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Dislexia e perturbações associadas: Memória e Atenção* Helena Serra Maria Fernanda Carreira Pereira Estrela Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti [email protected] 93 Palavras-chave: Dislexia, Memória, Atenção, Aprendizagem Resumo O número de crianças com Dificuldades Especificas de Aprendizagem/Dislexia, continua a aumentar. Urge estarmos atentos, enquanto profissionais da educação. Para melhorar as estratégias de ensino, é necessário conhecer as causas e os factores que provocam tanto insucesso nos alunos. Pretende-se com este trabalho investigar a influência que a atenção/concentração e a memória têm nas difi- culdades de aprendizagem registadas na leitura e na escrita, nos alunos do 1ºciclo. A leitura e a escrita são actividades extremamente com- plexas, que estão relacionadas com diversos processos como a linguagem, a psicomotricidade, a percepção auditiva e visual, o comportamento emocional, a memó- ria, a atenção, entre outros. O papel do professor pode ser um factor decisivo para a diminuição do insucesso dos alunos a nível da leitura e da escrita se estiver informado e formado nesta temática. Introdução As dificuldades de leitura e escrita continuam a consti- tuir um dos principais obstáculos que surgem ao longo da escolarização, na medida em que, além da dificuldade na aquisição da leitura ou escrita em si, causam dificul- dades em outras áreas de aprendizagem, condicionando todo o percurso escolar do aluno. As dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita podem ser conside- radas como dificuldades que se manifestam na aquisição de competências básicas, sobretudo na fase de descodi- ficação, as quais se mantêm posteriormente na fase de compreensão e interpretação de textos. Os problemas na aprendizagem da leitura e escrita são ou gerais ou específicos. Os primeiros resultam de factores exteriores ao indivíduo ou a ele inerentes, no caso de se tratar de uma deficiência. Os factores extrínsecos podem envolver situações adversas à aprendizagem normal, como o edifício esco- lar, organização, pedagogia e didáctica deficientes, aban- dono escolar, relações familiares e sociais perturbadas ou meio sócio-económico e cultural desfavorecido. Os fac- tores inerentes ao indivíduo referem-se à presença de uma ou mais deficiências declaradas. Tendo em conta a referência a aspectos como a presença de uma deficiên- cia ou o meio social e cultural desfavorecido, este tipo de problemas não poderia ser incluído na categoria das Dificuldades de Aprendizagem, na medida em que estas excluem, por definição, estes factores causais. Os problemas específicos de aprendizagem da leitura e escrita situam-se ao nível cognitivo e neurológico não existindo para os mesmos, explicação evidente. Este défice era associado, inicialmente, a uma perturbação neurológica provocada por um traumatismo adquirido, com afectação do cérebro. À medida que a investigação na área se desenvolveu, a etiologia das Dificuldades Específicas de Aprendizagem tornou-se mais esclarece- dora, nomeadamente no sentido em que se constatou que estas surgiam também em indivíduos com uma inteligência normal, sem problemas neurológicos ou físicos evidentes. Além disso, não apresentavam proble- mas emocionais ou sociais e não provinham de meios sócio-económicos e culturais desfavorecidos (Torres e Fernandéz, 2001). Assim, quando o indivíduo, apesar de reunir condições favoráveis para a aprendizagem da lei- tura-escrita, manifesta inesperadas dificuldades, então apresenta dificuldades específicas de leitura (Citoler, 1996 cit. in Cruz, 1999). * Artigo no âmbito da dissertação realizada para a obtenção do grau de mestre em Ciên- cias da Educação pela Universidade Católica Portuguesa

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Dislexia e perturbações associadas: Memória e Atenção*

Helena SerraMaria Fernanda Carreira Pereira Estrela Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti

[email protected]

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Palavras-chave: Dislexia, Memória, Atenção, Aprendizagem

Resumo

O número de crianças com Dificuldades Especificas deAprendizagem/Dislexia, continua a aumentar. Urgeestarmos atentos, enquanto profissionais da educação.Para melhorar as estratégias de ensino, é necessárioconhecer as causas e os factores que provocam tantoinsucesso nos alunos.Pretende-se com este trabalho investigar a influênciaque a atenção/concentração e a memória têm nas difi-culdades de aprendizagem registadas na leitura e naescrita, nos alunos do 1ºciclo.A leitura e a escrita são actividades extremamente com-plexas, que estão relacionadas com diversos processoscomo a linguagem, a psicomotricidade, a percepçãoauditiva e visual, o comportamento emocional, a memó-ria, a atenção, entre outros. O papel do professor pode ser um factor decisivo para adiminuição do insucesso dos alunos a nível da leitura e daescrita se estiver informado e formado nesta temática.

Introdução

As dificuldades de leitura e escrita continuam a consti-tuir um dos principais obstáculos que surgem ao longoda escolarização, na medida em que, além da dificuldadena aquisição da leitura ou escrita em si, causam dificul-dades em outras áreas de aprendizagem, condicionandotodo o percurso escolar do aluno. As dificuldades deaprendizagem da leitura e da escrita podem ser conside-radas como dificuldades que se manifestam na aquisiçãode competências básicas, sobretudo na fase de descodi-

ficação, as quais se mantêm posteriormente na fase decompreensão e interpretação de textos. Os problemas na aprendizagem da leitura e escrita sãoou gerais ou específicos. Os primeiros resultam de factoresexteriores ao indivíduo ou a ele inerentes, no caso de setratar de uma deficiência. Os factores extrínsecos podem envolver situaçõesadversas à aprendizagem normal, como o edifício esco-lar, organização, pedagogia e didáctica deficientes, aban-dono escolar, relações familiares e sociais perturbadas oumeio sócio-económico e cultural desfavorecido. Os fac-tores inerentes ao indivíduo referem-se à presença deuma ou mais deficiências declaradas. Tendo em conta areferência a aspectos como a presença de uma deficiên-cia ou o meio social e cultural desfavorecido, este tipo deproblemas não poderia ser incluído na categoria dasDificuldades de Aprendizagem, na medida em que estasexcluem, por definição, estes factores causais.Os problemas específicos de aprendizagem da leitura eescrita situam-se ao nível cognitivo e neurológico nãoexistindo para os mesmos, explicação evidente. Estedéfice era associado, inicialmente, a uma perturbaçãoneurológica provocada por um traumatismo adquirido,com afectação do cérebro. À medida que a investigaçãona área se desenvolveu, a etiologia das DificuldadesEspecíficas de Aprendizagem tornou-se mais esclarece-dora, nomeadamente no sentido em que se constatouque estas surgiam também em indivíduos com umainteligência normal, sem problemas neurológicos oufísicos evidentes. Além disso, não apresentavam proble-mas emocionais ou sociais e não provinham de meiossócio-económicos e culturais desfavorecidos (Torres eFernandéz, 2001). Assim, quando o indivíduo, apesar dereunir condições favoráveis para a aprendizagem da lei-tura-escrita, manifesta inesperadas dificuldades, entãoapresenta dificuldades específicas de leitura (Citoler, 1996 cit.in Cruz, 1999).

* Artigo no âmbito da dissertação realizada para a obtenção do grau de mestre em Ciên-cias da Educação pela Universidade Católica Portuguesa

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1. Dificuldades de Aprendizagem: Perspectiva Histórica

A evolução da sociedade ao longo dos tempos, o modocomo se foi perspectivando a si própria como comuni-dade, os valores que a moveram nas diferentes épocas, ascapacidades e atitudes que foi valorizando ou desvalori-zando em diferentes momentos históricos, reflectem amaior ou menor compreensão atribuída aos indivíduosmenos capacitados ou incapacitados. O homem, desde sempre, tem-se mostrado preocupadocom as diferenças individuais embora tenha prevalecidoo método de ensino tradicional, que utiliza as mesmasestratégias para todos, como se aprendessem da mesmamaneira. O interesse pelas possíveis causas e consequên-cias das diferenças individuais no funcionamento men-tal remonta às «antigas civilizações, como a grega»(Mann, citado por Cruz, 1999:20).Ao longo dos anos a sociedade atendeu de um mododiversificado indivíduos que apresentavam deficiências,ou eram diferentes dos outros. Na maioria dos países esteprocesso foi-se fazendo com desvios, retrocessos, saltosbruscos, fenómenos de moda, entre outros, a saber:

· Na Antiguidade Clássica, em cidades como Esparta,eram assassinados à nascença;· Na Idade Média eram exorcizados e abandonados nasflorestas, por se pensar estarem possuídos pelo demó-nio. É de salientar, contudo, o trabalho de Ponce deLéon (1510-1584), que num mosteiro beneditino espa-nhol, ensinou um grupo de surdos a linguagem escritaassociando-a a objectos. Inspirado no trabalho destemonge Juan Pablo Monet (1579-1633) realizou os pri-meiros ensaios para educação de surdos e mudos. Naopinião de Fernandes (2002), realizavam-se então asprimeiras experiências educativas e pedagógicas no sen-tido de ensinar os deficientes sensoriais – cegos e surdos.

· Nos séculos xvii e xviii os indivíduos deficientes eraminternados em asilos, hospícios ou prisões. Os jovenscresciam junto com idosos e marginais, não lhes sendoprestado qualquer atendimento especial. Fernandes(idem), refere que no início do século xvii, em Portu-gal, a Rainha Santa Isabel I, considerava que os defi-cientes, coxos, velhos e cegos deveriam aprender a fazeralgo, tendo ordenado por lei «a ocupação dos deficientes,através de actividades artesanais» (Fernandes, 2002:37).O abade L’Épée em 1775, em França, dedicou-se aoensino de surdos e desenvolveu um sistema codificadode gestos, que viriam mais tarde dar origem à Lingua-gem Gestual Francesa. Inspirado no trabalho deL’Épée, Valentin Huay (1745-1822), criou a primeiraescola para cegos. Luís Braille (1806-1852) baseou-senesta escola para ensinar o alfabeto táctil aos cegos.· No século xix, é generalizada a ideia de que a sociedadeé responsável pela protecção e apoio à população defi-ciente e surgem as instituições especializadas para defi-cientes. Todavia esta criação não obedeceu a plano prédefinido, foram criadas de forma mais ou menos alea-tória por particulares, pela igreja, por instituições debeneficência social.· Nos primórdios do século xix ocorre o início da edu-cação especial, com a tentativa científica levada a cabopor Itard em 1801, ao treinar um deficiente mentalprofundo. Inicia-se então um trabalho educativo ecientífico, mas dirigido fundamentalmente para asdeficiências evidentes: cegos, surdos, doentes mentais.É neste século que se dá uma passagem progressiva daperspectiva assistencial, para a perspectiva clínica. Ini-cia-se também uma perspectiva educativa, na procurade soluções pedagógicas para casos de cidadãos defi-cientes.Estas características foram causadas pelo facto do aten-dimento a estes indivíduos, sofrerem a influência daevolução de diferentes áreas do conhecimento e dediferentes áreas de actividade social.

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Contudo, o uso do termo Dificuldades de Aprendiza-gem só se «formalizou a partir de 1963, mas, o movi-mento de estudo remonta ao ano de 1800» (Cruz,1999: 20).

De acordo com o os critérios de Wiederholt, citado porCruz (1999), as fases de evolução da pesquisa em DA são:

· Fase de fundação (1800 a 1930) – Nesta fase, a medicina,especificamente a neurologia, interessou-se pelos pro-blemas de aprendizagem. As DA tiveram nesta etapa,uma abordagem clínica, de pacientes com lesão cere-bral causadas por acidentes, quedas ou doenças, e suarelação com perdas ou distúrbios de linguagem, da falae da aprendizagem. Elaboraram-se nesta época hipóteses, que defendiamque as faculdades mentais eram funções fisiológicaslocalizáveis. Alguns desses aspectos relacionados com océrebro ainda hoje são aceites. · Fase de transição (1930 a 1963) – Nesta fase os psicólogose educadores desenvolveram instrumentos e progra-mas úteis para diagnóstico e recuperação de distúrbiosmanifestados pelas crianças na aprendizagem.A preocupação passou da fase do diagnóstico para a derecuperação, trazendo profissionais da psicologia e daeducação para trabalharem com a área médica. Nesta época não havia um campo de DA para ser estu-dado individualmente, desta forma, lesão cerebralmínima, deficiências perceptivas, afasias e problemasneurológicos foram algumas das designações atribuídasàs Dificuldades de Aprendizagem.Torgesen, citado por Cruz (1999), refere que paraWerner e Strauss, os processos de aprendizagem paradeficientes centravam-se naquilo que actualmente cha-mamos de falta de atenção, hiperactividade, problemasperceptivo-visuais e perceptivo-motores, e que geral-mente ocorriam em crianças com lesões cerebrais.Esses autores concluíram que é possível encontrar dois

tipos de deficiência mental: as endógenas, causadas porcaracterísticas familiares herdadas; e exógenas, produ-zidas por défice neurológico ou lesões cerebrais, provo-cadas por problemas que ocorrem antes, durante oudepois do nascimento. · Fase de Integração (1963 a 1980) – Samuel Kirk em 1963,popularizou o termo Dificuldades de Aprendizagem(Learning Disability) numa comunicação apresentadana conferência «Conference on Exploration into Pro-blems of the Perceptually Handicapped Child» nosEstados Unidos, Garcia, citado por Cruz, (1999).

«... eu usei o termo ‘dificuldades de aprendizagem’paradescrever um grupo de crianças que têm desordens nodesenvolvimento da linguagem, da fala, da leitura, e dashabilidades associadas à comunicação necessárias parainteracção social. Neste grupo eu não incluo criançasque têm défices sensoriais tais como cegueira ou sur-dez, porque temos métodos para lidar e treinar os sur-dos e os cegos; eu também não incluo neste grupocrianças que apresentam um atraso mental generali-zado.» (Kirk, citado por Cruz, 1999: 30).

O mesmo autor limitou os critérios de classificação dasdificuldades de aprendizagem. Identificava criançascom dificuldades de Aprendizagem aquelas:

«a) que mostravam uma discrepância entre seu poten-cial de aprendizagem e o de execução; b) em que oatraso académico não se devia a outras deficiênciassensoriais; c) que não tinham aprendido pelos métodosusuais e que necessitavam de métodos especiais de ins-trução.» (Casas, citado por Cruz, 1999: 30).

Perante este facto tão marcante e de importânciaímpar para o estudo das DA, os métodos de avaliação,diagnóstico e os programas de intervenção específicacomeçaram a surgir. A importância desta fase, segundo

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Torgesen, citado por Cruz, (1999), deve-se ao estabe-lecimento do campo das DA como parte integrantedas áreas de educação especial e ao esforço na forma-ção de profissionais provenientes de diversos campospara intervirem com indivíduos com DA. · Fase Contemporânea (1980 à actualidade) – Nesta última faseé possível observar um esforço em ampliar o diagnós-tico como a intervenção para além das idades escolares,e também definir os termos «distúrbios» e «dificulda-des». Lerner citado por Cruz, (1999) refere-se à ten-dência de unir os esforços entre escolas do ensinoregular e de educação especial, assim como a utilizaçãode novas tecnologias tanto no diagnóstico como no tra-tamento.

A nível internacional, na década de setenta, são publica-dos dois documentos, no âmbito da educação especial,que trazem contributos fundamentais no sentido daintegração de alunos com necessidades educativas espe-ciais (NEE), e que são um marco histórico na evoluçãoda educação especial.Em 1975 é publicada nos Estados Unidos a lei, PL 94-142,onde se chama a atenção para o direito de todas as crian-ças terem um plano individualizado de ensino, pressu-pondo que todos têm direito à escolaridade e utilizandodiversificadamente os recursos, com o objectivo deobter o melhor desenvolvimento possível. «É valorizada aeducação como forma de mudança e a integração como forma denormalização» (Fernandes, 220:59). Em 1978 é publicadoo «Warnock Report», no Reino Unido, que veio repre-sentar a passagem do paradigma médico ou paradigmamédico-pedagógico, para o paradigma do ensino, isto é,passou a considerar que não são só os alunos deficientesque necessitam de ensino especial, mas que há um maiornúmero de alunos que frequenta a escola e que tambémpode revelar, em qualquer momento, dificuldades quenecessitem de meios apropriados para desenvolverem asaprendizagens. Neste relatório, também foi proposto

que se acabasse com a categoria dos deficientes e quefosse substituído pelo conceito de nee. É necessário definir o que são Dificuldades de Aprendi-zagem, mesmo sabendo que as definições construídas aolongo da história do seu estudo são muitas e a cada diarecebem contribuições das mais variadas áreas.

2. Dificuldades de Aprendizagem:Conceito

O conceito de dificuldades de aprendizagem (DA)representa um objecto de estudo controverso e aindapouco consensual, apesar de estudado por diversas dis-ciplinas como a educação, a pedagogia, a psicologia, asociologia, a antropologia, a cultura e a neurologia, entreoutras.Na opinião de Cruz (1999), a dificuldade para encon-trar uma definição consensual está relacionada com aspressões ideológicas e com as medidas políticas de cir-cunstância, e não com a falta de dados empíricos. Asdificuldades de aprendizagem podem surgir mesmo napresença de condições pedagógicas muito boas.As DA são constituídas por uma população bastanteheterogénea com idades diferentes, disfunções oudesordens diversificadas, e ainda com vários subtipos dedificuldades.Garcia (1998) refere que é nos processos implicados nalinguagem e nos rendimentos académicos, indepen-dentemente da idade dos indivíduos que se centram asdificuldades de aprendizagem, cuja causa seria ou umaalteração emocional ou uma disfunção cerebral. As várias definições que foram surgindo ao longo dosanos, contribuíram para que se envidassem esforços, natentativa de encontrar alternativas nas práticas educativas,e simultaneamente colaboraram para que o campo dasdificuldades de aprendizagem se fosse desenvolvendo.

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Nota-se que o esforço em delimitar o campo das DAdeixou de ser uma preocupação nesta fase, pois cada vezmais as DA são consideradas como uma dificuldadeespecífica dada a sua heterogeneidade. Fonseca (1995), considera que a expressão DA tem sidousada para designar uma grande variedade de fenóme-nos, dada a ocorrência de uma miscelânea desorganizadade dados que se espalham por vários conceitos confusos,vários construtos vulneráveis, múltiplas teorias insubs-tanciais, frequentes modelos incoerentes, etc., quereflectem, no fundo, um paradigma ainda obscuro entrenormalidade e excepcionalidade.

A expressão «DA» surgiu como uma necessidade, namedida em que as crianças diagnosticadas com disfun-ção cerebral mínima (minimal brain disfunction), comdislexia e outros «rótulos» similares eram, em algunscasos, tão diferentes entre si, e tão distintas das criançasdeficientes mentais, que exigiam uma definição maisabrangente e transdisciplinar do que a tradicional ava-liação médica psicométrica (Fonseca, 1995: 287).

Na opinião de Garcia (1998) e de Fonseca (2004), ape-sar de haver muitas definições de DA, avançadas pormuitos investigadores e academias reconhecidas a nívelinternacional, a que parece reunir mais consenso é adefinição do Comité Nacional Americano de Dificulda-des de Aprendizagem (National Joint Commitee ofLearning Disabilities – njcld 1988).

«Dificuldades de Aprendizagem é uma expressão gené-rica que refere um grupo heterogéneo de desordensmanifestadas por dificuldades significativas na aquisiçãoe no uso da compreensão auditiva, da fala, da leitura, daescrita e da matemática. Tais desordens são intrínsecasao indivíduo, presumindo-se que sejam devidas a umadisfunção do sistema nervoso que pode ocorrer e mani-festar-se durante toda a vida. Problemas na auto-regula-

ção do comportamento, na atenção, na percepção e nainteracção social podem coexistir com as DA. Apesar deas DA ocorrerem com outras deficiências (ex. deficiên-cia sensorial, deficiência mental, distúrbio socioemocio-nal) ou com influências extrínsecas (ex. diferençasculturais, insuficiente ou inadequada instrução pedagó-gica), elas não são o resultado de tais condições» (Fon-seca, 2004: 10).

Silver, citado por Garcia (1998) refere que para que hajacompreensão das dificuldades de aprendizagem devemconsiderar-se múltiplos processos e áreas de aprendiza-gem. Ele diferencia quatro grupos com possíveis dificul-dades de aprendizagem: input, integração, memória eoutput. Em cada grupo podemos encontrar:

· os transtornos de input, incluindo os transtornos percep-tivo-visuais e auditivos;· os transtornos de integração, nos quais se integrariam ostranstornos de sequenciação, abstracção e organização,e isto tanto a nível visual como auditivo;· os transtornos de memória que podem ser observados acurto e a longo prazo, e ambos em nível visual e emnível auditivo;· os transtornos de output, reflectidos em transtornos de lin-guagem, seja em nível de espontaneidade, de demandaespecífico e em nível de transtorno motor, seja em nívelgrosso ou fino Silver, citado por (Garcia;1998:34).

De facto as DA (Dificuldades de Aprendizagem) têmsido uma área obscura, onde tem estado inseridos todosos problemas, desde os pedagógicos, muitas vezes inade-quados, à enorme variedade de factores estranhos aoprocesso ensino/aprendizagem.As dificuldades de aprendizagem devem ser confronta-das com as inúmeras dificuldades que lhe estão ineren-tes, estudando a sua heterogeneidade, conhecendoalguns dos factores que poderão estar na sua origem.

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3. Dificuldades de AprendizagemEspecíficas

3.1. Factores Contribuintes

Na opinião de Fonseca (2004), a dificuldade paraencontrar uma definição consensual de dificuldades deaprendizagem, reside na identificação insuficiente, narelativa ineficácia do diagnóstico e na etiologia obscura,onde convergem múltiplos factores biossociais.Também Aaron, Phillips e Larsen, citados por Garcia(1998), referem que as dificuldades de aprendizagem anível da leitura, podem ocorrer devido a factores extrín-secos como a motivação, a educação insuficiente oudevido a défices sensoriais.A criança com dificuldades de aprendizagem apresenta«sinais difusos de ordem neurológica, provocados por factores obscu-ros« (Fonseca; 2004:124), incluindo nestes factores osíndices psicofisiológicos, as variações genéticas, as irre-gularidades bioquímicas, as lesões cerebrais mínimas, asalergias, doenças entre outras, que intervêm no desen-volvimento e nutrição do sistema nervoso central. Pode-mos ainda acrescentar os aspectos emocionais, afectivos,pedagógicos e sociais desajustados.Contudo, também podemos considerar como factoresque intervêm gerando dificuldades de aprendizagem: osmeios familiares pobres, as relações criança-adulto dis-torcidas, expectativas negativas, situações de aprendiza-gem segregativa e dispedagogias, entre outros.O mesmo autor relata, que também podem originarDA, as perturbações perceptivas subtis, as disfunçõesneuropsicológicas inóbvias e os problemas de processa-mento e transformação da informação. Na óptica de Fonseca, (2004), as etiologias biológica esocial não se podem separar. A solução para as dificulda-des de aprendizagem não se executa só na escola, ou sóna política de educação. A privação psicossocial influen-cia o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças.

Essa privação intervém nas variáveis psicofisiológicas,impedindo que a programação genética se desencadeie eatingindo o desenvolvimento cognitivo, a maturidadesocioemocional, e a optimização do potencial de apren-dizagem.Há nos factores de desenvolvimento humano uma mul-tiplicidade de interacções dinâmicas. Estes factores nãosão inalteráveis nem fixos. Anderson e Stanley citados por Garcia (1998), referemque a atenção e o processamento de informação(memória), influenciam as dificuldades de aprendiza-gem. Ambos estão relacionados com a interacção dos factoresbiológicos, psicológicos e sociais. O processamento deinformação, em especial a memória e a atenção, serãoabordados nos pontos seguintes.

Memória – O termo memória tem sua origem etimoló-gica no latim e significa a faculdade de reter e/ou read-quirir ideias, imagens, expressões e conhecimentosadquiridos anteriormente, reportando-se às lembranças. A memória é uma faculdade cognitiva extremamenteimportante porque ela forma a base para a aprendizagemsegundo Moffett et al (1990). Se não houvesse uma formade armazenamento mental de representações do passado,não teríamos uma solução para tirar proveito da experiên-cia. Assim, a memória envolve um complexo mecanismoque abrange o arquivo e a recuperação de experiências.Fonseca (2004) refere que ela está intimamente associadaà aprendizagem, da qual não se pode separar. Por seu ladoa aprendizagem é a habilidade de mudarmos o nossocomportamento através das experiências que foramarmazenadas na memória. Esta faculdade mental forma abase de nosso conhecimento, e está relacionada com anossa orientação no tempo e no espaço, e com as nossascapacidades intelectuais e mecânicas. Assim, aprendizagem e memória são o suporte paratodo o nosso conhecimento, habilidades e planeamento,

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fazendo-nos conhecer o passado, situarmo-nos no pre-sente e prevermos o futuro. Moffett et al (1990) e Grandpierre (1999), referem quenão há uma memória, nem centro da memória, mas pelocontrário, devemos observar o seu funcionamento sob aperspectiva da duração de fixação das informações. Exis-tem diferentes categorias de memórias:

· A memória de curto prazo (ou curta duração, memó-ria imediata), que dura minutos ou horas e serve paraproporcionar a continuidade do nosso sentido do pre-sente · A memória de longo prazo (ou de longa duração), queestabelece engramas ou traços duradouros (dura dias,semanas ou mesmo anos).

Para que a memória de curta duração, que é temporáriae tem uma capacidade limitada, se torne permanente,seja transformada na memória de longa duração, requeratenção, repetições e ideias associativas.Na opinião de Moffett et al (1990) e de Fonseca (2004),o estímulo ao ser repetido, é inserido funcionalmente,produzindo facilitações sinápticas, cuja função é conser-var a informação. Estas facilitações sinápticas podem serde duas espécimes: de curto termo e de longo termo.Muitos especialistas consideram memória de curtaduração e memória operacional como a mesma coisa.No entanto, as características chave que as distinguemuma da outra são para além do seu aspecto operacional,as múltiplas regiões do cérebro onde o armazenamentotemporário ocorre. Isto implica que nós podemos nãoestar conscientes de todas as informações armazenadasao mesmo tempo na memória operacional, nas diferen-tes partes do cérebro. Segundo Grandpierre (1999), a habilidade de lembrareventos não se reflecte na operação de um único sistemade memória, mas numa combinação de no mínimo duasestratégias usadas pelo cérebro para adquirir informa-

ção. Uma das estratégias é denominada de memóriaexplícita, ou memória declarativa. A memória declarativa (ou explícita) é a memória parafactos e eventos, por exemplo, lembrança de datas, fac-tos históricos, números de telefone, etc. Reúne tudo oque podemos evocar por meio de palavras. Pode sercaracterizada em: episódica – quando envolve eventosdatados, isto é relacionados ao tempo; e semântica –quando abrange a memória do significado das palavras. A memória operacional é crucial tanto no momento daaquisição como no momento da evocação de toda equalquer memória, declarativa ou não. Através dela asinformações que serão úteis para o raciocínio imediato ea resolução de problemas, ou para a elaboração de com-portamentos, são armazenadas temporariamentepodendo ser esquecidas logo a seguir. Esta forma de memória é sustentada pela actividadeeléctrica dos neurónios do córtex pré-frontal (a área dolobo frontal anterior ao córtex motor). Esses neuróniosinteragem com outros, durante a percepção, aquisiçãoou evocação Moffett et al (1990).Moffett et al (1990) e Fonseca (2004), referem que amemória é composta por dois sistemas: um bioeléctrico,que se processa a nível nervoso e outro químico, a nívelsináptico. Estes fundem-se na noção de engrama, que éa «unidade memorial de conservação de informação, consolidada eintegrada pela acção dos ácidos nucleicos» (Fonseca; 2004:169).A memória tem um papel integrativo, função essa que éessencial «à análise, à selecção, à conexão, à síntese, à for-mulação e à regulação das informações necessárias à ela-boração, à planificação e à execução de comportamentos»(Fonseca;2004:169). O mesmo autor considera que amemória é a base do raciocínio, e que o cérebro está aptoa combinar e a organizar a informação, sempre que achame a si.

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A memória não está localizada numa estrutura isoladano cérebro; ela é um fenómeno biológico e psicológicoenvolvendo uma aliança de sistemas cerebrais que fun-cionam juntos. Grandpierre (1999) relata que as informações prove-nientes de todas as zonas do córtex, utilizam um circuitocomplexo, que é a base da memorização. A saber: o hipo-campo (situado na base interna do lobo temporal),recebe as informações do córtex; passando na regiãotalâmica, e na parte interior do tálamo, chegando final-mente à parte interna do lobo temporal, o cíngulo. Vãoser aí analisadas em função da sua carga emotiva. Se estafor muito forte, voltam para o hipocampo e repetem opercurso entre este e o tálamo várias vezes, até o cínguloas enviar finalmente para os hemisférios.

É deste modo que o cérebro recebe os milhares de infor-mações diariamente, e que trata individualmente emalguns milésimos de segundo, através do sistema límbico. O hipocampo desempenha um papel fundamental naformação das nossas recordações: «a sua destruiçãocompleta provoca uma incapacidade para aprendernoções novas, mas não atinge as recordações antigas,assim como a memória de curo prazo» (Grandpierre,1999: 69).Moffett et al (1990) e Monteiro (2005) referem que aamígdala, comunica com o tálamo e com todos os siste-mas sensoriais do córtex, através de suas extensas cone-xões. Os estímulos sensoriais vindos do meio externocomo som, cheiro, sabor, visualização e sensação deobjectos, são traduzidos em sinais eléctricos, e activamum circuito na amígdala que está relacionado à memória,o qual depende de conexões entre a amígdala e o tálamo. As conexões entre amígdala e hipotálamo, onde as res-postas emocionais provavelmente se originam, permi-tem que as emoções influenciem a aprendizagem,porque elas activam outras conexões da amígdala para asvias sensoriais. Fonseca (2004) descreve que a memória é um sistemafuncional extraordinariamente complexo que afecta aaprendizagem, em especial a memória de curto prazo.A memória deve ser activada com frequência e de ummodo dinâmico, porque o treino facilita a aprendiza-gem. E sempre que se aprende alguma coisa ou seadquire alguma experiência, as células do cérebrosofrem alterações que se reflectem no comportamento.A memória armazena e preserva a informação. Na opi-nião de Fonseca (2004), ela agrega as funções de recep-ção e as funções de expressão, mas estas não ocorremsem as funções de armazenamento, compreensão, inte-gração e formulação ou rememorização, como se podeverificar, segundo o modelo integrado de aprendizagem.Esquecer as coisas é, como refere Fonseca (2004), o resul-tado de não as ter aprendido. Esquecer é desaprender.

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Figura 1 – Fonte: Métodos para a memória, Grandpierre, 1999 pág. 69

Figura 2 – Fonte: Sistema límbico, Monteiro, 2005 pág.97

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As investigações têm vindo a provar a importância damemória nas actividades mentais. Ela é consideradacomo fonte de conhecimentos. A memória dispõe deum conjunto de mecanismos e de codificação de conhe-cimentos. Cada vez mais ela tem de ser dinamicamentecolocada em situação, uma vez que a sua treinabilidadefacilita a aprendizagem.Para Grandpierre (1999) os suportes da memória são aatenção e a concentração. É sobre estes que nos debru-çaremos no ponto seguinte.

Atenção – A atenção é um processo cognitivo através doqual o cérebro focaliza e selecciona estímulos, estabele-cendo relações entre eles. A todo instante recebemosestímulos, provenientes das mais diversas fontes, toda-via só atendemos a alguns deles, pois não seria possível enecessário responder a todos.

«As desordens por défice de atenção, são desordens anível do desenvolvimento que resultam em problemasde atenção, em impulsividade, e em alguns casos emhiperactividade» (Nielsen; 1999:58).

Na opinião do mesmo autor as causas que levam aodéfice de atenção são muito variadas e dependem defactores diversificados, a saber: biológicos, genéticos;familiares e sócio-culturais.Grandpierre (1999), refere que a atenção provém daspartes centrais do cérebro, em especial do hipocampo eque é através dele que as informações passam e são colo-cadas na memória. É o hipocampo que, também distin-gue o que é conhecido do desconhecido, o original e oque está carregado de emoções.O mesmo autor relata que as informações novas sãoarmazenadas durante um certo tempo nos neurónios dohipocampo antes de ficarem ao encargo da memória demédio prazo. É esta fase de armazenamento que nospermite perceber a linguagem escrita ou falada. Foram

feitas experiências onde se pode constatar que, se hou-ver perturbações durante esta fase, a quantidade deinformação memorizada diminui.

«Estar atento é ajudar o nosso hipocampo a acolherinformações. Mas não basta querer estar atento para opoder fazer, devemos aprender a criar condições favorá-veis para a atenção e para a concentração.» (Grand-pierre, 1999: 91).A atenção manifesta-se de um modo eficaz numa rela-ção entre o sistema nervoso central, incluindo o sistemalímbico e o cérebro, coadjuvando também as funçõessensoriais que transmitem informações, como a visão, oolfacto, a audição, o gosto e o tacto.

Muller (1996) e Fonseca (2004) referem que a atençãoé controlada pelo tronco cerebral, mais precisamentepela substância reticulada, cuja função é regular aentrada e a selecção global dos estímulos, assim como acriação de um estado tónico de controlo, que é impres-cindível à aprendizagem.Uma complexa combinação bioquímica ocorre no sis-tema nervoso central, executada por substâncias conhe-cidas como neurotransmissores. Estas substânciasquando são libertadas, regularizam os ciclos de vigia esono que exprimem o funcionamento do sistema ner-

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Figura 2 – Fonte: Sistema límbico, Monteiro, 2005 pág.97

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voso central. A fase inicial da atenção denomina-se porestado de alerta. No entanto estar alerta não significaestar atento.Na opinião de Luria, citado por Fonseca (2002), a uni-dade de alerta e atenção está localizada nas estruturassubcorticais e axiais do cérebro que suportam os doishemisférios. A função de alerta consta na actividade queocorre dentro do cérebro e que é responsável pelamanutenção dum estado de prevenção. Alerta e atenção são interdependentes, seleccionam, fil-tram, focalizam e refinam a integração de estímulos.Elas impedem que o cérebro seja invadido desnecessa-riamente com informação sensorial insignificante quepossa intervir negativamente com o processamento cog-nitivo mais elaborado. Sem elas nenhuma aprendizagemsimbólica é possível. A sua disfunção pode originarhiperactividade, hipoactividade e défice de atenção emmuitas crianças com dislexia.A atenção é controlada pela substância reticulada existenteno tronco cerebral, que tem como função«regular aentrada e a selecção integrada nos estímulos, bem comoa criação de um estado tónico de controlo (…) que éindispensável à aprendizagem» (idem, 2004: 363).A atenção, segundo o mesmo autor é composta por umaorganização interna (proprioceptiva, tactilo-quinesté-sica) e externa (visual, auditiva e exteroceptiva) de estímu-los, que é imprescindível à aprendizagem. As mensagenssensoriais podem ser recebidas, mas não integradas se essaorganização não se verificar.O mesmo autor relata que as crianças com dificuldadesde aprendizagem, não conseguem seleccionar os estímu-los relevantes dos irrelevantes, mostrando dificuldadesem fixar a sua atenção. Ela depende de outras variáveiscomo a motivação, a hiperactividade, a impulsividade, obiorritmo preferencial, a presença de estímulos, o graude complexidade da tarefa, a sequencialização das ope-rações, as condições que ocorreram antes e durante aexecução das situações, o reforço em causa, o estado

emocional do momento, a função intraneurossensorialda figura-fundo e centroperiférica entre outras. Em suma pode dizer-se que a atenção depende de trêsfactores básicos:

· Factor fisiológico, que depende de condições neuroló-gicas e também da situação material em que o indiví-duo se encontra; · Factor motivacional: que depende da forma como oestímulo se apresenta e provoca interesse; · Concentração: que depende do grau de solicitação eactuação do estímulo, levando a uma melhor focalizaçãoda fonte de estímulo (visual, auditivo e cinestésico).

Um indivíduo com défice de atenção manifesta sinais dedesenvolvimento inadequado, em relação à sua idademental e cronológica, nos domínios da atenção, impulsi-vidade e da actividade motora.Garcia (1998) refere que crianças que manifestem difi-culdades na atenção visual e/ou visuo-motora terão assuas possibilidades para captar os conteúdos escolaresreduzidas, apresentando dificuldades de aprendizagem anível da expressão oral, da leitura e da escrita.Estar atento é um processo de extrema importância emmuitas áreas. Na escola exige-se a um aluno que presteatenção aos temas leccionadas pelo professor, ignorandoos estímulos visuais, sonoros ou outros, como o que seestá a passar na rua.Kirk e Chalfant, citados por Cruz (1999), adiantamque os indivíduos que não se conseguem concentrarnuma tarefa, não orientam a cabeça e os olhos para oprofessor quando ele fala, ou erram quando lhes pedempara cumprir uma ordem, são apelidados de indivíduoscom DA.Segundo Cruz (1999) têm sido realizadas inúmerasinvestigações acerca deste tema, uma vez que se consi-dera ser um factor decisivo para a aprendizagem, tendosido encontrados grandes níveis de correlação entre a

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atenção e diversos tipos de aprendizagem, nomeada-mente na leitura e na escrita.Strauss & Lethien, citados por Cruz (1999), descreve-ram os indivíduos com problemas de atenção comotendo: hiperactividade, distractibilidade, desinibição eperseveração.Por outro lado, Fonseca (2004), refere que muitas crian-ças com défice de atenção apresentam dificuldades emfixar e manter a atenção por um certo período de tempo,como em orientar a atenção para responder aos estímu-los relevantes. Dispersam-se com frequência, sendoatraídas mais usualmente por sinais distrácteis. A suadesatenção pode ser motivada por carência ou porexcesso, e, ambos os casos, são impeditivos de que se pro-cesse a selecção da informação essencial à aprendizagem.Esta envolve processos psíquicos superiores (retenção,integração, conceptualização, etc.) e processos psíquicosautomáticos (atenção, discriminação, identificação,figura-fundo, descodificação, sequencialização, memóriade curto prazo, análise, síntese,…), onde as crianças comdéfice de atenção manifestam problemas diversos.A criança desatenta frequentemente deixa de prestaratenção a pormenores ou comete erros por descuido emactividades escolares ou outras.Os critérios de diagnóstico do défice de atenção,segundo Cruz (1999) são: com frequência tem dificul-dades para manter a atenção em tarefas ou actividadeslúdicas; parece não escutar quando lhe dirigem a palavra;não segue instruções, não termina os trabalhos de casa,as tarefas domésticas ou os deveres profissionais; temdificuldades para organizar tarefas ou actividades; evitaou antipatiza com tarefas que exijam esforço mentalconstante (tarefas escolares ou trabalhos de casa); perdecoisas necessárias para a execução de tarefas ou activida-des; esquece-se de actividades diárias e facilmente é dis-traído por estímulos alheios à tarefaEm termos práticos, diz-se que um indivíduo com DAmanifesta nas actividades diárias, padrões de comporta-

mento em que a actividade motora é muito acentuada einadequada ou excessiva. São indivíduos que têm muitadificuldade em permanecer no seu lugar, que se mexemou baloiçam continuamente, que mantêm um relaciona-mento difícil com os colegas, não prestam atenção e ati-ram as respostas, etc. Nenhuma destas manifestaçõesdeve ser confundida com má educação ou faltas de com-portamento ocasionais.Fonseca (2004) refere que a criança que revele DA,apresenta discrepâncias entre a capacidade para aprendera ler, soletrar, escrever ou calcular e a capacidade paracompreender acontecimentos, experiências e ideias.Os indivíduos com Défice do Distúrbio da Atenção, sãomuito propícios a perturbações da linguagem. Con-soante os três sintomas básicos do distúrbio, as pertur-bações são desenvolvidas, mediante o tipo de disfunçãoquer ao nível da leitura, da escrita, do cálculo lógico, ouaté mesmo de ortografia.

4. A Memória e a Atenção na Leitura ena Escrita

Para ler e para que se processe a informação, é funda-mental que o leitor possua um conjunto dinâmico, sisté-mico, coeso, e auto-regulado de competências cognitivascomo a atenção, a percepção, a memória, o processa-mento simultâneo e sequencializado, a simbolização, acompreensão, a inferência, a planificação e produção deestratégias, a conceptualização, a resolução de problemas,a rechamada e expressão de informação, etc. (Fonseca;2002:11). Ler é o resultado de um sistema complexo,onde estas componentes cognitivas colaboram e contri-buem de uma forma enérgica envolvendo inúmeros sis-temas funcionais neuropsicologicamente integrados.A correlação entre a habilidade fonológica e a aprendi-zagem da leitura, é fundamental na aquisição da leitura.

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Se a representação fonológica não se encontra assimi-lada, podem ocorrer dificuldades na aprendizagem(Snowling 1995). Para ocorrer a aprendizagem da leitura e da escrita acriança precisa estar atenta para poder constatar que alinguagem oral é composta por palavras e sílabas, desco-brindo que estas correspondem a unidades de fala. Paraalém de que a criança necessita de se consciencializarque existem fonemas. A consciência dos fonemas èimprescindível para a aprendizagem da leitura do sis-tema de escrita alfabética como o da língua portuguesa,uma vez que geralmente as letras do alfabeto correspon-dem a fonemas.As dificuldades de aprendizagem na leitura e na escritapodem ocorrer, devido a factores cognitivos, neuropsi-cológicos e sensoriais, podendo também estar associadasao processamento da informação (Muller, 1996). Se porum lado, a leitura activa os processos cognitivos, então,as dificuldades de aprendizagem na leitura acontecemdevido aos défices nos processos perceptivos, nos pro-cessos léxicos ou de reconhecimento das palavras e nosprocessos sintácticos e semânticos.Na opinião de Garcia (1998), as dificuldades de apren-dizagem da leitura, podem ser caracterizadas por difi-culdades relacionadas com as tarefas de leitura; poralterações na leitura causadas por défices culturais, eco-nómicos e motivacionais. Fonseca (2004), consideraque a leitura é um processo complexo, que envolvevários processos como a linguagem, a psicomotricidade,a percepção auditiva e visual, o comportamento emocio-nal, a cultura, nível e o sócio-económico, entre outros. A linguagem escrita é entendida como a extensão dalinguagem oral, significando que para a ocorrência deadequado desenvolvimento da representação gráfica,a criança deve perceber os sons correctamente durante aprodução.Luria, citado por Fonseca (2002), refere que a lingua-gem escrita inclui a aprendizagem de uma série de pro-

cessos a nível do fonema, tais como a busca de sons iso-lados, a sua contraposição, a codificação de sons e letrasisolados em palavras completas. Na opinião de Snowling (1995), à medida que o sistemafonológico se desenvolve na criança, o aperfeiçoamentoda linguagem oral faz com que algumas habilidades cogni-tivas fundamentais ao desenvolvimento da leitura, como éo caso da consciência fonológica e aumento na capacidadeda memória, melhorem o acesso às palavras faladas.Segundo Ávila (2004), a consciência fonológica é alcan-çada através do desenvolvimento cognitivo, das suaspossibilidades de metacognição e também pelo desen-volvimento da linguagem oral, cujas etapas são percorri-das com a construção de memórias lexicais, sintácticas efonológicas, e os seus elementos serão utilizados naaprendizagem da escrita e da própria consciência fono-lógica.Fonseca (2004) refere que muitas crianças com déficede atenção apresentam uma disfunção perceptiva, umavez que elas revelam dificuldades em formar percepçõestão refinadas e organizadas como as que são necessáriaspara aprender.Contudo, as dificuldades na leitura e na escrita não sedevem só ao défice de atenção e memória. Como vere-mos este défice no desenvolvimento e compreensão dostextos escritos, deve-se a outros factores que abordare-mos nos pontos seguintes.

5. A Dislexia

5.1. Conceito, Definição, Etiologia

Etimologicamente na palavra dislexia, dis significa dificul-dade, perturbação, e lexia é igual a leitura no latim, e linguagemno grego. O termo dislexia refere-se a dificuldades naleitura, ou dificuldades na linguagem.

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Encontramos hoje uma enorme variedade de hipótesesetiológicas, que concordam com as correntes teóricasque lhe estão subjacentes (médicas, psicológicas, socio-lógicas e pedagógicas), para definir o termo dislexia.Segundo Ekwal & Shanker (1983), citado por Hennigh(2003) o termo dislexia foi usado pela primeira vez em1887. Contudo os investigadores têm tido dificuldadesem defini-la.Adolph Kussmaul, em 1877, usou a expressão «cegueiraverbal», para se referir ao produto de uma lesão cerebral.Esta terminologia contribuiu para a definição actual dedislexia. A expressão referia-se aos indivíduos quetinham uma visão e fala correctas, mas não conseguiamidentificar palavras que já conheciam. No parecer deMorgan citado por Pereira (1995), a cegueira verbalcongénita é o resultado de uma lesão no «gyrus angularis»dando continuidade aos estudos de Broca sobre a afasia(dificuldades na leitura e na escrita). Sabe-se hoje, queesta é a zona do cérebro responsável pela linguagem.Neste contexto a dislexia resulta de uma lesão cortical, eé do domínio médico. Em 1917 James Hinshelwood, citado por Rocha (2004),definiu dislexia como sendo uma incapacidade paraaprender a ler. O mesmo investigador citado por Hout(2001), supôs que a dislexia era causada por um danofuncional congénito do giro angular (centro da «memó-ria visual das palavras»).Samuel Orton, citado por Fonseca (2004), em 1930,realizou estudos sobre os efeitos das lesões cerebrais nalinguagem, onde concluiu que uma das causas da dislexiaera hereditária. Também provou que todos os seus casosdisléxicos mostravam uma ambidextria revelada pelahesitação, a inconstância e uma descoordenação a nívelda lateralidade. O mesmo investigador usou o termo«estrefossimbolia» que significa»símbolos invertidos» paradefinir as inversões de leitura. Para Hennigh (2003), estaideia é actualmente considerada como equivalente aoproblema das inversões descritas no domínio da dislexia.

«Para os médicos que descobriram a dislexia, ela seria umdéfice grave, inesperado e isolado da aprendizagem daleitura, que acontecia em crianças inteligentes, com ori-gem constitucional neurológica.» (Hout et al, 2001: 9).

Contudo, no início do século xx, e segundo Estienne(2001), surge uma outra corrente defendida por peda-gogos e educadores, que não concordam com a definiçãomédica de dislexia, levantando dúvidas sobre a hipótesedo défice, que era considerada uma espécie de doença,que por ser congénita era incurável. Pelo contráriodefendem que a dislexia se deve a vários factores: peda-gógicos, ambientais e psicológicos. Consideravam «dis-léxicos» aqueles que apresentavam de um modo maisgrave um atraso na leitura.Ajuriaguerra, citado por Rocha (2004), considera quea dislexia está ligada a um bloqueio de aquisição, isto é,existe um desorganização práxica que impede a inclu-são das aquisições necessárias à compreensão da lei-tura.Para Critchley trata-se de:

«uma perturbação que se manifesta na dificuldade emaprender a ler, apesar de o ensino ser convencional, ainteligência adequada, e as oportunidades sócio-cultu-rais suficientes. Deve-se a uma incapacidade cognitivafundamental, frequentemente de origem constitucio-nal» (Torres, 2001: 5).

Esta definição foi bastante criticada por numerososinvestigadores. A Federação Mundial de Neurologia, define dislexiacomo uma desordem que se manifesta pela dificuldadeem aprender a ler, e que não está relacionada com a ins-trução convencional, a adequação intelectual e as opor-tunidades sócio-culturais, mas que depende de funçõescognitivas, que são na maioria dos casos de origemmecânica.

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São de salientar algumas definições que relacionam adislexia com a deficiência pedagógica e as que dão maisênfase aos aspectos psicológicos, causados por proble-mas de ordem afectiva. Perante tantas opiniões diversificadas, e o uso por vezesabusivo do termo, a Associação Internacional de Disle-xia em 1994, apresentou uma definição bastante abran-gente:

«a dislexia é uma das diversas incapacidades distintas naaprendizagem. É um distúrbio específico baseado nalinguagem, de origem constitucional, caracterizado pordificuldades na descodificação de palavras isoladas, quegeralmente reflectem habilidades insuficientes de pro-cessamento fonológico. Essas dificuldades na descodifi-cação de palavras individuais são frequentementeinesperadas em relação à idade ou a outras capacidadescognitivas; elas são resultantes de uma incapacidade dedesenvolvimento ou de um comprometimento senso-rial. A dislexia manifesta-se por uma dificuldade variá-vel em diferentes formas de linguagem, incluindo, alémdo problema na leitura, um problema conspícuo naaquisição de proficiência na escrita e no soletrar.»(Snowling, 2004: 24,25).

Segundo Torres (2004), o termo dislexia inicialmenteapareceu ligado à noção de perturbação neurológicaprovocada por um traumatismo adquirido, com afecta-ção do cérebro. A dislexia estava relacionada com os fac-tores causais. Contudo, após vários estudos realizados a indivíduoscom grandes dificuldades ou com total incapacidade deaprendizagem da leitura, a etiologia da dislexia foi sendoesclarecida, comprovando-se:

«que esta aparece em indivíduos com uma inteligêncianormal ou até mesmo superior, sem problemas neuroló-gicos ou físicos evidentes, que não apresentam proble-

mas emocionais ou sociais, que não provêm de meiossocioeconómico-culturais desfavorecidos e que nãoforam submetidos a processos de ensino inapropriados»(idem, 2004: 4).

Embora existam muitas definições e explicações, e nãoobstante as diferenças entre as várias definições, pare-cem existir aspectos em comum. Para Correia (2004),parece ser consensual que quando se fala em dislexia,esta se refere a uma dificuldade primária para a leitura,devida a um funcionamento diferente do cérebro (quenão está lesado), não existindo uma causa aparente parao problema. Este aspecto está associado à exclusão deuma série de critérios eventualmente originadores deproblemas na leitura. Nos últimos anos o termo dislexia ganhou especificidade,significando uma síndrome particular que se traduz emdificuldades para distinguir, ou memorizar letras ou gruposde letras, problemas de ordenação, de ritmo e de estrutura-ção de frases, prejudicando simultaneamente a leitura e aescrita. Para além de um problema pedagógico, a dislexiatambém é considerada como um problema social, econó-mico, cultural e político. Quanto à etiologia, SamuelOrton, na primeira década do século xx, foi dos primeirosinvestigadores a referir que a dislexia era hereditária.Kirk e Gallagher (2002), referem que alguns investiga-dores têm tentado identificar os factores das DA deuma criança. Os factores etiológicos mais comuns são asdisfunções cerebrais, os factores genéticos, os factoresnutricionais e ambientais e os factores bioquímicos.Fijalkow, citado por Pereira (1995), justifica o apareci-mento da dislexia devido a factores de ordem genética,baseando-se em investigações sobre antecedentes fami-liares, a desordens bioquímicas, baseadas em investiga-ções especulativas sobre um possível disfuncionamentoda tiróide. Para além dos factores genéticos influenciarem o apare-cimento de dificuldades de aprendizagem, também outros

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factores como a privação de nutrição, de estimulação, deafectividade, e de socialização entre outros, estão rela-cionados com o aparecimento dessas dificuldades, prin-cipalmente se isso ocorrer nos períodos críticos dedesenvolvimento. Cruickshank e Hallahan, citados por Kirk, (2002), efec-tuaram estudos sobre a má nutrição e a falta de estímuloambiental e concluíram que a desnutrição grave no iní-cio da vida pode afectar o sistema nervoso central e con-sequentemente a aprendizagem e o desenvolvimento dacriança.Na perspectiva de Torres (2004), são os factores neuro-lógicos, os cognitivos e a relação entre ambos, quepodem condicionar o aparecimento da dislexia.Qualquer factor etiológico, quer seja biológico ou socio-lógico que afecte o cérebro, ou que cause uma disfunçãopsiconeurológica no indivíduo, assume uma importânciavital em termos de diagnóstico e intervenção, uma vezque toda a aprendizagem está dependente do cérebro.Fonseca (2004) distingue dois tipos de causas que acriança com dificuldades de aprendizagem da leiturapode apresentar: as exógenas (exteriores à criança) eendógenas (da criança).Nas causas exógenas salienta-se: má frequência escolar,deficiente orientação pedagógica, inexistência de ensinopré-primário, recusa do ambiente escolar, problemas demotivação cultural, falta de hábitos de trabalho, falta deaprendizagem mediatizada. Dentro das causas endóge-nas distinguem-se: carência instrumentais; dificuldadesde processamento da informação visual e auditiva; ima-turidade psicomotora, com problemas de imagem docorpo, de lateralidade, de orientação espacial e temporal;desenvolvimento da linguagem muito pobre ou imaturi-dade psicolinguística (expressão limitada, vocabuláriodiminuto, construção sintáctica pobre, problemas decomunicação verbal); problemas orgânicos e genéticosque reflectem na dificuldade de aprendizagem: proble-mas do sistema nervoso central (snc), disfunções cere-

brais, diabetes, anomalias enzimáticas, hipersensibili-dade, super-estimulação e hiperactividade com proble-mas globais de atenção.Contudo estas duas causas não estão isoladas uma daoutra, pelo contrário existe uma dinâmica entre elas, umassão condições das outras. Os problemas de aprendizagemsituam-se na sua reciprocidade mútua e complexa.

5.2 Teorias explicativas

Perspectiva neurológica – Segundo vários investigado-res (Birch1 1954, Clements 1966, Myklebust e Boshes1969, Rutter, Tizard e Whitemore 1970), citados porFonseca (2004), inúmeras crianças disléxicas apresen-tam lesões mínimas no cérebro ou disfunções psiconeu-rológicas. Em muitos trabalhos de investigação se temreconhecido que existe uma relação significativa entre aslesões orgânicas cerebrais e as capacidades perceptivas,cognitivas e motoras. As lesões cerebrais interferem commúltiplos sub-processos de tratamento e ordenação deinformação, para além de afectarem os processos recep-tivos, integrativos e expressivos.Tem sido estudada no âmbito da neurologia a relaçãoentre dominância cerebral, lateralidade e erros de indi-víduos disléxicos.Os disléxicos processam as informações numa área dife-rente do cérebro, não obstante, os cérebros de disléxicossão perfeitamente normais. A dislexia parece resultar defalhas nas conexões cerebrais.A aprendizagem da leitura no modelo de Luria, «resultada criação de conexões entre muitos grupos e redes de células que seencontram posicionadas em distantes áreas do cérebro» (Fonseca,2002:12).Uma lesão pode ocasionar a perturbação de diversossistemas funcionais desde que integrados num deter-minado factor, correlacionado àquela área determi-nada. Inversamente, os motivos pelos quais um mesmo

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sistema funcional pode ser abalado, por lesões de dife-rentes áreas cerebrais, considerando-se que todas elasdesempenham um papel naquela determinada função.Por exemplo, o sistema funcional da escrita: a sua rea-lização inclui, além da análise auditiva, a análise cines-tésica da estrutura da letra (articulação), a análisevisual e a programação motora, podendo apresentarproblemas, de natureza diferenciada, em virtude delesões das áreas auditivas, cinestésicas, visuais oumotoras do cérebro.Na perspectiva de Ritzen (1981), o cérebro é o centro detodas as aprendizagens que adaptam progressivamente acriança ao mundo exterior, desde o nascimento até à idadeadulta. É o receptor de todas as actividades sensoriais esensitivas, o dinamizador de todas as actividades motorase o suporte da consciência e das funções superiores: inte-lectuais, linguísticas e conceptuais. O cérebro, a base detodos os comportamentos, quer natos ou inatos.Para perceber melhor a causa da dislexia, é necessárioconhecer, de um modo geral, como funciona o cérebro.O cérebro está dividido em diversas áreas que exercemfunções específicas. A aprendizagem é uma função docérebro. Ela envolve um processamento de informaçãoatravés de meios sensoriais (recepção), neurológicos(descodificação, tradução, retenção e codificação) e psi-cológicos (percepção, imagem, simbolização e concep-tualização).Torna-se, assim, imprescindível, a compreensão dosprincípios que regem a organização funcional do cére-bro humano (Fonseca, 2002), refere que o cérebrohumano, segundo a visão luriana, é um complexo sis-tema hierarquicamente organizado. Os dois hemisférioscerebrais – consideradas as áreas superiores do sistemanervoso central, asseguram a análise e síntese das infor-mações que chegam do mundo exterior, a assimilação ea elaboração da informação recebida, a elaboração deprogramas de actividades complexas e o monitoramentoda vida psíquica.

Segundo Fonseca (2004), após estudos efectuados porvários investigadores, tem-se mostrado que os doishemisférios constituintes do cérebro desempenhamfunções específicas. O hemisfério direito é considerado,o hemisfério responsável pelos conteúdos não verbais,como as experiências, as actividades da vida diária, aimagem, as orientações espácio-temporais e as activida-des interpessoais.O hemisfério esquerdo, pelo contrário, é o responsávelpelos conteúdos verbais, através dos quais se realiza acomunicação, se expressa o pensamento, se opera arepresentação interiorizada da experiência e se verifica aconceptualização das mesmas.Contudo, os dois hemisférios trabalham em conjunto,num perfeito entendimento e divisão de tarefas. Paraalém das funções intra-hemisféricas (dentro de cadahemisfério), têm ainda as funções inter-hemisféricas,que se operacionalizam no diálogo e na cofunção deambos os hemisférios, e as funções integrativas, queenvolvem significações equivalentes entre os conteúdosverbais e os não verbais.Os sistemas sensoriais encontram-se distribuídos pelossentidos da audição, da visão e do tacto que inclui tam-bém o quinestésico. Funcionam umas vezes indepen-dentemente, outras interdependentemente e outras deum modo integrativo. O cérebro, para cada área senso-rial dispõe de uma área de processamento especializado,a saber: a informação auditiva é processada nos lóbulostemporais, a visual nos lóbulos occipitais e a tactiloqui-nestésica nos lóbulos parietais. Fonseca (2004), refere que cada modalidade neurosen-sorial nas funções de recepção e de expressão possuitambém inúmeras funções de processamento da infor-mação: discriminação, identificação, análise, síntese,retenção, compreensão, integração, conceptualização,rememorização, organização, planificação e decisão. O mesmo autor indica que o processamento de infor-mação humana é constituído por:

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«processos receptivos de descodificação (auditiva, visuale tactiloquinestésico), processos integrativos (atenção,discriminação, identificação, análise, síntese, armazena-mento, integração, conceptualização, rememorização,organização, planificação e decisão) e por processosexpressivos de codificação (verbal e motor), para alémde complicados processo de feed-bak e «contra-feed --bak»» (Fonseca, 2004: 183).

Para que a aprendizagem humana se processe normal-mente tem que haver um conjunto mínimo de requisi-tos a que Fonseca (2004), chamou de «totalidade funcionalneuropsicológica». Se essas condições não existirem aaprendizagem não se processa normalmente, e ocorreuma disfunção cerebral.Segundo Torres (2004), após vários estudos efectuadosa grupos de disléxicos e a leitores normais concluiu-se,que existe uma dominância do hemisfério esquerdo parao processamento linguístico em ambos os grupos, masos disléxicos apresentam uma taxa de processamentoinferior. Este grupo apresenta também um funciona-mento deficitário do hemisfério direito.Lúria, citado por Fonseca (2001), não considera queexista uma correspondência linear entre uma aprendiza-gem e uma zona específica do cérebro, uma vez que eledefende que as funções cerebrais são de natureza sisté-mica. Assim uma disfunção cerebral que resulte de umazona específica ou de uma estrutura dentro do sistematotal, pode manifestar-se em diferentes défices cognitivos.Sally E. Shaywitz, citada por Frank (2003), utilizou a tec-nologia RM (Ressonância Magnética) para examinarimagens do cérebro enquanto este realizava tarefas inte-lectuais, descobrindo então, que os leitores disléxicosmanifestavam uma actividade reduzida na circunvoluçãoangular (área do cérebro que liga às áreas da linguagem, ocórtex visual e a área de associação visual). Descobriutambém que os disléxicos enquanto estão a ler, revelamuma actividade mais elevada na área de Broca do que os

não disléxicos. Sugerindo este facto que os disléxicospodem usar esta área do cérebro para compensar falhasem outras regiões do cérebro utilizadas normalmentepara desempenharem as funções fonológicas.Para Fonseca (2001), os problemas encontrados emindivíduos disléxicos podem ser atribuídos a défices deâmbito cerebral, que interferem com a atenção, com aprodução rápida e fluente de processos sensório-moto-res básicos e a défices de processamento multisensorial:sequenciais e simultâneos, visuo-gráficos, fonológicos esemânticos.

Perspectiva Psicolinguística – Segundo Pereira (1995),Torgesen, citado por Fijalkow, considera que, o compor-tamento dos disléxicos pode ser interpretado como oresultado dos erros cognitivos no tratamento da tarefa.Contudo, para os defensores da metalinguística esseserros podem localizar-se a nível fonológico, lexical ousintáctico. Para eles o sucesso na aprendizagem da lei-tura passa por um maior grau de consciência linguística. As dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita têmorigem em problemas perceptivo-motores que posterior-mente se associam a dificuldades auditivo-linguísticas.

«Desde que o indivíduo não consiga captar o sentido daspalavras, não poderá escrevê-las correctamente.» (Mon-tenegro, citado por Pereira, 1995: 98).

Alguns investigadores, como Sprenger-Charolles, citadopelo mesmo autor, preferem distinguir níveis de cons-ciência fonológica: consciência fonémica, e silábica (aonível da sílaba e do fonema) consciência fonética (rimase aliterações), e a consciência prosódica (ritmo),actuando de maneira diferente cada uma delas na leitura;e Sim-Sim citada por (idem, 1995), também identificatrês factores, uns funcionando como antecedentes da lei-tura – segmentação silábica e reconstrução fonética – e ooutro -segmentação fonémica – é o resultado da leitura.

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A capacidade metafonológica pode ser consideradacomo um facilitador da aprendizagem da leitura.Berry e Reynell, citados por Fonseca (2004), referemque os processos de maturação neurolinguística dacriança, não dependem só do seu potencial psicolinguís-tico, mas são influenciados também pelo processo lin-guístico praticado no meio familiar, pelo envolvimentoescolar, e por factores socioeconómicos e socioculturais. Vários autores consideram as dificuldades na escrita, e adesordem da leitura e da linguagem, como dislexia.Tendo em consideração o Quociente Intelectual (QI)do indivíduo e a oportunidade educacional (o meioambiente) em que está inserido, trata-se de uma dificul-dade de aprendizagem e não de uma doença, nem deuma incapacidade. A criança ou o indivíduo disléxiconão deve ser confundido com alguém, com um déficemental, apesar de apresentar perturbações e problemasinvulgares e multicomplexos, por vezes sem explicação.Trata-se do modo como o processamento da informa-ção simbólica e não simbólica ocorrem no cérebro, quepodem envolver dificuldades cognitivas de compreen-são, análise e utilização dos sistemas e subsistemas dalinguagem falada e escrita, isto é, podendo abranger iso-lada ou simultaneamente, componentes receptivas,integrativas, elaborativas e expressivas.Torres (2004), entende que a dislexia deve considerar-secomo uma perturbação da linguagem que se revela comouma dificuldade de aprendizagem da leitura e da escrita,em consequência de atrasos de maturação que afectam oestabelecimento das relações espácio-temporais, a área --motora, a capacidade de discriminação perceptivo --visual, os processos simbólicos, a atenção e a capacidadenumérica e/ou a competência social e pessoal. Pereira (1995), refere que a concepção teórica dos défi-ces instrumentais e cognitivos se baseia em processos deordem cognitiva como a linguagem, a percepção, amemória, as gnosias auditivas e visuais e a estruturaçãoespácio-temporal. Contudo têm surgido algumas diver-

gências dentro desta corrente, ao efectuarem-se estudosde mecanismos cognitivos mais circunscritos, como aatenção selectiva, a memória a curto prazo, as imagens ea integração sensorial.No entender da perspectiva cognitivista, as diferençasentre bons e maus leitores devem ser interpretadascomo uma falta de capacidade por parte dos disléxicosem desenvolver e utilizar as estratégias de forma eficaz.

5.3 Taxonomia das disfunções

Para ler, escrever ou contar o cérebro, coloca em funcio-namento cada um dos processos de um complexo sis-tema funcional, que é composto por diversossubsistemas visuais, auditivos, tactilo-quinestésicos emotores, léxicos, subléxicos, cognitivos e metacogniti-vos, que interagem de um modo sequencial melódico esistémico.«A aprendizagem da leitura resulta do funcionamentode sistemas funcionais que integram várias áreas ou uni-dades do cérebro.» (Fonseca, 2002: 13). Daqui resulta que, quando uma parte do sistema funcio-nal se apresenta lesionada, existe uma aprendizagem queestá afectada, como se pode verificar, segundo Lúriacitado por (idem, 2002) em diversos casos clínicos cominúmeras incapacidades de aprendizagem, a saber:A agnosia – disfunção severa de input, isto é, a incapa-cidade do individuo para reconhecer ou identificar osestímulos, tanto auditivos, como visuais ou tactiloqui-nestésicos.A afasia – disfunção severa de integração e de elaboraçãode linguagem falada.. Para os neurologistas existem quatrotipos de afasia. Afasia de recepção ou sensorial, que significadificuldades em compreender os enunciados; afasia motoraou gráfica que corresponde às dificuldades em expressar ospensamentos por escrito; alexia que consiste à dificuldadeem ler; e agrafia que traduz a dificuldade em escrever.

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A apraxia – disfunção severa de output, isto é, incapa-cidade para o indivíduo coordenar ou realizar movi-mentos.Também podemos encontrar, formas mais subtis e ligei-ras de disfunção no sistema funcional, no âmbito daaprendizagem da leitura e da escrita, originando dificul-dades de aprendizagem como: A dislexia – já definida anteriormente.A disgrafia – segundo Torres (2001), pode ser abordadoeste conceitos em duas perspectivas. Na perspectivaneurológica, está relacionado com as afasias, incluindoas agrafias (anomalias no grafismo), e que estão relacio-nadas com aspectos articulatórios da linguagem. Numaperspectiva funcional, trata-se de uma perturbação naescrita, que altera o seu traçado ou a grafia, mas que nãocorresponde a uma disfunção cerebral.A disortografia – é uma perturbação específica que com-preende apenas erros da escrita. A transmissão do códigolinguístico é alterada a nível dos fonemas e dos grafemas, daassociação correcta entre estes, no que respeita a particula-ridades ortográficas e regras de ortografia. Causados, naopinião de Torres (2001), por deficiência na percepção e namemória visual e auditiva, e por um défice ou imaturidadeintelectual. Serra (2005), refere que para que haja uma dis-criminação correcta dos sons, as capacidades de percepçãoauditiva, visual, espácio-temporal, motora, linguística, eafectivo -emocional, entre outras, são indispensáveis.As disfuncionalidades estão relacionadas com os tipos deerros cometidos. São mais frequentes, os causados pordéfice perceptivo-linguístico e visuoespacial.A discalculia – é um termo usado para identificar difi-culdades ao nível da matemática. Pode ser uma incapaci-dade grave para a aprendizagem da aritmética, ou naelaboração do pensamento matemático. As dificuldadesprendem-se com a orientação espacial e temporal e tam-bém podem interferir com as aprendizagens académicasou com actividades da vida quotidiana que exijam cálculomatemático.

No caso da linguagem falada:A disfasia – também denominada por atraso específicoda linguagem, manifesta-se como dificuldades ou pertur-bações ligeiras na fala, ou seja, sob a forma de quadro derealizações linguísticas particularmente diferenciadas emrelação às práticas normativas, tanto a nível fonológicocomo a nível gramatical, isto é, dificuldades em formularfrases gramaticalmente correctas. A criança apresentadistorções, omissões de palavras, erros gramaticais, con-cordância masculino/feminino, singular/plural, utilizaçãoincorrecta dos tempos verbais. A utilização incorrecta dalinguagem pode originar problemas de insucesso escolare inserção social.A disnomia – A criança compreende e reconhece aspalavras, tem capacidade para as armazenar, mas reveladificuldades em reavê-las, utilizá-las e seleccioná-las nodiscurso falado espontaneamente. Recorrendo muitasvezes à expressão verbal e ao gesto, ou a frases incom-pletas, para resolver o problema.A disartria – Perelló, citado por Lima (2000), consi-dera que são dificuldades de expressão da linguagemdevido a alterações do tonus e músculos fonatórios cau-sadas por lesões do sistema nervoso central, isto é, existeuma dificuldade de coordenação dos músculos relacio-nados com a praxis linguística em especial com aquelesque interferem com a sincronia dos sistemas respirató-rio e fono -articulatório.

5.4 Classificações

Com o intuito de definir a grande variabilidade dos dis-túrbios de leitura e escrita e os factores relacionadoscom ela, muitos investigadores se têm debruçado sobreo assunto. Encontramos uma multiplicidade de concep-ções teóricas associadas à diversidade etiológica.Esta classificação em subgrupos surgiu na década de 60.Kinsbourne e Warrigton, citados por Pereira (1995),

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encontraram dois tipos de disléxicos de acordo com oseu desempenho no teste WISC. Um grupo reveloudificuldades na expressão e recepção da linguagem,enquanto outro grupo mostrou dificuldades a nível dadiferenciação digital, menor capacidade de raciocínionumérico, defeitos de estruturação digital e perturba-ções de lateralidade.Myklebuste em 1964, citado por Fonseca (2004) distin-gue dislexia visual da dislexia auditiva. Ingram em 1970, citada por (idem, 2004) identificoutrês grupos de disléxicos, um de incapacidades visuoes-paciais (apresentam dificuldades na discriminação visuale em habilidades espaciais), outro com incapacidadesaudiofónicas (com problemas na discriminação e na sín-tese dos sons e fraca habilidade em descodificação foné-tica) e outro misto.Baseado nas faltas dadas durante a leitura Girolami–Boulinier, citada por Pereira (1995), considerou doistipos de dislexia, a disfonética ou primária e a linguísticaou secundária.Condemarín e Blomquist (1989) referem que o sintomade atraso de leitura é considerado por alguns autorescomo uma notável discrepância entre a idade mental dosujeito e seu nível de rendimento em leitura, de acordocom três grandes categorias. Na primeira categoriaencontram-se aqueles casos em que o indivíduo temcapacidade para ler, mas por alguma razão externa(angústia, depressão, poucas oportunidades escolares),não consegue desenvolver a leitura de acordo com o seunível de inteligência; na segunda categoria, deparam-secasos de atraso de leitura relacionados com o dano cere-bral e, finalmente, a terceira categoria refere-se ao que abibliografia especializada denomina de dislexia especí-fica ou de evolução. Segundo os mesmos autores, a dislexia específica obe-dece a alguns critérios, dos quais se destacam: as dificul-dades para ler persistem até a idade adulta; os erros deleitura e escrita são de carácter peculiar e específico;

existe uma incidência familiar de tipo hereditária da sín-drome; a dificuldade associa-se também à interpretaçãode outros símbolos. Castro Pinto (1994) considera três grandes grupos deperturbações a nível da leitura e da escrita: as adquiridas,as de desenvolvimento e aquelas, cuja sintomatologia éde carácter transitório. A autora distingue a «dislexia dedesenvolvimento», geneticamente determinada, da «dis-lexia específica», que se manifesta isoladamente. A disle-xia de desenvolvimento é aquela que se manifesta nacriança sem nenhuma lesão cerebral, caracterizada poruma discrepância entre a capacidade de leitura previstacom base no nível intelectual e o nível de leitura obser-vado a partir de testes formais.Ellis, (1995) define dislexia como dislexia de desenvol-vimento e adquirida, dividindo ainda cada uma delas emdiversos subgrupos: A dislexia adquirida está subdivi-dida em: dislexia com base visual, dislexia de superfície,dislexia profunda e leitura sem sentido. Na dislexia dedesenvolvimento o autor faz referência à dislexia dedesenvolvimento profunda, à dislexia de desenvolvi-mento superficial, à dislexia fonológica e à leitura letra --por-letra. No entanto, Pereira (1995), refere que a tipologia maisconhecida é a de Border que distinguiu três grupos dife-rentes de dislexia do desenvolvimento: dislexia disfoné-tica ou fonológica, dislexia diseidética e dislexia mista.A dislexia disfonética ou fonológica é uma forma de dis-lexia caracterizada por o indivíduo apresentar dificulda-des na leitura oral de pseudopalavras ou palavras poucofamiliares. As dificuldades encontram-se na conversãografema-fonema. A dislexia diseidética ou superficial éuma desordem de leitura em que os leitores não mani-festam nenhum problema fonológico particular, mas simum problema de ordem visual. Neste tipo de dislexia, háum grande défice na percepção global das configuraçõesvisuais das letras. A dislexia mista é caracterizada por lei-tores que demonstram problemas em ambos os subtipos,

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disfonéticos e diseidéticos, estes apresentam incapacida-des mais graves, uma vez que não conseguem recorrer àshabilidades visuais ou fónicas.O trabalho deste investigador foi pioneiro, atraindo ointeresse de psicólogos cognitivos, que acreditavam queestratégias de leitura e soletrar eram o segredo para com-preender as causas das dificuldades de crianças disléxicas.

6. Características do indivíduo disléxico

Os indivíduos com Dificuldades Específicas de Apren-dizagem – Dislexia caracterizam-se por uma divergên-cia acentuada entre o potencial estimado do indivíduo ea sua realização escolar, que se situa abaixo da médianuma ou mais áreas académicas.

«Trata-se de desordens num ou mais processos de lin-guagem falada, leitura, ortografia, caligrafia ou aritmé-tica (resultantes de défices e/ou desvios dos processoscerebrais de aprendizagem que não são devidos nemprovocados por deficiência mental, por privação senso-rial ou cultural, ou mesmo por dispedagogias).» (Fon-seca, 2004: 495).

As principais características destas crianças situam-se nadificuldade de aprendizagem nos processos simbólicoscomo a fala, a leitura, a escrita e a aritmética.Rocha (2004) refere que uma criança disléxica apre-senta uma leitura hesitante, alteração do texto, escritacom grafismos assimétricos, letras em espelho, entreoutros. Estes sintomas variam de criança para criança esão diversificados, podem encontrar-se no texto, omis-sões, substituições, palavras unidas ou fraccionadas. Segundo o mesmo autor e após estudos efectuados nesteâmbito, considera-se que alunos com dislexia podemapresentar uma ou mais das seguintes características:

· Incapacidade de aprender e recordar palavras visionadas;· Escrita reflexo;· Dificuldade em soletrar;· Dificuldade em seleccionar palavras adequadas paracomunicar a nível oral e escrito;· Não exibem prazer na leitura;· Dificuldade em escrever;· Inversão de letras e palavras;· Dificuldade em guardar e recuperar nomes de palavrasescritas;· Memória visual pobre, quando estão em causa símbo-los linguísticos;· Movimento errático dos olhos quando lêem;· Dificuldades de processamento auditivo;· Dificuldade em aplicar o que foi lido a situações sociaisou de aprendizagem;· Confusão entre vogais ou substituição de uma con-soante; pouca destreza manual.

Segundo Fonseca (2004), estas crianças não conseguemseleccionar os estímulos relevantes ou irrelevantes,manifestando dificuldades em focar a atenção. Disper-sam-se com frequência, são distraídas. Esta falta deatenção pode ser provocada por excesso, ou por carênciade atenção, uma vez que ambos impedem que se faça aselecção da informação necessária à aprendizagem.O mesmo autor refere que estas crianças revelam difi-culdades em identificar, discriminar e interpretar sím-bolos. A informação visual auditiva e tactiloquinestésicadas crianças com dificuldades de aprendizagem, não érecebida, organizada, armazenada e transmitida pelo sis-tema nervoso da mesma maneira que a informaçãovisual e auditiva de uma criança normal. Muitas destascrianças apresentam uma disfunção perceptiva. Perce-bem mal a informação sensorial, desvalorizando deta-lhes importantes, supervalorizando pormenores seminteresse. Apresentam dificuldades em compreender oque vêem, isto é, revelam uma dificuldade de descodifi-

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cação visual. Podem também apresentar: dificuldades dediscriminação visual (reconhecer semelhanças e dife-renças em figuras ou grupos de objectos); dificuldadesde figura de fundo (não identifica figuras ou letrassobrepostas); dificuldades na constância da forma(reconhecer uma forma com cor, tamanho, textura eposição diferentes); dificuldades na rotação de formasno espaço (identificar as mesmas formas mas invertidasou rodadas no espaço ‘d’e ‘p’, ‘b’ e ‘q’,…); dificuldades deassociação e integração visual (organização de informa-ção visual); dificuldades de coordenação visuomotora(coordenar a visão com os movimentos do corpo ou damão).As crianças com dificuldades de aprendizagem, apesarde não terem problemas de acuidade auditiva, mani-festam no entanto, desordens do processamento dainformação auditiva. As funções de tratamento deinformação no processo auditivo são funções de recep-ção, de associação e integração e de expressão. A discri-minação auditiva, a identificação fonética, a sínteseauditiva, entre outras são as funções receptivas. O com-pletamento de palavras e frases, a memória de curto emédio termo, a associação auditiva, etc. são as funçõesintegrativas. A articulação o vocabulário, narração dehistórias, etc. são as funções expressivas. Também reve-lam muitos problemas emocionais. São crianças insegu-ras, instáveis, agressivas e ansiosas. Têm um autoconceitomuito frágil, revelam sinais de instabilidade emocional,dependência, frustração, falta de tolerância e sentimen-tos de rejeição, exclusão, hostilidade, abandono e deinsucesso.Na opinião de Fonseca (2004), uma função neurológicaimprescindível à aprendizagem é a memória. Contudo,memória e aprendizagem são indissociáveis. Por issomuitas vezes as crianças com dificuldades de aprendiza-gem demonstram problemas de memorização, conserva-ção, consolidação, retenção, rememorização e rechamadada informação recebida anteriormente.

As funções de atenção e compreensão estão contidas nafunção da memória. Elas só acontecem se a memóriaestiver intacta.O mesmo autor faz referência a três processos básicos damemória que estão inter-relacionados, e que são: «a memó-ria de curto termo (imediata), a memória de médio termo e a memó-ria se longo termo» (idem, 2004: 380). A memória de curtotermo é formada pelas funções de atenção, e de discri-minação das mudanças, e a função do armazenamentotemporário da informação, quando está a ser processada,manipulada organizada e codificada para a memória delongo termo. A função da memória de médio termo éexigir a fixação de todas as fases de processamento dainformação. A memória de curto termo e a memória delongo termo encontram-se em interacção recíproca como objectivo de estabelecerem associações significativas,ou não, com a informação actual e a informação anterior.Estudos efectuados por diversos investigadores, na opi-nião de (idem. 2004), identificam problemas psicomo-tores em crianças disléxicas, a saber:

· Má lateralização. · Algumas zonas como o girus angular, a corpo caloso, eos lobos frontais, apresentam um desenvolvimentoinsuficiente.· Distorções perceptivoespaciais.· Actividades eléctricas diferenciadas das crianças nor-mais. Duffy citado por Fonseca (2004), após observa-ções e comparações de electroencefalogramas decrianças normais e crianças disléxicas, constatou que aactividade eléctrica destas crianças envolvia mais áreasdisfuncionais do que anteriormente se pensava: – áreade integração sensorial/visual e auditiva e áreas de inte-gração psicomotora. Pelo que concluiu que as criançasdisléxicas apresentam disfunções cerebrais da organi-zação proprioceptiva (dispraxia), que provocam altera-ções na aprendizagem e na planificação de acções, ondeo perfil psicomotor da criança se vai manifestar.

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A criança com dislexia revela-se insegura, desorgani-zada; tem falta de atenção e exibe claros sinais de can-saço; o seu rendimento escolar é fraco, tem falta demotivação e interesse pelos estudos. Alguns destes alu-nos apresentam atitudes agressivas ou anti-sociais que,por sua vez, os conduzem a situações de marginalização.E isto não sucede por serem oriundos de meios desfavo-recidos, mas bem ao contrário, porque na escola, públicaou privada, não conseguem obter sucesso. A sua situaçãoreal, no sistema educativo português, é um forte desafioe apelo à nossa consciência de cidadãos.

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