caderno iii novo processo civil

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CADERNO III O NOVO PROCESSO CIVIL TRABALHOS ELABORADOS PELOS AUDITORES DE JUSTIÇA DO 30.º CURSO DE FORMAÇÃO DE MAGISTRADOS DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS setembro de 2013 Caderno Especial

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  • CADERNO III O NOVO PROCESSO CIVIL

    TRABALHOS ELABORADOS PELOS AUDITORES DE JUSTIA DO 30. CURSO DEFORMAO DE MAGISTRADOS DO CENTRO DE ESTUDOS JUDICIRIOS

    setembro de 2013

    Caderno Especial

  • Ao longo do ano de 2013, os/as Auditores/as de Justia

    do 30 Curso de Formao de Magistrados, sob

    orientao dos docentes da rea cvel do Centro de

    Estudos Judicirios, realizaram trabalhos e estudos,

    participaram em debates e produziram textos sobre a

    reforma do processo civil.

    Do acervo produzido, a seleo feita levou em conta,

    para alm da qualidade tcnica, o seu interesse e

    contributo para a compreenso do novo regime

    processual civil j em vigor.

    Entendeu-se como til, ainda, exemplificar com quatro

    tipos de processos dos mais comuns na Jurisdio Cvel

    a forma como neles se pode identificar o objeto do

    litgio e a enunciao dos temas da prova.

  • Ficha Tcnica

    Jurisdio Civil, Processual Civil e Comercial

    Carla Cmara

    Francisco Martins

    Gabriela Cunha Rodrigues

    Laurinda Gemas

    Margarida Paz

    Pedro Caetano Nunes

    Nome:

    Caderno III O Novo Processo Civil Trabalhos elaborados pelos Auditores de Justia do

    30. Curso de Formao de Magistrados do Centro de Estudos Judicirios

    Categoria:

    Caderno especial O Novo Processo Civil

    Intervenientes:

    Gabriela Cunha Rodrigues (Juza de Direito, Docente do Centro de Estudos Judicirios e

    Membro da Comisso de Reforma do Processo Civil)

    Laurinda Gemas (Juza de Direito, Docente do Centro de Estudos Judicirios)

    Ana Margarida Cabral (Auditora de Justia)

    Carlos Andr Pinheiro (Auditor de Justia)

    Ins Robalo (Auditora de Justia)

    Ins Soares (Auditora de Justia)

    Jos Henrique Nunes (Auditor de Justia)

    Margarida Quental (Auditora de Justia)

    Rita Martins (Auditora de Justia)

    Susana Babo (Auditora de Justia)

    Reviso final:

    Edgar Taborda Lopes (Coordenador do Departamento da Formao do CEJ, Juiz de

    Direito)

    Joana Caldeira (Tcnica Superior do Departamento da Formao do CEJ)

    Nota:

    Foi respeitada a opo dos autores na utilizao ou no do novo Acordo Ortogrfico

  • NOTA:

    Pode clicar nos itens do ndice de modo a ser redirecionado automaticamente para o tema em

    questo.

    Clicando no smbolo existente no final de cada pgina, ser redirecionado para o ndice.

    NDICE

    PARTE I TRABALHOS ELABORADOS PELOS AUDITORES DE JUSTIA ...................................... 5

    Inverso do contencioso - Ana Margarida Cabral; Carlos Andr Pinheiro; Ins Robalo; Jos

    Henrique Nunes ............................................................................................................ 7

    O processo especial da tutela da personalidade - Ins Soares ............................................ 21

    Aco executiva para pagamento da quantia certa - novidades da Reforma de Processo

    Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo) -

    Margarida Quental .............................................................................................................. 35

    Tramitao de aco executiva - Rita Martins; Susana Babo ............................................. 51

    PARTE II A IDENTIFICAO DO OBJETO DO LITGIO E A ENUNCIAO DOS TEMAS DA

    PROVA EM PROCESSOS TIPO .............................................................................................. 79

    Declaraes inexactas - seguros de vida ............................................................................. 81

    Conduo sob o efeito de lcool - direito de regresso ...................................................... 173

    Aluguer de longa durao ................................................................................................. 281

    Ao de reivindicao ........................................................................................................ 357

    PARTE III TABELAS COMPARATIVAS CPC ........................................................................ 421

  • Registo das revises efetuadas ao e-book

    Identificao da verso Data de atualizao

    Verso inicial 13/09/2013

    Verso 1 02/10/2013

  • Parte I Trabalhos elaborados pelos Auditores de Justia

  • Inverso do contencioso

    [Ana Margarida Cabral

    Carlos Andr Pinheiro

    Ins Robalo

    Jos Henrique Nunes]

  • 8

    Inverso do contencioso

    I. INTRODUO

    Com a Reforma do Cdigo de Processo Civil, possibilita a lei o requerimento de inverso

    do contencioso, deixando o procedimento cautelar de ser necessariamente instrumental e

    provisrio, uma vez que se permite que se forme convico sobre a existncia do direito apta a

    resolver de modo definitivo o litgio, verificados os pressupostos legalmente previstos.

    A soluo da inverso do contencioso surge na sequncia da observao de uma espcie

    de duplicao de aces, dado que a referida instrumentalidade e dependncia da aco

    principal leva, muitas vezes, a que nela se repitam os fudamentos e os elementos j trazidos ao

    procedimento cautelar, correspondendo, frequentemente, controvrsia antes apreciada com

    menor ou maior segurana naquele procedimento. Entende-se, pois, que nos casos em que no

    procedimento cautelar produzida prova suficiente para que se forme convico segura sobre

    a existncia do direito, no haver razes para que no se resolva a causa de modo definitivo1.

    Acresce que a celeridade processual um dos objectivos claros desta Reforma do

    Processo Civil e idntica preocupao encontra-se em anteriores reformas2.

    Porm, para soluo do problema da duplicao de aces trs alternativas foram

    equacionadas:

    a) Antecipao da deciso final do litgio, em termos anlogos aos que estavam

    previstos no art. 16. do Decreto-Lei n. 108/2006, de 8 de Junho (Regime do

    Processo Civil Experimental), quando tenham sido trazidos ao procedimento

    cautelar os elementos necessrios resoluo definitiva do litgio.

    b) Eliminao do requisito da instrumentalidade do procedimento cautelar,

    subsistindo apenas a caracterstica da provisoriedade atravs da previso da

    faculdade de, a todo o tempo, requerido ou requerente, propor aco principal em

    que se discutissem o direito acautelado ou os efeitos antecipatrios da providncia

    decretada at este momento, a deciso cautelar manter-se-ia provisria, sem

    formar caso julgado, sendo a estabilidade dos seus efeitos afastada apenas pela

    deciso revogatria proferida em sede de aco principal.

    c) Inverso do contencioso que, sendo deferido o requerimento por ser possvel

    formao de convico segura acerca da existncia do direito e por ter a

    providncia requerida vocao de definitividade, tornaria a tutela cautelar

    1 Assim, entre outros, CARLOS LOPES DO REGO, in Os princpios orientadores da Reforma do Processo Civil, in

    Julgar, n. 16, p. 109 (pp. 99 135). 2 Cfr. JOS LUS BONIFCIO RAMOS, Questes relativas Reforma do CPC, in O Direito, n. 144, III, p. 571 (pp.

    569 598).

  • 9

    Inverso do contencioso

    definitiva, formando caso julgado material, caso o requerido no impugne, atravs

    da propositura de aco principal, a existncia do direito acautelado ou a vocao

    de definitividade da providncia decretada.

    A ltima alternativa, como se deixou expresso, foi a acolhida nos artigos 369. e 371.

    do CPC, entendendo-se que a que melhor salvaguarda o princpio da confiana processual

    das partes e a segurana jurdica, em geral. No entanto, tal soluo no fica isenta de crticas,

    defendendo, nomeadamente, a Associao Sindical de Juzes Portugueses3 que a tcnica da

    inverso do contencioso seria mais eficaz caso no ficasse dependente de requerimento. Para

    os Juzes da Comarca da Grande Lisboa Noroeste em Contributo para a Reforma do

    Processo Civil a soluo que melhor promoveria o equilbrio de posies entre as partes

    seria uma semelhante consagrada no artigo 21., n. 7 do Decreto-Lei n. 149/95, de 24 de

    Junho (Regime da Locao Financeira), cuja concluso pela definitividade da deciso proferida

    no est dependente de requerimento, baseando-se numa ponderao do Juiz, respeitando o

    exerccio do contraditrio pelas partes.

    Por se exigir mais do que o tradicional fumus boni iuris, a prova deixar de ser sumria,

    pelo que se acolhe a crtica de um eventual efeito prtico de subverso de tutela urgente do

    direito contudo, este efeito, a suceder, ser consequncia da actuao processual das partes,

    sendo notria a vigncia dos princpios do dispositivo e da responsabilidade das partes na

    tcnica da inverso do contencioso.

    Decretada a inverso do contencioso, quem fica onerado com a propositura da aco

    principal o requerido, sob pena de a providncia cautelar decretada se convolar na resoluo

    definitiva do litgio. Deste modo, o juiz converte em definitivo e inverte o contencioso, na

    medida em que a converso pode ser posta em causa na aco principal proposta pelo

    requerido condio potestativa resolutiva4. Nestes termos, a aco cautelar no se

    caracterizar pela tutela do periculum in mora, mas do prprio interesse ou direito substantivo

    do requerente.

    Saliente-se que, quando tal no suceda, mantm-se, designadamente, o nus da

    propositura da aco principal pelo requerente e a dependncia e a instrumentalidade do

    procedimento cautelar face aco principal (cfr. artigo 364., n. 1 do CPC).

    3 No Parecer apresentado Assembleia da Repblica em Janeiro de 2013, disponvel em

    http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Parecer-ASJP-Janeiro-2013.pdf. 4 Neste sentido, LUCINDA DIAS DA SILVA, na sua interveno do dia 12.4.2013, nas Jornadas de Processo Civil,

    organizadas pelo Centro de Estudos Judicirios (Vide Caderno I).

  • 10

    Inverso do contencioso

    Em momento anterior verso final da Proposta de Lei n. 113/XII, foram suscitadas

    dvidas relativamente conciliao entre a inverso do contencioso e as regras sobre o nus

    da prova. Na aprovao na especialidade da referida Proposta de Lei foi aprovada uma

    proposta de alterao ao artigo 371., ns. 1 e 2 do CPC, prevendo, agora, o n. 1, na sua parte

    inicial, a salvaguarda das regras de direito probatrio material relativas distribuio do nus

    da prova.

    Aps a anlise dos pressupostos materiais e processuais do decretamento da inverso

    do contencioso, examinar-se-o os meios de defesa que o CPC coloca disposio do

    requerido, bem como as possibilidades de recurso das decises proferidas nesta sede.

    Note-se, por fim, que as disposies do Novo Cdigo de Processo Civil no so aplicveis

    aos procedimentos cautelares instaurados antes da sua entrada em vigor (ou seja, antes de 1

    de Setembro de 2013 art. 8. da Lei n. 41/2013, de 26 de Junho), de acordo com o disposto

    no n. 2 do art. 7. da Lei n. 41/2013.

    II. PRESSUPOSTOS

    1. Pressupostos materiais

    Nos termos do n. 1 do art. 369. do CPC, a inverso do contencioso pode ocorrer caso o

    juiz, na deciso que decrete a providncia, entenda que a matria adquirida no procedimento

    lhe permite formar convico segura acerca da existncia do direito acautelado e se a natureza

    da providncia decretada for adequada a realizar a composio definitiva do litgio.

    Da anlise desta norma verifica-se que, para que o requerente seja dispensado do nus

    de propor a aco principal, tero de estar verificados dois pressupostos cumulativos. A saber:

    que a matria adquirida no procedimento permite ao Juiz formar convico segura

    acerca da existncia do direito acautelado; e

    que a natureza da providncia decretada seja adequada a realizar a composio

    definitiva do litgio.

    a lei que define quais as condies que devem estar verificadas para que seja

    decretada a inverso. Trata-se, por isso, de uma deciso vinculada do Tribunal, e no de uma

    deciso tomada no uso de um poder discricionrio. O Tribunal no inverte o contencioso

    segundo um critrio de oportunidade ou de convenincia, mas de acordo com aqueles

    critrios legais5.

    5 Assim, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As Providncias Cautelares e a Inverso do contencioso, disponvel em

    https://sites.google.com/site/ippcivil/recursos-bibliograficos/5-papers, p. 11.

  • 11

    Inverso do contencioso

    Cumpre assim, analisar cada um dos pressupostos.

    1.1 Convico segura acerca da existncia do direito

    Para que se encontre preenchido este primeiro pressuposto no basta a prova sumria

    do direito acautelado. Assim, no mbito do procedimento cautelar, o Juiz ter de fazer um

    juzo mais profundo, de molde a formar a convico segura da existncia do direito

    acautelado. A inverso pressupe, por isso, uma prova stricto sensu do direito que se pretende

    tutelar.

    Como refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, o que conta que o juiz forme a convico

    segura do dreito que a providncia se destina a acautelar, no a convico segura da

    procedncia da providncia decretada6.

    Segundo o Conselheiro LOPES DO REGO, o juiz s decretar a inverso do contencioso

    quando o grau de convico que tiver formado ultrapassar o plano do mero fumus bonis juris,

    face nomeadamente amplitude e consistncia da prova produzida e evidncia do direito

    invocado pelo requerente () e entender ponderadas as razes invocadas pelas partes - que

    a composio de interesses alcanada a nvel cautelar pode servir perfeitamente como soluo

    definitiva para o litgio7.

    1.2. Adequao da natureza da providncia decretada a realizar a composio

    definitiva do litgio

    A providncia decretada tem ainda de ser adequada a realizar a composio definitiva

    do litgio. Assim, a lei exige que a providncia decretada se possa substituir tutela definitiva

    que o requerente da providncia poderia solicitar na aco principal se no tivesse sido

    decretada a inverso do contencioso8.

    Justifica-se a imposio deste pressuposto, uma vez que, tendo sido decretada a

    inverso e no tendo o requerido proposto a aco principal, a tutela cautelar tornar-se-

    definitiva.

    No que respeita s providncias especificadas a prpria lei que determina quais

    aquelas onde pode ser requerida a inverso. Segundo o disposto no n. 4 do artigo 376. do

    CPC, o regime de inverso do contencioso aplicvel, com as devidas adaptaes,

    restituio provisria da posse, suspenso de deliberaes sociais, aos alimentos provisrios,

    6 Op. cit., p. 11. 7 Op cit. 8 Assim, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, op. cit., p. 11.

  • 12

    Inverso do contencioso

    ao embargo de obra nova, bem como s demais providncias previstas em legislao avulsa

    cuja natureza permita realizar a composio definitiva do litgio.

    A inverso do contencioso s , assim, admissvel se a tutela cautelar puder substituir a

    definitiva e, tendo em conta o elenco previsto no art. 376., s admissvel a inverso se a

    providncia cautelar requerida de carcter nominado ou inominado se no tiver um

    sentido manifestamente conservatrio.

    So assim quatro as providncias especificadas s quais se aplica o regime da inverso

    do contencioso:

    restituio provisria da posse;

    suspenso de deliberaes sociais;

    alimentos provisrios; e

    embargo de obra nova.

    A inverso no , deste modo, aplicvel s restantes providncias especificadas

    previstas no CPC, nomeadamente, ao Arresto9, ao Arrolamento e ao Arbitramento de

    Reparao Provisria. Nestes casos, a tutela definitiva e a tutela cautelar cumprem uma funo

    totalmente distinta e prosseguem objectivos completamente diferentes, no sendo admissvel

    aplicar-lhes a inverso10.

    A inverso do contencioso no tambm aplicvel providncia prevista no n. 7 do

    art. 21. do Decreto-Lei n. 149/95, de 24 de Junho (que regula o contrato de locao

    financeira), uma vez que esta norma j contm um regime prprio sobre a possibilidade de o

    Juiz antecipar a deciso da causa principal.

    9 Sobre a providncia cautelar de arresto, PAULA COSTA E SILVA, Cautela e certeza: breve apontamento acerca

    do proposto regime de inverso do contencioso na tutela cautelar in Debate [sobre] a reforma do processo

    civil 2012 - Lisboa; Sindicato dos Magistrados do Ministrio Pblico, 2012 pp. 139-149, p. 141, defende,

    partindo do art. 16 do Regime Processual Civil Experimental que se o requerente carrear para o processo

    todos os elementos que permitam ao juiz atingir um juzo de certeza acerca do direito de crdito que se

    alega perigar, e se, para alm desse requisito, for vivel que, numa qualquer fase do procedimento, ao

    pedido de arresto acresa o pedido de condenao do requerido/ru no cumprimento da obrigao,

    pergunta-se: porque no poder o juiz proferir imediatamente deciso condenatria do ru no

    cumprimento, acrescida do decretamento do arresto?. Neste sentido, veja-se o Parecer da ASJP, de Nov.

    2012, p. 33, disponvel em:

    http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Parecer-CPC-ASJP-Nov-2012.pdf.

    E perguntamos ns: ser que, ao abrigo do dever de gesto processual previsto no art. 6 do CPC, o juiz no

    poder tomar uma deciso deste tipo, obedecendo sempre aos princpios do contraditrio e do dispositivo? 10 Assim, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, op. cit., p. 12.

  • 13

    Inverso do contencioso

    2. Pressupostos Processuais

    2.1 Legitimidade

    De acordo com o n. 1 do artigo 369. do CPC, apenas o Requerente da providncia tem

    legitimidade para requerer a inverso do contencioso. No cabe ao Juiz, oficiosamente, impor-

    lhe esta soluo. Como refere o Conselheiro LOPES DO REGO o requerente que deve valorar o

    seu interesse e, em consonncia, decidir se lhe interessa ou no a potencial definitividade e

    consolidao da deciso cautelar11.

    2.2 Oportunidade

    De acordo com o n. 2 do art. 369. do CPC, a dispensa do nus de intentar a aco

    principal pode ser requerida at ao encerramento da audincia final.

    Assim, o Requerente pode, a todo o tempo, at ao encerramento da audincia final,

    quer no requerimento inicial, quer em requerimento autnomo, pedir a inverso12.

    III. MEIOS DE DEFESA DO REQUERIDO

    3.1 Sem contraditrio prvio

    Determina a segunda parte do art. 369., n. 2 do CPC que () tratando-se de

    procedimento sem contraditrio prvio, pode o requerido opor-se inverso do contencioso

    conjuntamente com a impugnao da providncia decretada.

    Da letra da lei resulta, assim, que querendo o requerido opor-se inverso do

    contencioso apenas poder faz-lo em conjunto com a oposio providncia decretada.

    Nos termos do art. 372., n.1 do CPC, quando tenha sido dispensada a audio prvia

    do requerido, a oposio dever ser deduzida no prazo de 10 dias contados da data de

    notificao da deciso, nos termos das disposies conjugadas dos arts. 293., n. 2 e 365.,n.

    3 e 366.,n. 6, todos do CPC. Este prazo poder ser acrescido de dilao que, todavia, nunca

    poder ultrapassar os 10 dias art. 366., n. 3 do CPC.

    11 Op. cit., p. 8. 12 No Parecer do CSMP, questiona-se se este prazo to alargado para requerer a inverso pode dar origem a

    decises surpresa contra o Requerido, defendendo-se antes que a inverso deve ser requerida no

    requerimento inicial. Ora, tendo em conta que, muitas vezes, a audincia final realizada sem a presena

    do requerido, no vemos como que a inverso possa ser uma deciso surpresa. Se assim fosse, nesses

    casos em que o Requerido no citado antes do decretamento da providncia estaramos tambm perante

    uma deciso surpresa.

    O parecer est disponvel em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/parecer_CSMP.pdf.

  • 14

    Inverso do contencioso

    Apresentada a oposio, o Juiz da 1. instncia, nos termos do disposto no art. 372.,

    n. 3 do CPC, poder decidir pela manuteno ou revogao da deciso que inverteu o

    contencioso.

    Sobre a possibilidade de o Juiz decidir a inverso do contencioso sem audio prvia

    do requerido foram levantadas algumas reservas, designadamente, pelos Juzes da Comarca da

    Grande Lisboa Noroeste - em Contributo para a Reforma do Cdigo do Processo Civil - e pelo

    Conselho Superior da Magistratura em parecer emitido a propsito da nova reforma,

    disponvel em www.csm.org.pt. No parecer do Conselho Superior da Magistratura citado o

    Contributo para a Reforma do Cdigo do Processo Civil, onde se refere: (...) No vemos, na

    verdade, qualquer bondade ou interesse, que o Juiz desde logo decida, sem contraditrio

    prvio, pela inverso do contencioso e depois, na deciso que aprecie a oposio subsequente

    do requerido venha a decidir novamente da manuteno ou revogao da inverso do

    contencioso inicialmente decretada..

    A soluo legislativa encontrada permite, porm, que se inverta o contencioso sem

    audio prvia do requerido.

    3.2 Com contraditrio prvio

    Existindo contraditrio prvio ao decretamento da providncia, o requerido, que j

    teve oportunidade de apresentar articulado de contestao e apresentar os seus meios

    probatrios, ter oportunidade de se pronunciar sobre a inverso do contencioso, ao abrigo

    do princpio do contraditrio art.3., n. 3 do CPC. Por fora do mesmo princpio, dever ser

    permitido ao requerido apresentar novos meios de prova em sede de oposio inverso do

    contencioso.

    IV. CONSEQUNCIAS DA INVERSO DO CONTENCIOSO

    4.1 Interrupo do prazo de caducidade

    Dispe o art. 369.,n. 3 do CPC que se o direito acautelado estiver sujeito a

    caducidade, esta interrompe-se com o pedido de inverso do contencioso, reiniciando-se a

    contagem do prazo a partir do trnsito em julgado da deciso proferida sobre a questo.

    Esta soluo compagina-se, em parte, com o disposto no art. 328. do CC.

    Assim, transitada a deciso que decrete a providncia e inverta o contencioso poder

    acontecer uma de duas coisas (de acordo com o art. 331 do CC):

  • 15

    Inverso do contencioso

    a) o requerido no intenta aco no prazo de 30 dias aps a notificao da deciso e

    impede-se, por esta via, a caducidade do direito que de modo tcito o requerido

    reconhece;

    b) o requerido intenta a aco principal e o prazo de caducidade impedido13.

    4.2 Dispensa da propositura de aco pelo Requerente

    O art. 369., n. 1 do CPC, determina que (...) o juiz, na deciso que decrete a

    providncia, pode dispensar o requerente do nus da propositura da ao principal.

    Daqui decorre que o primeiro efeito processual da deciso que inverta o contencioso

    ser a dispensa do requerente de propor a aco principal, nos termos previstos no art. 373.

    do CPC.

    O nus de propor a aco transferido para o requerido que dever dar o impulso

    processual necessrio para no ver a questo definitivamente decidida contra si, nos termos

    do art. 371., n. 1 do CPC.

    Porm, esta dispensa poder no evitar que o requerente venha a propor aco

    principal, caso entenda que o seu direito no tenha ficado acautelado com a providncia

    decretada, desde que no tenha o mesmo objecto, por fora do princpio da precluso do caso

    julgado.14

    4.3 Propositura da aco principal pelo requerido

    O art. 371., n. 1 do CPC determina que Sem prejuzo das regras sobre a distribuio

    do nus da prova, logo que transite em julgado a deciso que haja decretado a providncia

    cautelar e invertido o contencioso, o requerido notificado, com a advertncia de que,

    querendo, deve intentar a aco destinada a impugnar a existncia do direito acautelado nos

    30 dias subsequentes notificao, sob pena de a providncia se consolidar como composio

    definitiva do litgio.

    Esta norma estatui que, invertido o contencioso, caber ao requerido intentar aco

    principal na qual impugne a existncia do direito acautelado nos 30 dias subsequentes

    notificao.

    Para que tal suceda dever verificar-se, cumulativamente:

    13 Ver sobre esta questo o parecer da Associao Sindical dos Juzes Portugueses, apresentada

    Assembleia da Repblica em Janeiro de 2013, p. 29, supra referido. 14 LOPES DO REGO na sua interveno de 12.04.2013, nas Jornadas de Processo Civil organizadas pelo Centro

    de Estudos Judicirios.

  • 16

    Inverso do contencioso

    a) a observncia do trnsito em julgado da deciso que decrete a providncia;

    b) a notificao do requerido com a expressa advertncia que dever intentar a aco

    principal no prazo de 30 dias, com a cominao da consolidao da providncia

    como composio definitiva do litgio. Esta notificao , assim, realizada a

    posteriori da deciso que decrete a providncia e que decida o contencioso.

    No caso especial do procedimento nominado da suspenso de deliberaes sociais,

    tm legitimidade para propor ou intervir na aco principal, no apenas o requerido, mas

    tambm aqueles que tm legitimidade para a aco de nulidade ou anulao de deliberaes

    sociais, nos termos do disposto no n. 2 do art. 382. do CPC. In casu, o prazo para a

    propositura da aco a que alude o art. 371 do CPC s se inicia com a notificao da deciso

    judicial que haja suspendido a deliberao ou com o registo, quando obrigatrio, de deciso

    judicial, de acordo com o previsto no n. 1 do art. 382. do CPC.

    Uma das questes que mais se tinha colocado relativamente inverso do

    contencioso, e que ficou definitivamente solucionada com a alterao realizada e aprovada na

    especialidade Proposta de Lei n. 113/XII, tinha que ver com a distribuio do nus da prova

    na aco principal a ser intentada pelo requerido. Com efeito, na proposta inicial do CPC no

    constava a primeira parte do art. 371., n. 1 do CPC, Sem prejuzo das regras sobre a

    distribuio do nus da prova (...). Havia, pois, a dvida sobre quem teria de fazer prova dos

    factos alegados na aco principal: se o requerente, que assim teria de reproduzir toda a prova

    que j tinha sido produzida em sede de procedimento cautelar, se o requerido, operando-se, a

    vingar este segundo entendimento, uma verdadeira inverso do nus da prova. Porm, com a

    previso da obrigatoriedade de se observarem as regras gerais sobre a distribuio do nus da

    prova, tornou-se claro que ter de ser o requerente (ru na aco principal) a (re)fazer prova

    do seu direito. Assim, a aco principal, na maior parte dos casos uma aco de simples

    apreciao negativa, prevista no art.10., n. 3, al. a) do CPC. O requerido (autor) pretender,

    assim, na aco principal, que o tribunal declare a inexistncia de um determinado direito ou

    facto, cabendo ao requerente (ru), ao abrigo do disposto no art. 343., n. 1 do CC, fazer

    prova do seu direito.

    Podem, contudo, configurar-se situaes em que na aco proposta o requerido (autor

    na aco principal) possa no se limitar a impugnar a deciso proferida no mbito cautelar,

    alegando factos e formulando pedidos que ultrapassem a mera alegao de inexistncia do

    direito ou do facto. Refira-se o exemplo de uma deciso cautelar, com inverso do

    contencioso, em que um condomnio vem requerer a realizao de determinadas obras

  • 17

    Inverso do contencioso

    urgentes, vindo na aco principal o requerido (autor) invocar a nulidade da deliberao da

    assembleia de condminos que autorizou a realizao das obras.

    J o n. 2 do art. 371. do CPC determina que a providncia continua a consolidar-se

    como composio definitiva do litgio nos casos em que o (...) processo estiver parado por

    mais de 30 dias por negligncia do requerente ou o ru for absolvido da instncia e o autor no

    propuser nova aco em tempo de aproveitar os efeitos da propositura anterior.

    Esta norma, semelhana do previsto no art. 373., n. 1, al.b) do CPC, encurta para

    30 dias o prazo de seis meses previsto no art. 281., n. 1 do CPC, obrigando o requerente

    (aqui parece que o legislador se refere ao autor) a no s intentar a aco como a impulsionar

    o seu andamento clere. Assim, embora no refira qual a consequncia processual imediata da

    inaco do requerente, parece que a cominao ser a prevista naquele art. 281., n. 1 do

    CPC, ou seja, a desero e consequente absolvio do ru da instncia. Nesta situao, o autor

    no poder instaurar nova aco, porquanto j est verificada a composio definitiva do

    litgio e poderia vir o ru invocar a excepo de caso julgado.

    Por outro lado, como tambm j se prev no art. 373.,n. 1, al. d) do CPC, se o ru for

    absolvido da instncia, o autor dever intentar nova aco em tempo de aproveitar os efeitos

    da propositura da anterior. Aqui cr-se que o legislador remete para o disposto no art. 279.,

    n. 2 do CPC, pelo que o prazo para intentar a nova aco so os 30 dias a previstos.

    O n. 3 do art. 371. do CPC refere-se ao efeito da procedncia da aco intentada pelo

    requerido, no havendo dvidas que a consequncia a caducidade da providncia, deixando

    esta de produzir os seus efeitos com a possvel consequncia prevista no art. 374., n. 1 do

    CPC.

    V. RECURSOS

    5.1 Legitimidade

    O artigo 631., n.s 1 e 2 do CPC preceitua que 1- Sem prejuzo do disposto nos

    nmeros seguintes, os recursos s podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na

    causa, tenha ficado vencido. 2- As pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela deciso

    podem recorrer dela, ainda que no sejam partes na causa ou sejam apenas partes

    acessrias.

    5.2 Prazo

    O prazo para a interposio do recurso de 15 dias, uma vez que se tratam de

    processos urgentes vide artigo 638., n. 1 do CPC. A natureza urgente dos procedimentos

  • 18

    Inverso do contencioso

    cautelares resulta do artigo 363. do CPC, que estipula que os procedimentos cautelares

    revestem sempre carcter urgente, precedendo os respetivos actos qualquer outro servio

    judicial no urgente.

    Compreende-se que a lei rotule os procedimentos cautelares como meios processuais

    urgentes e que esta caracterstica justifique uma tramitao simplificada. Assim, os actos que

    integram estes procedimentos podem ser praticados mesmo em frias judiciais (artigo 137.,

    n. 1 e 2 do CPC) no se suspendendo nestes perodos os prazos para a sua prtica cfr. artigo

    138., n.1 do CPC. O artigo 156., n. 3 do CPC prev o prazo mximo de 2 dias para a

    prolao de despachos a proferir em processos urgentes.

    Com a nova redaco do artigo 212. do CPC termina o afastamento dos

    procedimentos cautelares das regras de distribuio, passando a integrar a 10. espcie, em

    conjunto com as notificaes avulsas, actos preparatrios e quaisquer diligncias urgentes.

    Com o Acrdo de Uniformizao de Jurisprudncia n. 9/2009, fixou-se jurisprudncia

    no sentido de que os procedimentos cautelares revestem sempre carcter urgente, mesmo em

    fase de recurso.

    5.3 Efeitos

    Regra geral no admissvel recurso autnomo de decises interlocutrias, salvo se

    algum normativo legal o permitir, tal como acontece no despacho de indeferimento liminar.

    A recorribilidade do despacho de indeferimento liminar est prevista no artigo 629.,

    n. 3, al. c) do CPC15. O recurso interposto no prazo de 15 dias (638., n. 1 do CPC), sobe nos

    prprios autos do procedimento (artigo 645., n. 1, al. d) do CPC) e com efeito suspensivo

    (artigo 647., n.3, al. d) do CPC).

    15 ARMINDO RIBEIRO MENDES refere que as alteraes introduzidas no Ttulo V do Livro III do NCPC so

    muito limitadas, destinando-se a maior parte a clarificar ambiguidades ou imprecises de redao da verso

    introduzida pelo Decreto-Lei n. 303/2007 no CPC de 1961.

    Em especial, a reintroduo do n. 4 do art. 678. do CPC de 1961, suprimido em 2007 de forma

    inexplicvel, visa manter coerncia no sistema.

    Deve notar-se que a explicitao de que h sempre recurso at Relao das decises de indeferimento

    liminar da petio da ao e do requerimento inicial do procedimento cautelar (art. 629., n. 3, al. c) ou do

    indeferimento, ainda que parcial, do requerimento executivo (art. 853., n. 3) visa eliminar eventuais

    dvidas de aplicao da regra idntica que aparece no art. 234.-A, n. 2, do Cdigo vigente in

    Regulamentao dos recursos no futuro Cdigo de Processo Civil texto relativo a exposio oral no Curso

    de especializao de Temas de Direito Civil, em 26.04.2013, organizada pelo CEJ.

  • 19

    Inverso do contencioso

    No despacho de admisso do recurso o juiz deve ordenar a citao do ru ou do

    requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, salvo nos casos em que o

    requerido no procedimento cautelar no deva ser ouvido antes do seu decretamento cfr.

    artigo 641., n. 7 do CPC.

    Nos termos da al. b), n. 3, do artigo 629. do CPC tambm sempre admissvel

    recurso das decises respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o

    fundamento de que o seu valor excede a alada do tribunal de que se recorre.

    No que concerne ao recurso da deciso que indeferir a dispensa do contraditrio

    requerida ao abrigo do artigo 366., n. 1 do CPC, o requerimento e alegaes dever ser

    submetido a deciso judicial, sem notificao da parte contrria, sob pena de se perder o seu

    efeito til, admitindo-se a interposio imediata do recurso.

    Tambm admitem recurso autnomo, decises relativas ao pressuposto de

    competncia absoluta, admisso ou rejeio de meios de prova - cfr. artigo 644., n. 2, als. b)

    e d) do CPC.

    O artigo 370. do CPC estatui que:

    1 A deciso que decrete a inverso do contencioso s recorrvel em conjunto com o

    recurso da deciso sobre a providncia requerida; a deciso que indefira a inverso

    irrecorrvel.

    2 Das decises proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a

    inverso do contencioso, no cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justia, sem prejuzo

    dos casos em que o recurso sempre admissvel.

    Resulta da anlise da norma transcrita que o despacho que indefira a inverso do

    contencioso, solicitada pelo requerente, irrecorrvel.

    Em paralelo, a deciso de inverso do contencioso no autonomamente recorrvel,

    s sendo admissvel em conjunto com o recurso a interpor da deciso sobre a providncia

    requerida.

    A norma citada reporta-se, essencialmente, s decises finais, cuja recorribilidade

    resulta do artigo 644., n. 1, al. a) do CPC.

    So casos de tais decises, no mbito dos procedimentos cautelares:

    A Deciso de absolvio do requerido da instncia, por verificao de excepes

    dilatrias

    B Deciso que ordena a providncia (e decrete a inverso do contencioso)

    O recurso deste despacho sobe em separado e, em regra, com efeito meramente

    devolutivo - artigos 645., n. 2 e 647., n. 1, ambos do CPC. Existindo decretamento de

  • 20

    Inverso do contencioso

    inverso do contencioso, o recurso a interpor tem de abranger a deciso sobre a providncia e

    a de inverso do contencioso, sob pena da no admissibilidade de recurso quanto deciso de

    inverso.

    C Deciso que indefere a providncia

    Neste caso, o recurso sobe nos prprios autos e com efeito suspensivo, nos termos das

    disposies conjugadas dos artigos 645., n. 1, al. d) e 647., n. 3, al. d), ambos do CPC.

    D Deciso de deferimento parcial da providncia

    A legitimidade atribuda s duas partes. Sobe em separado e, em regra, com efeito

    meramente devolutivo - vide artigos 645., n. 2 e 647., n. 1, ambos do CPC.

    E Deciso que determine o levantamento da providncia ou deciso que defira a

    substituio da providncia por cauo, determinando o levantamento da providncia

    O recurso sobe em separado e, em regra com efeito meramente devolutivo cfr.

    artigos 645., n. 2 e 647., n. 1, ambos do CPC.

    5.4 Admissibilidade de Recurso para o Supremo Tribunal de Justia

    No cabe recurso para o STJ das decises proferidas em procedimentos cautelares,

    incluindo a que determine a inverso do contencioso, sem prejuzo dos casos em que sempre

    admissvel, designamente, quando se trate de violao de regras de competncia absoluta,

    ofensa de caso julgado ou desrespeito de jurisprudncia uniformizada artigos 370., n. 2 e

    629., n. 2, ambos do CPC.

    Ana Margarida Cabral (Auditora de Justia, MP, Grupo 2)

    Carlos Andr Pinheiro (Auditor de Justia, MJ, Grupo 1)

    Ins Robalo (Auditora de Justia, MP, Grupo 2)

    Jos Henrique Nunes (Auditor de Justia, MJ, Grupo 1)

  • O processo especial da tutela da personalidade

    [Ins Soares]

  • 23

    O processo especial da tutela da personalidade

    1. O processo especial de tutela da personalidade

    1.1 Um novo processo especial

    O processo especial da tutela da personalidade encontra-se previsto nos arts. 878 a

    880 do Cdigo de Processo Civil, doravante designado CPC, preceitos que, com algumas

    alteraes, correspondem aos arts. 1474 e 1475 do antigo CPC.

    J no se trata de processo de jurisdio voluntria que, para alm das regras prprias

    de processamento e deciso, seguia as regras dos incidentes constantes dos arts. 302 a 304

    do antigo CPC.

    Trata-se, antes, de processo especial ao qual, para alm das normas prprias, so

    aplicveis as regras gerais e comuns a qualquer processo, observando-se, no que no estiver

    previsto em nenhuma das normas anteriores, o que estiver estabelecido no processo comum

    art. 549 do CPC (corresponde ao art. 463 do antigo CPC).

    1.2 Caractersticas principais do processo

    processo simplificado e expedito;

    consiste, essencialmente, num requerimento inicial dirigido ao juiz em que a parte

    ameaada ou lesada formula uma pretenso, fundamentando-a e indicando os meios

    de prova;

    a parte contrria, depois de citada, pode apresentar, na prpria audincia e indicar a

    sua prova;

    aps a produo de prova, o juiz decide sobre o decretamento das providncias

    concretamente adequadas, determinando o comportamento concreto a que o

    requerido fica sujeito e, sendo caso disso, o prazo para o cumprimento, bem como a

    sano pecuniria compulsria por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada

    infrao, conforme for mais conveniente s circunstncias do caso.

    processo especial: nos termos do disposto no art. 549, n. 1, do CPC (art. 463 do

    antigo CPC), os processos especiais regulam-se pelas disposies que lhe so prprias

    e pelas disposies gerais e comuns; em tudo quanto no estiver prevenido numas e

    noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum1.

    1 No anterior CPC, tratava-se de processo de jurisdio voluntria. No h neles, em princpio, um conflito

    de interesses a compor, mas um s interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opinies ou

    representaes acerca do mesmo interesse. (in Manuel de Andrade, Noes Elementares de Processo Civil,

    Coimbra Editora, reimpresso, 1993, p. 71).

  • 24

    O processo especial da tutela da personalidade

    1.3 Novidades introduzidas pela Lei n. 41/2013, de 26 de Junho

    Teve a Comisso constituda para proceder Reforma do Processo Civil a preocupao

    de alterar um processo que se mantivera imutvel ao longo dos tempos, mas que era pouco

    utilizado e que vinha pecando pelo desfasamento em relao realidade.

    que, como explicou Remdio Marques, o regime jurdico previsto nos arts. 1474 e

    1475 do CPC padece de uma notria e consensual exiguidade aplicativa e de um diminuto

    sector normativo da realidade que susceptvel de atingir. Ademais, os lesados (ou ameaados

    de leso iminente) veem-se, no raras vezes, na necessidade de instaurar providncia cautelar

    inominada, a fim de acautelar o periculum in mora2.

    Ao revogar a referncia tutela especfica do direito ao nome e correspondncia

    confidencial que era feita nos n.s 2 e 3 do art. 1474 do antigo CPC (arts. 878 a 880 do CPC),

    clarifica o NCPC o que j vinha sendo defendido, no sentido de no se introduzir, pela via

    processual, qualquer restrio tutela geral da personalidade fsica e moral proclamada no

    art. 70 do do CC, em especial dos direitos de personalidade que, para alm do nome ou dos

    escritos confidenciais, vm expressamente regulados no CC, mas que no mereciam qualquer

    especificao processual.

    Tambm se eliminou a especificidade da legitimidade passiva neste tipo de aes, no

    prevista na lei substantiva, que acabava por ser restritiva da tutela da personalidade,

    nomeadamente quando se tornava necessrio instaurar ao contra terceiros e no contra o

    autor da ameaa, para evitar efetivamente a leso do direito, o que obrigava a fazer uma

    interpretao restritiva.

    Por outro lado, compreende-se no geral a inteno desta Reforma de criar um

    procedimento urgente autnomo e auto-suficiente, destinado a possibilitar a obteno de

    uma deciso particularmente clere que, em tempo til, assegure a tutela efectiva do direito

    fundamental de personalidade dos entes singulares, conforme se l na respetiva Exposio de

    Motivos. No fundo, pretendeu-se concretizar o preceito constitucional do n. 5 do art. 20 da

    CRP que obriga a que o procedimento para tutela dos direitos, liberdades e garantias pessoais

    seja caracterizado pela celeridade e pela prioridade.

    Mais, com o NCPC quis-se esclarecer, por um lado, que este processo especial se aplica

    a toda e qualquer ofensa ou ameaa de ofensa a direitos de personalidade, mas por outro

    lado, se encontra expressamente limitado s pessoas singulares ofendidas. Trata-se apenas da

    2 Joo Paulo Remdio Marques, in Alguns Aspectos Processuais da Tutela da Personalidade Humana na

    Reviso do Processo Civil de 2012, Coimbra, 2012.

  • 25

    O processo especial da tutela da personalidade

    tutela da personalidade humana, da tutela da personalidade do ser humano, e no de pessoas

    coletivas.

    No deixa de ser criticvel esta opo do legislador quando na jurisprudncia

    praticamente unnime o entendimento de que o art. 70 do CC pe disposio de qualquer

    pessoa (singular ou coletiva) mecanismos prprios e adequados de reao a ofensas aos

    direitos de personalidade, os quais so reconhecidos constitucionalmente a essas pessoas

    desde que compatveis com a sua natureza (art. 12, n. 2, da CRP).

    2. Tramitao das providncias de tutela

    2.1 Os princpios fundamentais aplicveis so:

    o do inquisitrio, por fora do disposto no art. 411. do CPC, podendo o tribunal, (na linha do que antes resultava do art. 1409, n. 2, do antigo CPC), realizar ou

    ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligncias necessrias ao apuramento da

    verdade e justa composio do litgio;

    o da equidade, evidenciado pelos arts. 878. e 879., n. 4, do CPC predominando

    sobre o da legalidade estrita, sem que tal permita a postergao de normas

    imperativas, devendo o julgador procurar solues de convenincia e de

    oportunidade mais adequadas a cada situao (na linha do que antes resultava do

    art. 1410 do antigo CPC).

    2.2 Marcha processual

    1. O processo inicia-se com um requerimento inicial, apresentado na forma

    articulada (art. 147 do CPC, que corresponde ao art. 151 do antigo CPC),

    dirigido, em princpio, contra o autor da ameaa ou ofensa, em que o

    requerente deve expor os factos fundamentados que servem de base ao pedido

    da providncia, competindo-lhe igualmente indicar testemunhas e, sendo caso

    disso, requerer outros meios de prova; resulta dos n.s 1 a 4 do art. 879 que o

    requerente apresenta o requerimento inicial, juntamente com os meios de

    prova, seguindo-se o despacho liminar, que indefere de imediato a pretenso ou

    marca audincia.

    Causa de pedir: constituda pelo conjunto de factos integrantes da ofensa ou

    da ameaa de ofensa personalidade do lesado;

  • 26

    O processo especial da tutela da personalidade

    Pedido: a providncia concreta adequada a impedir a ameaa ou atenuar os

    efeitos da ofensa, caso esta j se tenha verificado;

    Legitimidade activa: cabe ao lesado requerer a providncia adequada ao caso

    (art. 70, n. 2, do CC).

    Por exemplo, gozam de legitimidade para requerer as providncias adequadas

    no mbito do processo especial dos arts. 878 e 879 do CPC (arts. 1474 e

    1475 do antigo CPC), visando a tutela da personalidade, da imagem, do bom

    nome e da correspondncia confidencial, relativamente a um filho j falecido, os

    seus pais, ao abrigo do n. 2 do art. 71 do CC, onde sero requeridas as

    apontadas providncias contra o autor da ameaa ou da ofensa aos direitos de

    personalidade em causa3. Com efeito, cessando a personalidade jurdica com a

    morte (art. 68, n. 1, do CC), ou cessando com esta a aptido da pessoa para

    ser sujeito de relaes jurdicas, subsiste ainda a tutela da personalidade do

    defunto, a se compreendendo o direito honra, bom nome e reputao, tutela

    essa a ser exercitada pelas pessoas indicadas no citado art. 71 do CC.

    Legitimidade passiva: na vigncia do art. 1474. do antigo CPC, o pedido tinha

    de ser formulado contra o autor da ameaa ou ofensa, o que levantava

    algumas dificuldades ao limitar a legitimidade processual passiva ao autor da

    ofensa, ao que pretende usar o nome repetido e ao detentor das cartas missivas

    confidenciais, podendo ocorrer a necessidade de requerer providncias contra

    quem no seja o autor da leso.

    Por exemplo, algum desconhecido faz um graffiti, ofensivo da honra de certa

    pessoa, numa parede exterior de um edifcio, a que s possvel aceder se o

    proprietrio prestar a devida colaborao, e que o lesado pretende que seja

    eliminado. Se o lesado dirigir o requerimento inicial contra desconhecidos e a

    providncia vier a ser decretada, contra desconhecidos, o lesado no ir retirar

    da mesma qualquer efeito prtico.

    A providncia para remoo do graffiti ofensivo seria eficaz se fosse demandado

    o proprietrio do imvel. Mas, como este no foi o autor da pintura ou inscrio

    ofensiva, pode vir arguir, na oposio, a sua ilegitimidade passiva.

    3 Neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, Almedina, Coimbra, 2006, pgs. 104 e

    seguintes.

  • 27

    O processo especial da tutela da personalidade

    Era defensvel que o lesado poderia intentar providncia contra o proprietrio

    do imvel, no caso de previamente lhe pedir o acesso ao imvel para remoo

    da pintura ofensiva e este no autorizar o acesso. Nesta situao, o proprietrio

    do imvel tornava-se o autor da leso: o impedimento de acesso ao prdio para

    remoo do graffiti da autoria de desconhecidos.

    A resposta ao problema resultava do confronto da redaco do art. 1474 do

    antigo CPC que, como se referiu, parece limitar a legitimidade passiva do autor

    da ameaa ou ofensa, com a que consta do n. 2 do art. 70 do CC, segundo o

    qual, aquele cuja personalidade for lesada ou ameaada de leso pode

    requerer as providncias adequadas ao caso, que apresenta um sentido mais

    amplo que a regra processual supra referida.

    O nico limite que o art. 70, n. 2, do CC, parece estabelecer o da adequao

    s circunstncias do caso, pois, se for adequado s circunstncias que a

    providncia seja requerida e decretada contra quem no for o autor da leso ou

    da ameaa, mas antes contra quem estiver no domnio da soluo, o n. 2 do

    art. 70 do CC no impede que seja requerida e decretada.

    Assim, o n. 1 do art. 1474 do CPC, confrontado com o n. 2 do art. 70 do CC,

    no impede o decretamento de providncias de tutela da personalidade contra

    o terceiro inocente, sempre que tal seja necessrio para assegurar a adequao

    e eficincia da providncia.

    Face redao do art. 878. do atual CPC, resulta agora clara e inequvoca essa

    possibilidade4.

    Cumulao de pedidos:

    As providncias preventivas e atenuantes de violaes de personalidade,

    previstas no art. 70, n. 2, do CC e nos arts. 878 e 879 do CPC (arts. 1474 e

    1475 do antigo CPC) distinguem-se da obrigao de indemnizar no mbito da

    responsabilidade civil.

    4 Mas nos casos em que tenha de decretar uma providncia contra um terceiro inocente, o tribunal dever

    decidir de modo a isent-lo de todos os custos envolvidos e faz-los recair sobre o requerente. A

    desvinculao de critrios de legalidade estrita que ao juiz era concedida pelo art. 1410 do antigo CPC

    assim o permitia, conforme referido por Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., pgs. 134-135.

  • 28

    O processo especial da tutela da personalidade

    Certo que a lei permite a cumulao substantiva, entre o pedido de providncias

    e o de condenao por responsabilidade civil; porm, a cumulao processual

    fica, em regra, vedada pela diferena de formas de processo.

    que, s providncias corresponde o processo especial dos arts. 878 e 879 do

    CPC (arts. 1474 e 1475 do antigo CPC), ao passo que, s aes destinadas a

    declarar e a efetivar a responsabilidade por violao dos direitos de

    personalidade, corresponde, de acordo com o art. 546, n. 2, do CPC

    (correspondente ao art. 460, n. 2, do antigo CPC), o processo comum civil.

    Deste modo, no se mostra vivel a sua cumulao processual numa nica ao,

    j que o processamento das providncias de tutela da personalidade mais

    simples e mais rpido do que o da ao comum de condenao.5

    A inadequao formal poder, em determinadas circunstncias, considerar-se

    atenuada, por aplicao do princpio da adequao formal, permitindo a

    cumulao quando a apreciao conjunta das pretenses seja indispensvel

    para a justa composio do litgio, como decorre do disposto no art. 36, n.s 2

    e 3, do CPC (art. 30, n.s 2 e 3, do antigo CPC), ex vi, art. 555 do CPC (art. 470,

    n. 1, do antigo CPC).

    Valor da Causa: ao abrigo do disposto no n. 1 do art. 303 do CPC (art. 312 do

    antigo CPC), as aes sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor

    equivalente alada da Relao e mais 0,01.

    2. Depois de citado para contestar, o requerido dever, caso queira opor-se ao

    decretamento da providncia requerida, apresentar, na prpria audincia,

    contestao, na forma articulada, na qual expor as razes de facto e de direito

    por que se ope pretenso do requerente, devendo, igualmente, oferecer o

    rol de testemunhas e, sendo caso disso, requerer outros meios de prova.

    Note-se, porm, que, salvo quando ocorra uma situao de leso iminente e

    irreversvel da personalidade fsica ou moral, o tribunal deve ter o cuidado de

    no marcar a audincia para uma data muito prxima apresentao da

    petio. necessrio que o exerccio do contraditrio seja exercido de uma

    forma eficaz. Deve, assim, no caso, a audincia ser marcada, no mnimo, para

    uma data no inferior a 20 dias, a contar da citao do demandado,

    5 Assim Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, ob. cit., p. 136.

  • 29

    O processo especial da tutela da personalidade

    semelhana do que se dispe expressamente no n. 6 do 879 ou, em

    alternativa, at por razes de coerncia, aplicar os 20 dias previstos no n. 6,

    evitando que este contraditrio se torne meramente formal6.

    3. No h lugar a mais articulados, sendo certo que o art. 879, n. 3, do CPC,

    determina que se faltar alguma das partes ou no for possvel concili-las,

    segue-se a produo de prova.

    Rol de testemunhas: podem as partes, depois de apresentarem o rol de

    testemunhas, alter-lo ou adit-lo?

    O processo especial em causa nada nos diz quanto a este ponto. Porm, como

    estamos no domnio dum processo especial, para alm das normas prprias,

    so-lhe aplicveis as regras gerais e comuns a qualquer processo e, no que no

    estiver previsto em nenhuma das normas anteriores, observar-se- o que estiver

    previsto em nenhuma das normas anteriores, observar-se- o que estiver

    estabelecido no processo comum art. 549 do CPC (art. 463 do antigo CPC).

    Assim, e porque o julgador no tem que se limitar apenas prova indicada pelas

    partes, pode, ao abrigo do princpio do inquisitrio, ouvir outras testemunhas

    ou realizar vrias diligncias probatrias, desde que as considere necessrias

    para encontrar a melhor deciso para o caso concreto;

    Juno de documentos: admissvel a juno de documentos em audincia?

    Do que se referiu, resulta que no dever o julgador desperdiar qualquer

    oportunidade no sentido da descoberta da verdade, incluindo a que possa

    resultar da juno de determinado documento (art. 423. do CPC).

    Perante uma juno de documentos requerida em audincia, fazendo-se um

    adequado uso do princpio do inquisitrio supra referido, s sero admitidas as

    provas que o juiz considere necessrias.

    Admisso do depoimento de parte: admissvel o depoimento de parte (arts.

    452 e ss do CPC, correspondente ao art. 552 do antigo CPC; e, 352 e ss. do

    CC) no mbito do processo de tutela da personalidade previsto nos arts. 878 e

    879 do CPC (arts. 1474 e 1475 do antigo CPC)?

    6 Assim Rita Cruz, Algumas notas Proposta de alterao do processo especial de tutela urgente da

    personalidade, Revista do Ministrio Pblico, Cadernos II, 2012.

  • 30

    O processo especial da tutela da personalidade

    Nestas aces especiais, onde domina a procura da justia material sobre a

    justia formal, cabe ao juiz admitir ou recusar a audio das partes,

    inclusivamente por sua iniciativa, para o apuramento da verdade e para uma

    deciso justa, ainda que se trate de um depoimento de parte sobre factos que

    no lhe sejam desfavorveis e que nenhum efeito relevante se possa retirar,

    para alm de um eventual esclarecimento suplementar dos factos.

    Assim, para alm das normas processuais que regulam a admissibilidade do

    depoimento de parte, as regras substantivas que regem a eficcia das provas,

    no podemos esquecer que a audio das partes pode sempre ocorrer por

    vontade do tribunal, ao abrigo do art. 7., n. 2, do CPC.

    4. Aps a produo de prova, segue-se a sentena sucintamente fundamentada

    quanto aos limites da fundamentao sucinta da sentena, concorda-se que a

    fundamentao sucinta da deciso definitiva (e provisria) requer a

    argumentao necessria e suficiente para tornar compreensvel a resoluo

    factual e jurdica do conflito, devendo o juiz adequar a necessidade de

    fundamentao, mais ou menos extensa, singularidade de cada caso7.

    De salientar que uma grande vantagem na utilizao deste processo consiste na

    possibilidade de deciso provisria, conforme resulta do n. 5 do art. 879 do

    CPC, com prvia ou subsequente audio do requerido nos termos previstos no

    n. 6 do mesmo artigo.

    O juiz pode tomar uma deciso provisria e irrecorrvel, verificados os seguintes

    requisitos: (i) o requerimento inicial permita reconhecer a possibilidade de leso

    iminente e irreversvel dos direitos de personalidade ou (ii) o tribunal,

    produzidas as provas, no consiga formar uma convico segura sobre a

    existncia, extenso ou intensidade da ameaa ou da consumao da ofensa.

    Esta deciso provisria pode ser posteriormente alterada ou confirmada no

    prprio processo; a provisoriedade da providncia de tutela urgente da

    personalidade prende-se com o facto de o juiz, aps a produo de prova, no

    ter formado convico segura inclusive sobre a existncia da prpria ameaa ou

    ofensa.

    7 Assim Ana Catarina Fialho, Do Processo Especial de Tutela da Personalidade no Projecto de Reforma do

    Cdigo de Processo Civil, Verbo Jurdico.

  • 31

    O processo especial da tutela da personalidade

    Assim, no que se refere audio do demandado, props-se uma tramitao

    bipartida: 1) tendencialmente urgente (n.s 1 a 3), e, 2) com especial urgncia

    (n. 5).

    A norma do n. 6 visa acautelar aquelas situaes de especial urgncia atenta

    a possibilidade reconhecida de leso iminente e irreversvel no possvel, ou

    no se mostra aconselhvel ouvir o demandado antes do tribunal decidir.

    Nesses casos, o tribunal no pode logo formar uma convico segura sobre os

    contornos ou as singularidades da leso ameaada ou consumada quanto sua

    existncia, extenso e intensidade. Se o tribunal proferir uma deciso provisria,

    esta ser sujeita a posterior confirmao ou alterao nos prprios autos.

    Esta deciso no deve ser suscetvel de recurso. Com efeito, uma vez que se

    trata de uma deciso provisria suscetvel de alterao ou de confirmao fora

    do esquema dos procedimentos cautelares, julga-se que, do ponto de vista da

    economia processual, a faculdade de impugnao far mais sentido se o objeto

    do recurso for a deciso final da 1 instncia que tenha confirmado ou revogado

    a deciso provisria.

    5. Recurso das decises: os recursos devem ser processados como urgentes (art.

    880. do CPC).

    No se prevendo expressamente a natureza de processo urgente tramitao

    em 1 instncia da providncia especial de tutela do direito de personalidade,

    pergunta-se se o prazo para a interposio de recurso deve ser o prazo geral de

    trinta dias ou o prazo especial para os processos urgentes de 15 dias (art. 638,

    n. 1, do CPC).

    A disposio normativa em causa afirma que os recursos interpostos pelas

    partes devem ser processados como urgentes (art. 880 do CPC) o que poderia

    dar a ideia de que o processamento como urgente se aplica apenas fase de

    recurso, ou seja, a partir do momento em que interposto o requerimento

    manifestando a inteno de recorrer da deciso (art. 637, n. 1, do CPC, que

    corresponde ao art. 684-B, n. 1, do antigo CPC).

    No parece que deva ser esse o entendimento, j que o fundamento da norma

    no se destina a conferir natureza urgente ao processamento do recurso mas a

    evidenciar a continuidade de um procedimento que, na realidade, deve ser

    considerado urgente desde o incio. Assim, s far sentido considerar efetiva e

  • 32

    O processo especial da tutela da personalidade

    til a previso de natureza urgente dos recursos no mbito da providncia de

    tutela do direito de personalidade se for entendido que a simplificao do

    procedimento justifica igualmente uma tramitao urgente na 1 instncia

    imediatamente, o que dever ter consequncias no apenas ao nvel da prtica

    dos atos pelos magistrados e pela secretaria mas tambm pelas partes e

    respetivos advogados, designadamente quando esteja em causa o prprio

    cmputo dos prazos ou a sua contagem.

    6. Execuo das providncias: quanto ao modo de execuo das providncias

    preventivas ou atenuantes de violaes da personalidade, sero de aplicar as

    normas anlogas constantes dos processos especiais ou dos procedimentos

    cautelares, uma vez que o processo especial de tutela da personalidade tem

    caractersticas prprias, determinadas por objectivos de celeridade e

    simplicidade formal.

    Como tal, considera-se no serem aplicveis as formas comuns de processo de

    execuo devendo as providncias de personalidade ser imediata e

    oficiosamente executadas nos prprios, sem necessidade de requerimento

    executivo para instaurao de ao executiva ou outros articulados8.

    3. Notas finais

    As principais alteraes introduzidas pela Lei n. 41/2013, de 26 de Junho, podem ser

    resumidas da seguinte forma:

    1. So condensados os pressupostos do pedido numa nica previso normativa;

    2. enquadrado como processo especial, com uma tramitao processual clere e

    simplificada da providncia semelhante a outras providncias com a mesma natureza

    (requerimento inicial com as provas, designao de julgamento, audincia com

    apresentao de contestao, tentativa de conciliao e produo de prova, e

    sentena sucintamente fundamentada);

    3. Estabelece-se a obrigatoriedade de o tribunal determinar o comportamento

    concreto para evitar, atenuar ou fazer cessar a ameaa ao direito de personalidade,

    bem como o prazo para o cumprimento desse comportamento, com a determinao

    de eventual sano pecuniria compulsria;

    8 Neste sentido, embora no regime de pretrito, Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral de

    Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 482.

  • 33

    O processo especial da tutela da personalidade

    4. Restringe-se a legitimidade passiva s pessoas singulares;

    5. Clarifica-se a legitimidade passiva por forma a abranger o terceiro inocente;

    6. prevista a possibilidade de uma deciso provisria, irrecorrvel e sujeita a

    posterior alterao ou confirmao, de acordo com certos pressupostos, preterindo-se

    a prvia audio da parte contrria que a poder posteriormente impugnar;

    7. estabelecida a natureza urgente dos recursos e um procedimento

    simplificado de execuo, o qual deve incluir a liquidao da sano pecuniria

    compulsria.

    Bibliografia

    ANDRADE, Manuel Augusto Domingues de, Noes Elementares de Processo Civil, Coimbra

    Editora, reimpresso, 1993;

    CRUZ, Rita, Algumas notas Proposta de alterao do processo especial de tutela urgente

    da personalidade, Revista do Ministrio Pblico, Cadernos II, 2012;

    GALANTE, Ftima, Da tutela da personalidade, do nome e da correspondncia confidencial,

    Dos Processos Especiais, Quid Juris, 2010;

    MARQUES, Joo Paulo Remdio, Alguns Aspectos Processuais da Tutela da Personalidade

    Humana na Reviso do Processo Civil de 2012, Coimbra, 2012;

    SOUSA, Rabindranath Capelo de, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, Coimbra

    Editora, 1995;

    VARELA, Antunes/BEZERRA, J. Miguel Bezerra/NORA, Sampaio e, Manual de Processo Civil,

    2 edio revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985;

    VASCONCELOS, Pedro Pais de, Direito de Personalidade, Almedina, Coimbra, 2006.

    Sites consultados

    www.dgsi.pt;

    www.verbojuridico.com (Ana Catarina Fialho, Do Processo Especial de Tutela da

    Personalidade no Projecto de Reforma do Cdigo de Processo Civil).

  • Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no

    mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    [Margarida Quental]

  • 37

    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    No que aco executiva diz respeito, a reforma do CPC , poder-se- dizer, transversal,

    tocando quase todos os momentos processuais da aco executiva.

    Assiste-se, desde logo, deslocao do elenco dos ttulos executivos para a parte final

    do CPC, passando a abrir o LIVRO IV relativo ao processo de execuo.

    Mas em matria de aco a executiva, a reforma vai muito mais alm da simples

    renumerao e da arrumao (mais lgica) dos ttulos executivos, assistindo-se alterao das

    formas do processo executivo e a mudanas cirrgicas, mas significativas, em cada uma das

    fases processuais.

    Em matria de oposio execuo, penhora, pagamento e extino da instncia

    deparamo-nos, no NCPC, com pequenas alteraes que visam, por um lado, responder ao

    nmero elevado de pendncias e, por outro, proceder a uma maior agilizao e eficincia da

    execuo tendo sempre em vista o seu escopo final: o pagamento ao credor do seu crdito.

    O objectivo deste trabalho no , de todo, proceder a uma enunciao exaustiva de

    todos os pontos tocados pela reforma do CPC, mas passar antes por um primeiro olhar sobre

    as alteraes da dmarche processual executiva, qui, chamando a ateno para as questes

    com que mais frequentemente nos fomos deparando na vida prtica e que, por esse motivo,

    temos como adquiridas.

    Atentemos, ento, em algumas dessas alteraes:

    A. Oposio execuo

    1. Retoma da figura dos embargos de executado na oposio execuo

    Em matria de oposio execuo, a primeira grande mudana consiste no retomar

    da designao oposio mediante embargos, abolida na reviso de 2003, tal como disposto

    no artigo 728. NCPC (correspondente ao artigo 813. CPC).

    Apesar da mudana de designao, a tramitao da oposio execuo mediante

    embargos mantm-se a mesma, excepto no que suspenso automtica da execuo diz

    respeito.

    2. Retoma da figura dos embargos de executado na oposio execuo

    Passa, assim, a dispor o artigo 733., n. 1, alnea a) NCPC que o recebimento dos

    embargos s suspende o prosseguimento da execuo se o embargante prestar cauo (ou

    nos casos das alneas b) e c) se o juiz considerar que se justifica a suspenso sem a prestao

    de cauo).

  • 38

    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    , pois, afastada a suspenso automtica da execuo por mero efeito do recebimento

    dos embargos, tal como previsto para a oposio execuo no artigo 818., n. 2 CPC nos

    casos em que no houve lugar citao prvia.

    Ainda quanto suspenso da execuo, note-se que no n. 5 do artigo 733. NCPC

    encontramos mais uma concretizao do dever do juiz de tutelar o direito habitao do

    executado quando dispe que quando o bem penhorado for a casa de habitao efectiva do

    executado, o juiz pode determinar, a requerimento do executado, que a venda aguarde a

    deciso a proferir em 1. instncia sobre a oposio, quando a venda seja susceptvel de causar

    prejuzo grave e dificilmente reparvel.

    3. Alterao dos fundamentos de oposio execuo

    Em primeiro lugar, uma breve nota, no que respeita aos fundamentos de oposio

    execuo baseada em sentena: o legislador introduziu na nova alnea h) do artigo 729.

    NCPC, um novo fundamento.

    Assim, quando detenha um contracrdito sobre o exequente e tenha em vista obter a

    compensao de crditos, o executado poder aleg-lo em sede de embargos oposio. O

    sucesso ou insucesso da oposio estar naturalmente dependente da verificao dos

    requisitos previstos no n. 1 do artigo 847. CC.

    Em segundo lugar, importa que nos detenhamos com mais ateno sobre os

    fundamentos de oposio execuo baseada em requerimento de injuno a que tenha sido

    aposta frmula executria.

    Sabemos que a execuo com base em injuno a que tenha sido aposta frmula

    executria segue a forma sumria de execuo, de acordo com o disposto no artigo 550., n.

    2 alnea b) NCPC.

    Assim, em princpio, em sede de oposio execuo com base em injuno a que

    tenha sido aposta frmula executria, apenas podero ser alegados os fundamentos de

    embargos previstos para a sentena no artigo 729. NCPC. este tambm o regime estatudo

    no actual artigo 814., n. 2 CPC.

    Todavia, numa tentativa de dar resposta questo de inconstitucionalidade suscitada

    nos acrdos do Tribunal Constitucional n. 658/2006, n. 283/2011, n. 437/2012, n.

    468/2012 e n. 529/201216 entendeu o legislador da reforma abrir, em casos excepcionais, a

    oposio execuo a outros fundamentos que no os plasmados no artigo 729. NCPC.

    16 Disponveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.

  • 39

    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    A questo cindiu a doutrina e a jurisprudncia, uns propugnando pela

    constitucionalidade do regime (mesmo em relao a ttulos formados antes da entrada em

    vigor do Decreto-Lei n. 226/2008), outros defendendo a sua inconstitucionalidade e a

    abertura ao executado de todos os meios de defesa admissveis em sede de processo

    declarativo.

    Vejamos, ainda que sumariamente, os argumentos esgrimidos nas duas teses que se

    contrapem nesta questo, para depois tentar perceber se a questo fica cabalmente

    resolvida pelo novo artigo 857. NCPC:

    A favor da inconstitucionalidade do n. 2 do artigo 814. CPC pronunciam-se, no

    sentido dos j citados acrdos do Tribunal Constitucional n. 658/2006, n. 283/2011, n.

    437/2012, n. 468/2012 e n. 529/2012, Lebre de Freitas17, Joo Vasconcelos Raposo e Lus

    Baptista Carvalho18, Remdio Marques19 e Amncio Ferreira20, assim como parte da

    jurisprudncia das Relaes (a ttulo de exemplo, vejam-se os acrdos da Relao de Lisboa

    de 06/12/2012 e da Relao do Porto de 21/03/201321).

    Sumariamente, esta corrente apoia-se nos seguintes fundamentos:

    A equiparao legal do requerimento de injuno a que foi aposta a frmula

    executria a uma sentena de condenao contende com as garantias de defesa do

    requerido porquanto:

    a) se omitem as necessrias advertncias aplicveis em qualquer processo judicial

    nomeadamente por no constar da notificao do requerimento de injuno que a

    falta de oposio determinar o acertamento definitivo da pretenso do

    requerente. A este propsito, pode ler-se no Acrdo do Tribunal Constitucional

    n. 529/2012 Perante o teor da notificao, o requerido fica ciente de que est

    sujeito a sofrer a execuo, mas no necessariamente de que o mbito da defesa

    contra a pretenso do exequente, se essa hiptese se concretizar, estar limitado

    pela precluso dos fundamentos que j pudesse opor-lhe no momento do

    requerimento de injuno. Para que exista um processo justo elemento

    essencial do chamamento do demandado a advertncia para as cominaes em

    que incorre se dele se desinteressar (cfr. artigo 235., n. 2, in fine do CPC);

    17 Cfr. A Ao Executiva Depois da Reforma, 4. edio, Coimbra, 2004, pgs. 64 e 182. 18 Cfr. Injunes e Aes de Cobrana, Quid Juris 2012, pgs. 178 a 180 19 Cfr. Curso de Processo Executivo Comum Face do Cdigo Revisto, Porto, 1998, pgs. 79 -80 e 153, nota

    379. 20 Cfr. Curso de Processo de Execuo, 6. edio, Coimbra, 2004, pgs. 39 -46 e 152 -153. 21 Disponveis em www.dgsi.pt.

  • 40

    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    b) se prescinde de qualquer juzo de adequao do montante da dvida aos factos

    em que ela se fundaria; e

    c) no se assegurarem as mesmas garantias no iter sequencial da notificao do

    requerimento de injuno ao requerido, mormente quando se trate de domiclio

    convencionado, caso em que a notificao feita por carta simples;

    A diminuio das garantias de defesa do requerido supra referidas consubstancia,

    assim, uma violao das exigncias decorrentes do princpio da igualdade de

    tratamento processuais conferidas ao requerido em processo de injuno por

    contraposio ao demandado em qualquer processo judicial.

    Sublinha ainda parte desta corrente que est igualmente em causa uma violao da

    reserva de juiz, j que so atribudos poderes quase automticos de composio

    definitiva do litgio a uma entidade administrativa, dado que o ttulo executivo se

    forma margem de qualquer interveno do juiz, estando vedada a sindicabilidade

    da aposio da frmula executria.

    Em suma, tendo presente, por um lado, que a aposio da frmula executria a um

    requerimento de injuno demonstra a aparncia do direito substancial do

    exequente, mas no uma sua existncia considerada certa, e, por outro lado, que a

    actividade do secretrio judicial no representa qualquer forma de composio de

    litgio ou de definio dos direitos de determinado credor de obrigao pecuniria,

    h que evitar a indefesa do executado, entendendo-se por indefesa a privao ou

    limitao do direito de defesa do executado que se ope execuo perante os

    rgos judiciais, junto dos quais se discutem questes que lhe dizem respeito

    (Acrdo do Tribunal Constitucional n. 658/2006).

    Por seu turno, a favor da constitucionalidade pronunciam-se Salvador da Costa22,

    Eduardo Paiva e Helena Cabrita23 e tantos outros acrdos das Relaes (a ttulo de exemplo

    vejam-se os recentes acrdos da Relao do Porto de 11/10/2012 e da Relao de Lisboa de

    28/02/201324) que se fundam nos seguintes argumentos:

    22

    23

    24

    Cfr. A Injuno e as Conexas Aco e Execuo, 6. Edio, 2008, pgs. 324-326.

    Cfr. O Processo Executivo e o Agente de Execuo, 2. Edio, pgina 117.

    Tambm disponveis em www.dgsi.pt.

  • 41

    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    Que a formao do ttulo executivo em sede de procedimento de oposio

    possibilita o exerccio do contraditrio com a deduo da oposio, sendo certo que

    quanto oportunidade de apresentao desta ltima rege o princpio da precluso;

    Que a notificao feita por meios e com as cautelas necessrias para assegurar o

    efectivo conhecimento do requerimento de injuno, dela constando a cominao

    que na falta de oposio ser aposta frmula executria, facultando-se ao

    requerente a possibilidade de intentar aco executiva;

    Que em sede de oposio injuno o requerido tem ao seu dispor todos os

    fundamentos de defesa;

    Que no se configura como decisiva a no jurisdicionalizao da aposio da

    frmula executria.

    Ora, face a esta querela que o legislador da reforma introduziu no artigo 857. NCPC

    dois nmeros que abrem as possibilidades de defesa do executado.

    Desta forma, dispe o n. 2 do artigo 857. NCPC que verificando-se justo

    impedimento deduo de oposio ao requerimento de injuno tempestivamente

    declarado secretaria nos termos do disposto no artigo 140. NCPC, podero ainda ser

    alegados factos extintivos ou modificativos da obrigao exequenda. O juiz receber os

    embargos se julgar verificado o impedimento.

    Estatui o n. 3 do mesmo preceito que independentemente de justo impedimento, o

    executado poder ainda deduzir oposio execuo com fundamento em i) questo de

    conhecimento oficioso que determine a improcedncia do requerimento de injuno, e ii) na

    ocorrncia evidente de excepes dilatrias de conhecimento oficioso no procedimento de

    injuno.

    Vejamos se dado um passo significativo na resposta questo da

    inconstitucionalidade ou se, ao invs, tudo fica na mesma e seremos confrontados, em cada

    oposio execuo com base em injuno, com a necessidade de decidir sobre

    constitucionalidade da norma.

    Ora, tal como se pode ler no parecer da Associao Sindical de Juzes Portugueses,25 o

    n. 2 visa dar injuno a vlvula de escape que qualquer processo declarativo tem (mas

    no mais). Exige-se a ocorrncia de justo impedimento e a sua declarao/participao

    imediata (e no apenas meses depois, j no processo executivo). Criando a obrigao de

    25 Disponvel em http://www.asjp.pt/2013/01/21/asjp-pareceres-sobre-o-cpc/.

  • 42

    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    declarar/participar o justo impedimento assim que ele cessar evitar que os devedores s se

    lembrem do regime como meio de obstar execuo.

    Esta reapreciao, em caso de justo impedimento, constitui uma aproximao s

    garantias do processo declarativo, o que obstar a que surjam dvidas quanto

    constitucionalidade da equiparao de base feita no n. 1.

    Por sua vez, o n. 3 permitir uma apreciao jurisdicional (apenas com base na

    anlise do requerimento injuntivo) nos exactos termos do artigo 3. do regime anexo ao

    Decreto-Lei n. 269/98, de 1 de Setembro (que por sua vez conduz criao de um ttulo com

    valor de sentena). A referncia improcedncia total ou parcial abre a possibilidade de

    considerao de normas imperativas de conhecimento oficioso que o juiz pudesse aplicar nos

    termos daquela norma.

    Isto , pretende-se que a um executado embargante, relevantemente revel no

    procedimento de injuno, seja assegurada a mesma posio jurdica de que gozaria na

    hiptese mais simples de formao de um ttulo com a natureza de sentena. Este reforo da

    sua posio permite evitar que a equiparao prevista no n. 1 do artigo comentado no

    passe no crivo da apreciao da sua conformidade Constituio: se a lei fundamental

    consente que a deciso de conferir fora executiva petio, proferida ao abrigo do art. 2. do

    regime anexo ao Decreto-Lei n. 269/98, de 1 de Setembro assente apenas no requerimento

    de injuno (transmutado em petio inicial) e na constatao da revelia do ru tenha a

    fora executiva de uma sentena por no ocorrerem excepes dilatrias , ento tambm

    dever permitir que o requerimento de injuno sobre o qual o juiz no se pronunciou antes da

    formao do ttulo por no ter sido remetido distribuio e por no haver revelia na fase

    declarativa , mas sobre o qual agora se pode pronunciar nos mesmos exactos termos, tenha

    tal fora.

    Resta saber se os argumentos avanados pelos acrdos do Tribunal Constitucional

    para declarar a inconstitucionalidade material do artigo 814. CPC esbarram face redaco

    do novo artigo 857. NCPC visto que:

    a aposio de frmula executria continuar a demonstrar uma mera aparncia de

    direito;

    a actividade do secretrio judicial continua a no representar uma forma de

    composio definitiva do litgio;

    e visto que no esto previstas, para j, alteraes na forma ou contedo da

    notificao do requerimento de injuno ao requerido

  • 43

    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    Todavia, e apesar das dvidas que se mantm no nosso esprito quanto posio que

    ser adoptada com base nesta nova redaco, no podemos deixar de notar que, face

    equiparao da formao de ttulo executivo com base em injuno a que foi aposta frmula

    executria formao do ttulo executivo com fora de sentena ao abrigo regime anexo ao

    Decreto-Lei n. 269/98, de 1 de Setembro, a tese da inconstitucionalidade material da norma

    sai enfraquecida.

    B. Penhora

    Tambm em sede de penhora o NCPC no traz mudanas significativas, antes

    consagrando alteraes cirrgicas que tiveram em vista, primordialmente a clarificao de

    determinados dvidas que se foram colocando na vigncia do CPC, e uma maior eficcia na

    realizao efectiva do valor dos bens objecto de penhora.

    4. Bens parcialmente impenhorveis

    Clarifica-se, no artigo 738., n. 1 NCPC (correspondente ao ainda vigente artigo 824.

    CPC), que a impenhorabilidade dos dois teros dos vencimentos ou salrios, prestaes

    peridicas ou prestaes de qualquer natureza que assegurem a sobrevivncia do executado,

    respeita parte lquida.

    5. Novas regras sobre comunicabilidade das dvidas entre cnjuges

    J quanto ao regime da comunicabilidade das dvidas entre cnjuges, houve uma clara

    opo do legislador no sentido de adequar o regime processual (adjectivo por natureza) ao

    regime substantivo.

    Assim, no NCPC assegura-se a comunicabilidade da dvida ao cnjuge do executado

    nos ttulos extrajudiciais apenas subscritos por um dos cnjuges, criando-se na prpria

    execuo um incidente declarativo, a fim de estender a eficcia do ttulo ao cnjuge do

    executado, com a suspenso da venda dos bens prprios do executado e dos bens comuns at

    deciso do incidente.

    So agora arrumadas em 3 artigos distintos (os artigos 740., 741. e 742. NCPC) trs

    situaes tambm elas distintas, que antes tinham tratamento unitrio no artigo 825. CPC:

    dvidas prprias e dvidas comuns, sendo a comunicabilidade destas alegada ou pelo

    exequente ou pelo prprio executado.

    Desta forma, e quanto s dvidas prprias, dispe o artigo 740., n. 1 NCPC que,

    quando forem penhorados bens comuns do casal, o cnjuge do executado citado para

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    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    requerer a separao de bens ou juntar certido comprovativa da pendncia de aco em

    que a separao j tenha sido requerida, sob pena de a execuo continuar quanto aos bens

    comuns. Neste caso, e apensado o requerimento de separao ou a referida certido, a

    execuo fica suspensa at partilha (artigo 740., n. 2 NCPC). Caso os bens no caibam ao

    executado, podero ser penhorados outros bens que lhe tenham cabido, mantendo-se a

    anterior penhora at nova apreenso cfr. artigo 825., n. 1 e 7 CPC.

    Quanto s dvidas comuns mas em que s existe ttulo contra um deles, passou a

    dispor o artigo 741., n. 1 NCPC que o exequente poder alegar fundadamente, tanto no

    requerimento executivo como em requerimento autnomo autuado por apenso at ao incio

    das diligncias para venda ou adjudicao, que a dvida, constante de ttulo diverso da

    sentena, comum. A execuo da dvida como prpria ou comum deixa, deste modo, de

    estar na disponibilidade do exequente.

    O cnjuge do executado ento citado para, no prazo de 20 dias, aceitar ou no a

    comunicabilidade da dvida, sendo que, se nada disser, ser a dvida considerada comum

    artigo 741., n. 2 NCPC.

    O cnjuge do executado poder impugnar a comunicabilidade da dvida em oposio

    execuo, em articulado prprio ou em oposio ao incidente suscitado pelo exequente

    (artigo 741., n. 3 NCPC).

    Se a dvida for considerada comum, a execuo prossegue tambm contra o cnjuge

    do executado, sendo que os bens prprios deste podem ser subsidiariamente penhorados

    (artigo 741., n. 5 NCPC). Se a dvida no for considerada comum e tiverem sido penhorados

    bens comuns, o cnjuge dever requerer a separao de bens ou juntar certido comprovativa

    de que j a requereu (artigo 741., n. 6 NCPC).

    Por fim, no caso de ser o executado a querer alegar a comunicabilidade da dvida,

    dispe o artigo 742., n. 1 NCPC que tendo sido penhorados bens prprios, pode o executado

    em oposio penhora alegar a comunicabilidade da dvida, especificando logo quais os bens

    comuns que podem ser penhorados. No caso de oposio pelo exequente ou impugnao

    pelo cnjuge, dever a questo ser resolvida pelo juiz no mbito do incidente de oposio

    penhora, suspendendo-se a venda dos bens prprios do executado.26

    26 As referncias feitas neste ponto tiveram por base a comunicao feita por Miguel Teixeira de Sousa

    intitulada A execuo das dvidas dos cnjuges: perspectivas de evoluo proferidas nas Jornadas do CEJ

    sobre a Reforma do Processo Civil.

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    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    6. Abandono da determinao legal de uma ordem de prioridade

    J no mbito da penhora propriamente dita, dispe o ainda vigente artigo 834. CPC

    que a penhora dever obedecer ordem estatuda no n. 1 do citado preceito (a saber: i)

    depsitos bancrios, ii) rendas, abonos, vencimentos e salrios, iii) ttulos e valores mobilirios,

    iv) bens mveis sujeitos a registo, v) quaisquer bens cujo valor pecunirio seja de fcil

    realizao) e assim , independentemente da ordem pela qual o exequente indicou bens

    penhora.

    Assumindo que esta uma matria que s casuisticamente pode ser decidida, dispe o

    correspondente artigo 751., n. 1 NCPC que a penhora dever comear pelos bens cujo valor

    seja de mais fcil realizao e se mostrem adequados ao montante do crdito do exequente.

    Ao mesmo tempo, estabelecido no n. 2 do artigo 751. NCPC que o agente de

    execuo (AE) dever respeitar as indicaes do exequente quanto aos bens que este

    pretende ver penhorados (salvo se violarem normas imperativas ou ofenderem o princpio da

    proporcionalidade da penhora).

    7. Penhora de depsitos bancrios

    A penhora de depsitos bancrios, segundo o disposto no artigo 861.-A, n. 1 CPC,

    feita preferencialmente por comunicao electrnica e mediante despacho judicial (que

    poder integrar-se no despacho liminar).

    Ora, no mbito do NCPC, abolida, no artigo 780., n. 1, a necessidade de despacho

    judicial. A penhora passa a ser efectuada por comunicao electrnica dirigida pelo agente de

    execuo s instituies legalmente autorizadas a receber depsitos nas quais o executado

    disponha de conta aberta.

    igualmente encurtado para dois dias teis (antes de 10 dias teis) o prazo para

    cumprimento do dever de informao ao agente de execuo quanto ao montante bloqueado,

    aos saldos existentes ou no existncia de conta ou saldo artigo 780., n. 8 NCPC.

    8. Possibilidade de imobilizao de veculo antes da penhora

    Nos termos do disposto no artigo 768., n. 2 NCPC, a penhora de veculo passa a

    poder ser precedida de imobilizao deste, atravs, designadamente da imposio de selos ou

    de imobilizadores. Note-se que nos termos do disposto no artigo 851. CPC, a imobilizao

    seguir-se-ia penhora.

    Por outro lado, e segundo o disposto na alnea b) do n. 3 do mesmo artigo 768.

    NCPC, a regra passa a ser a da sua remoo (ao contrrio do que sucede no CPC actual), salvo

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    Aco executiva para pagamento de quantia certa novidades da Reforma do Cdigo de Processo Civil (no mbito da oposio execuo, penhora, pagamento e extino da execuo)

    nos casos em que o agente de execuo entenda que esta desnecessria para a salvaguarda

    do bem ou manifestamente onerosa em relao ao crdito exequendo.

    9. Entrega ao exequente das quantias penhoradas ou a penhorar no caso de

    rendimentos peridicos

    No havendo oposio ou tendo sido esta julgada improcedente, descontadas as

    quantias devidas a ttulo de despesas de execuo e honorrios, dever o AE entregar as

    quantias directamente ao exequente j depositadas e adjudicar as quantias vincendas,

    notificando para o efeito a entidade pagadora (artigo 779., n.s 3 e 4 NCPC), no sendo

    admissvel a reteno indevida por parte de AE de quantias pagas na pendncia da execuo.

    C. Pagamento

    10. Prazo obrigatrio de 3 meses para diligncias de pagamento

    Dispe o novo artigo 796., n. 1 NCPC, correspondente ao ainda vigente artigo 873.

    CPC que as diligncias necessrias para a realizao de pagamento se efectuam

    obrigatoriamente no prazo de 3 meses a contar da penhora, independentemente do

    prosseguimento do apenso de verificao e graduao dos crditos.

    Esta alterao constitui uma novidade porquanto se estabelece um prazo peremptrio,

    antes inexistente, para o AE proceder s diligncias necessrias ao pagamento. Pretende-se,

    cremos, balizar no tempo a actuao do AE e assim agilizar a realizao do valor dos bens

    penhorados.

    11. Converso automtica da penhora em hipoteca ou penhor no caso de acordo de

    pagamento em prestaes

    No ainda vigente artigo 883.,