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CADERNOS DE ASSESSORIA AOS CONSELHOS TUTELARES julho de 2000

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CADERNOS

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ASSESSORIA

AOS

CONSELHOS TUTELARES

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julho de 2000

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APRESENTAÇÃO

Neste ano comemora-se o aniversário de dez anos da edição

da Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta lei, além de declarar os direitos das

crianças e adolescentes (Livro I – Parte Geral), reafirmou os deveres

da família, da sociedade e do Estado (art. 4º), criando os instrumentos de exiqüibilidade dos princípios constitucionais contidos nos arts. 227, caput e 204, II:

Constituição Federal do Brasil, art. 227, caput: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”

Constituição Federal do Brasil, art. 204: “As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”.

Por ela, rompe-se com o passado, com o Código de Menores e com a sua Doutrina da Situação Irregular do Menor, onde o menor era taxado de culpado por sua situação, tendo tratamento caritativo, assistencial e repressivo, e ficando à sorte dos adultos e das políticas governamentais. Com o

acolhimento da Doutrina de Proteção Integral, as crianças e os

adolescentes passaram a condição de sujeitos de direitos e credores de uma proteção especial que inclui primazia

de receber socorro em quaisquer circunstância, precedência do

atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, preferência na

formulação e na execução das políticas sociais públicas, e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

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À criança e ao adolescente deve ser assegurada a ABSOLUTA PRIORIDADE, dever de todos.

A Corregedoria dos Conselhos Tutelares do Município de Porto Alegre/RS, criada em dezembro de 1993, mas com atuação

permanente desde 1996, órgão com competência inicial de fiscalizar e controlar o funcionamento dos Conselhos Tutelares da Capital, instaurando e decidindo processos administrativos por falta funcional

praticada por conselheiros, há muito já vem estendendo essas suas ações

remediativas, para outras preventivas, o que faz na forma de consulta e orientação aos Conselhos Tutelares do Município e

promovendo uma permanente capacitação social dos órgãos públicos

e privados e à população em geral, divulgando o ECA, sua doutrina e os órgãos de defesa com os quais se podem contar.

De forma a contribuir ao aprendizado do Estatuto e de seus instrumentos, a Corregedoria dos Conselhos Tutelares

vem mantendo mensalmente o seu Grupo de Estudos, realizado às

quartas sextas-feiras de cada mês, em sua sede, no horário

das 9 às 12 horas. A participação no Grupo de Estudos é aberta a interessados, tendo temática variada acerca dos direitos da criança e do adolescente, e com presença eventual de painelistas ou palestrantes. Além da

aquisição de conhecimentos por todos e da oportunidade de troca e discussão de matérias por várias representações presentes, o Grupo de Estudos objetiva a produção de artigos e cadernos de suas discussões, contendo eventuais textos e/ou materiais produzidos para a ocasião.

A Corregedoria do Município tem sido freqüentemente identificada

como órgão de atuação estadual, bem como um serviço público de orientação sobre o conteúdo do ECA e do papel dos agentes de promoção, atendimento, proteção e defesa de direitos, notadamente dos Conselhos Tutelares. É fato suficientemente constatado em seu cotidiano de atuação, e também presente em todos os apontamentos extraídos das Conferências Municipais para a Infância e

Adolescência, que torna-se imprescindível divulgar o ECA, esclarecendo o papel dos Conselhos Tutelares e de Instituições que prestam atendimento direto ou indireto a crianças e adolescentes.

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Neste sentido, a Corregedoria vem estimulando seu conhecimento, comparecendo em diversos encontros, cursos e

seminários, para divulgar o Estatuto e as atribuições do Conselho Tutelar. O presente Caderno de Assessoria aos Conselhos Tutelares se propõe a compilar várias palestras cuja Corregedoria participou e se manifestou, tornando-as acessível aos interessados.

A titulação recebida, “É tempo de refletir”, refere-se ao momento histórico e comemorativo vivido, os dez anos do Estatuto da criança e do

adolescente e de seu novo paradigma, levando todos a uma reflexão sobre o que já foi feito para garantir e proteger os direitos das crianças e dos adolescentes, com absoluta prioridade, como diz a nossa Constituição Federal, e como podemos unir forças para continuar nesta luta pela cidadania infanto-juvenil.

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SUMÁRIO: 1. Conselhos Tutelares: Da redação inicial à situação atual, um passeio

pelas Legislações _____________________________________________ 06 2. Avanços no sistema de garantia e proteção de direitos de crianças e

adolescentes e o papel da educação escolar _______________________ 21 3. Comentários dos arts. 131 à 140 do Estatuto da Criança e do Adolescente

____________________________________________________________ 27 4. A Criança, o Adolescente e a nova Lei _____________________________ 36 5. Conselho Tutelar: Perguntas e respostas ___________________________ 42 6. Maus tratos e crianças em situação de risco ________________________ 49 7. Conselho Tutelar: Dez anos de uma experiência na defesa dos direitos

das crianças e dos adolescentes __________________________________ 67 8. Conselho Tutelar: Quando? Por quê? Para quê? Como? ______________ 81 9. Perspectivas do Conselho Tutelar no século XXI _____________________ 87 10. Índice temático do Estatuto da Criança e do Adolescente ______________ 99

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CONSELHOS TUTELARES: DA REDAÇÃO INICIAL À SITUAÇÃO ATUAL, UM PASSEIO PELAS LEGISLAÇÕES*

O Conselho Tutelar é o “órgão permanente e autônomo, não

jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei1”, mas nem sempre foi pensado desta forma, segundo ficou consagrado na redação final do Projeto de Lei nº 193, de 1989, aprovada por unanimidade no Senado Federal, em sua sessão publicada no dia 31 de maio de 19902, e que assim previa: “O Conselho Tutelar é órgão administrativo, permanente e autônomo, não jurisdicional, tendo por finalidade o atendimento dos direitos da criança e do adolescente3”.

Ora, vislumbramos aqui, de imediato, uma grande diferença no

caráter do órgão preliminarmente previsto pelo Senado, dada a alteração de sua função de “atendimento dos direitos” para “zelo pelo cumprimento dos direitos”. A Língua Portuguesa bem nos ensina ao revelar o significado destas práticas tão distantes: Atender. Dar audiência, cuidar de, servir: atenda o freguês! e Zelar. Ter zelo por, administrar diligentemente4. Então, ser um órgão que tem por finalidade o atendimento dos direitos da criança e do adolescente, a nós, é essencialmente diverso, ante a natureza de sua atuação e a sua concepção implícita, de ser um órgão encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. A constatação primeira é importante para ficarmos atentos a fim de não serem introduzidas ações que, desejavam alguns, fossem da competência do Conselho Tutelar, mas que acabaram não sendo aceitas pelo texto final aprovado no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Projeto de Lei nº 193/89, aliás, pelo detalhe do exíguo tempo

passado entre sua aprovação unânime no Senado Federal e a publicação da Lei nº 8.069/90, aproximados 45 (quarenta e cinco) dias, tempo em que passou por tramitação interna também na Câmara de Deputados, é bastante curioso, e contudo mais valioso, por registrar algumas ideologias e concepções que, como a acima tratada, foram, ao final, rechaçadas pelo Congresso Nacional; e, ainda e ao mesmo tempo, por contemplar posições vencidas que, vemos, aos poucos, foram e vêm sendo incorporadas pelas leis de muitos municípios brasileiros, o que se dá em decorrência da previsão legal do próprio Estatuto, e da competência municipal insculpida no art. 30, II, da Carta Magna Federal. Assim, o que se vê, são posições que, parecia-nos haviam sido afastadas pela redação acolhida no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas que veremos, estão novamente presentes.

* O presente texto foi redigido para assessoria prestada aos Conselhos Tutelares do Município de Porto Alegre/RS, no ano de 1997. 1 Art. 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 2 O texto do projeto de lei do Estatuto, aprovado na sessão do Senado Federal de 25 de maio de 1990, está publicado nas pp. 6001-6018, da Seção I, do Diário do Congresso Nacional, de 31 de maio de 1990. 3 Art. 131 do Projeto de Lei nº 193/89, do Senado Federal, que tinha mesma redação nos Projetos nº 1.506/90 e nº 5.172/90, da Câmara de Deputados e do Senado Federal, respectivamente. 4 Prado e Silva, Adalberto. Dicionário da Língua Brasileira, São Paulo: Melhoramentos, 1973.

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Posto desta forma, rumaremos a uma análise comparativa entre os textos do Projeto de lei e o do Estatuto, enaltecendo as alterações ocorridas e, por vezes, levantando e referindo os pontos relevantes que foram sendo agregados pelas legislações de alguns municípios nacionais. Senão vejamos:

Projeto de Lei nº 193, de 1989 “Art. 132. Em cada comarca, foro regional ou distrital, haverá no mínimo 1 (um) Conselho Tutelar, composto por 5 (cinco) membros, escolhidos e nomeados pelo Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente, para mandato de 2 (dois) anos, admitida a recondução, obtidos os seguintes critérios: I - 3 (três) membros escolhidos prioritariamente dentre pessoas com formação universitária nas áreas de direito, educação, saúde, psicologia e serviço social; II - 1 (um) membro indicado pelas entidades não governamentais de defesa dos direitos e interesses de que cuida esta lei; III - 1 (um) membro indicado pelas entidades de atendimento a crianças e adolescentes. Parágrafo 1º - Na falta de pessoal qualificado, nos termos deste artigo, a escolha poderá recair em educadores da rede pública ou particular de ensino, com experiência mínima de 2 (dois) anos. Parágrafo 2º - As entidades a que se referem os incisos II e III deverão estar em funcionamento há mais de 1 (um) ano. Parágrafo 3º - Haverá 1 (um) suplente para cada conselheiro. Art. 133. Para o exercício da função de conselheiro são exigidos os seguintes requisitos: I - reconhecida idoneidade moral; II - idade superior a 21 (vinte e um) anos; III - pelo menos 2 (dois) anos de efetivo exercício na profissão ou atividade; IV - residir no município da respectiva lotação.” Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 “Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar, composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução. Art. 133. Para candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos: I - reconhecida idoneidade moral; II - idade superior a vinte e um anos; III - residir no município.” Inicialmente, caberia-nos mencionar que as redações dos arts. 132 e

139 do Estatuto da Criança e do Adolescente foram conferidas pela Lei Federal nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, eis que seus textos originais previam que os conselheiros tutelares seriam eleitos através de processo eleitoral presidido pelo juiz eleitoral, algo sobre o que se evidenciou a inconstitucionalidade.

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Após esta menção inicial, percebemos a existência de uma alteração substancial no caminho da necessidade da existência de um Conselho Tutelar por município e não por comarca ou foro regional e distrital (critério de organização judiciária), como primeiramente previsto, o que, conforme reflete Judá Jessé de Brangança Soares, atendeu e é “coerente com a diretriz de municipalização adotada no art. 88, e em sintonia com o disposto no art. 204, I e II, da CF5”. Assim, a lei, afastando a redação do projeto, tornou definitivamente obrigatório a todos municípios brasileiros a instalação de, no mínimo, um Conselho Tutelar, no objetivo do zelo local pelo atendimento de todos os direitos por ela definidos.

Notamos, também, que a escolha dos conselheiros tutelares passou

a ser feita pela comunidade local, e não pelo Conselho Municipal de Direitos, o que indubitavelmente deixou mais legítimo o desempenho das suas funções, dando ao conselheiro o encargo de um agir comprometido com a comunidade que o escolheu, e permitindo, deste modo, no direcionamento de sua ação, uma representatividade advinda da participação popular, que através do seu conselheiro tutelar, atua no gerenciamento e encaminhamento das questões relativas às crianças e aos adolescentes do seu município. Foi, em verdade, acreditar no potencial do povo para resolver as questões relacionadas com as crianças e os adolescentes, concedendo-lhe um espaço democrático de execução.

A extensão do mandato conselheiro para 3 (três) anos, com certeza,

acaba permitindo um período mais longo para o desenvolvimento de ações que necessitam de continuidade, outorgando um tempo maior para o desenvolvimento de práticas estruturais que o exige. Estabeleceu-se, talvez, a tentativa de minimizar prejuízos que poderiam surgir pelo abandono de projetos de execução mais extensa, o que poderia decorrer pela constante rotatividade de pessoas na função. Mesmo assim, não podemos olvidar, a função do conselheiro tutelar é fundamentalmente transitória, com termo certo, de período estabelecido, embora isto não tenha sido necessariamente preconizado pelo projeto aprovado pelo Senado Federal, que admitia “a recondução” e não “uma recondução”, como fez constar o Estatuto. A nosso ver, o novo texto afastou as reconduções contínuas, como fazia crer possível a leitura do consignado no Projeto.

No que tocam aos critérios e requisitos exigidos para o exercício da

função de conselheiro tutelar, é bom vermos que a questão é complexa e se aprofunda em grandes e atuais discussões. O Projeto do Senado Federal se mostrava bastante rigoroso nas qualidades exigidas aos membros do Conselho Tutelar, ao contrário do que aprovou o Estatuto da Criança e do Adolescente, admitindo cidadãos locais, sem qualquer exigência quanto a sua qualificação. Neste ponto é que, na letra do Estatuto, torna-se plenamente permissível aos analfabetos a aspiração ao exercício da função de conselheiro tutelar. E é aqui então que, principalmente, entram as legislações municipais supletivas, que à luz do art. 30, II, do Diploma Constitucional, vêm criando novos critérios e requisitos para o exercício da função de conselheiro, aproximando-se inclusive, em muitos aspectos, ao Projeto aprovado no Senado. O que não podemos deixar de chamar à atenção é que os requisitos exigidos pelo Projeto, logicamente, tem 5 CURY, Munir et alii.

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correspondência direta à concepção do Conselho Tutelar “ter por finalidade o atendimento dos direitos da criança e do adolescente”, o que não veio acolhido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

É preciso entretanto, de plano, vermos que a criação destes novos

requisitos pelas leis municipais não vêm recebendo aceitação pacífica dos Tribunais Superiores gaúchos, como demonstram algumas de suas decisões, recentemente publicadas:

MENOR. CONSELHO TUTELAR. REQUISITOS DE CONSELHEIRO. São fixados, exaustiva e taxativamente, pelo art. 133 do ECA, sendo defeso, ao Município, aditar-lhe outros pressupostos, por falecer-lhe competência, mesmo concorrente ou suplementar. Mesmo que tivesse tal competência, tais requisitos aditivos ou complementares deveriam ter sido criados em lei, jamais por resolução de um órgão administrativo, que não recebeu poderes, nem delegação para tal. Apelação Cível nº 593026396 - à unanimidade, na 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em 1º de dezembro de 1993 - Bento Gonçalves. (Revista de Jurisprudência do T.J.R.G.S. nº 163) CONSELHO TUTELAR. MEMBRO. ELEIÇÃO REQUISITOS. Não há como interpretar que o Estatuto da Criança e do Adolescente atribui aos municípios apenas a regulamentação sobre a forma de funcionamento dos Conselhos Tutelares, eis que, cada Município, pode e deve legislar supletivamente, atendendo as suas próprias peculiaridades, estabelecendo exigências ou condições para o registro dos candidatos ao pleito como membro do Conselho Tutelar. Tal competência está insculpida no art. 30, II, da Carta Magna. In casu, a ilegalidade do ato da autoridade coatora consiste no fato de exigir requisito para a candidatura, não é exigido pela lei federal (ECA), tampouco pela Lei Municipal. Confirmada a sentença que julgou procedente o mandado de segurança. Reexame Necessário nº 595043944 - à unanimidade na 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em 8 de junho de 1995 - Nonoai. (Revista de Jurisprudência do T.J.R.G.S. nº 174) CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NATUREZA DO ÓRGÃO. Na ausência de elementos, que comprovem ser o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, definido pelo ECA, art. 89, uma autarquia, conhece-se do reexame necessário. CONSELHO TUTELAR: REQUISITOS PARA O CARGO DE CONSELHEIRO. Fixados, taxativa e exaustivamente, pelo art. 133 do ECA, é defeso, ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, exigir outros pressupostos, que não pertinem à sua atribuição, nem é da competência do Município. Reexame Necessário nº 595045709 - à unanimidade na 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, em 13 de setembro de 1995 - Lajeado. (Revista de Jurisprudência do T.J.R.G.S. nº 176)

Desta forma, o campo destas criações legislativas municipais, ao

menos no Estado do Rio Grande do Sul, como vêm decidindo ultimamente as Câmaras do seu Tribunal de Justiça, é ainda bastante fértil a todas discussões. No Município de Porto Alegre/RS, outros requisitos, além dos constantes no art. 133 do Estatuto da Criança e do Adolescente, são contemplados na Lei Municipal nº

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6787/91, em seu art. 23, com redação acrescida pelo art. 33 da Lei Municipal nº 7394/93, onde constam:

“Art. 23 - ..... IV - reconhecido trabalho com crianças e adolescentes ou na defesa do cidadão de, no mínimo, 2 (dois) anos; V - certificado ou atestado de participação em curso, seminário, jornada de estudos, com discussão específica da área da criança e do adolescente.”

E, parece-nos, esta tem sido a regra - possibilidade municipal para o estabelecimento de novos critérios e condições para o exercício da função de conselheiro tutelar - adotada pela maioria dos Municípios quando, em geral, prevêem outros requisitos para os candidatos à função. Vejamos o que dispõem algumas das principais legislações municipais do Brasil:

Lei Municipal nº 423, de 01 de julho de 1993, Município de Petrolina / Pernambuco: “Art. 21. Serão requisitos para candidatar-se a exercer as funções de Conselheiro Tutelar: I - reconhecida idoneidade moral; II - idade superior a vinte um anos; III - residir no município; IV - reconhecida experiência de, no mínimo, dois anos, no trato com crianças e adolescentes. Art. 22. ..... Parágrafo 2º - Somente poderão participar do processo eleitoral de escolha dos Conselheiros Tutelares, os candidatos aprovados em prova de conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente avaliado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.” Ainda, segundo o Edital publicado para realização do último pleito (95), foi prevista a necessidade de, no mínimo, o 1º grau “menor” completo (até 4ª série primária). Lei Complementar nº 18, de 11 de outubro de 1991, Município de Blumenau / Santa Catarina: “Art. 22. São requisitos para candidatar-se a exercer funções de membro do Conselho Tutelar: I - reconhecida idoneidade moral; II - idade superior a 21 anos; III - residir no Município; IV - diploma de nível superior da área afim ou reconhecida experiência no trato com crianças e adolescentes.” Lei Municipal nº 6574, de 19 de julho de 1991, Município de Campinas / São Paulo: “Art. 19. Somente poderão concorrer ao pleito de escolha, os candidatos que preencherem os seguintes requisitos:

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I - reconhecida idoneidade moral, firmada em documento próprio, segundo critérios estipulados pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, através de resolução; II - idade superior a 21 (vinte e um) anos; III - residir no Município de Campinas há mais de 2 (dois) anos; IV - estar no gozo de seus direitos políticos; V- apresentar no momento da inscrição certificado de conclusão de curso equivalente ao 2º grau; VI - comprovação de experiência profissional de, no mínimo, 12 (doze) meses, em atividades na área da criança e do adolescente, mediante competente “curriculum vitae” documentado; VII - submeter-se a uma prova de conhecimento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, a ser formulada por uma Comissão designada pelo CMDCA.” Obs. Os incisos I e III foram alterados e os incisos V, VI e VII foram acrescidos, pela Lei Municipal nº 8484, de 04 de outubro de 1995, em seu art. 18, prevendo ainda a Resolução nº 007, de 08 de março de 1996, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que: “Art. 6º - São requisitos para inscrição e registro dos candidatos a membros do Conselho Tutelar: VII - obter a aprovação em prova de conhecimento sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 8º - ..... Parágrafo Único - Os candidatos aprovados serão entrevistados pessoal e reservadamente pela Banca Entrevistadora.” Lei Distrital nº 234/92, alterada pela nº 518/93, Brasília / Distrito Federal: “Art. 14. Para candidatura a membro do Conselho Tutelar serão exigidos os seguintes requisitos: I - reconhecida idoneidade moral; II - idade superior a 21 (vinte e um) anos; III - residência no Distrito Federal há mais de 2 (dois) anos e na respectiva Região Administrativa há mais de 1 (um) ano; IV - comprovada experiência no trato de questões vinculadas à defesa dos direitos da criança e do adolescente, conforme critérios estabelecidos pelo Conselho DCA/DF; V - primeiro grau completo.”

Logo, como chamamos à atenção inicialmente, vemos que vários requisitos que foram aprovados pelo projeto lançado pelo Senado, hoje estão consagrados nas legislações de alguns Municípios, como por exemplo, a necessidade de membros com formação superior nas áreas de direito, educação, saúde, psicologia e serviço social e de, pelo menos, 2 (dois) anos de efetivo exercício na profissão ou atividade.

Neste sentido podemos perceber que a lei municipal de Blumenau/SC prevê a necessidade de diploma de nível superior da área afim ou de reconhecida experiência no trato com crianças e adolescentes, e que a lei de Petrolina/PE traz a necessidade de primeiro grau “menor” completo, da aprovação em prova de conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, além de

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reconhecida experiência de, no mínimo 2 (dois) anos, no trato com criança e adolescente. Já a lei Distrital também requer a comprovação do primeiro grau completo e a experiência no trato de questões vinculadas aos direitos da criança e do adolescente. Com requisitos ainda mais rigorosos, a lei de Campinas/SP exige, além da comprovação de conclusão de curso equivalente ao 2º grau, a aprovação em prova de conhecimento sobre o Estatuto, a comprovação de experiência profissional de, no mínimo, 12 (doze) meses, em atividades na área da criança e do adolescente, e a submissão a uma entrevista seletiva e eliminatória, para, mesmo após eleitos, cursarem uma capacitação.

Enfim, dentro de todas estas novas imposições para o acesso à função conselheira, de oportuno reconhecermos, que os requisitos que ficaram estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente parecem absorver somente o mínimo exigido para a função, no que a maioria dos Municípios têm se apegado para sustentar a possibilidade de suplementar, por lei própria, a existência de outros, como há muito vem admitindo a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho.

Entendemos também na lógica da ampla possibilidade da

suplementação de requisitos por lei municipal, uma vez cientes que a exigência de requisitos mais qualitativos no Estatuto nem sempre seria apropriado para Municípios muito pequenos, onde poderia haver um impedimento pela carência de pessoas que cumprissem todas condições à assunção da função. Daí a possibilidade dos Municípios de estenderem novos critérios. Tratou o Estatuto de traçar apenas um perfil mínimo. Pensamos, dentro deste raciocínio, a decorrência do afastamento do texto aprovado no Senado, assumindo-se tão-só os requisitos básicos para a função, com a remessa aos Municípios da criação de outros, no respeito às suas peculiaridades e condições. Lembramos novamente a obrigatoriedade de estarem presentes os Conselhos Tutelares em todos os Municípios, por menor que sejam, devendo ser garantida a sua formação e instalação, mesmo que por pessoal desprovido de qualificações mais exigentes. Deste modo, as leis municipais podem e devem adequar os requisitos previstos no Estatuto às suas exigências próprias, assegurando ao pessoal tutelar um agir competente, e ao mesmo tempo, mais próximo das necessidades locais existentes.

Assim, a redação final do Estatuto da Criança e do Adolescente tornou-se, ao nosso ver, mais correta, atingindo com a simplicidade de acesso à função e composição do órgão, a capacidade de uma multiplicação de Conselhos Tutelares em todas as localidades sem, contudo, entendemos, vedar a livre complementação de seus requisitos pelas leis municipais, garantindo uma apropriada correspondência da necessidade local às qualidades indispensáveis ao exercício conselheiro em cada Município.

Projeto de Lei nº 193, de 1989 “Art. 134. O local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar serão estabelecidos pelo Conselho

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Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente, cientificadas as autoridades locais. Parágrafo 1º - Os Conselhos poderão funcionar em unidades educacionais ou em estabelecimentos adequados, preferentemente nos bairros de maior concentração populacional. Parágrafo 2º - É obrigatória a realização de plantão em comarca, foro regional ou distrital com mais de 200.000 (duzentos mil) habitantes.” Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990 “Art. 134. A Lei Municipal disporá sobre local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto a eventual remuneração de seus membros. Parágrafo único - Constará da Lei Orçamentária Municipal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar.”

No confronto dos textos, fica evidenciada que a competência primeira

dada ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente para regulamentar o local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar passou à exigência de uma normatização legal do Município, e que a obrigatoriedade de lei abarcou também as disposições sobre a eventual remuneração dos membros conselheiros.

Cumpre trazer que o Projeto nº 193, em verdade, destacou um

Capítulo específico para tratar da retribuição pelo exercício da função de conselheiro tutelar, e que remeteu a sua fixação ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Era assim que seu art. 145 preconizava:

“Art. 145. O Conselho Estadual de Defesa da

Criança e do Adolescente poderá fixar pagamento ou gratificação aos membros do Conselho Tutelar, atendidos os critérios de conveniência e oportunidade e tendo por base o tempo dedicado à função e as peculiaridades locais”. De plano, poderíamos adentrar na falta de garantia realmente

existente por parte do conselheiro tutelar a uma contraprestação aos serviços exercidos, o que vem registrado em ambas as redações. O Projeto dispôs que o pagamento ou gratificação “poderá” ser fixado, atendendo a conveniência e oportunidade e tendo por base o tempo dedicado e as peculiaridades locais. O Estatuto, do seu modo, consagra que existirá “eventual remuneração”. Jamais se fala em salário, tampouco em algum ganho obrigatório e/ou permanente. Fica assim o exercício conselheiro com o caráter de um verdadeiro múmus público, tanto que descolado de necessária remuneração. Entendemos então, caberá a cada Município levantar suas possibilidades de remuneração - constará da Lei Orçamentária Municipal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar -, atendendo aos critérios declinados no projeto do Senado para a fixação do dispêndio.

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Sabemos, em alguns municípios brasileiros, a função de conselheiro tutelar é bem remunerada, mesmo até que exista um descompasso da qualificação do membro conselheiro com a exigência municipal para auferimento do mesmo valor remuneratório. Exemplo disto é o Município de Porto Alegre/RS, onde embora não sejam exigidos requisitos de qualificação técnica e científica superior, a função conselheira adota seus índices para receber sua remuneração (o art. 5º da Lei Municipal nº 7207/92, alterando o art. 26 da Lei nº 6787/91, prevê em seu parágrafo único que: “o vencimento básico do Conselheiro Tutelar corresponderá ao nível técnico-científico”).

É certo que os legisladores federais sempre deixaram aos Municípios

a estipulação dos vencimentos dos conselheiros tutelares, admitindo-a dentro do poder discricionário municipal, orientado pela oportunidade e pela conveniência, em atenção às suas condições e capacidades. Dentro desta discricionariedade, existem municípios brasileiros em que a remuneração percebida pelo conselheiro tutelar é pouco superior ao salário mínimo utilizado no país (ex. São Paulo/SP) e que em outros, até do mesmo Estado, em que a remuneração chega ao patamar de 20 (vinte) vezes este valor (ex. Campinas/SP). O que deve existir de correspondência nesta relação, serviço-remuneração, são verdadeiramente as exigências impostas pelo Município, para e pelo exercício da função, em decorrência direta das necessidades de atendimento de direitos nos locais de atividade.

Sobre a obrigatoriedade da realização de plantões conselheiros nos

locais com mais de duzentos mil habitantes, garantindo a existência ininterrupta deste serviço público relevante, e notadamente assegurando a prioridade absoluta do atendimento dos direitos elegidos nesta Lei, podemos afirmar que mesmo com a retirada de sua inscrição no texto final do Estatuto, a prestação de um sistema de plantão é observada em muitos municípios, independente até do seu porte populacional. Neste ponto, a diferença única está em realizar plantões dentro da estrutura diariamente utilizada pelos Conselhos, ou de realizá-los através do acesso e atendimento a chamadas telefônicas.

A partir de todas estas constatações, já demonstra-nos salutar

levantar as atribuições previstas ao conselheiro tutelar no Projeto nº 193, e que tinham como pressuposto para seu cumprimento os requisitos então já trazidos, cotejando-as à luz das atribuições que restaram aprovadas no Estatuto, as quais passaram a exigir de forma mais simplificada os requisitos para o exercício da função conselheira. É bem verdade que, embora para o cumprimento das atribuições hoje previstas - por vezes, diversas das atribuições anteriores, como foi anteriormente analisado -, vários requisitos foram sendo incorporados pelas legislações municipais, o que nos remete a observar que ainda que tenham mudado as atribuições do conselheiro tutelar, as exigências para seu efetivo cumprimento, para muitos municípios, passam pelos mesmos ou similares requisitos. Vale também dizer que, como foi colocado inicialmente, as atribuições consagradas pelo Projeto serviriam ao pretenso caráter do órgão Conselho Tutelar, com a “finalidade de atendimento dos direitos da criança e do adolescente”, e em contraposição ao caráter que restou contemplado no Estatuto, o “zelo pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”.

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Nesta banda, vejamos as atribuições tutelares previstas:

Projeto de Lei nº 193, de 1989 “Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: I - atender as crianças e adolescentes em situação de risco, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VIII; II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VIII; III - promover a execução de suas decisões e resolver os respectivos incidentes, podendo para tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; b) representar a autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações; IV - inspecionar delegacias de polícia, presídios, entidades de internação e acolhimento e demais estabelecimentos públicos ou privados em que possam encontrar-se crianças e adolescentes; V - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente; VI - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência; VII - providenciar a medida de proteção que entender adequada, dentre as previstas no art. 101, I a VII, aos adolescentes autores de ato infracional encaminhados pela autoridade judiciária; VIII - substituir a medida originalmente aplicada por outra que julgar mais adequada; IX - expedir notificações; X - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário.” Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990 “Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 a 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII; II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII; III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações; IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente; V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

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VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional; VII - expedir notificações; VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente, quando necessário; IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração de propostas orçamentárias para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, parágrafo 3º, inciso II, da CF; XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.”

As atribuições primeiras e últimas, apesar de várias congruências e

até mesmo de aparentes e idênticas redações, possuem mudanças essenciais, que as diferenciam em aspectos relevantes. Para isto, devemos atentar às remissões que vêm expressas no teor e conteúdo interno de seus textos. Vemos que alguns incisos foram retirados do texto admitido pelo Senado, além da existência de acréscimo de três novas atribuições conselheiras. Analisemos por partes:

Art. 136, inciso I - ambas redações reproduzem o atendimento a

crianças e adolescentes em situação de risco, com a aplicação das medidas de proteção previstas no art. 101. O que ressaltamos é que o Projeto nº 193 introduzia concretamente, em seu bojo, as situações de risco pessoal e social, cabendo ao Estatuto tão-só sua previsão de forma abstrata.

O art. 98 do Projeto preconizava que:

“Art. 98. Considera-se em situação de risco pessoal e social a criança ou o adolescente: I - que não tem habitação certa nem meios de subsistência, em virtude de falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; II - quando não recebe ou é impedido de receber o ensino fundamental e obrigatório, correspondente à sua idade, por ação ou omissão dos pais ou responsável; III - envolvido direta ou indiretamente com a prostituição ou utilizado em espetáculos obscenos; IV - que freqüenta habitualmente ambiente prejudicial à sua formação moral, ou nele tenha a sua morada; V - vítima de maus-tratos, opressão, exploração ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável; VI - dependente de bebidas alcoólicas, substâncias entorpecentes, medicamentosas, tóxicas ou outras potencialmente prejudiciais à saúde, sem atendimento adequado pelos pais ou responsável; VII - com grave inadaptação familiar ou comunitária em virtude de ação ou omissão dos pais ou responsável;

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VIII - responsável pela prática de ato infracional.”

Enquanto o art 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe como previsão de situação de risco pessoal e social que:

“Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta.”

Já numa superficial análise das situações de risco elencadas no Projeto, podemos perceber que em nenhum momento o Estado se responsabilizava pela criação da situação de risco pessoal e social da criança e do adolescente, motivando-a, de regra, na falta, ação ou omissão dos pais ou responsável. Basta, para isto, vermos o inciso II, onde a situação de risco só é existente “quando (a criança ou o adolescente) não recebe ou é impedido de receber o ensino fundamental e obrigatório, correspondente à sua idade, por ação ou omissão dos pais ou responsável (grifamos)”, excluindo a possibilidade da criação de risco pessoal e social quando a criança ou adolescente não recebe ou é impedido de receber o ensino fundamental e obrigatório, correspondente à sua idade, por ação ou omissão do Estado, embora mesmo o próprio Projeto já fosse claro da obrigação, manifestando em seu art. 53 que “é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria”, chamando-o à responsabilidade quando previa em seu parágrafo 2º que “o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”. Cumpre a observação que no mesmo sentido são vários outros incisos adotados pelo Projeto, como o que respeita à dependência (de crianças e adolescentes) de bebidas alcoólicas, substâncias entorpecentes, medicamentosas ... sem atendimento adequado pelos pais ou responsável. O que vemos então, é a idéia de um Estado Liberal, que não assume a sua responsabilidade pelos problemas sociais, atribuindo-a tão--só aos pais, ao responsável ou à sociedade.

Colocado deste modo, valiosíssima a contribuição dada pela Câmara Federal, ao atribuir também ao Estado a responsabilidade pela criação do risco pessoal e social de crianças e adolescentes, dever assumido nos termos da própria Lei.

Outra observação importante que fazemos é que o Projeto conferia

ao Conselho Tutelar o atendimento e a aplicação de medidas aos adolescentes autores de atos infracionais, pois os previa em situação de risco quando responsáveis por esta prática, sendo agora o Estatuto taxativo ao trazer que o Conselho Tutelar atenderá apenas crianças envolvidas na prática de atos infracionais, como cita seu art. 105:

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“Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.”

No respeito as medidas de proteção que foram destinadas ao Conselho Tutelar para o atendimento das crianças e adolescentes em situação de risco, figuraram as mesmas no Projeto e no Estatuto, exceto uma diferença, quando o Projeto incluía a possibilidade de aplicação da medida de proibição da prática de determinados atos e da freqüência de locais perigosos ou prejudiciais à vida, à saúde ou à formação moral. A medida veio suprimida no Estatuto e, por seu conteúdo, pensamos, faça parte das determinações e autorizações judiciais ditadas no art. 149, e que preconizam:

“Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará: I - a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhados dos pais ou responsável, em: a) estádio, ginásio ou campo desportivo; b) ... ; II - a participação de criança adolescente em: a) espetáculos públicos e seus ensaios; ... ”

Art. 136, II - as redações do Projeto e do Estatuto são idênticas, existindo modificação apenas no conteúdo das medidas aplicáveis aos pais ou responsável (art. 129). O Projeto nº 193 incluía na competência do Conselho Tutelar a aplicação de multa, obedecido o critério estabelecido no parágrafo 1º do art. 115:

“Art. 115. O valor da multa será fixado até o máximo de 10 (dez) salários de referência. Parágrafo 1º - Na fixação do valor da multa, a autoridade levará em conta a situação financeira do adolescente e de sua família, bem como a natureza e a gravidade da infração.”

A medida acabou rechaçada pelo Estatuto. Hoje, a multa aos pais ou responsável, segundo consagra o Estatuto da Criança e do Adolescente, só é admissível na hipótese de condenação judicial por prática das infrações administrativas constantes da Lei.

Art. 136, III - inexiste qualquer mudança nos textos. A manifestar que a atribuição expressa no art. 136, IV, do Projeto foi interiamente retirada do Estatuto, contudo a vemos estampada nos termos da Lei Distrital, embora surgindo outras palavras, mas com igual sentido:

“Art. 20. No exercício de suas funções e no âmbito de sua competência os conselheiros tutelares terão livre acesso: I - às entidades governamentais e não-governamentais de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, ...; II - às repartições ou quaisquer locais onde possa haver crianças ou adolescentes privados de liberdade; III - ...”

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Inobstante esta manifestação legislativa suplementar, a atribuição conselheira, parece-nos, foi absorvida pelo poder fiscalizatório que ficou assegurado ao Conselho Tutelar no art. 95 do Estatuto:

“Art. 95. As entidades governamentais e não-governamentais ... serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares.”

Art. 136, V e VI - correspondem as mesmas redações dos incisos IV e V, respectivamente, do Estatuto. Art. 136, VII - corresponde ao inciso VI do Estatuto e registra uma grande alteração de competência, ligada, em parte, ao que foi exposto no supracitado art. 136, I, no que se referia ao afastamento da competência do Conselho Tutelar para aplicação de medidas ao adolescente autor de ato infracional. O Projeto destina ao Conselho Tutelar a atribuição de “providenciar a medida que entender adequada, ... aos adolescentes autores de ato infracional encaminhados pela autoridade judiciária”, enquanto que a Lei deixou-lhe somente a atribuição de “providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária”. Conforme anteriormente explanado, o Estatuto reservou a aplicação de medidas de proteção aos adolescentes autores de atos infracionais tão-só à autoridade judiciária, por isto o sentido da previsão expressa da atribuição do Conselho Tutelar apenas para o atendimento e aplicação de medidas sobre crianças autoras de ato infracional (art. 105). O dispositivo deste inciso surge no encontro deste pensamento, conferindo ao Conselho Tutelar apenas a atribuição de providenciar uma medida já estabelecida, e não de providenciar aquela que entenda mais adequada, quando lhe competiria estabelecê-la. O art. 136, VIII do Projeto, por sua vez, foi excluído do texto aprovado no Estatuto, e isto, entendemos, por estar plenamente já descrito no art. 99 da Lei:

“Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.”

Deste jeito, parece-nos, não se quis ficar com uma repetição.

Art. 136, IX e X - correspondem aos mesmos termos descritos nos incisos VII e VIII, respectivamente, do Estatuto.

É preciso, por último, ressaltar que àquelas atribuições inicialmente introduzidas pelo Senado, somaram-se outras três muito importantes. Pela aprovação dos incisos IX, X e XI do Estatuto da Criança e do Adolescente, passa o Conselho Tutelar a ter como atribuição assessorar o Poder Executivo local na elaboração de proposta orçamentária para criação e instalação de planos e programas de atendimento, podendo também representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos de crianças e adolescentes previstos no art. 220, parágrafo 3º, II, da CF, e representar ao Ministério Público para efeito do ajuizamento das ações de perda ou suspensão do pátrio poder. Cremos, estas

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novas atribuições incorporadas pelos Conselhos Tutelares através do texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, estejam diretamente amarradas à alteração de caráter que assumiu o Conselho Tutelar, como órgão com finalidade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. A par de toda esta análise, ficou-nos patente as profundas modificações sofridas na conceituação do órgão Conselho Tutelar, elegido “serviço público relevante” (art. 135 do estatuto da Criança e do Adolescente). Alterações que vão desde a natureza e a instituição de seu caráter de ação, passando pela forma de sua escolha, até a regulamentação de suas atribuições e dos requisitos para o exercício da função. Neste aspecto, evidenciamos a grande discussão que se travou dentro do Congresso Nacional no período de gestação do Estatuto, Lei que veio pela primeira vez a tratar a criança e o adolescente como verdadeiros sujeitos de direitos. Contudo, percebemos que apesar de afastadas algumas questões principais trazidas pelo Senado Federal, em muitos momentos as leis municipais que vêm surgindo na complementação da matéria acabaram por retorná-las e colocá-las em efetivo vigor. Resta-nos admitir que o Conselho Tutelar é um órgão novo e muito desconhecido por parte de todos - sociedade e Estado -, alavancando-nos, desta maneira, a muitas dúvidas que ainda nos caberão trilhar, possibilitando o alcance uma compreensão mais real do seu significado enquanto órgão de participação e execução social que, como poucos, veio para permanecer. BIBLIOGRAFIA: BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília:

1988.

______. Projeto de Lei nº 193, de 1989. Brasília: Senado Federal, 1989.

______. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do

Adolescente. Brasília: 1990.

______. Lei Federal nº 8242, de 12 de outubro de 1992. Brasília: 1992.

CURY, Munir et alii. Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários Jurídicos e

Sociais. São Paulo: Malheiros, 1992.

PRADO E SILVA. Dicionário da Lingua Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1973.

RIO GRANDE DO SUL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO. Ap. Cível 593026396. Porto Alegre:

Revista de Jurisprudência nº 163,1996.

_____________________________________________. Reexame Necessário

595043944. Porto Alegre: Revista de Jurisprudência nº 174, 1998.

_____________________________________________. Reexame Necessário

595045709. Porto Alegre: Revista de Jurisprudência nº 176, 1998.

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AVANÇOS NO SISTEMA DE GARANTIA E PROTEÇÃO DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

E O PAPEL DA EDUCAÇÃO ESCOLAR*

Para se compreender a situação atual por que passam os direitos das crianças e adolescentes se faz necessário historiar o próprio surgimento da criança enquanto categoria social destacada dos adultos. Segundo nos revela o historiador francês Philippe Ariès1, antes do século XVI não existia a distinção entre crianças e adultos. Utilizando obras de arte da época, notadamente a pintura de Velasquez, constatou que até o século XVI as crianças apareciam sempre vestindo as mesmas roupas e exercendo as mesmas atividades que os adultos. Somente a partir da virada ao século XVII é que o retrato de família mudou, surgindo a criança como o centro da família, utilizando roupas diversas das usadas pelos adultos – geralmente engraçadas -, e realizando atividades sem caráter produtivo, ou simplesmente sentada no colo do adulto.

Contudo, o seu surgimento teve um alto preço: as crianças passaram

a ser vistas como incapazes jurídica e socialmente, ou seja, como um objeto do adulto, sem vontades e sem direitos. Com a premissa da incapacidade, ao ser descoberta, começou ela a ser percebida por aquilo que não tinha ou não podia, nascendo com uma definição negativa. Essa é a concepção que sempre reinou em quase todas as épocas e lugares, e a qual pretendemos combater através da Doutrina da Proteção Integral.

No mesmo tempo histórico do descobrimento da criança também

observamos a extensão da educação privada à educação pública. Antes do século XVI a educação só destinava-se aos filhos dos homens ricos, que contratavam preceptores para prestar ensinamentos a sua prole. E foi na virada ao século XVII que a educação passou a ingressar no âmbito público, alcançando pessoas de outros segmentos sociais.

Todos são fatos que interrelacionam-se, e que servirão ao nosso

debate. Mas são importantes também para percebemos a evolução da legislação nacional e da normatização internacional a respeito dos direitos das crianças e adolescentes, procurando compreender as bases doutrinárias e as concepções político-sociais que sustentaram o Código de Menores e que sustentam o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A primeira manifestação internacional que tivemos em prol dos

direitos dos menores de idade foi a Declaração de Genebra, em 1924,e que dispunha sobre alguns direitos básicos, como à vida e à saúde. De aplicação prática muito tímida, e recomendada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, surge em 1959 a Declaração Universal dos Direitos da * O presente texto foi objeto de palestra proferida no Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho, realizada no dia 04 de janeiro de 1999. 1 O título do livro é Vitória social, história social da criança e do adolescente

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Criança, adotada pelas Organizações Unidas, e que constitui-se num marco importante na evolução dos direitos da criança.

Mas veio o ano de 1979, denominado Ano Internacional da Criança,

e com ele um projeto de lei polonês que propunha em 33 artigos, compromissar mais fortemente os países signatários da Declaração Universal, e outros que lhe adotassem. A partir da interposição do projeto formou-se um grupo internacional de trabalho, sediado em Genebra, a que chamaram de ‘Constituinte da Infância do Mundo’2. Concluídos os trabalhos, no ano de 1987 tiveram aprovado seu anteprojeto, seguindo-se sua adoção definitiva, como Convenção Sobre os Direitos da Criança, na Assembléia-Geral da ONU de 20 de novembro de 1989.

Convenção aberta a todos os Estados internacionais, mais de 100

países, incluindo o Brasil, já são signatários da Carta, fazendo lei nesses em face do acolhimento dos tratados e convenções internacionais, como fez nosso país nos termos do Decreto n. 99.710/90.

Contudo, a alteração efetiva e real no Direito do Menor brasileiro se

deu através da maciça aprovação da Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, ou o Estatuto da Criança e do Adolescente, como é intitulado e deve ser conhecido, que trouxe-nos uma visão completamente oposta às concepções anteriores. Por isso, é preciso retardarmos um pouco a história de nossa legislação nacional a fim de proporcionar uma visão das duas bases doutrinárias que foram objeto de aplicação no direito menorista brasileiro.

No Brasil, o primeiro Código de Menores que tivemos foi em 1927,

chamado de Código Mello Mattos, devido a sua autoria pelo 1º juiz de menores da América Latina, José Cândido de Albuquerque Mello Mattos. Em suas disposições trazia um direito de cunho tipicamente assistencial e compensatório, quase sem exercício jurisdicional. Os menores eram divididos em dois grupos: abandonados e delinqüentes.

De longa vigência no direito brasileiro, seguiram-lhe várias propostas

de modernização, até que em 1979 é publicado o nosso 2º Código de Menores, Lei Federal nº 6.697, acolhendo o que se denominou de Doutrina da Situação Irregular do Menor, as quais vinham enumeradamente expressas em seu art. 2º, agora partindo do princípio de proteção a três categorias de crianças: a abandonada, a vítima e a infratora.

O que se dava com essa legislação é que ainda continuávamos a ver

as crianças na situação jurídica de incapacidade, como objeto de medidas, sem vontades ou direitos, o que se vê, vem desde que foi descoberta. Então o Estado só concedia suas benesses àqueles que se encontravam em situação de falta, de carência ou de transgressão, ou seja, não atuava para garantir direitos, mas apenas para resgatá-los, mantendo a política compensatória. Se fazia de conta que se protegia, mas não se investia na conquista de direitos e no exercício da cidadania, ou num agir emancipacionista. Pela Doutrina da Situação Irregular, tanto a situação social quanto a situação jurídica competiam ao juiz, que ficava 2 Joelmir Beting (1987), A maior vítima, Jornal Correio do Povo, Porto Alegre/RS, 22 set., p. 4.

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equiparado a um ‘semi-deus’. O juiz de menores tutelava toda a infância e juventude do país, atuando discricionariamente na tomada de decisões. Agia em conformidade do que julgava benéfico para a criança, na perspectiva do seu melhor interesse (best interess of child), e não numa perspectiva da criança e do adolescente como sujeitos e credores de direitos. Não havia a figura do advogado e o Ministério Público era parte processual como ‘curador de menores’. As situações da pobreza da família eram problema do juiz que podia, por esse motivo, determinar a perda do pátrio poder dos pais. Também os comportamentos anti-sociais eram problemas do juiz, que acabava atuando como um bom ‘pai de família’. A concepção era a do controle social e não a da emancipação da cidadania.

Veio então o ano de 1988, e com ele a proclamação da Constituição

Federal Brasileira. Em seus artigos 204 e 227 a Constituição inovou sobretudo em 3 aspectos: definiu a criança e o adolescente como sujeito de direitos; promoveu a divisão de poder e a descentralização político-administrativa; e estabeleceu a participação popular no governo e no comando de ações públicas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi a lei complementar que

surgiu para regular os dispositivos constitucionais da área de proteção à infância à juventude, nos termos do art. 24, XV, da Carta Maior. Após longa discussão em que estiveram envolvidas a sociedade, diversas representações e instituições e o Poder Público, o Estatuto foi legislação aprovada por maciça maioria nas duas Casas do Congresso Nacional, tendo recebido sanção presidencial na íntegra. Publicada em 13 de julho de 1990, e prevendo o período de 90 dias para sua divulgação e adaptação, foi lei que entrou em vigor no território nacional a partir do dia 14 de outubro subseqüente. O Estatuto faz parte da normatização brasileira decorrente da Convenção Internacional da ONU, e que entre nós estabeleceu as bases doutrinárias da Doutrina de Proteção Integral, onde são reconhecidos com absoluta prioridade os direitos das crianças e adolescentes, com primazia de proteção, precedência de atendimento, preferência nas políticas públicas e privilegiada destinação de recursos.

Foi através de sua vigência que as crianças e adolescentes

passaram a ser vistos como credores de direitos, e não mais objeto de medidas, invertendo-se completamente a ótica encontrada. Pela Doutrina da Situação Irregular procurava-se conhecer e entender porque o menor encontrava-se em tal situação, e com isso resolver o problema, que era enfocado no infante; com a Doutrina da Proteção Integral, procura-se verificar como a família, a sociedade e o Poder Público estimularam e propiciaram a formação da criança e adolescente que encontra-se em situação de risco pessoal ou social, com ameaça ou violação de seus direitos (art. 98 do ECA). Quem está em situação irregular agora são os outros - a família, a sociedade e o Poder Público -, e a estes devem ser voltadas as medidas, não mais às crianças ou adolescentes, que devem ter pelo adulto assegurado o exercício de seus direitos. Sabemos que a criança e o adolescente que vemos é um resultado de uma (de)formação familiar e social, do meio em que vive, das suas relações que trava, dos vínculos que estabelece, das informações que recebe, etc. E é aqui justamente ressaltamos o importante papel da escola como processo educativo de construção do ser, e que deve atender a uma

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consciência de respeito e promoção do indivíduo, tornando-o apto a conquista de seus direitos e ao exercício pleno de sua cidadania. Assim é que dizemos que ao educando e seus pais deve ser dada a ciência do processo pedagógico da escola, garantindo-se suas participações na definição das propostas educacionais, bem como na disposição de normas acerca da convivência estudantil.

Se o resultado (criança/adolescente) apresenta ‘problemas’, é nosso

dever verificar qual o elemento formador falhou, e assim trabalhá-lo para que sejam resgatados os direitos. Muito mais do que tratar um adolescente envolvido com drogas, precisamos tratar os seus próprios pais (elemento gerador). De nada adiantará retirar um adolescente da droga se não revertermos o quadro familiar que lhe estimulou. A busca pela droga é a busca por aquilo que não se obteve em outras relações, e nisso a importância maior de tratá-las. Essa a nossa grande dificuldade, entendermos e assumirmos que muitas vezes o problema das crianças e adolescentes está em nós mesmos, e em tudo que lhes faltamos. Só se dá aquilo que se recebe e se aprendeu. Se um jovem recebe violência, projetará essa mesma violência para fora. O que ocorre é que as violências nem sempre têm a mesma dimensão ou se demonstram do mesmo jeito. E muitas vezes nos são imperceptíveis, mas continuam sendo violência. É preciso identificarmos isso e tentarmos mudar.

Em que pese o imenso avanço que tivemos com a vigência do

Estatuto, que incorpora a nova doutrina, vencendo séculos de uma visão negativa da criança e do adolescente, não podemos deixar de observar que a própria Lei não se livrou inteiramente da antiga discriminação, o que se comprova vendo que destinou toda a sua segunda parte (Livro II, Parte Especial), aos mesmos anteriormente ‘protegidos’ do Estado: o carente, o abandonado e o infrator. O certo é que a recente Doutrina de Proteção Integral e o novo paradigma dos direitos das crianças e adolescentes sempre serão alvo de fortes resistências de alguns estratos sociais, notadamente dos que vinham exercendo o seu poder em cima de uma autoridade autoritária.

Sabe-se que o direito da criança e do adolescente não dá voto, nem

dinheiro a ninguém, porque o sujeito de direitos aqui é a criança e o adolescente. Wanderlino Nogueira Neto, Consultor do UNICEF, com sabedoria expõe que:

“... o Estatuto da Criança e do Adolescente é diferente nesse ponto: ele tem legitimidade política pois nasceu dessa decisão do povo. Ele é principalmente gestação dessa grande sociedade sofrida. É por isso que ele provoca escândalo. É por isso que ele tem inimigos. Por que tanto medo? Por que tanta mentira contra o Estatuto? Por que as autoridades públicas utilizam os meios de comunicação na tentativa de difamar o Estatuto e sua alteração? ... eles têm tanto medo porque o estatuto é eficaz política e juridicamente, só por isso. O Estatuto não tem inimigos. O que tem inimigos é o projeto político que está embutido nele. O Estatuto prevê fazer com que um grupo de brasileiros – que é minoria política, sendo maioria demográfica – adquira sua cidadania. E sendo cidadãos, que ele tenha direitos. E tendo direitos, que ele os conheça. E os conhecendo, que saiba defendê-los, e que saiba cobrar do Estado

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que institua um sistema para a sua garantia. E que possa esse cidadão responsabilizar aqueles que lhe negarem direitos ...” (O Estatuto da Criança: Conquistas e Problemas Conjunturais)

A verdade é que já passados 8 anos de vigência do Estatuto, a

família, o Estado e a sociedade brasileiros ainda não apreenderam (ou não tiveram disposição nem vontade política para tal) o significado da Doutrina de Proteção Integral, ou mesmo os preceitos de garantia e defesa de direitos de crianças e adolescentes. Como se disse, não é uma área de interesse de muitas autoridades, tampouco das elites, que são os que verdadeiramente mandam e são detentores do poder.

Por fim, poderíamos manifestar que, com base na Constituição

Federal, e incorporando suas outras inovações antes citadas, referentes à descentralização político-social e à participação popular na atividade estatal (art. 204, I e II), surgem, com o Estatuto, os Conselhos Tutelares, que nesse encontram-se dispostos entre os arts. 131 e 140.

Conforme definição legal, o Conselho Tutelar é o órgão permanente

e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes (art. 131). E segundo nos expressa o Advogado e Educador Edson Sêda de Moraes, membro da Comissão Redatora do Estatuto, “é uma equipe de cinco pessoas, escolhidas pelos cidadãos do Município para atender casos de crianças e adolescentes ameaçados ou violados em seus direitos e tomar as providências adequadas para FAZER VALER esses direitos”. Portanto não é um órgão de atendimento de direitos, como muitos almejam fosse, nem é um pronto-socorro, que age diante de todas as emergências. É um órgão de defesa de direitos, que os protege e aponta responsabilidades dos que os ameaçam ou violam.

Em Porto Alegre existem 8 (oito) Conselhos Tutelares, com

competência territorial de atendimento delimitada em microrregiões. Os Conselhos Tutelares funcionam de forma regionalizada, de 2ª a 6ª feira, das 8 (oito) às 18 (dezoito) horas. Além deste horário, atuam em regime de plantão centralizado, com a presença mínima de 2 (dois) conselheiros, de microrregiões distintas, de 2ª a 6ª feira, das 18 (dezoito) às 8 (oito) horas, e sábados, domingos e feriados, às 24 (vinte e quatro) horas, com competência de atuação em toda a Capital. Na Capital ocorreu, no dia 1º de novembro de 1998, a posse da sua 3ª gestão de conselheiros tutelares, que exercerão o mandato pelo prazo de três anos, admitida uma recondução.

As atribuições do Conselho Tutelar encontram-se enumeradas no art.

136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo-lhe a fundamental a de zelar e defender direitos de crianças e adolescentes, pondo-os a salvo das situações de risco, pela difusão do novo direito e pela aplicação das medidas de proteção que a lei lhe concede. Fico por aqui, passando a palavra para demais painelistas. Obrigado.

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COMENTÁRIOS DOS ARTIGOS 131 A 140 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE*

Art. 131 – O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não

jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

Órgão permanente. O Conselho Tutelar ser um órgão permanete

não significa que deva funcionar 24 horas por dia, o que é exigível apenas dos serviços de atendimento. O Conselho Tutelar é permanente no sentido de que ‘veio para ficar’, não estando à sorte ou vontade do Prefeito, desta ou daquela autoridade.

Órgão autônomo. A autonomia do Conselho Tutelar se expressa de

duas formas: 1. em como o Conselho Tutelar vai atender suas atribuições, que tipo de ações irá realizar, de que forma se relacionará com a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público para a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, etc. 2. em que medidas irá aplicar e quando é o momento para aplicá-las. Em ambas não pode existir qualquer interferência.

Órgão não jurisdicional. O Conselho Tutelar não pertence ao Poder

Judiciário, não é um apêndice seu, nem veio simplesmente para desafogar a sobrecarga de trabalho dos ex-juízes de menores – embora assumam as situações jurídico-sociais a eles antes destinadas. O Conselho Tutelar é um órgão administrativo, ligado ao Poder Executivo Municipal, sendo desta natureza seus atos e suas ações. Então, o Conselho Tutelar não possui o poder de ‘dizer o direito num caso concreto’ (isso é típico e exclusivo à jurisdição).

Encarregado pela sociedade. Há uma necessidade de estreita

ligação do Conselho Tutelar com a comunidade. Os conselheiros tutelares devem ser “feitos do mesmo barro da sociedade”. Ao conselheiro não basta a legalidade da escolha, é preciso a legitimidade pelo desempenho da função. A forma de escolha mais democrática é através do voto direto, universal e facultativo dos munícipes, em processo divulgado na grande mídia.

Zelar pelo cumprimento dos direitos. Zelar é administrar, é

fiscalizar, é estar atento. Zelar pelo cumprimento de direitos não é atender os direitos, e sim fiscalizar para que quem deva atender não se omita. O Conselho Tutelar é um órgão de correção exógena, atuando supletivamente não para satisfazer a necessidade de atendimento, mas para promover a defesa de direitos e requisitar serviços indispensáveis. Anteriormente à aprovação do ECA, a redação que conceituava o Conselho Tutelar dizia: “... tendo por finalidade o atendimento dos direitos da criança e do adolescente”, e isso tinha estreita ligação com os requisitos à candidatura de conselheiro, que previam a necessidade de formação superior nas áreas de pedagogia, serviço social, psicologia, direito ou * O presente texto foi objeto de palestra proferida no XXIII Encontro Regional de Conselheiros Tutelares do Vale do Sinos, Caí e Paranhana, realizado no dia 29 de abril de 1999.

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sociologia. O texto do Estatuto aprovado não contempla essa velha redação; a finalidade não é o atendimento dos direitos, mas zelar pelo cumprimento dos direitos, defender e garantir para que aquele que deve atendê-los o faça, por isso nem se exige escolaridade, porque a sua nova função, são necessários outros saberes, habilidades e competências.

Art. 132 – Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho

Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução.

No mínimo um Conselho Tutelar. O Conselho Tutelar é uma das

maiores conquistas sociais na busca da proteção e efetivação de direitos, sendo um organismo público e social de máxima importância. Todo município deve possuir um Conselho Tutelar para o exercício das atribuições previstas na Lei. O Ministério Público é o agente competente para ajuizar a ação de responsabilidade do município pela não criação e falta de estruturação do seu Conselho Tutelar. O número de Conselhos Tutelares no município deve representar o necessário para cumprir somente o seu papel de fiscal do Sistema de Garantia e Proteção Integral, e não o número necessário para atender tudo aquilo que a família e os serviços públicos e comunitários ainda não estão fazendo. A necessidade de ter que funcionar 24 horas por dia, pode ser resultado do alto índice de ameaça ou violação de direitos praticado no município.

Cinco Membros. As ações e as decisões devem ser do Conselho,

fruto do coletivo e não do individual, pelo que se chamam de ações e decisões colegiadas. A população quando escolhe, escolhe um conselho e não um conselheiro, embora seja possível o voto singular. A idéia é do trabalho de grupo, da conjunção de ações, do interrelacionamento das habilidades e potencialidades dos membros, da construção conjunta. As atribuições previstas no ECA são do Conselho Tutelar e não do conselheiro tutelar, por isso é inadmissível que um Conselho Tutelar funcione com menos de cinco conselheiros (não estou falando de todos estarem o tempo todo juntos, nem de eventual atraso, falta, folga, licença, e dispensas legais).

Art. 133 – Para candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão

exigidos os seguintes requisitos: I – reconhecida idoneidade moral; II – idade superior a vinte e um anos; III – residir no município. Requisitos à candidatura. A primeira discussão que se trava é

acerca da posssibilidade ou não da ampliação de requisitos. Existe divergência na doutrina e na jurisprudência, mas a corrente amplamente majoritária prevê a possibilidade das leis municipais acrescentarem outros requisitos. Assim, os requisitos do ECA seriam apenas gerais, mínimos para todos os municípios brasileiros, independente de tamanho. Cabe a cada município, verificando sua particular necessidade, estabelecer através de lei, outros requisitos específicos. Dos que conhecemos com maior previsão, podemos citar a experiência no trato com crianças e adolescentes por período mínimo de 2 anos, o atestado de saúde

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física e mental, a indicação ou abono de entidades e órgãos públicos ligados à área infanto-juvenil, o grau de escolaridade, a prova de conhecimentos do ECA, e a entrevista com os candidatos.

Art. 134 – Lei Municipal disporá sobre local, dia e hora de

funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto a eventual remuneração de seus membros.

Local, dia e horário de funcionamento. Cabe à lei municipal dispor

sobre o local, dia e horário de funcionamento dos Conselhos Tutelares, respeitando a jornada máxima de 44h/semanais em relação aos conselheiros tutelares, como norma constitucional, ainda que atuem em regime de plantão.

Remuneração. É eventual a remuneração dos conselheiros, até

porque se todos os direitos forem respeitados e garantidos, o Conselho Tutelar terá muito pouco a fazer. A remuneração ou não deve ser estabelecida em lei, podendo levar em consideração fatores como a complexidade das suas demandas, o alto índice de violações de direitos e a necessidade de dedicação à causa. Algo que não pode ocorrer é apenas alguns conselheiros receberem remuneração, ou ainda, mesmo todos recebendo, alguns receberem-na diferenciada. Exceções que se admitiriam é o município remunerar somente o(s) conselheiro(s) que cumprir(em) o regime de plantão, ou ainda não remunerando ninguém, permitir que um conselheiro-servidor público, continue recebendo o salário que sempre recebeu.

Recursos para o funcionamento. O valor dos recursos destinados

ao funcionamento dos Conselhos Tutelares, aí incluindo, local, estrutura de pessoal, aparelhamento logístico para o desenvolvimento das ações e a renumeração dos conselheiros, deve constar na lei orçamentária do município, não sendo possível a destinação de verba do Fundo Municipal para esse fim, pois que seu dinheiro arrecadado deve ser empregado para outras finalidades.

Art. 135 – O exercício efetivo da função de conselheiro constituirá

serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

Serviço público relevante. O conselheiro quando investido em sua

função assume o posto de autoridade pública municipal, sendo seu serviço considerado de alta relevância, concedendo as benesses da presunção de indoneidade moral e da prisão especial em caso de crime comum.

Art. 136 – São atribuições do Conselho Tutelar: Inciso I – atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas

nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII; Atender crianças e adolescentes. O Conselho Tutelar atende

crianças (de zero a doze anos incompletos) e adolescentes (de doze a dezoito anos incompletos). Acima dessa idade, não há exceções, como por exemplo a

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deficiência ou doença mental. É totalmente inaplicável ao Conselho Tutelar o parágrafo único do art. 2º do Estatuto.

Atender direitos. Existem muitas formas de se atender direitos, não

apenas ficar sentado no Conselho atendendo os usuários. Nenhuma deve ser desconsiderada, desde que atendam ao papel do conselheiro tutelar, de defesa e proteção de direitos. Desta forma também pode-se dizer que se está atendendo direitos quando se está promovendo um seminário numa escola, participando de uma capacitação ou visitando a comunidade e verificando suas carências. O Conselho Tutelar é autônomo para definir suas ações no cumprimento de suas atribuições legais.

Hipóteses do art. 98. O projeto de lei do Estatuto previa situações

concretas às quais considerava como de risco pessoal e/ou social. Entre elas estava a falta de habitação certa e de ensino fundamental, envolvimento com a prostituição, a inadaptação familiar e comunitária, o uso e a dependência de drogas, e a prática de ato infracional. Prevendo a inesgotabilidade das situações, o que daria ao artigo caráter meramente exemplificativo, a opção foi estabelecer situações abstratas de ameaça e violação (por ação ou omissão da sociedade e do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; em razão de sua conduta).

Criança autora de ato infracional. A pessoa até 12 anos

incompletos – criança – que praticar ato infracional (qualquer ato tipificado como crime ou contravenção penal) será atendida pelo Conselho Tutelar, que aplicará as medidas de proteção previstas no art. 101, I a VI do ECA. Ao contrário do que existe em relação ao adolescente infrator, cujo atendimento é judicial, a criança não possui previsões legais para a garantia de seus direitos diante da discricionariedade típica das ações da Administração Pública.

Medidas de proteção. Muitos conselheiros tutelares confundem-se

na aplicação da medida do inciso II do art. 101 do ECA. A orientação, apoio e acompanhamento temporário não é o Conselho Tutelar que realiza, mas um programa com essas qualidades. O Conselho Tutelar aplica a medida que outro órgão irá executar. O abrigo em entidades é medida extremada, devendo figurar somente como medida provisória e excepcional, como forma de ingresso em família substituta. O que vemos diariamente é a criança e o adolescente sendo abrigados fora dessas hipóteses, muitas vezes por abuso dos conselheiros ou por morosidade do procedimento judicial de afastamento do agressor do lar. O dirigente do abrigo é o guardião (art. 92, parágrafo único, do ECA), decorrendo-lhe todos os deveres inerentes à guarda.

Inciso II – atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as

medidas previstas no art. 129, I a VII; Atender e aconselhar os pais ou responsável. O Conselho Tutelar

atende os pais ou responsável (não suas necessidades) e aconselha-os sobre a sua situação e os encaminhamentos que poderão tomar. Ao aplicar uma medida (art. 129, I a VII do ECA) o conselheiro responsabiliza os pais ou responsável,

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cobrando-lhes cumprimento da aplicação. O descumprimento de suas determinações é infração administrativa que sujeita os pais ou responsável a multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

Inciso III – promover a execução de suas decisões, podendo para

tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação,

serviço social, previdência, trabalho e segurança; Executar suas decisões. O Conselho Tutelar aplica medidas e

executa suas decisões através da requisição de serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança. Requisitar é um verbo de ordem, imperativo, que imprime a obrigação do acatamento (não é nenhuma solicitação ou um pedido). As áreas de serviço enumeradas são exemplificativas, podendo serem requisitados serviços públicos em outras áreas.

b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de

descumprimento injustificado de suas deliberações; Requisição e representação. Abre a faculdade do Conselho Tutelar

entrar diretamente com um procedimento judicial (capacidade postulatória) – arts. 194 e ss. do ECA – figurando como autor (capacidade de ser parte em juízo) contra aquele que injustificadamente descumpriu uma de suas deliberações.

Inciso IV – encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que

constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

Encaminhamento de notícia ao Ministério Público. Dar ciência de

algum fato que constitua infração penal (arts. 228 a 244 do ECA, ou Código Penal e demais leis esparsas) ou administrativa (arts. 245 a 258 do ECA). Tendo conhecimento de infração penal, o encaminhamento da notícia ao Ministério Público é obrigatório, sendo única autoridade competente para promover a denúncia ao juízo. O Conselho Tutelar poderá encaminhar a notícia ao Ministério Público solicitando providências, como a instauração de inquérito policial e o requerimento da designação de curador especial. Em relação à infração administrativa, esta poderá ser ajuizada pelo Conselho Tutelar diretamente à autoridade judiciária (arts. 194 e ss. do ECA), ou ainda encaminhada ao Ministério Público para que assim ele proceda.

Inciso V – encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua

competência; Encaminhamento dos casos judiciais. Os casos de competência

do Juiz da Infância e da Juventude são aqueles previstos nos arts. 148 e 149 do ECA. Assim, sempre que tratar-se de algum desses assuntos, o Conselho Tutelar encaminhará o caso à autoridade judiciária. Como visto no inciso III supra, ainda

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existem os requerimentos judiciais facultados pelo art. 194 e ss. do ECA, além daqueles provenientes da fiscalização de entidades (art. 191 e ss.).

Inciso VI – providenciar a medida estabelecida pela autoridade

judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

Providenciar a medida estabelecida pelo juiz ao adolescente

infrator. A medida a ser providenciada pelo Conselho Tutelar já deve vir estabelecida pelo juiz, dentre as do art. 101, I a VI do ECA. Afora a medida estabelecida pelo juiz, poderá o Conselho Tutelar cumular qualquer outra medida, desde que não afronte a medida judicial. No atendimento realizado ao adolescente, o Conselho não deve enfocar o ato infracional praticado, deve verificar e analisar a situação de risco pessoal e social dele. Há controvérsia quanto a impossibilidade do juiz aplicar a medida de abrigo (art. 101, VII, do ECA), sendo mais incorpada a que impede a aplicação. Aos que admitem, vigora o fundamento de que “quem pode mais – internar -, pode menos – abrigar -. Aos que não admitem, respondem pela letra da lei, além da natureza e do conteúdo da medida de proteção.

Inciso VII – expedir notificações; Expedir notificações. Para alguns (maioria), notificar é determinar o

comparecimento no Conselho Tutelar; para outros (minoria), notificar é promover a ciência de algo, determinar uma situação, por ex. notificamos o estabelecimento comercial de que não é permitida a venda de bebida alcóolica a menores de 18 anos. Na prática conhecida dos Conselhos Tutelares, a notificação é uma simples convocação para comparecimento, não cumprindo ser uma atribuição em si, mas sim um mero meio de poder cumprir com outras atribuições (incisos I e II).

Inciso VIII – requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança

ou adolescente, quando necessário; Requisitar certidões. Em primeiro lugar não se trata de solicitação,

mas requisição (ordem), sob pena de crime de embaraço (art. 236 do ECA). Em segundo lugar não existem custas a pagar (art. 102 do ECA). Em terceiro lugar só é possível requisitar certidão de nascimento e óbito de crianças e adolescentes (até 18 anos completos) e quando necessário ao Conselho Tutelar, para fins de sua atuação. Aos reconhecidamente pobres e outros, independente de sua situação, é assegurada por lei federal a gratuidade para o registro e a obtenção de certidões, bastando a utilização da declaração de pobreza.

IX – assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta

orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

Assessorar o Poder Executivo. O Conselho Tutelar é um serviço-

de-ponta, é o local aonde chegam as demandas de ameaça e violação de direitos. A partir da análise do grau de incidência das categorias de violação de direitos, é

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possível o Conselho Tutelar avaliar as carências no sistema municipal de proteção e atendimento aos direitos, assessorando o poder executivo municipal na elaboração de proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Dessa atribuição decorre a íntima relação que deve existir entre o Conselho Tutelar e o Conselho de Direitos, que delibera a política municipal e destina recursos do fundo para programas que atendam as prioridades apontadas.

X – representar, em nome da pessoa e da família, contra violação

dos direitos previstos no art. 220, parágrafo. 3º, inciso II, da Constituição Federal; Representação. O art. 220, parágrafo 3º, II, do Carta Constitucional

brasileira prevê o estabelecimento de meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem, entre outros previstos no art. 221 da Constituição Federal, a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. O Conselho Tutelar e a sua representação são alguns dos meios legais criados.

Inciso XI – representar ao Ministério Público, para efeito das ações

de perda ou suspensão do pátrio poder. Representar ao Ministério Público para as ações de perda ou

suspensão do pátrio poder. O ajuizamento dessas ações, notadamente da ação de perda do pátrio poder, deve ser verificado criteriosamente. Tratam-se de medidas extremadas, só propostas em decorrência de forte constatação da inviabilidade do estabelecimento ou manutenção de vínculo. Em geral significam o resultado de todo um processo de atendimento da família, com aplicação e descumprimento de medidas, num quadro regressivo e sem qualquer perspectiva de mudança da realidade. É preciso lembrar que para se representar é necessária a prova da parternidade dos pais (registro civil, certidão de nascimento que conste o nome deles), já que não há como se suspender ou haver perda do pátrio poder de quem nem pai ou mãe é.

Art. 137 – As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser

revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse. Decisões do Conselho Tutelar. O Conselho Tutelar goza de um

poder discricionário para agir e para decidir seus casos de atendimento. São suas mais destacadas expressões de autonomia. Não há obrigatoriedade do Conselho Tutelar proferir decisão escrita, nem de aprofundar-se em uma fundamentação. Como órgão de defesa da cidadania, cabe sempre ao Conselho Tutelar informar a possibilidade do recurso judicial de suas decisões.

Art. 138 – Aplica-se ao Conselho Tutelar a regra de competência

constante do art. 147. Competência. Estamos falando dos limites territoriais de exercício

das atribuições, não do poder de agir. Na matéria, o art. 138 remete-nos ao art.

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147 do ECA, estabelecedor da competência do Juiz da Infância e da Juventude. Nos termos do inciso I do art. 147: “a competência será determinada pelo domicílio dos pais ou responsável”, mas à falta dos pais ou responsável, “a competência será determinada pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente” (inciso II). É preciso dizer que a falta dos pais, no inciso II, não é aquela momentânea, de ocasião, mas aquela consagrada como tal, a ausência. Afora a pacífica aplicação dos incisos I e II, existe divergência doutrinária a respeito da aplicação ou não dos parágrafos, notadamente do primeiro, que diz respeito à determinação da competência em razão do local da prática do ato infracional. Neste sentido, Luis Edmundo Labanca e Paulo Lúcio Nogueira, como também nós entendemos, posicionam-se pela aplicação única dos incisos. Seja em que hipótese for, será apresentado ao Conselho Tutelar com competência de ação na área do domicílio da família e da comunidade. A única hipótese de alteração de competência é no caso da falta dos pais, quando, por inexistência ou ausência deles, o Conselho Tutelar competente é o do local onde a criança ou adolescente se encontra.

Art. 139 – O processo para a escolha dos membros do Conselho

Tutelar será estabelecido em Lei Municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a fiscalização do Ministério Público.

Processo de escolha. O processo de escolha dos conselheiros

tutelares pode se dar de diversas formas, como se tem conhecimento de vários municípios nacionais. Poderá existir uma indicação do executivo municipal ou de entidades, com aval deste; poderá haver eleições diretas dos munícipes; poderá haver eleições através de um Colégio de Representantes pré-escolhido para tal tarefa, etc. O processo de escolha é de responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a fiscalização do Ministério Público.

Art. 140 – São impedidos de servir no mesmo Conselho marido e

mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o cunhadio, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado.

Parágrafo único – Estende-se o impedimento do conselheiro, na

forma deste artigo, em relação à autoridade judiciária e ao representante do Ministério Público com atuação na Justiça da Infância e da Juventude, em exercício na comarca, foro regional ou distrital.

Impedimentos. O artigo traz um rol de impedidos. As dúvidas giram

em torno de ser ou não um rol exaustivo, e ocorrer o impedimento enquanto servindo no mesmo Conselho e ao mesmo tempo ou independente desse, bastando ser no mesmo Conselho. Sobre as extensões do parágrafo único, a dúvida que paira é, se ambos estiverem assumindo no mesmo dia e hora, quem não poderá assumir: o conselheiro tutelar escolhido por uma comunidade ou o bacharel que foi aprovado num concurso público? Em que pese a valiosa preocupação com a lisura das ações do Conselho Tutelar e dos demais agentes da justiça com ele envolvidos, as disposições ambíguas deixaram respostas abertas. Note-se, ainda que o impedimento refere-se não só a um município, mas a uma comarca, o que pode abranger vários municípios, onde apenas um juiz ou

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promotor impediria parentes de vários municípios de concorrerem à função de conselheiro tutelar. BIBLIOGRAFIA: BRASIL. Projeto de Lei nº 5.172, de 1990. Brasília: Senado Federal, 1990.

______. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

Brasília: 1988.

______. Lei Federal nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do

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A CRIANÇA, O ADOLESCENTE E A NOVA LEI*

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE CONTAM COM CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E LEIS NACIONAIS QUE PROTEGEM OS SEUS DIREITOS

Como resultado histórico de um forte empenho internacional na

conquista e efetivação dos Direitos da Criança, e fundamentado essencialmente na Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, enfocando-os como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 20 de novembro de 1989 a Convenção Sobre os Direitos da Criança.

Mais de uma centena e meia de países, inclusive o Brasil, foram

signatários dessa Carta Internacional, que compromissou-os a uma regulamentação nacional dos seus princípios. No Brasil, o novo paradigma contido na Convenção Sobre os Direitos da Criança teve recepção na Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Com a assinatura da Convenção, a ONU e as demais nações assumiram um compromisso com a proteção e a defesa da cidadania plena das crianças e adolescentes. O Estatuto faz parte da normatização brasileira decorrente da Convenção das Nações Unidas, e que entre nós estabeleceu as bases doutrinárias da Doutrina de Proteção Integral, onde são reconhecidos com absoluta prioridade os direitos das crianças e adolescentes, com primazia de proteção, precedência de atendimento, preferência nas políticas públicas e privilegiada destinação de recursos.

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE DETÊM A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

A Doutrina da Proteção Integral é inovadora enquanto sua

concepção sustentadora. A criança e o adolescente passaram a ser vistos como credores de direitos, que devem ser assegurados com absoluta prioridade. Inverte-se a ótica antes apresentada, que simplificava o problema e centrava-o no menor. Pela Doutrina da Situação Irregular procurava-se conhecer e entender porque o menor encontrava-se em tal situação, e com isso resolver o problema, que era enfocado no infante; com a Doutrina da Proteção Integral, procura-se verificar como a família, a sociedade e o Poder Público estimularam e propiciaram a formação da criança e adolescente que encontra-se em situação de risco pessoal ou social, com ameaça ou violação de seus direitos (art. 98 do ECA). Quem está em situação irregular agora são os outros - a família, a sociedade e o Poder Público -, e a estes devem ser voltadas as medidas, não mais às crianças ou adolescentes.

Como corolário da Doutrina da Proteção Integral o art. 227 da

Constituição Federal brasileira – acolhido pelos artigos 4º e 5º do Estatuto da * Esses textos encontram-se publicados no Estatuto da Criança e do Adolescente editado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Porto Alegre/RS (1999).

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Criança e do Adolescente – explicita que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além, de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE SÃO ABSOLUTA PRIORIDADE

Colocamo-nos diante de termos com significados claros, definitivos e

limites. Prioridade é o que vem antes de tudo ou precede a qualquer outra coisa. É a qualidade do que está em primeiro lugar; o direito de falar antes ou de ser atendido por primeiro. Absoluto é algo que não tem limites, que não sofre restrições; é algo incondicional, incontestável, exprimindo o mais alto grau de definição, sem comparação. Assim, assegurar direitos com absoluta prioridade é colocá-los acima de qualquer outro interesse. Poderão existir direitos ou interesses mais urgentes ou emergenciais, mas nunca existirão direitos mais prioritários que os direitos de crianças e adolescentes. A sua prioridade absoluta é única.

No Estatuto da Criança e do Adolescente a garantia da prioridade

compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a

proteção à infância e à juventude.

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE SÃO SUJEITO DE DIREITOS Nos revela o historiador francês Philippe Ariès que antes do século

XVI não existia distinção entre crianças e adultos. As crianças vestiam as mesmas roupas e exerciam as mesmas atividades dos adultos. Somente no século XVII é que o retrato da família mudou, surgindo a criança com roupas diferentes das dos adultos, geralmente engraçadas, realizando atividades sem caráter produtivo, paradas ou apenas brincando. Contudo, o seu surgimento teve um alto preço: as crianças passaram a ser vistas como incapazes jurídica e socialmente, ou seja, como um objeto do adulto, sem vontades e sem direitos. Com a premissa da incapacidade, ao ser descoberta, começou ela a ser percebida por aquilo que não tinha ou não podia, nascendo com uma definição negativa. Essa é a concepção que sempre reinou em quase todas as épocas e lugares, e que pretendemos combater através da Doutrina da Proteção Integral e da determinação da criança e do adolescente como sujeito de direitos.

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE TÊM GARANTIA DE DEFESA

A Constituição Federal brasileira e o Estatuto da Criança e do

Adolescente asseguram à criança e ao adolescente diversos órgãos de proteção e

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defesa de direitos, além de instrumentos legais para fazerem valer esses direitos. O Conselho Tutelar e o Ministério Público têm atribuições específicas de zelar pelo cumprimento de direitos e pelo efetivo respeito às garantias legais asseguradas às crianças e adolescentes, promovendo medidas judiciais e extrajudiciais e requisitando serviços de atendimento.

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE ESTÃO EM CONDIÇÃO

PECULIAR DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO As crianças e adolescentes têm todos os direitos dos adultos que

sejam aplicáveis à sua idade. Além desses, têm direitos especiais decorrentes da sua condição de pessoas em processo de desenvolvimento físico, psicológico e moral. Esses direitos especiais são necessários porque as crianças e adolescentes não conhecem plenamente seus direitos, não tem condições de exigir sua concretização, nem têm possibilidade de suprir por si mesmos suas necessidades básicas. Na interpretação do Estatuto levar-se-ão em conta os fins sociais a que ele se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (art. 6º, ECA)

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE TÊM CIDADANIA GARANTIDA

Pela Doutrina da Situação Irregular, o juiz de menores tutelava toda a

infância e juventude brasileiras, atuando discricionariamente na tomada de decisões. Agia em conformidade com o que julgava benéfico para a criança, na perspectiva do seu melhor interesse (best interess of child), não numa perspectiva da criança e do adolescente como sujeito de direitos. A concepção era a do controle social e não a da cidadania emancipatória. A Doutrina da Proteção Integral atende a efetiva construção do ser, atendendo a uma consciência de respeito e promoção do indivíduo, tornando-o apto a conquista de seus direitos e ao exercício pleno de sua cidadania. Ser cidadão é exercer direitos. Para exercê-los é necessário conhecê-los, bem como aos meios de acessá-los. Com a Constituição Federal e o Estatuto houve o reconhecimento da cidadania das crianças e adolescentes, i é, de que eles têm direito de ter direitos. O Estatuto altera a abordagem assistencialista para um enfoque emancipador de quem está privado do exercício de seus direitos. O que conta é dignidade da conquista de direitos e não a generosidade, o favor, a submissão e a dependência.

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE EXIGEM

COMPROMISSO E SERIEDADE POLÍTICOS Toda criança e adolescente têm direito à uma política de atendimento

de direitos que os efetive. São linhas de ação da política de atendimento:

a) as políticas sociais básicas, como a vida, a saúde, a educação e a profissionalização, que são estendidas a todos e é dever do Estado;

b) as políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, como a alimentação e o vestuário, disponibilizados apenas àqueles que delas necessitem;

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c) políticas de proteção especial, direcionadas à prevenção e ao atendimento das situações de risco pessoal e social como a negligência, os maus tratos, a exploração, o abuso, a crueldade e a opressão;

d) políticas de garantias, para promoção da segurança e proteção jurídico-social dos direitos das crianças e adolescentes.

A Constituição Federal incorporando os arts. 204 e 227 inovou

também em outros dois aspectos: promoveu a divisão de poder e a descentralização político-administrativa; estabeleceu a participação popular no governo e no comando e gestão das ações públicas. O Estatuto então rompeu com a estrutura centralizada na FUNBABEM, municipalizando os atendimentos e as deliberações na formulação e efetivação das políticas. Nasce um novo modelo de co-gestão pública, onde o povo é Estado sem ser governo. Fotalecem-se os Municípios. Há uma mudança profunda nas relações sociedade-Poder Público. A atuação direta da população na gestão política é feita através dos Conselhos Nacional, Estadual e Municipais de Direitos, formados em composição paritária, e com poderes deliberativos, normativos, controladores de ações e formuladores de políticas.

A CRIANÇA E O ADOLESCENTE CONTAM COM O CONSELHO TUTELAR

O Conselho Tutelar é uma das maiores conquistas sociais que

surgiram através do Estatuto da Criança e do Adolescente. O Conselho Tutelar tem a função de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes, atuando como órgão de defesa e proteção de direitos, fiscalizador da família e dos serviços públicos e privados de atendimento de direitos. A ação do Conselho Tutelar não deve substituir a inexistência do atendimento, mas responsabilizar aquele que devia prestá-lo. O Conselho Tutelar faz parte do novo paradigma do Direito da Criança e do Adolescente, fazendo valer os seus direitos como absoluta prioridade, segundo prevê o Estatuto.

O Conselho Tutelar atua na garantia de direitos numa perspectiva

emancipatória de exercício da cidadania das crianças e adolescentes e de suas famílias. O Conselho Tutelar é um mobilizador social e um tencionador político de cobrança das estruturas e programas colocados à disposição para o atendimento de direitos das crianças e adolescentes. Tem raiz na comunidade local, por quem é escolhido, exercendo por 3 (três) anos um serviço público de natureza relevante.

Cada lei municipal estabelecerá o local, dia e horário de

funcionamento do Conselho Tutelar, e também sobre eventual remuneração de seus membros. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como requisitos à função de conselheiro tutelar, a idoneidade moral, a idade superior à 21 anos e a residência no município de atuação. O processo de escolha dos conselheiros tutelares deve ser estabelecido por lei municipal, sendo realizado sob responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a fiscalização do Ministério Público.

O Conselho Tutelar tem a atribuição de atender crianças e

adolescentes em situação de risco, aplicando-lhes medidas de proteção. As

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situações de risco pessoal e social de crianças e adolescentes ocorrem quando seus direitos encontram-se ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, ou em razão da própria conduta da criança ou adolescente. Além das crianças e adolescentes, o Conselho Tutelar atende os pais ou responsável, podendo aplicar medidas a eles pertinentes.

Ao aplicar as medidas, o Conselho Tutelar encaminhará a criança o

adolescente e a família para cumpri-las, podendo requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança, entre outros não previstos no Estatuto. Toda medida que o Conselho Tutelar aplicar poderá ser revista pela autoridade judiciária mediante pedido da pessoa interessada. O Conselho Tutelar noticiará ao Ministério Público todo conhecimento de fato que constitua crime, contravenção penal ou infração administrativa contra os direitos das crianças e adolescentes, para que este proceda à adoção das providências legais de apuração do fato e responsabilização dos envolvidos.

O Conselho Tutelar não tem competência para definir sobre guarda,

adoção, investigação de paternidade, pensão alimentícia, registro de nascimento, separação de corpos, afastamento do agressor do lar, busca e apreensão de criança e adolescente ou de bens e objetos pessoais, casos que deverá encaminhar à autoridade judiciária. O Conselho Tutelar atua em razão do local do domicílio dos pais ou responsável da criança ou adolescente que teve seus direitos ameaçados ou violados. O Conselho Tutelar deverá assessorar o Poder Executivo na elaboração de proposta orçamentária para planos e programas de atendimento.

A CRIANÇA, O ADOLESCENTE E O ATO INFRACIONAL

Criança – pessoa até doze anos de idade incompletos

Adolescente – pessoa entre doze e dezoito anos incompletos

Ato infracional – toda conduta descrita como crime ou contravenção penal

Inimputabilidade – são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,

sujeitos às medidas de proteção e sócio-educativas. O menor de dezoito anos é

considerado inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de

determinar-se de acordo com esse entendimento

Conselho Tutelar – é a autoridade competente para atender e aplicar medidas

de proteção à criança autora de ato infracional

Juizado da Infância e da Juventude – é a autoridade competente para atender

e aplicar medidas de proteção e/ou sócio-educativas ao adolescente autor de ato

infracional

Medidas de Proteção – aplicáveis às crianças e adolescentes

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Medidas Sócio-educativas – aplicáveis aos adolescentes

Ministério Público – é a autoridade que defende o interesse público e a ordem

jurídica ante os órgãos jurisdicionais, promovendo e acompanhando os

procedimentos relativos aos adolescentes autores de ato infracional

Advogado/Defensoria Pública – a defesa técnica por advogado e a assistência

judiciária gratuita são garantias legais asseguradas ao adolescente autor de ato

infracional

Curador Especial – é o representante ou assistente da criança ou adolescente

que carecer dos pais ou responsável, ainda que eventualmente, ou quando

colidirem os interesses destes com os da criança ou adolescente

Polícia – é a repartição policial especializada deverá atender o adolescente

Competência – será competente a autoridade do lugar da prática do ato

infracional

Legislação – será utilizada a lei da época da prática do ato infracional

Procedimento – aplicável à apuração do ato infracional atribuído ao adolescente

(artigos 171 a 190)

Privação de liberdade – ninguém será privado de liberdade senão em flagrante

delito ou mediante ordem escrita e fundamenta da autoridade judiciária

competente

Condução e transporte – vedados a condução e o transporte em condições

atentatórias à dignidade ou que impliquem risco à integridade física ou mental das

crianças e adolescentes

Divulgação – vedadas a divulgação e a extração de cópias de atos que digam

respeito a crianças e adolescentes autores de ato infracional

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CONSELHOS TUTELARES PERGUNTAS & RESPOSTAS*

1 - O que é o Conselho Tutelar?

É um órgão público, que atua na esfera municipal, encarregado de

zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. O Conselho Tutelar não presta o atendimento direto, mas atua de forma a viabilizá-lo em casos concretos de ameaça ou violação de direitos. É um órgão permanente, que não pode ser dissolvido pelo Prefeito Municipal, e autônomo, que não pode sofrer qualquer interferência em relação ao modo de cumprimento de suas atribuições e na oportunidade e conveniência de sua aplicação de medidas de proteção. Além disso, é não-jurisdicional, ou seja, não é dotado de jurisdição, não integrando o Poder Judiciário, mas sim o Poder Executivo.

2 - A quem cabe a criação do Conselho Tutelar?

À lei municipal, devendo o Executivo Municipal instalá-lo, garantindo

sua estrutura de funcionamento, sua manutenção e seu apoio administrativo, bem como, fixando a eventual remuneração dos Conselheiros Tutelares. A iniciativa de elaboração da lei é de competência privativa do Chefe do Executivo Municipal, que deverá respeitar as disposições contidas na Constituição Federal e no ECA, além de observar as peculiaridades locais, através da participação popular, em reuniões conjuntas com o Legislativo Municipal, organizações governamentais e não-governamentais, sindicatos, associações de bairro, educadores, profissionais de saúde, entre outros.

3 - Quais são as atribuições do Conselho Tutelar?

O Conselho Tutelar atua em duas frentes de ação, igualmente

importantes: uma preventiva, fiscalizando entidades, mobilizando sua comunidade ao exercício de direitos assegurados à todo cidadão, cobrando as responsabilidades dos devedores do atendimento de direitos à criança e ao adolescente e à sua família, e outra remediativa, agindo diante da violação consumada, defendendo e garantindo a proteção especial preconizada no ECA. Suas atribuições estão centradas em vários artigos do ECA, sendo elas:

* O presente texto encontra-se publicado no Manual de Perguntas e Respostas para Implantação dos Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares e Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, editado pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Rio Grande do Sul (1999).

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Em relação à Criança e ao Adolescente:

a) Atender as crianças e adolescentes que tiverem seus direitos ameaçados ou violados - Artigos 136, Inciso I e 98:

- por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

- em razão de sua conduta.

b) Atender as crianças autoras de ato infracional – Artigos 136, Inciso I e 105;

c) Aplicar, isolada ou cumulativamente, podendo substituir a qualquer tempo, medidas de proteção, devendo levar em conta as necessidades pedagógicas, e preferindo as que visem o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários – Artigos 99, 100 e 101, Incisos I a VII:

- encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

- orientação, apoio e acompanhamento temporários;

- matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

- inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

- requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico em regime hospitalar ou ambulatorial;

- inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

- abrigo em entidade.

Em relação ao Registro Civil de Pessoas Naturais:

Requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário - Artigo 136, Inciso VIII;

Em relação às Instituições de Saúde e Estabelecimentos de Ensino Fundamental:

Receber a comunicação obrigatória - Artigos 13 e 56:

- dos casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra a criança e o adolescente, sem prejuízo da tomada de outras providências legais por parte do comunicante;

- das situações de reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, após esgotados os recursos escolares;

- de elevados níveis de repetência.

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Em relação aos pais ou responsável:

a) Atender e aconselhar os pais ou responsável, exigindo o cumprimento dos deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação do Conselho Tutelar – Artigos 136, Inciso II e 4º;

b) Aplicar medidas pertinentes aos pais ou responsável - Artigo 129, Incisos I a VII:

- encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;

- inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento à alcoólatras e toxicômanos;

- encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

- obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;

- obrigação de encaminhar criança ou adolescente a tratamento especializado;

- advertência;

c) Expedir notificações para comparecimento – Artigo 136, Inciso VII.

Em relação às Entidades de Atendimentos:

Fiscalizar as entidades governamentais e não governamentais, referidas no Art. 90. – Artigo 95.

Em relação ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente:

Receber a comunicação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente sobre os registros de entidades governamentais e não governamentais, bem como sobre inscrição de programas e suas alterações – Artigos 90 e 91;

Em relação ao Poder Executivo:

Assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente – Artigo 136, Inciso IX

Em relação aos serviços públicos:

Promover a execução de suas decisões, podendo para tanto, requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança – Artigo 136, Inciso III, a.

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Em relação ao Ministério Público:

a) Encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente – Artigo 136, Inciso IV;

b) Representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, Inciso II, da Constituição Federal – Artigo 136, Inciso X;

c) Representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder – Artigo 136, Inciso XI.

Em relação à Autoridade Judiciária:

a) Encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência - Artigos 136, Inciso V, 148 e 149;

b) Providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional – Artigo 136, Inciso VI;

c) Oferecer representação à autoridade judiciária:

- para efeito de apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente – Artigo 194;

- para efeito de apuração de irregularidades em entidade governamental ou não-governamental de atendimento – Artigo 191;

- nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações - Artigo 136, Inciso III, b.

4 - Como é formado o Conselho Tutelar?

Cada Conselho Tutelar é formado por cinco membros, escolhidos pela comunidade local, para um mandato de três anos, permitida uma recondução.

5 - Os Conselheiros Tutelares podem ser reconduzidos ao

cargo sem passarem pelo processo de escolha?

Não, a condução e a recondução se dão somente pelo processo de escolha da comunidade local. O Artigo 132 do ECA é claro ao estabelecer isto e que será permitida uma recondução. Judá Jessé de Bragança Soares, Juiz de Direito, Coordenador da Justiça da Infância e da Juventude na Corregedoria Geral de Justiça/Rio de Janeiro, ao comentar a Art. 132 no livro “Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado”, da Editora Malheiros, pág. 407, assim pronunciou: “A escolha dos Conselheiros será feita pela comunidade local, na forma em que a lei municipal determinar, obedecendo ao processo previsto no Art. 139 do Estatuto. A

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permissão de recondução é restrita: uma só vez. Mas só é considerada recondução a escolha para um mandato imediatamente seguinte, nada impedindo que o Conselheiro, após passar um mandato sem se candidatar, volte a ocupar o cargo, pois, nesse caso, não estaria havendo recondução.”

6 - Como escolher os Conselheiros Tutelares?

A lei municipal estabelecerá o processo para escolha, a ser realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e a fiscalização do Ministério Público.

7 - Quem escolhe os Conselheiros Tutelares?

A escolha dos membros do Conselho Tutelar será feita pela comunidade, podendo a lei municipal optar pela eleição direta, universal e facultativa, com voto secreto ou pela escolha indireta, através da formação de um Colégio Eleitoral formado por entidades de atendimento aos direitos de crianças e adolescentes, instituições ou associações que compõe o Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente, ou conforme a lei municipal dispuser.

8 - Quais os direitos trabalhistas e previdenciários dos

Conselheiros Tutelares? Se tem Direitos, como fica a substituição? (principalmente direito a férias, licença-maternidade ou gestação, direitos previdenciários, 13º salário, licenças para tratamento de saúde ou por motivos particulares?

Não existem direitos trabalhistas, enquanto relação empregatícia regida pela CLT. Entretanto, os direitos resultantes da relação estabelecida entre os Conselheiros Tutelares e a Prefeitura Municipal são aqueles previstos em lei municipal e, na sua omissão, os direitos constitucionais e os estatutários aplicáveis ao servidor público comum, no que for cabível. Todas as vantagens e obrigações inerentes ao Servidor/Agente Público Municipal abrangem também os Conselheiros Tutelares, desde que estejam previstas em Lei Municipal. No caso de afastamento temporário por doença, férias, licenças, etc. previstos em Lei Municipal, deve ser convocado o suplente imediato para substituí-lo. As licenças para tratar de assuntos particulares, quando permitidas pela lei municipal, deverão ser solicitadas junto à Prefeitura Municipal.

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9 - Quais as formas legais de remuneração de Conselheiro Tutelar?

Os recursos para efetuar a remuneração do Conselheiro Tutelar devem, obrigatoriamente, constar no orçamento público. Para a definição do valor da remuneração, o Executivo, Legislativo e Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, devem valer-se do “bom senso”, considerando os recursos da Prefeitura Municipal, a política de recursos humanos vigente no Município, o volume de casos atendidos e a complexidade de ações exigidas, respeitada sempre a devida valorização da função do Conselheiro Tutelar.

10 - O mesmo Conselho Tutelar pode ter alguns Conselheiros

remunerados e outros não?

Os cargos de Conselheiros Tutelares são criados por lei municipal que define, inclusive, a existência e o valor da remuneração percebida pelo efetivo exercício da função. Portanto, a norma abrange indistintamente todos os membros do Conselho. Pode ocorrer, entretanto, que se um Conselheiro Tutelar for Servidor da municipalidade, o Município pode liberar o funcionário eleito para o exercício no Conselho, arcando com o ônus, o que na prática não leva a remuneração deste Conselheiro pela função de Conselheiro Tutelar.

11 - A quem compete fiscalizar o horário de trabalho do

Conselheiro Tutelar?

Ao órgão municipal ao qual o Conselho está vinculado.

12 - Existe subordinação do Conselho Tutelar ao Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente?

Não, entendendo-se por subordinação o estado de dependência a uma hierarquia. Há uma relação de parceria, cabendo salientar que a integração e o trabalho em conjunto dessas duas instâncias de promoção, proteção, defesa e garantia de direitos são fundamentais para a efetiva formulação e execução da política de atendimento e para a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes. O Art. 86 do ECA menciona: “a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

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13 - O Conselho Tutelar pode funcionar com menos de cinco Conselheiros?

Não, a Lei 8.069/90, em seu Art. 132, estabelece: “Em cada município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução”.

14 - Quantos Conselhos Tutelares deve ter o município?

A norma geral, segundo o Estatuto, é que cada município tenha, no mínimo, um Conselho Tutelar. Haverá tantos Conselhos quantos forem julgados necessários, segundo os indicadores: população do município; extensão territorial; densidade demográfica; estimativa de casos de violações de direitos cometidos contra crianças e adolescentes.

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MAUS-TRATOS E CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RISCO*

O conceito de maus-tratos não é único, podendo eles comportarem ou não diversas condutas conforme a amplitude de seu entendimento. Então, pode-se entender o termo maus-tratos num sentido amplo, como uma categoria genérica que engloba várias ações ou omissões, ou num sentido estrito, i. é, simplesmente como lhe descreve uma norma ou lhe define uma ciência. O que quero dizer é que convivemos com diferentes conceitos de maus-tratos, e o conceito que o Direito tem talvez não seja o mesmo que a Psicologia tem, ou a Medicina. Como advogado, aprendi que no Código Penal maus-tratos é um crime que está assim descrito no art. 136:

“Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua

autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação, ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.”6

Vejamos então o que diz o artigo: colocar em perigo a vida ou a

saúde de alguém – independente de idade -, posta sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. E expor a perigo de que forma? Privando-a de alimentação ou de cuidados indispensáveis, sujeitando-a a trabalhos excessivos ou inadequados, ou abusando de meios de correção ou disciplina. Observamos assim, que trata-se de um tipo penal misto e alternativo, i. é, que o crime de maus-tratos pode ser praticado por várias e alternativas condutas7. Mas aí vocês me perguntam: e onde é que entram a negligência e as agressões físicas? Para o Direito Penal entram em outros artigos do Código, como o art. 129, que descreve a lesão corporal: “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”,8 e o art. 133, que descreve o abandono de incapaz: “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”9.

Então é isso que eu vou considerar como maus-tratos, é esse

conceito? Lembro que os Conselhos Tutelares de Porto Alegre vêm entendendo maus-tratos como uma categoria genérica que inclui vários tipos de ameaça ou violação de direitos tais como a agressão física, a violação psicológica, a negligência dos pais, o abandono e o abuso sexual, entre outros10, e também não

* O texto refere-se à palestra proferida no 9º Encontro Regional de Educação Infantil (NAI 6), ocorrido no dia 25 de setembro de 1999. 6 Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, Código Penal Brasileiro. 7 Paulo José da Costa Júnior, in Teoria Geral do Direito Penal. Nesta obra o autor assim exprime: “o crime é de ação múltipla, podendo ser praticado de vários modos”, p. 38. 8 Código Penal Brasileiro. 9 Código Penal Brasileiro. 10 Os Conselhos Tutelares de Porto Alegre/RS possuem um formulário-padrão para coleta dos dados do seu atendimento. Em sua folha 3 – Chegada no Conselho Tutelar -, é encontrada a categoria maus-tratos, que

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devo olvidar que com maus-tratos operam várias pessoas de outras áreas de conhecimento, que não o do Direito, do que me surge a primeira indagação: com que conceito de maus-tratos eu devo trabalhar? Penso... é Direito da Criança e do Adolescente não? Logo, acho que devo trabalhar com o conceito de maus-tratos que é acolhido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e não com algum outro específico.

Pensando desta forma, dirijo-me ao Estatuto e lá o primeiro artigo em

que vejo mencionada a palavra maus-tratos é no art. 13, quando diz que: “os casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”11. Imediatamente percebo que esse artigo se encontra no capítulo referente ao direito à vida e à saúde, e disso faço a observação que ele se dirige especificamente aos operadores de saúde, i. é, àqueles que atuam nesse sistema de promoção, garantia e defesa de direitos. Mas e aos educadores? Bem, aos educadores o Estatuto lhes reserva um artigo que revela exatamente a mesma coisa e lhes dá exatamente a mesma obrigação da comunicação ao Conselho Tutelar. É o art. 56 que diz que: “os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de: I – maus-tratos envolvendo seus alunos;”12.

E são só essas as pessoas obrigadas da comunicação de casos de

maus-tratos ao Conselho Tutelar? Não, todos devem comunicá-lo, notadamente as autoridades, mesmo que a lei apenas cite esses dois segmentos de agentes. A comunicação das situações de maus-tratos é um dever de todo cidadão, que não tolera a violação e a prática do injusto. A ninguém é permitido a omissão, a conivência ou a negligência; não podemos aceitá-las de quem quer que seja sob pena de assumirmos uma culpa comparavelmente igual a daquele que ameaçou ou violou os direitos, ou ainda pior, por não estarmos nem mesmo cumprindo com o papel de proteger, já que permite-se a continuidade do mau-trato.

Então qual é o conceito de maus-tratos que o ECA acolhe, e que

vem prescrito nesses artigos que geram obrigação aos atores da saúde, da educação e a todos? Volto ao Estatuto e leio o que o art. 5º me diz: “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos fundamentais”13. Aí me pergunto de novo: será que o conceito de maus-tratos, que todos devem comunicar, abrange só algumas dessas ameaças e violações, ou abrange todas? Vimos pelo conceito do Código Penal que não estaria abrangida a discriminação, por exemplo. Será a que a discriminação não é um mau-trato que deva ser comunicado ao Conselho Tutelar? Acho, que sim, e já abro minha opinião de que o Estatuto acolhe o conceito amplo de maus-tratos, contemplando um leque

inclui: agressão física, violação psicológica, abuso sexual, negligência, abandono, exploração no trabalho, utilização na mendicância e na prostituição. 11 Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. 12 Estatuto da Criança e do Adolescente. 13 Estatuto da Criança e do Adolescente.

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grande de ações e omissões ao referi-lo, i. é, o ECA considera todas essas ameaças e violações descritas no art. 5º como sendo maus-tratos.

Definido isto, que vamos considerar aqui maus-tratos como uma

diversidade de ações ou omissões contra os direitos das crianças e adolescentes, faço uma breve pausa para abrir um grande parêntese e trazer a evolução histórica e os avanços dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. A razão disso é entender ser importante compreendermos a história das coisas, algo que em si é fonte de sabedoria e aprendizado. Não é assim? Quando quero entender bem uma coisa, saber porquê isso acontece, porquê aquilo ocorre e etc, o que eu faço? Vou lá e vejo a fundo, procuro a história da coisa, seus antecedentes, de onde veio, para que finalidade, como se formou, e aí por diante. É importante assimilarmos um pouco da história para darmos uma continuidade ao assunto ora tratado, desvelando os passos da legislação nacional que hoje está posta à disposição dessa clientela protegida.

Em nível internacional as idéias, os pensamentos e as leis que

trataram da infância e da juventude sempre estiveram à frente do Brasil, assumindo a posição de vanguarda em termos de promoção, garantia e defesa de direitos, de consolidação dos princípios relativos ao homem, e de exercício da cidadania. Foi assim que em 1924, na cidade de Genebra, aprovou-se a primeira legislação internacional em prol dos direitos da criança14, assegurando--lhes alguns direitos fundamentais como à vida, à saúde e à educação.

Faço um pequeno esclarecimento que quando falo apenas em

criança não é porque me esqueci do adolescente, é porque internacionalmente criança é considerado “como todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”15, inexistindo nessas normas a utilização das diferentes classes criança e adolescente, o que se consagra como uma inovação brasileira. Então no Brasil sim a lei divide: criança – pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente – pessoa de doze anos a dezoito anos de idade incompletos (art. 2º)16, sendo que em muitos países a palavra adolescente sequer existe ou é muito pouco utilizada. Por isso, nos Estados Unidos comumente se diz, the child, na Argentina e no UruguaI, los ninõs, e na França e no Canadá, les enfants17. É claro que não estou dizendo que não existe o adolescente nesses países, e que é tudo igual, não é isso, só estou dizendo que as suas legislações não fazem referência a essas duas categorias, em que pese contemplem atendimentos, medidas de aplicação e tratamentos distintos para diferentes faixas etárias.

Então, enquanto o mundo aprovava e editava a Declaração de

Genebra de 1924, em 1927, no Brasil, o juiz José Cândido de Albuquerque Mello Matos, primeiro juiz de menores da América Latina, outorgava de próprio punho o 1º Código de Menores do Brasil18. Esse código, apesar de ser um marco importante no Direito Brasileiro, sobretudo por ser histórico, já nasceu atrasado em 14 Antônio Chaves, in Os dez mandamentos em defesa da Criança. 15 Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ONU, de 20 de novembro de 1989, art 1º. 16 Estatuto da Criança e do Adolescente. 17 Loi sur la protection de la jeunesse, Québec/Canada, chapitre I: “<enfant>: une personne âgée de moins de 18 ans”. 18 Alyrio Cavallieri, in Direito do Menor.

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relação à declaração internacional, i. é, foi feito após, mas com idéias mais atrasadas no que referia-se à promoção e garantia de direitos às crianças. E no Brasil ele teve uma longa vigência, valendo e sendo instrumento aplicado durante mais de 70 anos, quando substituído por um novo texto de lei. Assim, em 1979 aprovava-se o 2º Código de Menores brasileiro19, que repetiu um atraso em relação às idéias mundiais, mais avançadas e progressistas no que respeita às formas e aos instrumentos de proteção e defesa dos direitos.

Bem, não desejo perder muito tempo explicando como funcionava o

antigo Código Mello Matos, até porque está muito ultrapassado, mas vale dizer que sua preocupação era basicamente com os menores abandonados e delinqüentes – trabalhava somente com essas duas categorias -, sendo que o juiz de menores desenvolvia ações de caráter tipicamente assistencial e compensatório, quase sem o exercício da jurisdição para qual foi investido. Para se ter uma idéia do sistema de pura benevolência existente, o juiz Mello Matos era conhecido como “Mellinho das crianças”20, e atuava ativamente consigo, sua esposa, Dona Chiquinha, ou seja funcionava à semelhança dos trabalhos das primeiras-damas. Impregnado desse espírito, não havia nenhum estímulo à conquista de direitos, à emancipação individual e ao exercício do ser cidadão.

Voltando ao cenário internacional e a sua evolução legislativa, em

1948 a Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, consolidando um consenso mundial que afirmou a proteção aos direitos individuais – políticos e civis – e coletivos – econômicos e sociais -, permitindo com isso a universalização dos direitos humanos. Em relação específica à criança, em 1959 a ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos da Criança, reafirmando seus princípios universais de proteção.

No Brasil vários projetos de lei foram propostos para alterar o Código

de 1927, mas nunca lograram continuidade nas Casas Legislativas. A mudança mesmo, como antes referimos, só ocorreu no final da década de 70, e ainda assim o texto aprovado novamente veio regado de idéias conservadoras, permissiva de ações de cunho puramente arbitrário e interventivo, o que pode ter se dado em parte em decorrência de um período de repressão política por que ainda passávamos, e em parte pela mistura de idéias de seus vários autores21. Desta forma, enquanto em 1959, na França, Jean Chazal22 (Presidente de Honra da Associação Internacional dos Juízes da Infância) já descrevia a criança como sujeito de direitos, chamando a atenção para que “tenhamos em conta que a criança, uma vez que é uma pessoa, deve sempre ser tratada como um sujeito e não como um objeto no conjunto das relações jurídicas, de que ela é o centro”, no Brasil adotava-se através do Código de Menores de 1979 uma formulação doutrinária de origem nacional – a nosso ver arcaica -, que foi a Doutrina da Situação Irregular do Menor. 19 Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, Código de Menores. 20 Alyrio Cavallieri, in Direito do Menor. 21 Alyrio Cavallieri, in Direito do Menor, Série Direito: Perguntas e Respostas. Nesta obra, segundo o autor, o Código de Menores saiu de um “consenso dos juízes de menores, mantendo-se a essência do Substitutivo Paulista, as diretrizes de Cavalcanti de Gusmão e a filosofia de Mello Matos”, p. 43. 22 Les droits de l’enfant, coleção Que sais-je? Conteúdo citado por Alyrio Cavallieri, in Direito do Menor, p. 20.

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E o que dizia a Doutrina da Situação Irregular do Menor? Bem, dizia que o menor abandonado, o carente ou o infrator estavam em situação irregular e que assim eles deveriam ser tratados. Por sua ótica o problema restava simplificado e centrava-se no menor, que representava o problema, devendo as medidas serem sobre ele aplicadas, e a ele destinadas. Pensava-se que a sociedade vivia em profunda ordem e harmonia, i. é, que tudo o que girava em volta do menino estava perfeitamente bem e maravilhoso, e a situação irregular do menor era tão-só culpa dele que não se adequou à vida em sociedade e ao convívio. Então a sociedade estava regular e irregular era aquele menor, deu para entender? E porque que eu digo que é uma concepção atrasada essa? Porque é uma repetição ou uma continuidade da forma como sempre foi vista a situação da criança, olhada como um objetos dos outros, sem direitos, como aquele indivíduo que se identifica não pelo que tem, mas pelo que não tem. E isso é histórico, sendo que a literatura e a pintura nos dão exemplos dessa visão dos adultos sobre as crianças.

Vejamos, existia um historiador francês que se chamava Philippe

Ariès; esse historiador, verificando pinturas de época, notadamente as obras de Velasquez, percebeu claramente o surgimento da criança, isso é, quando a criança passou a ser vista como uma categoria destacada dos adultos. Philippe Ariès verificou nas pinturas que até o século XVI crianças e adultos apareciam usando o mesmo tipo de roupa e realizando as mesmas atividades. Só foi a partir do século XVII que o retrato da família mudou, aparecendo as crianças com roupas diferentes das dos adultos – geralmente roupas engraçadas -, não fazendo nada, sentada no colo do adulto, ou simplesmente brincando23.

A princípio poderíamos pensar que a situação social que surgiu é

boa, mas não é, porque como antes dissemos, quando a criança passou a ser identificada, passou a ser como uma pessoa que não tem, que não pode, que não sabe, que é dependente, e que sempre se encontra numa situação de inferioridade em relação ao adulto. Decorre disso que a criança que surgiu já nasceu com um contorno negativo, assumindo uma condição de objeto da vontade dos outros, não de um sujeito em si mesmo, portador de direitos que devem ser assegurados, credor de proteção e defesa por parte dos adultos.

Tudo isso que estou dizendo serve para visualizarmos que desde

que surgiu a criança, e aí passando pelo revogado Código de Menores de 1979 até chegar o Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança sempre foi vista como um objeto e não como um sujeito. Foi por isso que referi no início que a legislação brasileira referente aos direitos da infância e adolescência sempre surgiu com atrasos em suas idéias e concepções. Contudo, felizmente isso acabou com a vinda do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que entrou em vigor no país em 14 de outubro do

23 Emilio Garcia Mendez, in Breve Histórico dos Direitos da Criança e do Adolescente. Neste texto o autor faz referência ao livro de Philippe Ariès, Vitória Social, história social da criança e do adolescente.

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mesmo ano24, e que acolheu entre nós os novos princípios adotados na normatização internacional.

Em 1989, em Nova York, a Organização das Nações Unidas, reunida

solenemente em Assembléia-Geral no dia 20 de novembro, aclamou a Convenção dos Direitos da Criança, que consagra definitivamente a Doutrina da Proteção Integral25. Essa nova doutrina vem para estabelecer um novo paradigma e um novo olhar sobre a criança, o adolescente e seus direitos. Se os óculos do Código de Menores focalizavam somente o menor - simplificação do problema: menor, problema do Estado -, os óculos do Estatuto da Criança e do Adolescente inauguraram a responsabilidade complexa – complexidade do problema: criança e adolescente, problema da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público -, focalizando não só a criança ou o adolescente, mas também a família, a comunidade, a sociedade e o Estado26. Estes agora devem direitos àqueles, é o que o Estatuto diz no art. 4º: “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”27.

Então vemos agora que a questão toda mudou, mudaram os óculos

que enxergavam a situação das crianças e adolescentes em irregularidade; passou-se a enxergá-los como credores de direitos. Mais de cento e cinqüenta países já assinaram a Convenção dos Direitos da Criança, sendo o Brasil um dos primeiros a subscrevê-la. Como não poderíamos crer, os Estados Unidos, país sede da ONU, jamais apôs sua rubrica na Carta Internacional. A partir daí temos a Doutrina da Proteção Integral onde todos são responsáveis pela garantia, proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes, sem qualquer exclusão ou discriminação, e devendo ser respeitada a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento28

Mas e o que mais que nos trouxe o Estatuto além da Doutrina da

Proteção Integral e da sua afirmação da criança e do adolescente como sujeito de direitos? Trouxe-nos mais algumas inovações decorrentes de princípios constitucionais consagrados na Carta de 198829: a descentralização político-

24 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 266: “Esta lei entra em vigor noventa dias após sua publicação. Parágrafo único – Durante o período de vacância deverão ser promovidas atividades e campanhas de divulgação e esclarecimento acerca do disposto nesta lei”. 25 Alyrio Cavallieri, in Direito do Menor, faz referência à Rafael Sajón, que já fazia uso dessa expressão em sua obra Nuevo Derecho de Menores (1967): “Não é pois de admirar haver Sajón insistido na proteção integral do menor; para ele o Direito do Menor responde a imperiosa exigência social de formar e preparar a criança, o adolescente, o jovem para um novo estado de vida, mas na plenitude de suas possibilidades, para integrá-lo na sociedade nas melhores condições físicas, intelectuais e espirituais”. 26 Antônio Lanceti, palestra proferida no Curso de Capacitação para Conselheiros Tutelares de Porto Alegre/RS, em 15 de setembro de 1998. 27 Lei citada. 28 Estatuto da Criança e do Adolescente, art 6º: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento”. 29 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 204: “As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de

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administrativa e a municipalização do atendimento – extingüindo a FUNABEM30 e ampliando as competências do Município -; a participação da população por meio de organizações representativas – através da criação dos Conselhos de Direitos e da instalação dos Conselhos Tutelares -; e a criação de fundos de recolhimento de recursos. Surgem disso os Conselhos de Direitos nas três esferas: federal, estadual e municipal; e os Conselhos Tutelares, que têm sua atribuição limitada ao município. Essa foi a melhor forma de garantir a participação da população não só na execução das ações, como era antes, mas na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis31, bem como de assegurar à população a autoridade pública de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes definidos em lei. É onde encontramos o povo sendo Estado sem ser governo, i. é, assumindo parcela da gestão pública na área da infância e da adolescência32.

Vejam que dei uma volta, contando um pouco dos avanços históricos

dos direitos das crianças e adolescentes, como se deu internacionalmente e no Brasil, para agora chegar nesse órgão novo, vindo do Estatuto e dentro de toda essa concepção de proteção e defesa de direitos, o Conselho Tutelar, que infelizmente ainda vejo, poucos conhecem, ou sabem bem o que é. E digo isso sem titubear, pois todos os dias transito em diversos fóruns, e quando escuto alguém falar do Conselho Tutelar, em geral o que dizem sobre ele é errado.

Chamo a atenção que muitas vezes não basta ler o que está escrito,

é preciso interpretar, entender e compreender o que ali está escrito ou representado, aprender os significados das coisas. Fosse só ler, todo mundo podia ser advogado, ou médico, era só ler os livros de medicina, os códigos, as leis e sair por aí defendendo e operando clientes. Entretanto sabemos que não é bem assim; estuda-se muitos anos em cursos de graduação e pós-graduação para se aprender e redescobrir os significados dos termos, para se realizar experimentações, num eterno reperguntar, reformular e revisar de conceitos e análises, às vezes retomando ações, em outras reajustando rumos. Enfim, é aquela coisa, quanto mais aprendo mais vejo que sei muito pouco e que muito ainda me falta conhecer. É verdade quando dizem que o nosso conhecimento é um apenas uma gota d’água num oceano; sentimos isto quando navegamos pela internet, enlouquecendo com a quantidade de coisas para se acessar e descobrir. Não se sabe por onde começar, tal a universalidade de informações e a rapidez com que elas nos chegam. Assim é o conhecimento, é impossível tê-lo todo outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. 30 FUNABEM, Fundação Nacional Bem-Estar do Menor, instituída pela Lei Federal nº 4.513/64, tendo por objetivo formular e implantar a política nacional do bem-estar do menor. Através da Lei Federal nº 8.029/90 foi extinta, surgindo em seu lugar a FCBIA (Fundação Centro Brasileiro da Infância e Adolescência) – após, CBIA -, com o objetivo de formular, normatizar e coordenar a política de defesa dos direitos das crianças e adolescentes, bem como prestar assistência técnica a órgãos e entidades que executem essa política. 31 Antônio Carlos Gomes da Costa, in O Novo Direito da Criança e do Adolescente no Brasil. 32 Wanderlino Nogueira Neto, in Indiferença: derrube esse muro. O autor assim se refere: “Os Conselhos Tutelares, por sua vez, surgiram como órgãos públicos, campo do teste das possibilidades de gestão direta pela sociedade civil, de prática da democracia direta.”, p. 30.

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consigo, pois não há como esgotá-lo, é infinito. Temos que ser humildes e reconhecer isso, baixarmos algumas onipotências, buscarmos em outros indivíduos e em outras coisas tudo aquilo nos complete e nos ajude. Devemos deixar de lado a idéia de todo-poderoso. O verdadeiro sábio é aquele que inteligentemente escuta e após questiona, procurando ir sempre além daquilo que sabe. O que acha que sabe tudo e não quer conversar com ninguém é o falso sábio, aquele que muitas vezes não quer discutir justamente porque é inseguro quanto ao seu conhecimento.

Mas e os maus-tratos? E as situações de ameaça ou violação de

direitos? O que fazer? Já vimos que é obrigação de todos assegurar a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, sendo também dever prevenir a ocorrência e a ameaça (art. 70)33. É assim que deve ser a partir do ECA: as crianças e adolescentes deverão ter assegurados por todos os seus direitos, sendo eles garantidos com absoluta prioridade. Vejam bem, absoluta prioridade, dois termos que não comportam duplo sentido. Absoluto é o que pode tudo, que está acima de qualquer coisa, que não abre opção; e prioridade só existe uma, i.é, nunca posso ter duas prioridades, pois não existe prioridade de prioridade – uma delas não será prioridade. Neste passo, posso até possuir algo mais emergencial ou urgente, mas jamais posso ter algo mais prioritário que os direitos da criança e do adolescente. Além disso, “a garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude” (art. 4º, parágrafo único)34. Não sou eu quem estou dizendo isso, eu só estou lendo o Estatuto, está lá isso tudo que manifestei, não é invenção.

Agora como é que se vai FAZER VALER o Estatuto na prática? Bom

aí vai depender da disponibilidade de cada um de nós, de querer passar a enxergar as coisas de uma forma bem diferente, de abrir mão de alguns conceitos e pré-conceitos que temos, notadamente numa sociedade que estimula o individualismo – o cada um por si -, que proporciona a crise moral e de valores que rotula, estigmatiza, discrimina, e exclui. Sabemos que as forças da exclusão social são muito poderosas e difíceis de serem combatidas e por isto a nossa infindável luta e a nossa utopia. Nada poderá fazer nós desistirmos, é preciso lutarmos como um Davi diante de Golias, derrubando-o com quantas pedradas forem necessárias. Tenho absoluta certeza e estou plenamente convencido que o Estatuto é o caminho para que a minoria política, mas maioria demográfica, possa adquirir a sua cidadania35, conhecendo seus direitos e a como defendê-los diante da violação, enfrentando as elites desse nosso país e cobrando do Estado a apresentação de propostas de efetivação dos direitos e a instituição de um sistema de garantias. Só a utopia me permite sonhar; só sonhando continuo construindo proteção. É acreditar no que vamos realizar; não vamos conseguir nada se ficarmos sentados numa cadeira esperando que os outros façam por nós,

33 Estatuto da Criança e do Adolescente. 34 Estatuto da Criança e do Adolescente. 35 Wanderlino Nogueira Neto, in O Estatuto da Criança e do Adolescente: conquistas e problemas conjunturais.

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ou comecem primeiro. É preciso ter claro que as mudanças iniciam em mim mesmo, e que se ninguém começou ainda, eu posso ser o primeiro; não ter vergonha de empunhar essa bandeira, a bandeira da proteção integral das crianças e dos adolescentes. Temos que ser agentes e começar já.

Nesse sentido, Edson Sêda36 exprime:

“Estamos aqui hoje para discutir o presente, não o futuro; devemos

deixar de lado aquela idéia, aquela atitude, aquela ação de que nós devemos primeiro esperar construir um país justo para depois se defender os direitos das pessoas e das crianças. Não, nós devemos combater a ameaça e a violação no dia-a-dia e com esse combate construir um país justo. Deu para perceber? Se nós começarmos hoje a defender direitos, quando olharmos para trás amanhã, veremos que já temos um passado de justiça. Então nós estamos aqui para discutir como o Conselho Tutelar vai deixar de lado aquela idéia do passado, de que Ahh... o Brasil é um país injusto e que um dia... nós vamos poder defender direitos. Se esperarmos isso não vamos defender nunca porque o futuro nunca chega. A idéia é como hoje os Conselhos Tutelares estão sendo construídos e aperfeiçoados no Brasil para combater a ameaça e a violação de direitos no dia-a-dia e com isso estar contribuindo para a construção de um país mais justo”37.

Mas voltando ao Conselho Tutelar, o Estatuto previu esse órgão,

mas para que, com que finalidade ele veio? Há precedentes nacionais ou estrangeiros? Bom, igualzinho a ele não existe nem existiu38, mas à sua semelhança vemos alguns órgãos internacionais39. No Brasil, a redação final do Projeto de Lei nº 193 de 1989 (proposta do ECA), que foi aprovada pelo Senado Federal em Brasília/DF, em sua última sessão antes da remessa à Câmara de Deputados, manifestava o seguinte: “o Conselho Tutelar é o órgão administrativo, permanente e autônomo, não jurisdicional, tendo por finalidade o atendimento dos direitos das crianças e adolescentes”40. A finalidade dele então seria o atendimento dos direitos, i. é, atenderia as necessidades que são constatadas e de que são credoras as crianças e os adolescentes, incluindo aí os direitos à vida, 36 Edson Sêda de Moraes é Advogado e Educador, Consultor do UNICEF para a América Latina, foi membro da Comissão Redatora do Estatuto da Criança e do Adolescente, é especialista em Conselhos Tutelares. 37 Palestra proferida no V Encontro Estadual dos Conselhos Tutelares do Rio Grande do Sul, Garantir Direitos é Garantir Cidadania, em agosto de 1999.. 38 José Luiz Mônaco da Silva, in Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários, e Eralton Joaquim Viviani, in Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, divergem de nosso entendimento, afirmando o primeiro que: “... não podemos dizer que se trata de inovação legal porque o Código Mello Matos, de 1927, criava, no seu art. 222, o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores ... cujas atribuições guardavam certa semelhança com ... o art. 136 do ECA” (p. 214), e o segundo: “... não é idéia inédita. Seu perfil é encontrado na legislação mexicana e de alguns países escandinavos. ... O primeiro Código de Menores que tivemos, ... criava, no seu art. 222, o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores. ... as atribuições daquele Conselho, pela similitude que guardam com as do Conselho Tutelar agora criado, vale recordar” (p. 112). 39 Assim, no Canadá temos la Commission des Droits de la Personne et des Droits de la Jeunesse, na Bélgica les Comités de Protection de la Jeunesse, e no México el Consejo Local de Tutelas, todos com diferenças nas ações, mas que em alguns contornos assemelham-se com o modelo brasileiro. 40 Projeto de Lei do Senado nº 193 de 1989, art. 131, redação final aprovada em sessão publicada no Diário do Congresso Nacional, seção I, de 26 de maio de 1990. O PLS nº 193/89, incorporando o Projeto de Lei da Câmara de Deputados nº 1.506 de 1989, resultou no PLS nº 5.172 de 1990, todos contendo a mesma redação.

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à saúde, à educação, ao lazer, à cultura, à segurança, etc. E quem seriam as pessoas que deveriam atuar no Conselho Tutelar? A lei dizia que dos cinco membros que formariam o conselho, três deveriam possuir formação universitária nas áreas de direito, educação, saúde, psicologia e serviço social, sendo os demais membros indicados por entidades de defesa e atendimento de crianças e adolescentes41. E a relação me parece clara, pois se devo atender direitos e esse atendimento tem que ser respeitando direitos, necessito de um profissional ou um técnico que o faça.

Embora aprovado de modo unânime o Projeto nº 193 pelo Senado

Federal, vejo que no que se referia ao Conselho Tutelar quase nada restou contemplado no texto final e atual da lei do Estatuto, esse que todos nós temos e usamos. Pelo texto que a Lei Federal nº 8.069 traz, a concepção de Conselho Tutelar mudou radicalmente após a saída do Senado, senão vejamos42. O art. 131 do ECA diz que “o Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes definidos nesta lei”43. Então a finalidade não é mais de atender direitos, e sim de zelar para que os direitos definidos no ECA sejam cumpridos - eu não faço, eu zelo, administro. E precisa esse membro do Conselho Tutelar possuir alguma formação superior ou qualidade técnica? Não, o Estatuto não elenca mais as exigências anteriores, agora só menciona três requisitos básicos para candidatura ao cargo44: a idoneidade moral – que é presumida, só cedendo diante de prova em contrário; ter o candidato mais de 21 anos – o que constitui-se num critério eminentemente político, vide o fato de que para ser vereador a idade mínima é 18 anos; e residir no município – um critério de localidade, de conhecimento dos recursos comunitários postos à disposição para os atendimentos de direitos, de conhecimento do pessoal de sua comunidade, de identificação com os problemas sociais ali existentes. Assim, segundo requisitos da lei federal, permite-se que um conselheiro tutelar seja analfabeto, e porque não45. Será que para exercer com competência e qualidade o papel do conselheiro

41 PLS nº 193/89, art. 132, I, II e III. 42 O autor possui artigo Conselhos Tutelares: da redação inicial à situação atual, um passeio pelas legislações. 43 Estatuto da Criança e do Adolescente. 44 Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 133: “Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos: I - reconhecida idoneidade moral; II - idade superior a vinte e um anos; III - residir no município”. 45 O Município de Porto Alegre/RS, através de leis municipais, ampliou os requisitos básicos estabelecidos no ECA. Nesta banda, conforme a Lei Municipal nº 6.787/91, complementada pela Lei Municipal nº 8.067/97, foram acrescidos como requisitos: IV - o efetivo trabalho com crianças e adolescentes ou em defesa do cidadão atestado pelo Ministério Público, pelo Juizado da Infância e da Juventude, pelas entidades cadastradas no Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e pelo Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal da Mulher, Conselho Municipal da Cidadania, Contra a Discriminação e a Violência; V – ter participado de seminário, curso; VI – ter capacidade física e psicológica; VII - ; VIII – ser aprovado em prova de conhecimentos gerais do ECA e política de atendimento, ; IX – não ter sido penalizado nos termos da lei nº 7.394/93 com a perda da função nos cinco anos antecedentes. Fazemos a observação que a Justiça gaúcha tem se dividido quanto à possibilidade da ampliação dos requisitos contidos no ECA. Assim, Ap. Cível nº 593026396 e Reexame Necessário nº 595045709 não admitem; e Reexame Necessário nº 595043944 admite. No Brasil, a regra tem sido a introdução de novos requisitos municipais, como se vê em Blumenau/SC - Lei Complementar nº 18/91 -, Campinas/SP – Lei Municipal nº 6.574/91 -, Brasília/DF – Lei Distrital nº 234/92 -, e Petrolina/PE – Lei Municipal nº 423/93 -.

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tutelar é preciso saber ler e escrever com habilidade; será que esse é um requisito indispensável, ou não, enfim o que é importante o conselheiro ser ou conhecer? Qual é/são o(s) saber(es) de que necessita para exercer com competência o seu papel e as suas atribuições46? É certo que temos que voltar ao seu papel e para que ele veio.

O Conselho Tutelar veio para fiscalizar a efetivação dos direitos, ou

seja, para cobrar que a criança, que tem direito, deve ser atendida nesse seu direito por aquele que o deve, e não pelo Conselho Tutelar. Edson Sêda manifesta e repete várias vezes e com todas as letras: ‘quem quer carne vai ao açougue, não vai ao Conselho Tutelar; quem quer sapato vai à sapataria e não ao Conselho Tutelar’47. O CT não é um órgão de atendimento, ele não possui nenhum recurso, nada, ele só pode aplicar medidas e encaminhar para que o serviço, o programa faça alguma coisa, dê aquilo que a criança necessite – o sapato, a carne. O Conselho não é a primeira porta que as pessoas têm que bater quando surgem as necessidades. As necessidades devem ser sanadas e atendidas junto aos serviços e programas que devem ser criados e estarem à disposição das pessoas. Não é pedir algo impossível, é apenas cumprir o que dispõe a lei. O Conselho Tutelar só vai agir no momento que alguém está falhando com o seu cumprimento – subsidiariamente, ou como um órgão de correção exógena48 -, e aí não vai agir para fazer aquilo que não está sendo feito, mas para obter em outro lugar o que tem que ser feito, e responsabilizar aquele que se omitiu de sua responsabilidade.

Exemplo bem concreto disso é o que ocorreu há alguns dias atrás e

que foi noticiado – usado - pela mídia para fazer o seu sensacionalismo e vender o seu jornal e a sua programação49. Em uma noite a Brigada Militar saiu fazendo o recolhimento de crianças e adolescentes que dormiam nas ruas do Centro da Capital, operação que chamou-se de “Higienização do Centro”, só para se ver o tamanho da discriminação – criança e adolescente dormindo na rua é sujeira, mancha a cidade, polui a fotografia e borra o cartão postal. Na época do Código de Menores isso era possível, o juiz de menores e as pessoas que atuavam segundo suas ordens, usavam destes arbítrios para tirar das ruas todos que incomodassem. Não importava o que estavam fazendo50, porquê estavam ali, se tinham direitos violados...; não importava, o juiz dizia: ‘está incomodando, perambulando, abordando as pessoas..., tira ele daqui, leva ele para o abrigo ou põe num internato e desaparece com ele’. Então numa situação social, de violação de direitos, porque não há dúvida que as crianças e os adolescentes que dormem nas ruas estão com seus direitos violados, se simplificava o problema, enfocava-o no menor e nele se descontavam todas as mazelas, as carências e as falhas do sistema de promoção, garantia e proteção, aplicando-se-lhes as medidas sempre de exclusão e preferencialmente com contenção temporária.

46 Mônica Bragaglia, Assistente Social, Mestre e Doutoranda em Serviço Social, vem desenvolvendo pesquisa nesse sentido. 47 Edson Sêda, in A Proteção Integral. 48 Edson Sêda, in A Proteção Integral. 49 A matéria foi publicada no cotidiano Zero Hora de 15 de setembro de 1999, tendo também sido veiculada em programas jornalísticos de televisão (Jornal do Almoço e Jornal TV COM) da Rede Brasil Sul de Telecomunicações, do mesmo dia. 50 Código de Menores, art. 1º, parágrafo único – As medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de dezoito anos, independentemente de sua situação.

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Hoje não é mais permitido isso, as crianças e adolescentes são vistos como sujeitos de direitos, e estão com seus direitos violados por outros que não lhes têm cumpridos. É a tal da complexidade, onde todos têm a sua responsabilidade diante da violação. Onde devem recair as medidas? Devem recair na garantia, na proteção e na defesa dos direitos e não nos meninos. Se estão dormindo na rua, estão sendo violados vários de seus direitos e disso surgem várias necessidades que devem ser atendidas – carne, sapato, etc. ou alimentação, acolhida e por aí a fora -. Onde é que vamos obter o atendimento dessas necessidades no novo sistema? Na família, nos programas e serviços de atendimento e não no Conselho Tutelar. Mas foi o que ocorreu? Não, a Brigada Militar juntou todo mundo e levou para o Conselho Tutelar. E para que, me diz? Segundo a reportagem: “procurando resolver a situação daquelas crianças e adolescentes”. Bem, então dez anos após a vinda do Estatuto (já era tempo né?), ainda hoje nos deparamos com a velha política de menores que continua sendo utilizada, ou a ‘velha carruagem’51 como diria SÊDA, que pega o menino simplesmente porque ele está ali, perambulando sem destino, importunando, achacando as pessoas, mendigando, arranhando o carro ou praticando furtos, e bota ele num abrigo, ou se pudesse – o ECA não permite -, num espaço de constrição de liberdade que o impeça de voltar às ruas.

Aí vem um conselheiro tutelar e diz que o caminho está errado, que

não é com o Conselho Tutelar, que para serem realmente respeitados os direitos daquelas crianças e adolescentes, assim como o Estatuto e o seu novo paradigma, ou seja para ser garantida a verdadeira Proteção Integral, devem primeiro ser procurados os recursos que atendam as necessidades deles, e todos – inclusive colegas conselheiros - criticam-no, e até acusam-no de ser omisso por sua recusa. Isso está errado, não é omissão em suas atribuições deixar de fazer aquilo que não é o seu papel, o que constitui-se sim num abuso de autoridade, num excesso no desempenho de sua função ou numa exorbitância em sua competência. Esse atendimento que muitos desejam seja feito pelo Conselho Tutelar na realidade fere o Estatuto e viola direitos, primeiro, porque força um atendimento desqualificado e não pressiona a criação do recurso apropriado, segundo, porque distorce o papel do Conselho Tutelar, assoberbando-o de ações paliativas que não terão nenhum efeito ou sucesso sem a existência dos programas de atendimento. Devemos ter claro o que estamos querendo com o Conselho Tutelar, qual a prática a lhe ser exigida.

Lá na Corregedoria dos Conselhos Tutelares de Porto Alegre está

cheio de processos arquivados liminarmente por conter denúncias de omissão do Conselho Tutelar em casos que não são de sua competência52 (por exemplo, buscar criança com alta hospitalar porque os pais não aparecem; tirar crianças que mendigam nas sinaleiras; realizar busca e apreensão de adolescente que saiu de casa para morar com o namorado; procurar menino que evadiu do abrigo, acompanhar despejo familiar, encaminhar para atendimento médico e efetuar o registro de ocorrência policial a criança ou adolescente agredido na escola, etc.).

51 Palestra proferida no V Encontro Estadual dos Conselhos Tutelares do Rio Grande do Sul, Garantir Direitos é Garantir Cidadania, em agosto de 1999. 52 Segundo IV Relatório da Corregedoria dos Conselhos Tutelares de Porto Alegre/RS já foram interpostos 145 processos, tendo sido 83 decididos pelo arquivamento liminar.

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Vocês podem me perguntar: mas então quem é que vai fazer tudo isso, o Conselho Tutelar vai deixar as crianças e adolescentes ali, na mesma situação de violação? Não, o Conselho Tutelar vai cobrar de quem deve atender e cumprir os direitos expostos, sem que isso signifique fazer tudo aquilo que não é feito ou não vem sendo assumido pelos responsáveis, o que seria compactuar e contribuir com a continuidade dos maus-tratos que já vêm sendo sofridos. Então o Conselho Tutelar, aquele órgão moderno, introduzido em lei para proteger e defender direitos, não assume o seu papel, e aceita e tolera a violação, surgindo como o velho vestido de novo, ou como dizem: ‘a morena é a mesma, só mudou o penteado’. Chamo a atenção para esse aspecto que já vem sendo discutido, que a roupagem mudou, mas o corpo do santo continuou o mesmo, ou seja, através da lei nova estão se institucionalizando as práticas velhas.

Vejo que é esse o papel do Conselho Tutelar, transformar o velho no

novo, romper com séculos de uma cultura adultocêntrica e assegurar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. Para isso deve tencionar os Poderes e as forças sociais existentes, mobilizar e articular a sua comunidade, aglutinando interesses e unindo esforços para obtenção de respostas alternativas à solução dos problemas. Nem tudo precisa de dinheiro, às vezes basta a vontade e a disponibilidade para agir. O Conselho deve cobrar da família, da comunidade, da sociedade e das estruturas públicas a prevenção, o atendimento e o respeito aos direitos garantidos em lei. É preciso fique claro que os maus-tratos só cessarão quando a criança ou o adolescente forem atendidos em seus direitos por aqueles com competência de atendê-los, e é esse o papel do Conselho Tutelar, cobrar do sistema, das estruturas, que atendam os direitos das crianças e adolescentes com Absoluta Prioridade, como afirma a lei.

Conforme manifestado inicialmente, acredito que muitos

desconhecem esse papel do Conselho Tutelar, mas temos plena convicção que o seu papel não é fazer tudo aquilo que falta ou que não funciona, e sim de pressionar para que exista e funcione. O Conselho Tutelar não é o único responsável pela proteção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes – a proteção agora é complexa, distribuída a todos -, e não estará defendendo e protegendo se assumir fazer a substituição de responsabilidade e não agir contra todo aquele que se omite de sua obrigação.

Na cidade de Campinas/SP, domicílio do Dr. SÊDA, verificamos a

existência de apenas um Conselho Tutelar – o mínimo legal53 - para o atendimento a uma população de número similar a Porto Alegre. Respeitadas as diferenças dos municípios, talvez lá o Conselho Tutelar venha conseguindo fazer o que deve fazer, atendendo aquilo para que foi criado, cobrando dos devedores de direitos que efetivamente cumpram a lei e assumam suas parcelas de responsabilidades, não aceitando e não agindo em substituição do que é carente e falta funcionar. Só desta forma se consegue mudar, no dia-a-dia do combate à ameaça e à violação de direitos. Há pouco tempo atrás, SÊDA esteve em Tramandaí/RS proferindo

53 Lei citada, art. 132: “Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar, escolhido pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução”.

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palestra no V Encontro Estadual dos Conselhos Tutelares do Rio Grande do Sul54 e destacou que, nesse sentido, no seu município as coisas estão indo muito bem com apenas um Conselho Tutelar e um investimento muito grande na criação de programas e serviços de atendimento. Compreendendo bem o que manifesta o Estatuto, a cidade está reservando ao seu Conselho local o cumprimento do seu verdadeiro papel. Então, lá o juiz entende e sabe o que o Conselho Tutelar faz e o que não faz, o Ministério Público e a Polícia Civil e Militar também, os Hospitais, a escola, a comunidade, a família e assim por diante. E entendendo bem o Conselho Tutelar estão respeitando-no, e com isso tornando-o cada vez mais forte para enfrentar os fortes e os protegidos55 do nosso país – esta, a nós, a real proposta e o projeto embutido no ECA e a que deve contribuir o Conselho Tutelar.

Vejo assim a importância de aprofundarmos cada vez mais essas

discussões, de se esmiuçar, se discutir e se conhecer melhor esse novo órgão chamado Conselho Tutelar, e de assegurá-lo autônomo no desempenho de suas atribuições e funções legais para que não se submeta ou se subordine às ordens ou aos interesses de alguém, seja ele um juiz, um promotor de justiça, ou o Prefeito Municipal. O Conselho Tutelar deve ser garantido e está preso tão somente a sua causa pública de proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes. O Direito da Criança e do Adolescente e os seus princípios não combinam com a politicagem, com o protecionismo de classes e de interesses, com distribuição de privilégios, e com os jogos de poder. Ele deve estar acima dessa discussão, ser superior a tudo isso, como um bem e uma riqueza de um povo. O Direito da Criança e do Adolescente deve ser suprapartidário, e ou o partido do Conselho Tutelar deve ser o P. C. A. - Partido da Criança e do Adolescente. A autonomia do Conselho Tutelar prevista no ECA é para isso, para que ele não sucumba diante dos interesses e das pressões que permeiam a nossa sociedade e que sobre ele vão querer se impor. É imprescindível para que ele atenda a sua finalidade, que vá lá e fiscalize, que cobre ações, que represente, que promova a instauração de processos administrativos e judiciais, enfim, que não iniba sua ação pelo nome ou cargo do oponente, que FAÇA VALER o seu papel de órgão de proteção e defesa de direitos. Agora eu pergunto para vocês, a quem interessa um Conselho Tutelar forte? E um Conselho Tutelar fraco?

Dito isso, retomo o início da apresentação, às situações de maus-

tratos e às suas obrigatórias comunicações ao Conselho Tutelar56. A lei diz que deverá ser comunicado ao Conselho Tutelar os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos, sem afastar a adoção das demais providências que o caso exige. 54 O V Encontro Estadual dos Conselhos Tutelares do Rio Grande do Sul ocorreu na cidade litorânea de Tramandaí/RS, entre os dias 26 e 28 de agosto de 1999. 55 Tânia Volcato, Socióloga e Assessora do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Porto Alegre/RS faz uma divisão dos grupos sociais em: fortes e protegidos e fragilizados e desprotegidos. Segundo refere, o ECA e a Doutrina da Proteção Integral destinam-se a (re)organizar o país, favorecendo que setores dos fragilizados e desprotegidos (Fóruns, Movimentos e Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, e os Conselhos Tutelares) se organizem e se capacitem para intervir na realidade social. 56 O Estatuto da Criança e do Adolescente tipifica como Infração Administrativa a falta de comunicação à autoridade competente. Segundo prevê o art. 245: “Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente: Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência”.

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A lei não fala que o atendimento dos direitos deverá ser passado ao Conselho Tutelar - até porque, como vimos, o Conselho não atende direitos -; a lei fala apenas que o Conselho Tutelar deverá ser comunicado da sua ocorrência. Então, existindo a ameaça ou a violação dos direitos das crianças e adolescentes, i. é, surgindo a necessidade de proteção, a família, a comunidade, a escola, os serviços, os programas, o Poder Público, enfim, devem atender em primeira instância essa demanda, e não simplesmente repassá-la ao Conselho Tutelar, como vemos muitas vezes ocorrer. Se um aluno sofreu agressão física na escola, é a escola que deve chamar os pais ou responsável e adotar as primeiras providências, como garantir a proteção e encaminhar à obtenção de atendimento médico, e orientar os pais ou responsável sobre a possibilidade do registro policial57. O Conselho Tutelar deverá ser comunicado não para assumir sozinho o caso, mas para zelar que os cumpridores dos diretos daquele menino estejam efetivamente agindo e promovendo a proteção. O Conselho Tutelar entra para isso, para cobrar as responsabilidades de todos os atores do sistema. Tem que ser cobrado que ninguém se omita de sua competência, que existam serviços e programas qualificados e eficazes à solução do problema apresentado, e que estes sejam postos à disposição de toda a população no atendimento dos direitos. A comunicação e não o atendimento em si é que virá ao Conselho, possibilitando-lhe verificar a situação, chamar e intervir junto aos pais ou responsável, e analisar onde possam estar existindo as falhas para a superação das dificuldades.

Sei que na prática muitas vezes passam tudo ao Conselho Tutelar,

principalmente o atendimento da necessidade, e que ele passivamente assume. E porque isso ocorre? Por motivos bem claros e identificados: primeiro, porque ainda estamos olhando para o passado e assim agimos como no passado, como na época do código de menores; segundo, porque ainda há uma carência muito grande de recursos de atendimento de direitos; terceiro, porque as intervenções junto a criança/adolescente e a sua família são extremamente difíceis e exigem tempo de dedicação; quarto, porque é muito penoso enfrentar as forças, os interesses e a velha cultura colocados socialmente; e, quinto, porque muito poucos - às vezes nem os próprios conselheiros tutelares -, têm a real clareza no papel destinado ao Conselho Tutelar pelo Estatuto. Acaba que termina se passando tudo para o Conselho Tutelar fazer (ou tentar fazer), e muitos conselheiros respaldam essas ações porque acham que se não fizerem algo ninguém fará e a criança é que sofrerá por toda essa omissão.

Posso até compreender o conselheiro tutelar que age desta forma,

mas não concordo com essa sua ação. Para mim ele está fechando os olhos para a modernidade, perdendo a sua autoridade pública e a sua oportunidade de efetivar o Estatuto e fazê-lo lei vigente no nosso cotidiano. Com a sua ação - um verdadeiro remendo à ameaça e à violação de direitos -, perpetua o mal instalado 57 Os Conselhos Tutelares de Porto Alegre/RS aprovaram em outubro de 1998 um Manual de Procedimentos para o Conselho Tutelar. Tal redação foi parcialmente aprovada por todos os Conselhos Tutelares do Estado durante o IV Encontro Estadual dos Conselhos Tutelares do Rio Grande do Sul. Menciona o item 80º: “Avaliar a necessidade do registro policial. Se necessário, informar aos pais ou responsável a importância de tal procedimento. Marcar retorno para comprovação do registro realizado, através da cópia do mesmo, atentando-se à gravidade da situação. Se o conselheiro considerá-la grave, solicitará o retorno em 24 horas, caso contrário, de 15 a 20 dias. Não tendo os pais ou responsável retornado e/ou descumprido a determinação do Conselho Tutelar, este aplicará a medida de advertência, art. 129, VII, do ECA”.

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e não age de acordo com aquilo para que foi criado, descumprindo a própria lei que o instituiu que o está legitimando agir e interferir na realidade. É a morena que mudou o penteado, mas que continuou a mesma, ou talvez até pior, porque agora nem lei teríamos mais para mudar. A Corregedoria dos Conselhos Tutelares também tem vários exemplos de situações de violação de direitos em que o conselheiro tutelar assumiu várias atividades e ações sem ter o conhecimento e a qualificação técnica exigida para intervir - até porque a lei não lhe exige como requisito para o exercício da função -, e acabou atendendo mal de psicólogo, de assistente social, de advogado, de médico, de polícia, ou seja, daquilo que tentou substituir58. Então, às vezes não basta somente a boa vontade.

Se é para termos um Conselho Tutelar que atue (mal) de psicólogo,

de assistente social, de polícia, ou que sirva como um intermediário necessário, uma conditio sine qua non para o alcance e o exercício dos direitos que já estão assegurados pelas leis, não desejo o Conselho Tutelar, pois aí em vez deste órgão vir para proteger e defender direitos, vem para atrapalhar, para tornar mais burocrático o seu acesso. Vejo que isso muitas vezes ocorre, as pessoas antes de procurarem seus direitos – e os das crianças – estão indo ao Conselho para que ele assuma tudo59. É preciso que os Conselhos Tutelares fiquem atentos a isso, que discutam entre si, com os órgãos e com a sua comunidade todas essas coisas. Há muita gente que está tornando mais longo o caminho ao atendimento dos direitos, e não é para isso que veio o Conselho Tutelar. Temos que apreender todo esse conteúdo, peço, por favor, me contestem, pois só a verdade construída por todos nós é que poderá perdurar, mas vamos respeitar os papéis de cada um, respeitar o papel do juiz, da escola, da polícia, dos programas e o papel destinado ao Conselho Tutelar.

Por último gostaria de inverter um jargão popular (que obviamente

não é nada sábio), e transformá-lo numa máxima que devemos sempre ter em nossa mente, não simplesmente para deixá-la na ponta da nossa língua, mas para efetivamente exercê-la e consolidá-la no nosso dia-a-dia e em nossas ações, o que faço lhes afirmando: “Não nos cabe mais dizer ‘faça o que eu digo e não o que eu faço’, é tempo de se dizer ‘diga o que eu digo e faça o que eu faço’”. BIBLIOGRAFIA: BLUMENAU. Lei Complementar nº 18, de 1991. Blumenau: 1991.

BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Brasília:

1988.

______. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.

58 O caso referido é uma situação que chegou ao Conselho Tutelar por desavenças domésticas numa família. Constatado o problema, e enfrentando dificuldades para encontrar o recurso e fazer o encaminhamento, o conselheiro tutelar desenvolveu uma espécie de terapia familiar. Quando o caso chegou à Corregedoria as pessoas já não residiam juntas e o Ministério Público já ajuizava ação de suspensão ou perda de pátrio poder. 59 O autor realizou pesquisa referente à conclusão de Especialização, tendo constatado que 87,5% das pessoas que se dirigem ao Conselho Tutelar objetivam a transferência de sua responsabilidade (“é um lavar-as-mãos, eles usam o Conselho Tutelar como uma bacia para deixar a sujeira”).

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______. Lei Federal nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. Código de Menores.

______. Comissão Temporária Código de Menores. Brasília: Centro Gráfico do Senado

Federal, 1989.

______. Projeto de Lei nº 193, de 1989. Brasília: Senado Federal, 1989.

______. Projeto de Lei nº 1.506, de 1989. Brasília: Câmara dos Deputados, 1989.

______. Projeto de Lei nº 5142, de 1990. Brasília: Câmara dos Deputados, 1990.

______. Projeto de Lei nº 5.172, de 1990. Brasília: Senado Federal, 1990.

______. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do

Adolescente. Brasília: 1990.

______ . Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990. Brasília: 1990.

BRASÍLIA. Lei Distrital nº 234, de 1992. Brasília: 1992.

CAMPINAS. Lei Municipal nº 6.574, de 1991. Campinas: 1991.

CANADA. Loi sur la protection de la jeunesse. Quebec: 1999.

CAVALLIERI, Alyrio. Direito do Menor. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1976.

________________. Direito do Menor Série Direito: Perguntas e Respostas. Rio de

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CONSELHO TUTELAR: DEZ ANOS DE UMA EXPERIÊNCIA NA DEFESA DOS DIREITOS DAS

CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES*

O que é o Conselho Tutelar? Qual foi o objetivo dele ter sido criado? Para que serve o Conselho Tutelar? Qual é a sua função? Quando devo acioná-lo? Essas são as perguntas que mais nos aparecem e sobre as quais, as dúvidas e as discordâncias nos indicam a ocorrência dos maiores ‘problemas’ e das maiores divergências e críticas na relação que se estabelece entre o Conselho Tutelar, a família, a sociedade e o Poder Público. Ao iniciar a tentativa de responder a esses questionamentos, de forma que todos compreendam o significado e a importância do Conselho Tutelar, destacaria a máxima necessidade de observarmos o que nos ensina o Estatuto da Criança e do Adolescente e suas correlações de origem e de interpretação, como o seu Projeto de Lei e a Doutrina e Jurisprudência sobre ele construída.

O Projeto de Lei do Senado Federal, PLS nº 5.172/9060, aprovado de

forma unânime em sessão publicada no Diário do Congresso Nacional de 31 de maio de 1990, previa esta redação para explicitar a finalidade do Conselho Tutelar: “O Conselho Tutelar é órgão administrativo, permanente e autônomo, não jurisdicional, tendo por finalidade o atendimento dos direitos61 das criança e do adolescente”62. Para assegurar um atendimento de direitos efetivamente protetivo por parte do Conselho Tutelar, justamente no sentido da vinda do ECA, o Projeto estabelecia como critério a ser obedecido no momento da escolha do candidato a conselheiro tutelar que “3 (três) membros (seriam) escolhidos prioritariamente dentre pessoas com formação universitária nas áreas de direito, educação, saúde, psicologia e serviço social; 1 (um) membro (seria) indicado pelas entidades não governamentais de defesa dos direitos e interesses; e 1 (um) membro (seria) indicado pelas entidades de atendimento a crianças e adolescentes”63.

Chamo à atenção esta questão para que, a seguir, possamos

verificar e observar bem claramente a sua diferença em relação ao texto aprovado pelo Estatuto, publicado em 13 de julho, e vigente no país a partir de 14 de outubro de 1990. Segundo definiu a Lei Federal nº 8.069/90 (ECA), “O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos64 das crianças e dos adolescentes, definidos em Lei”65. Então, no texto anterior, a finalidade do

* O presente texto foi apresentado no Grupo de Estudos da Corregedoria dos Conselhos Tutelares do Município de Porto Alegre/RS e fez parte do Curso de Capacitação dos Conselheiros Tutelares do Município de Guarulhos/SP, em 2000. 60 O Projeto de Lei nº 5.172/90 incorporou as idênticas redações do Projeto de Lei nº 193/89, do Senado Federal, e do Projeto de Lei nº 1.506/89, da Câmara dos Deputados. 61 Grifo nosso. 62 Art. 131 do Projeto. 63 Art. 132, I, II e III, do Projeto. 64 Grifo nosso. 65 Art. 131, ECA.

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Conselho Tutelar era atender direitos, neste, é zelar pelo cumprimento dos direitos, respondendo a um encargo da sociedade.

Vemos, que em ambos os textos, e numa reafirmação do princípio

constitucional66, há a advertência: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”67.

Nesse sentido, a diferença que fazemos é que no Projeto de Lei o

Conselho Tutelar teria a finalidade de atender os direitos, sendo composto por pessoas técnicas que atuariam ao lado e somando-se àqueles que por lei já têm o dever assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes. O Conselho Tutelar seria “mais um” órgão de atendimento e proteção, o que não implicaria mudanças no sistema de atenção à causa da criança e do adolescente, tampouco contribuiria para firmar o novo paradigma da criança e do adolescente como sujeitos de direitos. Desta forma a família, a sociedade e o Estado “poderiam” continuar ameaçando e violando direitos, ou mesmo omitindo-se de protegê-los, bastando, para “solucionar o problema daquele menino”, que se acionasse o atendimento e o encaminhamento técnico do Conselho Tutelar. A Proteção Integral68 que deveria ocorrer internamente, pelo próprio sistema, só seria alcançada pela ação supletiva do Conselho Tutelar. Note-se que a criança e o adolescente continuariam a ser tratados como objetos de medidas de proteção do Conselho Tutelar de Atendimento, ainda não como sujeitos, credores de direitos que devem ser atendidos e satisfeitos nas esferas da família, da comunidade e do Estado. Sob esta concepção de finalidade e de atuação do Conselho Tutelar, em Municípios com altos índices de ameaça e violação de direitos, seriam necessários muitos, e muito bem equipados Conselhos Tutelares, compondo-os com profissionais dedicados à causa pública e de um alto gabarito, frente ao volume casos a atender e à interdisciplinariedade das questões apresentadas.

Mas com o Conselho Tutelar do Estatuto não; a sua função NÃO É

ATENDER DIREITOS; É ZELAR PARA QUE OS QUE DEVEM CUMPRIR OS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES, EFETIVAMENTE OS CUMPRAM. Por isso, pelo Estatuto, os conselheiros tutelares necessariamente não precisam ser técnicos, nem ter qualquer formação universitária ou curso superior69. A sua finalidade é zelar, é ter um encargo social para fiscalizar se a 66 “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Art. 227, caput, da Constituição Federal do Brasil) 67 Art 4º, do Projeto e do ECA. 68 A Doutrina da Proteção Integral, que no Brasil substituiu a Doutrina da Situação Irregular do Código de Menores de 1979, foi acolhida pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU), adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, tendo sido subscrita por mais 150 países, dentre os quais o Brasil, que aprovou seu texto através do Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990. 69 Art. 133, ECA: “Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar serão exigidos os seguintes requisitos: I – reconhecida idoneidade moral; II – idade superior a vinte e um anos; III – residir no município”.

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família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público estão assegurando com absoluta prioridade a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, cobrando de todos esses que cumpram com o Estatuto e com a Constituição Federal.

Este é o Conselho Tutelar que muda usos, hábitos e costumes em

relação à criança e ao adolescente, cotidianamente enxergados como objetos, indivíduos incapazes e passíveis de medidas jurídicas e sociais julgadas(?) de seu melhor interesse70. O NOVO CONSELHO TUTELAR não se caracteriza por atender direitos não atendidos, não cumpridos ou não satisfeitos regularmente por quem tinha o dever de cumprir; não é um órgão que age em substituição ou como uma conditio sine qua non para se obter os direitos que já estão assegurados na lei; é sim um órgão que força mudanças socias, que tenciona as estruturas do sistema para a ampliação do atendimento e da proteção aos direitos, que promove a apuração da responsabilidade dos que descumprem seus deveres ou os cumprem de forma irregular, que indica ao Conselho de Direitos as carências/ausências de recursos e de programas de atendimento, apontando necessidades de investimento das verbas do fundo municipal, que mobiliza e congrega sua comunidade, a sociedade e o Poder Público, chamando e organizando suas vontades e seus esforços, que participa ativamente nos fóruns políticos, que cria e propõe soluções alternativas no sentido da garantia à prioridade absoluta dos direitos das crianças e adolescentes.

Como podemos observar, o capital indispensável ao desempenho de

todas essas ações do conselheiro tutelar é o político e não o técnico; ele deve ser um líder, deve ser representativo, capaz de conseguir uma alteração de comportamento, de visão e de trato com os direitos das crianças e dos adolescentes; capaz de introduzir e firmar o novo paradigma deles enquanto CIDADÃOS71 alcançando-lhes dedicações e destinações privilegiadas por parte da família, da sociedade e do Estado, cumprindo-se o próprio Estatuto. Isso não afasta que o conselheiro tutelar seja um técnico, ou mesmo um intelectual, nem significa que o conselheiro não deva se capacitar permanentemente. Capacitação e Assessoria são fundamentais. O que referimos é sobre como estas devem se dar, notadamente para que o Conselho Tutelar possa continuar a atender a essa sua finalidade e objetivo.

Sabemos que a Doutrina72 e a Jurisprudência73 têm admitido, através

da aprovação de lei municipal, a ampliação dos requisitos estatutários previstos

70 The best interess of child. Nesta época o Juiz de Menores tutelava toda a infância e a juventude brasileira, era um “semi-Deus”, agindo e decidindo discricionariamente conforme seus valores e seu entendimento pessoal do que seria o melhor interesse da criança. 71 Segundo a terminologia do Dicionário da Língua brasileira, a palavra cidadão tem o significado do “indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado”, o que para Wanderlino Nogueira Neto pode ser interpretado como “e sendo cidadão, que ele tenha direitos, e tendo direitos, que ele os conheça, e os conhecendo, que saiba como defendê-los, saiba cobrar do estado que institua um sistema para a sua garantia. E que possa esse cidadão responsabilizar aqueles que lhes negarem seus direitos” (in O Estatuto da Criança: conquistas e problemas conjunturais). 72 Neste sentido: José Luiz Mônaco da Silva, Wilson Donizeti Liberati, Edson Sêda de Moraes, Públio Caio Cyrino, Eralton Joaquim Viviani, Judá Jesse de Bragança Soares, Roberto João Elias e Paulo Lúcio Nogueira, entre outros tantos.

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para o cargo de conselheiro tutelar, tidos como mínimos, com o que concordamos, dada a imensidão cultural do nosso país, o número de Municípios, a diversidade e a complexidade das suas demandas. Contudo, lembramos, não podemos nos afastar da essência política do seu papel, nem, sem perceber, começar a lhe exigir conhecimentos e saberes eminentemente técnicos, porque lhe está sendo destinado ou lhe vem sendo exigido (ou se pretende) o desempenho do papel de Conselho Tutelar de Atendimento dos direitos das crianças e adolescentes.

Voltamos a afirmar: todas as necessidades das crianças e dos

adolescentes devem ser atendidas junto à família, à sociedade e ao Estado, e não junto ao Conselho Tutelar, que só será chamado a atuar quando quem tinha que cumprir seu dever não fez, ou o fez de forma irregular. Então, se a criança precisa de creche e o adolescente precisa de escola, esses seus direitos devem ser cumpridos pela família, pela sociedade e pelo Estado. O adolescente tem direito que o pai o matricule e o encaminhe à rede regular de ensino74; a criança e o adolescente têm o direito que a sociedade lhe respeite através de seus educadores75; a criança tem direito que o Estado lhe assegure o atendimento em creche e pré-escola76. Não há segredo nisso, nem Conselho Tutelar, basta que todos cumpram com os seus deveres. Ao direito de cada criança e adolescente, corresponderá um dever da família, da sociedade e do Poder Público, que deverão ser fiscalizados pelo Conselho Tutelar. Assim, o direito de ter educação escolar, corresponde ao dever de ensiná-lo, só se cumprindo esse dever quando efetivada a educação. Às vezes é difícil admitirmos que podemos estar falhando em alguma coisa, mas somos todos humanos, e erros... Temos que trabalhar bem essas questões e sairmos fortalecidos77.

O Conselho Tutelar nunca pode ser o primeiro local a ser procurado,

ele não é o pronto-socorro, senão da cobrança da responsabilidade dos devedores pelo atendimento do direito. Se há necessidade de saúde (violência sofrida na escola), que se chame a urgência médica, o pronto-socorro técnico de saúde; se há necessidade de segurança (manutenção da ordem, contenção da

73 Reexame Necessário nº 595043944. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 8ª Câmara Cível, sessão de 08 de junho de 1995. 74 Art. 55, ECA: “Os pais ou responsável têm obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. 75 Art. 53, ECA: “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado por seus educadores; III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV – direito de organização e participação em entidades estudantis; V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”. 76 Art. 54, ECA: “É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva extensão da obrigatoriedade E gratuidade ao ensino médio; III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; VI – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; VII – atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde!”. 77 A referir, neste sentido, há uma manifestação muito sábia que diz: “A política de dar um passo atrás para dar dois passos para frente não é um atraso! É estar dirigindo-se permanentemente ao avanço de uma forma mais lenta, mas também mais refletida e amadurecida, o que fortalece a relação e a decisão”.

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violência), que se chame o pronto-socorro técnico e aparelhado da polícia; se surge uma necessidade pedagógica (mau comportamento, problemas de aprendizagem), que se chame o pronto-socorro técnico de orientação educacional; se vemos a necessidade de abordagem (mendicância, exploração, vícios), de estudo social (verificação das condições da família), de inclusão em programas sociais de promoção e defesa assistencial, que se chame o pronto-socorro técnico de serviço social; se temos necessidade da imposição de limites (rebeldes, desobedientes), que se chame o pronto-socorro técnico de psicologia, e aí por diante78. Todos esses pronto-socorros devem existir e estar à disposição para o atendimento das ameaças e violações sofridas pelas crianças e pelos adolescentes, sendo o papel do Conselho Tutelar fiscalizar pelo eficiente funcionamento do Sistema de Proteção Integral.

O Conselho Tutelar só deve agir – e se necessário for - após a

família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público cumprirem com seus deveres, i. é, após estes terem procurado todos os recursos para o atendimento dos direitos e das necessidades das crianças e dos adolescentes, o que pode significar mover suas próprias ações. Somente diante da omissão de algum dos devedores, ou se negado o direito a ser protegido79, é que o Conselho Tutelar utilizará seu poder de obrigação e advertência aos pais ou responsável80, e ainda a requisição dos serviços públicos81, o que não consistem em simples cobranças ou solicitações, mas representam medidas aplicadas pelo Conselho82 e ordens a serem cumpridas83, em decisões oponíveis apenas pela revisão da autoridade judiciária84.

Essa posição do Conselho Tutelar provoca a efetiva mudança social,

promove a instalação do novo, e trabalha a CONSCIÊNCIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ENQUANTO CIDADÃOS. O Conselho Tutelar não é eminentemente técnico, para enfrentar questões técnicas, e sim essencialmente político, para enfrentar questões políticas. É um mobilizador, um articulador, um verdadeiro conselheiro, que define as coisas em Conselho e com fundamento na

78 Edson Sêda de Moraes se manifesta no mesmo sentido em sua obra A Proteção Integral, Campinas: Adês, 1996, p. 180. 79 Art. 98, ECA: “As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta”. 80 Art. 129, ECA: “São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: ... V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII – advertência”. 81 Art. 136, ECA: “São atribuições do Conselho Tutelar: ... III – promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações”. 82 Art. 101, I à VII – medidas de proteção aplicáveis às crianças e adolescentes -; art. 129, I à VII – medidas pertinentes aos pais ou responsável. 83 Art. 236, ECA: “Impedir ou embaraçar a ação de autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta Lei. Pena – detenção de seis meses a dois anos”, e art. 249, ECA: “Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar. Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência”. 84 Art. 137, ECA: “As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse”.

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sua representação e no seu saber popular e comunitário. O Conselho Tutelar é autônomo exatamente por isto, para que não exista vinculação político-partidária ou subordinação aos governantes e às demais autoridades municipais; para que não haja submissão aos interesses elitistas que excluem e que continuam a passar a visão da criança e do adolescente como uns coitados e não como cidadãos, situações estas que não lhe permitiriam cumprir com fidelidade o seu papel de proteger e defender a criança, o adolescente e suas famílias.

O Conselho Tutelar é um órgão que surgiu em decorrência do

acolhimento do princípio constitucional da participação popular nas ações do Poder Público85. O Conselho Tutelar é escolhido e composto pelo povo, sendo Estado (órgão público, de natureza pública,...) mas não Governo. Ele exerce parcela do poder estatal na área que respeita à garantia de direitos, à proteção e à defesa dos direitos da criança e do adolescente. Neste sentido, levantamos fatores que podem arranhar a autonomia do Conselho Tutelar, chegando mesmo a tornar bastante comprometidos o exercício e o cumprimento do seu papel: a) no processo de escolha ou de eleição, pode ocorrer que, para conseguir a indicação ou os votos, o candidato se “filie” a interesses que não representem especificamente os direitos a serem protegidos; b) a falta de capacitação continuada dos conselheiros tutelares naqueles assuntos que por eles deverão ser tratados e sobre cujas ações incidem, o que lhes enfraquece o discurso e o argumento, permitindo utilizem/exijam-no para exercer outras funções que não as suas específicas; c) a subordinação ao gerenciador dos recursos destinados por Lei Orçamentária Municipal ao funcionamento do Conselho Tutelar86.

Então, se a necessidade a ser atendida exige um técnico, obtenha-se

o técnico; se é preciso um programa, obtenha-se o programa; se eles não existem ou se são poucos, comunique-se ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público para que tomem as devidas providências nas áreas de suas competências87 (requisições, representações e ajuizamentos), bem como mobilize-se sua comunidade para venham oferecer a sua contribuição, além de ir solicitar aos Conselho de Direitos88 o direcionamento das suas políticas, municipal e estadual, e de ir pressionar o Poder Público para a garantia e a ampliação do atendimento de todos os direitos definidos no Estatuto. Em verdade, e em geral, de nada adianta remeter ao Conselho Tutelar todas aquelas questões em que não há técnico, programa ou serviço. Se inexiste, o que Conselho Tutelar vai fazer? Levar para o Juiz? O Conselho Tutelar não é técnico, não é um serviço ou um programa; não tem espaço físico adequado ao atendimento de direitos, não possui recurso algum para fornecer, não é um fim em si mesmo: “seu fim é encaminhar!”. Assim, a dificuldade de encontrar um recurso que atenda e que obtenha progressão e

85 Art. 204, CF: “As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: ... II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. 86 Art. 134, parágrafo único, ECA: “Constará da Lei Orçamentária Municipal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar”. 87 As atribuições do Conselho Tutelar estão descritas no art. 136 do ECA; as competências do Ministério Público, entre outras referidas em outras leis, no art. 201 da mesma Lei.. 88 Conforme dispõe o art. 88, II, ECA: “... (os) Conselhos municipais (são) órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis”.

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sucesso na reversão do problema, é igual para todos, inclusive para o Conselho Tutelar. O mesmo recurso que poderia ser buscado diretamente, porque, como vimos trata-se de um DIREITO INCONDICIONADO e que deve estar à disposição de todos, é aquele para qual o Conselho Tutelar vai encaminhar/requisitar. A diferença, ou a solução para o atendimento dos direitos é a requisição do Conselho? Não, é a mudança de visão da nossa responsabilidade para com o problema, pois haverá momentos em teremos que dar respostas quando não é possível nem ao Conselho Tutelar requisitar, ou à autoridade judiciária ordenar.

Assim, a falta de obtenção da proteção ao direito não seria uma falha

do Conselho, ou do juiz, mas uma falha do sistema, que continua não priorizando essa proteção. O insucesso da aplicação de medidas, muitas vezes, também não é uma falha do Conselho Tutelar, mas até da família, do programa e do profissional, que não encararam com seriedade o encaminhamento ou que não assumiram com a devida responsabilidade o tratamento necessário (isso sem falar nos reais problemas da falta de passagem para ir ao encaminhamento, ou do medo de ir pelo perigo do desemprego). Ora, sabemos que sem um serviço, sem um programa, sem um técnico ou sem uma família, que se engajem e assumam efetivamente suas responsabilidades e suas obrigações, nada se resolverá para a criança. Não há mágicas, não há coelhos para serem retirados de dentro da cartola, há mudanças de ver e de tratar a questão. Então o Conselho Tutelar não vai educar o filho para o pai, dizendo que é muito cedo namorar, que o menino tem que fazer ou deixar de fazer isto ou aquilo, e a que horas tem que dormir ou voltar para casa; também não vai dar cesta básica para a família se alimentar, nem vale-transporte para irem às consultas; não vai fazer terapia, não vai prestar orientação educacional, não vai medicar ou utilizar de força, nem fornecer documento ou certidão de nascimento para fazer a matrícula.

A eficácia das ações do Conselho Tutelar depende dele conseguir

FIRMAR O NOVO PARADIGMA, obtendo uma efetiva mudança das visões social e política acerca dos direitos da criança e do adolescente, que devem passar a ser vistos como prioridade absoluta, não só na Lei Federal, na teoria utópica e no discurso fácil, mas no dia-a-dia de nosso relacionamento com eles, nos nossos contatos pessoais ou profissionais, assegurando-se-lhes todos os privilégios e as preferências que lhes asseguram a lei89. Além disso, há a exigência de sérios investimentos públicos e comunitários na criação e implementação de programas e serviços que promovam e atendam a universalidade dos direitos das crianças dos adolescentes. E, por terceiro, imprescinde do fiel cumprimento do papel estatutário destinado ao conselheiro tutelar; esse, talvez, o ponto para avaliar a capacidade e a competência do conselheiro.

Um Conselho Tutelar fraco, sem representatividade social, não

cumprindo o seu papel e realizando ações técnicas sem qualquer conhecimento mais profundo e sem a mínima qualidade, não cobrando de quem deve atender, não responsabilizando os omissos e substituindo as ausências e os

89 Art. 4º, parágrafo único, ECA: “A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”.

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descumprimentos (exatamente como lhe previa a redação do Projeto de Lei), NÃO MUDARÁ O SISTEMA, pelo contrário o manterá, perpetuando a visão da criança e do adolescente como objetos da vontade social e dos Governos. Não é isso que queremos, não é a função e a finalidade estatutária destinada ao Conselho Tutelar, nem foi o texto aprovado e editado ao final pelo Congresso Nacional.

Somente contando-se com um Conselho Tutelar forte, atuante nos

limites do seu verdadeiro papel, autônomo por excelência e representativo de sua comunidade, é que se poderá confirmar ou não a sua validade no Brasil90, introduzido pelo legislador para figurar como um dos mais importantes órgãos chamados a garantir a ABSOLUTA PRIORIDADE e a PROTEÇÃO INTEGRAL dos direitos das crianças e adolescentes.

Entendido o objetivo do Conselho Tutelar, sua função, o capital de

que é detentor e quando e como deve ser acionado, aos educadores é preciso ressaltar duas situações especiais em que estes deverão obrigatoriamente comunicar-se com o Conselho Tutelar, sob pena de serem responsabilizados91. São as situações de maus-tratos envolvendo seus alunos e as situações de ato infracional praticado por criança92.

Nos casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos, o que

envolveria o conhecimento de qualquer caso de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão93 em relação ao seu aluno, ocorrida dentro ou fora do ambiente escolar, é obrigação legal do professor ou responsável pelo estabelecimento, comunicar a ocorrência ao Conselho Tutelar. Como vimos, isso não significa que o atendimento dos direitos ameaçados ou violados deva ser repassado ao Conselho Tutelar; a lei fala em comunicar o caso ao Conselho Tutelar, sem prejuízo da adoção de outras providências legais94. A criança e o adolescente estando na escola, estão sob a sua responsabilidade. Cabe à escola

90 Em que pese alguns autores referirem a anterior existência do Conselho Tutelar na lei brasileira (José Luiz Mônaco da Silva, in Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários, e Eralton Joaquim Viviani, in Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, identificam-no com o antigo Conselho de Assistência e Proteção), divergimos deste entendimento pelo estudo de suas características, de suas finalidade, de suas ações e do seu espaço de atuação. Segundo referimos em outro momento, não há, no mundo, nenhum órgão igual ao Conselho Tutelar brasileiro, exceto alguns semelhantes (e mais aproximados ao órgão previsto no Projeto de Lei), como podemos citar, no Canadá la Commission des Droits de la Personne et des Droits de la Jeunesse, na Bélgica les Comités de Protection de la Jeunesse, e no México el Consejo Local de Tutelas, além de organismos visualizados no modelo francês e cubano de proteção de direitos. 91 Art. 245, ECA: “Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente. Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência”. 92 Informamos que deixamos de referir a questão da reiteração de faltas injustificadas, de evasão escolar e de elevados níveis de repetência, observando que em quase todo Estado do Rio Grande do Sul vigora um compromisso de ações (FICAI), que estabelece alguns procedimentos aos Conselhos Tutelares, o que, para referir comentário, precisaria ser melhor conhecido. 93 Art. 5º, ECA: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. 94 Art. 13, ECA: “Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança e adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais”.

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chamar os pais e encaminhar os atendimentos necessários, inclusive com a avaliação conjunta da necessidade de ser efetuado o registro de ocorrência policial e ser tomada alguma medida administrativa. Tomadas pela escola as providências para sanar as necessidades preliminares, afirmadas aos pais os seus deveres, segue a obrigatória comunicação ao Conselho Tutelar, para verificação da necessidade de realizar novas entrevistas e de serem aplicadas outras medidas complementares.

A segunda situação que chamo à atenção, é a da exclusiva

competência do Conselho Tutelar95 para agir perante a criança96 que cometeu um ato infracional97. O Estatuto da Criança e do Adolescente inovou ao transferir o atendimento do menor de doze anos que pratica um crime ou uma contravenção, a uma autoridade administrativa, retirando a criança da competência da autoridade judiciária98. Isso fez com que o ato infracional praticado pela criança fosse decidido mais no campo social e do que no campo jurídico, o que decorre desde o enquadramento do ato praticado (pelo desconhecimento do leigo aos princípios da tipicidade e da reserva legal), passando pela escolha dos procedimentos cabíveis para o processamento do caso (desconhecimento dos princípios do devido processo legal, da defesa técnica, do contraditório e da ampla defesa), até as formas de desfecho e composição do caso apresentado (desconhecimento do princípio do in dubio pro reu, da necessária decisão escrita e fundamentada, e do duplo grau de jurisdição)99.

Então, pelo Estatuto, se uma criança está cometendo ou cometeu

qualquer crime ou contravenção penal previstas em lei100, isto deve ser tratado como um caso social, e não policial, não cabendo aí chamar a Polícia Civil ou a Brigada Militar, mas sim a ação exclusiva do Conselho Tutelar, independente da gravidade do fato praticado101. Contudo, uma dúvida que temos, e que a prática só nos tem aumentado, é saber exatamente como é que está sendo entendido/interpretado o ato infracional praticado por criança. Segundo pesquisa que realizamos102, para alguns, atirar pedra em um ônibus é um ato infracional, pois “toda conduta que fere o direito do outro é ato infracional”; para outros porém, 95 Art. 136, ECA: “São atribuições do Conselho Tutelar: I – atender as crianças... nas hipóteses previstas no art. 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII”, c/c art. 105, ECA: “Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101”. 96 Art. 2°, ECA: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. 97 Art. 103, ECA: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. 98 Todas as leis brasileiras sempre remeteram o atendimento e a decisão das condutas desviantes ou criminosas praticadas pela criança (ou pelo menor de doze anos) à autoridade judiciária, o que constatamos desde a primeira lei que referiu-se ao menor (Código Criminal do Império do Brazil, de 16 de dezembro de 1830), até o revogado Código de Menores, de 10 de outubro de 1979. 99 Art. 5º, Constituição Federal. 100 Leia-se Código Penal, Lei das Contravenções Penais e demais leis esparsas que tipificam outros ilícitos penais. 101 A respeito de episódio, notícia recentemente veiculada em jornal de grande circulação regional e nacional, retratou total equívoco de autoridade municipais ao lidar com o problema. Laborando em erro, entende-se, por desconhecimento do ECA, registra a reportagem que: “... um menino de 9 anos tentou matar com 20 facadas uma menina de 7 anos. ... O menino foi encaminhado ontem à tarde à Vara da Infância e da Juventude. A delegada S. M., da Delegacia de Atendimento à Criança e ao Adolescente lembrou que le não pode ficar preso ou responder a processo criminal” (Jornal Correio do Povo, de 09 de fevereiro de 2000). 102 O autor desenvolve pela UFRGS pesquisa acerca da Criança e seu Ato Infracional.

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do mesmo Conselho Tutelar, a mesma conduta “pode ser uma arte de criança”. Neste sentido, chegamos inclusive a verificar o entendimento de um conselheiro tutelar que, para ele, “se uma criança matar, não é um ato infracional, é uma negligência dos pais que não a educaram e que negligenciaram ao deixar acessível a arma, pois criança é criança, é irresponsável, tá ali, nem sabe o que tá fazendo, pode estar sendo utilizada para aquilo”.

Como visto, fica difícil definir abstratamente o que é ou não é um ato

infracional praticado por uma criança, senão utilizando-se as definições hipotéticas da lei penal. De resto, só uma avaliação da situação fática concreta e uma percepção dos entendimentos reinantes no local e entre aqueles que com os fatos se relacionam, é que poderá nos definir o enquadramento do que ocorreu. Será que jogar uma cadeira ou outro objeto na sala de aula é uma contravenção103, ou pode caracterizar-se apenas como um mau comportamento? Da mesma forma, baixar as calças e expor a genitália é um crime104, ou pode ser considerado como falta de limite e de educação? Fumar e vender maconha105 é crime ou deve ser tolerado, como são tolerados(?) o consumo e a venda de álcool e tabaco, drogas comprovadamente de malefícios iguais ou superiores, e que têm uma cultura aceitação. Tudo isso em que temos dúvidas, se acentua ainda mais quando os atos são cometidos por uma criança, sobre a qual a ciência tem rechaçado a imposição de responsabilidade, tamanha a sua incapacidade de conduzir-se por força própria e de alcançar discernimento sobre as reais conseqüências desse seu ato.

A questão final e outra pergunta que sempre nos é formulada nos

eventos, é a que questiona “se as crianças e os adolescentes só têm direitos e se eles não têm deveres”. No sentido de uma resposta clara, utilizo-me de CARVALHO106, quando com grande sabedoria nos coloca: “Com efeito, todo homem normal tem necessariamente dois períodos em que FICA A CARGO DA SOCIEDADE: o tempo da infância e o da velhice, sem falar nos riscos da doença e da invalidez”. Então é isso, e é bastante óbvio que há certos momentos na vida de todos nós em que somos credores de mais direitos, ficando com menos deveres – numa proporção correspondente à capacidade - o que não significa não termos deveres. Os direitos das crianças e adolescentes, assim como os seus deveres estão previstos no Estatuto. O direito de ser respeitado pelos educadores,

103 Art. 37, Decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais): “Arremessar ou derramar em via pública, ou de uso comum, ou de uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguém. Pena: multa. Art. 42, idem: “Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; ... Pena: Prisão simples, de quinze dias a três meses”. 104 Art. 233, Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal): “Praticar ato obsceno em lugar público ou aberto ou exposto ao público. Pena: três meses a um ano, ou multa”. 105 Art. 12, Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976 (Lei de Tóxicos): “Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena: reclusão de três a quinze anos”. Art. 16, idem: “Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena: detenção, de seis meses a dois anos, e multa” 106 Carvalho, Francisco Pereira de Bulhões. Falhas do novo código de menores. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 75.

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é o dever de também respeitá-los; o direito de contestar critérios avaliativos, é o dever de respeitar os critérios propostos, podendo recorrer às instâncias superiores. Direito e dever são os lados de uma mesma moeda, a todo direito corresponde um dever.

QUADRO COMPARATIVO ENTRE OS CONSELHOS TUTELARES CONSELHO TUTELAR A CONSELHO TUTELAR B

Função/ Finalidade?

... o atendimento dos direitos

... ... zelar pelo cumprimento dos direitos ...

Quem atende os Direitos?

É dever da família, da comu-nidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos ...

É dever da família, da comu-nidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos ...

Conselho atende Direitos?

Sim. É sua finalidade o atendi-mento dos direitos

Não. Sua finalidade é zelar (fis-calizar) pelo cumprimento dos direitos que deverão ser atendidos pelos acima descritos

Critérios e Requisitos para o Cargo?

1. ser escolhido pelo Conselho de Direitos;

2. ter formação universitária nas áreas de saúde, educação, direito, psicologia e serviço social;

3. ser indicado por entidade de atendimento de direitos;

4. ter 2 anos de efetivo exercí-cio da profissão ou atividade;

5. reconhecida idoneidade mo-ral;

6. idade superior a 21 anos; 7. residir no município

1. ser escolhido pela comuni-dade local;

2. ser alfabetizado; 3. reconhecida idoneidade mo-

ral; 4. idade superior a 21 anos; 5. residir no município

Capital para o Exercício?

Técnico Político

Critério de Seleção?

Ordem de classificação em exame de conhecimentos dos assuntos referentes à sua futura área de atuação

Ordem de classificação em processo eletivo, direto ou indireto, da população local

Tipo de Ações?

1. Atendimento técnico; 2. Ecaminhamento técnico; 3. Ações centralizadas

1. Atendimento leigo; 2. Encaminhamento à técnico; 3. Ações descentralizadas

Capacitação e Assessoria

Eminentemente técnica, Gover-namental e Não-Governamental

Essencialmente política, Gover-namental e Não-Governamental

Remunera-ção?

No nível de funções e atividades de grau técnico-científico e supe-rior

Eventual, conforme o volume e a complexidade da demanda de ações

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Estrutura? Máxima: notadamente em Muni-cípios com altos índices de ameaça e violação de direitos

Mínima: somente o indispensá-vel para funcionar

Número? Muitos, notadamente em Muni-cípios com altos índices de ameaça e violação de direitos

Poucos, exceto em Municípios com altos índices de ameaça e violação de direitos, ou com grandes resistências de cumprir seus deveres

Fiscalização?

Técnica, inclusive pelos Conse-lhos Profissionais (OAB, CRP, CRESS...)

Política, preferentemente mista (CTs, Governo e sociedade)

Presença/ Participação?

1. em aprendizado técnico –imprescindível;

2. em seminários, conferências, fóruns políticos – importante;

3. junto à comunidade – distante;

4. junto ao CMDCA – importante

1. em aprendizado técnico – importante;

2. em seminários, conferências, fóruns políticos – imprescindível;

3. junto à comunidade – estreita;

4. junto ao CMDCA –imprescindível

Como Defender Direitos?

Atendendo todos os casos que lhe são encaminhados

Cobrando da família, da socie-dade e do Estado o cumprimen-to de seus deveres; tencionando estas estruturas para promoção e atendimento dos casos

Condições para Efetivar A Proteção?

a) Conselheiros tutelares capa-citados tecnicamente;

b) Conselheiros tutelares em número suficiente à demanda

c) Conselhos Tutelares bem equipados

a) Conselheiros tutelares capa-citados no seu papel;

b) Investimentos públicos e comunitários;

c) Mudança de paradigma: de Menor-objeto para criança /adolescente- sujeito

Autonomia? Vinculação aos conhecimentos técnico-científicos

Vinculação ao fiel exercício do seu papel e à proteção absoluta dos direitos das crianças e adolescentes

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CONSELHO TUTELAR: QUANDO? POR QUÊ? PARA QUÊ? COMO?*

Ao iniciar qualquer fala sobre o Conselho Tutelar, a primeira coisa que me chama a atenção é o nomem iuris deste novo órgão107 criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a sua terminologia, o seu significado e o seu alcance. A palavra Conselho, de origem latina consilium, ou de origem francesa conseil, designa a assembléia em que se toma deliberação a respeito de certos assuntos submetidos a sua apreciação108, ou ainda, a assembléia de pessoas encarregadas de deliberar sobre certos interesses ou julgar determinados litígios109. Vejo então que ambos significados referem-se à assembléia110, oferecendo-nos um caráter de uma ação coletiva e não de uma ação individual. Um Conselho é um grupo de pessoas em que seus membros não atuam sozinhos, mas somente em grupo, pois é na ação conjunta que está a sua característica diferencial.

Levando-nos ao nosso caso, o Conselho Tutelar, como todos

conselhos, é órgão coletivo111, que tem suas atribuições dispostas pela ação coletiva de todos os seus membros e não apenas de um deles. Individualmente não se faz conselho algum, apenas se dá, se pensando conselho em sua linguagem vulgar, em que significa parecer, recomendação ou opinião112. Se observarmos bem no Estatuto, no art. 136, caput, está lá expresso: “São atribuições do Conselho”, e não “são atribuições do conselheiro”, o que já nos demonstra que é o todo e não o individual que deve cumpri-las. Neste sentido, todas as ações individuais dos conselheiros tutelares só podem ser válidas se feitas como um Conselho, ou seja, coletivamente, com participação e deliberação de todos, que podem ter diferentes opiniões a respeito dos assuntos tratados. Daí depois veremos a importância da escolha do conselheiro e da representatividade que este deve exercer em nome da comunidade que o escolheu. Mas lembremo-nos que o conselheiro exerce um mandato público, o que significa um contrato de

* O presente texto foi objeto de palestra proferida no Seminário Conselho Tutelar: Quando? Por quê? Para quê? Como?, realizado no dia 06 de junho de 2000. 107 José Luiz Mônaco da Silva, in Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários, e Eralton Joaquim Viviani, in Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, divergem de nosso entendimento, afirmando o primeiro que: “... não podemos dizer que se trata de inovação legal porque o Código Mello Matos, de 1927, criava, no seu art. 222, o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores ... cujas atribuições guardavam certa semelhança com ... o art. 136 do ECA” (p. 214), e o segundo: “... não é idéia inédita. Seu perfil é encontrado na legislação mexicana e de alguns países escandinavos. ... O primeiro Código de Menores que tivemos, ... criava, no seu art. 222, o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores. ... as atribuições daquele Conselho, pela similitude que guardam com as do Conselho Tutelar agora criado, vale recordar” (p. 112). 108 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Forense, Rio de Janeiro: 1998. 109 CAPITANT, Henri. Vocabulário Jurídico. De Palma, Buenos Aires: 1979. 110 Conforme Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, José Náufel: Assembléia. Reunião de pessoas num mesmo lugar, especialmente convocadas, em virtude de disposição de lei, estatutos ou regulamentos, para deliberar sobre assuntos de interesse comum ou que lhes estão afetos em razão de sua função. 111 Art. 132 do ECA: “Em cada município haverá no mínimo um Conselho Tutelar, composto de cinco membros, escolhido pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução”. 112 SILVA, De Plácido e. Op. cit.

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representação dos interesses sociais de proteção da criança e do adolescente, e não um mandato privado de administração de interesses particulares. Então a primeira coisa que já nos fica é que: no que vamos falar é no Conselho e não no conselheiro, que não tem poderes ou atribuições individuais.

O Conselho é ainda Tutelar, o que, do latim tutela, do verbo tueri,

significa proteger, ou vulgarmente entende-se como a proteção e a assistência instituída em benefício de alguém, em geral de menores órfãos, ou sem pais, que não possam por si sós, dirigir suas pessoas e administrar seus bens113. Contudo, segundo veremos adiante, acerca do papel do Conselho Tutelar, entendemos não seja esse o exato significado ao Conselho Tutelar estatutário, de proteger órfãos e abandonados, mas sim de proteção dos direitos de todas as crianças e adolescentes, quando o Conselho seria Tutelar não dos sujeitos mas dos direitos dos sujeitos, que devem ser tutelados pela família, pela comunidade, pela sociedade em geral e pelo Poder Público.

Dito isso, do que seja o significado do nome Conselho Tutelar,

vamos nos dirigir ao papel que o Estatuto da Criança e do Adolescente lhe endereçou. Neste tocante sempre gosto de fazer uma comparação entre a redação do texto do projeto de lei do Estatuto, e que previa um Conselho Tutelar que tinha como finalidade o atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes114, e o texto aprovado pela lei federal nº 8.069/90 (ECA), e que define o Conselho Tutelar como o órgão encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes115. No primeiro Conselho, para atender direitos, se fazia necessário conhecimento técnico, sendo por isso previsto que 3 (três) conselheiros deveriam ter formação universitária nas áreas de direito, educação, saúde, psicologia e serviço social, sendo os demais restantes, representantes de entidades de atendimento e de defesa de direitos116. No Conselho Tutelar do Estatuto não, não sendo sua finalidade atender direitos, mas sim zelar para que os direitos das crianças e adolescentes sejam cumpridos pelos devedores do atendimento – família, comunidade. sociedade e Estado -, os requisitos técnicos deixaram de existir, permanecendo apenas requisitos muito amplos e gerais, que pouco restringe o acesso ao cargo, ou ao exercício deste novo papel de fiscalizar o cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes, e que deve ser feito de forma a observar a absoluta prioridade117.

Nisso, a diferença maior que fazemos é que no Conselho do projeto,

o Conselho se somaria aos demais devedores de atendimento, não mudando em verdade o sistema, mas só ajudando a atender a demanda de ameaças e violações. Precisaríamos de Conselhos Tutelares muito bem equipados, com profissionais qualificados e muito bem remunerados, e ainda em número suficiente para atender todas as situações de necessária proteção. Já pelo Estatuto, o 113 FRANCO, João Melo. Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos. Almedina, Coimbra (PORTUGAL): 1993. 114Art. 131 do Projeto de Lei nº 5.172/90. 115 Art. 131, ECA.. 116 Art. 132, I, II e III, do Projeto. 117 Art. 133, ECA: “Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar serão exigidos os seguintes requisitos: I – reconhecida idoneidade moral; II – idade superior a vinte e um anos; III – residir no município”.

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Conselho progride pelo enraizamento da mudança de paradigma, agindo como um despertador de uma nova consciência, de uma nova visão e de uma nova razão a respeito das crianças e adolescentes, que passam a ser vistos não mais como objetos de medidas, mas como sujeitos credores de direitos, que devem ser assegurados com a absoluta prioridade pela família, pela comunidade, pela sociedade e pelo Estado118.

Assim, a ação do novo Conselho tem sucesso quando agindo

preventivamente obtém de uma espécie de pré-disposição de todos os devedores de atendimento. Então, se a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público cumprirem com todos os seus deveres, e mesmo diante da violação, agirem na proteção e no resgate do direito, não precisaríamos, em tese, de Conselhos Tutelares. É claro que isso não é tão simples assim, e que sempre temos que ter no mínimo um Conselho Tutelar para exercer e marcar seu papel social de zelador do Sistema de Proteção Integral dos direitos das crianças e adolescentes, mas o paradoxo entre a sua função e o que motiva a sua existência enquanto agente de proteção é exatamente o mesmo do assistente social.

Esclarecidas essas duas concepções acerca do papel do Conselho

Tutelar: ser um agente de atendimento de direitos, o que a nós, não significa uma mudança no sistema de proteção, pois permite que o Conselho Tutelar atue na forma de substituição de tudo aquilo que não é atendido como direito; e ser um agente de mudança social, o que a nós constitui o verdadeiro papel estatutário a ser exercido pelo Conselho, que age como um fiscalizador dos direitos e cobrador dos devedores, não os substituindo mas pressionando a mudança de seus comportamentos em relação aos direitos que devem assegurar.

Agora, é a sociedade, os próprios conselheiros tutelares e todos nós

quem vamos e estamos escolhendo qual o papel que queremos do conselheiro tutelar em sua prática: se é recolher crianças esmolando, ou se é bater às portas dos responsáveis cobrando a proteção e uma política de inclusão social. E é aí que questionamos para onde queremos ir. Será que todos querem um Conselho Tutelar que cobre responsabilidades, ou querem um Conselho Tutelar que assuma as responsabilidades? Em pesquisa que venho realizando junto à UFRGS119, e que trata a respeito do atendimento prestado pelo Conselho Tutelar à criança que pratica o ato infracional, fiz a seguinte pergunta aos conselheiros entrevistados: o que desejam as pessoas/órgãos que encaminham seus casos ao Conselho Tutelar? A resposta foi impressionante: 87,5% dos entrevistados me respondeu que as pessoas que procuram o Conselho Tutelar desejam que ele assuma a responsabilidade total pelo “problema”, ou seja, tem-no utilizado como uma verdadeira bacia para se lavar as mãos e deixar a “sujeira”.

Então, os pais querem ir ao Conselho para que ele vá lá educar os

filhos deles que não querem ir à escola, que ficam pela rua, ou simplesmente não os obedecem; as escolas querem ir ao Conselho Tutelar para que ele vá lá “dar um xixi” nos alunos que não se comportam; e os programas de assistência

118 Art 4º do ECA. 119 Especialização em Ciências Penais: As Ações do Conselho Tutelar no Atendimento da Criança autora de Ato Infracional.

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querem ir ao Conselho para que ele vá lá tirar as crianças que estão pedindo dinheiro nas sinaleiras. Pergunto: onde está a família, onde estão os programas de atendimento? O Conselho Tutelar não é órgão de atendimento, é órgão de encaminhamento, e o direito violado só pode ser satisfeito quando cumprido e atendido pelos que devem assegurá-los. Assim, não é o Conselho Tutelar que vai educar os filhos, são os pais que educam; não vai administrar o comportamento dos alunos, é a escola que os ensina e os orienta em suas condutas; não vai recolher as crianças esmolando, pois são os programas de assistência social que tem o dever de abordá-las, criar vínculos e incluí-las, juntamente com sua família, nos programas comunitários ou oficiais de auxílio e proteção.

Entendido esse papel do Conselho Tutelar, deve ele ser acionado

não como um pronto-socorro de atendimento de tudo aquilo em que há ameaça ou violação de direitos, mas somente após serem procurados todos os reais recursos que atendam a necessidade120. O Conselho Tutelar é o pronto-socorro contra a omissão dos devedores, quando não lhe cabe assumir a demanda, e sim cobrar e responsabilizar aqueles que estão falhando. O Conselho Tutelar tem o poder de requisição, o que não é um simples pedido, mas uma ordem que, descumprida injustificadamente, poderá ser objeto de representação judicial121, ou mesmo de encaminhamento ao Ministério Público122. Também tem o Conselho a medida de advertência aos pais ou responsável123, o que significa uma imposição a eles, sob pena de suas responsabilidades124. Claro que, sabemos, todas as medidas que o Conselho Tutelar aplica podem ser revistas pela autoridade judiciária125, a pedido de quem tenha legítimo interesse. Assim, não há no Conselho Tutelar uma ordem final, exceto em nível administrativo.

Em relação à escola, chamaria atenção a quatro momentos

fundamentais de seu obrigatório relacionamento com o Conselho Tutelar: 1. A ocorrência de maus tratos envolvendo seus alunos; 2. A reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares; 3. Os elevados níveis de repetência de seus alunos126; e 4. Os casos de ato infracional praticados por criança127. Em todos esses casos é obrigatória a comunicação ao Conselho Tutelar, sob pena de responsabilidades128. Mas isso não significa, como vimos, fazer do Conselho Tutelar a autoridade com a responsabilidade total. A comunicação de maus tratos não exclui a tomada de demais providências legais exigíveis para o caso129. A autoridade estatal com a responsabilidade total é fruto do passado, da velha política de menores, onde tudo era endereçado ao Juiz de Menores, que julgava ao seu bel prazer, o que ele entendia que era o melhor para aquele menor encaminhado130, e a sociedade não estava nem aí com o que o juiz

120 Edson Sêda manifesta-se em igual sentido in A Proteção Integral. 121 Art. 136, III, do ECA. 122 Art. 136, IV, do ECA. 123 Art. 129, VII, do ECA. 124 Art. 249 do ECA. 125 Art. 137 do ECA. 126 Art. 56, I, II e III, do ECA. 127 Art. 136, I, do ECA. 128 Art. 245 do ECA. 129 Art. 13 do ECA. 130 The best interess of children.

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fazia, contentava-se com ter repassado à uma autoridade o seu problema social. Isso não é mais possível diante dos art. 227 da Constituição Federal e do art. 4º do Estatuto131, que prega uma responsabilidade complexa, acabando com aquele pensamento simplificado de menor em situação irregular: problema exclusivo do Estado, para inaugurar uma nova forma de ver o caso como criança e adolescente: problema de todos132.

Sobre as situações acima trazidas, gostaria de trazer algumas

reflexões a respeito do ato infracional praticado pela criança133, e que até é tema de minha pesquisa. O que nós podemos considerar como um ato infracional praticado por uma criança? Jogar pedras134 e brigar na escola135 são atos infracionais? Furtar136 comida no supermercado é ato infracional? O que poderia nos dar a dimensão do que é ou não é ato infracional, quando praticado por um indivíduo com menos de 12 anos de idade? Em minha pesquisa obtive dados e visôes que apresentaram-me um quase infinito distanciamento de entendimento sobre esses fatos. Tive uma declaração de conselheiro que me disse que nem matar é ato infracional se praticado por uma criança, o que constitui-se como uma espécie de negligência dos pais ou responsável. Isso ocorreria, segundo o entendimento do entrevistado, tendo em vista que criança é criança, nem tem qualquer responsabilidade pelo que faz, pelo fato de não possuir capacidade de entender o caráter ilícito de sua ação. Mas houve outro conselheiro que foi sintético e objetivo em relação ao que constitui-se um ato infracional: para ele tudo o que fere o direito de alguém - em nível penal, lógico - é um ato infracional, independente ter sido praticado por uma criança.

Então vejam a dimensão do que é um ato infracional praticado por

uma criança, e que assim, obriga a escola a encaminhar o caso ao Conselho Tutelar, única autoridade competente para atuar diante do fato e aplicar medidas de proteção.

Sobre os casos de evasão, faltas reiteradas e elevados níveis de

repetência, parece-me, há ainda vigorando na Capital um termo de ajuste ou de compromissos entre escola, Conselho Tutelar e Ministério Público137. Neste estariam previstas determinadas ações de responsabilidade de cada um dos órgãos, que atuariam de forma conjunta no enfrentamento desses problemas. Só que as coisas não se reduzem apenas aos fatos, estendendo-se também a apuração das suas causas, situações essas que devem ser analisadas por esses agentes. Encerramos aqui, deixando espaço para suas perguntas, Obrigado. 131 Arts. 227 da CF e 4º do ECA, no mesmo sentido: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” 132 Antônio Lancetti, palestra proferida no Curso de Capacitação para Conselheiros Tutelares de Porto Alegre/RS, em 15 de setembro de 1998. 133 Arts. 2º e 103 do ECA. 134 Art. 163 do Código Penal e art. Lei das Contravenções Penais. 135 Art. 129 do Código Penal. 136 Art. 155 do CP. 137 FICAI, Ficha de Comunicação de Aluno Infreqüente.

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Brasília: 1988.

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PERSPECTIVAS DO CONSELHO TUTELAR NO SÉCULO XXI* Neste ano de 2000 comemoramos os 12 (doze) anos da adoção

nacional da Doutrina da Proteção Integral138, os 10 (dez) anos do Estatuto da Criança e do Adolescente139 e, no município de Porto Alegre/RS, onde atuo profissionalmente, os 9 (nove) anos dos Conselhos Tutelares140. O que pretenderemos aqui referir é como essas introduções legais estão tendo aceitação e vêm sendo incorporadas em nosso dia-a-dia e, com isso, estão conseguindo, com eficácia natural, a mudança do paradigma do menor-objeto para o paradigma da criança e adolescente-sujeito. Para tanto, é preciso verificarmos em que realmente consistiram as alterações advindas da legislação da criança e do adolescente, para, após, averiguando-as na prática por nós vivenciada, podermos concluir sobre um grau de avanço e apontar perspectivas sobre a matéria.

Assim, rapidamente a referir antes de adentrar no tema específico, e até para que possamos ter uma melhor compreensão do que iremos expor e tratar a seguir, desejaríamos trazer alguns aspectos da mudança paradigmática trazida pela Carta Constitucional e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Até o advento da Constituição e a vinda do Estatuto, o Brasil

encontrava-se sob o ordenamento do Código de Menores de 1979141, que adotava a Doutrina da Situação Irregular do Menor, onde: a) o menor era visto como objeto de medidas; b) a lei não contemplava todos os infantes, não os protegia, não afirmava seus direitos, mas tão-só administrava e tratava àqueles que a lei definia como em situação irregular; c) a concepção político-social era a do controle social da infância e da adolescência; d) o juiz de menores concentrava todo o poder decisório sobre todas as questões jurídicas envolvendo o menor; e) a política do bem-estar do menor era de responsabilidade do Estado142.

Com a Constituição e o Estatuto: a) a criança e o adolescente

surgem como sujeitos credores de direitos, vistos como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; b) a lei passa a proteger a todos, afirmando direitos de forma universal e concedendo a cidadania a toda criança e a todo adolescente, sem qualquer discriminação; c) a concepção político-social passa a ser a do controle social sobre as políticas governamentais, o se dá através da participação popular nos Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos; d) a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público têm o expresso dever de

* O presente texto foi objeto de palestra proferida no Seminário Conselho Tutelar: Dinâmica e Interfaces com a Realidade Social, Curso de Extensão/ULBRA, no dia 16 de junho de 2000. 138 Art. 227, caput, da Constituição Federal do Brasil, de 05 de outubro de 1988: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 139 Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. 140 Lei Municipal nº 6.787, de 11 de janeiro de 1991. 141 Lei Federal nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. 142 Lei Federal nº 4.513, de 1º de dezembro de 1964.

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assegurar, com absoluta prioridade, os direitos pela Lei definidos às crianças e aos adolescentes.

Então o Conselho Tutelar surge da introdução de um novo

paradigma, vindo como um órgão municipal de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, escolhido e composto pelo povo – barro do barro da sociedade143, como forma de aproximação da sociedade e do Estado no comando das ações públicas relativas à infância e à juventude do país. O Conselho Tutelar é um dos órgãos de maior importância para o efetivo enraizamento do Estatuto e do Direito da Criança e do Adolescente, que vieram como decorrência da nossa Constituição Federal de 1988. A raiz constitucional do Conselho Tutelar está prescrita no seu art. 204, inciso II, em que prevê a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas públicas e no controle das ações em todos os níveis. Assim, com previsão legal, o Conselho Tutelar constitui-se em Estado sem ser governo, agindo como o advogado da infância e da juventude.

Para se abordar perspectivas do Conselho Tutelar, ou seja, o que se

esperar para o Conselho Tutelar no futuro, a primeira coisa que teremos que entender é porquê um Conselho Tutelar, dentro de que concepção o espero, para que finalidade ele surgiu e qual a função que se destina a cumprir.

A respeito da finalidade ou da função do Conselho Tutelar, gosto

sempre de fazer uma comparação entre o Conselho Tutelar que foi objeto de previsão do Projeto de Lei do Estatuto e o atual texto de lei, que dispõe sobre o nosso Conselho Tutelar. Neste sentido, o Projeto de Lei nº 5.172/90 previa que o Conselho Tutelar teria por finalidade o atendimento dos direitos da criança e do adolescente144. Essa seria a sua finalidade: atender os direitos das crianças e dos adolescentes.

Já pela Lei Federal nº 8.069/90, sua finalidade não é mais atender os

direitos, sendo o Conselho Tutelar o órgão encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente145. Para nós, uma coisa é ter por finalidade o atendimento dos direitos, e outra coisa é ter um encargo social para zelar pelo cumprimento dos direitos.

O art. 4º de ambos os textos legais ratificava uma afirmação

constitucional já pregada: “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Assim, a diferença que fazemos entre os Conselhos Tutelares do Projeto de Lei e do Estatuto, é que o Conselho Tutelar do projeto 143 A expressão foi utilizada por Ana Paula Motta Costa, Presidenta da Fundação Educação Social e Comunitária. 144 Art. 131 do Projeto de Lei nº 5.172, de 1990: “O Conselho Tutelar é órgão administrativo, permanente e autônomo, não jurisdicional, tendo por finalidade o atendimento dos direitos das criança e do adolescente”. 145 Art. 131 da Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990: O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, definidos em Lei”.

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também atenderia os direitos, agindo como soma aos citados devedores de direitos – o que a nosso ver não mudaria o sistema, e no Conselho Tutelar do Estatuto agiria ele como um fiscal do cumprimento dos direitos, ou como o zelador do sistema de proteção integral por parte dos devedores, o que não o caracterizaria como mais um órgão de atendimento dos direitos, e sim como um agente de defesa e de cobrança da mudança social146.

Os direitos das crianças e dos adolescentes estão previstos no Livro

I, Parte Geral, do Estatuto, estando eles divididos em 5 (cinco) capítulos, a saber: do direito à vida e à saúde (I); do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade (II); do direito à convivência familiar e comunitária (III); do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (IV); do direito à profissionalização e à proteção no trabalho (V).

Cabe ao Conselho Tutelar zelar para que a família, a comunidade, a

sociedade em geral e o Poder Público cumpram com esses direitos, assegurando-os às crianças e aos adolescentes com absoluta prioridade. O Conselho Tutelar não atende os direitos diretamente, mas fiscaliza para que esses sejam atendidos nos âmbitos das responsabilidades de cada um dos devedores, quando poderá utilizar-se da aplicação de medidas de proteção e do seu poder de requisição de serviços públicos.

O Conselho Tutelar que zela pelo cumprimento dos direitos não age

para substituir tudo aquilo que não existe, ou aquilo em que há carência. Seu papel é cobrar dos devedores que assumam as suas responsabilidades, agindo ele perante a família através da aplicação de medidas e dos encaminhamentos, e tencionando as estruturas sociais e as políticas públicas para a promoção e a garantia dos direitos das crianças e adolescentes, através da criação, do reforço e da melhoria dos serviços e programas de atendimento, para tanto, podendo utilizar-se das ações do Ministério Público e das representações judiciais. O Conselho Tutelar não é o pronto-socorro, mas é aquele que cobra, pela utilização de medidas administrativas e promoções judiciais, as responsabilidades da existência e da disponibilidade dos pronto-socorros necessários para assegurar com absoluta prioridade o atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes como previstos no Estatuto.

Então a primeira questão que gostaria de trazer para nossa reflexão

maior, é a respeito de qual grau de aceitação social vem tendo essas normas - a do art. 4º e a do art. 131 do Estatuto. Um ilustrado jurista nacional147, em exposição sua, referiu que em nosso ordenamento jurídico há normas que se caracterizam pelo alto grau de rejeição social, como são exemplos as normas que impõem tributos aos contribuintes. Segundo ele, se estas normas deixassem de existir, ninguém iria reclamar, tampouco iriam cumprir seus dispositivos espontaneamente, ou seja, ninguém pagaria impostos voluntariamente e por puro civismo ou consciência. Há outras porém, diz ele, que têm grande aceitação social

146 O autor trata especificamente das diferenças entre esses Conselhos Tutelares nos textos Conselhos Tutelares Da redação inicial à situação atual, um passeio pelas legislações e Conselho Tutelar: Dez anos de uma experiência na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. 147 Ives Gandra é renomado tributarista nacional.

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e que mesmo não escritas – ou ainda que não conhecidas, têm uma aceitação natural e pacífica por parte de todos, ocorrendo um assentimento espontâneo a sua ordem.

Faço essa reflexão porque tenho me questionado até que ponto a

família, a comunidade, a sociedade e o Estado estão maduros ou preparados para assumir a carga de deveres e ainda ter sobre si um órgão de constituição popular, autônomo, e que sobre todos eles exerça um papel de fiscalizador de suas obrigações para com a criança e o adolescente. Quantos não falam mal do Estatuto e de sua Doutrina? Quantos não referem: na minha cidade os Conselhos Tutelares não funcionam, não servem para nada? E porque falam tanto isso? De quem são as responsabilidades do que está falhando? Do Conselho Tutelar? Quem atende os direitos?

Então outra questão que trazemos é a respeito dos requisitos

necessários para o exercício da função estatutária do conselheiro tutelar. Voltando um pouco em nossa comparação: no Conselho Tutelar que

atendia os direitos – e, a nós o mesmo pode ser dito em relação ao Conselho Tutelar que age por substituição do atendimento -, por absoluta lógica da finalidade específica que este teria para cumprir, o projeto de lei preconizava que dos 5 (cinco) conselheiros tutelares, 3 (três) membros seriam escolhidos prioritariamente dentre pessoas com formação universitária nas áreas de direito, educação, saúde, psicologia e serviço social, devendo os 2 (dois) membros restantes serem indicados por entidades de defesa e de atendimento de direitos148. Ao que consta em nosso Estatuto, afastada a finalidade do atendimento, tais requisitos deixaram de existir, restando à nova finalidade de zelar pelo cumprimento dos direitos somente os requisitos gerais (que também no projeto existiam) da idoneidade moral, idade superior a 21 anos e residência no município149.

Percebemos que os critérios mudaram porque a finalidade mudou,

sendo na primeira a capacidade e a competência técnica elementos indissolúveis e parte da essência do papel destinado ao conselheiro tutelar. O conhecimento técnico para zelar, no Estatuto, foi relevado, quiçá entendendo o legislador serem imprescindíveis outros conhecimentos, outras habilidades e outras competências bem e fielmente desempenhar o novo papel de agente de mudanças. Para se atender os direitos a técnica nos parece realmente imprescindível; para se zelar pelo cumprimento dos direitos, também fazemos certa relativização. Com isso não queremos dizer que o conselheiro tutelar do Estatuto não pode ser um técnico, um intelectual; apenas potencializamos que há outros saberes, diversos daqueles ensinados nas escolas e academias, e que importam tão ou mais para o fiel cumprimento do papel do conselheiro estatutário.

Chamamos já à atenção para esses dois fatores que deram um novo

papel e um novo rumo às ações do Conselho Tutelar, ocasionando-lhe uma profunda mudança de concebimento, e que na prática nos é bastante sensível no 148 Art. 132, I, II e III, da Projeto de Lei nº 5.172, de 1990. 149 Art. 133 da Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990.

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que respeita à sua forma de participação no sistema integrado de promoção, garantia e defesa de direitos. Nunca devemos olvidar que as idéias e as concepções que num momento foram vencidas na Casa Congressista, com certeza não têm permaneceram adormecidas e inertes, pelo contrário, e estão nas ruas e nos discursos, disputando espaços e formas de retorno às suas propostas e aos seus modos de ver o Conselho Tutelar e a questão da criança e do adolescente em sua luta pela aquisição de cidadania.

Neste sentido, volto à pergunta: estamos preparados para o novo

paradigma, no qual a irregularidade está concentrada na omissão e no desatendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes, que em geral constituem simples vítimas? Será que todos nós queremos um Conselho Tutelar que nos fiscalize e atue na devolução do “problema” à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público (ou a nós mesmos)? Há uma completa aceitação disso? Não seria melhor retornarmos à época do Código de Menores, onde o problema era simplificado em menor: problema do Estado, e a autoridade estatal – juiz de menores – que cuidasse e resolvesse todas as situações irregulares, decidindo segundo bem entendesse, desde que “confortasse” a sociedade, que com aqueles menores não tinha a menor preocupação?

Talvez os pais não queiram ir ao Conselho Tutelar para que esse

lhes diga que a causa da saída da filha de sua residência pode estar relacionada à forma de educação e à falta de limites impostos pelos próprios pais à adolescente, e que talvez os pais devam freqüentar um atendimento terapêutico para estruturar-se e fortalecer-se, conseguindo a partir daí recuperar a parte frágil da relação de respeito e de obediência da filha; talvez a escola não queira ligar para o Conselho Tutelar dizendo que há mau comportamento dos seus alunos, e escutar do Conselho que muitas vezes a origem das atitudes pode estar se dando em decorrência e como resposta de ações e relações autoritárias ou omissas dos próprios professores ou da Direção; talvez os abrigos não queiram ligar para o Conselho Tutelar manifestando que o abrigado evadiu, e ser cobrado pelo conselheiro sobre como tem cumprido com os seus deveres de guardião150.

E é aqui então que gostaríamos de adentrar no aspecto da ação de

substituição que vem sendo praticada por uma grande maioria dos Conselhos Tutelares brasileiros, i. é, quando o desenvolvimento das ações conselheiras vêm passando a se dar basicamente de forma a substituir o que deveria estar sendo cumprido ou o que deveria estar sendo disponibilizado, mas que em nosso cotidiano não está sendo cumprido, tampouco está sendo disponibilizado, sendo muitas vezes até mesmo inexistente como forma de atendimento do direito consagrado na Lei.

Assim é que, não raro, o Conselho Tutelar tem sido buscado para

requisitar certidão de nascimento de criança e adolescente porque o cartório de registro não a concede gratuitamente às pessoas pobres que delas necessitam; tem sido também chamado para retirar as crianças das sinaleiras e das ruas porque não há um serviço de abordagem de rua e de inclusão social que efetue o 150 Art. 92, parágrafo único, ECA: “O dirigente de entidade de abrigo é equiparado ao guardião para todos os efeitos de direito”.

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atendimento; tem sido solicitado para fazer a filha voltar para casa porque os pais já não conseguem mais educá-la; e tem sido chamado para fiscalizar o consumo de bebida alcóolica por adolescentes nos bailes de carnaval porque não há um controle do seu ingresso e da venda da bebida.

Só que o Conselho Tutelar não é um órgão de atendimento, não é

um órgão-fim, é um órgão-meio, sendo seu fim encaminhar para que o direito seja cumprido e atendido na esfera da família, da comunidade, da sociedade e do Estado. Sem o efetivo atendimento e compromisso desses não há como existir sucesso pela simples aplicação das medidas de proteção por parte do Conselho, que restaria absolutamente ineficaz para cumprir sua tarefa. O verdadeiro sucesso do papel do conselheiro tutelar se dá anteriormente à ameaça de direito e à sua violação, quando agindo preventivamente, consegue enraizar o novo paradigma a respeito dos direitos das crianças e dos adolescentes, o que consistiria em obter uma pré-disposição dos devedores ao cumprimento dos seus deveres e ao atendimento dos direitos.

Por isso o Conselho Tutelar foi definido como um órgão autônomo,

para que desta forma pudesse desempenhar com absoluta fidelidade a sua função estatutária, cobrando a responsabilidade do devedor, seja quem ele for. Neste sentido, temos destacado algumas situações que, a nós têm gerado certa preocupação por originarem determinado comprometimento do conselheiro tutelar no desenvolvimento do seu papel.

Tais situações dizem respeito a atentados contra a autonomia do

Conselho Tutelar, e que pensamos, por deixarem-no vulnerável, influem de forma bastante prejudicial ao desempenho do mister conselheiro. Entendemos que por algumas dessas situações, é que muitos Conselhos e conselheiros fazem ou assumem um papel típico de agente de substituição.

A primeira situação que levantamos é a que refere-se à vinculação

do conselheiro a interesses estranhos àqueles específicos e relativos ao papel destinado ao Conselho Tutelar. Comprometido com outros interesses – por exemplo, político-partidários, econômicos, ou de simples manutenção da dominação de interesses e de seu poder intervencionista -, temos que o conselheiro tem parte da sua autonomia atingida.

Outra situação é a falta de capacitação permanente do conselheiro

tutelar naqueles assuntos e naquelas ações que dizem respeito específico ao exercício do seu papel, o que pode se dar através de cursos, seminários, grupos de estudo e de trabalho, utilizando-se de uma assessoria, que pode vir órgão ou agente governamental e não governamental. Entendemos que a baixa qualidade no argumento e no discurso do conselheiro tutelar lhe inibe e limita sua ação, deixando-o ainda mais vulnerável às diversas pressões e ordens que sobre ele constantemente recaem, sem que possa oferecer qualquer tipo de contestação. Esse é o primeiro passo para começarem a utilizá-lo como órgão de substituição dos recursos, ou do descumprimento dos deveres pelos responsáveis. Mal capacitado (incapacitado), não cumpre o seu papel, mas o papel que lhe destinamos.

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Um terceiro elemento ainda a levantar é a relação de vinculação e subordinação que o Conselho Tutelar tem com a Administração Pública, que age como gerenciador dos recursos que lhe são destinados pela lei orçamentária municipal151. Muitas histórias se conhece de Conselhos que cumprem funções pelo desejo de obter recursos humanos e melhor estrutura física, ou mesmo para auferir vantagens salariais.

E por fim, poderíamos até mesmo citar como outro fator possível de

arranhar a autonomia do Conselho Tutelar, a questão do órgão a que pertenço, a Corregedoria dos Conselhos Tutelares152, ou seja, a existência de um órgão de hierarquia superior e que exerça uma relação de fiscalização e de controle sobre as atividades dos conselheiros e sobre o desenvolvimento das suas atribuições definidas na lei. Julgando seus comportamentos e suas ações, é possível adestrá-los pelo poder da sanção.

Todas essas são situações que citamos como referência daquilo

sobre o que devemos ficar extremamente atentos quando formos falar de Conselho Tutelar, dos requisitos e do perfil para ser conselheiro, e de quais ações que este deve desenvolver como forma de cumprimento do seu papel estatutário. Diante de má interpretações da lei ou de acordo com os interesses nem sempre melhores ou transparentes é que surgem e se legitimam as realidades confusas. Não é um cuidado excessivo se perceber o conteúdo das capacitações que se têm desenvolvido, tampouco devemos deixar de nos preocupar mais seriamente com as propostas e as introduções normativas – sejam leis, manuais, termos de compromisso... -, e também com a padronização dos Conselhos e com os sistemas de informação a que possam estar sendo vinculados.

Mas não é só devido às pressões sociais e ao jogo de interesses que

o Conselho Tutelar age na forma de substituição, não exercendo o seu papel. Muitas vezes é o próprio conselheiro que assim deseja.

O papel de fiscalizador sempre é muito antipático e o conselheiro

tutelar necessita de votos para ser escolhido; os devedores do cumprimento dos direitos são muitos, poderosos, utilizam de sua intelectualidade, e o conselheiro nem sempre está capacitado para o enfrentamento diário e típico do exercício de suas atribuições; a ação de mudança da consciência social é um processo lento, depende da vontade coletiva, e seus resultados não são imediatos, sendo também pouco sensíveis; a omissão de todos em determinados casos é absoluta, e o conselheiro se encontra em uma situação limite de ser a única possibilidade de evitar um resultado terminal.

Todas as pessoas buscam a satisfação naquilo que fazem, e como

não poderia deixar de ser, isso acontece com o conselheiro tutelar. Apesar da passagem dos tempos, e hoje parece-me bastante mitigado, muitos conselheiros ainda se inserem no processo de escolha e surgem como candidatos a

151 Art. 134, parágrafo único, ECA: “Constará da Lei Orçamentária Municipal a previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar”. 152 Art. 11 da Lei Municipal n. 7.394, de 28 de dezembro de 1993: “A Corregedoria é o órgão de controle sobre o funcionamento dos Conselhos Tutelares”.

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conselheiros levados pelo pensamento de afirmação de seus ideais sociais e humanos. Assim, após o ingresso na função de conselheiro tutelar, inicia ele um processo pela luta por direitos e pela cidadania pessoal e social. Só que esses são resultados de uma vida e não apenas de 3 (três) anos153, e o conselheiro precisa de um retorno mais sensível de suas ações, do que ele está conseguindo alterar no mundo para proteger mais a criança e o adolescente. O conselheiro precisa dessa realimentação para continuar sua luta, precisa ver e sentir bons resultados e eficácia em sua ação. Então, muitas vezes ocasiona um maior retorno/satisfação para o conselheiro o atendimento individual e concreto, ou seja, se obter o sucesso no caso daquele menino que encaminhou, se tratou, e hoje está livre das drogas, do que aquele retorno inconcreto, abstrato, de “ter atingido” a consciência das pessoas, de “ter conseguido” introduzir uma nova reflexão sobre a questão da infância e da adolescência brasileira.

Esta tarefa de pregador do novo paradigma, de cobrança da família,

da comunidade, da sociedade e do Estado no cumprimento de seus deveres, de tencionamento da estruturas públicas e sociais para ampliação de sua proteção, podendo-se enfrentar a indiferença social e política e/ou suas grandes resistências à assunção de suas responsabilidades, tornam o exercício da função conselheira ainda mais difícil. Daí ser fundamental a capacitação e a assessoria.

É fácil se agir na superficialidade dos problemas, ou se atacar a

conseqüência. O difícil é se alterar a essência, o conteúdo, parar e romper com a causa. O Conselho Tutelar que age em substituição só atende a superficialidade, atua paliativamente, proporcionando uma espécie de maquiagem da realidade. Perdendo tempo em agir na superfície, está constantemente apagando incêndio e nunca tira o fogo e a gasolina dos incendiários. Como disse, talvez seja isso que os incendiários desejem.

A política da maquiagem do problema é a mais fácil e trata-se da

velha política do Código, onde todos os menores eram endereçados ao juiz de menores que atuava e decidia em todas as questões na base da culpa e da exclusão dos menores irregulares. O Conselho Tutelar não pode ser a nova autoridade estatal a assumir todas as irregularidades que ameaçam e violam os direitos das crianças e adolescentes. Não é possível que vejam no Conselho Tutelar a autoridade com a responsabilidade total. A responsabilidade é complexa e cabe a todos, devendo o Conselho Tutelar zelar pelo seu cumprimento. Assim a falta de atendimento das crianças que esmolam nas sinaleiras é muito mais uma falha na política municipal do que uma falha do Conselho Tutelar que ainda não obteve o cumprimento por parte dos devedores. O Conselho Tutelar não falha pela situação em si de ainda existirem crianças esmolando, mas sim pelo fato de poder ter cobrado muito pouco para que a política de promoção e garantia de direitos mudasse.

Quando o Conselho Tutear age na base do assistencialismo, do

atendimento superficial, da simples compensação dos problemas e não da

153 Art. 132, do ECA: “Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução.

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emancipação das pessoas, trai o seu próprio papel de garante dos direitos, afirma o passado e continua a reproduzi-lo.

O imediatismo das ações do Conselho Tutelar representam a

superficialidade, a maquiagem do problema, quando teríamos a nova Lei, que destina e afirma direitos, os instrumentos de proteção e defesa destes direitos, mas o continuísmo das formas de dominação, o que poderíamos consagrar como uma política do faz-de-conta. Quando o Conselho Tutelar age na substituição ou na superficialidade ele apenas minimiza o sofrimento daquelas crianças e adolescentes, assim como ajuda a diminuir a culpa de todos aqueles que estão faltando e que podem descontar no Conselho Tutelar todas as suas culpas. E é bem assim mesmo, ninguém cumpre com o seu dever, a situação vai de mal a menos mal154 (ou pior), e todo mundo fala que o Conselho Tutelar não faz nada. O Conselho Tutelar então assume a função expiatória da sociedade e do Estado, concentrando em si todos os males e todas as culpas. O Conselho Tutelar não cumpre o seu papel - que é a introdução do novo paradigma e a mudança estrutural, e pior de tudo, não agindo como efetivo protetor, aceita a violação, não a faz cessar, mas pelo contrário a mantém. Assim o órgão que deveria agir como fonte de defesa, admite e permite a violação, não agindo sobre os culpados e sim assumindo a culpa deles, como uma nova forma de manutenção da dominação social e do status quo da ausência de direitos garantidos.

Há casos em que os conselheiros tutelares dedicam todos os seus

vales-transporte – obtidos junto ao empregador pelo seu trabalho -, para poder permitir o deslocamento dos usuários aos atendimentos a que encaminha quando aplica as medidas. Não fosse assim, sua aplicação correria sério risco de não passar de papel firmado. Noutros casos que recentemente temos tomado conhecimento, o Conselho Tutelar vem servindo de serviço auxiliar do juiz, que lhe vem determinando a função de acompanhar as visitas familiares resultantes da definição de guarda, quando cabe ao Conselho suprir todas as necessidades dos familiares e do infante, citando-se aí a alimentação de todos e o fornecimento de artigos de higiene pessoal, o que decorre da permanência prolongada das pessoas no Conselho. Vários outros casos são citados como a alimentação que é fornecida pelo plantão do Conselho Tutelar e ainda os casos em que, negado o ingresso da criança ou do adolescente no abrigo, as salas do plantão têm servido de dormitório.

A substituição sem cobrança do devedor contribui para a

manutenção do sistema da falta de política e de atenção à área, não agindo de forma benéfica, mas perpetuando a omissão e o desrespeito com os direitos que deveria proteger. Neste caso, diríamos, todos estariam falhando, tanto a família, a comunidade, a sociedade e o Estado porque não cumpririam com os seus deveres e nem por isso seriam responsabilizados, como o Conselho Tutelar, que não agiria como órgão de efetiva defesa e responsabilização dos devedores, fazendo ele próprio um papel de violador de direitos, que não os impede de acontecer, permanecer, nem de se prolongar – pela falta de responsabilização, e tampouco

154 A expressão “O país vai de mal a menos mal” foi título do Jornal Folha de São Paulo do dia 16 de maio de 2000, referindo-se ao discurso proferido pelo Presidente da República Fernando Henrique Cardoso no 12º Fórum Nacional do BNDES, ocorrido no Rio de Janeiro/RJ.

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investe grandes ações no sentido de concretizar a Doutrina da Proteção Integral e o seu paradigma da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direitos.

O sistema de simplificação do problema, endereçando-o todo à

atividade estatal, como ocorria à época do Código, com o juiz de menores, demonstrou não ter sucesso, pois não se trata criança e adolescente por decisão fria, e sim por um atendimento caloroso. Mesmo que a autoridade judiciária ordenasse as medidas, muitas delas não tinham como ser cumpridas, pois havia inexistência de recursos e de programas e a política destinada não tinha o endereçamento emancipatório, e sim de simples compensação. Nada depende só da autoridade estatal, notadamente daquela que somente decide e promove o encaminhamento como é o caso do juiz e do Conselho Tutelar.

Aplicadas suas medidas, é imprescindível a promoção de sua

execução junto aos recursos de atendimento para que foi encaminhado, momento em que por esse deve ser assumida a responsabilidade profissional e institucional pela prestação de todas as ações necessárias à eficácia da medida do Conselho ou do juiz. A aplicação de medidas deve ser planejada entre a família, o Conselho Tutelar e o recurso, formando-se um plano de ações para o acompanhamento da medida aplicada.

Hoje já temos constatado em muitos municípios que na aparição do

Conselho Tutelar, nos seus primeiros passos rumo a uma construção histórica que era decorrente de uma luta e de uma série de esforços à garantia e à defesa da cidadania do povo brasileiro, os candidatos e conselheiros tinham uma identificação muito mais forte com a causa da criança e do adolescente, o que também somava-se ao seu envolvimento com as lideranças comunitárias. Muitos conselheiros tutelares iniciaram suas atividades sem aceno de gratificação, desprovido de instrumentos mínimos de trabalho e mesmo sem espaço para atender. Mesmo assim, decidiram-se em ser conselheiros tutelares. Hoje, a coisa nos parece já bem diferente, pois existem inúmeras outras pretensões em se postular o cargo. Um fator bastante atraente em alguns municípios, sem dúvida é o salário e a estabilidade por 3 (três) anos, com possibilidade de serem 6 (seis), em caso de recondução. Outra questão que vem chamando a atenção é a da utilização do cargo como escada política, em que o exercício do cargo de conselheiro tutelar não assume uma importância em si e tem um mero sentido de transitoriedade na função. As igrejas também têm feito muitos de seus representantes conselheiros tutelares, quiçá simbolicamente abraçando a causa da infância e da juventude, como historicamente tem feito em nosso país.

Diante dessas constatações, a nosso ver, para melhorar o

desempenho do Conselho Tutelar, além das ações de capacitação permanente e da assessoria – o que deve ser buscado e não só aguardado pelos conselheiros, o Conselho Tutelar deve trabalhar com metas, i. é, promover planejamentos estratégicos de suas ações a serem desenvolvidas nos 3 (três) anos de mandato. Para tanto deverá avaliar e perceber o passado, projetando suas ações para o futuro, que deverão desenrolar-se durante o mandato num constante ver-e-rever de sua execução. Nisso, entendemos, possa existir uma maior sensibilidade e uma melhor percepção dos retornos de suas ações desenvolvidas, podendo-se

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verificar concretamente algumas conquistas efetivas num nível mais amplo de mudança. A meta bem planejada, trabalhada e cumprida sempre representará em concreto um resultado positivo da ação.

Em termos de legislação municipal, temos conhecimento de várias

legislações do país, e o aspecto que sempre nos chama mais a atenção é aquele que se refere aos requisitos e às etapas para se alcançar o cargo de conselheiro tutelar. O Estatuto a respeito dos requisitos ao cargo foi bastante genérico, entendendo-se ter destinado às leis do município uma regulamentação mais adequada à realidade de cada um. Esse foi o natural desenvolvimento das coisas e os municípios passaram a incorporar novos requisitos, adotando em geral aqueles que diziam respeito à experiência do candidato na atuação com crianças e adolescentes, à sua indicação por órgãos ou entidades ligadas à área, ou à sua demonstração de conhecimento a respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente e das leis correlatas, o que deve ser demonstrado através de uma prova escrita e objetiva.

Chamamos à atenção para que, ao definir-se os requisitos e o

processo de escolha dos conselheiros tutelares, sejam levados em conta que não estamos a tratar de um órgão que atende direitos ou que substitui, assumindo todas as responsabilidades pelas carências e pelos descumprimentos dos outros. Não agindo de forma direta para a solução da violação, não necessita ser um agente simplesmente técnico, como era previsto no Projeto de Lei. O conhecimento e o estudo produzidos na escola e nas faculdades não podem de forma alguma serem desprezados e sempre serão bem vindos, mas existem outros saberes e outras capacidades e habilidades que representam-nos tanta importância quanto eles para o bom desempenho da função de conselheiro tutelar. A sabedoria da vida não se aprende entre as quatro paredes, mas se apreende vivendo o dia-a-dia de nossas experiências. O Conselho Tutelar é um agente de defesa da cidadania, do direito da criança e do adolescente. O Estatuto não foi lei formulada somente por técnicos, mas teve grande participação popular e de entidades e líderes de movimentos sociais, como já havia se dado, de certa forma, quando para a aprovação do texto constitucional contemplado no art. 227, e que como já referimos, é o dispositivo que acolheu em nosso país a Doutrina da Proteção Integral.

Somente um bom entendimento da família, da comunidade, da

sociedade e do Poder Público a respeito do Conselho Tutelar, da destacada importância de respeitar-lhe e reservar-lhe no fiel desempenho de seu verdadeiro papel, sem o desenvolvimento das ações de substituição e das assistencialistas - que são o regresso ao passado, poderá torná-lo forte e cada vez mais ativo em suas cobranças, e em suas fiscalizações junto aos devedores. É certo que isso pareça paradoxal, mas é disso que nós precisamos, de que a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público apóiem o Conselho Tutelar para que ele exerça com autonomia o seu papel estatutário de defender os direitos das crianças e dos adolescentes, cobrando ações e fiscalizando esses próprios que lhes concedem o apoio para atuar com segurança e cumprindo suas atribuições.

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Essas são avaliações próprias, que não representam a opinião do Município, nem mesmo da Corregedoria dos Conselhos Tutelares de Porto Alegre. Obrigado. BIBLIOGRAFIA: BRASIL. Lei Federal nº 4.513, de 1º de dezembro de 1964. Rio de Janeiro: 1964.

_______. Lei Federal nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. Código de Menores. Brasília:

1979.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.

Brasília: 1988.

_______. Projeto de Lei nº 5.172, de 1990. Brasília: Senado Federal, 1990.

_______. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do

Adolescente. Brasília: 1990.

KAMINSKI, André Karst. Conselhos Tutelares: Da redação inicial à situação atual, um

passeio pelas legislações. Porto Alegre: Material impresso, 1997.

______________________. Conselho Tutelar: Dez anos de uma experiência na defesa

dos direitos das crianças e dos adolescentes. Porto Alegre: Material impresso,

2000.

PORTO ALEGRE. Lei Municipal nº 6.787, de 14 de janeiro de 1991. Porto Alegre: 1991.

_______________. Lei Municipal nº 7.394, de 28 de dezembro de 1993. Porto Alegre:

1993.

SÃO PAULO, Folha de. País vai ´de mal a menos mal´, diz FHC. São Paulo: 16 de maio

de 2000.

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ÍNDICE TEMÁTICO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE*

ABRIGO Autoridade que aplica __________________________________________ 136, I Conceituação do ___________________________________ 101, parágrafo único Dirigente de, equiparado a guardião ____________________ 92, parágrafo único Em caráter de urgência, comunicação posterior _________________________ 93 Inscrição dos programas de ___________________________ 90, parágrafo único Medida de proteção ___________________________________________ 101, VII Obrigações das entidades de ____________________________ 94, parágrafo 1º Programas de, princípios dos __________________________________ 92, I a IX Regime de ___________________________________________________ 90, IV ABUSO SEXUAL Medida cautelar de afastamento do agressor do lar, aplicável em casos de __ 130 ADOÇÃO Autoridade competente _________________________________________ 148, III Comissão estadual judiciária para ___________________________________ 52 Condição de filho do adotado _______________________________________ 41 Consentimento do adotando maior de 12 anos _______________ 45, parágrafo 2º Consentimento dos pais para _______________________________________ 45 Efeitos da ___________________________________ 41; 47 e parágrafos; 48; 49 Estágio de convivência _____________________________ 46, parágrafos 1º e 2º Estado civil do adotante ____________________________________________ 42 Estatuto rege a ___________________________________________________ 39 Estrangeiro candidato a ___________________________ 46, parágrafo 2º; 51; 52 Exigências para _________________________________________ 42; 43; 45; 46 Idade do adotando _____________________________________________ 40; 46 Idade do adotante ________________________________________________ 42 Morte do adotante ____________________ 42, parágrafo 5º; 47, parágrafo 6º; 49 Procuração, proibido adotar por ________________________ 39, parágrafo único Registro civil do adotado ___________________________________________ 47 Registro de candidatos a ___________________________________________ 50 ADVOGADO Acompanha os processos e procedimentos judiciais _________ 184, parágrafo 1º; 186; 190, I Concedido gratuitamente aos que necessitam de ________ 141, parágrafo 1º; 206, parágrafo único Dativo, nomeado para a família _____________________________________ 159 Garantia de defesa técnica por ___________________________________ 111, III Intervém nos procedimentos _______________________________________ 206

* Este índice temático encontra-se publicado no Estatuto da Criança e do Adolescente editado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Porto Alegre/RS (1999).

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Nomeação obrigatória ____________________________________________ 207 ADOLESCENTE Apuração de ato infracional atribuído a __________________________ 171 a 190 Autorização para viajar _________________________________________ 84; 85 Como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento __________________ 6º Crimes contra os direitos do __________________________________ 228 a 244 Definição para efeito do Estatuto _____________________________________ 2º Direitos fundamentais ______________________________________________ 3º Direitos individuais e garantias processuais do ____________________ 106 a 111 Direito à profissionalização e proteção no trabalho do ________________ 60 a 69 Em situação de risco ______________________________________________ 98 Infrações administrativas contra os direitos do ____________________ 245 a 258 Medidas de proteção para _________________________________________ 101 Medidas sócio-educativas para _____________________________________ 112 Objeto de negligência, discriminação, punição do autor ___________________ 5º Proibições ao acesso ao ___________________________________ 74 a 82; 149 Proteção judicial dos interesses do _____________________________ 208 a 224 Representação judicial ____________________________________________ 142 Sigilo da Identidade __________________________________________ 143; 144 ALCOÓLATRAS E TOXICÔMANOS Autoridade competente para aplicar a medida _____________________ 136, I e II Direito de ser criado em ambiente livre de _____________________________ 19 Medida de proteção a ____________________________________ 101, VI; 129, II ALIMENTAÇÃO Aleitamento materno, dever do Poder Público, instituições e empregadores ___ 9º Dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público _________ 4º Dever dos pais ___________________________________________________ 22 Falta ou carência de, não é motivo para destituição do pátrio poder ________ 23 Obrigação dos programas de internação e abrigo ____________________ 94, VIII (Ver Gestante e Nutriz) APRENDIZAGEM Bolsa de aprendizagem ____________________________________________ 64 Conceito de aprendizagem _________________________________________ 62 Direitos trabalhistas e previdenciários _________________________________ 65 Vedação do trabalho ______________________________________________ 67 ATENDIMENTO DE DIREITOS Criação de varas especializadas para ________________________________ 145 Diretrizes da política ______________________________________________ 88 Entidade de, regimes ______________________________________________ 90 Linhas de ação da política __________________________________________ 87 Não oferecimento ou oferecimento irregular, ações de responsabilidade _____ 208 Política de, das crianças e adolescentes _______________________________ 86 Prazo para criação e adaptação de órgãos ____________________________ 259

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ATO INFRACIONAL Competência determinada pelo __________________________ 147, parágrafo 1º Conceituação do ________________________________________________ 103 Data do, procedimento a adotar __________________________ 104, parágrafo 1º Medidas de proteção aplicáveis às crianças ___________________________ 101 Medidas pertinentes aos pais ou responsável __________________________ 129 Medidas sócio-educativas aplicáveis aos adolescentes __________________ 112 Praticado por adolescente, autoridade competente, procedimento ___ 106 a127; 148, I; 171 a 190. Praticado por criança, autoridade competente _______ 105; 136, I; 127; 148, I; 171 a 190. Vedação da divulgação, identificação do autor e expedição de cópia ou certidão __ 143; 144 AUTORIDADE JUDICIÁRIA (Ver Justiça da Infância e da Juventude) AUTORIDADE POLICIAL Dever de resguardar a dignidade e a integridade do adolescente __________ 178 Diante de flagrante de ato com violência ou grave ameaça à pessoa _______ 173 Diante de uma criança autora de ato infracional __________________ 105; 136, I Diante de um adolescente autor de ato infracional _____________ 106 a 111; 172 Encaminhando o adolescente à entidade de atendimento _____ 175, parágrafo 1º Possibilidades de apreensão do adolescente __________________ 171; 172; 187 Violação dos direitos de crianças e adolescentes pela, crimes ________ 230 a 235

AUTORIZAÇÃO PARA VIAJAR Adolescente só precisa de _______________________________________ 84; 85 Criança não precisa de _________________________________ 83, parágrafo 1º Criança precisa de __________________________________________ 83; 84; 85 Válida por dois anos ____________________________________ 83, parágrafo 2º

COMUNIDADE Dever da ________________________________________________________ 4º Direito à vida em ______________________________________________ 16; 19 Escolha do Conselho Tutelar pela ___________________________________ 132 Prestação de serviços à ________________________________________ 112, III Programas de abrigo e internação, participação da ____________________ 92, IX Recursos da, utilização pelos programas de abrigo e internação ____ 94, parágrafo 2º Regime de semiliberdade, recursos da ____________________ 120, parágrafo 1º

COMPETÊNCIA Regra de, para o Conselho Tutelar ______________________________ 138; 147 Regra de, para a autoridade judiciária ____________________________ 147; 148

CONSELHO TUTELAR Atribuições do __________________________________________________ 136 Comunicação ao, de casos de maus tratos, evasão escolar e repetência __ 13; 56

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Conceituação do ________________________________________________ 131 Encaminhar casos à justiça __________________________ 136, V; 148, VII; 194 Enquanto não instalado, o juiz exerce suas atribuições _________________ 262 Escolha e número de conselheiros ______________________________ 132; 139 Fiscalização de entidades de atendimento _____________________________ 95 Impedimento dos Conselheiros _____________________________________ 140 Providenciar medida da justiça __________________________________ 136, VI Regras de funcionamento _________________________________________ 134 Remuneração do ________________________________________________ 134 Requisitos para candidatura ao _____________________________________ 133 Revisão pela autoridade judiciária ___________________________________ 137 Serviço público do _______________________________________________ 135 CONSELHOS NACIONAL, ESTADUAIS E MUNICIPAIS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (Ver Estado, Município, União) CRECHES E PRÉ-ESCOLA Ações públicas por não oferecimento ou oferta irregular de ____________ 208, III Dever do Estado _______________________________________________ 54, IV Multa para quem não comunicar maus tratos a crianças em ______________ 245 Punição para quem violar direitos em ____________________________ 232, 233

CURADOR ESPECIAL Nomeado pelo juiz para assistir ou representar __________ 142, parágrafo único

CRIANÇA Apuração de ato infracional atribuído a _____________________________ 136, I Autorização para viajar ______________________________________ 83; 84; 85 Como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento __________________ 6º Crimes contra os direitos do __________________________________ 228 a 244 Definição para efeito do Estatuto _____________________________________ 2º Direitos fundamentais ______________________________________________ 3º Em situação de risco ______________________________________________ 98 Infrações administrativas contra os direitos do ____________________ 245 a 258 Medidas de proteção para _________________________________________ 101 Objeto de negligência, discriminação, punição do autor ___________________ 5º Proibições de acesso a ____________________________________ 74 a 82; 149 Proibição ao trabalho ______________________________________________ 60 Proteção judicial dos interesses do _____________________________ 208 a 224 Representação judicial ____________________________________________ 142 Sigilo da Identidade __________________________________________ 143; 144

CRIMES Aplicação da lei do _______________________________________________ 226 Contra a criança e o adolescente ______________________________ 228 a 244 Novos _________________________________________________________ 263

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CULTURA Ação civil pública ________________________________________________ 227 Acesso às fontes de, no processo educacional __________________________ 58 Destinação de recursos e espaços por Municípios para programações de ____ 59 Dever do Estado e da União de apoiar os Municípios _____________________ 59 Direito à _____________________________________________________ 4º; 71 Obrigação dos programas de internação ___________________________ 94, XI

DEFENSORIA PÚBLICA Alteração na liberdade assistida, audiência obrigatória do _____ 118, parágrafo 2º Diretriz para integração operacional ________________________________ 88, V Garantia de acesso à _______________ 141 e parágrafo 1º; 206, parágrafo único Garantia do adolescente avistar-se com ___________________________ 124, III Garantia de defesa técnica ao adolescente _____________________ 111, III; 207

DEVER Da família, da comunidade, da sociedade do Poder Público _____________ 4º; 70 De comunicar casos de maus tratos, evasão e infrequência escolar ______ 13; 56 De comunicar os programas ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária ___ 92, parágrafo único De efetuar o registro do programa ______________________ 92, parágrafo único De fiscalização das entidades _______________________________________ 95 De se ouvir a criança que vai ser colocada em família substituta ____________ 28 De todos quanto à dignidade ____________________________________ 15; 18 De todos quanto à vida e à saúde _________________________________ 7 a 14 Do Estado e da sociedade quanto à educação _______________________ 53; 54 Do funcionário público comunicar o Ministério Público ___________________ 220 Do trabalho educativo, para capacitar atividade remunerada _______________ 68 Dos pais _____________________________________________________ 22; 55 Dos programas de abrigo e internação ________________________________ 94 Em relação à informação, à cultura, lazer, esportes, diversões e espetáculos __ 74 a 80 Inerentes à guarda ________________________________________________ 33 Inerentes à tutela _________________________________________________ 36 Multa para quem descumprir _______________________________________ 257

DIRIGENTE DE ENTIDADE De abrigo, equiparado a guardião ______________________ 92, parágrafo único Governamental, medidas aplicáveis por descumprimento de obrigação ____ 97, I, a e b Procedimentos para a apuração de irregularida des, penalidades aplicáveis ao ___ 191 a 193; 228 DIVERSÕES Autoridade judiciária autoriza caso a caso ____________________________ 149 Direito da criança e do adolescente a ______________________________ 71; 75 Limitações ao acesso a ________________________________________ 75 e ss. Penas para quem descumprir obrigações quanto a espetáculo e diversões __ 240; 241; 252 a 258

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Proibidas determinações de caráter geral __________________ 149, parágrafo 2º Regulamentação pelo Poder Público __________________________________ 74

EDUCAÇÃO Deveres do Estado ________________________ 54, I a VII e parágrafos; 57 a 59 Dever dos pais ___________________________________________________ 55 Dirigente de instituição de, diante de casos de maus tratos, evasão e elevados ní-veis de repetência ________________________________________________ 56 Direito à _____________________________________________________ 53; 54 Direito à, aos adolescentes privados de liberdade _______________ 124, XI a XIV Direito à creche e pré-escola _____________________________________ 54, IV Direito público subjetivo _________________________________ 54, parágrafo 1º Não oferecimento ou oferta irregular, ação de responsabilidade do Poder Público _ 54, parágrafo 2º; 208 e seguintes Recursos e espaços para, destinação do Município, do Estado e da União ____ 59 Responsabilidade pelo não oferecimento ou oferta irregular _____ 54, parágrafo 2º

EMPREGADO Direito ao aleitamento materno ______________________________________ 9º Direitos do adolescente aprendiz ______________________________ 62 a 64; 67 Direitos do adolescente portador de deficiência _________________________ 66 Direitos do adolescente trabalhador _________________________ 60; 61; 67; 69 ENTIDADES DE ATENDIMENTO DE DIREITOS Cassação do registro ____________________________________________ 97, d Descumprimento das ______________________________________________ 97 Deveres e regimes ____________________________________________ 90 a 94 Fiscalização __________________________________________________ 95; 96 Negativa do registro _________________________________ 91, parágrafo único Obrigações dos programa de internação _______________________________ 94 Princípios dos programa de abrigo ___________________________________ 92 Registro para funcionamento __________________________ 90, parágrafo único

EQUIPE INTERPROFISSIONAL Atribuições da __________________________________________________ 151 Órgão auxiliar do juiz _____________________________________________ 150

ESTADO Adaptação de órgãos e programas às diretrizes do Estatuto _ 259, parágrafo único Conselho e Fundo Estaduais da Criança e do Adolescente __________ 88, II e IV Deveres do ______________________________________________________ 4º Entidades governamentais estaduais para crianças e adolescentes _____ 90 e ss. Fundos Estaduais e benefícios de doações subsidiadas _________________ 260 Integração operacional para atender acusados de ato infracional _________ 88, V Repasse de recursos aos Municípios ___________________ 261, parágrafo único Varas Especializadas e seu funcionamento ___________________________ 145

FAMÍLIA Advogado dativo para ____________________________________________ 159

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Colocação em família substituta, procedimento ___________________ 165 a 170 Conceituação da _________________________________________________ 25 Deveres da ______________________________________________________ 4º Direito de ser criado no seio da ______________________________________ 19 Obrigação de comunicar a, sobre apreensão de adolescente _________ 107; 231 Procedimento contraditório para ____________________________________ 169 Programas de abrigo e a _________________________________________ 92, II Proteção a, ações de responsabilidade ______________________________ 208 Representação em nome da, por violação dos direitos do art. 220, par. 3º, II, da CF _________________________________________________________ 136, X Substituta ___________________________________________________ 28 a 32

FILHO Condição de, ao adotado ___________________________________________ 41 De conselheiro tutelar, é impedido de servir no mesmo Conselho Tutelar ____ 140 Direito personalissímo do, reconhecimento do estado de filiação ____________ 27 Reconhecimento dos havidos fora do casamento ________________________ 26 Vedadas discriminações na condição de ______________________________ 20

FISCALIZAÇÃO Entidades governamentais e não governamentais _______________________ 95

GESTANTE Atendimento pré e perinatal _________________________________________ 8º

GRATUIDADE Ações civis públicas ______________________________________________ 219 Assistência judiciária _________________________ 111, IV; 206, parágrafo único Ensino fundamental e médio _________________________ 54, I e II; parágrafo 1 Escola pública próxima de sua residência ___________________________ 53, V Medicamentos e próteses ________________________________ 11, parágrafo 2 Recursos _____________________________________________________ 198, I Regularização do registro civil ____________________________ 102, parágrafo 2

GUARDA Adotando sob a, adoção ___________________________________________ 40 Autoridade judiciária, competente para tratar ___________ 148, parágrafo único, b Características da ____________________________________________ 33 a 35 Crime contra a, subtrair criança _____________________________________ 237 Crime com uso da, vexame ou constrangimento ________________________ 232 Crime com uso da, tortura _________________________________________ 233 Critérios para incentivo sob a forma de acolhimento, fixação pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional ___________________________________ 260 Modalidade de colocação em família substituta _________________________ 28 Multa por descumprimento dos deveres da ________________________ 248; 249 Procedimentos judiciais relativos a __________________________ 161; 169; 170 Perda da, por pais ou responsável ______________________________ 129, VIII Representação por descumprimento dos deveres da __________ 194 e seguintes Revogação da, a qualquer tempo ____________________________________ 35

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GUARDIÃO Deveres do ___________________________________________________ 32; 33 Dirigente de entidade de abrigo é equiparado a ____________ 92, parágrafo único

INFRAÇÃO Administrativa por descumprimento de devres previstos no Estatuto ___ 245 a 258 Praticada por criança ou adolescente (Ver Ato Infracional)

IDADE Da criança ______________________________________________________ 2º Da responsabilidade penal ________________________________________ 104 Diferença entre adotante e adotado ________________________ 42, parágrafo 3º Do adolescente ___________________________________________________ 2º Para a justiça apreciar casos de prática de ato infracional ___________ 104; 148, I Para adotar _____________________________________________________ 42 Para encaminhar o autor de ato infracional para o Conselho Tutelar __ 105; 136, I Para estágio de convivência em adoção _______________________________ 46 Para ser adotado _________________________________________________ 40 Para ser aprendiz com bolsa ________________________________________ 64 Para ser aprendiz com direitos ______________________________________ 65

INTERESSES INDIVIDUAIS, DIFUSOS E COLETIVOS Ação contra ato ilegal e abusivo que lese direito líquido e certo _ 212, parágrafo 2º Autoridade competente para julgar ______________________________ 148; 209 Autoridade legitíma para acionar ____________________________________ 210 Custas do processo ______________________________________________ 219 Espécies de ações pertinentes _____________________________________ 212 Funcionário público deverá provocar a ação ___________________________ 220 Proteção dos ___________________________________________________ 208 Qualquer pessoa poderá provocar a ação _____________________________ 220 Responsabilidade por quem agir com má fé _____________ 218, parágrafo único Responsabilidade do agente do Poder Público por ação ou omissão ________ 216

INTERNAÇÃO (Ver Medida Privativa de Liberdade)

JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE Autoridade da lei ________________________________________________ 146 Autorização para viajar ________________________________________ 83 a 85 Competência _______________________________________________ 147; 148 Envio de casos ao Conselho Tutelar ______________________________ 136, VI Equipe interdisciplinar ________________________________________ 150;151 Fiscalização de entidades de atendimento _____________________________ 95 Medida privativa de liberdade, inaplicabilidade __________ 110; 122, parágrafo 2º Privação de liberdade, aplicabilidade ________________________________ 122 Recebimento de casos do Conselho Tutelar _________________ 136, V; 148, VII Revisão das decisões do Conselho Tutelar ____________________________ 137 Substituição do Conselho Municipal _________________________________ 261

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Substituição do Conselho Tutelar ___________________________________ 262 Varas especializadas _____________________________________________ 145 Violadores de direitos, processos na _____________________________ 148; 209

LAZER Dever _______________________________________________________ 4º; 59 Direito ao, aos privados de liberdade _____________________________ 124, XII Prevenção ______________________________________________________ 71

LIBERDADE Direito à ________________________________________________________ 15 Em que consiste _________________________________________________ 16 Privação ilegal, crime ____________________________________________ 230

LIBERDADE ASSISTIDA Medida sócio-educativa ________________________________________ 112, IV Regime de ____________________________________________ 90, V; 118; 119 Preferência na aplicação __________________________________________ 118 Adotada quando vencido o prazo para manter a internação ____ 121, parágrafo 4º

MEDIDAS APLICÁVEIS AOS PAIS OU RESPONSÁVEL Aplicadas pela autoridade judiciária ________ 129, I a X;148, VII e parágrafo único Aplicadas pelo Conselho Tutelar ________________________ 129, I a VII; 136, II Direitos resguardados aos pais em relação ao pátrio poder ____________ 23; 24 Quais são ______________________________________________________ 129

MEDIDA PRIVATIVA DE LIBERDADE Deveres das entidades que mantêm programas para _____________________ 94 Direitos do adolescente privado de liberdade __________________________ 124 Direitos Individuais e garantias processuais ________________________ 106;110 Excepcionalidade da __________________________________ 122, parágrafo 2º Garantia de defesa técnica ______________________________________ 111, III Internação como uma ____________________________________________ 121 Medidas aplicáveis às entidades que violarem os direitos dos adolescentes privados de liberdade ______________________________________________ 97 Possibilidade de aplicação _________________________________________ 122 Vedação de aplicação à criança ____________________________________ 105 Violação dos direitos do privado de liberdade, crime ________________ 230; 231

MEDIDAS DE PROTEÇÃO Acompanhadas da regularização do registro civil _______________________ 102 Aplicação das, isolada ou cumuladas, e substituição _____________________ 99 Aplicação das, o que deverá ser levado em conta ______________________ 100 Autoridade judiciária, quais aplica ________________________________ 148, VII Conselho Tutelar, quais aplica ____________________________________ 136, I Quais são ______________________________________________________ 101 Quando são aplicáveis _____________________________________________ 98

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MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS Aplicação das, isolada ou cumuladas, e substituição ____________________ 113 Aplicação das, o que deverá ser levado em conta ___________ 112, parágrafo 1º Aplicáveis verificada a prática de ato infracional, quais são _______________ 112 Autoridade que aplica ___________________________________________ 148, I Cuidados especiais aos portadores de doença ou deficiência mental _______ 112, parágrafo 3º Inadmissão da prestação de trabalho forçado _______________ 112, parágrafo 2º Onde estão reguladas _______________________________________ 115 a 125 Suposta existência da autoria e da materialidade para imposição __________ 114

MINISTÉRIO PÚBLICO Atribuições ___________________________________________________ 201 Autor da remissão como forma de exclusão do processo _____________ 201, I Autor da representação para apuração do ato infracional do adolescente _ 201, II; 148, I Fiscalização de entidades de atendimento de direitos ____________________ 95 Legitimidade para interpor as ações fundadas em direitos coletivos e difusos _ 210 Obrigatória intervenção para validade dos feitos ________________________ 204

MUNICÍPIO Adaptação de seus órgãos às diretrizes do Estatuto _______ 259, parágrafo único Conselho e Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente __________ 88, II e IV Conselhos Tutelares _________________________________________ 131 e ss. Criação do Conselho como condição para obter recursos __________ 88, IV; 261, parágrafo único Critérios para aplicação de doações subsidiadas ____________ 260, parágrafo 2º Destinação de recursos e espaços para cultura, esporte e lazer ____________ 59 Política de atendimento __________________________________________ 88, I Programas de atendimento _______________________________________ 88, III Registro de entidades de atendimento de direitos _______ 90, parágrafo único; 91

NUTRIZ Cuidados especiais à ____________________________________ 8º, parágrafo 3

PÁTRIO PODER Carência ou falta de recursos materiais não são motivos para perda do ______ 23 Condições para perda do ___________________________________________ 24 Deveres dos pais _________________________________________________ 22 Exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe _________________ 21 Obrigatoriedade de incluir a família carente em programa oficial de auxílio ___ 23, parágrafo único Representação para efeito das ações de perda ou suspensão ___________ 136, I Procedimentos para perda ou suspensão ___________________ 155 e seguintes

PARTURIENTE Cuidados especiais à ______________________________________ 8º, II, III; 10

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POLÍCIA (Ver Autoridade Policial)

POLÍTICA DE ATENDIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Ações através das políticas básicas _________________________________ 87, I Ações supletivas para os que necessitarem de assistência social _________ 87, II Conjunto articulado de ações _______________________________________ 86 Diretrizes da _____________________________________________________ 88 Serviços especiais e proteção jurídico-social ___________________ 87, II, IV e V

PODER JUDICIÁRIO (Ver Justiça da Infância e da Juventude)

PORTADOR DE DEFICIÊNCIA Direito a tratamento individual especializado em local adequado _ 112, parágrafo 3 Garantia de atendimento especializado ________________ 11, parágrafos 1º e 2º Garantia de educação especializada _______________________________ 54, III Garantia de trabalho protegido ______________________________________ 66 Medida de proteção aplicada para tratamento _______________________ 129, VI

PRIORIDADE ABSOLUTA Garantia para efetivação dos direitos com ______________________________ 4º Garantia de, compreende _____________________________ 4º, parágrafo único Registros e certidões necessárias à regularização do registro civil _________ 102, parágrafo 2º

PROCEDIMENTO Não previsto nesta nem em outra lei _________________________________ 153 Que normas são aplicadas ________________________________________ 152 Recursos cabíveis _______________________________________________ 198 Referente a apuração de ato infracional atribuído a adolescente ______ 171 a 190 Referente a apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente ___________________________________________ 194 a 197 Referente a apuração de irregularidade em entidade de atendimento __ 191 a 193 Referente a colocação em família substituta ______________________ 165 a 170 Referente a destituição da tutela ____________________________________ 164 Referente a perda ou suspensão do pátrio poder __________________ 155 a 163

PROFISSIONALIZAÇÃO Aspectos obrigatórios do direito à ____________________________________ 69 Formação técnico-profissional _______________________________________ 63 Garantias no trabalho educativo __________________________________ 67; 68 (Ver Aprendizagem)

REGISTRO DE ENTIDADE DE ATENDIMENTO Cassação _____________________________________________________ 97, d Negativa __________________________________________ 91, parágrafo único Obrigatório, perante o Conselho Municipal _____________ 90, parágrafo único; 91

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Perante a Autoridade judiciária _____________________________________ 261

REGISTRO CIVIL Absoluta prioridade, isenção de custas, multas e emolumentos _ 102, parágrafo 2º Cancelamento, retificação e suprimento _______________ 148, parágrafo único, h Obrigatória regularização do, quando aplicada medida de proteção ________ 102, parágrafo 1º

RECURSOS Nos procedimentos da Justiça da Infância e da Juventude ____________ 198; 199 REMISSÃO Como forma de exclusão do processo _______________________________ 126 Como forma de suspensão ou extinção do processo _______ 126, parágrafo único Revisão da _____________________________________________________ 128

SAÚDE Como se efetiva ______________________________________________ 7º a 14 Dever geral, direito à ______________________________________________ 4º Encaminhamento do Conselho Tutelar _____________________________ 101, V Portadores de deficiência ___________________________ 11, parágrafos 1º e 2º Requisição pelo Conselho Tutelar ______________________________ 136, III, a Vítimas de maus tratos, abuso, crueldade e opressão __________________ 87, III

SEGURANÇA PÚBLICA (Ver Autoridade Policial)

SEMILIBERDADE Como medida de proteção _________________________________________ 120 Como regime ___________________________________________________ 112 Obrigatória a presença de advogado para a adoção do regime ____________ 186, parágrafo 6º Quando é adotada, vencido o prazo para manter a internação _____________121, parágrafo 4º

SOCIEDADE Dever da _______________________________________________________ 4º

TOXICÔMANO Medida aplicada à criança e ao adolescente ________________________ 101, VI Medida aplicada aos pais ou responsável _____________________ 129, II; 136, II

TRABALHO Condições que protegem ___________________________________________ 61 Condições que vedam _____________________________________________ 67 Garantias ao portador de deficiência __________________________________ 66 Princípios que deve obedecer _______________________________________ 63 Quando é proibido ________________________________________________ 60

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TUTELA Aplicação da medida de perda da ________________________________ 129, IX A quem será deferida ______________________________________________ 36 Autoridade competente para discuti-la _______________________________ 148 Como forma de colocação em família substituta __________________ 28 a 30; 32 Perda ou suspensão, requisitos para ______________________________ 24; 38

UNIÃO Conselho Nacional, criado por lei federal, com diretrizes específicas _______ 88, II Descentralização político-administrativa, dever de obedecer ____________ 88, III Fundo Nacional vinculado ao Conselho ____________________________ 88, IV Parte legítima em ações cíveis fundadas em interesses difusos e coletivos 210, II

VENDA PROIBIDA De produtos a crianças e adolescentes, como forma de prevenção __________ 81

VIAGEM (Ver Autorização para viajar)

VIDA Como se assegura o direito à ________________________________________ 7º