caderno c: kiko mascarenhas - no registro da comédia

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Fábio Trindade DA AGÊNCIA ANHANGUERA [email protected] Na TV, ele encarna figuras extre- mamente cômicas e escracha- das, como o Galeão Cumbica na nova Escolinha do Professor Raimundo e o mordomo Go- mes na série Mister Brau, cuja segunda temporada é exibida na Globo às terças. Porém, no teatro, o ator Kiko Mascarenhas mostra não apenas seu lado dra- mático ao atuar como o perso- nagem-título da peça O Cama- reiro, como o excelente produ- tor que é. Afinal, foi ele o res- ponsável por colocar o texto em cartaz, sendo aclamado por crí- tica e público. Conseguiu ainda levar Tarcísio Meira para a peça depois de 20 anos longe dos pal- cos, o que rendeu ao veterano artista o troféu de melhor ator na 28ª edição do Prêmio Shell de Teatro, o mais importante da categoria. O Caderno C con- versou com o ator quando da temporada de O Camareiro em Campinas, em março. Confira a seguir a entrevista. Caderno C — Sua figura es- tá muito associada com a co- média, por causa da TV. As pes- soas estranham ao lhe ver no teatro em um drama denso e difícil como O Camareiro? Eu não sinto essa estranheza ou comparação entre trabalhos. Não consigo perceber. Elas em- barcam na peça. E o persona- gem tem humor também, só que um humor ácido, bem de- bochado. Como o público já tem esse meu registro, eu sinto que eles vêm muito fácil comi- go. Mas o personagem também tem uma boa dose de drama e isso faz com que talvez o públi- co se surpreenda também. Você acredita que as pes- soas precisam conhecer me- lhor os atores em vez de criar uma imagem e achar que é só isso? Acho que o público presti- giar o seu trabalho como ator na TV é incrível, a popularida- de que isso traz é algo realmen- te mágico. É encantador ver co- mo as pessoas se aproximam de você e te conhecem bem. Muitos me acompanham des- de o início mesmo, eles se sen- tem até um pouco íntimos. É clichê, mas você entra na casa da pessoa. Só que quando eu comecei na TV, eu já tinha dez anos de teatro. E é no teatro que acontece o encontro entre o ator e o espectador. Pela tele- visão é outro viés, outro encon- tro. No teatro a aproximação é outra, e para nós atores isso é o interessante. O que você sente ao ver um ator no teatro, e digo isso por mim, ao ver atores que admiro, é algo que você não sente nunca diante da TV. Mister Brau tem feito mui- to sucesso por ser uma comé- dia mais ácida. Como tem si- do fazer parte dela como o mordomo Gomes? Incrível, porque o elenco, Lázaro (Ra- mos), Taís (Araújo), Luiz Miranda, são todos ótimos. O Gomes vai conti- nuar fiel a Mi- chele (Taís), mesmo agora que ela vai seguir carrei- ra solo. Só que ele não vai ser mais tão formal, ele vem mais adap- tado a es- ses artis- tas tão li- berais e descon- traídos. Ele está menos desconfor- tável, pequenas mudanças já visíveis. Até dançar e cantar vou fazer este ano. O Tarcísio Meira não escondeu que ficou muito surpreso com o seu convite para O Camareiro. Por que o escolheu? Quando eu li o texto pela pri- meira vez, o (autor) Ronald Ha- rwood descreve o Sir em deta- lhes e esta descrição é o Tarcí- sio para mim. Um homem al- to, forte, imponente, com uma presença muito marcante, uma figura que o público reco- nhece como um grande ator. Então à medida que eu ia len- do, todas as leituras que fiz, so- zinho inclusive, você faz uma escalação na sua cabeça, e eu pensava nele o tempo todo. Ob- viamente pensei em outros no- mes, mas o Tarcísio era recor- rente, então conversei com o Ulysses Cruz, o diretor, e ele fa- lou para a gente convidar. A gente já parte do não, mas va- mos tentar. Para nossa surpre- sa e alegria, ele se apaixonou pelo personagem, porque ele é muito bom mesmo, muito bem construído, cheio de nuances, e deu certo. Depois disso, foi só escalar os de- mais atores, eu já estava apaixonado pelo Camarei- ro, e fomos construindo a peça. Trata-se de uma peça dos sonhos, pois tem um elenco enorme, excelen- te texto, ótimas críticas, com bom cenário, ou seja, é uma monta- gem cara, difícil de viajar, de conseguir patrocínio, entre ou- tras coisas? Eu não pensei muito nisso quando comecei a produzir. Estava tão determi- nado a contar essa história que não me atentei à dimen- são dela. Eu fui des- cobrir essa dimen- são, tanto do texto quanto da monta- gem, ao longo do pro- cesso, fomos vendo que a demanda seria muito maior do que eu sonharia. Não ideali- zei muita coisa antes, apenas vi que era um elenco grande, mas só isso. A coisa foi toman- do um vulto, um cami- nho inesperado, que tive- mos que captar mais que o esperado. É uma peça dos sonhos, mas porque o texto é dos sonhos. Ouvi de muitos colegas “eu quase montei essa peça”, então eu fico feliz de tê-la montado, porque talvez eu quase tivesse montado se eu parasse para pensar muito. Esse “quase montar” tem se tornado muito comum, não por falta de interesse em fazer teatro, mas pelas dificul- dades econômicas. Como vo- cê vê isso? Eu estava num momento de buscar alguma autonomia co- mo ator. Sempre aceito convi- tes para o teatro, nunca produ- zo. Mas eu queria uma autono- mia, queria poder ter meu pro- jeto, só não sabia qual era. Eu vinha procurando algo que va- lesse a pena, até por todas as di- ficuldades que isso acarretaria, e de repente me vi diante desse texto. Compramos os diretos de imediato e já comecei a pro- curar as parcerias, de criação, de produção. Em momento al- gum eu me questionei se deve- ria ou não fazer. Entendo as di- ficuldades, entendo as pessoas que desistem quando olham para essas barreiras. Muitos di- zem “tenho um texto ótimo, mas é com seis atores”. Esse “mas” complica. Porém, acho que tem que ter uma determi- nação e uma paixão que sejam além da visão de produção, por- que quando é para acontecer, vai acontecer. A nova Escolinha do Profes- sor Raimundo fez um sucesso absurdo. Como foi fazer par- te? Uma surpresa muito gran- de. Realmente a Globo preten- dia fazer uma homenagem, nós atores também fizemos dessa forma, homenagear de al- guma forma os personagens e os atores e comediantes que es- távamos defendendo ali, mas não esperávamos esse sucesso. As pessoas adoram e já se fala numa segunda temporada. Essa era a próxima pergun- ta... (risos) Eu não sei de nada, só ouvi dizer. Ouço bastante, confesso, mas particularmente não sei nada além de você. Va- mos ver o que acontece. Mui- tas vezes você não programa sua carreira. A Escolinha, por exemplo, eu jamais me imagi- nei estando ali. Me emocionei naquela sala de aula, quando o Bruno (Mazzeo) entrou vestido de Raimundo eu quase tive um treco, chorei de verdade. Nun- ca, nos meus sonhos mais sel- vagens, poderia imaginar que estaria dentro daquele cenário, vestido de Galeão Cumbica, com esse time incrível que foi reunido. Quero muito fazer de novo, não sei se vou fazer, mas seria muito bom. Vocês realmente sabiam só o seu texto na hora de gravar a Escolinha? Sim, a gente recebia só a nossa parte, e a grande dificul- dade era ficar assistindo meus colegas. Eu ficava ali, me diver- tindo, todo desarmado, com- pletamente despreparado, e de repente eles chamavam seu no- me. A gente fica sentado de pla- teia mesmo, um exercício su- per difícil. Eu assisti uns episó- dios e vi que a câmera várias ve- zes me flagrava completamen- te desmontado, vermelho, pas- sando mal de rir. No REGISTRO da COMÉDIA Ator produziu e atuou na peça O Camareiro , com Tarcísio Meira / ENTREVISTA / O ator Kiko Mascarenhas fala sobre o humor em seus personagens na TV e no teatro Kiko Mascarenhas vive o personagem Galeão Cumbica na nova Escolinha do Professor Raimundo e o mordomo Gomes na série Mister Brau, da Globo Divulgação Campinas QUINTA-FEIRA 21 / 04 / 2016 CORREIO POPULAR

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Fábio TrindadeDA AGÊNCIA ANHANGUERA

[email protected]

Na TV, ele encarna figuras extre-mamente cômicas e escracha-das, como o Galeão Cumbicana nova Escolinha do ProfessorRaimundo e o mordomo Go-mes na série Mister Brau, cujasegunda temporada é exibidana Globo às terças. Porém, noteatro, o ator Kiko Mascarenhasmostra não apenas seu lado dra-mático ao atuar como o perso-nagem-título da peça O Cama-reiro, como o excelente produ-tor que é. Afinal, foi ele o res-ponsável por colocar o texto emcartaz, sendo aclamado por crí-tica e público. Conseguiu aindalevar Tarcísio Meira para a peçadepois de 20 anos longe dos pal-cos, o que rendeu ao veteranoartista o troféu de melhor atorna 28ª edição do Prêmio Shellde Teatro, o mais importanteda categoria. O Caderno C con-versou com o ator quando datemporada de O Camareiro emCampinas, em março. Confira aseguir a entrevista.

Caderno C — Sua figura es-tá muito associada com a co-média, por causa da TV. As pes-soas estranham ao lhe ver noteatro em um drama denso edifícil como O Camareiro?

Eu não sinto essa estranhezaou comparação entre trabalhos.Não consigo perceber. Elas em-barcam na peça. E o persona-gem tem humor também, sóque um humor ácido, bem de-bochado. Como o público játem esse meu registro, eu sintoque eles vêm muito fácil comi-go. Mas o personagem tambémtem uma boa dose de drama eisso faz com que talvez o públi-co se surpreenda também.

Você acredita que as pes-soas precisam conhecer me-lhor os atores em vez de criaruma imagem e achar que é sóisso?

Acho que o público presti-giar o seu trabalho como atorna TV é incrível, a popularida-de que isso traz é algo realmen-te mágico. É encantador ver co-mo as pessoas se aproximam

de você e te conhecem bem.Muitos me acompanham des-de o início mesmo, eles se sen-tem até um pouco íntimos. Éclichê, mas você entra na casada pessoa. Só que quando eucomecei na TV, eu já tinha dezanos de teatro. E é no teatroque acontece o encontro entreo ator e o espectador. Pela tele-visão é outro viés, outro encon-tro. No teatro a aproximação éoutra, e para nós atores isso é ointeressante. O que você senteao ver um ator no teatro, e digoisso por mim, ao ver atores queadmiro, é algo que você nãosente nunca diante da TV.

Mister Brau tem feito mui-to sucesso por ser uma comé-dia mais ácida. Como tem si-do fazer parte dela como omordomo Gomes?

Incrível, porque oelenco, Lázaro (Ra-mos), Taís (Araújo),Luiz Miranda, sãotodos ótimos. OGomes vai conti-nuar fiel a Mi-chele (Taís),mesmo agoraque ela vaiseguir carrei-ra solo. Sóque ele nãovai ser maistão formal,ele vemmais adap-tado a es-ses artis-tas tão li-berais ed e s c o n -t r a í d o s .Ele estám e n o sdesconfor-tável, hápequenasmudançasjá visíveis. Atédançar e cantarvou fazer esteano.

O Tarcísio Meiranão escondeu que ficoumuito surpreso com o seuconvite para O Camareiro.Por que o escolheu?

Quando eu li o texto pela pri-meira vez, o (autor) Ronald Ha-rwood descreve o Sir em deta-lhes e esta descrição é o Tarcí-sio para mim. Um homem al-to, forte, imponente, com umapresença muito marcante,uma figura que o público reco-nhece como um grande ator.Então à medida que eu ia len-do, todas as leituras que fiz, so-zinho inclusive, você faz umaescalação na sua cabeça, e eupensava nele o tempo todo. Ob-viamente pensei em outros no-mes, mas o Tarcísio era recor-rente, então conversei com oUlysses Cruz, o diretor, e ele fa-lou para a gente convidar. Agente já parte do não, mas va-mos tentar. Para nossa surpre-sa e alegria, ele se apaixonoupelo personagem, porque ele émuito bom mesmo, muitobem construído, cheio denuances, e deu certo. Depoisdisso, foi só escalar os de-mais atores, eu já estavaapaixonado pelo Camarei-ro, e fomos construindo apeça.

Trata-se de uma peçados sonhos, pois tem umelenco enorme, excelen-te texto, ótimas críticas,com bom cenário, ouseja, é uma monta-gem cara, difícil deviajar, de conseguirpatrocínio, entre ou-tras coisas?

Eu não penseimuito nisso quandocomecei a produzir.Estava tão determi-nado a contar essahistória que nãome atentei à dimen-são dela. Eu fui des-cobrir essa dimen-são, tanto do textoquanto da monta-gem, ao longo do pro-cesso, fomos vendoque a demanda seriamuito maior do queeu sonharia. Não ideali-zei muita coisa antes,apenas vi que era umelenco grande, mas sóisso. A coisa foi toman-do um vulto, um cami-nho inesperado, que tive-mos que captar mais queo esperado. É uma peçados sonhos, mas porque o

texto é dos sonhos. Ouvi demuitos colegas “eu quase

montei essa peça”, então eufico feliz de tê-la montado,

porque talvez eu quase tivessemontado se eu parasse parapensar muito.

Esse “quase montar” temse tornado muito comum,não por falta de interesse emfazer teatro, mas pelas dificul-dades econômicas. Como vo-cê vê isso?

Eu estava num momento debuscar alguma autonomia co-mo ator. Sempre aceito convi-tes para o teatro, nunca produ-zo. Mas eu queria uma autono-mia, queria poder ter meu pro-jeto, só não sabia qual era. Euvinha procurando algo que va-lesse a pena, até por todas as di-ficuldades que isso acarretaria,e de repente me vi diante dessetexto. Compramos os diretosde imediato e já comecei a pro-curar as parcerias, de criação,de produção. Em momento al-gum eu me questionei se deve-ria ou não fazer. Entendo as di-ficuldades, entendo as pessoasque desistem quando olhampara essas barreiras. Muitos di-zem “tenho um texto ótimo,mas é com seis atores”. Esse“mas” complica. Porém, achoque tem que ter uma determi-nação e uma paixão que sejamalém da visão de produção, por-que quando é para acontecer,vai acontecer.

A nova Escolinha do Profes-sor Raimundo fez um sucessoabsurdo. Como foi fazer par-te?

Uma surpresa muito gran-de. Realmente a Globo preten-dia fazer uma homenagem,nós atores também fizemosdessa forma, homenagear de al-guma forma os personagens eos atores e comediantes que es-távamos defendendo ali, masnão esperávamos esse sucesso.As pessoas adoram e já se falanuma segunda temporada.

Essa era a próxima pergun-ta...

(risos) Eu não sei de nada,só ouvi dizer. Ouço bastante,confesso, mas particularmentenão sei nada além de você. Va-mos ver o que acontece. Mui-tas vezes você não programasua carreira. A Escolinha, porexemplo, eu jamais me imagi-nei estando ali. Me emocioneinaquela sala de aula, quando oBruno (Mazzeo) entrou vestidode Raimundo eu quase tive umtreco, chorei de verdade. Nun-ca, nos meus sonhos mais sel-vagens, poderia imaginar queestaria dentro daquele cenário,vestido de Galeão Cumbica,com esse time incrível que foireunido. Quero muito fazer denovo, não sei se vou fazer, masseria muito bom.

Vocês realmente sabiam sóo seu texto na hora de gravara Escolinha?

Sim, a gente recebia só anossa parte, e a grande dificul-dade era ficar assistindo meuscolegas. Eu ficava ali, me diver-tindo, todo desarmado, com-pletamente despreparado, e derepente eles chamavam seu no-me. A gente fica sentado de pla-teia mesmo, um exercício su-per difícil. Eu assisti uns episó-dios e vi que a câmera várias ve-zes me flagrava completamen-te desmontado, vermelho, pas-sando mal de rir.

No REGISTROda COMÉDIA

Ator produziu e atuouna peça O Camareiro,com Tarcísio Meira

/ ENTREVISTA /O ator KikoMascarenhas falasobre o humor emseus personagensna TV e no teatro

Kiko Mascarenhasvive o personagemGaleão Cumbica nanova Escolinha doProfessor Raimundo eo mordomo Gomes nasérie Mister Brau, daGlobo

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CampinasQUINTA-FEIRA 21 / 04 / 2016

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