu-alvari, dc 20-3*1476, foi expedida

dc Toro, pelo secretário Afonso Gomes.(*') D. Joio V mandou copiar e>t« extratoj para aAcademia Real da Hbtória

Portuguesa em 172} — Ur.' 7.* de Regiiío, fl. 15.(“) Ur* 2: dos Otig., fl. 103.

PALACIOS REAIS DE ÉVORA

do Triburul da Relação c Desembargo, sobre certos capítulos da Aposen-tadoria, visto que Moisés Toledano, comprometera-se. em nome da Judariadc Évora, a fornecer 500 camas (200 para escudeiros e 300 para homensde pé) c o oficial tesoureiro da mesma. Judas Navarro, estabelecia dúvidasàcerca deste previlégio. Depois dc obrigado a fazer cumprir a letra, doscofres da comuna foi exigido o empréstimo de 200.000 reais para asdespesas do exército, verba que sc descontaria oportunamente dos rendi-mentos certos da Aposentadoria. A escusa levaria à aplicação de multado mesmo montante, dc sua própria fazenda. Este acordão foi lavradoem Montemor-o-Novo pelo Dr. Nuno Gonçalves, perante Diogo Lopes,ccrieiro, procurador da Casa dos Vinte c Quatro, c Judas Navarro, deputadoda comuna hebraica, como rebedor da Aposentadoria (*'•). A Câmara,também atingida nos seus previlégios e autonomia responde, novamente,em 27 dc Outubro, por Fcrnão Carvalho, vereador e cavaleiro eborense,lamentando c protestando contra os abusos cometidos pelas gentes doCondestável de Portugal D. Fernando Coutinho, Marquês dc Marialvac alcaide mor dc Pinhel, c outros fidalgos c suas gentes, nas Aposentadorias;acusa como negligentes os oficiais da governança, c que sc via na conti-gencia dc negar aboletamento a gente tão tumultuosa!

O Príncipe Perfeito prometia fazer cumprir apenas o estatuído noícgimcnto próprio, c participou que a fazenda real iria cobrar as verbasnecessárias para cabal satisfação das dividas, cm outras terras do reino ( 50).

Havendo-sc cometido irregularidades na administração dos dinheirospara a manutenção destas, nas Côrtes celebradas em Évora, no mês dcJunho dc 1182, o Procurador do Concelho, Joane Mendes Gcioso, cava*leiro da casa real e cidadão que usufruia a dignidade dc emparelharsuas armas com as da Casa de Avís —. nos capítulos especiais N.* M*c 1'.*, pede a el-rei que cessem as funções dc rendeiros da Aposentadoria,as quais estavam nas mãos de membros da casa dos mesteres —, vistohaver desfalque nestes rendimentos.

Que nenhum contador e escrivão da Casa dos Vinte c Quatrodesvie a mais pequena verba sem licença homologada pelo Senado, levandoa punição à cadeia, ao que o monarca concordou ( 3T). No mês de Setembrode i486, estando D. João II cm Lisboa, a Câmara c o delegado real,Fernão da Silveira, conselheiro, coudel-mor c regedor da casa da Supli-

<") Ur: 2S dot 0'i£. fl. 105.<M) Ur: 2: Àct Oftx fl 102(") Ur.* S.* de /V*/. fl». 52 T..J9 r. Esurx xiadj ccmo cKritlo JJ CJoutj

Piro Jc Gnjlhji), íúikJo cm 14(4.

16 PALACIOS RF.AIS DE F.VORA

cação, receberam com grande cortesia os embaixadores do Senhorio dcVeneza, aos quais sc deu alojamento condigno nos Estáus e sc brindaramcom preciosos presentes do Senado, dos rabis c alcaides das comunasdos judeus c mouros.

Em 4 de Junho dc 1489, a Casa da Suplicação estava montada nasAposentadorias, tratando do seu acomodamento Gonçalo do Rego, escrivãoc corregedor da côrte, aplicando-se grandes somas deste rendimento nasreparações c feitura de casas e silos, que serviram de celeiros para recolhade trigo c mantimentos provindos das comarcas fintadas, nas vésperasdo casamento do príncipe herdeiro D. Afonso, c servindo de vèdor ofidalgo Alvaro Velho, o homem que viu nascer par a passo o magníficopalácio de São Francisco. D. Manuel autorisou a nomeação dc João Rodri-gues como contador da Aposentadoria, pela Câmara, em 22-7-1499, porescusa do procurador Duarte do Casal.

Em 26-6-1501, a Duquesa de Bragança D. Isabel, viúva do justiçadode Evora, c irmã da rainha D. Leonor, solicitou do Senado facilidades paraaposentamento próprio c sua câmara, nos Estáus, vindo cumprir um votoa N. S.1 do Espinheiro, e porque não tinha tempo de requerer a suaAlteza (2s), ao que sc despachou favoravelmente.

Rui de Sande (irmão daquele cavaleiro, Filipe do Casal, que quaseestoirava a montada, da Tôrre dos Coelheiros até à Praça de Évora, paradar a boa nova do recebimento dos príncipes das Terçarias, a el-reiD. João II), antigo moço de cscrcvaninha do príncipe D. Afonso, e oraconselheiro dc D. Manuel, possuia umas casas velhas ao cimo da Rua doRaimundo, com quinchosos para a Rua dos Touros, e, desejando ampliarc embelezar o edifício, pediu ao rei as necessárias facilidades, para trazera fachada principal à Praça Grande, unificada aos Estáus da corôa, pormeio dc um passadiço.

Como sc tratava dc uma obra dc enobrecimento da cidade, o reinão só deu o seu beneplácito como insistiu com a Câmara para lhe daro apoio e assistência técnica. Acontecia, porém, que no canto do ladoocidental, para o hoje chamado Beco do Chantre existia um curro da cidade,onde sc metiam os touros que eram corridos nas touradas públicas daPraça. Rui de Sande, na sua planta, fazia a obra sobre arcaria, tapandoumas janelas dos paços, mas abrindo balcões dc vista para o terreiro, cabsorvia com um passadiço, sobre estacas, diz o manuscrito, o ar da ruamunicipal c do curro. A vereação concelhia, aprovando o corregimcnto

(") Or ta auinadi e ditada dc Portei. Ur.* 3.* Joi Orig., fl. 29.

PALACIOS REAIS DE ÉVORA 17

— quanto à extensão — discorda da feitura do arco sobreposto à cancelados touros, e, enquanto as obras prosseguem nas faceiras da Rua do Rai-mundo c Praça, o correio àcerca do passadiço corre pela Chancelaria deD. Manuel e do Senado eborense sem solução definitiva ( 2<>). El-reitratou do caso em 1503 e, estando Juiz de fora interinamente Fernão dcMadurcira, foi lavrado um alvará dc posse ao dito Rui de Sande, suamulher D. Guiomar e herdeiros, dando pleno direito do arco, espaço dacancela dos touros e casas da Praça Grande. Especificou-se neste instru-mento, por parecer de dois mestres pedreiros, que o espaço do vão sedevia conservar bem iluminado para que os toiros e quem os fosse lançar,tivessem os movimentos bem livres. A altura mínima do arco seria a deuma lança, de homem de pé ou do cavalo (?) A abóbada seria tão alta,que pudesse andar um homem sem empeno, nos arcos (?), lançando oscabrestos fora. Testemunharam este alvará dc posse perpétua, FernãoAlvares de Madurcira, cavaleiro da casa do Duque de Bragança, Vereadorc Juiz da cidadc no impedimento dc Pero Lourcnço; Vasco dc Pina,fidalgo da casa del-rci, Rui Dias Cotrim, vereadores; e Estevão Fernandes,escudeiro e cidadão; Amadiz Gonçalves, tabelião; Estevão de Airos ePero Estaço, escrivão da Câmara Desta edificação, integrada agora nosprimitivos paços de D. Duarte c absorvida tempo depois pelos alcaides--mores de Palmeia (see. XVII) c mais rcccntcmente pelos Senhores dasAlcaçovas — os distintos fidalgos alentejanos Henriques, descendentes dorei Henrique II de Castela, o Transtâmara ( S1), que jazem na criptamausoléu da Igreja Matriz da sua terra —, nada subsiste hoje que exem-plifique a grandeza arquitectónica de outras eras. Sacrificado commu-mente aos Estáus c com certeza absorvido pela família Sousa Matos nosprimórdios do século dezanove —, por volta de 1830, ambos os paláciosperderam o pitoresco evocador de sua pátine: apenas nos baixos da Rua doRaimundo, servindo de lojas c armazéns de vinhos, velhos abóbadasnervadas, cunhais e pilares chanfrados, recordam uma imponente casa,além dc três misulas dc granito, salientes, ostentando um leão (fragmento

(:*) Os does. respeitantes a cite curioso assunto, csrio no» Uiros S* e 4* dosOriginais dj CJrurj (1501-1503).

(’*) Ur* 4.* dos Orig., fl. 137 (6-2-1505) — Uv* 2.' de Perg., fl. 19 v. (2-II-1503).(”) Nos fins do Sóc. XVIII vivia cm seus paços da Praça Grande, o II.* Senhor

das Alcáçovas dc Évora. D. Caetano Alberto Henrique» Pereira Faria Saldanha dc Lcncastrc,e sua «posa, D. Maria Domingas dc Castro, sétima filha dos 1.** Condes de Rèsendc.Sua filha única c herdeira. D. Teresa Francisca do Paula Henriques Pereira Faria dcSaldanha slc Lcncastrc. cn<iu com Luís de Vasconcelos c Sousa, segundo filho dos 2.** Mar-queses de Castelo Melhor, de cujo matrimónio nasceu oi* Conde das Alcaçovas. D. Fran-cisco de Sates Henriques Saldanha dc Lcncastrc.

18 PALACIOS REAIS DE ÉVORA

evidente do brasão de família)e duas máscaras relevadas, com siglas, nafachada moderna da rua pública. No fim do bloco, formando um ângulodc corpo saliente, dc época posterior, mas ainda quinhentista, no últimoandar subsiste, embora profanada, a capela privativa dos Sandes, depoisdos Alcáçovas, com o seu belo teto de berço do estilo Renascença, compostopor caixotões quadrados, com elipses, losangos e rosetas nas cercaduras,de mármore cinzento: ao nível da rua, vêem-se vestígios de um arco graní-tico, entaipado, que se devia pôr a descoberto, parcialmente, como se fezcom os dois vãos da antiga Rua Ancha.

D. Manuel comunicou ao Senado cm 1 dc Agosto de 1510 que,por Pero Lourenço, Juiz de fora, ordenava a cobrança das rendas daAposentadoria de Évora, do corrente ano, no montante dc 100.000 reais,e que o dinheiro era muito necessário na fazenda real (Sí).

Em Janeiro de 1511, publicou-se um Regimento acerca das casascolectadas em Évora, Lisboa e Santarém (escrito em Almeirim pelo conse-lheiro Fernão de Alcáçova) para as Aposentadorias do reino, c a Câmaranomeou avaliadores idóneos para esta inspecção na cidade (**). O aposen-tador oficial del-rei Percival Machado, e os técnicos municipais, cumprindoescrupulosamente a lei, pretenderam colectar uma morada de casas queo Dr. Francisco Cardoso estava edificando para nelas habitar; como, porém,este cidadão era membro da mesa da Santa Casa da Misericórdia, osrestantes mesários, em número de 12 protestaram junto de D. Manuelcontra a arbitrariadade —, originando este, um alvará de 7-5-1511, emque se isenta no futuro do imposto das Aposentadorias a direcção doHospital do Espírito Santo ('*). Outro alvará dirigido ao superior dascasas de Aposentadoria de Portugal, D. Martinho de Castelo Branco,conselheiro e vèdor da fazenda real, determina que sc liquidem integral-mente as dívidas contraídas na cidade, pela permanência da côrte, comCatarina Dias. tratadora do aposentamento ( s3). Em Abril de 1513, porém,ainda estavam por liquidar certas dívidas c D. Manuel oficiou à Câmaraexigindo que se não deixasse aplicar qualquer verba destas rendas, enquantose não satisfizessem todos os compromissos do pousamento anterior. Noutrodocumento da chanchelaria de D. Manuel, dado cm Lisboa aos 25-7-1518,a contadoria real satisfaz as dívidas da côrte. havidas com a pousadeira

(“) Ur.* 4.* dos Orig. fl. 112.(*’) Doc. exirado no Ur.* da Aposentadoria por Jorge Anc\ cscrivlo di Cinura, e

Ui.* PeífufKO de Ptrg. fl. 86 v.('*) Ur.* dos Pretilégios da Misericórdia de Êrora, fl. 50 — Ortidlo de D. Gil Eon«

da Costa.(*’) Ur* 4.* dos Orig., fl. 108.

PALACIOS REAIS DE f.VORA 19

oficial das Aposentadorias de Lisboa. Évora c Santarém, Catarina Dias dcAguiar, pelo aluguer de camas, roupas, mantimentos e trabalhos demontagem, pelo tesoureiro da Casa real, Álvaro Cardoso, das despesasdos anos de 1494 a 1510. Pela casa de el*rei se pagou 3.208.254 reais; ecom a rainha viúva D. Leonor e seu séquito, desde 8 dc Maio dc 1508até 31 dc Dezembro de 1516, 329.127 reais, no montante total dc trêsmilhões, quinhentos e trinta c sete mil, trezentos c oitenta c um reaisbrancos, verba elevadíssima que foi coberta pelas Casas da índia e daMina (3«).

Reinando já D. João III, das rendas da Aposentadoria de Évora foramentregues pelo rcccbcdor das mesmas, Francisco Fernandes, ao escrivãoda fazenda real e tcsourciro-mor das Aposentadorias de Portugal, DamiãoDias e ao conde dc Vila Nova, camareiro-mor, — 966.584 rs., respei-tante ao triénio dc 1520-22 (s:).

Nestes tempos dc antano, de cavalaria andante — gentes irre-quietas, arruaceiras e almas afeitas ás liberdades mais absolutas —, umdos apanágios da vida civil era a falta dc higiénc comum, causahabitual das epidemias tão devastadoras dos centros urbanos, na IdadeMédia, c já nas duas primeiras centúrias da Idade Moderna. Fm 1525,nas Côrtes gerais de Torres Vcdras estando a Câmara de Évora com-posta pela vereação seguinte; Juiz de fora, Dr. André Serrão, c verea-dores Diogo Serrão, Luís Mendes dc Oliveira, Jorge de Rèscndc, irmãodo colector do Cancioneiro Geral, Heitor Fragoso, como Procurador cSimão Alvares, escrivão —, no capítulo 6.° da exposição deste Concelho —,reclamou-se contra os abusos dos fidalgos da comitiva dcl-rci que, insta-lando-se nas casas da praça e lugares pobricos que sam a pro piados peraos mercadores c boticairos e ourives c ojiciaes mecânicos... sublocam assalas ilegalmente por preços elevadíssimos, c dormem nos forros c caves,deixando as moradias muitas destruídas e d ene ficadas e cheas de muitosestercos em que os senhorios gastam nellas mais do que out eram daluguer.

Hm 1531, o oficial aposentador da côrte foi a cavaleiro fidalgoVasco Correia, estando, contudo, provido nestas funções locais D. Afonsodc ?, a quem D. João III ordenou que se tomassem as lojas da Câmara,assim como a botica da confeiteira, viúva dc André Afonso, a qual contri-

(’*) Cbíwtljr/j de D. M.vktl, li v.* J9.\ fl. 110; li v.* 6* de Miuieoi. fl. .187 v.;Amclmo B. Freire: CartJt de Q*itJ(3o de el-rei D. Mar,uel, in Arquivo Hiit. Por., Vol 1."Doc. 115.

(’’) Carta dsda cm Almeirim (10-5-1526). Cbxreeljrij de D. Joio III. liv* 12.* dcf 1. 78 v.: Anselmo B. Freire, Idem. Doc. 702, Vol. IX, pig. 445.

20 PALACIOS REAIS DE ÉVORA

buira com três casas para a imposição da Aposentadoria ( 3S). Em Outubrode 1534, nesta cidade, recebeu o monarca Piedoso o embaixador deCarlos V, imperador da Alemanha e rei dc Espanha, seu cunhado —,que se fazia acompanhar do rei de armas Briganção. O séquito que, alémdos mencionados cavaleiros trazia mais quatro escudeiros e cinco homensdc pé, foi acomodado nos Estáus, importando cada cabeça, afora a estre-baria, em 2.000 rs., liquidados pelas rendas das Aposentadorias ( sw).Eram pousadeiros, propriamente ditos, Filipe Rebolo e Fernão Dias, moçosde monte dc cl-rci.

Nas Córtes reunidas em Évora, a 13 de Junho de 1535, onde sereconheceu o príncipe D. Manuel como sucessor do reino, os procuradoresdo Concelho insistiram com D. João III pela satisfação do pagamentoda provedoria c aposento da côrte, nos últimos três anos, visto que asAposentadorias dc Lisboa e Santarém, além de não contribuírem para ade Evora, ainda solicitavam constantes subsídios desta. Estava a Câmaracomposta da seguinte maneira: Dr. António dc Almeida, Juiz de fora;Luís M. de Oliveira, Jorge de Paiva, Jorge Rêsende, vereadores; DuarteMoniz, procurador do concelho e Simão Alvares, escrivão ( 40).

Em 19-7-1539, o vereador Afonso Rodrigues, levou vários aponta-mentos a S. A., em Lisboa, pedindo num dos quesitos autorização paraque os oficiais do Senado pudessem assistir dos balcões dos Estáus, àscorridas de touros e outras cavalhadas, efectuadas na Praça, tanto maisque já pousavam a consentimento de el-rei, nalgumas dependências destes,o Corregedor André Farinha, e o Juiz dos orfãos Dr. Luís Fernandesde Barbuda (“). Estava com procurador das Aposentadorias de Évora ofidalgo Lourenço de Sousa.

Nas Cortes de Janeiro de 1544, o Procurador do Concelho, no cap.° 5.°,pede a D. João III, que não haja acumulação dos lugares de aposentador--mor e superior das Aposentadorias, e, em 23 de Junho deste ano —, cl-rcirecebeu e acomodou principescamente em Evora, o Núncio do Santo Padre.O aposentador Filipe Rebolo, forneceu 18 camas para os creados do SúmoPontífice (* :).

No ano dc 1546, o almotacé Francisco de Matos, com o beneplácitodo monarca, transferiu o Terreiro do Pão, da Porta Nova, para o chãodos Estáus, absorvendo também o passeio e os arcos que estavam obstruídos,

(") Do<. lavrado pelo tibdiio dc nou> cm foott, Rui Maitins (24-4-1531).('*) Li v.' 10.* dos Orig., fl, 60 v.

(**) Ur.* 12.* dot Orig. fl. 251.(*') Uv.* ).* doi Orig., fl. 157.

(**) Lie.* 10.* doj Orig., fl. 61.

PALACIOS REAIS DE EVO RA 21

c que serviam de loggias, no extradorso do palácio, para as estrebarias dosfidalgos passantes.

A obra de adaptação foi sugeita a um exame por D. João 111,segundo um debuxo que o vereador lhe mandou, aprovando-se a plantatanto na vedoria das obras reais como na secção especial dc pedrariada Câmara. Neste mesmo local funcionavam desde o século anterior osaçougues novos dc venda dc carnc conjuntamente aos artigos dc hortaliçac congéneres do mercado periódico, cscrevcndo cl-rci ao superior dasAposentadorias Lourcnço dc Sousa para fazer entrega dos terrenos earcos citados. Os oficiais mecânicos destas, fizeram uma esposição dcprotesto junto do Corregedor da Comarca, alegando que as casas eramforeiras da Aposentadoria, portanto inalienáveis, não obtendo, porém,acordão favorável (43).

Em 1562, estando como regente D. Catarina, deu-sc um grave litigioentre Roque de Almada, contador das rendas das Aposentadorias, futuroescrivão da Mesa da Misericórdia, c o juiz, vereador c procurador dacidade, que tinham a faculdade, a título particular, dc assistirem àstouradas das varandas dos Estáus, ao que aquele sc opôs firmado naletra do regimento c contrato dc 1464. A rainha, apoiando a atitudedo funcionário real, escreveu ao Corregedor da Comarca Dr. Vascode Montcrroyo. em 21 dc Maio, para que sc fizesse um inquérito docaso, concluindo-sc que, aos oficiais da cidade não cabia a faculdadedc utilização dos balcões do velho paço mas que, havendo falta dclugares na galeria da Casa da Câmara os vereadores poderiam subiràs janelas dos Estáus, só depois de o pedirem com antcccdcncia aS. A. (44). Em 2 dc Maio dc 1565, o cardial D. Henrique, regente namenoridade dc D. Sebastião, actualizou por alvará, o vencimento dosoficiais da Aposentadoria, que eram: um superior, ainda Lourcnço dcSousa; dois juízes; dois escrivães da sisa e imposição dos vinhos, alémde um escrivão próprio das casas, o qual percebia dc futuro 9 000 reaispor ano, quando apenas vencia até esta data 5.400 rs. (*'). No ano dc 1569era aposentador-mor dc cl-rei António Caldeira, cavaleiro fidalgo, cncon-trando-sc em Evora a côrte dc D. Sebastião a partir dc 28 dc Novembro.

Quando por cá passou a comitiva do pomposo Cardial Alexandrino,sobrinho e legado do Papa Pio V, da qual fazia parte um patriarca eos bispos dc Sena c dc Terne (Novembro de 1571), foi-lhe feita solene

(*’) Ofício «crito por Joio dc Scixai. cm Santarém, a mandado do sccrctirio Manurlda Costa. Ur: y do, Orig., fl. 27 (19-8-1546).

(") Ur.* 6: dot Orig., fl. 359.(“) "Tombo dj Al>ostfs:jdorij, fl. 131, por cópia do P.* José Lopct dc Mira.

22 PALACIOS REAIS DE EVORA

recepção e festas dc homenagm (40), preparando-se o ambiente políticopara a liga dc extermínio da Turquia, liga dirigida pelo Santo Padre eapoiada pelos Senhorios de Veneza, rei de Castela c agora Portugal.D. Sebastião preparou imediatamente uma expedição sob o comando supe-rior de seu tio o Infante D. Duarte, com quatro mil soldados escolhidosafora a gente de navegação, e, a Évora veio levantar uma bandeira Vascoda Silveira, fidalgo de sua casa. Esta cruzada não foi àvante, mas o sonhoguerreiro do rei persistia e, preparando a campanha de Marrocos, peladespesa extraordinária que a invasão originava, o conselho do monarcapropô-se absorver os rendimentos das Aposentadorias reais dc Lisboa,Santarém e Évora (as duas primeiras em começos de 1572 e a da capitalda província de Entre Tejo e Odiana agora), o que conseguiu dc factopor espontânea renúncia da Casa dos Vinte e Quatro, em contracto firmadopelo tabelião público das notas da cidade Francisco Gonçalves, no dia5-5-1572.

O documento principia assim: Escritura e contracto perpétuo deconsentimento, cessão, trespass ação, renunciarão, ac ei tu ação e confirmação,e foi lavrado na Câmara Municipal pelos cidadãos, licenciado DomingosVaz, Juiz de fora; Alvaro de Madurcira, Manuel Mendes de Vasconcelos,vereadores; Baltazar Fragoso, Procurador do Concelho; Francisco Mendes,corrieiro, Pero Gomes, carpinteiro (*'•), ambos delegados dos mesteres, eos membros da Casa dos Vinte e Quatro, e testemunhas; Luís Monteiro,licenciado Manuel Gomes, Diogo Rodrigues, Estevão Rodrigues, FranciscoRodrigues, Gaspar Tomé, Domingos Rodrigues e António Simões deBarros, escrivão da Câmara. Pelo rei assinou o Dr. Diogo Mendes daCosta, seu Desembargador e Corregedor da Comarca (**). O contractofoi confirmado por diploma de 20-1-1577 e corroborado cm 19*1*1652,pela Chancelaria de D. João IV.

Lm Janeiro de 1666, passaram por Évora e foram cá acomodados ainstâncias do ministro de Estado Conde de Castelo Melhor, os embaixa-dores de Inglaterra, provindos de Espanha e nas deligências preliminaresda paz, depois da estrondosa vitória militar dc Montes Claros ( 40).

Muitos lustres transcorridos, em 1779, terminou de vez. a regaliaoutorgada por D. Afonso V após o contracto das Aposentadorias — 1464—, aos mesteres da medieval Casa dos Vinte e Quatro, sobre os rendi*

(“) Ur* 6.* dos O fig., fl. 249.(*') E«e artífice preparcu urr. rttábulo para o pintor da obra da Sí.destinado

X igreja dc Redondo. <m* 28-2-1543. Arquivo Capitular d.t Si de Êrcra.(“) L/v.* 11* dos Orig., fl. 1.(*’) Li v.* S.* dos Orig., f|. 169 — Contrato do Stnhcr Rtj Dors Stbastilo eon os

n orador rs d.t ciJjJt dt Êtorj, s&brt as Aposentadorias.

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mentos dos Estáus, açougues novos e Terreiro do Pão. A preponderânciadas corporações e misteres civis na vida económica da Nação, no tempode D. Maria I, estava já em profundo contraste com a unidade, coope-ração e equilíbrio das históricas guildas ou bausas medievais. Naqueladata. o povo dc Évora contribuiu com sete mil c quinhentos cruzadospara fundação da Aposentadoria, da qual usufruio rendas ininterruptasate 1572, ano que renunciou o previlégio em benesse do Desejado, quandoda primeira tentativa expansionista em África: caindo a corôa c o país sobo domínio estrangeiro a côrtc dc Madrid esqueceria a concessão (?). Comfins capciosos; por motivos reservados que os documentos não revelaram ( .').Com a Independência de Portugal, o contracto original foi levado aoRestaurador pelo fidalgo eborense Pero Teixeira da Mota, mas ignoramosquem usufruio, no futuro imediato a exploração das casas: até Julho dc 1779foram os procuradores do povo os detentores das rendas. Neste mês, porém,os Vereadores da Câmara, obedecendo certamente a determinações supe-riores da côrtc, cancelaram o previlégio, causa do protesto c requeri-mento inédito a seguir publicado, em nome dos misteres, indeferido, con-tudo, pela Rainha.

«Senhora. — Dizem os Procuradores do Povo da Cidade de Évora,que fazendo o mesmo Povo hum Donativo de sete mil c quinhentos cru-zados ao Senhor Rey Dom Affonso, a que obrigavão as vinhas do termo;o mesmo Senhor reconhecendo o gravame com que se oneravão, c querendofazer-lhe mais suave, lhe fez mercc da renda dos vinhos, da imposiçãoda carne e peixe, da subrolda, c do rendimento de umas casas.sitas naPraça da mesma cidade, que servem dc Terreiro do Pão, cujas rendas erampertença de sua Real Fazenda: E porque os Vereadores da mesma Cidade,não obstante ter o Povo Provisão antiguifsima das ditas Cazas c maisrendas registrada nos Livros da Camara, c o Povo dc pofsc de todas asRendas, menos das Cazas, que os Vereadores lhe teem usurpado, e $60$reis de rendimentos vencidos, que ellcs querem pertença tudo ao Concelho,c o mais que ellas produzirem: E tendo-lhe os supplicantcs feito variosrequerimentos para serem restituidos vay em tres meses, lhos supprimemmaliciosamente, andando-os enganando com futeis respostas, como tudoconsta da certidão Junta, afim dc que acabando o tempo de sua Procu-radoria, não tenha effeito a restituição, e continuem na injusta detençãodo que lhe não pertence. Pelo que pretendem que Vofsa Magcstade sc sirvamandar-lhe pafsar Provisão para que o Corregedor da Camara os mandenotificar para no termo dc 24 horas perenptorias defirão ao dito requeri-mento, e que o mesmo Corregedor á vista dos Documentos, que os Supli-

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cantes lhes apprcscntarcm, informe a Vofsa Magestade sobre a justiçacjue lhes afsiste, c que por effcito da mesma informação sc lhe pafseProvisão para logo serem restituídos á pofsc das ditas Casas, e dos 360$reis recebidos, e o mais que injustamente receberem, e sc aplicafsem aoPovo, a quem defraudavam. Pedem a Vofsa Magestade seja servida porsua Real grandeza have-llo afsim por bem. E receberão merec. — EsteRequerimento sendo feito inmediatamcntc a Sua Magestade foi a mesmasenhora servida por Aviso do Secretário de Estado dos Negócios doReyno, dc 27 dc Novembro de 1778 mandar que se remettcfsc á Mesado Dezembargo do Paço, para se deferir, ou consultar; ordenou o ditoTribunal informafsc o Corregedor da Comarca de Evora, ouvindo aosofficiais da Camara, c satisfazendo o dito Ministro com a sua informação,sobre a qual foi ouvido o Dezembargador Procurador da Coroa, c vendosefinalmente tudo na referida Mesa, se proferio nelle o Despacho do theorseguinte: — Escuzado. Lisboa a 9 de Outubro de 1779.— Com cincorubricas dos Ministros Dezembargadorcs do Paço» (3rt).

Poucas décadas depois, o antigo paço dos Estáus, primeira grandeestalagem dos reis de Portugal em Évora, foi alienado da Corôa e adqui-rido pela família Matos, sofrendo a total transformação que lhe deua fisionomia actual rematada em 1850, por ordem do proprietário JoséMaria dc Sousa Matos. Não sabemos se foi nesta altura que a boca daRua dos Toiros foi tapada, se o estava já. Do velho solar quatrocentistapouco relembra o seu passado de opulenta grandeza. Na fachada principal,subsistem dois pequenos portais de granito, simples, com vergas salientes,dos princípios do século XVII —, os cunhais e a sala do 1.® andar ondeexistiu a capela dc N.* S.* dos Reis, mais velha do que os paços, e queviu a última prece do Duque D. Fernando dc Bragança, na qual se minis-travam os sagrados ofícios aos presos do tronco municipal. Os vastossalões do rez do chão, ocupados hoje pelos escritórios da Tudauto, supor-tados por robustos pilares contrafortados, conservam, na sua estrutura gerala arquitectura da adaptabilidade para Terreiro do Pão. Uma das paredesdo lado ocidental, contígua a armazéns modernos, tapa a entrada daantiga rua onde eram lançados os toiros, e, deste grande e sólido imóvel,amalgama dc dois notáveis palácios—, no extradorso, ao Beco do Chantre,há restos pitorescos de arcobotantes, mirantes c terraços, uma tòrre cilín-drica. ressaltos dc alvenaria, chaminés, gigantes, janelas góticas c variadostipos de grelhas moiriscas dos Sécs. XV e XVI.

('*) CertiJJo, no Liv.* 19.* dot Orij-., fl. 109.

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No capítulo artístico — iconográfico não foi mais feliz o paço.Debuxos da Praça Grande anteriores ao liberalismo são totalmente desco-nhecidos. As descrições, aliás sucintas e nem sempre escrupulosas doscronistas e viajeiros d’antanho; as dezenas de cartas e outros manuscritosdo Arquivo Municipal referentes a este recinto e aos Estáus, transplan-tam-nos para o ambiente histórico quanto à reconstituição humana, pelacultura da nossa civilização, nanja aos volumes definidos das arquitecturas,adulteradas ou enriquecidas pelas múltiplas restaurações. Apenas na pano-râmica aguarelada do foral da Leitura Nova, de D. Manuel, doado àcidade cm 1501 c depositado na Biblioteca Pública, numa multidão decasario incaracterístico c indefenido, com perspectivas vagas, pode loca*lisar-se a alta empena dos Estáus, dc tres fieiras dc janelas, com fachadalateral, de dois andares; mirante de cobertura dc duas águas, ficando-lhena esquerda a ermida dc Santo Antão, com campanário aguçado, c, maisalém, na mesma direcção, altaneira c coroada de mcrlõcs uma das torresda muralha visigótica das Alcárcovas.

LccJrzj<3ô do PJ(O dor EirJui, ijerejapjToqvijl de SJI/O Antoninbo e urrsj

torre da tnurjibJ romjvo-t/iigó/ica daAleâreovi.

Pormenor do desenho Aguardado que antcccde o ForalManuelino de Évora— 1 0 1