caderno judiciário

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Caderno Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA DO TRABALHO PODER JUDICIÁRIO REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Nº2403/2018 Data da disponibilização: Sexta-feira, 26 de Janeiro de 2018. DEJT Nacional Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região Desembargador MARCUS MOURA FERREIRA Presidente Desembargador MÁRCIO FLÁVIO SALEM VIDIGAL 1º Vice-Presidente Desembargadora LUCILDE D'AJUDA LYRA DE ALMEIDA 2ª Vice-Presidente Desembargador ROGÉRIO VALLE FERREIRA Corregedor Desembargador FERNANDO LUIZ GONÇALVES RIOS NETO Vice-Corregedor AVENIDA GETÚLIO VARGAS, 225 FUNCIONÁRIOS BELO HORIZONTE/MG CEP: 30112900 Telefone(s) : (31) 3228-7000 Secretaria da Escola Judicial - Revista Acórdão Acordao JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA PUBLICAÇÃO DE ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA DO TRABALHO - TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3a. REGIÃO 2a. Seção de Dissídios Individuais PROCESSO n. 0011574-55.2016.5.03.0000 (AR) AUTOR: DALMO JOSÉ DA FONSECA RÉ: COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS CEMIG RELATOR: JUIZ CONVOCADO MAURO CÉSAR SILVA EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA. ART. 966, V, DO CPC/2015. Para que se configure a hipótese de rescisão de julgado com fundamento no art. 966, inciso V, do CPC/2015, a violação a literal disposição de lei deve ser frontal e direta, desdizendo o que a lei diz, afirmando o que ela não afirma, interpretando-a de forma tão equivocada que, a pretexto de assim fazê-lo, o julgador acaba por malferi-la em sua integralidade, sendo descabido o corte rescisório quando a decisão demonstra compatibilidade com as normas legais em vigor, interpretando-as de maneira razoável, existindo, ainda, à época do julgado, notório dissenso jurisprudencial acerca da matéria objeto da ação rescisória. Vistos e analisados os presentes autos. 1. RELATÓRIO Trata-se de ação rescisória ajuizada por DALMO JOSÉ DA FONSECA em face da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG, visando a rescisão da r. sentença proferida na reclamação trabalhista que tramitou perante a Vara do Trabalho de Januária/MG, sob o n. 0000797-58.2013.5.03.0083, com base no inciso V do art. 966 do CPC/2015, sustentando a violação literal do art. 5o., XXXVI, da Constituição Federal e do art. 6o. da Lei 4.657/1942. Alegou o autor, em síntese, que a r. sentença rescindenda, apesar de ter deferido o pagamento de diferenças do adicional de periculosidade, calculado sobre todas as parcelas de natureza salarial percebidas pelo autor, limitou a condenação a 09/12/2012, último dia de vigência da Lei 7.369/1985, em razão da entrada em vigor da Lei 12.740/2012. Disse que, todavia, a limitação imposta pela r. sentença rescindenda não pode persistir, eis que a Lei 12.740/2012 não produz efeitos sobre o seu contrato de trabalho, tendo em vista que foi admitido antes de sua vigência, não podendo lei posterior prejudicar os direitos do trabalhador. Afirmou, então, que a r. sentença contrariou o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e o princípio da proteção, violando o disposto no art. 5o., XXXVI, da Constituição Federal e no art. 6o. da Lei 4.657/1942, fundamentando, assim, o pedido de corte rescisório no inciso V do artigo 966 do CPC/2015. Pediu a rescisão da r. sentença proferida nos autos da reclamação trabalhista 0000797-58.2013.5.03.0083 e a realização de "(...) novo julgamento do processo com a condenação da Ré em integralizar no pagamento do Reclamante o adicional de periculosidade no percentual de 30% sobre as parcelas de natureza salarial, bem como, o pagamento das diferenças a título de adicional de periculosidade desde dezembro de 2012, promovendo o cálculo, durante todo o contrato de trabalho, com base no percentual de 30% sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial percebidas pelo Reclamante, mês a mês, com reflexos pela média física sobre RSRs, 13o. salário, PLR, férias mais terço constitucional e FGTS mais multa fundiária de 40%, deduzindo-se os valores já pagos sob a mesma rubrica, os quais tiveram como base de cálculo o salário- base do empregado, contrariando Lei 7.369/85 aplicável à espécie nos termos da súmula 191 do TST, devidamente atualizado e corrigido, a apurar oportuno tempore" (id. 6b109c8 - Pág. 2). Postulou a concessão dos benefícios da justiça gratuita, "por não dispor de condições de arcar com as custas processuais e o depósito prévio de 20 % do valor da condenação da ação originária" (id. bbe2ba7 - Pág. 8). Deu à causa o valor de R$14.747,68. Anexou aos autos documentos oriundos do feito rescindendo, dentre eles cópia da r. sentença rescindenda (Ids. caad209, b58d540, bbd7ec7, d13642b, 23450f8, 94d5ff5, 0c246ae, b523aad, 38afc49 e f854937) e certidão de trânsito em julgado (Id. Aa7ca27). Juntou ainda procuração (Id. 24f1add) e declaração de pobreza (Id. Código para aferir autenticidade deste caderno: 114938

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Caderno Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA DO TRABALHO PODER JUDICIÁRIO REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Nº2403/2018 Data da disponibilização: Sexta-feira, 26 de Janeiro de 2018. DEJT Nacional
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
Desembargador MARCUS MOURA FERREIRA
1º Vice-Presidente
2ª Vice-Presidente
Vice-Corregedor
Acórdão
PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA DO TRABALHO - TRIBUNAL
REGIONAL DO TRABALHO DA 3a. REGIÃO
2a. Seção de Dissídios Individuais
PROCESSO n. 0011574-55.2016.5.03.0000 (AR)
RÉ: COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS CEMIG
RELATOR: JUIZ CONVOCADO MAURO CÉSAR SILVA
EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DE NORMA
JURÍDICA. ART. 966, V, DO CPC/2015. Para que se configure a
hipótese de rescisão de julgado com fundamento no art. 966, inciso
V, do CPC/2015, a violação a literal disposição de lei deve ser
frontal e direta, desdizendo o que a lei diz, afirmando o que ela não
afirma, interpretando-a de forma tão equivocada que, a pretexto de
assim fazê-lo, o julgador acaba por malferi-la em sua integralidade,
sendo descabido o corte rescisório quando a decisão demonstra
compatibilidade com as normas legais em vigor, interpretando-as de
maneira razoável, existindo, ainda, à época do julgado, notório
dissenso jurisprudencial acerca da matéria objeto da ação
rescisória.
1. RELATÓRIO
FONSECA em face da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS
GERAIS - CEMIG, visando a rescisão da r. sentença proferida na
reclamação trabalhista que tramitou perante a Vara do Trabalho de
Januária/MG, sob o n. 0000797-58.2013.5.03.0083, com base no
inciso V do art. 966 do CPC/2015, sustentando a violação literal do
art. 5o., XXXVI, da Constituição Federal e do art. 6o. da Lei
4.657/1942.
Alegou o autor, em síntese, que a r. sentença rescindenda, apesar
de ter deferido o pagamento de diferenças do adicional de
periculosidade, calculado sobre todas as parcelas de natureza
salarial percebidas pelo autor, limitou a condenação a 09/12/2012,
último dia de vigência da Lei 7.369/1985, em razão da entrada em
vigor da Lei 12.740/2012.
rescindenda não pode persistir, eis que a Lei 12.740/2012 não
produz efeitos sobre o seu contrato de trabalho, tendo em vista que
foi admitido antes de sua vigência, não podendo lei posterior
prejudicar os direitos do trabalhador.
Afirmou, então, que a r. sentença contrariou o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e o princípio da proteção, violando o disposto no
art. 5o., XXXVI, da Constituição Federal e no art. 6o. da Lei
4.657/1942, fundamentando, assim, o pedido de corte rescisório no
inciso V do artigo 966 do CPC/2015.
Pediu a rescisão da r. sentença proferida nos autos da reclamação
trabalhista 0000797-58.2013.5.03.0083 e a realização de "(...) novo
julgamento do processo com a condenação da Ré em integralizar
no pagamento do Reclamante o adicional de periculosidade no
percentual de 30% sobre as parcelas de natureza salarial, bem
como, o pagamento das diferenças a título de adicional de
periculosidade desde dezembro de 2012, promovendo o cálculo,
durante todo o contrato de trabalho, com base no percentual de
30% sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial percebidas
pelo Reclamante, mês a mês, com reflexos pela média física sobre
RSRs, 13o. salário, PLR, férias mais terço constitucional e FGTS
mais multa fundiária de 40%, deduzindo-se os valores já pagos sob
a mesma rubrica, os quais tiveram como base de cálculo o salário-
base do empregado, contrariando Lei 7.369/85 aplicável à espécie
nos termos da súmula 191 do TST, devidamente atualizado e
corrigido, a apurar oportuno tempore" (id. 6b109c8 - Pág. 2).
Postulou a concessão dos benefícios da justiça gratuita, "por não
dispor de condições de arcar com as custas processuais e o
depósito prévio de 20 % do valor da condenação da ação originária"
(id. bbe2ba7 - Pág. 8).
Anexou aos autos documentos oriundos do feito rescindendo,
dentre eles cópia da r. sentença rescindenda (Ids. caad209,
b58d540, bbd7ec7, d13642b, 23450f8, 94d5ff5, 0c246ae, b523aad,
38afc49 e f854937) e certidão de trânsito em julgado (Id. Aa7ca27).
Juntou ainda procuração (Id. 24f1add) e declaração de pobreza (Id.
Código para aferir autenticidade deste caderno: 114938
2403/2018 Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região 2 Data da Disponibilização: Sexta-feira, 26 de Janeiro de 2018
C104772).
Por meio das decisões de Ids. 8fd65a1 e 6e88cc4 foi assinalado ao
autor prazo para emenda da inicial.
Emendada a inicial, concedeu-se ao autor os benefícios da
assistência gratuita, nos termos da r. decisão de Id. D19fa1d.
A ré apresentou contestação (Id. 729a975) requerendo,
preliminarmente, a correção do polo passivo da demanda, para que
constasse, como parte ré, a empresa CEMIG DISTRIBUIÇÃO S.A.
(CNPJ n. 06.981-180/0001-16) e o sobrestamento do feito até o
julgamento do AgR-E-RR-0002157-76.2013.5.03.0067.
No mérito, aduziu o não cabimento da ação rescisória e requereu a
improcedência do pedido.
Da contestação, o autor teve vista e se manifestou, nos termos da
petição de Id. 48A9b15.
Através da r. decisão de Id. 4e093f8 restaram rejeitados os pedidos
de correção do polo passivo e de sobrestamento do feito.
Concedido prazo para especificação de provas, somente o autor se
manifestou requerendo o julgamento antecipado da lide e a
procedência do pedido inicial, em razão de tratar-se de matéria
unicamente de direito e da jurisprudência consubstanciada na
Súmula 191 do Colendo TST.
Razões finais pelas partes (ids. e2b32ff e 422b4d5), tendo a ré
reiterado o pedido de sobrestamento do feito.
O Ministério Público do Trabalho sugeriu o prosseguimento do feito,
por não vislumbrar interesse público que justifique a sua intervenção
no processo (Id. F7d9860).
Os autos vieram conclusos a mim, em razão de estar substituindo a
Exma. Desembargadora Rosemary de Oliveira Pires.
É o relatório.
Atendidos os pressupostos de admissibilidade, havendo prova de
que o trânsito em julgado da r. sentença rescindenda se deu em
02/12/2014 (id. aa7ca27), tendo sido ajuizada a presente ação em
02/12/2016 (id. bbe2ba7), e estando o autor dispensado do
recolhimento do depósito prévio, eis que beneficiário da justiça
gratuita (id. d19fa1d), admito a ação rescisória.
3. JUÍZO DE MÉRITO
SOBRESTAMENTO
A ré reiterou em suas razões finais o pedido de sobrestamento do
feito até o julgamento do AgR-E-RR-0002157-76.2013.5.03.0067.
Data venia, conforme consignado na r. decisão de id. 4e093f8,
também não vejo razão para o sobrestamento do feito, eis que tal
medida prevista no artigo 1.036 do NCPC não é aplicável em sede
de ação rescisória, uma vez que a redação do artigo se restringe a
recursos e, mesmo assim, de natureza extraordinária, que versem
sobre matéria objeto de repercussão geral, como tal reconhecida
pelo Supremo Tribunal Federal.
E a própria r. decisão do Excelentíssimo Ministro Ives Gandra da
S i l v a M a r t i n s F i l h o , p r o f e r i d a n o A g R - E - R R -
0002157.76.2013.5.03.0067, é expressa ao limitar o sobrestamento
quanto aos recursos extraordinários que abordem o tema relativo ao
adicional de periculosidade enquanto o Excelso Supremo Tribunal
Federal não se pronunciar sobre a Controvérsia de n. 50.009.
Assim, embora entendendo prudente aguardar a solução do RE
602.162/RO, a decisão não estendeu o sobrestamento aos demais
processos que versem sobre o mesmo tema, o que abrange as
ações rescisórias de sentenças, como a presente.
Além do mais, o RE 590.415 já foi julgado em 2015, fixando a tese
de que a transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de
trabalho em razão de adesão voluntária do empregado a plano de
dispensa incentivada enseja quitação ampla e irrestrita de todas as
parcelas objeto do contrato de emprego caso essa condição tenha
constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano,
bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado,
tema que, a princípio, não se relaciona com esta ação rescisória.
VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA
O autor pretende a rescisão da r. sentença proferida nos autos da
reclamação trabalhista de n. 0000797-58.2013.5.03.0083, que
tramitou na Vara do Trabalho de Januária, com fundamento no art.
996, V, do CPC.
Alega, em síntese, que a referida sentença, apesar de ter deferido o
pagamento de diferenças do adicional de periculosidade, calculado
sobre todas as parcelas de natureza salarial percebidas pelo autor,
limitou a condenação a 09/12/2012, último dia de vigência da Lei
7.369/1985, em razão da entrada em vigor da Lei 12.740/2012,
contrariando ato jurídico perfeito, direito adquirido e o princípio da
proteção, violando, assim, o disposto no art. 5o., XXXVI, da
Constituição Federal e no art. 6o. da Lei 4.657/1942.
Sustenta, neste sentido, que a Lei 12.740/2012, que alterou o art.
193 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e redefiniu os
critérios para caracterização das atividades ou operações
perigosas, revogando a de n. 7.369/185, não produziu efeitos sobre
o seu contrato de trabalho, tendo em vista que foi admitido antes de
sua vigência, não podendo lei posterior prejudicar os direitos do
trabalhador.
pagamento das diferenças do adicional de periculosidade:
"2.3 MÉRITO
DIFERENÇAS
Afirma o autor que o adicional de periculosidade que lhe vem sendo
pago pela ré nunca incidiu sobre a totalidade das parcelas de
natureza salarial, o que fere as disposições contidas no art. 1o., da
Lei 7.369/85, bem como o entendimento consubstanciado na
Súmula 191/TST e na OJ 279 da SDI 1 do TST, requerendo, assim,
as diferenças devidas.
A reclamada, por seu turno, pontua que o pleito em questão deve
ser julgado improcedente não só por já se encontrar inteiramente
regulamentado por norma coletiva, mas, também, em decorrência
da revogação da Lei 7.369/85 e da alteração do art. 193 da CLT,
ambas fomentadas pela entrada em vigor da Lei 12.740, publicada
em 10/12/2012.
Pois bem.
A Lei n. 7.369/85, em seu art. 1o., dispõe que:
O empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica, em
condições de periculosidade, tem direito a uma remuneração
adicional de trinta por cento sobre o salário que receber.
Por seu turno, a Súmula 191 do TST disciplina que:
O adicional de periculosidade incide apenas sobre o salário básico e
não sobre este acrescido de outros adicionais. Em relação aos
eletricitários, o cálculo do adicional de periculosidade deverá ser
efetuado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial.
De igual modo, a OJ 279 da SDI-I, do TST estabelece que:
O adicional de periculosidade dos eletricitários deverá ser calculado
sobre o conjunto de parcelas de natureza salarial.
À vista da norma e dos entendimentos jurisprudenciais acima
transcritos, impõe-se reconhecer que o adicional de periculosidade
devido ao reclamante deve ser calculado sobre todas as parcelas
de natureza salarial componentes da sua remuneração e não
apenas sobre o seu salário base.
E, neste aspecto, não há como aceitar que a negociação coletiva
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2403/2018 Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região 3 Data da Disponibilização: Sexta-feira, 26 de Janeiro de 2018
prevaleça sobre a literalidade da Lei 7.369/85, haja vista o fato de
que aquela não pode suprimir ou reduzir direitos indisponíveis dos
trabalhadores, notadamente aqueles que chancelam interesse
público, tais como as normas de proteção à saúde e segurança do
trabalhador. E no que se refere às aludidas normas, vale frisar que
o elastecimento da base de cálculo do adicional de periculosidade
não só proporciona uma maior contraprestação pecuniária ao
obreiro pelo trabalho em condições especiais, como, também, limita
a utilização de mão-de-obra em atividades permeadas de riscos
como as dos eletricitários. Desta feita, pode-se afirmar que a
redução da base de cálculo do adicional de periculosidade
implicaria a redução da própria tutela conferida por lei ao
trabalhador, o que não se coaduna com o fim colimado pela
Constituição Federal (art. 7o.), bem como pela legislação
infraconstitucional (Lei 7.369/85). Ademais, impende ressaltar que o
reconhecimento da negociação coletiva pelo art. 7o. do Texto
Constitucional (inciso, XXVI) deve ser sistematicamente interpretado
com os demais direitos sociais ali contemplados, notadamente os
constantes dos incisos XXII (redução dos riscos inerentes ao
trabalho) e XXIII (adicionais de periculosidade, insalubridade e
atividades penosas), cuja indisponibilidade é clara, uma vez que a
própria Constituição, nos casos em que permitiu a transação de
direitos por instrumento coletivo, assim o fez expressamente, a teor
dos incisos VI, XIII e XIV do retrocitado artigo.
Visando a reforçar tal entendimento, cite-se o seguinte
entendimento jurisprudencial:
BASE DE CÁLCULO - FIXAÇÃO EM NORMA COLETIVA. Não se
admite a negociação coletiva para fixar como base de cálculo do
adicional de periculosidade devido ao eletricitário apenas o salário
base do trabalhador, com redução do direito mínimo assegurado por
norma constitucional e lei ordinária ao trabalhador. Isto porque, a
negociação coletiva deve ser utilizada para a ampliação das
conquistas dos empregados e não para a supressão ou redução de
seus direitos indisponíveis, sendo certo que os instrumentos
coletivos devem ser firmados tendo como limite as garantias
mínimas asseguradas aos trabalhadores, ainda que em um contexto
de flexibilização dos direitos laborais (art. 7o., caput, da Constituição
da República). Assim, conquanto o art. 7o., inciso XXVI, da
Constituição da República confira validade às cláusulas normativas
ajustadas coletivamente, essa validade está condicionada às
garantias mínimas asseguradas aos trabalhadores urbanos e rurais
(art. 7o., caput, CR), mormente em se tratando de normas que
visam preservar a saúde do trabalhador (art. 7o., XXII e XXIII, da
CR). Observe-se que o inciso XXIII do art. 7o. da Constituição da
República estabelece que o adicional devido em razão do labor em
atividades penosas, insalubres e perigosas incidirá sobre a
"remuneração", o que leva à conclusão de que não é possível a
alteração da base de cálculo do mencionado adicional de
periculosidade, assegurada por norma const i tucional e
infraconstitucional, mediante negociação coletiva, em prejuízo do
trabalhador, até porque a negociação para reduzir direito mínimo
assegurado na legislação trabalhista implicaria em verdadeiro
retrocesso social, o que a doutrina brasileira não admite nem
mesmo em sede constitucional. Assinale-se que a autonomia
privada coletiva irrestrita não deve ser tolerada, porquanto
incompatível com a valorização do trabalho humano estabelecida
pelo ordenamento jurídico pátrio, em especial pela Constituição
(artigo 1o., inciso IV, e artigos 6o., 7o. e 170), já que o direito à
correta observância da base de cálculo do adicional de
periculosidade se encontra assegurado em lei e, por esse motivo,
está incluso entre as garantias mínimas afetas à saúde dos
trabalhadores (art. 7o., XXII e XXIII, da CR), não comportando
alterações por transação ou renúncia. O entendimento aqui adotado
está, igualmente, em sintonia com o entendimento consagrado na
Orientação Jurisprudencial n. 31 da SDC/TST, in verbis: "Não é
possível a prevalência de acordo sobre legislação vigente, quando
ele é menos benéfico do que a própria lei, porquanto o caráter
imperativo dessa última restringe o campo de atuação da vontade
das partes". (TRT da 3a. Região; Processo: 00120-2012-046-03-00-
0 RO; Data de Publicação: 20/05/2013; Órgão Julgador: Quarta
Turma; Relator: Júlio Bernardo do Carmo; Revisor: Maria Lúcia
Cardoso Magalhães; Divulgação: 17/05/2013. DEJT. Página 164)
Todavia, entendo que deve ser considerado o segundo fundamento
esposado pela reclamada em sua peça defensiva, relativo à
revogação da Lei 7.369/85 pela Lei 12.740/12.
Com efeito, deve-se anotar que os conflitos temporais de aplicação
de norma jurídica são resolvidos, em princípio, pelo critério da
irretroatividade e pelo reconhecimento do direito adquirido, isso com
vistas a que se preserve e fortaleça a propalada segurança jurídica.
Nesse sentido, até mesmo a legislação trabalhista brasileira, de
forma bastante acanhada, regula a matéria em questão,
prescrevendo, que os dispositivos de caráter imperativo terão
aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas,
antes da vigência desta Consolidação. (Art. 912/CLT)
Assim, considerando que a Lei 12.740/12, que alterou os
dispositivos mencionados pelo autor, apenas entrou em vigor no dia
10/12/2012, enquanto que o contrato de trabalho do reclamante,
iniciado em 02/05/1983, ainda se mantém vigente, a sua situação
jurídica anterior à modificação legislativa restou consumada,
determinando, pois, a regência da relação jurídica pelas regras
existentes à época.
Desta feita, deve ser deferido ao reclamante o pagamento das
diferenças de adicional de periculosidade, observando-se o correto
valor devido, a ser calculado sobre a totalidade das parcelas de
natureza salarial, por todo o período imprescrito e limitado ao dia
anterior à entrada em vigência da Lei 12.740/12, qual seja,
09/12/2012, visto que referido dispositivo legal, em seu art. 3o.,
revogou expressamente a Lei 7.369/85.
Para tanto, e após análise dos demonstrativos de pagamento
acostados às fls. 25/80 pelo autor, declara-se como base de
incidência do adicional em questão as parcelas relativas ao salário-
base percebido pelo obreiro, bem como aquelas pagas sob a
rubrica de gratificação especial e gratificação função acessória"
(Sentença - Ids. caad209, b58d540, bbd7ec7, d13642b, 23450f8,
94d5ff5, 0c246ae, b523aad, 38afc49 e f854937 - grifos acrescidos).
Para que se configure a hipótese de rescisão de julgado com
fundamento no art. 966, inciso V, do CPC/2015, a violação a literal
disposição de lei deve ser frontal e direta, desdizendo o que a lei
diz, afirmando o que ela não afirma, interpretando-a de forma tão
equivocada que, a pretexto de assim fazê-lo, o julgador acaba por
malferi-la em sua integralidade, sendo descabido o corte rescisório
quando a decisão demonstra compatibilidade com as normas legais
em vigor, interpretando-as de maneira razoável.
In casu, como se vê dos fundamentos acima transcritos, a r.
sentença rescindenda sufragou o entendimento de que não há
direito adquirido ao adicional de periculosidade sobre a
integralidade da remuneração, conferindo interpretação válida e
razoável sobre a matéria, especialmente no que tange o direito
intertemporal.
versou sobre matéria de interpretação controvertida nos Tribunais à
época, inerente à base de cálculo do adicional de periculosidade do
eletricitário.
Código para aferir autenticidade deste caderno: 114938
2403/2018 Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região 4 Data da Disponibilização: Sexta-feira, 26 de Janeiro de 2018
Neste aspecto, ressalte-se que o marco divisor sobre a
interpretação controvertida dos dispositivos legais citados na ação
rescisória, quanto à aplicação no tempo da alteração da base de
cálculo promovida pela Lei 12.740/2012, deu-se com a inclusão do
item III da Súmula 191 do Colendo TST, em 30/11/2016, tendo sido
proferida a r. sentença em data muito anterior (02/12/2013).
Assim, o pedido de corte rescisório encontra óbice no entendimento
jurisprudencial consubstanciado nas Súmulas 83, I e II, do Colendo
TST e 343 do Excelso STF, in verbis:
Súmula n. 83 do C. TST:
"AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA CONTROVERTIDA (incorporada a
Orientação Jurisprudencial n. 77 da SBDI-2) - Res. 137/2005, DJ
22, 23 e 24.08.2005
I - Não procede pedido formulado na ação rescisória por violação
literal de lei se a decisão rescindenda estiver baseada em texto
legal infraconstitucional de interpretação controvertida nos
Tribunais. (ex-Súmula n. 83 - alterada pela Res. 121/2003, DJ
21.11.2003)
II - O marco divisor quanto a ser, ou não, controvertida, nos
Tribunais, a interpretação dos dispositivos legais citados na ação
rescisória é a data da inclusão, na Orientação Jurisprudencial do
TST, da matéria discutida. (ex-OJ n. 77 da SBDI-2 - inserida em
13.03.2002)"
SÚMULA 343 do E. STF: "Não cabe ação rescisória por ofensa a
literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver
baseado em texto legal de interpretação controvertida nos
Tribunais."
Não há se falar também em ofensa a ato jurídico perfeito, direito
adquirido, ou ao princípio da proteção e, por consequência afronta
ao disposto no art. 5o., XXXVI, da Constituição Federal, uma vez
que tal dispositivo constitucional não trata, especificamente, da
matéria versada na ação originária, de modo que eventual violação
seria apenas reflexa, não autorizando o corte rescisório com
amparo no inciso V do art. 966 do CPC/2015.
Com efeito, a decisão que limitou o recebimento pelo trabalhador
das diferenças de adicional de periculosidade à data de vigência da
Lei 12.740/2012 não ofende a literalidade do suprarreferido preceito
constitucional, porquanto a discussão, nessa hipótese, tem índole
infraconstitucional.
Para a configuração da violação à literal dispositivo de lei,
necessário que a violação seja ao direito objetivo, não se discutindo
em sede de ação rescisória a mais adequada interpretação jurídica
de norma legal e a justiça ou injustiça do julgado, tampouco se a
decisão resulta de equivocada interpretação…