cadernos de estudos linguísticos da ufc

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Periódico produzido pelos alunos da disciplina de Funcionalismo do período 2010.1.

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Page 1: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC
Page 2: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

CADERNOS DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DO CEARÁ

Funcionalismo em perspectiva

Edição especial - 2010

Page 3: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

Cordenação e supervisão Claudete Lima

Revisão

André Queiroz Cleber Barbosa

Francisco Cleyton Paes Francisco Valber Barros

Helder Felix João Luiz de Brito

Kelvia Duarte Lilian Teixeira

Maria Adelaide Souza Maria Cristiane de Souza

Michely Quinto Natália Tahim

Sávio Cavalcante Tarcila Oliveira

Formatação

Ana Angélica Santiago André Medeiros André Sabino Beatriz Pereira Cleber Barbosa Cristiane Souza Daniele Almeida Glenda Miranda Juliana Costa

Monique Nunes Paula Mônica Rodrigues

Renata Rolim Ticiana Rodrigues

Produção

Camila Sousa Lívia Chaves

Magno Gomes Neurielli Cardoso

Page 4: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 4 SEÇÃO 1: EXPRESSÕES “DAR UMA” E VERBOS SIMPLES O uso de expressões com “dar uma x_ada” em oposição a verbos simples ............................ 5 O uso de expressões com dar uma x_ada em oposição a verbos simples .............................. 12 O uso de expressões com “dar uma _ada” em oposição a verbos simples .............................. 15 Dar uma x_ada em oposição ao uso de verbos simples .......................................................... 18 SEÇÃO 2: REFERÊNCIA NOMINAL Referência nominal definida e indefinida em artigos de opinião, editorial e notícia .................. 21 SEÇÃO 3: FORMA VERBAL – GERÚNDIO Forma verbal: gerúndio e gerundismo ..................................................................................... 27 SEÇÃO 4: INDETERMINAÇÃO DO AGENTE A indeterminação do agente: uma comparação entre o português oral do Brasil e de Portugal ................................................................................................................................... 31 A indeterminação do agente na linguagem escrita referencial e literária .................................. 37 SEÇÃO 5: DISCURSO E PRESPECTIVA DEÔNTICA Perspectivas deônticas alusivas à faixa etária e aos discursos formal e informal .................... 46 O verbo modal “Ter de” na modalidade deôntica no discurso oral ........................................... 52 SEÇÃO 6: ESTRUTURAS DE NEGAÇÃO Negação: um estudo de ocorrências na língua falada de Fortaleza ......................................... 55 SEÇÃO 7: GRAMATICALIZAÇÃO DO ONDE A gramaticalização da forma onde ........................................................................................... 63 SEÇÃO 8: ORAÇÕES TEMPORAIS Análise funcionalista de orações temporais em relatos da revista Seleções ............................ 68 Orações temporais sob uma perspectiva funcional .................................................................. 76 A noção temporal em orações adverbiais extraídas de blogs .................................................. 81

Page 5: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

APRESENTAÇÃO

O número inaugural dessa revista, fruto do trabalho de três equipes técnicas: a

equipe de revisão, a equipe de formatação e a equipe de produção, em que se dividiram os

autores, reúne textos que apresentam resultados de pesquisas com base funcionalista,

realizadas durante a disciplina Lingüística: funcionalismo, ministrada em 2010.1, para alunos

de Letras da Universidade Federal do Ceará.

São trabalhos que investigam fenômenos da língua portuguesa em textos orais e

escritos, aplicando aspectos teóricos estudados, tais como a classificação de predicados de

Dik, a estrutura da informação e a estrutura temática, segundo Halliday, o princípio de

iconicidade, conforme Givón.

Idealizada há mais de quinze anos no formato impresso, a revista que ora sai a

lume, graças às facilidades modernas propiciadas pela tecnologia, pretende servir de

veículo para a divulgação de trabalhos produzidos por alunos de Letras nas diversas

disciplinas. Assim, evita-se a artificialidade de escrever artigos e resenhas para apenas um

leitor: o professor e dá-se a oportunidade a outros leitores conhecerem os muitas vezes

excelentes trabalhos escritos por alunos de Graduação.

Profa. Claudete Lima

Page 6: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

SEÇÃO 1: EXPRESSÕES “DAR UMA...”

O USO DE EXPRESSÕES COM “DAR UMA X_ADA” EM OPOSIÇÃO A VERBOS SIMPLES

André Medeiros André Sabino

INTRODUÇÃO

Os falantes de língua portuguesa do Brasil se expressam em determinadas

situações usando duas formas verbais variantes do mesmo verbo: “dar uma (x) ada” em

oposição ao verbo simples para enunciar um mesmo estado de coisas essas construções

usadas para expressar uma mesma idéia com suposta equivalência se distinguem tanto no

plano semântico quanto no relevo discursivo, isto é, as duas estruturas tem significados

distintos, além de obvias diferenças estruturais.

O objetivo deste trabalho é verificar as justificações semântico-discursivas do

emprego da expressão como “dar uma limpada” em oposição à ocorrência do verbo no

infinitivo “limpar”. Categorizando cada ocorrência com base na forma de construção com

verbo-suporte e com verbo pleno, tipo de sintagma nominal demonstrando a deverbalidade

e não-deverbalidade destes tipos, a função discursiva, isto é, se é ordem, oferta, afirmação

ou pergunta, demonstrar também os aspectos se é perfectivo ou imperfectivo e duração;

instantâneo, durativo ou iterativo.

A metodologia utilizada consiste em localizar, primeiramente, a forma real do verbo.

Depois, verifica-se, em alguns casos, quando o nome predicado esta ligado semanticamente

ao verbo pleno analisando essas duas construções que se equivalem sintaticamente, temos

um nome deverbal como núcleo da predicação (V - n) e constrói-se uma relação de

nominalização entre V-n e verbo pleno (ex.: dar uma caminhada - caminhar), processo

extremamente produtivo para a ampliação do léxico.

Assim, nos corpora utilizamos, para esta análise, ocorrências retiradas da intenet

no site de relacionamento ORKUT. Escolhemos essa sincronia para verificarmos se a

freqüência do verbo dar como verbo suporte nessas construções como:

Ocorrência Referencia Função

Vai dar uma bobeada dessas ?

Comunidade Dar uma bobeada” do ORKUT

Pergunta

Mas, na hora de dar uma cantada...Q desastre!!!...

Comunidade do ORKUT chamada “Eu não sei dar

cantada” Declaração

Trabalha o dia inteiro, e quando é de noite vai dar

uma caminhada para

CORPUS DO PORTUGUÊS de Michael

Ferreira Afirmação

Page 7: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

6

espichar as pernas.

Para te dar um OI bem caprichado!

Comunidade do ORKUT chamada “Gosta de dar

aquela caprichada” Oferta

Adoro dormir e morder a canela da minha mãe,ha

tambem naum posso esquecer de q gosto muito

de tomar sol e dar uma cochilada no sofa da sala.

Comunidade do ORKUT chamada “Eu adoro dar

uma cochilada” Afirmação

da minha casa, e quando fui dar uma derrapada, a

bicicleta pegou numa pedra e eu acabei...

Comunidade do ORKUT chamada “Segura a

derrapada” Afirmação

FICAREI FELIZ SE FOREM DAR UMA ESPIADA NO MEU

BLOG.

Comunidade do ORKUT chamada “Deixa eu dar

uma espiada”

Afirmação

A prefeitura do Rio, através da operação

choque de ordem decidiu que o folião que for pego dando aquela “mijadinha”

(urinada) na rua será preso por ato obsceno.

BLOG “THEBEST.BLOG.BR

Declaração

-Minha família,que aqui & aculá dá uma

vacilada,mas tá do meu lado,ainda...

Comunidade do ORKUT “Deu vacilada mochila

virada” Declaração

Dei e levei soco, cotovelada, bico na canela

e voadora.

Comunidade do ORKUT chamada “Já dei

cotovelada sem querer” Declaração

Além disso, o diabo, que o enganou, ajuda-o a dar

mais cabeçadas.

Comunidade do ORKUT chamada “Vou te dar uma

cabeçada” Afirmação

Gaste o dinheiro deles, peça para dar uma

dentada no seu sanduíche ou na sua maçã,

desperdice seu material, não devolva suas coisas.

ORKUT Sugestão

"Falar do Ericão?! O cara que em quase 4 anos de amizade apenas quebrou

minha tv, quebrou a vidraca da minha casa, a maçaneta do banheiro,

deu PT na porta sanfonada da cozinha, deu

ORKUT Declaração

Page 8: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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uma joelhada na minha cara, quebrou a chave da minha garagem, derrubou um litro de vinho no meu

tapete e ainda por cima diz ser meu amigo?!

Ser mãe é ser isto tudo com um sorriso, sem deixar de ser bonita,

alegre, dedicada. É perder a paciência, levantar a voz, dar uma palmada.

ORKUT Afirmação

Adoro dar a famosa TESTADA.

Comunidade do ORKUT “Eu adoro dar testada”

Declaração

São os respectivos derivados de “cotovelo, “cabeça”, “dente”, “joelho”, “palma” e

“testa”, substantivos primitivos que designam partes do corpo com que se pode golpear.

Quando recebem o sufixo formam derivados com a idéia de “golpe de -”.

Já “ombro, “sola do pé”, “costas”, etc. também são nomes de partes do corpo com

que se pode golpear, mas normalmente não aceitam a formação de derivados com “-ada”

neste sentido.

TAMBÉM SEI DAR MINHAS CACETADAS

ORKUT Declaração

Jesus carregando a cruz... e o 'centurião'

começa a dar-lhe chicotadas, de verdade.

ORKUT Afirmação

eu levei uma coronhada e daí ?

ORKUT Declaração

E também pode te dar um tiro ou uma facada, mas sem nunca te enganar -

sempre numa boa.

ORKUT Afirmação

Faz um tempo que eu não dou uma paulada com

aquela mina.

Dicionarioinformal.com.br Declaração

A polícia está a procura por um homem que deu uma pedrada na cabeça de um jovem no último sábado (30) em Muriaé.

Portalclick.com.br Afirmação

Quando João Grilo pede o punhal do cangaceiro para

dar uma punhalada em Chicó, ele está segurando

a gaita na mão.

Falhanossa.com Afirmação

Page 9: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

8

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Pode-se notar que os substantivos são derivados dos verbos “bobear”, “cantar”,

aminhar”, “caprichar”, “cochilar”, “derrapar”, “espiar”, “passar”, “peneirar”, “urinar” e “vacilar”,

respectivamente. Feita a análise e a coleta dos dados verifica-se que todos podem ser

usados como em “dar uma –ada”. A idéia é de ação.

Este uso do sufixo “-ada” é típico de um registro bastante informal daí existirem

muitos vulgarismos corriqueiros, na maior parte dos casos referentes a funções fisiológicas

ou sexuais. Não confundir com os adjetivos verbais que no feminino coincidentemente

terminam também em “-ada” (cansada, chateada, inconformada, preocupada, etc.) que se

empregam como em “Ela agora está -ada” nem com os particípios que no feminino

coincidentemente terminam também em “-ada” (apreciada, estimulada, explorada,

incentivada, provada, provocada, roubada, etc.) que se empregam como em “Ela foi –ada”

seu material, não devolva suas coisas.

As deverbais apresentam atenuação e brevidade das ações como, por exemplo:

Mesmo que não fosse ficar lá pra sempre, seria bom dar uma passada pra pegar uns amuletos antes de seguir seu destino. “„Dar‟ ocorre como verbo-suporte em construções como „dar uma cabeçada‟,

equivalente a „cabecear‟, mas o último parece menos freqüente.” Retomando as

características básicas dos verbos-suporte no português contemporâneo, eles não impõem

restrições de seleção, têm valor semântico esvaziado, carregam, morfologicamente, as

marcas da flexão verbal, permitem maior versatilidade semântica e a redução da valência

verbal (detransitivação), ou seja, é possível omitir os argumentos do verbo nas situações em

que este os requer quando pleno.

Neste sentido um jogador de futebol levou uma “microfonada” no olho, um dia

desses.

Mas há muitos substantivos primitivos que por algum motivo não aceitam a

formação de derivados com “-ada” neste sentido.

O cotejo entre as construções com verbo-suporte e as demais com verbos plenos

vislumbra a possibilidade de caracterização aspectual com o verbo-suporte.

Segundo Neves (1996), em pesquisas com corpora do português contemporâneo,

os verbos-suportes, também conhecido como verbos leves, verbalizadores e ainda verbos

funcionais, tem esse nome por suportar categorias; de modo, tempo, número e pessoa.

Autora define esses verbos como semanticamente vazios que permite construir um

sintagma nominal com verbo-nome em relação de paráfrase com o sintagma verbal.

Page 10: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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Conforme Neves (1996), essa relação de paráfrase entre verbo em estrutura de

suporte e o verbo pleno não é uma condição para definir essa categoria de verbo uma vez

que não se conhece construções desse tipo que não possuam correlatos semânticos

constituídos por verbos simples. Desse modo, ela expande essa conceitualizacão e explica

que essa categoria de verbo é fragilizada da perspectiva semântica e que se estrutura com

o seu complemento com a finalidade de obter um conteúdo global.

Em muitas ocorrências, o verbo leve adquire um papel numa situação comunicativa

que não seria possível se o enunciador usasse o verbo pleno, pois o verbo leve requer um

complemento em forma de sintagma nominal que admite ser habilitado diretamente pelo

sintagma verbal. Sendo assim, a mudança de enunciação de um verbo pleno pelo verbo-

suporte dar maior mobilidade semântica, ou seja, é possível, com o seu uso, a adjetivação

do complemento do verbo-suporte, qualificando-o, ou classificando-o:

O que fez Lena dar uma gargalhada? O Zé Medeiros começou a dar uma peruada na câmera. Se emissor tivesse escolhido enunciar essas cláusulas usando o verbo pleno esses

enunciados ficariam assim:

O que fez Lena rir intensamente? O Zé Medeiros começou a opinar instintivamente na câmera.

Entre outros efeitos. Acrescente se a isso o fato de o verbo- suporte permitir a

destransitivacão do verbo pleno.

Quanto à natureza do verbo- suporte se estrutura em dois tipos: deverbal e não-

deverbal. A primeira denota a funcionalidade da expressão de brevidade do processo ou de

atenuação do estado de coisas.

Joaquim vem cá dar uma olhada. As deverbais apresentam o processo da ação como sendo de golpe. Como se

enuncia no exemplo a seguir:

Se for preciso dar uma pancada em Roberto Carlos, vou dar.

As pesquisas também revelam que a estrutura dar uma (X) Ada deverbal, se

apresenta como forma modalizadora da linguagem constituindo recurso de expressividade.

Como no exemplo:

Quero isso na minha mesa para dar uma lida nisso. Justino e eu vamos dar uma saída.

Page 11: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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Passando pela categoria de modo onde costuma haver oscilação, como no caso,

do modo real ou irreal, procurando pelos potenciais de certeza de uma ação e expressões

de desejo, incerteza ou duvida. Encontra-se uma explicação para que aja a ocorrência em

uma enunciação do modo irreal na forma da expressão “dar uma (X) ada” , no fato da

aplicação estar ligada a fatores intencionais e subjetivos , pois, muitas vezes, cabe a atitude

do falante o emprego de determinado modo. Portanto, as motivações dar ocorrência real e

irreal não depende somente de fatores semânticos mais também, e com certa freqüência a

fatores de duvida, de exaltação de sentimentos do enunciador.

Nas representações de aspectos que são caracterizadas pela constituição temporal

interna da forma verbal e pode estar vinculado a situações, processos ou estados podem

ser nomeados pelos traços semânticos, flexionais ou contextuais e que denominamos

perfectivo e imperfectivo.

Perfectivo inclui as formas de momentos, isto é, os processos verbais são

concluídos sem condicionar duração da mesma. Este traço de perfectividade pode estar

semanticamente na expressão “dar uma olhada” indicando essencialmente uma ação

terminada, uma pontualidade. Desta forma apresentamos alguns exemplos:

Fui dar uma conferida em um de seus livros. Foi até o pátio dar uma volta. O impefectivo é característico de formas verbais imperfeita, ou seja, formas verbais

cujos processos funcionam de forma durativa; uma ação que pressupõe uma fase inicial,

uma passagem indeterminada de tempo e uma fase final. Trata-se de uma função durativa

que é representada por uma função aspectual. A duração do processo também pode ser

representada por uma forma imperfeita, forma verbal que pode determinar; o inicio o

decurso e o final do processo. As formas verbais se constituem um conjunto de

propriedades que dispõem os verbos para designar seus graus de atualização, ordenação e

duração do processo. Conforme mostra os exemplos:

Ninguém esteve lar para dar uma explicação a nos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, a análise do corpus revela que as motivações semântico-discursivas

que leva o falante de língua portuguesa do Brasil fazer uso da expressão dar uma (X) Ada

em oposição à forma simples são de ordem significativa, pois o permite que o emissor dê

maior mobilidade ao discurso. A análise das ocorrências do verbo dar como verbo-suporte

permitiu-nos atestar que essas construções:

Page 12: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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a) são freqüentes com substantivos primitivos que designam objetos com que se

pode golpear e aceitam o nosso sufixo com este significado.

b) são usadas para qualificar o nome predicativo, detransitivar o verbo e dar um

matiz aspectual ao evento. Confirmou, também, a existência de um modelo morfo-

semantico bem definido (Vsup + N), o qual, muitas vezes, está em relação de

nominalização com um verbo pleno, o que confirma, também, que se trata de uma

construção geradora de nominalizações, processo extremamente enriquecedor

para o léxico da língua portuguesa.

REFERÊNCIAS BARROS, J. de. Gramática da língua portuguesa. Cartinha, Gramática,Diálogo em louvor de nossa linguagem e Diálogo da viciosa vergonha. Edição de Maria Leonor Buescu, Lisboa: Faculdade de Letras. NEVES, M. H. M. Estudo das construções com verbo-suporte em português. In: KOCK, I. G. V. (org.). Gramática do português falado VI: Desenvolvimentos. Campinas: Unicamp, Fapesp, 1996, p.201-231. NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Unesp, 2000. NEVES, M. H. M. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2006. SCHER, A. P. As construções com o verbo leve dar e nominalizações em –ADA no português do Brasil. Campinas: Instituto de Estudos de Linguagem, Unicamp, 2004 (Tese de Doutoramento).

Page 13: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

O USO DE EXPRESSÕES COM DAR UMA X _ADA EM OPOSIÇÃO A VERBOS SIMPLES

Helder Felix de Souza Júnior1

Monique Nobre Nunes2 INTRODUÇÃO

São muitas as motivações que levam um falante a optar por uma estrutura em

detrimento de outra para atingir seus objetivos discursivos, entre elas está o contexto. Mas

este não é o único fator determinante de escolhas para o falante em uma situação

comunicativa. Diante disso, deparamo-nos com questionamentos no que se refere às

motivações de um falante quando este se defronta com a possibilidade de escolher entre

uma construção com verbo-suporte em oposição a um verbo simples equivalente para obter

os efeitos de sentido desejados. Detivemo-nos, então, às construções como dar uma

+particípio,como em Mais adiante vou dar uma esticada pra ele provar do

massapé.(Corpus do Português, ficção), e os fatores semântico-discursivos que influenciam

a escolha desse tipo de estrutura pelo falante.

METODOLOGIA

Com o intuito de averiguar quais as motivações semântico-discursivas que podem

levar um falante a escolher entre uma construção com verbo-suporte e o seu verbo pleno -

ou simples- correspondente, coletamos no Corpus do Português (2006) algumas

ocorrências dessas estruturas. Analisamos, então, as formas dar uma _ada comparada ao

seu verbo simples correspondente em composições de verbo-suporte + paticípio e sua

equivalente diminutivizada presentes em ficção do português do Brasil do século dezenove

retiradas do Corpus do Português (2006).

Em 858 ocorrências da construção dar uma encontradas no CdP, foram analisadas

104 ocorrências presentes em ficções do português do Brasil, porém, concentramo-nos nas

construções dar uma + particípio, as quais somam uma total de vinte ocorrências (19,2%).

Encontramos no corpus três ocorrências (2,9%) da variável dar uma+ de+ substantivo,

contudo estas não serão objeto de análise.

ANÁLISE DE DADOS

Partindo do pressuposto de que o falante deve optar pelo emprego de um verbo-

suporte porque com esse emprego ele obtém algum efeito especial, já que muitas das

construções com o verbo-suporte correspondem a outras construções com o mesmo

1 Graduando do Curso de Letras/Português da Universidade Federal do Ceará: [email protected]

2 Graduanda do Curso de Letras/Alemão da Universidade Federal do Ceará: [email protected]

Page 14: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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significado básico (NEVES, 2000), debruçamo-nos sobre a verificação das motivações que

levam o falante a escolher entre o uso da forma dar uma + particípio em oposição ao seu

verbo pleno correspondente em recortes de ficção do português do Brasil.

Na análise das 104 ocorrências da expressão dar uma apenas vinte têm como

complemento o particípio do verbo pleno, como em “dar uma parada” (CdP, 2006). São

exemplos das variáveis encontradas na análise dos dados:

(1) Dar uma + particípio do verbo pleno (dar uma x_ada)

Não quer dar uma parada? (CdP,ficção)

(2) Dar uma + substantivo Um dia desses, quis dar uma mão, ainda não tive coragem. (CdP,ficção)

(3) Dar uma + particípio+ sufixo diminutivo Então quando a Josefina vai à cozinha dar uma espiadinha ao almoço, a

coisa sai do outro mundo. (CdP,ficção)

(4) Dar uma + substantivo + sufixo diminutivo O Coronel queria até dar uma festinha pra gente. (CdP,ficção)

(5) Dar uma + de + substantivo Aí quis dar uma de machão, se ferrou. (CdP,ficção)

Durante a averiguação dos dados coletados, constatamos que, ao optar pelo

emprego da variável dar uma parada (1), o falante deseja, segundo Scher (2006), expressar

uma eventualidade que pode desenvolver-se rapidamente, incompletamente ou, até,

descuidadamente, efeito que poderia não ser alcançado por seu verbo pleno corresponde,

parar, que implica, de acordo com Neves(2000) um evento pontual, sem duração, como em:

Eu achei que já estava no momento de parar e foi isso que eu fiz.(CdP,oral) Um outro fato observado foi a equivalência entre as estruturas dar uma+ particípio+

sufixo diminutivo e dar uma+ particípio do verbo pleno, já que, de acordo com Scher(2006),

a interpretação que se pode obter dessas construções é essencialmente a mesma.

Podemos perceber essa equivalência nas sentenças:

Então quando a Josefina vai à cozinha dar uma espiadinha ao almoço, a coisa sai do outro mundo. (CdP,ficção) Vou dar uma espiada pelas salas e pela cozinha. (CdP,ficção) A adequação de registro, como afirma Neves (2000), também pode levar o falante a

escolher uma estrutura com verbo-suporte em detrimento de um verbo pleno equivalente, já

que construções como a que tomamos como objeto deste trabalho podem ser mais

adequadas à fala coloquial. Como exemplo disso, temos:

Abre essa porta que eu quero dar uma mijada. (CdP,ficção)

Page 15: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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Conforme a análise dos dados, constatamos que as variáveis (1), (2), (3) e (4)

possuem uma carga semântica semelhante, porém, (2) e (4) são mais recorrentes que (1) e

(2). A tabela abaixo expõe a quantidade de ocorrências dessas variáveis:

Tabela 1: Frequência de ocorrência de construções com a expressão dar uma no corpus.

VARIÁVEIS OCORRÊNCIAS %

dar uma+ particípio(dar uma _ada) 20 19,2

dar uma+ substantivo 71 68,3

dar uma+particípio+ sufixo diminutivo 4 3,8

dar uma+substantivo+sufixo diminutivo 6 5,8

dar uma+de+substantivo(não se aplica) 3 2,9

Total 104 100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisados os dados, observamos que alguns dos fatores semântico-discursivos

que podem levar um falante a escolher entre uma construção com verbo-suporte como dar

uma _ada e uma com seu verbo pleno equivalente são o desejo de exprimir um evento que

pode desenvolver-ser de forma rápida, descuidada; e a necessidade, ou desejo, de

adequação da linguagem à uma determinada situação - cotidiana, coloquial, por exemplo.

Observamos também, que este tipo de estrutura quando acrescida de sufixo diminutivo,

continua basicamente com o mesmo sentido. Porém, salientamos que existem muitos outros

fatores que podem motivar o falante a optar entre as estruturas analisadas que não foram

contempladas aqui.

REFERÊNCIAS Davies, Mark and Michael Ferreira. (2006-) Corpus do Português (45 milhões de palavras, sécs. XIV-XX). Disponível em http://www.corpusdoportugues.org. NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. São paulo: Editora UNESPE, 2000. SCHER, Ana Paula. Nominalizações em -ada em Construções com o Verbo Leve dar em Português Brasileiro. Letras de Hoje. Porto Alegre. v. 41, nº 1, p. 29-48, 2006.

Page 16: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

O USO DE EXPRESSÕES COM “DAR UMA ___ADA” EM OPOSIÇÃO A VERBOS SIMPLES

Kelvia Saraiva Duarte 3 INTRODUÇÃO

Este trabalho propõe-se verificar as motivações semântico-discursivas em

estruturas com verbos-suporte, especificamente, expressões como: dar uma __ ada, em

oposição às estruturas com verbos plenos. Os verbos-suporte têm significados bastante

esvaziados, que formam com seu complemento um significado global, geralmente

correspondente a outro verbo da língua, porém, algumas construções não possuem esses

verbos correspondentes. Após a análise do corpus, verificaremos também o valor semântico

das expressões analisadas, que também é um objetivo deste trabalho.

METODOLOGIA

A presente pesquisa é do tipo avaliatória e de caráter quantitativo. O corpus

delimitado para este trabalho foi um conjunto de ocorrências composto por vinte frases em

língua portuguesa falada, grande parte em entrevistas feitas a homens e mulheres, retirado

do Corpus do Português disponível em: http://www.corpusdoportugues.org. Após a coleta

dos dados, estes foram analisados, revelando em seus valores semânticos diversos

aspectos, que em seguida foram categorizados, conforme a forma, a composição, a duração

e o aspecto de cada um.

DISCUSSÃO DE RESULTADOS

Com base nas análises feitas em construções com verbos-suporte em oposição a

verbos plenos, observamos que aqueles são tão usados por falantes de língua portuguesa

quanto imaginamos, desde os mais instruídos até às pessoas sem instrução alguma.

Segundo as análises, 49% das estruturas com verbos-suporte implicam noções de

eventualidade com caráter diminutivizado, expressando efeito de incompletude e até

descuido. Vejamos os seguintes exemplos:

1. (a) Só vou dar uma espiada. 1. (b) As aulas eram horríveis, eu ia lá só para dar uma olhada geral e depois ia ver os filmes na cinemateca.

Em ambos os casos podemos perceber que a estrutura com o verbo dar

constrói uma noção diminutiva das ações como se essas ações tivessem sido executadas

em um espaço de tempo, porém, rápido e com certo descuido sem fazê-la na totalidade. Em

1.b, a oposição da expressão “dar uma olhada” e “ver” é muito extensa, a segunda, em

3 Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal do Ceará. Contato: [email protected]

Page 17: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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detrimento da primeira, implica que de fato o agente executou tal ação com propriedade e a

concluiu, ou seja, ele assistiu completamente aos filmes, o que não aconteceu com as aulas.

Em outros casos, as estruturas com verbo-suporte são escolhidas pelos

falantes, porque os verbos existentes na língua correspondentes a essas estruturas não

preenchem o valor semântico que o falante deseja expressar. Vejamos:

2. Nesse caso, talvez o governo resolva dar uma alimentada na economia.

O verbo alimentar apresenta a noção de sustentar, abastecer e fortalecer

apenas através de alimentos, porém, não se pode alimentar a economia com esse recurso,

então, a expressão “dar uma alimentada”, expressa a idéia de fortalecer, melhorar e

aprimorar a economia, mas, não necessariamente por meio de alimentos, e sim através de

outros recursos.

Alguns substantivos ao unirem-se aos verbos leves, formando essa estrutura

composta, implicam na restrição de instrumentos utilizados em determinadas ações.

Vejamos:

3. (a) Marcelo deu uma facada no ladrão. 3. (b) João deu uma cabeçada na parede. 4. (a) Marcelo esfaqueou o ladrão com um punhal. 4. (b) João cabeceou a bola com a testa.

Os substantivos facada e cabeçada em 3.a e b implicam os nomes faca e

cabeça, restringindo dessa forma os instrumentos utilizados pelos agentes, pois, nos

primeiros dois exemplos não poderíamos dizer que Marcelo e João utilizariam um punhal ou

a parede para executarem a ação, usaram obrigatoriamente uma faca e o outro a própria

cabeça. Nos dois últimos exemplos, temos construções com verbos plenos, que permitem

que os agentes da ação utilizem outros instrumentos possíveis para executar a mesma. Em

3.a, Marcelo poderia ter utilizado um facão, uma faca ou qualquer outra coisa cortante, e em

3.b, João não precisa usar obrigatoriamente toda a sua cabeça para cabecear, mas parte

dela, como a testa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das análises feitas a respeito do assunto, concluímos que o uso das

construções com verbos-suporte implicam geralmente eventualidades com duração rápida e

não conclusiva. Essas são em grande os valores semânticos atribuídos à estas estruturas,

ao contrário dos verbos plenos correspondentes à elas, que implicam um aspecto pontual,

no que diz respeito a duração da ação. Não podemos esquecer que a expressão falada da

língua está sujeita a uma maior liberdade de criação dos falantes, logo, faz-se necessário

Page 18: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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ainda muitos outros estudos e análises a respeito do uso de expressões “dar uma __ada”

em outros gêneros textuais para construirmos um quadro mais amplo e definido.

REFERÊNCIAS DAVIES, M; FERREIRA, M. Corpus do Português. 2006. Disponível em < http://www.corpusdoportugues org> Acesso em: (dia, mês e ano do acesso) KOCK, I. G. V. (org.). Gramática do português falado VI: Desenvolvimentos. Campinas: Fapesp, 1996, p. 201-231. NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Unesp, 2000. NEVES, M. H. M. Estudo das construções com verbo-suporte em português. In: SCHER, A. P. Nominalizações em -ada em construções com o Verbo Leve dar em Português Brasileiro.Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 41, n. 1, p. 29-48, 2006

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DAR UMA X__ADA EM OPOSIÇÃO AO USO DE VERBOS SIMPLES

Paula Mônica Cavalcante Rodrigues4

INTRODUÇÃO A partir de análises feitas em frases, cuja presença da ocorrência “dar uma x_ada

se manifesta, este trabalho é desenvolvido. Foram feitas algumas análises de acordo com

os tempos verbais e com base nos resultados foram feitas algumas considerações.

ANÁLISE

Frase 1 Presente do indicativo (1ª pessoas singular) A- Eu dou uma passada aí na faculdade, aí converso com a... B- Eu passo aí na faculdade e converso com a... Em 1-A, pode-se observar que o sentido da frase pode ser entendida como uma

sequência rápida da ação. Dar uma passada pode ser entendido como uma não

permanência no local e rapidez da ação. Já em 1-B, essa rapidez desaparece, embora a

pessoa que realiza a ação possa também permanecer pouco tempo no local, mas a primeira

frase dá mais ênfase ao processo de rapidez.

Frase 2 Futuro do pretérito do indicativo (1ª ou 3ª pessoa do singular) A- Daria uma cacetada no garoto para não incomodar B- Cacetearia o garoto para não incomodar Em 2-A Tem-se o verbo que auxilia a ação seguido de um nome alterado por

sufixação que pode ser confundido com um verbo. Quanto ao 2-B com a ausência do verbo

“cacetear” a primeira sentença não pode se contrapor em relação a segunda, pois sem o

auxílio do “dar uma x_ada” a frase não seria compreendida.

Frase 3 Pretérito imperfeito do indicativo (1ª ou 3ª pessoa do singular) A- Dava uma palmada amistosa na anca do macho... B- Palmava amistosamente a anca do macho... Observa-se que “dar uma palmada” é considerada uma ação de bater, mas que não

tem classificação verbal se a expressão “dar uma x_Ada” não for utilizada. Em 3-B mesmo

numa linguagem informal falada, não seria compreendida a ação com o mesmo sentido de

3-A.

4 Paula Mônica Cavalcante Rodrigues (302269) aluna do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.

Disciplina de Linguística Funcionalismo ministrada pela professora Claudete. Email: [email protected]

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19

Frase 4 Futuro do presente do indicativo (1ª pessoa do plural) A- [...] No dia 1º de maio daremos uma arrancada positiva. B- [...] No dia 1º de maio arrancaremos positivamente. Na ocorrência 4-A o termo “daremos uma arrancada” tem sentido de partir, subir, ou

seja, de movimento. Analisando esta frase em 1ª pessoa do plural, percebe-se que há uma

forte expressão na afirmativa em oposição ao uso do verbo simples em 4-B com as mesmas

características, pois em 4-B o verbo simples pede um complemento, ou a frase torna-se sem

sentido, mesmo que seja uma linguagem falada.

Frase 5 Gerúndio A- Mexa bem, dando uma refogada de três minutos... B- Mexa bem, refogando por três minutos... Essa análise é interessante porque não possui características que possa ser

comparadas com as anteriores, o sentido das duas frases não sofre alteração. Pode-se

observar que o tempo de ação é determinado.

Frase 6 Particípio A- -Embora- tenha dado uma subida... B- -Embora - tenha subido... No exemplo 6-A pode ser analisado como uma rápida subida e que depois desceu,

mas em 6-B o verbo simples causa uma expressão que pode ser considerada definitiva.

METODOLOGIA

Através de pesquisas feitas com base no corpus do português, foram realizadas

algumas análises e mostrado seus resultados. Os verbos simples que podem ser

substituídos pela forma “dar uma x_ada” foram substituídos e colocados seus resultados.

Nas frases que possuem as ocorrências, nas quais os verbos simples não podem ser

utilizados foram feitas algumas observações sobre sua formação. Foram especificadas nas

análises alguns tempos verbais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É interessante apresentar ocorrências do português falado e estudar algumas

formas para o desenvolvimento de pesquisas como esta. Foram apresentadas no trabalho

algumas análises e ocorrências de “dar uma x_ada” em linguagem informal, ou seja, em

língua falada e feitas as comparações com o uso de verbos simples quando fosse permitido

Page 21: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

20

fazer as alterações. A análise também teve o intuito de especificar alguns tempos verbais

em que as ocorrências podem ser mais freqüentes, os tempos verbais que não foram

apresentados, possivelmente não foram encontradas ocorrências. Foi interessante observar

que algumas frases não têm sentido se a expressão “dar uma x_ada” não for utilizada. O

estudo dessas e outras ocorrências são relevantes para podermos analisar um possível

desenvolvimento particular da língua.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SCHER, Ana Paula. Nominalizações em -ada em Construções com o Verbo Leve dar em Português Brasileiro. Letras de Hoje. Porto Alegre. v. 41, nº 1, p. 29-48, 2006. www.corpusdoportugues.org

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SEÇÃO 2: REFERÊNCIA NOMINAL

REFERÊNCIA NOMINAL DEFINIDA E INDEFINIDA EM ARTIGOS DE OPINIÃO, EDITORIAL E NOTÍCIA

Ana Angélica da Silva Santiago5

Renata Alves Rolim Ticiane Rodrigues

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo estudar os valores semântico-discursivos de

determinantes definidos e indefinidos, a fim de propor graus de referência definida e

indefinida. A pesquisa se limitou a analisar textos de cunho argumentativo e narrativo, a

saber, respectivamente, artigo de opinião, editorial e notícia, todos retirados do jornal O

Povo. A escolha dos gêneros se deu por que se tratam de textos persuasivos no caso do

editorial e do artigo de opinião e informacional no caso da notícia, uma vez que carregam

significativos valores semânticos.

Segundo Koch e Elias (2006), “muitas pesquisas têm mostrado que as expressões

nominais referenciais desempenham uma série de funções cognitivo-discursivas de grande

relevância na construção textual do sentido”. Na presente pesquisa trabalharemos a

definitude que, de acordo com Givón (1984) apud Neves (2006), “é uma subespécie da

referência”, e também com expressões indefinidas, traçaremos parâmetros dentro dos

valores semântico-discursivos que, porventura, essas referências venham a contribuir para o

fluxo informacional do texto.

Para a presente pesquisa foram coletadas 102 ocorrências de sintagmas nominais

os quais tínhamos que classificá-los seguindo os seguintes critérios: referência (definida,

indefinida, não-referencial); expressão (artigo definido, artigo indefinido, zero, pronome

definido, pronome indefinido, numeral) e estatuto informacional (dado, novo).

Algumas considerações são feitas acerca do uso de expressões nominais definidas

e indefinidas são feitas por Koch & Elias (2008) no livro Ler e compreender: os sentidos do

texto.

Na obra supracitada, as autoras deixam claro que o uso das expressões ou

descrições nominais definidas, constituídas por um determinante definido (artigo definido ou

pronome demonstrativo) seguido por um nome, exerce a função de selecionar um referente,

que dada a situação de interação, seja relevante para o propósito do autor, ou seja, a

escolha de determinada descrição definida pode trazer informações ao leitor acerca das

5 Graduandas do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Page 23: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

22

opiniões, crenças e atitudes do autor do texto, o que vem a lhe auxiliar na construção do

sentido.

Por sua vez, o uso de expressões nominais indefinidas, segundo as autoras,

geralmente vem com função catafórica, ou seja, de trazer informação nova, porém é

possível que essas mesmas expressões assumam função anafórica, referir-se a

informações anteriores.

Veiculadas ao plano de construção textual, podemos dizer que o uso das

expressões definidas e indefinidas acarreta o surgimento de informação dada e informação

nova, que também faz parte do escopo de nossa pesquisa. Uma vez que essa questão tem

sido alvo de recentes trabalhos e questionamentos.

Mostraremos por meio de tabelas, gráficos e exemplos os resultados de nossa

pesquisa para tornar esse trabalho mais consistente e, de fato, relevante.

CORPUS

O corpus utilizado é composto por três artigos de opinião, um editorial e duas

notícias, sendo todos do jornal O Povo, os quais foram coletados durante três domingos do

mês de abril do ano de 2010. De cada gênero foram coletadas 34 ocorrências de sintagmas

nominais.

Como sabemos, geralmente, os textos jornalísticos tratam de temas atuais, como é

o caso dos gêneros escolhidos para esse trabalho. Os artigos de opinião, por exemplo,

possuem teses fundadas em visão pessoal dos colaboradores de um jornal ou revista. Ele é

composto por uma linguagem de fácil acesso (direta, incisiva, enérgica e convincente) e

possui maior ênfase nas afirmações do que nas demonstrações. Com relação ao gênero

editorial, este também é bastante argumentativo, pois seu objetivo é a persuasão, o

convencimento. Um elemento que podemos perceber nesse gênero é que a partir dele é

que a revista, ou jornal, demonstra sua opinião sobre um determinado tema. Já no caso da

notícia, percebemos que a ocorrência mais insistente é do artigo definido e da referência

definida. Constatamos ainda que isso também ocorre no artigo de opinião e no editorial

devido à sua função argumentativa e que essa estratégia serve para fortalecer as idéias de

convicção da tese elaborada no texto. Também no gênero notícia, devido ao seu

compromisso com a realidade, a utilização desse recurso é ainda mais constante. Ao

noticiarmos um fato precisamos de certeza e exatidão, os quais são papéis do artigo e da

referência definida.

Page 24: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

23

ANÁLISE

Analisamos o corpus coletado nos seguintes critérios: referência (definida,

indefinida, não-referencial), expressão (artigo definido – A.D; artigo indefinido – A.I; zero;

pronome definido – P.D; pronome indefinido – P.I; numeral) e seu estatuto informacional

(dado e novo).

Para analisarmos a referência recorremos à Neves (2006) e suas considerações

sobre referência nominal definida e referência nominal indefinida. A autora cita Givón e sua

visão sobre definitude: “a definitude é determinada no contrato comunicativo, entre falante e

ouvinte, que assumem conhecimentos por via de pressuposições”. O autor também afirma

que o sintagma nominal referencial definido é usado pelo falante quando ele supõe que o

ouvinte é capaz de atribuir-lhe uma única referência, através do acesso do arquivo

permanente ou dêitico, e usa um sintagma nominal referencial indefinido quando supõe que

o ouvinte vai atribuir mais de um referente.

Hawking (1978 apud NEVES, 2006, pág. 135) desmistifica o artigo indefinido:

não é correto entender-se que um artigo indefinido é usado apenas para indicar que o objeto referido não existe em nenhum conjunto compartilhado pelos interlocutores, e que, portanto, a referência feita por meio de uma expressão indefinida nunca resulta da exploração de um conhecimento ou de uma situação compartilhada por falante e ouvinte.

Já para analisarmos informação dada e nova, nos apoiamos nas considerações de

Ilari sobre dado/ novo e tema/rema: “A oposição dado/novo, ou tema/rema, dá-se no interior

de unidades informativas, o que faz mostrar sua articulação através da comunicação” (1992

apud LOURENÇO, 2006, pág. 1).

Como resposta à nossa análise, constatamos que o número de ocorrências de

artigos definidos é superior ao número de artigos indefinidos. Isso foi constatado nos três

gêneros jornalísticos, como podemos ver na tabela e gráficos que seguem:

Notícia Artigo de

Opinião Editorial

Artigo definido 52,94% 85,29% 71,40%

Artigo indefinido 11,76% 2,94% 17,10%

Zero 35,30% 8,82% 8,50%

Pronome

indefinido 0,00% 2,94% 0,00%

Pronome definido 0,00% 0,00% 11,40%

Numeral 0,00% 0,00% 0,00%

Tabela 1: comparativo

Page 25: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

24

Gráfico 1: total de ocorrências no artigo de opinião

Gráfico 2: total de ocorrências no editorial

Gráfico 3: total de ocorrências na noticia

O mesmo ocorre com relação à referência nominal definida, ela possui mais

ocorrência com relação à indefinida e à não-referecial, como podemos constatar na tabela e

gráficos que seguem:

Page 26: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

25

Notícia Artigo de

Opinião Editorial

Referência mais

definida 85,30% 55,88% 85,70%

Referência mais

indefinida 14,70% 38,23% 11,40%

Não-referencial 0,00% 5,88% 0,00%

Tabela 2: comparativo de definitude

Gráfico 4: comparativo de definitude

De acordo com os dados coletados, os sintagmas nominais que tiveram maior

ocorrência foram do tipo do exemplo que segue (artigo definido, referência mais definida e

informação dada):

“A Igreja de não só permitir, mas facilitar o trabalho da justiça em apurar as denúncias e punir os culpados, pois pedofilia é crime e a Igreja não pode pretender-se acima da lei”.

Como a Igreja Católica deve tratar os escândalos de padres pedófilos? O Povo, Fortaleza, 11/04/2010.

Já ocorrências como a do próximo exemplo foram menos constantes em nosso

corpus (artigo indefinido, referência mais indefinida e informação nova):

“Foi por causa de: um conflito de tráfego, disse a assessoria”. No Cocó, medo de assaltos ainda é

grande. O Povo, Fortaleza, 11/04/2010.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem nenhuma pretensão de ter esgotado o estudo proposto, pretendíamos,

primeiramente, certificarmo-nos de uma possível variação da definitude nos diferentes

gêneros estudados, mas os dados comprovam que os três gêneros jornalísticos têm como

Page 27: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

26

preferência a utilização por expressões definidas, com o intuito de reforçar seu compromisso

com a verdade e, também, com o intuito de convencer o leitor de sua tese.

REFERÊNCIAS ABREU, Roberto Martins de; ALVES, Priscila Roberta; BENEDITO, Jéssica Alves; JOAQUIM, Cristiani da Silva; LOURENÇO, Andréa Augusta; SÁ, Israel de. A Articulação Tema-Rema. Disponivel em < www.oocities.com/vinicioreclama/l02.doc> Acesso em 8 de maio de 2010. BOER, Maria Angela de Sousa. A definitude na referência textual-discursiva: uma visão funcionalista. Disponível em <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/729/440> Acesso em 8 de maio de 2010. LEITÃO, Renata Jorge; NOGUEIRA, Marcia Teixeira. A Oração Substantiva apositiva: aspectos textuais-discursivos. Disponível em <http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/12/cap09.pdf> Acesso em 8 de maio de 2010. KOCH,I.G.V; ELIAS, V.M.. Ler e Compreender: os sentidos do texto.São Paulo:Contexto, 2008. MENDES, Guilherme Rodrigues Monteiro. A Argumentação nos Editoriais Jornalisticos. Disponivel em < http://www.paratexto.com.br/document.php?id=513> Acesso em 17 de maio de 2010. NEVES, Maria Helena de Moura. Texto e Gramática. São Paulo: Contexto, 2006. BOER, Maria Angela de Sousa. A definitude na referência textual-discursiva: uma visão funcionalista. Disponível em <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/729/440> Acesso em 8 de maio de 2010. Corpus de Referência: BRASILEIRO, Eliene. O que pode ser feito para melhorar as condições de atendimento no IJF ? O Povo, Fortaleza, 18/04/2010 PASSEMINI, Marco. Como a Igreja Católica deve tratar os escândalos de padre pedófilos ? O Povo, Fortaleza, 11/04/2010 PINTO, Djalma. A aprovação do projeto Ficha Limpa ajudaria a reduzir a corrupção no Brasil ? O Povo, Fortaleza, 25/04/2010 ARAÚJO, Henrique. No Cocó, medo de assaltos ainda é grande. O Povo, Fortaleza, 11/04/2010 ARAÚJO, Henrique. Calçada nova para o Parque do Cocó. O Povo, Fortaleza, 25/04/2010 CAMPOS, Henrique. Criança executada. O Povo, Fortaleza, 11/04/2010

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SEÇÃO 3: FORMA VERBAL - GERÚNDIO

FORMA VERBAL: GERÚNDIO E GERUNDISMO

Cleber Barbosa Juliana da Silva Costa

Natália Magalhães Tahim INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o intuito de fazer breves comentários sobre o uso da forma

nominal do verbo gerúndio e, principalmente, sobre o seu desvio intitulado de gerundismo.

Gerúndio é uma forma verbal conhecida como FORMA NOMINAL DO VERBO, juntamente

com o infinitivo e o particípio. É chamado de forma nominal porque exerce também a função

de nome. Esta forma nominal pode e deve ser usada para expressar uma ação em curso ou

uma ação simultânea a outra, ou para exprimir a ideia de progressão indefinida. Combinado

com os auxiliares ESTAR, ANDAR, IR, VIR, o GERÚNDIO marca uma ação durativa.

Gerundismo - vício de linguagem que simula a formalidade e evita compromisso

com a palavra dada, o gerundismo joga luz sobre o artificialismo nas relações sociais.

O gerundismo se tornou uma febre no vocabulário do brasileiro e pode ser

observado desde consultórios médicos até mesmo em salas de aula de universidades.

Tomamos como base a leitura de alguns textos da internet, blogs, matérias de revistas

especializadas em língua portuguesa e conversas informais com pessoas próximas que já

se depararam com o uso do gerundismo por outras pessoas e até suas próprias. Até mesmo

porque é difícil saber o que é certo já que às vezes o conjunto de vários verbos é aceitável

pela norma padrão, como em:

- “Em virtude do atraso, estaremos recebendo o pagamento em conta corrente nos

dias 08 e 09 de setembro.” Como já foi dito antes o uso do verbo auxiliar estar mais qualquer outro verbo é

perfeitamente aceitável, pois marca uma ação durativa.

- “Ele está fazendo a prova agora.” Nesse exemplo, o verbo auxiliar estar mais o gerúndio de fazer denota uma ação

em andamento.

O gerúndio é corretamente usado quando transmite a idéia de movimento,

progressão, duração, continuidade.

É com base nessas observações que começamos o nosso artigo.

Page 29: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

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METODOLOGIA

Foram tomados como base para o nosso estudo artigos da internet, salas de bate-

papo online, Orkut, twitter, vídeos de entrevistas do youtube e conversas informais com

amigos e familiares que relataram diversas situações em que o uso do gerúndio foi

deturpado e transformado em gerundismo. Tais acontecimentos são mais evidentes em

atendimentos telefônicos e até em salas de aula. Por exemplo, é comum escutarmos no

nosso ambiente acadêmico:

“Você pode tá enviando o trabalho por e-mail.” Ou então um atendente da Oi que sempre diz que:

“Vou estar fazendo a verificação dos seus dados.” Quem nunca se surpreendeu com uma expressão dessas?

“Vou estar passando a ligação.” “Vou estar lhe enviando os dados.” E em blogs, frases como: “Amanhã não posso vou tá fazendo prova.”

Esse vício de linguagem tem suas origens na língua inglesa. Seria uma tradução

literal do emprego do verbo going to. Ex: I am going to do something (Estou indo fazer algo).

No entanto, é preciso ressaltar que em alguns casos o uso do gerúndio é correto. A questão

é que existe uma falsa impressão de que o gerúndio traz vantagens estilísticas sobre outros

processos, o que não é verdade.

Foi com base nesses relatos e em artigos e comentários de estudiosos da língua

que fizemos e apresentamos o seguinte trabalho.

DISCUSSÃO SOBRE OS RESULTADOS

Antes de partirmos para a análise do corpus, é preciso observar que, por ser

bastante utilizada pelos falantes da língua portuguesa, essa forma nominal sofreu algumas

variações, as quais são condenadas pela Gramática Normativa.

Como vimos na introdução, o uso correto do gerúndio visa a transmitir a ideia de

movimento, progressão, duração, continuidade. Assim, a partir desse conceito, concluímos

que nem todas as frases postas acima são exemplos de gerundismo, como:

“Você está ligando para o número nove”

“Eu já andei reclamando aqui” – Nesse caso, temos a expressão de um movimento reiterado.

Page 30: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

29

No entanto, como o presente trabalho objetiva focar o gerundismo, vamos enfatizar

as ocorrências nas quais ocorre esse vício de linguagem.

Sabe-se que, diferentemente do gerúndio, o gerundismo não apresenta a intenção

de comunicar a ideia de eventos ou ações simultâneas, mas antes falar de um

acontecimento pontual, em que a duração não é uma questão dominante. Para

comprovarmos tal argumento, basta verificar que, substituindo o gerúndio pelo infinitivo ou

pelo futuro do presente, o sentido da frase torna-se muito mais claro e objetivo:

“...e nessa vídeo-aula, vou ensinar...” / ensinarei

“...mas vou dar...” / darei notícia

“Vou mostrar...” / mostrarei como criar um mural de recados

A maioria dos linguistas afirma que o uso indevido e repetitivo do gerúndio

(endorréia) acarreta problemas semânticos, afetando, assim, a comunicação. Acerca disso,

afirma o lingüista Sírio Possenti, da Universidade de Campinas: “Há um paradoxo semântico

porque se dá a impressão de que a ação prometida é duradoura”. Também a professora

Maria Helena de Moura Neves declara que o gerundismo faz a informação pontual ser

transformada numa situação em curso, o que possibilita a realização de um efeito

pragmático de atenuar o compromisso com a palavra dada. Assim, para melhor

compreensão acerca desse aspecto, veja o quadro abaixo:

Mas, então, por que o uso incorreto do gerúndio permanece?

A resposta para essa pergunta possui como alicerce o que denominamos de

hipercorreção. Para muitos falantes, a forma verbal em questão apresenta um caráter

eloquente, sendo utilizada, muitas vezes, com a intenção de “falar bonito”.

Page 31: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

30

É partindo disso, que se verifica o uso dela indiscriminadamente por homens e

mulheres de todas as idades. Vale enfatizar, assim, a fala do ex-Ministro da Saúde, José

Serra, o qual, apesar de sua formação educacional, recai no mesmo erro:

“...outra vacina que vamos estar aplicando amanhã.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar, o erro na construção do gerundismo se verifica quando construções

como “vou estar viajando” são empregadas para substituir o simples futuro do presente. Em

lugar de dizer, “Amanhã vou viajar” ou “viajarei para Recife”, as pessoas dizem: Amanhã vou

estar viajando para Recife. Por que "erro"? Porque a construção é empregada fora do

contexto que a legitima e é usada para uma finalidade que a tradição e as normas vigentes

da língua não lhe atribuem, qual seja a de indicar uma simples ação futura. Outro problema

relacionado ao gerundismo é a incerteza que o ouvinte tem ao depara-se com a construção

do tipo “vou estar passando a ligação”, tão usada pelos atendentes de telemarketing.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PEREIRA Jr., Luiz Costa. O Gerúndio é só pretexto. Revista Língua, São Paulo. Disponível em http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=10887. Acesso em 6 de junho de 2010. PIACETINI, M. T.. Gerundismo e gerúndio. Matéria publicada em 1° de agosto de 2003. Disponível em http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=104&rv=Gramatica. Acesso em 6 de junho de 2010. POSSENTI, Sírio. Vou estar –NDO. Disponível em http://www.marcosbagno.com.br/conteudo/arquivos/for_sirio_estarndo.htm. Acesso em 6 de junho de 2010. Sites utilizados como corpus – todos acessados em 6 de junho de 2010: http://twitter.com/bmazzeo http://twitter.com/mellisboaalves http://www.fotolog.com.br/julia_malheiros/39473590 http://vddeadolescente.spaceblog.com.br/725109/eu-devia-estar-estudando-mais-to-aqui/ http://www.helpvideoaulas.com/ http://forum.imasters.uol.com.br/index.php?/topic/313557-json/ http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=14356961579639352423 http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=28104650 http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=82240937 http://www.youtube.com/user/CstrikeBr http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=10887 acessado em 5 de junho de 2010. http://www.brasilescola.com/gramatica/gerundio.htm acessado em 5 de junho de 2010

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SEÇÃO 4: INDETERMINAÇÃO DO AGENTE

A INDETERMINAÇÃO DO AGENTE: UMA COMPARAÇÃO ENTRE O PORTUGUÊS ORAL DO BRASIL E DE PORTUGAL 6

Lilian Kelly Ferreira Teixeira7

Lívia Pereira Chaves8 INTRODUÇÃO

O agente é um papel temático caracterizado por desempenhar a função de

desencadeador de alguma ação e por ser capaz de agir com controle. Não deve ser

confundido com o sujeito – apesar de, muitas vezes, apresentarem coincidência –, tendo em

vista que este constitui uma categoria sintática, enquanto aquele diz respeito a uma

representação psíquica que relaciona o evento à estrutura conceitual mental e esta à sintaxe

(Cançado, 2005). Trata-se, portanto, de uma estrutura sintático-semântica.

Considerando a língua a partir de uma abordagem funcionalista, ou seja, enquanto

instrumento de interação social, acreditamos que um falante da língua portuguesa pode

optar por apagar ou não o agente, de acordo com sua intenção comunicativa. Faggion (s/d)

enumera algumas circunstâncias que envolvem o apagamento do agente em português: a)

terceira pessoa do singular de um verbo que apresenta sujeito nulo e partícula se; b) terceira

pessoa do plural de um verbo com sujeito nulo; c) verbos no infinitivo; d) expressões

gramaticalizadas ou em curso de gramaticalização, como o cara, o nego, o camarada, o

indivíduo, a pessoa, o pessoal, o sujeito, o cidadão, a turma etc.; e) expressões de

característica bem generalizante, como a gente; f) ausência do agente da passiva; g)

passiva sintética.

Além dessas, também podemos citar o emprego de você, enquanto pronome

indefinido, e a utilização da voz média, a qual, de acordo com Lima (1999), prima por

focalizar o evento, não o agente.

Assim, este trabalho pretende comparar o português falado no Brasil – em

Fortaleza (CE) – e em Portugal no que diz respeito ao apagamento do agente, observando

em quais circunstâncias ocorre esse fenômeno e quais os efeitos de sentido por ele

desencadeados.

O presente trabalho está dividido em Introdução, Metodologia – exposição do

procedimento empregado para a realização da análise –; análise e discussão dos dados –

6 Trabalho apresentado na disciplina Linguística: Funcionalismo, ministrada pela profa. Dra. Maria Claudete

Lima. 7 Graduanda em Letras – Português pela Universidade Federal do Ceará. Contato: [email protected]

8 Graduanda em Letras – Português pela Universidade Federal do Ceará. Contato: [email protected]

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32

apresentação dos dados obtidos e as devidas observações a seu respeito –; e

considerações finais – reflexão acerca do trabalho realizado e de seus resultados.

METODOLOGIA

Ao todo, foram analisadas 3 entrevistas: duas delas (108 e 111), do Corpus Sub-

Oral Espontâneo (CRPC), o qual contém a transcrição de inquéritos em português europeu;

a terceira, do corpus PORCUFORT – Português Oral Culto de Fortaleza – (entrevista 10 –

10 primeiras páginas), organizado por José Lemos Monteiro. Os informantes são do sexo

masculino, com escolaridade de nível superior e 49, 47 e 42 anos, respectivamente. Os dois

primeiros são portugueses (de Évora e de São Miguel), enquanto o último é brasileiro (de

Fortaleza – CE).

Dos corpora analisados foram retiradas 50 ocorrências de apagamento do agente –

25 dos corpora de Portugal e 25 do corpus do Brasil. Após essa coleta, as ocorrências foram

submetidas à análise e à categorização de acordo com as variáveis de apagamento que

apresentavam. Por fim, os dados foram comparados e cruzados, para chegarmos a um

resultado único.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As variáveis encontradas nas 3 entrevistas analisadas foram as seguintes: pronome

indefinido, terceira pessoa do plural elíptica, voz passiva sintética, voz passiva analítica sem

menção do agente, voz média pronominal, voz média não-pronominal e voz média

perifrástica. A seguir será mostrada a recorrência dessas variáveis nos 3 corpora.

a) Portugal

No primeiro corpus do português europeu (entrevista 108) foram constatadas 9

ocorrências de apagamento do agente, as quais podem ser organizadas da seguinte

maneira:

Natureza do

apagamento

Voz passiva

sintética

Voz média

pronominal

Voz média

não-pron.

Voz média

perifrástica

Expressões

general.

Número de

ocorrências 1 1 4 1 2

Recorrência

em relação

ao todo (%)

11,11 % 11,11 % 44,44 % 11,11 % 22,22 %

Tabela 1: ocorrências de apagamento do agente no português europeu – parte 1 (corpus 1; entrevista 108)

Page 34: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

33

Nota-se, na primeira entrevista, uma maior preferência pela utilização da voz média

não-pronominal, a qual pode ser exemplificada em “(...) por consequência as coisas correm

em melhor situação de igualdade.” (CRPC, entrevista 108, l. 42-43). Percebe-se, portanto, o

interesse em focalizar o processo em detrimento do agente através do efeito de sentido

“evento espontâneo”, como se os fatos ocorressem independentemente da participação do

agente.

Na segunda entrevista, as 16 ocorrências de apagamento do agente encontradas

podem ser distribuídas conforme a tabela que segue:

Natureza do

apagamento

3ª pessoa do

plural

Voz passiva

sintética

Voz média não-

pronominal

Número de

ocorrências 9 4 3

Recorrência em

relação ao todo (%) 56,25 % 25 % 18,75 %

Tabela 2: ocorrências de apagamento do agente no português europeu – parte 2 (corpus 2; entrevista 111)

Nesse corpus houve uma recorrência muito maior de apagamento do agente

através do emprego de verbos na 3ª pessoa do plural, como em “(...) tem, aqui tem a

dominga da, de Trás-dos-Mosteiros, é uma, uma rua que há ali para cima e fazem o

império.” (CRPC, entrevista 111, l. 35-36). Esse tipo de apagamento enfatiza o processo,

mas torna inferível a presença de um agente que o desencadeia, ainda que sua identidade

seja por nós desconhecida. No exemplo acima referido, sabemos que há um agente que

executa o processo de fazer o império, o qual não é identificado devido à ausência de

menção anterior e à estrutura sintática de 3ª pessoa do plural elíptica. No entanto é possível

constatar semanticamente que o processo ocorreu a partir da atuação de um agente, ainda

que sintaticamente ele não seja expresso. Daí serem os papeis temáticos considerados

categorias de natureza sintático-semântica.

Assim, de modo a sintetizar as ocorrências observadas nos dois corpora de

português oral europeu por nós analisados, teremos a seguinte tabela:

Page 35: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

34

Total de ocorrências nos corpora de Portugal

Natureza do

apagamento

Voz

passiva

sintética

Voz média

pronominal

Voz média

não-

pronominal

Voz média

perifrástica

Expressões

generalizantes

3ª pessoa

do plural

Número de

ocorrências 5 1 7 1 2 9

Recorrência

em relação

ao todo (%)

20% 4% 28% 4% 8% 36%

Tabela 3: síntese das ocorrências de apagamento do agente no português europeu (corpora 1 e 2; entrevistas 108 e 111)

Da tabela 3 podemos inferir que a maior parte das ocorrências coletadas diz

respeito ao apagamento do agente através da utilização de verbos na 3ª pessoa do plural –

cujas implicações sintático-semânticas já foram discutidas anteriormente –, enquanto

construções de apagamento realizadas a partir do emprego da voz média pronominal e da

voz média perifrástica apresentam pouca recorrência.

3.2. Brasil

Vejamos o que se passou com as 25 ocorrências de apagamento do agente

colhidas do corpus PORCUFORT,de língua portuguesa falada no Brasil – mais

especificamente em Fortaleza-CE:

Natureza do

apagamento

Pronome indefinido Voz média

pronominal

Voz passiva

sintética

Voz passiva

analítica sem

agente

“A gente” “Você”

Número de

ocorrências 4 9 3 4 5

Recorrência

em relação

ao todo (%)

16 % 36 % 12 % 16 % 20 %

Tabela 4: ocorrências de apagamento do agente no português brasileiro

A tabela 4 mostra a larga utilização feita pelo falante brasileiro do pronome

indefinido como forma de apagar o agente. Dentre os dois pronomes indefinidos

empregados, “você” apresenta maior recorrência. Esse “você” não se refere ao interlocutor,

mas desencadeia um efeito de sentido de generalização para fins exemplificativos. Como

podemos ver no seguinte exemplo:

Page 36: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

35

(...) você num condomínio com quarenta e quatro unidades habitacionais eu NUNca... aliás já vi mas muito raramente você vê uma reunião... com mais de oito... con/ condôminos presentes... tem MAs mas quando vem o casal... você pode ver doze treze pessoas... mas tem sete ou oito apartamentos representados... (PORCUFORT, entrevista 10, p. 7)

O mesmo pode ser afirmado em relação à expressão “a gente”, a qual se apresenta

nas ocorrências coletadas como pronome indefinido, não apenas enquanto “expressão

generalizada”, conforme fora considerada por Faggion (s/d).

b) Portugal X Brasil

Do cruzamento das variáveis observadas na língua portuguesa falada em Portugal

e no Brasil obtivemos os seguintes resultados:

Pron.

Indef.

Voz

média

pron.

Voz

passiva

analítica

sem

menção do

agente

Voz

passiva

sintética

Voz

média

não-

pron.

Voz

média

perifr.

Expressões

general.

3ª pessoa

do plural

13 (BR)

= 26%

3 (BR) =

6%

5 (BR) =

10%

4 (BR) =

8%

- (BR) =

0%

- (BR) =

0% - (BR) = 0%

- (BR) =

0%

- (PT) =

0%

1 (PT) =

2% - (PT) = 0%

5 (PT) =

10%

7 (PT) =

14%

1 (PT) =

2% 2 (PT) = 4%

9 (PT) =

18%

As maiores recorrências observadas dizem respeito, portanto, à utilização de

pronome indefinido – na língua portuguesa falada no Brasil – e de 3ª pessoa do plural – na

língua portuguesa falada em Portugal. Trata-se de um fenômeno curioso: em ambos os

casos, apesar de haver apagamento do agente, este não desaparece por completo: quando

se utiliza pronomes indefinidos, nota-se a atribuição do desencadeamento do processo a

uma instância que não se encontra no momento da enunciação; quando ocorre o emprego

da 3ª pessoa do plural, pode-se inferir que há um agente que deu origem ao processo e que

apenas sua identidade não nos foi apresentada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa pesquisa constatamos que o apagamento do agente em língua portuguesa

pode ocorrer de diversas maneiras, provocando efeitos de sentido peculiares que são caros

ao falante no momento da escolha da variante que utilizará para determinado propósito

comunicativo. No português oral europeu percebemos uma maior incidência no emprego de

Page 37: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

36

verbos na 3ª pessoa do plural, enquanto no português oral brasileiro encontramos os

pronomes indefinidos – especialmente o “você”– como as variantes de maior recorrência. No

entanto, devido às limitações deste trabalho, muitas particularidades inerentes às variantes

da língua portuguesa aqui consideradas não foram contempladas, o que se poderá

converter em tema para trabalhos futuros.

REFERÊNCIAS ________________. Corpus sub-oral espontâneo – CRPC. Disponível em http://br.groups.yahoo.com/group/funcionalismo_2010/files/Pesquisas/CORPORA/Corpus%20sub-oral%20espont%80%A0%A6%E2neo/ . Acesso em 06/06/10, às 22:43. FAGGION, Carmem Maria. Variação histórica dos usos dos mecanismos de indeterminação. Disponível em: http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_483.pdf. Acesso em: 06/06/2010, às 20:45. _______________________. A indeterminação em Português: uma perspectiva diacrônica – funcional. 2008. 197 f. Tese. (Doutorado em Lingüística). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bento Gonçalves. 2008. LIMA, Maria Claudete. Elementos para um estudo da voz e, em especial, da voz média em português. 1999. 183 f. Dissertação. (Mestrado em Linguística). Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 1999. MARTINS, Juliana Esposito; DUARTE, Maria Eugenia Lamoglia. Uma análise comparativa das construções de indeterminação na fala e na escrita. Disponível em: http://www.filologia.org.br/ixcnlf/15/19.htm. Acesso em: 05/06/2010, às 09:35. MONTEIRO, José Lemos (org.) O português oral culto de Fortaleza- PORCUFORT. Disponível em: http://br.groups.yahoo.com/group/ funcionalismo_2010/files/Pesquisas/CORPORA/PORCUFORT/. Acesso em: 06/06/2010, às 20:14.

Page 38: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

A INDETERMINAÇÃO DO AGENTE NA LINGUAGEM ESCRITA REFERENCIAL E LITERÁRIA

Autores do artigo: 9

Maria Adelaide G. Souza (UFC) Tarcila Barboza Oliveira (UFC)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em nossas primeiras aulas de sintaxe na escola, aprendemos que para saber qual

é o verbo da oração basta perguntar ao verbo, pois o sujeito é aquele que pratica a ação

verbal, sendo que ele pode ser simples, composto, oculto e indeterminado, podendo ainda

não existir sintaticamente, que é o caso da oração sem sujeito. Com o amadurecimento dos

estudos, percebemos que essa conceituação não atende a todas as análises e, algo que era

de simples identificação, passa a ser alvo de muitos questionamentos. Isso ocorre devido à

Gramática Tradicional trabalhar com conceitos distintos da categoria sujeito sem explicitar

que o sujeito pode ser analisado à luz de perspectivas distintas, podendo ser sintático,

discursivo ou semântico, escolha que dependerá do foco de análise do pesquisador.

Seguindo o critério sintático, utilizado nas gramáticas mais recentes, Bechara, em

Lições de português pela análise sintática, afirma que o sujeito é a “unidade ou sintagma

nominal que estabelece uma relação predicativa com o núcleo verbal para constituir uma

oração”. Assim, o sujeito é aquilo a que o predicado se refere, apontando a pessoa verbal.

Quanto ao critério discursivo, Bechara, na referida obra, define sujeito como o

tópico da comunicação que pode ser animado ou inanimado, sobre o qual é feita a

afirmação ou negação de uma ação. Ernani Terra simplifica dizendo que “o elemento a

respeito do qual se informa algo denomina-se sujeito” (1996, p. 203). Portanto, nesse critério

temos o sujeito visto segundo sua topicalidade, que pode ser medida em níveis: não tópico,

baixa topicalidade, média topicalidade, alta topicalidade.

O critério semântico retoma a conceituação citada inicialmente e é comum a muitas

gramáticas voltadas para o ensino fundamental: o sujeito é aquele que pratica a ação

expressa pelo verbo da oração. Portanto, nessa perspectiva, o sujeito é visto enquanto

agente. Sobre o papel semântico de agente, Antonio da Cunha, em seu artigo Discutindo os

critérios para a definição de sujeito no português do Brasil, afirma:

Agente é a semântica do argumento que designa a entidade controladora de um estado de coisas indicado por um predicador dinâmico. O sujeito agente só pode aparecer com predicadores que indicam evento, isto é, que são uma dada concretização de um tornar-se. (CUNHA, 2005, p. 98)

9 Graduadas em Letras pela Universidade Federal do Ceará. Contatos: [email protected];

[email protected].

Page 39: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

38

Apesar de ser o conceito mais popular, por conta de sua fácil compreensão,

associar sujeito à agente, como o faz a Gramática Tradicional, traz complicações em

análises frasais, como podemos ver nos exemplos a seguir:

Ex1: Pedro consertou o carro. Na frase acima, considerando os três critérios supracitados, “Pedro” é o sujeito da

oração por: relacionar-se com o verbo (sintático); ter sido feita uma declaração a seu

respeito (discursivo); e ter praticado a ação verbal (semântico). Passemos a frase para a voz

passiva:

Ex2: O carro foi consertado por Pedro. Dessa forma, o sujeito passa a ser “o carro” nos critérios sintático e discursivo,

porém já não o é no que tange ao critério semântico, para o qual os papéis temáticos da voz

ativa permanecem os mesmo, “Pedro” como agente e “o carro” como paciente.

O equívoco permanece quando a análise enquadra seres inanimados:

Ex3: A bola quebrou a vidraça. Nos níveis sintático e discursivo, “a bola” assume a categorização de sujeito da

oração, porém, quanto ao nível semântico, deve ser observado que seres inanimados não

praticam ações, assim, não foi a bola que quebrou a vidraça, mas quem a arremessou; de

modo que, no nível semântico, essa oração teve seu sujeito indeterminado.

No que tange à indeterminação, foco principal deste trabalho, muitas serão as

ocorrências nas quais a análise sintática e discursiva dirão que a oração possui sujeito,

enquanto que a análise semântica, ao abordar, considerar-lo-á indeterminado, evidenciando

a necessidade da identificação de sob qual perspectiva a categoria sujeito está sendo

analisada.

INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO VS. INDETERMINAÇÃO DO AGENTE

Tendo em vista a análise sintática e discursiva, teremos a indeterminação do sujeito

numa oração quando não for mencionado, o que pode acontecer por dois motivos: por não

ser do conhecimento do produtor; ou por este preferir omiti-lo por questões pragmáticas.

Essa indeterminação pode ocorrer de quatro formas:

a) Impessoal não-pronominal: verbo na 3ª pessoa do plural: Ex4: Quebraram a fechadura.

b) Verbo Transitivo Indireto na 3ª pessoa do singular mais a partícula se:

Page 40: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

39

Ex5: Precisa-se de costureiras. Lembrando que, se o verbo for transitivo direto, a oração está na voz passiva

sintética, portanto tem sujeito expresso:

Ex6: Vendem-se casas. (Voz passiva sintética). Casas são vendidas. (Voz passiva analítica – Sujeito: casas).

c) Verbo Intransitivo na 3ª pessoa do singular, mais a palavra se: Ex7: Come-se bem na pensão da D. Joana.

d) Verbo na terceira pessoa do singular com o se elíptico: Ex13: Diz que os juros vão subir.

e) Verbos no infinitivo: Ex8: Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Em se tratando da análise semântica do sujeito, enquanto papel temático de

agente, as maneiras de indeterminação são mais vastas. Somando-se aos casos já citados,

temos ainda:

f) Voz passiva sintética: verbo Transitivo Direto na terceira pessoa mais a partícula se: Ex9: Vendem-se casas.

g) Voz passiva analítica: Casas são vendidas. (Agente indeterminado – quem está vendendo as casas?)

h) Expressão nominal sem referente: Ex10: Sem ter como comprovar, a gente fica desconfiado.

i) Pronomes pessoais sem valor dêitico: Ex11: Sabe quando tu não tem pra onde ir?

j) Pronomes indefinidos e os termos do léxico que exprimem indefinição: Ex14: Todos querem aumento de salário.

k) Nominalização: os substantivos são cognatos de verbos que podem ter sujeito agente. Ex15: O aumento de impostos provocou retração de investimentos. Outra questão concernente à indeterminação do agente é a noção de Voz Média,

pouco reconhecida entre os linguistas:

A voz média, por exemplo, mantém com a passiva e a reflexiva relações tão estreitas em português que, muitas vezes, se confunde com estas. A descrição que predomina nas gramáticas tradicionais é reflexo dessa dificuldade, uma vez que os autores mostram flutuações na classificação de determinadas formas como exemplos de voz média, de passiva, ou reflexiva. (LIMA, 2005, p. 545)

Dentro da perspectiva funcional, caracteriza-se pelo verbo transitivo com apenas

um argumento de papel temático paciente ou experenciador, pela presença do pronome

oblíquo, em geral, e pela espontaneidade do evento, o que implica que o paciente não teve

Page 41: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

40

parte no processo, e pela indeterminação do agente, atribuída a fatores pragmáticos. Há

três tipos de voz média: a Média pronominal, a Média não-pronominal e a Média Perifrástica.

Assim, entre os casos de indeterminação do agente incluem-se também as

ocorrências de voz média:

l) Média pronominal: sujeito inanimado, evento espontâneo, com a ocorrência de pronome. Ex16: A chave quebrou-se.

m) Média não-pronominal: sujeito inanimado, evento espontâneo, sem a presença de pronome.

Ex17: A chave quebrou.

n) Média perifrástica: com verbo auxiliar. Ex18: A chave foi quebrada .

FATORES PRAGMÁTICOS QUE INFLUENCIAM NOS CASOS DE INDETERMINAÇÃO

Neves (apud RAJAGOPALAN, 1999, p. 330) afirma que a pragmática é relativa “às

escolhas que o falante faz para distribuir a informação de seu enunciado”. Trazendo a

definição para o âmbito com o qual estamos trabalhando, entendemos que o falante optará

pela indeterminação do agente e pela forma que a fará, de acordo com seu propósito

comunicativo, que, por sua vez, deverá atender ao gênero escolhido por ele para a

transferência da informação.

Entre as intenções da indeterminação mais comuns temos: o enunciador não

conhece o agente; o agente é o próprio enunciador que preferiu omitir-se para não se

responsabilizar pelo enunciado; o agente é produto do meio social; o enunciador quer que o

enunciatário encontre-se no enunciado como o próprio agente.

Estudaremos, neste trabalho, a indeterminação na linguagem escrita em duas

perspectivas: a referencial e a literária, com o objetivo de comprovar que a indeterminação

não é feita despropositadamente, mas está relacionada como o propósito comunicativo do

enunciador e, consequentemente, com o gênero discursivo por ele escolhido.

METODOLOGIA

O corpus referencial é composto por vinte e cinco ocorrências retiradas de sete

Editoriais publicados no jornal Diário do Nordeste do dia dois, domingo, ao dia oito, sábado,

de maio de 2010. O corpus literário compõe-se de trinta ocorrências de indeterminação do

agente encontradas em oito frases reflexivas de Fernando Pessoa. Os corpora foram

inicialmente classificados conforme as diversas formas de indeterminação do agente

explicadas anteriormente. Em seguida foi realizada uma analise quantitativa e qualitativa

que resultou nos dados e tabelas descritos abaixo.

Page 42: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

41

ANÁLISE DOS DADOS a) Linguagem escrita referencial

Das ocorrências do corpus referencial houve indeterminação do agente, em sua

maioria dados situacionalmente ou inferíveis, nas seguintes tipologias: maior ocorrência de

Voz passiva analítica, 52%, seguidas quatro ocorrências de Voz Passiva Sintética e Verbos

no Infinitivo, correspondendo cada um a 16%. As categorias Impessoal Pronominal; Verbo

Transitivo Indireto na 3ª pessoa do singular mais a partícula se; Média Não-Pronominal;

Pronomes Indefinidos e os termos do léxico que exprimem Indefinição apresentaram uma

ocorrência apenas em cada uma, correspondendo a 4% cada.

No presente corpus, não foram encontrados exemplos correspondentes às

categorias de Verbo Intransitivo na 3ª pessoa do singular mais o pronome se; Expressão

nominal sem referente; Verbo na terceira pessoa do singular com o se elíptico; Pronomes

pessoais sem valor dêitico; Média não-pronominal e Nominalização. O gráfico abaixo mostra

de maneira mais clara essas informações:

Gráfico 1: Ocorrências na Linguagem Escrita Referencial

Uma vez apresentadas as ocorrências, iniciaremos a análise qualitativa,

observando os exemplos e sua aplicabilidade segundo as motivações pragmáticas.

A análise de orações com Voz Passiva Analítica nos editoriais do Diário do

Nordeste (DN), permite-nos constatar que a indeterminação do agente é um recurso

utilizado para expressar a opinião do autor, no entanto, não somente a dele, mas de toda

uma coletividade. Nos exemplos Ex1 e Ex2 a seguir, podemos perceber a indignação dos

usuários do trânsito de Fortaleza diante da falta de infraestrutura. É perceptível que o autor

também se inclui na massa que se aborrece e se queixa diante do descaso do poder público

com o trânsito.

13

4 4

1 1 1 10

0

2

4

6

8

10

12

14

VPA VI VPS VTI INP PTI MP DC

Ocorrências na Linguagem escrita referencialVPA: Voz passiva analítica

VI: Verbos no Infinitivo

VPS: Voz passiva sintética

VTI: Verbo transitivo indireto na 3ª

pessoa do singular + se

INP: Impessoal não-pronominal

PTI: Pronomes e termos indefinidos

MP: Média pronominal

DC: Demais casos

Page 43: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

42

Ex1: Nenhuma grande artéria de interligação urbana, nenhum túnel (...) foram sequer planejados para beneficiar a capital cearense... Ex2: Criadas como paliativos para minimizar tão crucial problema, as rotatórias da Praça Portugal e Avenida Aguanambi têm sido alvo de constantes queixas... Quanto a Voz Passiva Sintética, observamos que há um afastamento do autor em

relação ao processo proposto pelo verbo. Nas ocorrências Ex3 e Ex4 o autor defende que a

mulher deve ocupar seu espaço na vida política do País, porém, mesmo que ele seja do

sexo feminino, não se apossa dessa responsabilidade, deixando a cargo do leitor, seja ele

homem ou mulher, a responsabilidade de agir.

Ex3: Não se estabelece o equilíbrio com o grupo masculino. Ex4: Encontra-se nas mãos das mulheres (...) a decisão. A mesma conotação semântica se observa no uso de Verbos no Infinitivo, conforme

os exemplos abaixo:

Ex5: Para evitar o ingresso dos recursos no tesouro municipal. Ex6: De modo a evitar prejuízos futuros. Com isso constatamos que a proeminência da voz passiva analítica deve-se ao fato

dela permitir um maior comprometimento do autor ou produtor com o que ele declara nos

editorias, enquanto a passiva sintética favorece o afastamento deste, corroborando com o

objetivo do editorial que é expressar a opinião do jornal, revista ou da empresa que

representa.

b) Linguagem escrita literária

Ao analisar o corpus da linguagem escrita literária, verifica-se a abundância de

ocorrências de indeterminação do agente nesse tipo textual, num corpus de oito frases

reflexivas de Fernando Pessoa foram encontradas trinta ocorrências, todas de agentes

desconhecidos, isto é, não captáveis através do contexto nem do cotexto. Vamos à análise

quantitativa.

No corpus literário, o caso de maior proeminência foi de verbos na terceira pessoa

do singular com o se elíptico, tendo sido verificado em 43,3%. Em segundo lugar,

apareceram os pronomes indefinidos ou os termos do léxico que exprimem indefinição, com

20%. Os pronomes pessoais sem valor dêitico ocupam o terceiro lugar, com 16,6% das

ocorrências. Os verbos no infinitivo apareceram em 13,3%, ocupando o quarto lugar. E, em

último lugar, verificou-se que, em 6,6% das ocorrências, os verbos impessoais não-

pronominais tiverem seu agente indeterminado.

Page 44: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

43

Não foram encontrados casos correspondentes às seguintes categorias: Voz

passiva analítica; Voz Passiva Sintética; Verbo Transitivo Indireto na 3ª pessoa do singular

mais a partícula se; Média Não-Pronominal; Média Pronominal; Média Perifrástica; Verbo

Intransitivo na 3ª pessoa do singular mais o pronome se; Expressão nominal sem referente;

e Nominalização.

O gráfico abaixo mostra de maneira mais clara essas informações:

13

65

4

2

0

0

5

10

15

VSE PTI PSD VI INP DC

Ocorrências na Linguagem escrita referencial

VSE: Verbos na 3ª pessoa do singular

com o "se" eliptico

PTI: Pronomes e termos indefinidos

PSD: Pronomes pessoais sem valor

dêitico

VI: Verbos no Infinitivo

INP: Impessoal não-pronominal

DC: Demais casos

Gráfico 2: Ocorrências na Linguagem Escrita Literária

Numa análise qualitativa dos dados encontrados, a proeminência da

indeterminação do agente através da utilização de verbos na terceira pessoa do singular

com o “se” elíptico nas frases reflexivas de Fernando Pessoa pode ser explicada pelo

propósito discursivo do “gênero” Frase Reflexiva que é convidar o enunciatário a pensar

criticamente a respeito de um assunto. Para tanto, o autor faz a omissão no intuito de que o

enunciatário coloque-se como agente da enunciação, como podemos observar no exemplo

a seguir retirado do corpus:

Ex1: “Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode dizer-te”. Os verbos no infinitivo também cumprem essa intenção:

Ex3: “Precisar de dominar os outro é precisar dos outros. O chefe é um

dependente”. Quanto aos pronomes indefinidos e aos termos que exprimem indeterminação, eles

servem ao autor por articular, no enunciado, a generalização das categorias característico

da reflexão.

Ex2: “Tudo quanto vive, vive porque muda, muda porque passa, passa; e, porque

passa, morre”.

Page 45: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

44

Os pronomes pessoais sem valor dêitico também possuem a mesma

funcionalidade, pois, quando utilizados, por não apontarem para pessoas do discurso

específicas, generalizam-nas, de forma que há a identificação do enunciatário entre as

mesmas, possibilitando a reflexão pretendida.

Ex3: “A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos”.

CONCLUSÃO É contrastando as ocorrências de indeterminação do agente na linguagem escrita

referencial com as da linguagem escrita literária que se torna ainda mais clara a adaptação

do fenômeno aqui discutido aos diferentes gêneros discursivos, corroborando com nossa

hipótese de que a indeterminação do agente não é feita aleatoriamente, mas está

relacionada como o propósito comunicativo do enunciador e, consequentemente, com o

gênero por ele escolhido.

Dessa forma, se a indeterminação através da voz passiva analítica é utilizada no

editorial como recurso para expressar um agente que é produto do meio social, no qual o

autor do texto está incluso, tal necessidade não se manifestará na frase reflexiva que, por

sua vez, primará pelos verbos na terceira pessoa do singular com o “se” elíptico, uma vez

que tem por finalidade convocar o enunciatário a refletir a respeito de um assunto, sendo

necessário que ele sinta-se como agente da ação.

Outros fatores tangentes à indeterminação do agente que são variáveis em função

do gênero discursivo são o estatuto informacional e a distância referencial desses sintagmas

nominais. No caso da linguagem referencial, dá-se preferência ao estatuto informacional

dado ou pelo menos inferível, já que tem por objetivo transmitir informações claramente,

enquanto que na linguagem literária, no geral, não há âncora referencial, uma vez que a

liberdade poética permite ao autor estender o campo enunciador/enunciatário a todos os

leitores.

Fenômeno semelhante ocorre ao se falar em distância referencial, ligada a

topicalidade. Na linguagem referencial, o sintagma nominal, quando dado ou inferível,

possui baixa topicalidade, pois nessa modalidade de língua, o importante é a ação em si e

suas consequências e não que a realizou. O inverso ocorre na linguagem literária, na qual é

perceptível que, embora o agente seja de identidade desconhecida, ele possui alta

topicalidade, pois é sobre ele que se quer falar, com o intuito de pô-lo em reflexão sobre

algo.

É importante ressaltar que neste trabalho não temos a intenção de dar conta de

todas as questões concernentes ao assunto o qual nos propomos a discutir, mas, sim,

fornecer uma base teórica que desperte o olhar crítico dos nossos colegas graduandos do

Page 46: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

45

curso de Letras para o Sujeito e, a partir daí, para as demais categorias sintáticas que são

trabalhadas dissociadas do discurso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECHARA, E. Lições de Português pela Análise Sintática. Editora Lucema. Rio de Janeiro, RJ. 2001. CORPUS REFERENCIAL, Editorial Diário do Nordeste. Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com. Acesso em: 15.05.2010. CORPUS LITERÁRIO, Frases de Fernando Pessoa. Disponível em: http://www.pensador.info/frases_de_fernando_pessoa. Acesso em: 25.05.2010. CUNHA, A. S. C. Discutindo os critérios para a definição do sujeito no português do Brasil. SOLETRAS (UERJ). 2005. Disponível em: http://www.filologia.org.br/soletras/10/10.htm. Acesso em: 25.05.2010. LIMA, Maria Claudete. Reflexões sobre a medialidade em português. In: Secção de Lingüística; Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Românicos. (Org.) - p. 545-556, 2005. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4585.pdf. Acesso em: 09.06.2010. NEVES, 1996 apud RAJAGOPALAN, K. Os caminhos da pragmática no Brasil. DELTA [online]. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/delta/v15nspe/4021.pdf>. Acessado em: 02.06.2010. TERRA, E. Curso prático de gramática. Ed.rev. e amp. São Paulo: Scipione, 1996.

Page 47: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

SEÇÃO 5: DISCURSO E PERSPECTIVA DEÔNTICA

PERSPECTIVAS DEÔNTICAS ALUSIVAS À FAIXA ETÁRIA E AOS DISCURSOS FORMAL E INFORMAL

10 Daniele Cristina de Almeida Francisco Cleyton de Oliveira Paes

Francisco Valber Gomes Barros

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo observar se a variação de idade e registro sofre

influência em relação ao discurso e ao contexto de situação de uso da língua, a partir do

cruzamento dos resultados de fragmentos de frases retiradas de um discurso informal,

diálogo, entre pai e filho e de um discurso formal, palestra, tendo como base a modalidade

deôntica. Antes, porém, vamos explicitar o conceito de modalidade deôntica, expondo

primeiramente o conceito de modalidade, segundo BRITTO apud in PINTO:

A modalidade está inserida na função interpessoal, pois tem como finalidade a expressão de nossas crenças ou opiniões a respeito de algum assunto, como modo de interação com as pessoas no mundo, mostrando nossos critérios de verdade e valor (Pinto, 1994, p. 81).

Já por modalidade deôntica encontramos segundo BRITTO apud NEVES:

Segundo Neves (1996, p. 172), a modalização deôntica implica em mais controle do enunciador em relação aos valores de permissão, obrigação e volição. No livro „Texto e gramática‟, a autora nos esclarece que há dois tipos de obrigação no eixo da conduta dos deônticos: obrigação moral e obrigação material (2006, p. 174). Enquanto o primeiro é interno, ditado pela consciência e pode ser expresso em exemplos como „Nós temos que respeitar o sinal de trânsito‟, o segundo é comandado por circunstâncias externas como em „Aquelas pessoas que estão dentro do trem não devem fumar‟.

Ou seja, modalidade deôntica estaria relacionada ao uso de que faz o falante para

expressar as suas atitudes em relação a uma obrigação, permissão, proibição ou ordem.

Para tanto ele faz uso de modos verbais para que essa atitude seja manifestada de forma

que fique bem clara ao interlocutor.

METODOLOGIA

Este trabalho é de cunho quantitativo, pois registramos o número de ocorrências da

modalidade deôntica no discurso de três homens, sendo um veterinário de 33 anos, outro

advogado de 70 anos e um licenciado em filosofia de 32 anos. O corpus analisado foi

retirado do grupo de funcionalismo11. São estes os textos que constituem o corpus: inquérito

10

Alunos do curso de letras da UFC. 11

Grupo de funcionalismo no site do Yahoo http://br.groups.yahoo.com/group/funcionalismo_2010/

Page 48: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

47

número 11, gênero diálogo, com o tema As infrações no trânsito e a impunidade, contém

dois informantes, informante 1 (homem, 33 anos, fortalezense, médico veterinário) e o

informante 2 (homem, 70 anos, fortalezense, advogado); e o inquérito número 17 apresenta

o gênero palestra, elocução formal cujo tema é Revoluções e movimentos populares, e tem

como informante um homem, 32 anos, licenciado em Filosofia.

Após a análise do corpus, comparamos os resultados para saber qual o valor de

modalidade deôntica mais recorrente. Para isso, cruzamos os resultados da seguinte

maneira: inquérito número 11, as falas do informante 1 versus as falas do informante 2, para

verificar se a idade influencia na atitude do falante ao expressar-se. Logo depois, cruzamos

o discurso do informante 1, inquérito 11, com o discurso do informante da elocução formal,

inquérito 17. Como ambos possuem idade aproximada, buscamos observar se o registro,

dependendo do gênero, influencia no uso do valor da modalidade deôntica.

ANÁLISE DOS DADOS

Tabela de Resultados LEGENDA D = Diálogo EF = Elocução Formal

Cruzamento dos resultados de D11 – Inf. 1 X D11 – Inf. 2 / Variável: Faixa etária D11 – Informante 1 / Homem, 33 anos, fortalezense, pais fortalezenses, médico veterinário D11 – Informante 2 / Homem, 70 anos, fortalezense, pais fortalezenses, advogado

TABELA 1

Valor Codificação Nº de Ocorrências

D11 – Informante 1 Faixa 1

Obrigação Ter que 04

Dever 02

Permissão Poder 03

Proibição Poder 01

Ordem Imperativo 13

Total 23

D11 – Informante 2 Faixa 3

Obrigação Ter de 01

Permissão Poder 13

Proibição Poder 03

Ordem Imperativo 03

Total 20

Ao observarmos acima os resultados adquiridos pelo apanhado do corpus,

verificamos na fala do informante 1 a predominância do valor ordem no imperativo, ao passo

Page 49: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

48

que o informante 2 se utiliza quase sempre de expressões que remetem ao valor de

permissão com uso frequente do verbo poder. Conquanto os demais valores

encontrados não apresentem números expressivos, decidimos atentar para as ocorrências

de caráter permissivo de ambos os informantes. O texto em foco constitui um diálogo sobre

As infrações no trânsito e a impunidade. Diálogo esse entabulado entre um pai, que é

advogado, e seu filho, um veterinário. Acreditamos que, além do objetivo pretendido deste

estudo no que toca à motivação discursiva em relação à faixa etária, o papel social dos

informantes pode também influir na interação verbal, conforme o prisma funcionalista.

Atentemos para as frases abaixo:

(1) Inf. 1: Pode ...{Pode sim (2) Inf. 1: pode {sim eh:: (3) Inf. 1: pode registrar o nome dele (4) Inf.2...tivesse e a sido avisado... uma baRREIra adiante aí /tá certo

podia ... parar com um aviso ... (5) Inf.2eh {tendo atenuante pode (6) Inf.2é o consumidor então ele tem direito... um: arrecadador do

Estado.

O uso do verbo poder nos três primeiros excertos supracitados, articulados pelo

informante 1, denota clara e concisamente a ideia de permissão. Já os últimos três trechos,

referentes ao informante 2, possuem o mesmo teor deôntico, porém, parecem ser revestidos

de certa sutileza. No trecho 4, o advérbio aí, que equivale a nesse ponto, seguido da

afirmação tá certo emprestam ao verbo poder uma justificativa para permissão exibida na

sentença em questão. Logo, entendemos que a modalidade está relacionada não apenas ao

aspecto verbal, mas a toda sentença.

Em tendo atenuante pode, no trecho 5, temos, especialmente no termo

“atenuante”, uma marca que bem se afigura ao informante 2 em seu papel causídico e que

também justifica a permissão contida no verbo poder. O último exemplo é com o verbo ter,

seguido também de uma palavra muito comum ao ofício do informante 2, “direito”, e

precedido do advérbio então que pode dar o seguinte sentido à sentença 6: “nesse caso o

consumidor tem direito”.

Embora se trate de um diálogo informal, as escolhas lexicais de natureza deôntica

aqui apontadas parecem revelar que o informante 2 é mais sutil que o informante 1 no

emprego do referido valor da modalidade em foco, devido seu cabedal linguístico, adquirido

ao longo de seus 70 anos, e também no exercício de sua profissão.

Page 50: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

49

Cruzamento dos resultados de D11 – Inf. 1 X EF 17 / Variável: Registro D11 – Informante 1 / Homem, 33 anos, fortalezense, pais fortalezenses, médico veterinário EF 17 – Informante homem, 32 anos, fortalezense, pais cearenses, licenciado em Filosofia

TABELA 2

Valor Codificação Nº de Ocorrências

D11 – Informante 1 Faixa 1

Obrigação Ter que 04

Dever 02

Permissão Poder 03

Proibição Poder 01

Ordem Imperativo 13

Total 23

EF – Informante

Faixa 1

Obrigação Ter que 19

Precisar 02

Imperativo 01

Dever 01

Permissão Poder 02

Proibição Poder 04

Dever 01

Ordem 00 00

Total 30

A tabela (2) apresenta os resultados das ocorrências de frases com modalidade

deôntica no registro informal, representado pelo diálogo (D11) e no registro formal,

representado por uma elocução formal (EF17).

Ao cruzarmos tais resultados entre D11 X EF17 percebemos que no diálogo (D11)

o valor ordem, codificado pelo verbo no imperativo é mais frequente no discurso, ocorrendo

em 13 frases. Já na elocução formal (EF17) o valor obrigação codificado pela perífrase ter

que é o mais freqüente, ocorrendo em 19 frases do corpus.

Para exemplificarmos os resultados, selecionamos duas frases do registro informal

e duas do registro formal para análise. No registro informal analisaremos apenas aquelas

que têm valor de ordem no imperativo. Quanto ao registro formal, analisaremos as que

possuem valor de obrigação codificadas pela perífrase ter que + infinitivo.

Analisemos os enunciados (1 e 2) a seguir referentes ao registro informal.

(1) “rapaz vá pedir autorização ao gerente” (2) rapaz ( ) aprenda a se comporTAr rapaz ...

Page 51: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

50

Vemos que no enunciado (1) o locutor faz uso do imperativo vá pedir, emitindo

uma ordem ao seu interlocutor.

No enunciado (2) o locutor utiliza-se do imperativo aprenda a se comportar, para

chamar a atenção do rapaz.

A utilização do imperativo pelo informante (1) foi recorrente no diálogo. O contexto

em que ele estava inserido era o de uma conversa informal tendo como interlocutor o seu

próprio pai. O assunto em discussão era sobre As infrações no trânsito e a impunidade. Mas

em um dado momento do diálogo o informante (1) faz uma digressão para relatar uma

discussão ocorrida entre ele e outro cliente numa agência bancária. Discussão, essa,

levantada por causa de um lugar na fila de atendimento. Analisemos agora os enunciados

(3) e (4) referente ao registro formal.

(3)... pra você manter a regime político... você muitas vezes tem que usar a

força... (4) a Idéia que ti::nha vindo dos campos e dos quartéis... era que o solDAdo

tinha que servir aos oficiais

Observamos que o informante da elocução formal utiliza a perífrase ter que +

infinitivo, o que expressa a modalidade deôntica com valor de obrigação. Existe aí a

presença de uma imposição. O assunto discutido pelo informante é sobre As revoluções e

movimentos populares, e os enunciados (3) e (4) abordam a questão do regime militar

imposto no Brasil a partir da década de 1960. No enunciado (3), percebemos que os

militares foram muitas vezes obrigados a utilizar a força para reprimir o povo. No enunciado

(4) notamos que os soldados, mesmo sendo contra o regime político da época eram

obrigados a servir aos seus superiores, os oficiais militares. Em ambos os enunciados do

registro formal fica explícita a noção de obrigação.

Após essa análise, pudemos perceber que o uso recorrente do imperativo com

valor de ordem no discurso informal poder ser explicado por conta da situação que é

informal, no caso um diálogo entre duas pessoas, pai e filho. O discurso do informante (1)

narra uma situação ocorrida no banco. Em discussões no ambiente bancário, por conta de

posições na fila, geralmente as pessoas ficam nervosas e irritadas e acabam por fazer uso

de verbos no imperativo, com valor de ordem, buscando reivindicar seus direitos.

Quanto ao discurso formal, o uso freqüente da perífrase ter que + infinitivo com

valor de obrigação pode ser explicado também pela situação que, nesse caso, é mais

formal, visto que se tratava de uma palestra que estava sendo ministrada. O informante

tentou transmitir aos seus ouvintes os problemas vividos pela sociedade em contextos de

revoluções e movimentos populares. Observamos nesse caso a noção de modalidade

deôntica bastante marcante uma vez que esta se liga a lógica da obrigação.

Page 52: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

51

A comunicação entre ambos os registros faz uso recorrente da modalidade deôntica

a qual qualifica situações por meio de valores como proibição e ordem. Isso nos mostra que

o ato comunicativo é dinâmico, pode mudar conforme o contexto situacional.

CONCLUSÃO

Diante das considerações aqui aventadas, concluímos, com base nas análises dos

corpus em questão, que a modalidade deôntica pode sofrer influência em virtude da faixa

etária e da função social dos sujeitos e, também que, dependendo da situação

comunicativa, o discurso pode variar entre menos formal e mais formal. Tal perspectiva só

nos é possível segundo o viés funcionalista, para o qual a língua constitui um instrumento de

interação social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRITTO, V. S. As marcas de modalidade na publicidade. Disponível em: http://www.filologia.org.br. Acesso em: 02 de jun. 2010 LOPES, M. F. V. Modalidade dôntica e língua inglesa: uma interface. Revista Intercâmbio, volume XVII: 344-357, 2008. São Paulo: LAEL/PUC-SP. ISSN 1806-275x MONTEIRO, José Lemos. Português oral e culto de Fortaleza. S/D disponível.

Page 53: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

O VERBO MODAL “Ter de” NA MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO ORAL

Maria Cristiane Rosa de Souza

12

INTRODUÇÃO

O Funcionalismo estuda a linguagem e sua relação com o mundo. O discurso não é

apenas formas e regras, mas se desenvolve sendo organizado com traços que lhe

caracterizam e lhe distinguem de frases que não são contextualizadas e que não se

relacionam.

Entre estes traços caracterizadores a modalidade é o meio que o autor usa para se

expressar. Existem três modalidades distintas que são alética, deôntica e epistêmica. Em se

tratando de modalidade deôntica, que será analisada neste trabalho, ela se relaciona à ação

discursiva do autor para o receptor.

Objetivo deste trabalho é analisar o uso do verbo modal “Ter de” na modalidade

dôntica do discurso informal entre duas colegas profissionais da área de Ciências Humanas

– uma, educadora, a outra, psicóloga, porém, com faixas etárias diferentes.

METODOLOGIA

O corpus utilizado foi o discurso oral, disponibilizado por escrito, sobre planejamento

educacional, realizado por duas mulheres, ambas residentes de Fortaleza- CE. Uma delas é

psicóloga e tem 26 anos de idade. A outra é educadora e tem 47 anos de idade.

Denominadas, respectivamente, de informante n.1 e informante n.2. A data do inquérito é de

21/12/1993.

Analisando as ocorrências de “Ter de”, segundo o critério de obrigação, os

resultados de cada informante foram comparados, organizados em um gráfico e

comentados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

A modalidade deôntica indica valores de obrigatoriedade ou de proibição, de

facultatividade e de permissão. Ocorre com os verbos no imperativo, no indicativo e

subjuntivo. O enunciador usa esta modalidade com a intenção de instruir o receptor em prol

de sua intenção, ou seja, dar uma ordem para o receptor, com o intuito de que seja

12

Graduanda em Letras-Português da Universidade Federal do Ceará.

Page 54: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

53

cumprida. Situada no eixo da conduta, impõe, proíbe ou autoriza algo. Tem o sentido de

obrigação no domínio do dever. E o verbo que marca este sentido é o verbo ter.

O gráfico demonstra que de todas 23 ocorrências da modalidade deôntica com valor

de obrigação, 15 são do verbo modal “Ter de”. Em todas as ocorrências existe a variante

“ter que” demonstrando marca oral e informalidade do discurso. Os valores de permissão e

de proibição não foram encontrados no uso do verbo ter.

Nas seguintes frases transcritas do discurso oral, observa-se exemplos destas

ocorrências:

1. “E A sobreMEsa então a gente pre-cisa ... teria que pensar né? uma coisa MUITO simples... agora se for o caso de fazer tem que ver isso logo né?”

2. “tem que ter um discurso, quem vai fazer o discurso?” 3. “então é assim se chegar TRInta pesSOa... aí chegar mais uma não aqui já não

cabe mas você terá que se dirigir a outra sala.”

Nas ocorrências não existe a idéia de hierarquia: aquele que profere a sentença

estando isento de obedecer àquela ordem. Não está definido quem especificamente deve

obedecer àquela ordem, mas alguém terá que cumprir. A ordem é direcionada a todo o

grupo de profissionais da escola onde trabalham as duas informantes.

Sendo assim, a função discursiva da 1 é encontrar alguém daquele grupo que

providencie a sobremesa e da 2, encontrar quem vai ter de fazer o discurso.

A função discursiva de 3 compreende na intenção de concretizar o planejamento.

Não é marcado por verbos no imperativo.

CONCLUSÃO

Por fim, uma breve reflexão a respeito da presença da modalidade deôntica no

discurso oral e informal, em parâmetro com o uso do verbo ter com o valor de obrigação.

Page 55: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

54

A modalidade deôntica é usada em discursos informais e formais, pessoais ou

impessoais. Através deste trabalho percebe-se realmente a noção de que o verbo modal

“Ter de” é bastante usado nessa modalidade com a pretensão de induzir alguém a fazer

algo e a sua variante “Ter que” é bastante comum na oralidade, em uma conversa informal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS http://www.lpeu.com.br/a/Modalidades-de%C3%B4nticas.html Acesso em: 04/06/2010 http://www.prof2000.pt/users/primavera/b642_modalid_deontic.htm Acesso em: 04/06/2010 http://www.alfa.ibilce.unesp.br/download/v51-1/04-Neves.pdf Acesso em: 04/06/2010 LOPES, Maria Fabíola. Modalidade deôntica e Língua inglesa: uma interface. Disponível em http://www.pucsp.br/pos/lael/intercambio/pdf/artigos_xvii/23_maria_fabiola_lopes.pdf. Acesso em: 04/06/2010

Page 56: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

SEÇÃO 6: ESTRUTURAS DE NEGAÇÃO

NEGAÇÃO: UM ESTUDO DE OCORRÊNCIAS NA LÍNGUA FALADA DE FORTALEZA13

João Luiz Teixeira de Brito14 INTRODUÇÃO

Esse artigo tem por objetivo analisar ocorrências de estruturas de negação na

língua portuguesa do Brasil, mais particularmente na cidade de Fortaleza, através dos

registros documentados no arquivo PORCUFORT (Português oral culto de Fortaleza),

organizado pelo Prof. José Lemos Monteiro (Ref.).

Nossas reflexões serão realizadas a partir dos estudos desenvolvidos durante o

presente semestre, na cadeira de Lingüística: Funcionalismo. Esses incluem pensadores

como Halliday, Givón, Dik e Hegenveld, entre outros, formadores de nosso direcionamento

funcionalista, o que, em nossa concepção, e para fins desse trabalho, quer dizer que nos

focaremos nas motivações e nas situações comunicativas que iniciaram e moldaram o

discurso de nossos informantes.

Não é pretensão da presente articulação dar conta de todo o universo lingüístico

que engloba a estrutura da negação em língua portuguesa da variante linguística de

Fortaleza, mas somente estabelecer uma discussão em termos funcionalistas a respeito de

determinadas secções do mesmo. Devido ao tempo de pesquisa e aprofundamento limitado

devemos nos contentar a tanto pelo momento. Entretanto, futuros estudos complementares

não estarão descartados.

O principal fundamento teórico pertinente a esse artigo, aparte do direcionamento

funcionalista ligado aos estudiosos citados acima, está no trabalho e discussão propostos

por Furtado(2001). A autora discute em seu estudo os mecanismos de negação em língua

portuguesa e os agrupa em três modelos principais: negação pré-verbal, negação pós verbal

e negação dupla. Partiremos de algumas de seus postulados e conclusões, que nos servirão

de base à análise, para em seguida, construir nossos próprios estudos sobre o tema e do

corpus retirar nossas próprias conclusões.

MÉTODO

A pesquisa foi feita a partir da extração de ocorrências do discurso de quatro

informantes ao total; nativos falantes da língua; todos com educação superior finalizada em

diversas áreas, variando entre eles as faixas etárias e os sexos. Trabalhamos com

13

Trabalho apresentado à disciplina de Lingüística: Funcionalismo, orientado pela Professora Dra. Claudete Lima 14

Graduando em Letras pela UFC. Endereço eletrônico: [email protected]

Page 57: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

56

depoimentos de dois homens (faixas etárias 1 e 3) e duas mulheres (faixas etárias 1 e 3).

Foram recolhidas vinte ocorrências de cada um dos quatro informantes. Totalizando oitenta.

Doravante reconheceremos os informantes por:

Inf. 1 – Homem, faixa etária 1. Arquivo Did 21 da compilação PORCUFORT Inf. 2 – Homem, faixa etária 2. Arquivo Did 10 da compilação PORCUFORT Inf. 3 – Mulher, faixa etária 1. Arquivo Did 09 da compilação PORCUFORT Inf. 4 – Mulher, faixa etária 2. Arquivo Did 12 da compilação PORCUFORT

Nosso estudo se dará, inicialmente, de modo separado levando em conta o sexo

dos informantes. Serão analisados independentemente de um lado o corpus provido pelos

dois informantes homens e do outro aquele legado pelas duas informantes mulheres, sendo

o principal fator diferencial nesses dois momentos a idade.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Tomaremos dois termos, princípios básicos do funcionalismo, como descritos por

Furtado da Cunha, por sua relevância na análise que desenvolveremos: marcação, que “diz

respeito à presença ou ausência de uma propriedade nos membros de um par contrastante

de categorias linguísticas” e gramaticalização que “focaliza a emergência, ao longo do

tempo, de novas estruturas morfossintáticas, a partir de precursores paratáticos, sintáticos

ou lexicais.”

Desses, a estrutura não marcada ou canônica seria precisamente a pré-verbal.

Sendo as outras duas, por consequência, marcadas. No entanto, é sugerido pela autora que

a estrutura de negação dupla vem se tornando cada vez mais comum, dado o esvaziamento

semântico sofrido pelo modelo da sentença canônica. De modo que a negação dupla

estabelece-se como capaz de realçar o significado desgastado da sentença negativa. E aqui

reside, possivelmente, a questão central de nosso argumento: a gradação experienciada

através dessas sentenças de negação dupla; dependencial dos termos utilizados por ela; as

variantes „não‟, „nem‟, „nada‟ e „nenhum(a)‟.

Tabela 1

NÃO NUM NADA NUNCA NEM NENHUM IMPLÍCITO

Inf. 1 18 - - - - 1 1

Inf. 2 13 7 - - - - -

Inf. 3 15 - 2 1 2 - -

Inf. 4 10 8 2 - - - -

TOTAL 56 15 4 1 2 1 1

Segundo nossas pesquisas, há uma variação na utilização dos termos, partículas

negativas, como demonstrado na tabela acima. A variante mais comum sendo, é claro, o

Page 58: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

57

„não‟ e seu alternativo „num‟. Houve, no entanto, só uma ocorrência na qual a negação

esteve implícita.

DESENVOLVIMENTO

Como foi dito anteriormente, são três as estratégias de negação oracional do

português brasileiro:

a) Negativa Canônica pré-verbal não + SV b) Negativa dupla não + SV + não (ou variante) c) Negativa final SV + não

É notável, no trabalho de Furtado, que as negativas não-canônicas, devido ao seu

caráter informal, são praticamente inexistentes no que concerne à produção escrita, na qual

impera a forma não marcada „não + SV‟. Desse modo, pareceu-nos pertinente que nos

detivéssemos ao discurso falado. No caso, os informantes entrevistados se encontram numa

situação semi-formal e espontânea, assim, foram capazes de nos prover com razoável

número de ocorrências não canônicas.

A tabela 2 demonstra as ocorrências encontradas nos textos com os quais

trabalhamos:

N + SV N + SV + N SV + N OUTRO TOTAL

Inf. 1 15 2 - 3 20

Inf. 2 19 - - 1 20

Inf. 3 12 4 - 4 20

Inf. 4 13 3 - 4 20

TOTAL 49 9 - 12 80

Apesar do número significativo de estruturas negativas duplas, não houve

ocorrência negativa final no corpus analisado. Isso nos remete novamente ao estudo de

Furtado da Cunha, no qual podemos verificar o mesmo fenômeno. Eis a justificativa

apresentada por ela, e que nos satisfaz:

A baixa freqüência de negativas pós-verbais parece estar relacionada ao instrumento de coleta de dados usado nesta pesquisa – gravação de relatos produzidos pelos falantes, com pouca tomada de turno pelo interlocutor, que apenas estimulava o falante ou mudava o assunto da entrevista. Assim, o corpus não representa conversação natural. A observação empírica do português falado revela que a negativa pós-verbal ocorre, preferencialmente, como resposta a perguntas diretas. (p. 9)

Page 59: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

58

Dado que a estrutura canônica é a regra, pensamos não haver necessidade de

aprofundamento em seu funcionamento, motivação ou semântica. Manteremo-nos focados,

também devido ao curto alcance desse artigo, às formas marcadas não-canônicas a que

tivemos acesso, sendo elas a estrutura de dupla negação anteriormente mencionada e

ocorrências marginais que serão relatadas aqui.

RESULTADOS: SEXO MASCULINO

O informante masculino de faixa etária mais avançada (Inf. 2) foi o mais canônico

dentre os observados. Como pode ser observado no quadro acima, ele utilizou por 19 das

20 vezes uma estrutura não-marcada. No entanto sua ocorrência marginal foi notável:

Não que essa ess/ s::/ grupos dominantes não tenha interesses (Inf. 2, p. 1)

Há uma negação aqui. No entanto o sintagma verbal que a acompanharia parece

irremediavelmente irrecuperável pelo contexto. E não está presente no restante da frase.

Essa é uma construção que somos capazes de resgatar somente enquanto falantes

proficientes nativos da língua. Resumíssemos a frase a sua estrutura básica, efetuando uma

troca por equivalência, teríamos:

Não [isto]

E o que está implícito aí é o sintagma verbal contendo o verbo ser e um possível

predicativo do sujeito. Colocando em ordem direta:

[Isto] não (é <verdade>)

O mesmo tipo de estrutura pode ser observada na fala da Inf. 4:

E não que vá ir... eh eh não que eu seja bela sabe ((sorriu)) mas muito pelo contrário... (P. 2)

Podendo haver uma reestruturação semelhante:

E não <isto>... eh eh não <aquilo>.

Sendo: Isto = (Eu) vá ir

Aquilo= Eu ser bela

Sem dúvida, um sintagma nominal é desenvolvido de forma explicativa. Mas, ao

que parece, a negação está intrincada fundamentalmente com um sintagma nominal.

Cabendo aqui uma proposta de alargamento do paradigma de estratégias de negação

Page 60: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

59

oracionais. No entanto, não cabe aqui esse aprofundamento. Ficaremos, por enquanto, na

observação do fenômeno.

O Inf. 1 foi mais eclético em suas escolhas. Possivelmente pelo fato de ser um

falante mais jovem dotado de forças sociolingüísticas inovadoras numa modalidade oral em

estilo coloquial. Em seu discurso, houve utilização da estrutura de negação dupla em duas

ocasiões e outros recursos foram utilizados por duas vezes.

Tem crianças que podem apresentar um retardo mental...ou não...certo? (Inf. 1, p.1) O caráter didático do discurso nesse momento é bem claro, apesar do nível de

informalidade. O que nos é permitido supor pela busca da confirmação por parte do

enunciador, checando se seu interlocutor acompanha seu raciocínio. É possível depreender

claramente o significado da sentença negativa implícita, possibilidade amplificada no

ambiente comunicativo em questão. Sabemos que o “ou não” convida o ouvinte a resgatar o

sintagma verbal anterior “apresentar”, a frase podendo ser reestruturada do seguinte modo:

Tem crianças que podem (ou não) apresentar um retardo mental, certo? (Inf. 1, p.4)

A negação está, portanto, deslocada. Apresenta, ainda sim, a mesma idéia

informacional: possibilidade alternativa; sim ou não; afirmação ou negação. Esse tipo de

deslocamento é próprio de uma situação comunicativa oral espontânea, como é o caso.

Outros exemplos no mesmo tipo de comportamento foram apresentados pelo Inf.1 em seu

discurso. O que pode nos levar também à conclusão de sua causa seja a estilística própria

do falante em questão.

RESULTADOS: SEXO FEMININO

De um modo geral, os resultados levantados dos inquéritos de informantes

mulheres foram bastante semelhantes entre si. Ambas fizeram uso eclético de estruturas de

negação. Variando de recusas simples:

Doc. - Antes do almoço a senhora num faz nenhum outro tipo assim de refeição? Inf. 3 – Não... porque... eu me alimento... (no café) (Inf. 3, p. 1)

A recusas absolutas:

Doc. - A senhora também costuma eh almoçar em acompanhada a família? Ou não? Inf.3 – Nunca... acontece de reunir a família porque... (Inf. 3, p.2)

Passando por estruturas que resgatam o sintagma verbal anterior:

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60

Gosto muito mesmo muito de calça comprida mesmo até ficar ((sorriu)) suja mesmo sabe? Só não <gosto muito de calça comprida até ficar suja> onde tem festa muito... eh... sociais, né? (Inf. 4, p. 1)

Até estruturas negativas ligadas a sintagmas nominais, como descrito

anteriormente, das quais a Inf. 4 fez uso em duas ocasiões. A uniformidade de resultados

entre essas duas informantes pode ser explicada, possivelmente, pela aproximação na

idade das duas. Apesar de se encontrarem em “faixas etárias” diferentes, segundo o nosso

conceito, a diferença entre as duas é de apenas 3 anos. Enquanto a diferença entre os

homens é de quase 20 (17 anos, para ser mais preciso).

O uso de estruturas canônicas e não-canônicas obedeceu a um padrão

basicamente igual. Ficando as estruturas canônicas entre 60 e 65 %; as ocorrências duplas

ficando em torno de 15%. Resultando, as últimas, em 7 casos, os quais, unidos às 2

ocorrências providas pelo Inf. 1, analisaremos em seguida.

A GRADAÇÃO EM NEGAÇÃO DUPLA

A questão das variantes se apresenta como relevante nesse momento, se levarmos

em conta que sua utilização influi e altera a corrente informacional desenhada pelo falante.

De modo que podemos identificá-las como distintivas (o caráter distintivo de dois pares

contrastantes foi inicialmente postulado pelas teses do Círculo Linguistico de Praga). Sua

relevância pode ser observada principalmente nas construções negativas duplas, nas quais

haverá uma gradação no significado imposto pela negativa de acordo com a variante final

que for escolhida pelo falante. Observemos na tabela abaixo que houve uma larga variação

nas estruturas utilizadas para formar a negativa dupla; sempre na posição final.

Tabela 3:

FINAL DUPLA NÃO (NUM) NADA NEM NENHUM(A)

Inf. 1 1 - - 1

Inf. 2 - - - -

Inf. 3 - 2 2 -

Inf. 4 1 2 - -

A utilização desses diferentes termos causa uma alteração no fluxo informacional

inferido pela negação. Se temos:

Num ligo muito pra isso não. (Inf. 4, p. 3) E:

Não gosto nada daquelas cores eu cheguei sabe? (Inf. 4, p. 1)

Page 62: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

61

Há um movimento, uma mudança de posição do segundo termo da negação, que

parece ser dependencial da escolha por „não‟ ou „nada‟. Como evidenciado aqui:

Aí tenho que ir de saia mas mas num sou muito chega à saia não sabe. (Inf. 4, p. 1)

Se a partícula negativa final viesse junto do verbo, parece que o termo natural a ser

utilizado seria „nada‟. Enquanto, vindo ela no final da sentença, seguindo SV e SN, a

escolha natural é „não‟.

Há também uma gradação, que nos parece anterior à enunciação, e à escolha do

termo. É o sentido que se quer imprimir ao texto: uma negação absoluta ou simples. O

mesmo se dá pela utilização dos termos restantes, mas por razões diversas. Nesses casos

há necessidade de imprimir uma continuidade à sentença de modo a demonstrar também

(ou não) gradação. Mas os termos „nem‟ e „nenhum‟, embora capazes de emitir gradação,

são de fato requisitados pela transitividade dos verbos negados.

Não consegui nem che/ sequer chegar perto... (Inf. 3, p. 5)

Aqui o objetivo final do falante era realizar uma ação que ia além do fato de „chegar

perto‟, que é complemento do sintagma verbal negado pela estrutura dupla. Há uma

correlação entre os dois períodos e isso é demonstrado através do uso do termo „nem‟.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nossa pesquisa, nos propusemos a fazer um recorte no que está relacionado às

estruturas negativas utilizadas por falantes nativos da variante do português na cidade de

Fortaleza através dos discursos documentados no arquivo PORCUFOR.

Usando como base as teorias funcionalistas de grandes estudiosos da linguagem e, mais

especificamente, o trabalho de Furtado da Cunha, desenvolvemos uma análise do discurso

de quatro informantes, os quais nos proveram com exemplos vívidos da utilização desses

mecanismos de negação.

As considerações realizadas nesse artigo não têm pretensão de serem finais e são

menos ainda arbitrárias. Estudos posteriores e complementares deverão ser implementados

de modo a aprofundar a discussão posta acima. No entanto, desde já ficam propostas as

análises qualitativas e quantitativas realizadas no curso desse trabalho, como também uma

breve apresentação de uma teoria da gradação em negativa. Todas essas sujeitas a

discussões e reformulações. Mas, pelo presente momento, encerradas.

Page 63: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

62

REFERÊNCIAS FURTADO DA CUNHA, M. A. O modelo das motivações competidoras no domínio funcional da negação. Revista Delta – Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v.17, n. 1, São Paulo, 2001. MONTEIRO, José Lemos (org.) O português oral culto de Fortaleza – PORCUFORT. Disponível na Internet via web Em Junho de 2010: http//www.geocities.com/Paris/Cathedral/1036.

Page 64: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

SEÇÃO 7: GRAMATICALIZAÇÃO DO ONDE

A GRAMATICALIZAÇÃO DA FORMA ONDE

André Queiroz Michely Rodrigues Quinto

INTRODUÇÃO

Nossa pesquisa busca destacar e classificar as mudanças lingüísticas pelo qual

passa a palavra “onde” ao assumir valores não-preconizados pela gramática tradicional,

mudanças que são utilizadas principalmente na oralidade e na escrita de textos informais

pelo fato de sofrerem menos pressões sociais do uso correto da língua. Observamos a partir

da leitura de inúmeros blogs e sites de publicação de textos informais o uso do item “onde”

em diferentes estruturas linguísticas e exercendo diferentes funções.

Corpus: Blogs e sites de publicação de conteúdo informal.

Objetivo: estudar diacronicamente a forma onde, analisando-lhe os valores

sintático-semântico-discursivos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Tradicionalmente a gramaticalização é descrita em termo de itens gramaticalizados

ou em processo de gramaticalização. O termo item, todavia, não dever ser entendido

apenas como uma unidade lingüística independente. Percebe-se claramente a

gramaticalização quando um item lexical/construção passa a assumir, em certas

circunstâncias, um novo status como item gramatical ou quando itens gramaticais se tornam

ainda mais gramaticais, podendo mudar de categoria sintática (recategorização), receber

propriedades funcionais na sentença, sofrer alterações semânticas e fonológicas, deixar de

ser uma forma livre e até desaparecer como conseqüência de uma cristalização extrema.

Em nosso caso observamos várias vezes o item lexical “onde” ser utilizado como pronome

relativo retomando um antecedente (palavra ou expressão anterior a ele), representando-o

no início de uma nova oração. O problema diagnosticado foi que esses itens “onde” não se

referem mais somente a um lugar mencionado anteriormente e sim a conjunto de palavras

que não detonão lugar.

Para melhor compreender nosso artigo é importante notar o papel da gramática

normativa, a gramática que busca ditar, ou prescrever, as regras gramaticais de uma língua,

posicionando as suas prescrições como a única forma correta de realização da língua,

categorizando as outras formas possíveis como erradas.

Page 65: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

64

O QUE DIZ A GRAMÁTICA NORMATIVA SOBRE O ITEM LEXICAL “ONDE” ?

Onde, em termos de classe gramatical, pode ser pronome relativo ou advérbio

(interrogativo de lugar: Onde estás?).Porém quando assume a classificação de pronome

relativo refere-se impreterivelmente a um substantivo antecedente de lugar. Exemplo:

“O país onde eu moro é lindo.”

O antecedente, explícito ou implícito, é um lugar ou a própria palavra lugar.

BREVE COMENTÁRIO SOBRE A GRAMÁTICA FUNCIONAL:

É uma gramática do uso - ela busca, essencialmente, verificar como se processa a

comunicação em uma determinada língua, e, para isso, não assume como tarefa descrever

a língua enquanto sistema autônomo, e, portanto, não desvincula as peças desse sistema

das funções que elas preencham.

QUAIS SÃO AS MUDANÇAS LINGUÍSTICAS QUE O ITEM “ONDE” SOFRE?

Ele tem sido usado amplamente como se fosse universal, apresentando o mesmo

valor de "que, quando, cujo, no qual".

Vejamos os exemplos da professora Maria Tereza de Queiroz Piacentini, que estão

disponíveis no site do Instituto Euclides da Cunha:

"Ambos arranjaram empregos vantajosos, onde colocavam muitas esperanças". O relativo onde foi usado de maneira errônea porque, apesar de "empregos" ser

aparentemente um lugar, a sintaxe é outra: diz-se que ambos colocaram esperanças EM

empregos, NOS empregos vantajosos que arranjaram. E é essa preposição que deve

aparecer na oração subordinada: "Ambos arranjaram empregos vantajosos, nos quais

colocavam muitas esperanças".

Vejamos então outras frases que são consideradas erradas de acordo com a

norma-padrão (culta) e, portanto não aceitas em concursos, provas e redação oficial (o

asterisco marca a presença de erro na frase):

Fez várias declarações de amor, onde fica evidente o desejo de reatar o namoro. Quais são as modalidades onde seu filho é campeão? Vamos assistir a um espetáculo bem brasileiro, onde Maitê faz um pequeno papel. Isso parece responder a uma construção teórica bastante curiosa, onde os sujeitos

do presente encontram um lócus historiográfico que reconhece o seu papel. Vão focalizar os jovens e a família onde a doença foi detectada. A internet é uma grande chance de trabalhar um modelo pedagógico onde o poder

constitutivo da ação do sujeito seja valorizado. As mesmas frases, corrigidas, ficam assim:

Fez várias declarações de amor, nas quais fica evidente o desejo de reatar o namoro.

Page 66: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

65

Quais são as modalidades em que seu filho é campeão? Vamos assistir a um espetáculo bem brasileiro, no qual Maitê faz um pequeno

papel. Isso parece responder a uma construção teórica bastante curiosa, na qual os

sujeitos do presente encontram um lócus historiográfico que reconhece o seu papel. Vão focalizar os jovens e a família em que a doença foi detectada. A internet é uma grande chance de trabalhar um modelo pedagógico em que o

poder constitutivo da ação do sujeito seja valorizado.

COMO O USO COTIDIANO FUNDAMENTADO NA GRAMÁTICA FUNCIONAL PODE MODIFICAR E INFLUENCIAR A GRAMÁTICA NORMATIVA? - O CICLO FUNCIONAL DE GIVÓN

A origem do processo teria, pois, uma motivação pragmático-discursiva, por isso,

alguns autores postulam estágios ou etapas da gramaticalização como o ciclo funcional de

Givón. O esquema do autor busca representar os processos de regularização do uso da

língua em termos diacrônicos: Discurso > Sintaxe > Morfologia > Morfofonologia > Zero. Em

princípio, itens lexicais/construções começam a ser utilizadas casualmente no discurso e,

embora possam ter determinada função gramatical, seu uso não é sistemático e fixo. Por

conta da sua repetição, tal forma ou construção torna-se mais regular com determinada

estruturação sintático-morfológica. O item/construção se cristaliza morfologicamente

perdendo paulatinamente sua variabilidade sintagmática: sua ordem torna-se mais rígida,

não podendo, por exemplo, sofrer inversão ou intercalação de elementos (morfologia). Por

conta da freqüência de uso pode ainda sofrer algum tipo de alteração fonológica (erosão) e

desaparecer.

Caso atinja ao zero, outro item ou construção é recrutado para substituí-lo formal e

funcionalmente, recomeçando o ciclo funcional. Há outras perspectivas semelhantes como é

o caso dos diferentes estágios de gramaticalização: sintaticização, morfologização, redução

fonológica, estágio zero (reinstauração de todo o processo).

FRASES DESTACADAS DO CORPUS E CLASSIFICAÇÕES:

“31 sites onde achar imagens para o seu blog...” – nocional (blosque.com/.../31-sites-onde-achar-

imagens-para-o-seu-blog-guia-de-uso-de-imagens.html)

“Blog onde você encontra muitas curiosidades sobre fatos curiosos e criativos.” – nocional (www.tatlia.com/www.bocaberta.org)

“Damos bom-dia no Twitter (um negócio onde se fala sozinho) e não damos bom-dia pro vizinho no elevador.” – discursivo (twitter.com/prispalma)

"O astronauta brasileiro Marcos Cesar Pontes pode embarcar para a Estação Espacial Internacional em uma espaçonave russa. Pontes deveria viajar com os americanos, onde treina desde 98, mas problemas nos dois países tornaram isso pouco provável." –lugar (www1.folha.uol.com.br/folha/.../ult2675u2.shtml)

Page 67: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

66

“Pode-se verificar o ganho obtido nos projetos onde se faz uma boa gestão de pessoas.”- nocional (www.ietec.com.br/site/techoje/categoria/detalhe.../684)

“Viva o povo brasileiro, um povo onde a vida não vale nada e mata-se por qualquer motivo sem nenhum pudor.” – relativo não-padrão (recantodasletras.uol.com.br)

“O termo economia de mercado descreve uma economia onde as decisões econômicas sejam determinadas pelos indivíduos.” relativo não-padrão (wikipedia.qwika.com)

“Poesia que fale sobre a vida onde está tudo bom e de repente termina.” – discursivo (br.answers.yahoo.com/question/index?qid)

“É batizado como a tese onde os semelhantes curam-se pelos semelhantes.” – relativo não-padrão (www.blogdacomunicacao.com.br/um-pouco-mais-sobre-a-homeopatia/)

“As principais infrações onde não se prevêem multas foram duramente criticadas” – nocional (jus2.uol.com.br)

“Descrente do amor, fecha-se no trato difícil, agressivo, revoltado, hostil ou na indiferença, no mutismo, na tristeza onde tudo perdeu o valor”- nocional (www.espirito.org.br ›... ›Visão Espírita

do Idoso)

“Onde você vai passar a eternidade?” – interrogativa (www.evangelizacao.blog.br/onde-voce-

passara-a-eternidade.aspx)

"Só uma humanidade onde reine a civilização do amor poderá gozar da paz autêntica e duradoura"- nocional (www.cancaonova.com/portal/.../internas.php?id)

CÁLCULO DA FREQÜÊNCIA DO “ONDE”

Cálculo da freqüência do uso do item “onde” gramaticalizado: Encontramos muita

dificuldade em calcular a freqüência de uso do “onde”, pois começamos a analisar corpus

formais: teses de mestrado,artigos acadêmicos,etc. A freqüências em corpus como estes

que passam por várias correções e revisores é quase zero,os raros exemplos encontrados

são o “onde” pronome relativo que refere-se a um lugar nocional o que às vezes é permitido

pela gramática por ser a definição do que é lugar ainda tema de discussão.

O “onde” gramaticalizado aparece com mais freqüência no corpus analisado por

esse artigo,ou seja, blogs e sites de publicação de conteúdo informal, pois existe nesses

uma menor necessidade de uma escrita formal tão agressiva.Existe uma pressão social

intensa para combater o uso indevido do “onde”,o que nos fundamente a fase tal afirmação

foi a nossa incansável leitura de mais de quarenta blogs e sites de publicação de conteúdo

informal a procura do “onde” gramaticalizado.Calculando que lemos aproximadamente

duzentas páginas fazemos o seguinte cálculo:

200 páginas = 21 ocorrências

Então o número de ocorrências por página é de aproximadamente 0,105

ocorrências por página. 0,105 ocorrências/página

Essa freqüência é muito baixa mesmo em corpus informais.

Page 68: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

67

CONCLUSÃO

O item lexical “onde” quando utilizado com função linguistica não preconizada na

gramática tradicional é extremamente mal visto e mal concebido, contribuindo para que

nesse momento seja muito difícil a inclusão das suas variáveis numa gramática

tradicional.Nos surpreendemos ao encontrar poucas ocorrências no amplo corpos que

selecionamos e concluimos que o resultado disto é a constante pressão social que afirma

que textos bem escritos não devem utilizar o “onde” em suas variáveis não gramaticais, pois

isto contribui para o empobrecimento do texto e uma possível descredibilidade do leitor em

relação ao autor do texto.

ANEXO 1 DE MAIS FRASES DESTACADAS DO CORPUS

“Não é que continuo deletando 'amigos' do skype, do msn, do orkut, facebook e onde mais eles estavam? Aiaiaiaiaiaiai… Eu sempre usei a frase 'ao vencedor, ...” mulhersingular.wordpress.com/page/3/?archives-list=1-ONDE ABSTRATO.NOCIONAL “Ja percebi onde a Nike se inspirou para o azul e vermelho do fato de treino de Portugal. É uma homenagem a Cabo Verde. Só pode...” twitter.com/josebaldino/statuses/14641644230 - Em cache- NOCIONAL “Agora, como você pode ver, existe um decote onde nao teve como separar o corpo do vestido, sendo assim, ainda usando a "Pen Tool" presione "Shift" e... ” insanaidade.webnode.com/.../photoshop-mude-as-cores-de-suas-roupas/ -Em cache - Similares-LUGAR “<br>Não digas desde onde és Deus.<br>Não fales palavras vãs.<br>Desfaze-te da vaidade triste de falar.<br>Pensa,completamente silencioso,<br>Até a glória de ...” www.pensador.info › autores › cecília meireles - Em cache - Similares-DISCURSIVO “25 fev. 2010 ... Onde foi que você leu minha lamúria a respeito da resistência tupinambá ao moderno? Fiquei preocupado: será que temos algum blog clone por ...” www.revistapiaui.com.br/.../A_favela_deveria_ser_incluida_na_Olimpiada.aspx - Em cache-interrogativa “1 abr. 2010 ... O grupo foi visto na última quarta-feira (31) visitando a torre Eiffel, onde a atriz teen de Feiticeiros de Waverly Place tirou várias fotos ...” ofuxico.terra.com.br/.../selena-gomez-curte-paris-com-a-familia-e-os-amigos-141296.htm - Em cache- LUGAR “... eu uso muitos cotonetes para limpar, ela veio de onde eu comprei com fungo e ta passando pra mim, enfim to perdidão me ajuda please!...” www.ciadogatopersa.com.br/forum2/viewtopic.php?id... - Em cache-LUGAR “\o/ Onde eles se reuniram no final dos anos 90, para tocarem... Alguns anos depois, Justin Holman - (vocal), Robert Davis - (guitar), Nathaniel Cox...” www.lastfm.com.br/music/Fuel/+similar - Em cache- LUGAR

Page 69: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

SEÇÃO 8: ORAÇÕES TEMPORAIS

ANÁLISE FUNCIONALISTA DE ORAÇÕES TEMPORAIS EM RELATOS DA REVISTA SELEÇÕES

Mª Neurielli Cardoso15

Sávio André Cavalcante16 INTRODUÇÃO

Aplica-se o nome Linguística à ciência que estuda a língua, seus comportamentos e

ocorrências nas comunidades discursivas. Surgida no século XIX, baseada em estudos

realizados pelo pesquisador Ferdinand de Saussure, é desenvolvida em torno de duas

grandes correntes: o estruturalismo ou formalismo e o funcionalismo.

O formalismo encara a linguagem como um fenômeno mental, tratando a língua

como um rígido sistema autônomo, regido por relações de imanência, servindo somente

como expressão dos pensamentos. Há um foco para a estrutura de um modo geral, visando

à competência gramatical. A gramática é considerada um sistema de regras, que se

organizam em torno da frase. Segundo o estruturalismo, as orações da língua são descritas

sem levar em consideração o contexto ou a situação de produção, muito menos o grau de

afetação das ideias que o emissor pretende atingir frente ao receptor.

Por outro lado, a corrente funcionalista encara a linguagem como um fenômeno

social, sendo a língua um instrumento maleável de interação e não-autônomo, em que a

necessidade de comunicar orienta a organização estrutural da frase. O foco é a

competência comunicativa, tratando o produtor das sentenças como hábil para interagir

socialmente e competente para utilizar as estruturas lingüísticas de forma a alcançar o

outro17.

O funcionalismo tem suas origens a partir dos trabalhos dos membros do Círculo

Linguístico de Praga (CLP), que procuraram estabelecer relações entre a estrutura das

línguas e suas funções. Porém, Antoni e Fuza (2009), dissertam acerca dos termos função e

funcionalismo mostrando que:

Os termos função e funcionalismo são recorrentes na Escola Linguística de Praga, mas a interpretação desses vocábulos torna-se tarefa complexa, haja vista que, o conceito é aplicado a vários domínios e fenômenos da linguagem, sofrendo modificações e, em alguns casos, o termo funcional é usado em um sentido vago. (p. 24)

15

Mª Neurielli Figueiredo Cardoso, graduanda em Letras-Espanhol pela Universidade Federal do Ceará; contato: [email protected] 16

Sávio André de Souza Cavalcante, graduando em Letras-Espanhol pela Universidade Federal do Ceará; contato: [email protected] 17

Cf. Bühler (1879 – 1963, apud GOUVEIA, 1998) e Jakobson (1896-1983, apud GOUVEIA, 1998).

Page 70: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

69

Halliday (1985), um dos principais funcionalistas modernos, prefere deixar o termo

função livre para outras utilizações, propondo metafunções para a linguagem, as quais são:

a ideacional, a interpessoal e a textual.

Quanto à gramática, o funcionalismo prevê gramáticas formalizadas e não-

formalizadas, ambas dependentes dos sistemas semântico, pragmático e algumas vezes,

discursivo. Exemplos de gramáticas formalizadas são as propostas por Dik (1989) e

Hengeveld (2004, apud CÂMARA, 2006). Já Givón (1993) sugere uma gramática não-

formalizada, motivada e não-arbitrária, levando a crer que há uma relação entre forma e

função, refletindo o princípio da iconicidade. Nesse aspecto, é importante salientar que não

obrigatoriamente toda a gramática é motivada e que a relação forma/função nem sempre é

100% icônica (LIMA, 2009, p. 33).

Lima (2009, p.35) explica que “outra forma de entender a iconicidade é

relacionando-a à marcação, entendida como os correlatos distribucionais e cognitivos da

estrutura sintática”. Lima (2009) também mostra que Givón (1991b, 1995) propõe três

critérios para se fazer distinção entre categorias marcadas e não-marcadas: a complexidade

estrutural, a freqüência e a complexidade, sendo estes dois últimos associados ao relevo

discursivo (fenômeno figura e fundo). O linguista também avalia, com base nesses critérios,

vários outros fenômenos, entre eles, os tipos de orações (orações subordinadas/principais)

que serão foco desse trabalho.

Quanto às orações, Neves e Braga (1998, p. 3) explicam que a análise funcionalista

leva em consideração a articulação das orações, ou seja, a “relação entre uma oração

tradicionalmente considerada „adverbial‟” e a oração que as pesquisadoras denominam

nuclear.

Com base no exposto supra, o trabalho que se segue pretende analisar, subsidiado

pela visão funcionalista, as motivações discursivas no emprego de orações temporais. A

justificativa para o presente trabalho explica-se pela necessidade de dar uma contribuição,

mesmo que mínima, à descrição do português com base nos estudos funcionalistas.

O artigo foi dividido em 5 partes. Logo após a presente introdução e a metodologia,

serão relacionadas, com base na variável posição, as demais variáveis, explicando suas

motivações através de gráficos que darão à exposição uma leitura mais objetiva e revelarão

uma organização estrutural do trabalho de forma que as ideias fiquem claras e possam ser

facilmente absorvidas.

METODOLOGIA

A presente pesquisa é de natureza qualitativa no que tange à necessidade de dar

uma contribuição aos estudos funcionalistas da linguagem. Apresenta, porém, dados

quantitativos, visto que há um trabalho com variáveis e número de ocorrências. Como

Page 71: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

70

mencionado anteriormente, a pesquisa foi realizada à luz da perspectiva funcionalista com a

utilização de autores como Givón (1993) para apresentar e explicar os resultados obtidos, a

partir do princípio da iconicidade, proposto pelo lingüista.

O corpus foi retirado de uma seção da Revista Seleções, nome que recebem as

versões brasileira e portuguesa da Revista Reader's Digest. A seção escolhida é intitulada

Ossos do ofício em que profissionais de diversas áreas relatam experiências engraçadas

que ocorreram em seus trabalhos. Optou-se por trabalhar com essa seção, primeiramente

por se tratar de ser um gênero narrativo e, por consequência, o fenômeno analisado ser

mais frequente; o outro critério foi a informalidade, pois se tratam de relatos narrados de

maneira divertida, sendo assim pouco formais. E por fim, é importante lembrar que, por ser

uma revista de publicação internacional, foram selecionados, para este trabalho, apenas

relatos de brasileiros com a finalidade de dar maior credibilidade à pesquisa.

Foram selecionadas edições publicadas durante 4 anos da Revista Seleções, os

quais foram: 2002, 2003, 2008 e 2009, o que, à primeira vista, pode parecer uma quantidade

exorbitante para um trabalho curto, porém como já foi dito, foram selecionados apenas os

relatos de pessoas brasileiras, reduzindo assim as ocorrências. Foram retiradas apenas

quarenta e sete (47) ocorrências de orações temporais a serem analisadas com base nas

seguintes variáveis: posição (oração anteposta, intercalada, posposta em relação à nuclear),

tipo (desenvolvida e reduzida) e relação temporal (anterioridade, simultaneidade e

posterioridade).

Após a coleta, as ocorrências foram organizadas em forma de gráficos, que, como

foi dito, auxiliarão a análise, a qual será construída também por meio de comparações entre

as orações encontradas para mostrar ao leitor a ocorrência e as interpretações para os

fenômenos descritos.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Das 47 ocorrências coletadas, várias considerações puderam ser verificadas.

Relacionando-se tipo e posição, pôde-se perceber que há uma preferência pela utilização de

orações desenvolvidas, conforme se vê no gráfico 1 abaixo:

Page 72: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

71

Gráfico 1

Tal fenômeno pode ser explicado pelo fato de que as orações desenvolvidas

apresentam, em sua estrutura, a conjunção temporal, geralmente a conjunção quando, que,

segundo Carmelino (2001, p. 3) “introduz as construções temporais, ou seja, as que

denotam o tempo da realização do fato expresso na oração principal”. As desenvolvidas são

preferidas pelo falante por exporem claramente a noção de tempo, o que não acontece com

a oração reduzida, em que o verbo é posto em uma das formas nominais e há uma omissão

da conjunção temporal, deixando mais vaga a relação temporal. Os exemplos (1) e (2)

ilustram o exposto:

(1) Quando olhei a folha, estava escrito: (maio 2003/p. 27) (2) Ao sair da sala e deparar com o referido senhor, ela não hesitou e lhe disse:

(maio 2002/p. 29)

Durante a coleta, percebeu-se que houve também uma predileção pela anteposição

das orações temporais em relação ao seu núcleo ou oração principal. Empreendeu-se,

portanto, uma busca pela motivação da anteposição das orações e foi constatado que há

uma estreita relação entre posição e relação temporal. Com base nesse fato, a análise se

voltará agora para a exposição dessa relação.

Com relação à colocação da oração temporal antes da nuclear, foi notado que a

anteposição é motivada pela anterioridade do fato, ou seja, quando o falante vai narrar algo,

ele organiza a oração de acordo com a ordem dos acontecimentos. Sendo assim, se o fato

exposto pela temporal tiver se passado antes do narrado pela nuclear, a adverbial será

colocada antes. O fato é previsto por Givón (1991a,1995), em seus princípios de

iconicidade, em que considera a ordem das orações de acordo com a ordem dos eventos. A

preferência pela anteposição das orações também pode ser explicada à luz de outros

Page 73: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

72

aspectos da iconicidade givoniana, pois, de acordo com o lingüista, as informações mais

importantes ou mais urgentes são as primeiras a serem narradas.

Das 25 antepostas, houve uma preferência pelas desenvolvidas, fato que já foi

explicado anteriormente e, observando a relação temporal, a maioria dos fatos narrados

carrega anterioridade ou simultaneidade. A prova maior é que não foi encontrada nenhuma

ocorrência de oração anteposta com relação temporal de posterioridade. Esses fatos podem

ser melhor verificados no gráfico abaixo:

Gráfico 2

Quanto às intercaladas, o gráfico que se seguirá mostra que elas podem assumir

diferentes posições com relação à organização temporal. Embora sejam intercaladas, esse

tipo de oração tem mais relação de dependência com uma das duas orações próximas.

Geralmente quando a intercalada está mais relacionada com outra oração que a sucederá,

então há aí relação de anterioridade:

(3) Absorta na conversa de negócios com o passageiro que se sentou no banco da

frente, somente quando cheguei ao elevador me dei conta de que os outros dois clientes não nos acompanhavam. (jun. 2002/p.32).

O que já era de se esperar também pode ocorrer: as orações intercaladas

encerrarem relação temporal de simultaneidade, embora em menor ocorrência:

(4) Estávamos encerrando a programação de setembro quando nosso gerente teve

dúvida quanto às datas de uma exposição organizada pela embaixada do Japão. (set. 2003/p. 28-29)

Também faz-se necessário explicar que geralmente orações com gerúndio

favorecem a ocorrência temporal de simultaneidade:

Page 74: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

73

(5) Chegando à sala de espera do escritório, notei que algumas pessoas olhavam para mim de um jeito engraçado (jan. 2002/p. 26)

Após essa exposição sobre as temporais intercaladas, eis o gráfico que elenca os

dados quantitativos e referenda os qualitativos:

Gráfico 3

Por fim, seguem-se os dados das ocorrências com orações pospostas, que, à

semelhança das antepostas, e consoante o princípio de iconicidade, revelam a estreita

relação posição/relação temporal. Ocupando a segunda posição quanto à aparição, levando

em consideração as ocorrências de antepostas e intercaladas, verificou-se que quatro das

nove orações pospostas encerram relação temporal de posterioridade, por motivos já

explicados. Exemplos:

(6) Logo pensei: alguém desobedeceu às ordens, fotografou e já vai ser demitido

antes mesmo de começar a trabalhar. (mar. 2009/p.159) (7) O telefone tocou, ela atendeu e conversou com o paciente, até que este

perguntou o valor da cirurgia. (fev. 2009/p.142)

Entre as pospostas, somente uma trouxe valor de anterioridade, a saber:

(8) Fiquei surpresa ao verificar o "assunto" de uma das mensagens. (dez.

2008/p.159)

Essa ocorrência parece aparentemente contraditória levando em conta o que foi

dito até agora, mas pode ser explicada pautando-se em dois motivos: o primeiro, já foi

mencionado no início deste trabalho, é o fato, exposto por Lima (2009, p.33), de que “o

princípio da iconicidade (...) precisa ser visto com cautela, para não se cair na inadequação

de postular que a relação forma/função é 100% icônica”. O segundo motivo pode estar

relacionado ao fato de que ocorrências como estas não firam o princípio da iconicidade,

Page 75: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

74

considerando-se que talvez o falante tenha colocado o sintagma verbal na frente, pois, para

ele, o mais importante seria o fato de ter ficado surpreso e não o porquê da surpresa. O

princípio givoniano se aplica aí, quando considera que o mais importante é dito logo no

início.

Outro dado importante é que, das mesmas 9 pospostas encontradas, 5 encerram

noção de simultaneidade, quase sempre com verbos no gerúndio:

(9) Estava terminando de atender um paciente na enfermaria do hospital, quando uma

colega me chamou para ir ao posto. (nov. 2008/p.159) (10) Estava trabalhando numa clínica veterinária, quando meu celular tocou.

(nov. 2008/p.158) (11) Estava começando no departamento de suporte a clientes, na área de

informática, quando um homem solicitou um atendimento para solução de vários problemas no seu computador. (jan. 2003/p. 21)

Ao final, segue-se o gráfico com os resultados das ocorrências de orações

adverbiais temporais pospostas juntamente com suas respectivas relações temporais:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho propôs-se inicialmente a analisar, com base em estudos

funcionalistas, as motivações discursivas que levam o falante a organizar suas orações,

neste caso em particular, optou-se por trabalhar com orações adverbiais temporais em

relatos cômicos, em virtude de estes serem pouco formais.

Com base nos resultados apresentados na seção anterior, por meio de gráficos e

exemplos, percebeu-se que houve uma preferência pela utilização de orações

desenvolvidas e também uma predileção pela anteposição das orações temporais em

relação ao seu núcleo ou oração principal em uma parte bem considerável das ocorrências

analisadas.

Page 76: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

75

Outro fator importante que foi necessário para explicar ordenação temporal nas

análises realizadas foi o principio da iconicidade na perspectiva givoniana. Segundo Givón

(APUD LIMA-HERNANDES, 2006), as orações devem preferencialmente ser ordenadas

segundo as relações conceptivas ou temporais, decorrentes dos fatos ou estados de coisa

que designam, e tal fato é encontrado em nossas análises, pois os autores dos relatos

preferiram estruturar suas narrativas com base na sequência temporal. Percebeu-se

também que o uso do gerúndio motiva a simultaneidade dos fatos, sendo também

explicados pelos princípios de Givón (1991a, 1991b, 1993, 1995).

Outro aspecto importante a ser ressaltado também é reflexo dos princípios de

iconicidade: é o fato de que a anterioridade das temporais também pode ser explicada pelo

seu grau de importância, pois, segundo Givón (opus cit), o que é mais importante e urgente

é dito em primeiro lugar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTONI, Juliano Desiderato; FUZA, Ângela Francine. As construções condicionais em uma perspectiva funcionalista no livro didático de língua portuguesa. Revista voos: Revista Eletrônica Polidisciplinar da Faculdade Guairacá. Ano 01, n. 01, p. 23-34, jul. 2009. Disponível em: <http://www.revistavoos.com.br/edicoes/2009/volume1/CadernoLetras/ Linguisticos/PDFs/ 02_Vol1_VOOS2009_CL1.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2010, 01:02:00. CÂMARA, Aliana Lopes. Multifuncionalidade e gramaticalização de já no português falado culto. Dissertação de Mestrado. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista, 2006, p. 25-38. CARMELINO, A. C. . Um estudo da oração subordinada introduzida por QUANDO. In: XLIX Encontro do Gel, 2001, Marília. Anais do XLIX Encontro do Gel. Marília : Editora Fundação Eurípides Soares da Rocha, 2001. DIK, S.C. The theory of functional grammar. Dordrecht:Foris Publications, 1989. GIVON, T. “Isomorphism in the grammatical code: cognitive and biological considerations” in: Studies in language 15-1. Philadelphia: J. Benjamins, 1991a GIVON, T. Markedness in grammar: distributional, communicative and cognitive correlates of syntactic structure. Studies in Language, 15.2. 90-8. Oregon: University of Oregon. 1991b.9 GIVON, Talmy. English grammar: a function-based introduction. Amsterdam: John Benjamins. v.1, 1993. GIVON, Talmy. Functionalism and grammar. Philadelphia, J. Benjamins, 1995. GOUVEIA, Carlos A. M. Comunicação e funções da linguagem. Língua. Volume de Didacta: Enciclopédia Temática Ilustrada. s/l: FGP-Editor, 1998. p. 31-35. HALLIDAY, M.A.K. An introduction to funcional grammar. Australia: Edward Arnold, 1985. LIMA, M. C. A não-atribuição de causalidade na Crônica Geral de Espanha de 1344. Tese de Doutorado. PPGL – Universidade Federal do Ceará, 2009, p. 33-36 LIMA-HERNANDES, M. C. P. . O princípio da iconicidade e sua atuação no português do Brasil. Filologia e Lingüística Portuguesa, v. 8, p. 83-96, 2006. Disponível em: http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/mariacelia_a13.pdf. Acesso em: 08 jun 2010, 08:45:31. NEVES, Maria Helena de Moura; BRAGA, Maria Luiza. Hipotaxe e Gramaticalização: uma Análise das Construções de Tempo e de Condição. DELTA, São Paulo, v. 14, n. spe, 1998. Available from <http://www.scielo.br/ scielo.php? script =sci_arttext&pid =S0102-44501998000300013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07 jun 2010. doi: 10.1590/S0102-44501998000300013.

Page 77: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

ORAÇÕES TEMPORAIS SOB UMA PERSPECTIVA FUNCIONAL

Camila Stephane Cardoso Sousa18

Glenda Miranda Moura19

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, serão apresentadas, a partir de uma visão funcional do estudo da

língua, ocorrências de orações temporais em gêneros distintos, a saber, biografia e

entrevista. Partimos do pressuposto de que as ocorrências refletem escolhas do

falante/escritor e, portanto, tem funções diferentes conforme o contexto no qual são

analisadas, embora sejam, segundo a Gramática Tradicional, sempre classificadas como

orações subordinadas adverbiais temporais.

Percebemos, ainda, ao nos determos à análise do corpus, que há uma diferença na

posição (anteposta, intercalada ou posposta) e no tipo (desenvolvida ou reduzida) das

orações colhidas, o que está relacionado ao gênero textual. Consideramos, portanto, a

hipótese de que a elaboração textual que algumas estruturas genéricas exigem, permite que

modelos mais formais da língua sejam utilizadas, em comparação a gêneros que permitem

usos mais coloquiais.

Nosso interesse é de apontar que, diferente do que postula a Gramática

Tradicional, a língua deve ser entendida a partir da interação social, não sendo, assim,

apenas estratificada e categorizada enquanto fechada em suas funções atribuídas de

maneira restrita enquanto Orações Subordinadas Adverbiais, sem considerar sua relação

com a oração principal e o modo como são dispostas dentro do período.

METODOLOGIA

Para compor nossa análise, coletamos 21 ocorrências de orações temporais no

gênero biografia e 22 ocorrências no gênero entrevista. A biografia da qual retiramos as

ocorrências (Renato Russo: o trovador solitário) versa sobre a vida do cantor e compositor

Renato Russo. As demais ocorrências foram retiradas de excertos de várias entrevistas,

realizadas com o artista, reunidas em uma mesma publicação (Conversações com Renato

Russo). A referência completa de ambas as obras podem ser encontradas ao final do

trabalho.

Depois de recolhidas, as orações foram analisadas a fim de que pudéssemos

perceber: (i) se eram de fato orações temporais ou apenas locuções adverbiais; (ii) a

18

Aluna da graduação do curso de Lingua Portuguesa e Respectivas Literaturas. Correio eletrônico:

[email protected]. 19

Aluna da graduação do curso de Lingua Portuguesa e Respectivas Literaturas. Correio eletrônico:

[email protected]

Page 78: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

77

posição que ocupavam em relação a oração principal; (iii) seu tipo; (iv) a noção de

temporalidade que expressão em relação a principal. Por fim, com base na abordagem

funcionalista dos estudos da linguagem, vemos como tais estruturas podem ser analisadas.

ANÁLISE DO CORPUS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A maior dificuldade em relação ao corpus foi a de coleta. Isso porque, em

comparação à biografia, a entrevista não é um gênero formal. Ao contrário, as marcas da

fala do entrevistado são quase todas mantidas e a pontuação não é adequada ao que se

conhece sobre a norma culta da língua, ao contrário, ela marca as pausas que o falante faz.

Isso se tornou um empecilho na hora de reconhecer as orações e saber a qual oração se

ligavam, e essa questão da proximidade da fala foi fator diferenciador no que diz respeito a

marcação das estruturas encontradas).

Para uma primeira análise do corpus, precisamos observar se as orações eram de

fato temporais, ou seja, se estavam em relação de hipotaxe, segundo o que postula Halliday

(1985 apud OLIVEIRA 2006). O linguista assim as classifica por entender que as orações

ditas subordinadas temporais pela gramática tradicional não estabelecem com a principal a

mesma relação de completude (ou encaixamento) que as orações ditas subordinadas

substantivas. Por extensão a proposta de Dik (1997 apud OLIVEIRA 2006), as orações

temporais seriam satélites e funcionariam modificando o nível da predicação, enquanto as

subordinadas substantivas agiriam como argumentos e os demais tipos de oração poderiam

modificar o predicado ou o ato de fala. Isso pode ser observado nos exemplos seguintes:

(1) Quando a gente começou era assim: vamos fazer uma banda? (2) Mais ou menos na mesma época em que começou a ser alfabetizado, aos cinco anos, ele também recebeu aulas formais de piano.

Podemos perceber, nas tabelas 1 e 2 a seguir, a comparação das ocorrências a

partir do gênero do qual foram retiradas, da posição que ocupam em relação à oração

principal, ao seu tipo e à noção de temporalidade que expressam.

Gênero textual

Posição Tipo de oração Noção de temporalidade Total

Biografia

Anteposta: 08

Desenvolvida: 07

Anterioridade: 02

21

Posterioridade: 02

Simultaneidade: 03

Reduzida: 01

Anterioridade: 00

Posterioridade: 01

Simultaneidade: 00

Intercalada: 04

Desenvolvida: 01

Anterioridade: 00

Posterioridade: 01

Simultaneidade: 00

Reduzida: 03

Anterioridade: 00

Posterioridade: 03

Simultaneidade: 00

Page 79: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

78

Posposta: 09

Desenvolvida: 03

Anterioridade: 01

Posterioridade: 00

Simultaneidade: 01

Reduzida: 06

Anterioridade: 03

Posterioridade: 03

Simultaneidade: 00

Tabela 1: Tabela de ocorrências retiradas do gênero biografia.

Nessa primeira tabela, percebemos que apenas 05 do número total de ocorrências

estão de acordo com o princípio de iconicidade proposto por Givón (1991, 1995; apud LIMA,

2009), formando uma percentagem de 23,8%. O princípio da iconicidade parte da motivação

e não-arbitrariedade da língua, levando em consideração a relação forma/função. Uma

gramática seria icônica se tal relação fosse estabelecida de 1 para 1. Para o teórico, o

código gramatical é, por isso, parcialmente icônico e parcialmente simbólico, porque é

preciso levar em consideração que pode tanto haver uma forma para mais de uma função

quanto uma função para mais de uma forma.

A iconicidade está ligada aos princípios de quantidade, proximidade e sequência da

informação no discurso. Neste trabalho, interessa-nos perceber como o falante/escritor

estabelece a ordem dos eventos que narra através das orações temporais dentro do

discurso, dessa maneira, falamos em iconicidade quando a ordem dos eventos narrados

corresponde à ordem das orações. No gênero entrevista, essa correlação é visivelmente

mais freqüente: em 54,5% das ocorrências, como se pode perceber a partir da tabela

abaixo.

Gênero textual

Posição Tipo Noção de

temporalidade Total

Entrevista

Anteposta: 11

Desenvolvida: 11

Anterioridade: 07

22

Posterioridade: 00

Simultaneidade: 04

Reduzida: 00

Anterioridade: 00

Posterioridade: 00

Simultaneidade: 00

Intercalada: 07

Desenvolvida: 06

Anterioridade: 03

Posterioridade: 00

Simultaneidade: 03

Reduzida: 01

Anterioridade: 00

Posterioridade: 00

Simultaneidade: 01

Posposta: 04

Desenvolvida: 03

Anterioridade: 00

Posterioridade: 00

Simultaneidade: 03

Reduzida: 01

Anterioridade: 00

Posterioridade: 01

Simultaneidade: 00

Tabela 2: Tabela de ocorrências retiradas do gênero entrevista.

Observemos os exemplos a seguir:

(3) Naquela noite, pouco antes do Jornal Nacional, da Rede Globo, entrar no ar, realizou-se uma tensa reunião numa sala da rua Lopes Quintas [...].”

Page 80: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

79

(4) Júnior pegava carona na coleção do pai, tomando contato com Benny Goodman e Glenn Miller antes mesmo de aprender a ler, o que aconteceu no colégio Olavo Bilac. No trecho (3), embora a oração temporal esteja intercalada à principal, ela

estabelece uma relação de posterioridade com o evento que a principal narra, pois a reunião

foi realizada antes de o Jornal ir ao ar. No exemplo (4), ao contrário, há uma equivalência

entre a ordem do evento e a ordem das orações, em que a oração temporal aparece

posposta à oração principal e estabelece com ela uma relação de posterioridade.

(5) Mas a partir do momento em que isso é utilizado pra rotular e em cima disso criar um texto jornalístico, acaba sendo uma coisa de má-fé. (6) A crítica, ao falar do trabalho do Legião, destaca sempre as suas letras. Nos excertos acima, ambas as ocorrências aparecem intercaladas em relação à

oração principal. Entretanto, em (5), a noção é de anterioridade e, em (6) a noção é de

simultaneidade.

Outro ponto de destaque é que, no gênero entrevista, há uma forte presença de

orações desenvolvidas, 90,9%, ao passo em que no gênero biografia, há uma relação

equilibrada, 52,3%. Isso se dá pelo grau de formalidade de cada gênero: na entrevista, não

existe preocupação em omitir as marcas de oralidade dos interlocutores, ocasionando uma

maior informalidade, enquanto a biografia é melhor trabalhada por aquele que a escreve,

sendo ainda editada antes da publicação, o que garante uma maior preocupação em manter

as estruturas da norma culta. Dessa forma, podemos dizer que, na entrevista, a estrutura

não-marcada, por conta de sua maior freqüência, é a oração desenvolvida. O que ocorre na

biografia é que a diferença é pequena entre a porcentagem do número de ocorrências, o

que não nos permite afirmar com certeza, embora o número de orações desenvolvidas seja

maior do que de reduzidas. Se pegarmos o total de orações reduzidas e desenvolvidas

coletadas, veremos que 64,5% das desenvolvidas aparecem na entrevista, e apenas 35,5%

delas na biografia. As reduzidas, por sua vez, aparecem 16% das vezes na entrevista e 84%

na biografia. Em Gomes e Pereira (no prelo), cujo corpus foi retirado de blogs, é visível esse

aspecto. Em 86,4% dos casos, as orações são desenvolvidas, contra apenas 14,6%.

Cardoso e Cavalcante (no prelo) colheram ocorrências de relatos de leitores de uma revista

de grande circulação e, de um total de 47, apenas 31,9% são de reduzidas. O que comprova

a hipótese de, em textos mais próximos da oralidade, é mais comum que haja estruturas

mais facilmente processáveis e menos complexas.

A partir do que foi aqui levantado, percebemos que o tipo de oração e a noção de

temporalidade que transmitem se relaciona diretamente ao discurso e ao registro da língua

no qual este foi produzido (formal ou informal).

Page 81: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

80

CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos ver, portanto, que, à luz de teorias funcionalistas, o estudo das estruturas

da língua, no caso das orações subordinadas temporais, se torna bem mais rico do que

propõe a gramática tradicional. Mais do que qualificá-las enquanto temporais, o estudo

funcionalista dessas orações observa e analisa a relação dela com os eventos narrados,

bem como a maneira como se ligam à oração principal e ainda como se inserem no discurso

e no respectivo gênero do qual são retiradas.

Como visto, na entrevista, há mais orações que correspondem ao princípio de

iconicidade do que na biografia, assim como nesta, o número de orações desenvolvidas é

bem menor do que na primeira.

A riqueza do tema pode ser ainda melhor abordada a partir do que sugere

Halliday(1985) sobre a estrutura tema/rema e de suas implicações com o modo de

representar o mundo e, consequentemente, relacionando-as em uma localização temporal.

Apesar da brevidade desta pesquisa, é de nosso interesse ampliar as discussões acerca da

importância das orações temporais dentro do discurso, em contraposição à sua

categorização estrutural proposta pela gramática tradicional.

REFERÊNCIAS CARDOSO, M. N. F. e CAVALCANTE, S. A. S. Análise funcionalista de orações temporais em relatos da revista seleções. Cadernos de Estudos Linsguísticos. No prelo 2010. GOMES, M. dos S. e PEREIRA, B. P. As orações temporais em blog. Cadernos de Estudos Linsguísticos. No prelo 2010. LIMA, M. C. Princícios de iconicidade, In: A não-arbitrariedade de causalidade da Crônica Geral de Espanha de 1344. Tese de Doutorado. PPGL – Universidade Federal do Ceará, 2009. p. 33-36. OLIVEIRA, Taísa Peres de. Articulação de Orações na Gramática Funcional do Discurso: uma revisão no tratamento dos processos de subordinação. Estudos Linguísticos (on-line), São Carlos, nº XXXV, p. 1897-1901, 2006. Disponível em: http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/edicoesanteriores/4publica-estudos-2006/revista20062.htm». Acessado em «07/03/2010».

Page 82: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

A NOÇÃO TEMPORAL EM ORAÇÕES ADVERBIAIS EXTRAÍDAS DE BLOGS

Beatriz Passamai Pereira20

Magno dos Santos Gomes21

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As construções temporais codificam principalmente as circunstâncias em que

ocorre o momento de enunciação, expresso pela oração nuclear.

Fatores como a posição (anteposição, posposição, intercalação), a noção temporal

(anterioridade, posterioridade, simultaneidade) e o tipo (desenvolvidas, reduzidas) serão

imprescindíveis na determinação da estrutura semântica das construções em questão.

Tendo em vista o papel de tais fatores na marcação da organização dos

enunciados, põe-se como questão a motivação dos variados usos dos mesmos.

A influência dessas variáveis foi pelos autores aferida através da análise que se

segue.

METODOLOGIA

Com o objetivo de investigar, em orações temporais, os efeitos obtidos em virtude

das alterações observadas nas variáveis posição e tipo, bem como a presença da noção

temporal, selecionamos um corpus composto por 37 orações, retiradas de dois blogs, a

saber: <http://jazzseen.blogspot.com> (blog sobre jazz) e <

http://acasosafortunados.blogspot.com> (blog pessoal).

A amostra contém, em sua totalidade, orações adverbiais temporais, desenvolvidas

e reduzidas; antepostas, pospostas e intercaladas. Nela, buscamos examinar as noções de

anterioridade, posterioridade e simultaneidade.

Em seguida, contabilizamos o número de ocorrências colhidas para cada fator

considerado e sistematizamos o mesmo na forma de tabelas.

A partir da apreciação dos dados, à luz do funcionalismo, procedemos a uma

interpretação que levou em conta o resultado do cruzamento das variáveis escolhidas e a

hipótese de uma motivação, não apenas gramatical, mas também discursiva.

ANÁLISE

Em uma leitura mais geral, considerando-se as três variáveis em questão, podemos

constatar, primeiramente, que há maior freqüência de orações desenvolvidas e antepostas.

20

Graduanda em Letras Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará. Contato: [email protected]. 21

Graduando em Letras Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará. Contato: [email protected].

Page 83: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

82

Além disso, a noção de anterioridade prevaleceu sobre a de simultaneidade e a de

posterioridade.

Tal fato justifica-se, pois se tratam de construções retiradas de um corpus que,

apesar de ser escrito, insere-se em um gênero caracterizado pela informalidade, qual seja,

os blogs. Assim, é natural que a linguagem empregada nesses veículos tenda a ser mais

acessível ao leitor. Para tanto, recorre-se à utilização de estratégias discursivas tais como o

uso de orações desenvolvidas em detrimento de orações reduzidas, pois nas primeiras a

informação é mais facilmente processada pelos leitores; o uso de orações antepostas, pois,

ao fornecerem informações que acrescentam e explicam a informação contida na oração

nuclear, tornam a leitura mais dinâmica e clara. A noção de anterioridade predominará, já

que, está-se diante de uma construção hipotática, na qual a oração nuclear contém a

informação de maior relevância sendo de se esperar, portanto, que os fatos nela narrados

aconteçam temporalmente primeiro.

Para corroborar essa posição cita-se Du Bois e Thompson, citados por Neves

(1998):

O falante estrutura as frases de seu discurso (usando, por exemplo, um sintagma nominal ou um pronome em uma determinada posição estrutural) dirigido por pressões comunicativas refletidas na necessidade de controlar o fluxo de informação.

A primeira tabela correlaciona as variáveis tipo e posição. Nele, observa-se que há

um número maior de orações antepostas (20 antepostas e 16 pospostas) e de orações

desenvolvidas (32 desenvolvidas e 5 reduzidas). Além disso, das 32 orações desenvolvidas,

18 são antepostas.

Segundo Pereira (2004) as orações temporais, em sua grande maioria, têm como

propriedade a flexibilidade de ordenação, característica identificada na presente amostra. A

autora ainda aponta que essa ordenação serve a propósitos discursivos, fato comprovável

na hipótese proposta pelos autores de que para um melhor desenvolvimento do fluxo

informacional a estratégia discursiva empregada, neste caso o uso preponderante de

orações antepostas, mostra-se bastante eficiente. Tome-se, a título de ilustração, dois

enunciados que comprovam essa tese:

(1) Foi grande a confusão quando um sorridente Tobias Serralho apareceu na última reunião do Clube das Terças, o mais longevo e atuante clube de jazz do Espírito Santo.

(2) Fiquei extremamente comovido quando, ao telefonar para Lester, ouvi do outro lado da linha: gratius ex ipso fonte bibuntur aquae.

Page 84: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

83

Tipo/Posição Anteposição Posposição Intercalada Total

Desenvolvida 18 14 0 32

Reduzida 2 2 1 5

Total 20 16 1 1

A segunda tabela correlaciona as variáveis posição e noção temporal. Percebe-se

que o número de ocorrências de orações antepostas (19 ocorrências) supera o de

pospostas (14 ocorrências) e intercaladas (4 ocorrências). Outrossim, a noção de

anterioridade (18 ocorrências) se sobrepõe à noção de posterioridade (6) e de

simultaneidade (13 ocorrências). A predominância de anteposição se justifica ao se

considerar que no corpus em questão todos os enunciados expressam uma relação de

hipotaxe e nesta o relevo discursivo recai quase inteiramente sobre a oração nuclear,

transferindo assim toda a carga de informação para a mesma. Dessa forma, a informação

secundária contida na oração temporal serve apenas para explicar ou situar o que está

posto na principal. Exemplica-se:

(3) Que quando eu fizer, seja por mim.

(4) Um imenso silêncio tomou conta da mesa de reunião, enquanto os membros do clube entreolhavam-se entre apreensivos e assustados.

Posição/Noção temporal Simultaneidade Anterioridade Posterioridade Total

Antepostas 9 7 3 19

Pospostas 2 9 3 14

Intercaladas 2 2 0 4

Total 13 18 6

A terceira tabela correlaciona as variáveis tipo e noção temporal. São 32 orações

desenvolvidas e 18 orações expressando a noção de anterioridade. Uma vez mais a

freqüência de ocorrência das orações desenvolvidas supera a das reduzidas. Acrescenta-se

ainda o fato de que, novamente, há primazia da noção de anterioridade. Advoga-se, como já

explicitado anteriormente, em favor da hipótese de que esses usos evidenciam uma

estratégia discursiva própria de textos inseridos em gêneros mais informais cujo escopo

principal é a facilidade de processamento da informação. Exemplos:

(5) A sensação que me veio quando ouvi aquela regravação de "take a bow" no seriado foi estranha.

(6) Quando vi a capa, sorri ao perceber em destaque (featuring) o nome da pianista Renee Rosnes.

Page 85: Cadernos de Estudos Linguísticos da UFC

84

Tipo/Noção Temporal Simultaneidade Anterioridade Posterioridade Total

Desenvolvidas 12 14 6 32

Reduzidas 1 4 0 5

Total 13 18 6

Outro fato que chamou atenção dos autores foi o número de ocorrências em que

se empregou a conjunção „quando‟ (17 ocorrências), indicando que, no corpus analisado, na

maior parte das vezes, a temporal se presta a denotar o tempo da realização do fato

expresso na oração principal (CARMELINO, 2001), auxiliando assim, na tarefa de manter a

clareza e a objetividade do texto, elementos indispensáveis para uma melhor compreensão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da pesquisa considerou-se a hipótese de que as motivações discursivas

que determinariam os resultados derivariam do tipo de gênero ao qual pertencia o corpus.

A partir da análise exposta acima, constatou-se que, para o corpus em questão, as

orações temporais tendem a ocorrer na sua forma desenvolvida, a aparecer antepostas a

oração principal e a estar carregadas, principalmente, de noção de anterioridade. Destarte,

tal resultado acabou por corroborar a tese inicial.

Este estudo apontou alguns aspectos que os autores consideraram relevantes para

a lingüística, sem, contudo, ter a pretensão de esgotar o tema abordado, sendo senão uma

sugestão de análise. Espera-se que as lacunas sejam preenchidas por trabalhos

posteriores.

REFERÊNCIAS CARMELINO, A. C. . Um estudo da oração subordinada introduzida por QUANDO. In: XLIX Encontro do Gel, 2001, Marília. Anais do XLIX Encontro do Gel. Marília : Editora Fundação Eurípides Soares da Rocha, 2001. p. 205-205. NEVES, M. H. M. ; BRAGA, M. L. . Hipotaxe e gramaticalização. Uma análise das construções de tempo e de condição. DELTA. Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 14, n. esp., p. 191-208, 1998. PEREIRA, M. H. . Fatores inibidores da flexibilidade de ordenação das orações temporais. Estudos Lingüísticos (São Paulo), Unicamp, 2004.