caderno 9º encontro internacional da marcha mundial das mulheres

48

Upload: mariah-torres-aleixo

Post on 09-Nov-2015

4 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

...

TRANSCRIPT

  • 01

  • 02

    Expediente

    Cadernos Marcha Mundial das MulheresPublicao Marcha Mundial das Mulheres

    Secretria ExecutivaRua: Ministro Costa e Silva, 36 - Pinheiros05417-080 - So Paulo/SPTel/Fax: (11) 3819 - 3976Correio eletrnico: [email protected]: www.sof.org.br/marchaTwitter: @marchamulheresFacebook.com/marchamundialdasmulheresbrasil

    Textos:Marcha Mundial das Mulheres, Nalu Faria, Tica Moreno

    Diagramao: Jssika Martins Ribeiro

    Ilustrao da capa:Biba Rigo

    Julho de 2013

  • 03

    ndice

    Apresentao 04

    Perspectivas feministas para a igualdade e autonomia das mulheres 05

    O mundo no uma mercadoria! As mulheres tambm no! 17

    Carta das Mulheres para a Humanidade 23

    Plataforma brasileira da ao 2010 28

    Elementos para o debate e definio da 4 Ao Internacional da Marcha Mundial das Mulheres em 2015 34

  • 04

    Apresentao Entre os dias 25 e 31 de agosto de 2013, o Brasil sediar pela primeira vez um Encontro

    Internacional da Marcha Mundial das Mulheres. Este ser um momento importante para a Marcha porque iremos definir a prxima ao internacional de 2015 e tambm ser iniciada a transio do secretariado internacional da Marcha, que est no Brasil desde 2006. Alm das delegadas da Marcha de cerca de 50 pases, o Encontro ter a presena de um grande nmero de militantes da MMM do Brasil e da Amrica Latina, em um espao de intercmbio de prticas polticas e experincias de construo de alternativas, de formao e aprofundamento das nossas reflexes sobre temas constitutivos da nossa agenda poltica.

    O mote do Encontro Feminismo em marcha para mudar o mundo reflete a centrali-dade do da do debate, reflexo e propostas para avanar na construo do feminismo da marcha, enraizado nas lutas locais, em aliana com os movimentos sociais que compartilham conosco o objetivo de uma transformao estrutural na sociedade, que seja geradora de igualdade entre homens e mulheres. Este caderno de textos foi organizado para contribuir com a preparao da Marcha do Brasil para o Encontro. Combinamos documentos internacionais da Marcha com an-lises da Marcha brasileira.

    O primeiro texto Perspectivas feministas para a igualdade e autonomia das mulheres apresenta uma reflexo sobre os avanos e desafios da construo do feminismo anticapitalista. O texto seguinte O mundo no uma mercadoria! As mulheres tambm no! apresenta nosso debate feminista frente a uma das dimenses centrais da luta social hoje: o avano do capital sobre os territrios e a mercantilizao da vida e da natureza. Em seguida, apresentamos a Carta das Mulheres para a Humanidade e a Plataforma brasileira da ao 2010, que so importantes referncias na construo da MMM.

    Por fim, o documento internacional de contexto com Elementos para o debate e definio da 4 Ao Internacional da Marcha Mundial das Mulheres em 2015. Este documento atualiza a viso da Marcha sobre a conjuntura e a referncia para o debate poltico no Encontro Internacional e, em especial, para a definio da nossa prxima ao internacional.

  • 05

    Perspectivas feministas para igualdade e autonomia das mulheres1

    Introduo

    Na trajetria do feminismo, h um intenso debate sobre as explicaes tericas para a opresso das mulheres. Esse debate passou por vrias compreenses dos conceitos de patriarcado, gnero e diviso sexual do trabalho, no sentido de definir qual deles explica melhor essa relao de opresso e seu carter. Este texto no retoma todo este debate, mas busca abordar a coextensivida-de da opresso das mulheres com o capitalismo.

    Utilizaremos o termo patriarcado para nos referir a essa dominao. Em nossa trajetria militante na Marcha Mundial das Mulheres, recuperar o termo patriarcado contribuiu para a afirmao de um posicionamento poltico anti-sistmico, frente a pasteurizao e perda de radica-lidade na trajetria e utilizao do conceito de gnero. A utilizao do termo patriarcado no nos coloca em conflito com o conceito de diviso sexual do trabalho que, tal como Daniele Kergoat (1996), consideramos o que est em jogo na opresso das mulheres, nas relaes patriarcais.

    Capitalismo e patriarcado um s modelo?

    Entendemos que o capitalismo incorporou o patriarcado como estruturante das relaes sociais. Para isso, aprofundou a diviso sexual do trabalho, a partir da definio de uma esfera pblica como da produo mercantil e a esfera privada como no-mercantil, da famlia e da maternidade. Reforou o pblico como o espao da produo, da igualdade, da poltica e que pertence aos homens; s mulheres cabe o espao privado da reproduo, da intimidade, do cuidado. Para isso, foi construda a idia de que h harmonia e complementariedade nas relaes entre homens e mulheres. Isso tem como objetivo esconder as relaes de conflito e de poder dos homens sobre as mulheres na famlia e no conjunto da sociedade. Alm disso, aos homens foram designadas as atividades de maior valor agregado.

    Essa formulao permite abordar a relao entre produo e reproduo, explica a simultaneidade das mulheres nos trabalho produtivo e reprodutivo e sua explorao diferenciada no mundo produtivo e no trabalho assalariado. Dessa forma, os homens so considerados os provedores e as mulheres reprodutoras, do lar, chamadas comumente de inativas. Ao mesmo tempo em que isso confirma o no reconhecimento dessa enorme quantidade de trabalho domstico e de cuidados realizado pelas mulheres, esconde que o modelo homem-provedor na verdade um mito e que nenhuma sociedade pode prescindir do trabalho das mulheres no campo da produo.

    Nesse modelo houve uma reduo do conceito de trabalho limitado ao que ocorre na esfera mercantil (da produo), sem considerar como trabalho as atividades de reproduo e cuidado da vida humana portanto, estas so consideradas como uma externalidade do modelo econmico. Essa diviso esconde a dependncia masculina do trabalho invisvel e no

    1 Texto: Nalu Faria , atualizao do texto Feminismo e transformao social, publicado em 2012 pela SOF no Caderno Perspectivas Feministas para a igualdade e autonomia das mulheres.

  • 06

    reconhecido das mulheres e parte das falsas dicotomias criadas pela ideologia patriarcal. Essas falsas dicotomias se constituem como uma caracterizao do masculino e do feminino: produo--reproduo, cultura-natureza, objetivo-subjetivo, razo-emoo. So os valores e viso de mundo impostos pelo grupo dominante e, portanto, essas dicotomias no so neutras, mas hierrquicas (C. Carrasco, 2003).

    Uma grande parte do trabalho realizado pelas mulheres no reconhecido, seja no campo ou na cidade. Em uma famlia em que a mulher no assalariada, muito mais bens e servios so produzidos em casa. Quando se coloca que o lugar das mulheres em casa, no reconhecido seu direito autonomia econmica e sua insero no mercado de trabalho marcada pela desvaloriza-o e segregao em guetos definidos pela diviso sexual do trabalho. O fato que a desigualdade das mulheres estrutura o conjunto das relaes e prticas sociais e h uma coextensividade entre classe, raa e gnero, na medida em que estas relaes se reproduzem e co-produzem mutuamente.

    A presena das mulheres no trabalho assalariado ou no campo no alterou em nada a responsabilidade quase exclusiva pelo trabalho domstico e de cuidados. Para as mulheres a reali-zao deste trabalho se coloca como parte de sua identidade primria, uma vez que a maternidade considerada seu lugar principal. Essa identidade introjetada de forma profunda pelas mulheres e sua vivncia est marcada pela avaliao das funes maternas e valores associados: a docilidade, compreenso e a sabedoria nos cuidados. Na verdade esse discurso da boa me uma construo ideolgica para que as mulheres continuem fazendo o trabalho domstico.

    No campo, essa diviso sexual do trabalho tambm se estrutura entre o que realizado no mbito da casa e no roado (Miriam Nobre, 1996). Dessa forma, historicamente muitas das atividades produtivas realizadas pelas mulheres so consideradas uma extenso do trabalho domstico. Esto includas a a criao de pequenos animais, o cultivo de hortas, entre outras atividades. importante ressaltar que essa modalidade da diviso sexual do trabalho no campo est vinculada introduo da noo capitalista de trabalho, que justamente reduz trabalho ao que pode ser trocado no mercado.

    Muitas feministas falam de um patriarcado moderno, que recebeu uma contribuio fundamental dos filsofos iluministas, ao construir um discurso misgino de legitimao da desigualdade das mulheres que se estendeu para os campos da medicina, da moral e da polti-ca. A desigualdade das mulheres naturalizada e a subordinao das mulheres aos homens colocada como parte de uma essncia feminina. Esse discurso atribui isso maternidade e o papel natural das mulheres na criao da prole.

    Para isso, h uma imposio de um modelo de feminilidade socialmente constru-do que define como as mulheres devem se comportar e desenvolver sua personalidade e ha-bilidades para que estejam adequadas ao seu papel social de me e esposa. Ou seja, por detrs da naturalizao da opresso das mulheres houve a definio de um modelo de feminilidade considerado adequado ao ser mulher. Evidentemente, neste modelo h cortes de classe e raa/etnia, porm a docilidade, altrusmo, pacincia, flexibilidade, disponibilidade permanente para esposos e filhos, so traos comuns. Simultaneamente, h uma exigncia de que a mulher seja bela, agradvel e, cada vez mais, magra e jovem.

  • 07

    Famlia e sexualidade

    Uma estratgia fundamental para a consagrao dessas relaes no capitalismo foi o estabe-lecimento de um novo papel da famlia nuclear burguesa que se estendeu para o mundo operrio como o lugar de supremacia dos homens, ou seja, onde todos os homens so senhores, inclusive os da classe trabalhadora. Um dos elementos estruturadores desse modelo de famlia foi a imposio da heterossexualidade obrigatria, baseado na dupla moral em que para os homens incentivado mltiplas relaes sexuais diante de uma suposta sexualidade passiva das mulheres. Assim, foi imposto um modelo baseado na heteronormatividade, que normatiza e hierarquiza a sexualidade.

    uma sexualidade androcntrica (centrada na experincia masculina), que naturali-za as prticas sexuais como se fossem parte de uma essncia em que a sexualidade masculina baseada na virilidade e agressividade descontroladas, enquanto a vivncia das mulheres seria dcil e passiva. Esse discurso foi a base para a manuteno de uma moral que justifica e incentiva a prostituio e a aceitao das relaes promscuas para os homens e do castigo para as mulheres. Isso comum na histria dos nossos pases: homens com mais de uma famlia ou com um grande nmero de filhos bastardos, como se costumava definir.

    Hoje podemos falar de novas modalidades e prticas sexuais, que convivem com uma alta desresponsabilizao masculina frente paternidade, mas, no que se refere sexualidade, segue a hegemonia de um padro em que as mulheres so classificadas como santas ou profanas. As mulheres negras esto associadas ao profano, sexual e brutalmente erotizado, conceitos reforados pela mdia e grandes corporaes que perpetuam ideias sexistas e racistas dos idos do perodo colonial.

    Uma decorrncia das relaes de poder dos homens sobre as mulheres a violncia sexista, que um mecanismo de controle em que as mulheres so coisificadas como objetos de posse. Dessa forma, quando no se incorpora a anlise do patriarcado a uma viso crtica do capitalismo e como parte de um sistema opressor, no se enxerga a forma particular como a opresso e subor-dinao das mulheres foi estabelecida nesse modelo.

    O feminismo teve uma ao contundente de denncia dos traos androcntricos desse modelo e buscou construir novos marcos analticos para enfocar e resolver os problemas de outra forma. No entanto essa ainda uma questo pendente e faz com que, facilmente, nos espaos onde se discutem alternativas, o patriarcado continue invisibilizado, principalmente no que se refere ao trabalho domstico e de cuidados. Alm disso, permanecem as prticas sexistas no interior da classe trabalhadora e nas organizaes polticas de esquerda. Essa permanncia do machismo e de prticas patriarcais no interior da esquerda contribui para que, no movimento de mulheres, continue existindo uma tenso entre luta feminista e de classes.

    O modelo patriarcal e capitalista racista e colonial

    Se o patriarcado, o colonialismo, racismo e as classes sociais so anteriores ao capitalismo, tambm indiscutvel que a consolidao do capitalismo redefiniu essas relaes. um modelo que se organiza a partir da explorao da mais valia da fora de trabalho e incorpora de maneira

  • 08

    estruturante outras hierarquias e formas de opresso. Ou seja, para compreendermos as questes do patriarcado, do racismo necessitamos analisar como o capitalismo redefiniu essas relaes pr-ticas sociais.

    Aqui nos interessa ver como o patriarcado que bastante universal se entrelaou como ou-tras relaes de opresso como o caso de raa, classe e colonialismo. Nesse sentido a experincia da Amrica Latina e Caribe, bastante elucidadora. H a falsa ideia de democracia racial, algo que garante privilgios de uma pequena parcela em detrimento da maioria absoluta da populao. O racismo estruturante na sociedade capitalista e patriarcal e, no processo de histrico de constru-o da nao brasileira, o povo negro sempre esteve s margens da sociedade, colocado no centro de teorias higienistas que ainda prevalecem.

    O capitalismo que se tornou hegemnico em nossa sociedade. Aqui em nosso continente, se formou a partir do colonialismo que se utilizou de forma intensa as relaes patriarcais e o escravismo que deu as bases para o racismo. Isso significou enquanto modelo capitalista redefinir as representaes binrias sobre as mulheres e a feminilidade bastante marcadas pelos valores oci-dentais cristos e as figuras de Eva e Maria como os dois plos. Evidentemente entre dois plos h um leque de diversidade e matizes, principalmente no cruzamento com outras formas de opresso como de classe, do racismo e da sexualidade.

    As representaes so parte de um discurso que busca legitimar uma opresso e no necessariamente reflete a realidade das mulheres e muito menos de todas e que se transformam em mitos. Por exemplo, a ideia da fragilidade feminina e da proteo masculina. A que experincias reais se est referindo? Na verdade o capitalismo estabeleceu que a existncia de um modelo de feminilidade adequado que define o ideal de mulheres. Isso vinculado a um modelo de famlia e sexualidade, funcionais a organizao da diviso sexual do trabalho no marco da diviso entre produo e reproduo, estruturada pelo trabalho domstico e de cuidados na famlia, e pela se-parao e hierarquizao de trabalho de homens e trabalho de mulheres. Mas essa definio de um modelo adequado de feminilidade continua dizendo respeito a um plo, onde tudo que est fora considerado anormal e estigmatizado. Assim em relao a feminilidade, a sexualidade e a famlia.

    O modelo no abarca e nem para abarcar, mas hierarquiza e normatiza. Voltando a pro-teo e fragilidade: de quem? quando? No inicio do capitalismo quando as mulheres pobres da cidade foram incorporadas massivamente na fbricas, as do campo continuavam nas lavouras? As mulheres burguesas no tinham direitos sobre seus bens, totalmente dependentes dos maridos como seu amo e senhor, ameaadas pela violncia e sem direito legal a nada . As mulheres negras j trabalhavam de ganho para sustentar suas famlias e ainda hoje so maioria nas atividades informais e sem garantias sociais.

    E s podemos compreender o que realmente ocorreu com essas mudanas no capitalismo, em nvel mundial, se incorporamos a dimenso de raa e do colonialismo. Isso estruturante nas representaes do ser mulher, como adequadas ou desviadas em nossa histria e para refor-ar as hierarquias e divises entre as mulheres. A medida em que se avana no reconhecimento de alguns direitos para as mulheres nos marcos desse modelo hegemnico essas hierarquias se aprofundaram.

  • 09

    O resultado que em nossa sociedade o racismo estruturante do conjunto das relaes e organiza lugar social das mulheres negras, sendo estas as que esto em maior nmero cumprindo tarefas do cuidado e expostas precarizao de suas condies de vida e trabalho. O patriarcado racista e escravagista organiza uma hierarquia e desigualdade tambm entre os homens brancos e negros, mas isso no significa que a vivencia do racismo torna os homens negros igualitrios com as mulheres negras. As relaes patriarcais vividas pelas mulheres negras no so apenas exercidas pelos homens brancos e da classe dominante, mas sua opresso as coloca na base da pirmide so-cial e a materialidade da explorao recai sobre seus corpos e vidas.

    Os paradoxos da globalizao neoliberal

    inegvel que, a partir das lutas feministas, houve uma ampliao da identidade feminina para alm da maternidade. Alm disso, so parte das transformaes das ltimas dca-das a incorporao das mulheres de forma mais diversificada no mercado de trabalho, a ampliao do divrcio e mudanas nos padres de sexualidade em vrios pases, o reconhecimento como direitos de questes antes consideradas do mundo privado, como a questo da violncia sexista e a legalizao do aborto em muitos pases. Mas os dados em relao situao das mulheres trazem elementos complexos, seja em relao pobreza e ao desemprego, ao trfico e prostituio, res-ponsabilidade individual de manter suas famlias, assim como o aumento da contaminao pelo HIV, entre outros.

    Tal como ocorreu nas fbricas no fim do sculo XIX, no neoliberalismo as mulheres foram incorporadas massivamente aos setores da produo e de servios com pior remunerao e que estiveram marcados pela terceirizao e pela precarizao. Por outro lado, um pequeno contingen-te de mulheres com alta escolarizao foi incorporado em funes super-especializadas e executi-vas. Assim, essas mulheres passaram a ter, diretamente, interesses opostos aos daquelas que esto nos trabalhos precrios, mal remunerados e em tempo parcial.

    Entre os retrocessos trazidos pelo neoliberalismo, est a expanso da mercantilizao do corpo e da vida das mulheres, que tambm marcada pela dimenso de classe e raa. No mundo inteiro, foi sobre os ombros das mulheres que recaiu uma enorme sobrecarga de trabalho, com a diminuio das polticas sociais. Faz parte desse processo o que muitas estudiosas chamam de glo-balizao dos servios de cuidados, que se refere ao grande contingente de mulheres que migram dos pases do Sul para o Norte para trabalhar como empregadas domsticas e cuidadoras em geral.

    Outro lado da mercantilizao a imposio de um padro de beleza como norma a ser cumprida obrigatoriamente e que, supostamente, pode ser comprada no mercado. So vendidos centenas de produtos e tecnologias que prometem a eterna juventude e o corpo perfeito, ou seja, magro. Essa perspectiva de beleza est vinculada ao que pode ser consumido. Ao lado da indstria de cosmticos e da beleza, outro setor que aufere grandes lucros com o mal estar das mulheres a indstria de medicamentos. Esta tambm vende iluses de bem-estar e felicidade enquanto invade o corpo das mulheres e nega sua autonomia.

    Essa exigncia, assim como vrias outras mudanas sob o neoliberalismo, se ancorou na modernizao tecnolgica e na profunda mercantilizao dos processos da vida. O discurso que

  • 10

    as mulheres podem comprar esse padro de feminilidade usando toda uma parafernlia, que vai de cosmticos e ginstica a tratamentos estticos, botox, cirurgias plsticas. Tudo isso, recente-mente, prometido com mais eficincia com a utilizao da nanotecnologia.

    Com essa intensificao da mercantilizao, houve um forte incremento do trfico de mu-lheres e da prostituio, como parte da indstria do lazer e entretenimento. Nesse debate, mui-tas vezes a busca por liberdade e autonomia das mulheres utilizada como justificativa. Assim, retiram de cena a mfia que movimenta bilhes de dlares custa da explorao forada das mulheres. Na atualidade, tem sido mais exposta a tenso que as mulheres vivem com a presena simultnea nas esferas da produo e reproduo. A migrao das mulheres dos pases do Sul para o Norte tem um componente de soluo para essa tenso, uma vez que boa parte das migrantes vai trabalhar na casa de executivas europeias ou norte-americanas, realizando parte do trabalho domstico e de cuidados.

    A outra ponta da estratgia do mercado tem a ver com a tentativa das empresas transna-cionais de controlar a terra, o territrio e a biodiversidade. Esta estratgia se encontra, mais uma vez, com as mulheres, que historicamente tm um papel ativo na agricultura, na seleo e preser-vao das sementes, no conhecimento das plantas medicinais, na defesa da biodiversidade. Mas inegvel que profundas transformaes ocorreram no s com as mulheres escolarizadas, mas tambm com as mulheres das camadas mais pobres. Essas mudanas esto vinculadas s suas prticas concretas, embora estejam marcadas por uma extrema complexidade. So exemplos a desresponsabilizao dos homens pela paternidade e o aumento das mulheres que arcam sozinhas com o sustento dos filhos, a gravidez na adolescncia, a violncia urbana e envolvimento dos filhos com o trfico.

    O feminismo teve um papel fundamental para questionar as relaes de opresso e anunciar novas possibilidades para as mulheres. Ou seja, uma radicalizao da proposta de autonomia, liberdade, auto-determinao, emancipao humana. Ao longo do sculo XX as mulheres con-quistaram vrios direitos como fruto de sua luta organizada em vrias partes do mundo, embora isso tenha se dado de forma extremamente desigual.

    Por parte de setores dominantes, em nossa sociedade gestou-se um discurso de que o femi-nismo no tem mais sentido. Junto com isso surgiu tambm uma revalorizao da feminilidade com o argumento de que as mulheres j no precisavam mais ser feministas. No movimento femi-nista houve, nos anos 1990, um forte processo de institucionalizao em nossa regio e, em alguns pases e setores do feminismo, houve o reforo de uma posio ps-moderna que contribuiu para um questionamento da ideia de que necessrio um movimento articulado em torno da luta pela igualdade das mulheres. Isso se deu a partir de um debate em torno da diversidade e de mltiplas identidades, junto com um questionamento da viso poltica que se orienta para a construo de sujeitos coletivos.

    Na Amrica Latina e Caribe, foi no bojo da resistncia contra o neoliberalismo que retoma-mos um discurso de crtica global ao capitalismo e ao patriarcado e tambm forma como estes se reforam e se retroalimentam. Nesse processo, discutimos o significado da economia capitalista e da relao de dominao imperialista que suas transnacionais estabelecem conosco. Mas debate-mos tambm a mercantilizao do corpo das mulheres, o incremento do turismo sexual e o lugar

  • 11

    de nossos pases em uma diviso sexual e internacional do trabalho que tem reservado a muitas de nossas mulheres o trabalho nas maquillas e na prostituio controlada por mfias e conglome-rados de empresas de turismo.

    Questionamos os motivos que fazem com que, ao lado de uma aparente permissividade no campo da sexualidade, com o incremento do mercado da prostituio e da pornografia, esteja o aumento do conservadorismo e o ataque ao direito das mulheres de controlarem seus corpos. Falamos sobre as novas formas de controle sobre o corpo das mulheres com a imposio de pa-dres de beleza estritos. Em nossa regio, isto tem significado uma verdadeira febre das cirurgias plsticas, do silicone e do incremento no uso de hormnios sintticos. Estes hormnios so pro-duzidos pelas mesmas indstrias da vida que produzem agrotxicos e sementes transgnicas.

    Esse debate se deu ancorado em uma forte organizao das mulheres do campo e da cidade que constituiu a recomposio de um campo de esquerda no movimento e atualizou uma ao anticapitalista e antipatriarcal em nossa regio.

    A luta feminista e seus desafios

    Em todas as experincias de lutas e resistncia dos povos oprimidos, encontramos a presen-a das mulheres, embora, na maior parte da histria, as representaes predominantes apresentem as mulheres dentro de casa e sem nenhuma participao pblica. No caso da Amrica Latina, aqui e acol, aparece a figura de mulheres excepcionais. E quase sempre o relato que participaram das lutas a partir da relao com um marido ou amante. Na verdade, com frequencia se oculta o fato de que, desde as lutas abolicionistas e anti-coloniais, as mulheres indgenas e negras lutaram ombro a ombro com os homens.

    A organizao de um movimento de mulheres e do feminismo como corrente terica e pr-tica marcou uma mudana nesse processo. Alm de afirmar as mulheres como sujeitos polticos permitiu recuperar partes da histria sistematicamente ocultadas para inivisibilizar a presena e contribuio das mulheres. Tambm foi fundamental para mostrar que o debate sobre a igualdade entre os sexos muito mais antigo que se imaginava. Como afirma Alicia Puleo (2004), o estudo do discurso filosfico nos mostra que muitas vezes ou quase sempre -, quando h um discur-so profundamente misgino porque paralelamente existe um discurso feminista, nessa mesma poca.

    A situao atual mostra que as vitrias no sero consolidadas enquanto no se mudar estruturalmente o modelo. As atuais resistncias organizadas pelas mulheres e o dinamismo de um setor do movimento de mulheres cada vez mais conectam essas vrias dimenses. Ou seja, a luta das mulheres no apenas uma agenda especfica a ser agregada a uma agenda macro. uma luta de transformao integral da sociedade e se entende por isso que no se mudar a vida das mulheres enquanto a vida de todas no for transformada. A utopia que define nosso projeto a su-perao da sociedade capitalista e machista e a construo de uma sociedade socialista que rompa com todas as formas de explorao, opresso e discriminao em todos nossos povos.

  • 12

    Do ponto de vista dos desafios atuais, continua a necessidade de uma politizao que afirma que o centro do movimento de mulheres a luta contra a opresso feminina e afirmao do femi-nismo socialista como a possibilidade de transformar a vida das mulheres. Isso passa por enfrentar a banalizao paulatina do conceito de gnero e a reduo desta agenda ao tema dos direitos das mulheres como direitos humanos. Ou seja, necessrio atuar para a transformao do conjunto das atuais relaes sociais, incluindo as relaes sociais de sexo. Portanto, so necessrias mudan-as no modelo como um todo.

    A tarefa que se coloca a construo de uma viso crtica em toda a sociedade sobre a opresso das mulheres. Hoje esta parece uma tarefa difcil, pois predomina a idia de que no h mais opresso. Existe um discurso modernizante de que a vida das mulheres mudou muito e que, em parte, foram assimilados aspectos do discurso feminista. H um discurso de positivao do feminino, que estrutura o retrocesso no padro de feminilidade, o qual define que tudo o que as mulheres so no mundo tem a ver com a maternidade. O que ocorre que h um reforo contnuo da ideologia de que todas as mulheres devem ser mes e que essa experincia que define seu lugar no mundo, inclusive como profissional ou poltica. Na verdade, este discurso afirma que as mu-lheres se inserem no mundo a partir das qualidades, virtudes e capacidades definidas como parte de sua natureza porque so mes.

    recorrente a dificuldade de perceber que h uma base material da desigualdade expressa na diviso sexual do trabalho. Dessa forma, h uma tendncia de trat-la apenas como um proble-ma de uma cultura patriarcal arraigada ou como uma questo ideolgica. Um ponto fundamental de nossa compreenso de que no haver igualdade se pensarmos mudanas apenas na chamada esfera pblica e do trabalho produtivo. Ou seja, se as mulheres continuarem arcando sozinhas com o trabalho domstico, de cuidados e com os afetos, se a casa continuar sendo considerada natural-mente o espao de supremacia masculina.

    Essa questo, por sua vez, est vinculada ruptura com uma diviso sexual do trabalho e do poder nos espaos pblicos. No basta apenas o avano da participao das mulheres nesses espaos como se a cada vez que ocupamos um espao masculino tenhamos avanado. Isto porque, a cada avano das mulheres, vivenciamos uma forte reao machista e conservadora.

    Portanto, esto colocados desafios tericos, polticos e organizativos, que exigem posicionar o debate a partir da compreenso de que h uma opresso das mulheres. Neste sentido, conti-nuamos fortalecendo a afirmao poltica de um projeto feminista e socialista que questiona as bases da sociedade capitalista e patriarcal. Isso exige um movimento enraizado, com capacidade de grandes mobilizaes, campanhas prprias e que tambm seja parte da construo de uma luta articulada na Amrica Latina.

    Um avano no feminismo a separao cada vez menor entre o que reivindicao das mulheres e as chamadas lutas gerais, dando lugar compreenso de que, para mudar a vida das mulheres temos que mudar o mundo e, portanto, todas as lutas por mudanas so das mulheres. Mas o principal ganho que, nesse processo, se afirma cada vez mais o direito de autonomia e soberania para as mulheres, e que a igualdade tem que ser parte constitutiva de todos os processos de transformao.

  • 13

    Um feminismo militante e anticapitalista

    Nossa atuao tem buscado ampliar temas e contribuies feministas na perspectiva de construo de novas relaes sociais e de um modelo de desenvolvimento em que se supere a diviso sexual do trabalho e se estabelea um novo modelo de produo e consumo, em um novo paradigma de sustentabilidade da vida humana.

    A partir de um trabalho de formao, elaborao e articulao poltica, temos buscado contribuir para o fortalecimento da autonomia das mulheres e de sua presena como um sujeito poltico organizado em um processo mais amplo de lutas e resistncias, orientadas para a constru-o de uma nova dinmica de relaes sociais e pela projeo de um novo modelo de sociedade.

    Marcha Mundial das Mulheres um movimento incontornvel

    A Marcha Mundial das Mulheres representa um marco na recomposio do campo antica-pitalista do feminismo, como parte da superao dos retrocessos do movimento, em particular nos anos 1990. Nesse perodo, prevaleceu a hegemonia de uma profunda institucionalizao e uma agenda centrada nos aspectos normativos. Assim, frente globalizao neoliberal, no houve uma viso crtica global que integrasse as dimenses econmica, poltica e social.

    A origem da MMM est vinculada necessidade de construir um amplo processo de luta a partir dos setores populares em resposta ofensiva capitalista a partir da globalizao neolibe-ral e do reforo do machismo. parte de uma alternativa globalizao e institucionalizao do movimento feminista vinculado agenda das Naes Unidas e criou a proposta de construo de uma transnacionalizao das lutas ancorada no trabalho de base em conexo com aes nacionais e internacionais.

    Do ponto de vista da anlise poltica, a MMM iniciou questionando globalmente o modelo vigente, retomou a relao com o debate de classe e consolidou, mais que uma crtica globaliza-o neoliberal, uma crtica anticapitalista, ao mesmo tempo em que faz a anlise da imbricao entre capitalismo e patriarcado.

    Outro elemento fundamental foi ter recolocado o conceito de patriarcado em um contexto em que o movimento estava sob a hegemonia da banalizao do conceito de gnero, em meio a um processo de institucionalizao e de perda de radicalidade. Isso contribuiu para colocar nfase na dimenso da opresso das mulheres. No houve uma retomada do antigo debate entre marxismo e feminismo capitalismo e patriarcado como um ou dois sistemas, mas se enfatizou a inter-relao entre eles. Ambos esto construdos com base na desigualdade e se reforam mutuamente. H o reconhecimento de que o capitalismo incorporou a dominao patriarcal como estruturante de seu modelo econmico e de suas prticas, a partir da transversalidade da desigualdade de gnero com base na diviso sexual do trabalho, no controle sobre o corpo das mulheres, na imposio da famlia patriarcal e da heteronormatividade da sexualidade como modelos.

  • 14

    Baseada nessa viso, a MMM coloca como central a necessidade de mudanas globais no modelo que se expressa no lema: mudar o mundo para mudar a vida das mulheres para mudar o mundo, na compreenso de que a igualdade ou ser para todas as mulheres ou no ser. Ou seja, a viso de que nos marcos do capitalismo at pode haver avanos em alguns direitos e alterar a posio de algumas poucas mulheres, mas no para todas. exemplar a anlise de Danile Ker-goat sobre a dualidade entre as mulheres sob o neoliberalismo. Ela analisa que, pela primeira vez na histria, algumas mulheres tm acesso ao capital por si mesmas e no por sua relao familiar, tendo como consequncia possveis conflitos de interesses entre mulheres como gnero.

    Na Marcha, o reconhecimento da diversidade e diferenas entre ns busca evitar que as lutas das mulheres e a desigualdade de gnero sejam tratadas apenas como uma questo de identi-dade. Reconhecemos a diversidade das mulheres e buscamos construir aes comuns que possam combater globalmente a ordem atual de dominao e opresso, em um claro projeto poltico de mudana. Aprendemos, a partir da experincia cotidiana, a envolver um grande nmero de mu-lheres que chegam com suas histrias de vida e militncia, demos conta de promover uma intera-o e aprendizagem mtua e, a partir disso, construir novas snteses e novos pontos de partida na busca de uma utopia conjunta, no que queremos vir a ser.

    Nossa ao se baseia na crena na capacidade das mulheres como sujeitos polticos. a par-tir de um forte movimento de base popular do campo e da cidade que poderemos construir uma prtica feminista que contamine e impulsione alianas com outros setores envolvidos na luta por mudanas. a partir de aes coletivas que ns mulheres teremos vigor para revolucionar a socie-dade e construir novas relaes sociais e a superao de todos os mecanismos de manuteno da opresso. Para a MMM, a construo de uma fora prpria das mulheres fundamental inclusive para a articulao das alianas necessrias com outros movimentos e organizaes.

    A utopia do feminismo anticapitalista aponta para um questionamento global do modelo atual e para a construo de novas relaes e novas subjetividades. Nossos acmulos na prtica cotidiana das mulheres apontam vrios elementos desse novo vir-a-ser: reconhecimento e valo-rizao das relaes afetivas, o bem-estar, o cuidado, a transcendncia. Isso fruto de uma pr-tica concreta que busca superar as dicotomias binrias, como a oposio entre razo e emoo, objetivo-subjetivo, pblico-privado. Um aporte fundamental do feminismo a exigncia de uma prtica fundada na coerncia entre vida privada e pblica. No se pode aceitar de maneira acrtica a existncia de contradies entre o que defendemos na esfera pblica e nossa vida pessoal, nosso cotidiano.

    Nesse sentido, faz parte da estratgia da Marcha aes com muita criatividade que partem da experincia concreta e do conhecimento das mulheres. fundamental a utilizao de outras formas de expresso, para alm da linguagem verbal. A combinao das prticas de educao popular e as dos grupos de reflexo feminista so a base para o trabalho da MMM, que parte da constribuio do feminismo construo de prticas emancipatrias, conscientizao da opresso e de como esta se concretiza no corpo, na identidade, na autopercepo. Assim como atuamos para o reconhecimento do valor de cada uma, inclusive como base para o amor prprio e a autonomia pessoal.

  • 15

    Entre os elementos de acmulo em relao construo de paradigmas emancipatrios podemos destacar que nos ltimos 10 anos avanamos em relao ao desafio de reconstruo do pensamento crtico e de prticas centradas na construo de alternativas. Na MMM foi estratgico construir aes e um discurso crtico mercantilizao e profunda extenso da sociedade de mercado na globalizao. Isso contribuiu para afirmar uma viso crtica e desconstruir ambigi-dades anteriores no que se refere a uma aparente democratizao e avano na normalizao direi-tos. Em vrios setores do movimento de Mulheres, foi tratado como um paradoxo que, enquanto se avanava na formalizao de direitos, tenha havido retrocesso nas condies econmicas e ou-tras conquistas anteriores, como polticas sociais.

    Nossa interveno trouxe a reflexo sobre como o mercado havia organizado a vida das mulheres. Essa crtica mercantilizao dos corpos e da vida das mulheres possibilitou a reflexo sobre as conexes entre globalizao, empresas transnacionais e o controle sobre o trabalho, os corpos e os territrios. Por exemplo, pudemos ver que as mesmas transnacionais que atuam nas tecnologias baseadas no controle do corpo e da reproduo tambm atuam na produo de se-mentes transgnicas. Da mesma forma, h a conexo entre incremento da militarizao e controle dos territrios e bens naturais e a violncia contra as mulheres e sua utilizao como despojos de guerra.

    Nessa trajetria, a solidariedade como valor e como prtica central. Os mecanismos de opresso seguem vigentes em todas as sociedades, mesmo que haja diferenas culturais, econmi-cas e sociais, e alguns direitos conquistados, em alguns pases mais que em outros. Mas os meca-nismos de desigualdade e hierarquizao continuam sendo a base constitutiva da sociedade. Por isso, no s a globalizao de nossas lutas, mas tambm a construo de uma fora mundial, com aes enraizadas em cada local, podero ser capazes de garantir um processo emancipatrio irre-versvel. Isso se traduz em cada grupo da Marcha, que se tornam mais fortes ao saber que mulheres esto na mesma luta em muitos pases.

    Na Marcha, temos dois princpios em relao a nossa organizao: nossa auto-organizao em um movimento autnomo de mulheres que fazem parte de coletivos de mulheres e movimen-tos mistos; e a construo de alianas com outros movimentos sociais. Queremos construir um projeto comum em que ns aprendamos com outras lutas e ampliemos nossa agenda, mas que tambm imprima a marca feminista para que a luta antipatriarcal seja de todas e todos.

    Referncias bibliogrficas

    CARRASCO, Cristina. Introducin: hacia una economia feminista. In CARRASCO, C (ed). Mu-jeres y Economia. Icaria Editorial, 1999.

    ________. Economia Feminista: una apuesta por outra Economia. In: VARA, Maria Jesus (coord). Estudios sobre gnero y economia. Ec Akal, Madrid. 2006.

    ________. A sustentabilidade da vida humana: um assunto de mulheres? In: A Produo do Viver. NOBRE, M e FARIA, N (org).Ed. SOF Sempreviva Organizao Feminista. So Paulo. 2003.

  • 16

    FARIA, Nalu; NOBRE, Miriam. O que ser mulher e o que ser homem? In: Gnero e Desigualdade. Cadernos Sempreviva. Ed. SOF Sempreviva Organizao Feminista. So Paulo. 1997.

    FARIA, Nalu. Sexualidade e Gnero: uma abordagem feminista. In Gnero e Sexualidade. Cadernos Sempreviva. Ed. SOF Sempreviva Organizao Feminista. So Paulo. 1998.

    ________. Economia feminista e agenda de lutas das mulheres no meio rural. In: BUTTO, Andrea (org.). Estatsticas rurais e a economia feminista: um olhar sobre o trabalho das mulheres. Braslia: MDA, 2009, p.11-29.

    FREITAS, Tas Viudes. O cenrio atual da diviso sexual do trabalho. In: SILVEIRA, Maria Lcia; FREITAS, Tas Viudes. Trabalho, corpo e vida das mulheres: crtica sociedade de mercado. So Paulo: SOF, 2007, p. 9-66.

    ________. Experincias de socializao do trabalho domstico na Amrica Latina. In: SILVEIRA, Maria Lucia e TITO, Neuza. Trabalho domstico e de cuidado: por outro paradigma de sustentabilidade da vida humana. So Paulo: SOF, 2008, p.27-53.

    HIRATA, Helena. Trabalho Domstico: uma servido voluntria. In GODINHO, T. e SILVEIRA M. L. (org). Polticas Pblicas e Igualdade de Gnero. Coordenadoria Especial da Mulher/PMSP. So Paulo. 2004.

    ________. Por quem os sinos dobram? Globalizao e diviso sexual do trabalho. In: EMLIO, Marli et al. (orgs.). Trabalho e cidadania ativa para as mulheres: desafios para as polticas pblicas. So Paulo: Prefeitura Municipal de So Paulo, 2003, p. 15-30.

    KEORGAT, Daniele. Relaes sociais de sexo e diviso sexual do Trabalho, In: LOPES, Marta Julia et al. Gnero e Sade. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996.

    ________. Diviso sexual do trabalho e relaes sociais de sexo. In: EMILIO, Marli et al. Trab-alho e cidadania ativa para as mulheres: desafios para as polticas pblicas. So Paulo: Prefeitura Municipal de So Paulo, 2003.

    LOBO, Elisabeth. Os Usos do Gnero. In: A classe operria tem dois sexos. Ed. Brasiliense. So Paulo. 1991.

    MARCHA MUNDIAL DE LAS MUJERES. Una dcada de lucha internacional feminista. Ed. SOF Sempreviva Organizao Feminista. So Paulo. 2008.

    MELO, Hildete Pereira de; DI SABBATO, Alberto. Gnero e trabalho rural 1993/2006. Rio de Janeiro, 2007.

    NOBRE, Miriam. Relaes de Gnero e Agricultura Familiar. In: NOBRE, Miri-am; SILIPRANDI, Emma; QUINTELA, Sandra; MENASCHE, Renata (Orgs.). Gne-ro e agricultura familiar. So Paulo: Cadernos Sempreviva. Ed. SOF Sempreviva Organizao Feminista, 1998.

    ________. Introduo a Economia Feminista. In NOBRE, Miriam e FARIA, Nalu (org). Econo-mia Feminista. Cadernos Sempreviva. SOF. So Paulo, 2002.

    PULEO, Alicia. Filosofia e gnero: da memria do passado ao projeto de futuro. In: GODINHO, T. e Silveira M. L. (org). Polticas Pblicas e Igualdade de gnero. Coordenadoria Especial da Mulher/PMSP. So Paulo. 2004.

  • 17

    O mundo no uma mercadoria!As mulheres tambm no!

    Este texto foi publicado no material da Marcha Mundial das Mulheres na Cpula dos Povos por justia social e ambiental: contra a mercantilizao da vida, em defesa dos bens comuns, rea-lizada no Rio de Janeiro, em junho de 2012.

    A Cpula dos Povos acontece de forma simultnea Conferencia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Sustentvel, chamada de Rio+20 por acontecer 20 anos aps a Eco 92. O que est em disputa a sada para a crise ambiental, que tambm a crise do capital. Na conferencia oficial, est em pauta a chamada economia verde e uma nova institucionalidade para organizar as aes da ONU sobre meio ambiente. Neste processo, h uma captura corporativa, ou seja: as em-presas transnacionais e instituies financeiras atuam para ter peso, como setor privado, em todas as propostas da economia verde.

    A Cpula dos Povos denuncia as falsas solues e a mercantilizao da vida, apre-senta as solues e novos paradigmas construdos pelos povos e articula agendas de luta anticapitalistas que vo alm deste evento.

    Mudar o mundo e mudar a vida das mulheres em um s movimento!

    A sociedade capitalista e patriarcal se estrutura em uma diviso sexual do trabalho que se-para o trabalho dos homens e o das mulheres e define que o trabalho dos homens vale mais que o das mulheres. O trabalho dos homens associado ao produtivo (o que se vende no mercado) e o trabalho das mulheres ao reprodutivo (a produo dos seres humanos e suas relaes).

    As representaes do que masculino e feminino so duais e hierrquicas, assim como a associao entre homens e cultura, e mulheres e natureza. Na Marcha Mundial das Mulheres lutamos para superar a diviso sexual do trabalho e, ao mesmo tempo, pelo reconhecimento de que o trabalho reprodutivo est na base da sustentabilidade da vida humana e das relaes entre as pessoas na famlia e na sociedade.

    Pro feminismo, o capitalismo no tem eco!

    Na Eco-92, no mundo inteiro aumentava a conscincia sobre a importncia de preservar e proteger a natureza. Mas os governos daquele momento, hegemonizados pelo pensamento neo-liberal, utilizaram a questo da sustentabilidade para legitimar a continuidade de uma economia baseada no livre mercado e no poder das grandes transnacionais, inclusive aumentando seu poder sobre os Estados nacionais.

  • 18

    Hoje, 20 anos depois, frente a crise econmica que afetou mais os pases industrializados, h uma nova investida do capital, ampliando suas fronteiras e aprofundando a lgica do mercado de lucro e concentrao da riqueza. As dimenses alimentar, energtica e climtica so expresses da mesma crise sistmica que se manifesta na economia.

    Mas esta crise tambm uma crise dos cuidados, dimenso invisvel nos debates pblicos sobre o tema. Nos pases que foram alvos das polticas de ajuste estrutural e do neoliberalismo nos anos 1980 e 1990, a sobrecarga de trabalho no remunerado das mulheres garantiu a sus-tentabilidade da vida sem que o Estado nem os homens assumissem sua responsabilidade com a reproduo social. Cada vez mais, nos pases industrializados, o envelhecimento da populao e o desmantelamento dos Estados de Bem Estar gera uma grande demanda pelo trabalho de cuidados que suprida em parte pelo trabalho precrio de mulheres imigrantes. Ns, mulheres, no paga-remos por essa crise!

    No mercantilizao da vida e da natureza!

    As desigualdades histricas entre os pases do norte e do sul esto em jogo neste processo. As grandes florestas esto no sul do planeta, bem como outros bens comuns e grande parte da biodiversidade. O capital nacional e transnacional tenta se apropriar delas de todas as maneiras, expulsando populaes originrias inclusive.

    Resistimos hoje ocupao das terras aonde vivemos e produzimos ou que esto na mira de grandes empresas mineiras, grandes construtoras ou do agronegcio por meio da expanso dos monocultivos de soja, eucalipto ou cana. Nos expulsam pela violncia direta dos pistoleiros ou da polcia, muitas vezes com violncia sexual, ou pela impossibilidade de viver a pela contaminao do solo, da gua ou por nos negar o acesso a sade ou educao. Em todo mundo ocorre esta apro-priao dos territrios ao mesmo tempo em que as grandes empresas tentam se apropriar de nossa vida, de nosso cdigo gentico, nossas culturas e nosso conhecimento.

    A biodiversidade se torna propriedade de grandes empresas a partir das biopirataria, da propriedade intelectual e das patentes. A gua mercantilizada na venda em garrafas, na priva-tizao dos servios de distribuio e saneamento ou no uso intensivo por algumas indstrias e cultivos. Os grandes lucros da especulao imobiliria passam por cima do direito habitao e se torna pior em megaeventos como as Olimpadas e a Copa do Mundo. E o corpo das mulheres cada vez mais mercadoria na indstria do lazer e da prostituio, que cresce junto com a expanso deste modelo de desenvolvimento.

    As respostas da economia verde: falsas solues

    A Rio +20 outra vez vem colocar para os povos o debate sobre a relao com a natureza, com o discurso de buscar solues para a crise climtica. E para isso dizem , de novo, ter uma soluo mgica chamada economia verde. Em que consiste?

    1- A economia verde segue a lgica da mercantilizao, em uma viso capitalista de que para a economia s tem valor o que pode ser comprado e vendido no mercado e, por isso, tem

  • 19

    um preo. Ela baseada em mecanismos de mercado que giram em torno desta ideia de que as empresas tem um papel importante na gesto da preservao ambiental. Assim, colocar preo na natureza uma forma de colocar a natureza no circuito empresarial, que sob a ideia enganosa de responsabilidade social e ambiental, tem mais legitimidade para seguir destruindo o planeta e as relaes humanas.

    Atravs de uma proposta chamada TEEB (A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversi-dade), apresentam frmulas para colocar preo na gua, na paisagem, na biodiversidade. Colocar preo na natureza permitir sua venda e privatizao, em um processo que tira o direito dos povos sobre os territrios.

    So propostas que permitem que quem sempre se desenvolveu poluindo possa continuar poluindo se pagar por algum tipo de preservao em outra parte do mundo. Essa a lgica do mercado de crditos de carbono e da financeirizao da biodiversidade, que transformada em ativos ambientais, negociados em bolsas de valores, como a Bolsa Verde do Rio.

    2- A economia verde mantm a explorao do trabalho das mulheres como um recurso inesgotvel, justamente porque no considera as atividades das mulheres no cuidado das pessoas e da natureza como trabalho. Associa este cuidado ao papel de mes, como se este fosse o destino de todas as mulheres. No documento oficial da ONU, existe uma afirmao de que as mulheres desempenham um papel fundamental para o desenvolvimento sustentvel. Mas isso tem como consequncia a utilizao do trabalho das mulheres na implementao das polticas da economia verde. Isso no um avano, e sim a refuncionalizao do papel das mulheres como cuidadoras. So falsas solues para o planeta, e falsas solues para o machismo, porque mantm as mulheres em uma relao de desigualdade e com a sobrecarga de trabalho com a sustentabilidade da vida.

    3- A economia verde no questiona a lgica do crescimento ilimitado, perseguido pelo atual modelo de desenvolvimento. Apresenta propostas de eficincia energtica e o desenvolvimento de novas tecnologias que permitiriam continuar a lgica capitalista de crescimento ilimitado. Energia nuclear, transgnicos, nanotecnologia e geoengenharia so apresentadas como solues tecnolgi-cas para os chamados limites da natureza. Mas o limite est colocado pelo modelo capitalista. As-sim, mais uma vez, o mercado apresenta falsas solues, como as novas tecnologias programadas e controladas pelas empresas, avanando o controle sobre o conhecimento e a vida.

    O mesmo acontece com os agrocombustveis e propostas de alternativas para a energia fs-sil, uma das grandes responsveis pelo aquecimento global. So apresentadas como energia limpa, por serem feitos a partir da produo agrcola. Mas preciso questionar que a produo de agro-combustveis compete com a produo de alimentos da agricultura camponesa. Alm disso, essas so alternativas que continuam baseadas num modelo de consumo insustentvel. Questionamos, portanto, quem controla e para qual modelo est direcionada esta energia alternativa produzida.

    Feministas contra o capitalismo verde!

    Nossa viso sobre a questo ecolgica considera que a destruio da natureza parte da forma como o capitalismo se organiza na busca incessante de lucros. Por isso, a soluo no passa

  • 20

    por uma boa gesto de recursos, mas sim pela construo de um outro modelo em que a relao humanidade e natureza tenha um sentido de unidade e continuidade. Formamos um todo e s em harmonia poderemos seguir mantendo as bases da vida para a humanidade e para a natureza.

    A luta para mudar o mundo e mudar a vida das mulheres se d como parte de um s movi-mento. No basta identificar que os impactos deste sistema so piores para as mulheres. Partimos de uma anlise de que o capitalismo faz uso de estruturas patriarcais no seu atual processo de acumulao. Por isso, no acreditamos em uma atuao que busca diminuir impactos negativos, mas sim organizamos uma luta para transformar as estruturas que organizam as relaes de desi-gualdade e poder, combinando a desigualdade de classe, raa e gnero.

    1- Resistir a mercantilizao da natureza e dos bens comuns: a economia verde no compensa!

    Resistimos utilizao da natureza como um recurso a servio do lucro de empresas, visto como inesgotvel ou como mercadorias mais caras medida que se esgotam, pela m utilizao. A experincia que as mulheres vivenciam de invisibilidade e desvalorizao de seu trabalho de cuidados das pessoas muito similar invisibilidade e desvalorizao da natureza. O tempo e a energia das mulheres em cuidar das pessoas, preparar a comida, os cuidados e a disponibilidade para a escuta no so visveis e so elsticos. As mulheres so as primeiras a se levantar e as ltimas a dormir na maioria das famlias.

    O tempo e a energia dos processos de regenerao da natureza so ocultados e tratados como impedimentos a serem superados para que a mquina do consumo funcione a todo vapor. As mulheres seguem sendo pressionadas para ajustar lgicas e tempos opostos o da vida e o do lucro- assumindo as tenses geradas. Seu trabalho instrumentalizado para amenizar ou ocultar as injustias promovidas por instituies multilaterais, governos e empresas.

    Dizemos No! s falsas solues propostas pelo mercado e seus agentes, como os crditos de carbono, os agrocombustveis, os mecanismos de REDD e a Geoengenharia. No aceitamos so-lues que s geram mais negcios e no mudam o modelo de produo, consumo e reproduo social.

    Somos mulheres e no mercadorias!

    A violncia em geral, e contra as mulheres, em particular, parte da estratgia deste modelo. Quanto mais a sociedade regida pelos interesses do mercado, mais as mulheres so transforma-das em mercadorias. Um exemplo disso a situao da Costa Rica, que usada como exemplo a ser seguido pelos negcios verdes. L, diversas florestas foram convertidas em reas de preser-vao e o deslocamento das comunidades empurrou as mulheres para a prostituio e o turismo sexual, que agrega valor ao turismo ecolgico.

    Da mesma forma, vemos no territrio brasileiro um grande aumento da prostituio nos territrios de minerao, da construo de usinas hidroeltricas ou nas obras da Copa do Mun-do. Em uma lgica desenvolvimentista que reduz o desenvolvimento ao crescimento ilimitado, o corpo das mulheres amortece os impactos da superexplorao do trabalho e da destruio do territrio.

  • 21

    Por soberania sobre nossos corpos e sexualidade

    Repudiamos o controle do corpo e da sexualidade das mulheres que impede nossa auto-nomia e autodeterminao. Esse controle faz parte da combinao capitalismo, patriarcado e ra-cismo, que se estende para o controle dos territrios. A prostituio utilizada para compensar o desajuste do trabalho nmade dos homens que so transferidos em milhares para os canteiros de grandes obras e nos megaeventos. Somos solidrias s mulheres que so vtimas dessa forma de explorao da sociedade patriarcal, mas preciso perceber que a prostituio s existe em um sistema que se articula em torno da subordinao das mulheres. No produz nada relacionado liberdade e autonomia, ao contrrio, e na grande maioria dos casos, a mulher se encontra escravi-zada por uma rede mercantilizada.

    Se ancora em um modelo de sexualidade ancorado na virilidade masculina e na subordi-nao feminina, associada a fragilidade e disponibilidade permanente. Ao mesmo tempo, refora a diviso sexual do trabalho e o impedimento das mulheres terem autonomia econmica. Por isso afirmamos o direito autonomia sobre nossos corpos, sexualidade e de separar sexualidade de maternidade. Por isso lutamos pela descriminalizao e legalizao do aborto. Reafirmamos nossa viso de que a sexualidade construda socialmente e somos sujeitos ativos para recusar a hete-ronormatividade e defender o livre exerccio da sexualidade, sem coero, esteretipos e relaes de poder.

    Em luta por outro modelo de produo, reproduo e consumo!

    A partir da economia feminista, defendemos a necessidade de se estabelecer um novo para-digma de sustentabilidade da vida humana entendida como relao dinmica e harmnica entre humanidade e natureza e entre humanos e humanas e pela valorizao dos bens comuns. So necessrias mudanas reais no modo de produo e nos padres de consumo do capitalismo, que ressignifiquem e ampliem o conceito de trabalho. Isso passa pelo reconhecimento do trabalho das mulheres e da importncia de um equilbrio entre produo e reproduo, que esta no continue sendo tarefa apenas das mulheres, mas tambm dos homens e do Estado.

    As mulheres constroem em seu cotidiano alternativas concretas economia dominante, articulando transformaes na produo, na reproduo e no consumo. Um grande nmero das experincias de agroecologia e economia solidria levada a frente pelas mulheres. Com nosso trabalho e conhecimento histrico no campo afirmamos que a soberania alimentar estratgica para a transformao social, pois afirma uma outra organizao da produo, distribuio e con-sumo de alimentos, articulada com um combate lgica capitalista do agronegcio.

    As alternativas construdas e propostas pelos povos devem integrar uma dimenso geradora de igualdade, contemplando a igualdade entre mulheres e homens, o direito das mulheres a uma vida sem violncia e a diviso do trabalho domstico e de cuidados entre homens e mulheres.

  • 22

    Ampliao e fortalecimento do pblico: a partir do Estado e da sociedade

    Lutamos por uma profunda democratizao do Estado que rompa com os privilgios da classe dominante e branca, e que despatriarcalize o poder. Mais do que prover servios e politicas sociais, preciso garantir o sentido pblico do Estado, aes de redistribuio da riqueza, socia-lizao do trabalho domstico e de cuidados, e polticas emancipatrias construdas com base na soberania e participao popular.

    Isso implica, tambm, um papel ativo no mbito internacional que promova a integrao dos povos e que as polticas entre os pases sejam baseadas nos princpios da solidariedade, da reciprocidade e da redistribuio.

    Nossa luta pela desmilitarizao articula essas dimenses e questiona o papel do poder eco-nmico em intervenes militares feitas pelos Estados que servem ao controle de territrios ricos em recursos naturais. Combatemos tambm a concentrao dos meios de comunicao nas mos de poucos grupos econmicos, e afirmamos a urgncia de uma ampla democratizao da comu-nicao, que passa por garantir a neutralidade e liberdade dos fluxos de informao na infraestru-tura das comunicaes e da internet, portanto, pelo combate lgica capitalista da propriedade intelectual.

    Como mulheres, demandamos nosso reconhecimento como sujeitos ativos nos debates e decises sobre o conjunto das politicas e processos vinculados a construo de outro modelo. A minerao, as grandes obras de infraestrutura, as formas de desenvolvimento do nosso continente no podem ser objeto de ao apenas dos homens no poder, dos governos e das empresas. Nossa luta feminista por outro modelo capaz de gerar igualdade e justia social, incentivar a solida-riedade entre as pessoas, que seja sustentvel e que no esteja calcado no trabalho gratuito das mulheres nem na excluso das mesmas nos processos decisrios

    Por isso entendemos que as alianas das mulheres com outros movimentos sociais so es-senciais para resistir mercantilizao dos territrios e a financeirizao da natureza, para socia-lizar alternativas de resistncia e fortalecer a defesa dos bens comuns.

    No queremos mais a mercantilizao dos nossos corpos, das nossas vidas! Queremos a sustentabilidade da vida, a centralidade da produo do bem viver, acabar com a diviso sexual do trabalho, erradicar a desigualdade e superar o capitalismo!

    Seguiremos em marcha at que todas sejamos livres!

  • 23

    Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade

    Contexto1 A Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade faz parte das aes internacionais que

    a Marcha Mundial das Mulheres realiza em 2005. Aps ser debatida e modificada pelos grupos de mulheres que participam da Marcha e pelas coordenaes nacionais a Carta foi adotada no V Encontro Internacional da MMM que aconteceu em Kigali, Rwanda, em dezembro de 2004.

    Iniciamos este Encontro com um ato em memria das milhes de vtimas do genocdio que aconteceu naquele pas em dezembro de 1994. Denunciamos a omisso das Naes Unidas e seus pases membros e a interferncia direta de traficantes de armas e homens de negcio dos pases chamados de primeiro mundo. Denunciamos o racismo e a intolerncia fomentados pelos coloni-zadores, mas perpetrado por tantas pessoas, policiais e civis.

    Mas, celebramos a capacidade das mulheres dos pases e diferentes etnias envolvidas no conflito de construrem um espao de dilogo, respeito e confiana mtua que tem sido a base para agirem em conjunto. Tanto havia para separ-las, mas elas souberam construir pontes e refazer laos.

    A sombra do conflito armado permanece na regio dos Grandes Lagos Africanos e a sen-timos pesar sobre nosso Encontro. Esta no foi a nica vez. Estvamos juntas em Montreal em 2001 quando os Estados Unidos invadiu o Afeganisto. Estvamos juntas em Nova Dlhi em 2003 quando os Estados Unidos invadiu o Iraque. Em todos estes momentos interrompemos nossos Encontros internacionais para ir s ruas e protestar contra a guerra imperialista.

    Esta tem sido nossa histria: a unidade na ao, no enfrentamento, na resistncia e a capaci-dade de nos manter em dilogo aproximando nossas anlises fruto de experincias to diversas. O capitalismo patriarcal fomenta a disputa e a concorrncia entre povos, naes e entre ns mulhe-res. Nosso desafio superar fragmentaes, isolamentos para construir alianas igualitrias entre sujeitos com suas trajetrias de luta e projetos.

    Esta Carta representa um acordo construdo entre as coordenaes nacionais de 50 pases, dentre os quais 35 presentes em Rwanda. Coordenaes nacionais, regionais, continentais a forta-lecero com afirmaes e demandas que correspondem sua realidade e momento organizativo.

    Esta Carta ganha vida em sua viagem ao redor do mundo. Ela se realiza na ao. E a prpria ao muda nossa forma de ver o mundo e de como transform-lo.

    1 Este contexto foi redigido pela representante brasileira no Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres.

  • 24

    Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade

    PrembuloNs, as mulheres, h muito tempo marchamos para denunciar e exigir o fim da opresso

    que vivemos por sermos mulheres e, para afirmar que a dominao, a explorao, o egosmo e a busca desenfreada do lucro, que produzem injustias, guerras, ocupaes e violncias devem acabar.

    Das nossas lutas feministas e das lutas de nossas antepassadas de todos os continentes, nas-ceram novos espaos de liberdade para ns, para nossas filhas e filhos para todas as crianas que, depois de ns, caminharo sobre a terra.

    Construmos um mundo no qual a diversidade uma virtude; tanto a individualidade como a coletividade so fontes de crescimento; onde as relaes fluem sem barreiras; onde a palavra, o canto e os sonhos florescem. Esse mundo considera a pessoa humana como uma das riquezas mais preciosas. Um mundo no qual reinam a igualdade, a liberdade, a solidariedade, a justia e a paz. Este mundo ns somos capazes de criar.

    Ns constitumos mais da metade da humanidade. Damos a vida, trabalhamos, amamos,

    criamos, militamos, nos divertimos. Garantimos atualmente a maior parte das tarefas essenciais para a vida e a continuidade da humanidade. No entanto, nossa posio na sociedade permanece subestimada. A Marcha Mundial das Mulheres, da qual fazemos parte, identifica o patriarcado como sistema de opresso das mulheres e o capitalismo como sistema de explorao de uma imen-sa maioria de mulheres e homens por parte de uma minoria.

    Esses sistemas se reforam mutuamente. Eles se enrazam e se conjugam com o racismo, o sexismo, a misoginia, a xenofobia, a homofobia, o colonialismo, o imperialismo, o escravismo e o trabalho forado. Constituem a base dos fundamentalismos e integrismos que impedem s mu-lheres e aos homens serem livres. Geram pobreza, excluso, violam os direitos dos seres humanos, particularmente os das mulheres, e pem a humanidade e o planeta em perigo.

    Ns rejeitamos esse mundo!Propomos construir outro mundo, onde a explorao, a opresso, a intolerncia e as exclu-

    ses no existam mais; onde a integridade, a diversidade, os direitos e liberdades de todas e todos so respeitados.

    Esta Carta se baseia nos valores de igualdade, liberdade, solidariedade, justia e paz.

    Igualdade1. Todos os seres humanos e todos os povos so iguais, em todos os domnios e em todas as

    sociedades. Eles tm igual acesso s riquezas, terra, a um emprego digno, aos meios de produo, a uma moradia adequada, educao de qualidade, formao profissional, justia, a uma ali-mentao saudvel, nutritiva e suficiente, a servios de sade fsica e mental, segurana durante a velhice, a um meio ambiente saudvel, propriedade, a funes de representao poltica e de tomada de decises, energia, gua potvel, ao ar puro, aos meios de transporte, s tcnicas,

  • 25

    informao, aos meios de comunicao, ao lazer, cultura, ao descanso, tecnologia e s inova-es cientficas.

    2. Nenhuma condio humana ou condio de vida justifica a discriminao.3. Nenhum costume, tradio, religio, ideologia, nenhum sistema econmico ou poltico

    justificam que uma pessoa seja posta em situao de inferioridade, nem permitir atos que ponham em perigo sua dignidade e integridade fsica e psicolgica.

    4. As mulheres so cidads de pleno direito, antes de serem cnjuges, companheiras, espo-sas, mes, trabalhadoras.

    5. As tarefas no remuneradas, ditas femininas, que garantem a vida e a continuidade da sociedade (trabalhos domsticos, educao, cuidado das crianas e dos familiares) so atividades econmicas que criam riqueza e que devem ser valorizadas e partilhadas.

    6. Os intercmbios comerciais entre pases so eqitativos e no so prejudiciais ao desen-volvimento dos povos.

    7. Cada pessoa tem acesso a um trabalho remunerado justamente, efetuado em condies seguras e salubres que a permitam viver dignamente.

    Liberdade1. Todo ser humano vive livre de todo tipo de violncia. Nenhum ser humano pertence a

    outro. Nenhuma pessoa pode ser objeto de escravido, ser forado ao casamento, ser submetida a trabalhos forados, ser objeto de trfico e de explorao sexual.

    2. Cada pessoa goza de liberdades coletivas e individuais que garantem sua dignidade, em especial: liberdade de pensamento, de conscincia, de crena, de religio; de expresso, de opinio; de viver livremente e de maneira responsvel sua sexualidade, de escolher a pessoa com quem partilhar sua vida; de votar, de ser eleita, de participar na vida poltica; de se associar, se reunir, se sindicalizar, se manifestar; de escolher seu domiclio, sua nacionalidade, de escolher seu estado civil; de seguir os estudos de sua escolha, de escolher sua profisso e exerc-la; de se mudar, de dispor de sua pessoa e de seus bens; de escolher seu idioma de comunicao respeitando as lnguas prioritrias e decises coletivas quanto lngua de uso e de trabalho; de se informar, de aprender coisas novas, trocar idias e ter acesso s tecnologias de informao.

    3. As liberdades se exercem na tolerncia e no respeito opinio de cada pessoa, e dentro de parmetros democrticos e participativos. As liberdades acarretam responsabilidades e deveres para com a comunidade.

    4. As mulheres tomam livremente as decises no que se refere ao seu corpo, sua sexualidade e sua fecundidade. Elas decidem por si mesmas ter ou no filhos.

    5. A democracia se exerce se h liberdade e igualdade. Solidariedade1. A solidariedade internacional promovida entre as pessoas e os povos sem nenhum tipo

    de manipulao ou influncia.2. Todos os seres humanos so interdependentes. Partilham o dever e a vontade de viver

    juntos, de construir uma sociedade generosa, justa e igualitria, baseada no exerccio dos direitos humanos, isenta de opresso, de excluses, de discriminaes, de intolerncia e de violncias.

    3. Os recursos naturais, os bens e os servios necessrios para a vida de todas e de todos so bens e servios pblicos de qualidade aos quais cada pessoa tem acesso de maneira igualitria e eqitativa.

    4. Os recursos naturais so administrados pelos povos que vivem nos territrios onde eles

  • 26

    se encontram, de respeitando o meio ambiente e atuando para sua preservao e sustentabilidade.5. A economia de uma sociedade est a servio daquelas e daqueles que a compem. Ela

    dirigida produo e intercmbio das riquezas socialmente teis, que so distribudas entre todas e todos, que garantem principalmente a satisfao das necessidades coletivas, eliminam a pobreza e asseguram um equilbrio entre o interesse geral e os interesses individuais. Ela garante a soberania alimentar. Ela se ope busca exclusiva do lucro e acumulao privada dos meios de produo, das riquezas, do capital, das terras, das tomadas de deciso nas mos de alguns grupos ou de algumas pessoas.

    6. A contribuio de cada uma e de cada um para a sociedade reconhecida e independente da funo que ocuparem todas as pessoas gozam de direitos sociais.

    7. As manipulaes genticas so controladas. No existe direito de propriedade sobre o ser vivo nem sobre o genoma humano. A clonagem humana proibida.

    Justia1. Todos os seres humanos, independente de seu pas de origem, de sua nacionalidade e de

    seu lugar de residncia, so considerados cidads e cidados com plenos direitos humanos (di-reitos sociais, econmicos, polticos, civis, culturais, sexuais, reprodutivos, ambientais) de forma realmente democrtica igualitria e eqitativa.

    2. A justia social se baseia em uma redistribuio eqitativa das riquezas, que elimina a pobreza, limita a riqueza e garante a satisfao das necessidades essenciais da vida, e que visa melhoria do bem-estar de todas e todos.

    3. A integridade fsica e moral de todas e todos garantida. A tortura, os tratamentos humi-lhantes e degradantes so proibidos. As agresses sexuais, o estupro, as mutilaes genitais femi-ninas, as violncias especficas contra as mulheres e o trfico sexual e o trfico de seres humanos so considerados crimes contra a pessoa e contra a humanidade.

    4. Um sistema judicirio acessvel, igualitrio, eficaz e independente instaurado.5: Cada pessoa goza da proteo social necessria para garantir seu acesso alimentao, ao

    cuidado, ateno sade, habitao adequada, educao, informao, e segurana durante a velhice. Ela tem acesso renda suficiente para viver dignamente.

    6. Os servios de sade e sociais so pblicos, acessveis, de qualidade, gratuitos para todos os tratamentos, todas as pandemias, particularmente para HIV.

    Paz1. Todos os seres humanos vivem em um mundo de paz. A paz resulta em particular da:

    igualdade entre os sexos, da igualdade social, econmica, poltica, jurdica e cultural, do respeito aos direitos, da erradicao da pobreza que assegure a todas e todos uma vida digna, isenta de violncia, onde cada pessoa tem um trabalho e recursos suficientes para se alimentar, ter moradia, se vestir, se instruir, estar protegido na velhice, ter acesso aos cuidados necessrios.

    2. A tolerncia, o dilogo, o respeito da diversidade so garantias da paz.3. Todas as formas de dominao, de explorao e de excluso de parte de uma pessoa sobre

    outra, de um grupo sobre outro, de uma minoria sobre uma maioria, de uma maioria sobre uma minoria, de uma nao sobre outra so excludas.

    4. Todos os seres humanos tm o direito de viver em um mundo sem guerra e sem conflito armado, sem ocupao estrangeira nem base militar. Ningum tem direito sobre a vida ou morte das pessoas ou dos povos.

    5. Nenhum costume, tradio, ideologia, religio, sistema econmico nem poltico justifi-

  • 27

    cam violncias.6. Os conflitos armados ou no entre os pases, comunidades ou povos so resolvidos pela

    negociao que permite encontrar solues pacficas, justas e eqitativas em nvel nacional, regio-nal e internacional.

    Chamado

    Esta Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade2 faz um chamado a todas as mulhe-res e homens e a todos os grupos oprimidos do planeta a proclamarem individual e coletivamente seu poder para transformar o mundo e modificar radicalmente as relaes existentes e transfom--las em relaes baseadas na igualdade, na paz, na liberdade, na solidariedade e na justia.

    Ela chama todos os movimentos sociais e a todas as foras sociais a agir para que os valores

    que defendemos nesta Carta sejam verdadeiramente postos em prtica, e para que as instncias de poder poltico tomem todas as medidas necessrias para sua aplicao. Ela faz um chamado ao para mudar o mundo. H urgncia!

    O que a Marcha Mundial das Mulheres

    A Marcha Mundial das Mulheres um movimento composto por grupos de mulheres de diferentes origens tnicas, culturas, religies, polticas, classes, idades e orientaes sexuais. Em vez de nos separar, essa diversidade nos une em uma solidariedade mais global.

    Em 2000 ns, como Marcha Mundial das Mulheres, redigimos uma plataforma poltica que contem 17 reivindicaes concretas com a finalidade de eliminar a pobreza no mundo, distribuir as riquezas, erradicar a violncia contra as mulheres e conquistar o respeito a sua integridade fsica e moral. Transmitimos essas reivindicaes aos responsveis do Fundo Monetrio Internacional, do Banco Mundial, s Naes Unidas. No recebemos nenhuma resposta concreta. Transmitimos tambm nossas reivindicaes aos dirigentes polticos de nossos pases.

    Desde ento continuamos, sem descanso, a defender nossas reivindicaes. Propomos al-ternativas para construir um outro mundo. Trabalhamos ativamente nos movimentos sociais do mundo e em nossas sociedades. Continuamos aprofundando a reflexo sobre o lugar que as mu-lheres ocupam e que devem ocupar no mundo.

    Com esta Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, e as aes que estamos reali-zando reafirmamos que um outro mundo possvel, um mundo cheio de esperana, de vida, um mundo no qual seja bom viver e ns declaramos nosso amor a este novo mundo, a sua diversidade e beleza.

    Adotada no 5 Encontro internacional da Marcha Mundial das Mulheres em Rwanda, 10 de dezembro de 2005.

    2 Nenhum elemento desta Carta pode ser interpretado ou utilizado para emitir opinies ou realizar ativi-dades contrrias ao esprito da mesma. Os valores aqui defendidos formam um conjunto e so iguais em importncia, interdependentes e indivisveis; podendo apenas intercambiar o lugar que ocupam na Carta.

  • 28

    Plataforma brasileira da ao 2010Seguiremos em marcha at que todas sejamos livres!

    Esta Marcha de 2010 afirma mais uma vez nossa luta, nossa resistncia e a convico de que com a nossa auto-organizao, somos sujeitos ativos pela transformao de nossas vidas e da sociedade: Queremos mudar o mundo para mudar a vida das mulheres para mudar o mundo.

    H 100 anos, mulheres socialistas propuseram um Dia Internacional da Mulher. Isso se deu em momento de forte organizao do movimento de mulheres, inclusive entre as operrias. Essa reivindicao expressava a certeza da necessidade de mudanas profundas na estruturao da sociedade, para garantir a igualdade para as mulheres. Isso s poderia ocorrer com a participa-o das mulheres, e a luta pelo direito ao voto era parte da plataforma do conjunto das mulheres organizadas.

    Nesses 100 anos lutamos para mudar nossas vidas, atuamos para recuperar a memria de luta das mulheres e para, cotidianamente, afirmar para toda a sociedade que nosso trabalho, nossa experincia, nossos conhecimentos contribuem para o bem estar de todas e todos.

    Em seus dez anos de existncia, a Marcha Mundial das Mulheres parte da histria do fe-minismo no mundo. Somos um movimento permanente e construmos momentos marcantes em nossas aes internacionais, que realizamos em 2000, 2005 e agora em 2010. Nessa terceira ao internacional, nossa chamada : Seguiremos em marcha at que todas sejamos livres.

    No Brasil, queremos expressar nossas denncias e nossas reivindicaes, afirmar nossas idias e celebrar nossos xitos. Marcharemos com mulheres de todos os estados, de 8 a 18 de mar-o, e queremos convencer a sociedade e os governos das mudanas necessrias para que tenhamos um mundo com liberdade, igualdade, justia, paz e solidariedade.

    Ao longo de nossa trajetria, acumulamos experincia e propostas concretas para essas mu-danas. Queremos muitas transformaes em nosso pas e sabemos que elas s sero reais se es-tiverem sustentadas por uma forte organizao popular. Acalentamos um sonho e uma esperana de que a Amrica Latina vive hoje processos avanados em muitos pases e esperamos que o Brasil tenha um papel efetivo nessa jornada.

    Contra a tirania do patriarcado e do livre mercado

    Somos mulheres e no mercadoria nossa palavra de ordem, que expressa a essncia de nossa luta contra o patriarcado, o capitalismo, o racismo e a homofobia.

    A tirania do mercado se ancora na explorao do tempo e trabalho das mulheres como recursos inesgotveis. Tenta nos transformar em objetos apropriados e controlados, como um produto que se adapta s exigncias do mercado. Esse o sentido da imposio de um padro de beleza inatingvel e da busca da eterna juventude como sinnimo de felicidade. A priso a esse ide-al inexistente nos impe a ansiedade do consumismo e molda nossa socializao como mulheres.

  • 29

    Marchamos para denunciar as relaes de opresso machistas e patriarcais sobre as mulheres, que so estruturantes do capitalismo que tambm racista, lesbofbico e depredador da natureza.

    Marchamosparaqueodireitoautonomia,auto-determinao,igualdadeeliberda-de sejam os princpios organizadores do mundo que queremos construir, baseado na solidarieda-de e no na competio e individualismo.

    Por nossa autonomia e direito auto-determinao

    A construo do que ser mulher ainda est marcada com a imposio da maternidade e, dessa forma, continua negando s mulheres o direito de decidir se querem ou no ser mes. Nossas vidas ainda esto marcadas pelo trabalho interminvel, pela imposio da maternidade e pela obrigao de agradar ao outro em um modelo de heterossexualidade obrigatria, que nega o lesbianismo. Lutamos pelo direito das mulheres autonomia e autodeterminao em relao ao trabalho, sexualidade, maternidade e participao poltica.

    Marchamosparaconstruirummundoondenenhumamulhersejatratadacomoobjetoe

    mercadoria na indstria da pornografia, da prostituio, do trfico, ou na publicidade e nos meios de comunicao. Rechaamos o uso do corpo das mulheres como um produto para a explorao sexual e prostituio.

    Marchamospeladescriminalizaoe legalizaodoaborto,pelodireitodamulherem

    decidir sobre os rumos de sua vida e sua sexualidade e lutamos contra a banalizao e a mercanti-lizao da sexualidade.

    Pela autonomia econmica das mulheres

    Marchamos pelo reconhecimento do trabalho das mulheres e questionamos a diviso se-xual do trabalho. Esses temas esto no centro do debate sobre autonomia econmica feminina. O desafio necessrio construir novas relaes sociais e um novo modelo econmico. O modelo dominante s considera como econmicas as atividades realizadas na esfera mercantil, desco-nhecendo uma imensa quantidade de trabalho domstico, de cuidados, e para o auto-consumo, em sua maioria realizados por mulheres. Alm disso, desvaloriza o trabalho assalariado realizado pelas mulheres.

    No Brasil, as mulheres so as mais pobres, em particular as negras e rurais. Em 2007, enquanto o rendimento mdio dos homens brancos por hora trabalhada era de 8,05 reais, o das mulheres negras era de 3,92 (PNAD, 2007). Mesmo que as diferenas de rendimento mdio entre homens e mulheres no campo venham diminuindo, em 2006 as mulheres recebiam o equivalente a 68% do rendimento dos homens.

    Por isso marchamos para: Ter um salrio mnimo digno: os dados comprovam que a valorizao do salrio mnimo

    impacta positivamente a vida de milhes de mulheres.Pelofimdasdiversasformasdeexploraodaforadetrabalhodasmulheres,queso

    submetidas a situaes degradantes e a vrias formas de assdio.

  • 30

    Pela reduo da jornada de trabalho sem reduo de salrios, visando ampliao depostos de trabalho.

    Pelaadooeexecuodemedidasconcretaspelosgovernos,paraeliminaradiferenade

    rendimentos mdios entre homens e mulheres e entre mulheres brancas, negras e indgenas.Pelagarantiadepolticasanti-racistascomopassoparaaigualdadetambmparaasmu-

    lheres negras e de todas as etnias discriminadas. Para isso, necessria a realizao de um conjun-to de polticas que levem em considerao a excluso de mulheres negras em relao previdn-cia, emprego e renda, creche e educao, sade e moradia.

    Porigualdadenoacessoaotrabalhoeseguridadesocialuniversalparahomensemulhe-res. urgente um modelo de previdncia que garanta condies dignas de vida e envelhecimento para todas as pessoas.

    Pelagarantiadetodososdireitostrabalhistasparaastrabalhadorasdomsticas:40horas

    de jornada semanal e a obrigatoriedade do FGTS.Porumareorganizaodotrabalhoemquehajaumadivisoigualitriadasresponsabi-

    lidades pelo cuidado com as crianas, idosos e doentes e, sobretudo das tarefas domsticas entre homens e mulheres.

    Queosgovernoscriemcondiesparaasocializaodotrabalhodomsticogarantindoa

    melhoria do acesso aos servios pblicos e a criao de novos equipamentos sociais como lavan-derias e restaurantes pblicos.

    Exigimosaampliaodoacessoacrechespblicas,dequalidade,emperodointegral,

    para todas as crianas, para superar o dficit no acesso, que deixa 80% das crianas de 0 a 3 anos sem atendimento.

    Por um mundo sem violncia contra as mulheres

    A violncia como parte do cotidiano da maioria de mulheres uma realidade presente em todos os pases e precisa acabar. Queremos explicitar como e porque ocorre essa violncia. Sua raiz est no machismo que tenta nos reduzir a objetos e perpassa de diversas formas a sociedade capitalista. A maioria dos casos de violncia sexista vividos pelas mulheres cometida por homens de sua relao, como companheiros, padrastos ou chefes, no caso do assdio sexual. Outra forma de manifestao desta violncia o tratamento das mulheres como mercadorias, seja na indstria da prostituio e pornografia, ou na forma como somos representadas pela publicidade.

    A violncia sexista se combina com o racismo e a violncia urbana, fazendo das jovens negras as maiores vtimas do trfico, alm do sofrimento das mes negras, que em vrias regies convivem com um verdadeiro genocdio dos jovens negros.

    As mulheres seguem cuidando de seus filhos ou companheiros na priso e se submetem revistas vexatrias a cada visita, sendo que as mulheres presas no recebem a mesma ateno de seus antigos companheiros.

    preciso dar visibilidade s lutas das mulheres contra a violncia sexista, a partir da sensibi-lizao da sociedade e da elaborao de demandas aos Estados, alm da realizao de campanhas de educao popular que apontem para a conscientizao feminista.

  • 31

    Que o Estado brasileiro trate de forma integral a questo da violncia, vinculando seu com-bate s mudanas estruturais e das relaes sociais. Tal poltica deve se parte de um projeto global de transformao da vida das mulheres e da sociedade brasileira.

    Marchamospelofimdetodaformadeviolnciacontraasmulheres.Denunciaremosa

    violncia sexista, a prostituio, o trfico de mulheres e outras formas de mercantilizao do corpo das mulheres, alm da explorao que os meios de comunicao comerciais fazem da imagem das mulheres.

    Marchamospelofimdaviolnciaurbana,quetemnocorpodasmulheresumadesuas

    expresses.Denunciamosodescasodasautoridadesgovernos,polcia,judiciriocomapalavra

    das mulheres, agravando, e mesmo deixando impune, a violncia contra as mulheres.Exigimosqueosgovernoseojudicirioatuemdeformadecididaparaprevenirepunira

    violncia contra as mulheres.

    Contra a privatizao da natureza e dos servios pblicos

    A natureza, educao, sade, conhecimento so bens comuns e no simples mercadorias. A resistncia e as alternativas construdas pelas mulheres apontam para a efetivao da soberania alimentar e energtica, a partir de iniciativas que articulam outras formas de produo, consumo, uso da energia, da gua e do solo. A agricultura camponesa e familiar fundamental para assegu-rar a alimentao a todos, mesmo sob a ameaa da ocupao e contaminao dos territrios pelas monoculturas, o uso intensivo de agroqumicos e sementes transgnicas, operados pelo agrone-gcio controlado por empresas transnacionais. As grandes empresas que dominam a agricultura e a produo industrial impulsionam um processo de dominao sobre nossos corpos. a lgica da dominao do mercado para garantir os lucros, em detrimento da sustentabilidade da vida humana.

    O acesso universal gua potvel e ao saneamento bsico, assim como aos servios pblicos de qualidade (sade, educao, transporte pblico etc.), devem ser assegurados pelo Estado, que deve atuar como garantidor dos direitos e necessidades bsicas.

    Por isso marchamos:Pelo acesso dasmulheres terra, aos recursos naturais e s decises sobre seus usos.

    Reafirmamos a urgncia da reviso dos ndices de produtividade, da limitao do tamanho da propriedade e o fim da estrangerizao da terra como medidas que podem avanar o processo de reforma agrria. Reafirmamos a necessidade de assegurar a regularizao de terras indgenas e quilombolas, o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa e o reconhecimento do traba-lho produtivo e reprodutivo das mulheres.

    Peloreconhecimentodasmulherescomocriadorashistricasdeconhecimentosemagri-cultura e em alimentao, que continuam produzindo at 80% dos alimentos nos pases mais po-bres e, atualmente, so as principais guardis da biodiversidade e das sementes para o cultivo.

    Parareforaraexignciadofimdodesmatamentodesenfreadoedapoluio,dousoin-discriminado de agrotxicos, da privatizao da biodiversidade, da gua e das sementes. Por isso demandamos a moratria do cultivo e comercializao de transgnicos por tempo indeterminado.

  • 32

    Os recursos pblicos no devem ser destinados a financiar o agronegcio, as transnacionais e a infra-estrutura que somente favorece a eles.

    Pelareafirmaodaguacomoumbempblico,quedeveserutilizadodeformademo-crtica e responsvel. Por isso continuamos contrrias transposio do rio So Francisco. Acre-ditamos em propostas como a da convivncia com o semi-rido, que comprova como a construo das cisternas para o consumo domstico e irrigao da produo familiar mudam a vida das mu-lheres.

    PelaconstruodeumnovomodeloenergticoparaoBrasil,quepriorizeaproduoea

    distribuio descentralizada de energia visando atender s necessidades locais e territoriais e que contemple a participao da populao no seu planejamento, deciso e execuo.

    Paz e desmilitarizao

    Queremos evidenciar as consequncias diretas das guerras e conflitos nas vidas das mulhe-res, que vo alm das enfrentadas pela populao masculina dos pases que vivem essa realidade. Em contextos de guerra, a apropriao do corpo das mulheres vista como recurso, forma de con-trole, intimidao ou trofu. Casos de violncia sexista so comuns, praticados tanto pelo exrcito e por grupos paramilitares, como pela comunidade local, cujos homens passam a rechaar e culpar mulheres vtimas das agresses.

    A manipulao ideolgica, que est por trs dos conflitos quando propaga, por exemplo, a guerra ao terrorismo, tambm tem impacto na vida das mulheres, criminalizando as integrantes de movimentos sociais e restringindo seu direito de ir e vir. Alm da denncia do papel dos fa-bricantes de armas, que tanto lucram com os conflitos e interferem politicamente em seus rumos, este eixo procura demonstrar a responsabilidade dos Estados e da ONU, cujas tropas trazem mais violncia s mulheres.

    Estamos atentas situao em que vivem nossas companheiras ao redor do mundo quando so criminalizadas por lutar por melhores condies de vida para as mulheres ou quando vivem em pases em conflito. Neste momento em particular, somos solidrias s nossas companheiras iranianas, curdas, palestinas, saharuies, colombianas, hondurenhas e haitianas. Afirmamos o pro-tagonismo das mulheres na resoluo de conflitos, sobretudo nos Grandes Lagos Africanos.

    No Brasil, lutamos contra a criminalizao da pobreza e dos movimentos sociais e contra o processo crescente de militarizao da sociedade, que se manifesta por meio de atitudes repressi-vas e violentas do Estado, como os inmeros assassinatos cometidos pelas polcias, ou na crena de que as armas so capazes de resolver a questo da segurana pblica. Denunciamos como essas aes atingem, sobretudo, os negros e negras.

    Demandamosaogovernobrasileiroa retiradadaMinustahdoHaiti, equeapresena

    militar seja substituda por uma cooperao baseada nas demandas do povo haitiano, em dilogo com os movimentos sociais, em particular com as organizaes de mulheres, que implique no apoio uma reconstruo que atenda ao conjunto da populao e seu direito moradia, alimen-tao, gua, emprego e lazer.

    Demandamosqueogovernobrasileiro tomeposio favorvelao imediato reconheci-

  • 33

    mento da independncia do Saara Ocidental, bem como realize aes que visem estabelecer re-laes econmicas, polticas e diplomticas com os legtimos representantes da Repblica rabe Saharaui Democrtica.

    Defendemos uma integrao dos povos que garanta o bem estar de todas e todos, que se oriente para a superao de assimetrias entre os pases e favorea a resoluo negociada de con-flitos.

    Reafirmamos nossa convico em um projeto de integrao soberana, solidria e com igual-dade para os povos da Amrica Latina e Caribe. A integrao na infra-estrutura de telecomuni-cao e de transportes deve ter como principal objeto o acesso a servios pblicos de educao, sade, saneamento, energia; o intercambio cultural; o acesso a bens e servios voltados para a qualidade de vida da maioria da populao. A integrao da infra-estrutura no deve, portanto, reproduzir um modelo de grandes obras com o objetivo de escoar produtos agrcolas e minerais para os pases do norte ou assegurar o uso de energia por empresas eletrointensivas, que no ge-ram empregos e degradam o meio ambie