caderno diário a revolução francesa 1314

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1 A Revolução Francesa Por Raul Silva A 26 de Agosto de 1789, a Assembleia Constituinte terminou a redacção do texto jurídico a que chamou Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta declaração constituía uma espécie de preâmbulo para a futura Constituição e baseava-se nos princípios da filosofia iluminista e no articulado da Declaração dos Direitos dos vários Estados americanos. A liberdade individual foi, de facto, a ideia-base de todo o documento, que começa por afirmar que todos os homens nascem e permanecem iguais. A liberdade individual é, por consequência, um direito natural, inviolável e imprescritível, e manifesta-se pelo poder de fazer tudo o que não prejudique outrem. Inclui a liberdade de opinião e a liberdade de imprensa (Todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente), embora nada mencione sobre a liberdade de culto, de ensino, de domicílio ou de comércio e indústria. Os outros direitos naturais são, significativamente, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. A segunda ideia-base desta Declaração é a igualdade que é, segundo o artigo 1.º, um direito natural: os homens nascem iguais. O direito à igualdade implicava a igualdade perante a lei, perante a justiça (Tudo aquilo que não é proibido pela lei não pode impedido (…). Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão os casos determinados pela lei), perante a administração e perante o imposto. A aprovação desta Declaração significava, pois, a destruição da sociedade de ordens. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi um documento revolucionário que ultrapassou em muito os ideais iluministas e as declarações americanas. Os seus princípios fundamentais não se dirigiam unicamente aos franceses, e os seus preceitos eram aplicáveis a qualquer regime político e não apenas ao da França, em 1789. CADERNODIÁRIO EXTERNATO LUÍS DE CAMÕES N.º 4 http:// externatohistoria.blog spot.pt/ externatohistoria@gm ail.com 29 de Outubro de 2013

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A Revolução FrancesaPor Raul Silva

A 26 de Agosto de 1789, a Assembleia Constituinte terminou a redacção do texto jurídico a que chamou Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta declaração constituía uma espécie de preâmbulo para a futura Constituição e baseava-se nos princípios da filosofia iluminista e no articulado da Declaração dos Direitos dos vários Estados americanos.A liberdade individual foi, de facto, a ideia-base de todo o documento, que começa por afirmar que todos os homens nascem e permanecem iguais. A liberdade individual é, por consequência, um direito natural, inviolável e imprescritível, e manifesta-se pelo poder de fazer tudo o que não prejudique outrem. Inclui a liberdade de opinião e a liberdade de imprensa (Todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente), embora nada mencione sobre a liberdade de culto, de ensino, de domicílio ou de comércio e indústria. Os outros direitos naturais são, significativamente, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.A segunda ideia-base desta Declaração é a igualdade que é, segundo o artigo 1.º, um direito natural: os homens nascem iguais. O direito à igualdade implicava a igualdade perante a lei, perante a justiça (Tudo aquilo que não é proibido pela lei não pode impedido (…). Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão os casos determinados pela lei), perante a administração e perante o imposto. A aprovação desta Declaração significava, pois, a destruição da sociedade de ordens.A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi um documento revolucionário que ultrapassou em muito os ideais iluministas e as declarações americanas. Os seus princípios fundamentais não se dirigiam unicamente aos franceses, e os seus preceitos eram aplicáveis a qualquer regime político e não apenas ao da França, em 1789.

CADERNODIÁRIO

EXTERNATO LUÍS DE CAMÕES

N.º 4

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A nobreza rejeita a igualdade fiscal e social

“Declaramos que jamais consentiremos na dos direitos que caraterizaram até aqui a ordem da nobreza e que

recebemos dos nossos antepassados (...). Determinamos formalmente que o nosso deputado aos Estados Gerais deve opor-se a tudo o que possa limitar os direitos úteis ou honoríficos das nossas terras e entendemos

que não pode aceitar qualquer modificação, seja de que natureza for.”

Caderno de Queixas da nobreza de Montargis

1. Explique qual a posição da nobreza francesa.

As queixas do clero

“Temos nos campos muitos padres mal retribuídos; ninguém ignora que a maior parte vive na penúria. (...) Há muitas aldeias sem pároco e mesmo sem padre residente, por causa da dureza das grandes décimas que

expuseram os padres à indigência pessoal face ao testemunho da miséria dos seus povos. (...)Que se poderá desejar para remediar tantos males?

Que nos seja permitido indicar esse remédio. Sem querer alterar a caridade e a piedade dos nossos

fundadores, parece-nos encontrá-lo na riqueza das grandes abadias e nos grandes priorados, cujas receitas satisfazem o luxo de um só, quando, sendo repartidas com economia e sensatez, chegaria abundantemente

para os pastores mal retribuídos e para a classe ainda mais numerosa dos outros desprotegidos.”

Caderno de Queixas do clero de Bassigny, 1789

2. Avalie os argumentos do clero.

Os pedidos do Terceiro Estado

“Humildemente suplicamos a Vossa Majestade que ordene a supressão de todos os privilégios atribuídos a

todas as terras consideradas nobres (...) e que os impostos, sejam de que natureza forem (...) passem a ser

suportados indistintamente por todas as terras segundo o valor registado no cadastro. Considerando que este imposto apenas atinge as terras e que é justo que os capitalistas e fundiários

concorram para as necessidades do Estado, conforme a sua fortuna, pedimos ainda que Sua Majestade determine, na sua sabedoria, o regulamento que julgar necessário para (...) incluir na lista dos impostos (...) as

fortunas de todos os súbditos do rei.

Que conceda à província de Languedoc uma nova constituição e administração, composta por deputados das três ordens, livremente eleitos, para que sejam verdadeiramente representativos das ditas ordens e que o

Terceiro Estado tenha o mesmo número de representantes que as duas outras ordens juntas.”

Caderno de Queixas do Terceiro Estado da província de Uchau

3. Relacione as propostas do Terceiro Estado com os ideais iluministas.

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O agravamento da situação social

“Todas as coisas se unem para tornar crítico, em França, o período atual; a falta de pão é terrível; a todo o

momento se recebem da província notícia de amotinações e levantamentos; é necessário recorrer a tropas para conservar a paz nos mercados. Os preços citados são os que encontrei em Abbeville e Amiens: 5 soldos

a libra para o pão branco (...), que é o alimento dos pobres; estes preços são superiores aos seus rendimentos

e originaram uma grande miséria. (...)No dia do mercado vi o trigo ser vendido (...) com um piquete de dragões no meio da praça a fim de

impedir atos violentos. O povo discute com os padeiros, dizendo que os preços que eles pedem pelo pão são exagerados em relação aos do trigo; das injúrias passam às agressões; é o motim, e foge-se com o pão e o

trigo sem pagar.”

A. Young, Voyages en France, 1789-1848

4. Pronuncie-se sobre a crise económico-financeira que afectava a França?

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

“Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo pelos direitos do Homem são as únicas causas das infelicidades públicas e da corrupção dos governos, resolveram expor, numa declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem. […] Portanto, a Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

Artigo 1.º – Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. (…)Artigo 4.º – A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique outrem. (…)Artigo 6.º – A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de participar pessoalmente, ou através dos seus representantes, na sua formação. (…) Sendo todos os cidadãos iguais a seus olhos, têm igualmente acesso a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade, e sem outra distinção que nãos seja a das suas virtudes e talentos.Artigo 7.º – Nenhum homem pode ser acusado, preso ou detido, a não ser nos casos previstos pela lei (…).Artigo 9.º – Ninguém deverá ser perturbado pelas suas opiniões, mesmo religiosas. (…)Artigo 11.º – A livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; portanto, todo o homem deve poder falar, escrever, imprimir livremente. (…)Artigo 13.º  –  Para manter a força pública e para as despesas da Administração, é indispensável uma contribuição comum; deve ser repartida igualmente por todos os cidadãos, na razão das suas capacidades. (…)Artigo 15.º – A sociedade tem o direito de pedir contas a todos os agentes públicos pela sua administração. (…)Artigo 17.º – Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, a menos que seja de utilidade pública legalmente constatada e sob condição de justa e prévia indemnização.” 

Voilliard, Documents d’ Historie (1766-1850), A. Colin, Paris, 1964

5. Em que medida é o Antigo Regime atacado na sua estrutura social e política?

6. De que modo reflecte este documento a defesa da burguesia?

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Objetivo 1. Mostrar o anacronismo das estruturas sociais francesas nas vésperas da Revolução

A crise desta sociedade é determinada pelo antagonismo que opõe uma organização tradicional (fundada na hierarquia, na desigualdade, na existência das ordens, na defesa dos privilégios) e as novas aspirações das

classes em ascensão. De ano para ano, o desfasamento é acentuado pela deslocação da riqueza, que

empobrece a nobreza e enriquece a burguesia, e pela evolução dos espíritos, a contestação dos fundamentos jurídicos e intelectuais da ordem tradicional. O endurecimento dos privilegiados, a firmeza com que

defendem os seus lugares, contribuem para exacerbar os antagonismos, para transformar as tensões inerentes a qualquer sociedade em tensões propriamente revolucionárias, e tanto mais quanto mais o poder

real, até então o árbitro das competições de amor-próprio e das concorrências de interesses, já não está em

posição de as dirimir.

Objetivo 2. Analisar a crise económico-financeira

As causas financeiras da revolução têm a ver com o défice orçamental, que desempenhou seguramente um

papel nos acontecimentos, pois está na origem da convocação dos Estados Gerais. A situação cronicamente

deficitária das finanças devida à ausência de administração financeira, a que se juntava a impotência da monarquia para suprimir os privilégios. A situação era agravada pela guerra de independência da América,

que obriga a despesas consideráveis e implica o recurso ao empréstimo. Por outro lado, as causas económicas são mais importantes e mais duradouras e dizem respeito ao próprio regime da economia

francesa, isto é, ao modo de organização da produção da riqueza e da distribuição dos bens. Em 1789, a

economia francesa encontrava-se numa situação difícil e atribui-se frequentemente a responsabilidade da crise que ela atravessava à aplicação dos tratados de comércio e navegação assinados entre a França e os

jovens Estados Unidos, a Inglaterra. Os tratados e as consequências que se lhe atribuíam poderão ter contribuído para o nascimento de um estado de espírito revolucionário, já que o azedume dos produtores os

afastava de um regime que tão mal defendia a sua existência. A ameaça crónica da penúria faz da fome o

primeiro problema dos indivíduos e dos governos; a França vive na fobia da escassez, na recordação das fomes. Na verdade, em numerosos ramos de actividade, o trabalho não é livre, mas regulamentado, e só se

pode exercê-lo na condição de se pertencer a uma corporação. O progresso técnico, a multiplicação das invenções, a acumulação dos capitais, o nascimento de novas formas de indústria, a formação de uma classe

de negociantes, concorrem para tornar caduca esta organização.

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Objetivo 3. Explicar o fracasso das tentativas políticas de reforma

As causas políticas são talvez as mais determinantes de todas, pois a revolução vai atacar a própria forma do regime e a organização do poder. Convém, no entanto, dissipar um equívoco. Há uma interpretação da Revolução Francesa – que ainda frequentemente inspira os manuais escolares – que apresenta a revolução de 1789 como uma reacção liberal contra uma monarquia cujo jugo se teria tornado demasiado pesado, contra a autoridade e o absolutismo. Tem muito disto, sem dúvida, e a tomada da Bastilha é o símbolo do derrube do despotismo por um povo que quebra as grilhetas. Contudo, observando mais perto, para lá do simbolismo de acontecimentos espectaculares, acabamos por interrogar-nos se a monarquia não terá perecido mais por excesso de fraqueza do que de autoridade: por não ter conseguido impor aos privilegiados o respeito pelo interesse geral. Um poder mais forte, mais respeitado, teria talvez sabido prevenir uma crise revolucionária.A revolução começou por ser uma revolta dos privilegiados antes de ser a revolta do Terceiro Estado contra a sociedade privilegiada. Foram eles que deram o sinal de desobediência e abriram, à sua custa, a vida para o processo revolucionário. Se a monarquia tivesse sido mais forte, se tivesse disposto de meios ao nível das suas ambições, teria mantido os privilegiados na ordem e conseguido impor as reformas que lhe eram ditadas por uma bem entendida preocupação com a razão de Estado. O conluio que é patente nas vésperas da revolução entre o poder real e os privilegiados lançará a burguesia na oposição revolucionária.

Objetivo 4. Evidenciar o papel do Iluminismo no movimento revolucionário.

Os fatores de ordem intelectual e o movimento das ideias do século XVIII contribuíram muito para a génese da revolução. Na verdade, as teorias políticas não são apenas concebidas no silêncio dos gabinetes por pensadores isolados, mas alimentam também os movimentos de opinião. No entanto, entre o conteúdo original e a difusão, as teorias alteram-se. É assim que o que é retido dos escritos de Voltaire ou de Montesquieu está consideravelmente afastado do que estes escreveram ou pensaram. De facto, com os leitores de Montesquieu e Rosseau ou os assinantes da Encyclopédie não haveria com que fazer uma revolução: a Encyclopédie não teve mais de 4000 ou 5000 subscritos, menos do que as nossas revistas de interesse geral.Paralelamente aos escritos, existe também a virtude dos exemplos, o contributo dos precedentes e das experiências. O da revolução americana propõe uma solução alternativa a uma parte da opinião pública que deseja de forma confusa uma renovação profunda e para a qual as simples reformas já não se afiguram suficientes. É a conjugação de um conjunto de causas que origina o poder explosivo da revolução e nos impede de a tomarmos por um simples acidente.

Objetivo 5. Sublinhar o significado da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um documento de inspiração iluminista, fundamental, não só para a Revolução Francesa mas também para todos os movimentos revolucionários que esta inspirou, proclamava o fim da sociedade de ordens (Os homens nascem e são livres e iguais em direitos); a salvaguarda dos direitos naturais do homem (A liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão); a defesa da soberania popular contra o absolutismo (O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação); a proteção dos cidadãos pela lei (Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei); a tolerância religiosa (Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas); a liberdade de expressão (Todo o cidadão pode falar, escrever, imprimir livremente); a defesa da burguesia e do direito à propriedade privada (A propriedade é um direito inviolável e sagrado).Pela alteração profunda que este documento provocou nas estruturas sociais e políticas do Antigo Regime, podemos relacioná-lo com o início de um novo período: a Época Contemporânea.

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