cabo verde o mais pobre foi o que mais avançou · a alma lusa do presidente de s. tomé e...

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1 16 de Maio de 2007 Mensal Preço: 1,00 Director: Xavier de Figueiredo DE ASSUNTOS LUSÓFONOS O engenheiro que pôs de pé Cahora Bassa e Cambambe vive esquecido em Sesimbra Págs 10/13 Fradique de Menezes A alma lusa do Presidente de S. Tomé e Príncipe Págs 16/17 Cabo Verde O mais pobre foi o que mais avançou Cabo Verde O mais pobre foi o que mais avançou Págs 14/15

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Page 1: Cabo Verde O mais pobre foi o que mais avançou · A alma lusa do Presidente de S. Tomé e Príncipe ... já velhinho, retirado no único sítio, Fátima, ... ao Crime. Deles fazem

Nº 1 16 de Maio de 2007 Mensal Preço: € 1,00 Director: Xavier de Figueiredo

D E A S S U N T O S L U S Ó F O N O S

O engenheiro que pôs de pé Cahora Bassae Cambambe vive esquecido em SesimbraPágs 10/13

Fradique de MenezesA alma lusa do Presidente

de S. Tomé e PríncipePágs 16/17

Cabo Verde

O mais pobrefoi o quemais avançou

Cabo Verde

O mais pobrefoi o quemais avançouPágs 14/15

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Editorial

A nossa causa

Aligação de Portugal a Áfri-ca, que em termos de pre-sença constante teve Ceu-ta como precursora, faz600 anos em 2015. Além

de ter sido a que primeiro se estabele-ceu, foi igualmente aquela que maislonga duração teve no tempo. Até “hádias”, 1975.À luz de realidades determinantes deépocas que se foram sucedendo umasàs outras, encadeando esse passadosecular, a acção dos portugueses naspartes de África por onde andaram e sefixaram nesses tempos antigos, nãodeve ser motivo de vergonha ou desentimentos de culpa. No passado afri-cano de Portugal há elementos negati-vos e positivos – como é próprio detodas as coisas.Só ver os negativos, ainda por cimamanipulando-os, como continua a sero procedimento de meios e indivíduosda sociedade portuguesa, é julgar opassado com parcialidade e à luz deinsuportáveis preconceitos. O mundo,

os costumes e os valores de outrora,não eram os do presente.Não devem ser estranhos aos severos epor vezes grosseiros julgamentos dessepassado os défices de auto-estima e aquebra de identidade que,entre outros factores, expli-cam que a África esteja atornar-se, para as novas ge-rações de portugueses, nu-ma referência que se vai es-vaindo e tornando distante.Esbateu-se a antiga atrac-ção por África, perdeu-se oconhecimento e a sensibili-dade com que se olhava pa-ra ela. É uma mais-valia dePortugal que desaparece.A presença de Portugal emÁfrica não é, só, uma histó-ria feita de escravatura, deguerras, de malfeitorias eopressões. É sobretudo umahistória em que os portu-gueses revelaram um espíri-to universalista e qualidades

humanas que su-plantaram largamen-te todos os outroseuropeus que tam-bém demandaram aÁfrica. Ninguém amoutanto a África comoos portugueses.Além de dizer que ascoisas foram assim,por que de facto foram, tam-bém se pode mostrar – e mos-trar, através de coisas cheias decoisas cheias, é sempre maisconvincente. Por que não fazê--lo através de um Museu, umasimples Casa Museu que reco-lha, exponha e converta em seuacervo o espólio disperso da his-tória de presença de Portugalem África? Uma publicação pode e deve teruma boa causa. É esta a nossa.

X.F.

TERCEIRA PESSOA

EstatutoEditorial

Luso Monitor é uma publicação de assuntoslusófonos. A vocação lusófona de Luso Monitor tra-duz-se na atenção preponderante quepresta a assuntos relacionados com as liga-ções entre os países do respectivo universolinguístico – numa perspectiva de presentee de futuro, mas sem ignorar o passado.Luso Monitor procura informar – acompa-nhando, aprofundando e reflectindo sobretemas cuja importância o mereça. Os crité-rios a que este desígnio se sujeita são os dorigor e da objectividade. A par de informar, Luso Monitor procuratambém formar, promovendo causas, valo-res e interesses com a devida acuidade erepresentatividade no contexto social, polí-tico, cultural e histórico da temática lusófo-na.

É o vitral da Igreja de Fátima, no Huambo.A ruína que apresenta foi causada porexplosões e balas perdidas que fizeramestilhaçar parte dos seus módulos.A Igreja de Fátima foi obrade um sacerdote muito dinâmicoe persistente, o Padre Moutinho,que acabou os seus dias, já velhinho,retirado no único sítio, Fátima,para onde a sua funda devoçãomariana o poderia levar, depois da partidaimprevista da antiga Nova Lisboa.O actual Pároco é um jovem sacerdoteangolano, igualmente muito dinâmicoe persistente que não se conformacom o (mau) estado do vitral,mas não sabe como remediá-lo.«Tire uma fotografia, publique-a lá emPortugal para ver se encontramos alguémque saiba como reparar o vitral».Fica publicada.

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A EITO

Da drogaXAVIER DE FIGUEIREDO

AÁfrica, de lés a lés, é a placa gira-tória do tráfico de droga daAmérica Latina para a Europa. Ou

de droga produzida localmente. É o queasseveram relatórios de entidades tãoproeminentes como a Agência das Na-ções Unidas para o Combate às Drogas eao Crime. Deles fazem parte minúciascomo a de que a Guiné-Bissau e CaboVerde integram essa placa giratória e quePortugal é uma das principais portas deentrada de cocaína na Europa.Quando se trata de identificar causas eelementos propiciadores deste lúgubrepapel reservado a África, as visões sim-plistas do fenómeno são categóricas. Osestados africanos são débeis, as suas leisaleatórias e as instituições decorativas; osresponsáveis políticos, as polícias, os tro-pas, determinam-se por ganâncias quenão resistem à tentação dos gordosganhos que os “cocaleros”, astutos epoderosos, estão sempre dispostos agarantir em troca de préstimos que fa-çam prosperar os seus obscuros negó-cios. E há, claro, o factor adicional dageografia, que fez da Europa e da Áfricapartes vizinhas do mundo. O que não se diz – mesmo tratando-sede uma evidência comezinha – é que seo tráfico de droga da América Latinapara a Europa aumenta, sendo secundá-rio se escala a África ou outra qualquerparte do mundo, é sobretudo por que oconsumo nas sociedades europeias estáa crescer. Como as estatísticas demons-

tram e a gente vê por aí, à vista desar-mada. Uma das realidades sociais da Europados nossos dias é uma atitude de grandecomplacência e compaixão em relação àdroga, suas implicações e reflexos – emespecial no plano humano. Em certosaspectos chega mesmo a parecer umaatitude permissiva, justificada, comoconvém, por piedosas mas abstractasteorias pós-modernas. As “salas de chuto”, destinadas a aplicardroga aos toxicodependentes em esme-radas condições de higiene; os debates,manifestações públicas e pronunciamen-tos a favor da liberalização das drogasleves (as pesadas virão a seguir); os arti-gos e publicações que exaltam as pro-priedades profilácticas e terapêuticas daliamba – como entender isto? Ou as acu-sações de puritanismo e reaccionarismofeitas a quem não concorda com ummundo destes?Nos antípodas da droga e dos drogados,estão o tabaco e os fumadores, estesobjecto de uma implacável campanhaque os apresenta (ou denuncia?) comocausa de muitos e daninhos males. Osagentes da campanha, que chega aempregar métodos muito parecidos comos de totalitárias sociedades regulamen-tadas e controladas, são os mesmosgovernos, instituições do Estado e cape-linhas subsídio-dependentes tão toleran-tes em relação à droga. Não haviam os “cocaleros” e os trafican-tes de aproveitar?

Registo na ERC sob o nº 125127

Director

Xavier de Figueiredo

Colaboram neste número

Alpoim Calvão

António de Macedo

Eduardo Lobão

Fernando Ka

Francisco Gaspar

Guilherme Dias

Jorge Heitor

José Solano de Almeida

Leston Bandeira

Maria Leonor Vicente

Pedro Figueiredo

Redacção

Praceta Florbela Espanca, nº 1 – 9º D

2790-70 Carnaxide

Telef. 214 188 128

Impressão e Acabamento

GRAFISPAÇO

Rua Vale Formoso, 39

1950-279 LISBOA

Proprietário e Editor

Francisco Xavier Gaspar de Figueiredo

Praceta Florbela Espanca, nº 1 – 9º D

2790-070 Carnaxide

[email protected]

Projecto Gráfico

PERFIL CRIATIVO- FORMAÇÃO E DESIGN

Tel 210.991.460

www.perfilcriativo.net

Tiragem

3.000 exemplares

Publicação Associada:

O P I N I Ã O

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Apolítica externa de Angola passou a ter como um dos seusprincipais objectivos o reforço da projecção regional einternacional do país – um desígnio a que são associados

benefícios no plano do desenvolvimento interno. A respectiva es-tratégia consiste na exploração dos seguintes factores adjuvantes:

Os recursos naturais (petróleo e diamantes, água e solos aráveis).A posição geográfica (sobre o Atlântico Sul e Golfo da Guiné).A capacidade militar.

Com o objectivo de acrescentar importância aos factores repre-sentados pelos recursos naturais e pela geografia, Angola estápresentemente aplicada em criar ou dinamizar organizações sec-toriais de dimensão regional, que se propõe liderar ou usar paraadquirir e irradiar influências adicionais.Entre as referidas organizações conta-se a Comissão do Golfo daGuiné, reanimada em 2006, por iniciativa de Angola, que tam-bém conseguiu a instalação da sua sede em Luanda e influencioua nomeação de Carlos Gomes, de S. Tomé e Príncipe, para o car-go de secretário executivo.Fazem também parte da lista a Associação Africana de PaísesProdutores de Diamantes, cuja criação foi ideia de Angola, desdelogo associada a uma cimeira internacional dos produtores dediamantes. E também a Associação dos Países Produtores dePetróleo, que trata de redinamizar e se propõe liderar.De acordo com informações verificadas, a valorização da impor-tância estratégica de Angola, implícita na sua política externa, éencorajada e facilitada pelos Estados Unidos da América (EUA),movidos pela lógica que apresenta Angola como seu parceiro; osseus interesses, entre os quais avulta o petróleo, poderão sermelhor defendidos por um parceiro forte. A Comissão do Golfo da Guiné, fundada em 1999, teve existên-cia discreta até à realização de uma cimeira em Libreville, emAgosto de 2006. O Presidente da República de Angola, JoséEduardo dos Santos, compareceu pessoalmente e empenhou-senos resultados da iniciativa favoráveis a Angola.

A organização, que engloba o Gabão, Nigéria, Angola, GuinéEquatorial, S. Tomé e Príncipe, Camarões e República do Congo,visa promover o desenvolvimento e a cooperação económica,mas tem uma componente de segurança, aparentemente maisimportante, sob a forma de prevenção, gestão e resolução deconflitos.A pertença de Angola ao Golfo da Guiné, em termos estrita-mente geográficos, é contestada em surdina, em países como aNigéria e os Camarões; S. Tomé e Príncipe e a Guiné Equatorial,ao contrário, apoiam. Os EUA são, porém, o principal interessa-do na inclusão de Angola no referido bloco, sendo razões de talatitude as seguintes:

Angola tende a afirmar-se como potência regional; teminfluências, prestígio político e reconhecida capacidade militar.

A Nigéria, até agora principal aliado e parceiro dos EUA naárea, está a passar por uma fase tumultuosa e de futuro incerto.Em Dezembro de 2006 os EUA promoveram em Cotonou, Benin,uma conferência ministerial sobre segurança da navegação marí-tima no Golfo da Guiné, na qual foi muito notória a importânciaatribuída a Angola. A iniciativa destinou-se a lançar um sistemade segurança marítima regional.

ESTRATÉGIA

Angola reformula política externa

A política de Angola para os países afri-canos lusófonos, incluindo Timor-Leste,passou a revestir natureza mais vincada-mente institucional e a obedecer a crité-rios mais realísticos e pragmáticos – emlugar de antigas afinidades ideológicas epartidárias, de companheirismo ou deinteresses de grupo.A mudança foi determinada pelo reco-nhecimento da conveniência de ajustar apolítica para os países africanos lusófonosa novas realidades, de modo a cultivare/ou a preservar interesses e influênciasnaturais de Angola, que se entendeu nãodeverem continuar a estar expostas acasos e conjunturas.O domínio que passou a ser privilegiado éo das relações “Estado-a-Estado”, que

por definição não têm em conta a baseou a composição partidária dos governosdos seus parceiros. A nova política baseia--se nos seguintes imperativos e vantagens:

O papel de Angola como líder do grupoimplica capacidade para manter numaposição de ascendência política e econó-mica face a todos, tal liderança serve-lhepara se projectar nos planos regional econtinental.

Uma maior independência de Angolaface às realidades políticas e partidáriasdos seus parceiros reforça a sua autorida-de e a capacidade moderadora nos mes-mos, é também mais consentânea com assuas próprias políticas de reconciliação.

Se denotar preferências ou se imiscuirem assuntos domésticos dos seus parcei-

ros, perderá ou pode vir a perder em ter-mos de interesses e de influências paraoutros concorrentes. Por exemplo, aNigéria só não tirou partido das tensasrelações existentes entre José Eduardodos Santos e Fradique de Menezes devidoa factores laterais, como o facto de osnigerianos não serem localmente ben-quistos.Até há pouco tempo as relações deAngola com os países africanos lusófonostinham uma componente de militantismoque privilegiava os partidos que em cadaum dos países se aparentavam com oMPLA; os apoios do MPLA e do regimeaos mesmos aumentavam ou diminuíamconforme as suas posições de solidarieda-de e lealdade.

Nova abordagem lusófona

J. Eduardo dos Santos, anfitrião de Nino Vieira e Pedro Pires

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CPLP

Componente de Defesa e Segurança

Estão a manifestar-se em meios milita-res de países da Comunidade dosPaíses de Língua Portuguesa (CPLP)

tendências favoráveis à conclusão de umAcordo de Defesa e Segurança (ADS), cujoalcance contemple o campo da coopera-ção técnico-militar, policial e de informa-ções, mas o ultrapasse em termos denovos entendimentos no plano da defesae segurança, inexistentes.Os critérios com base nos quais se concluique um ADS é agora um instrumentoconveniente à consolidação da CPLP, ten-do em conta a evolução registada na si-tuação internacional e nos próprios paísesda organização, são, entre outros, os se-guintes:

Confere nova dimensão à CPLP. A com-ponente militar torna-a mais credível.

Eleva o potencial estratégico de todos osseus membros, embora em escalas variá-veis; habilita-os a fazer face a ameaçasglobais, que variam na sua natureza eintensidade em relação a cada um deles(S. Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, CaboVerde e Timor-Leste tornar-se-ão menosvulneráveis; Portugal perderá sem umasólida ligação à CPLP).

Cria um clima propício ao estabeleci-mento de novas sinergias e identificaçõesentre as Forças Armadas dos diferentespaíses. A cooperação técnico-militar, talcomo é praticada, está confinada aos as-pectos da formação e organização; numanova modalidade, de defesa e segurança,pode estender-se aos domínios da doutri-na, uniformização de equipamento, logís-tica, serviços, etc..Os defensores da ideia do ADS entendemque o mesmo deveria contar com o bene-plácito e/ou apoio de grandes organiza-ções internacionais, como a NATO, ou aUnião Europeia (UE), de modo a fazeresbater a oposição à iniciativa por partede países e organizações regionais. A Nigéria não é adepta de um ADS entreos países da CPLP por que associa a issoum tendencial esbatimento da importân-cia ao seu papel de potência regional elíder da CEDEAO. S. Tomé e Príncipe, paísvizinho, é membro da CPLP e a Guiné--Equatorial, igualmente vizinho, e com oqual tem relações tensas, apresentou um

pedido de adesão à organização.Em 1998, no rescaldo do desencadea-mento do movimento militar na Guiné--Bissau, que levou o então Presidente daRepública, Nino Vieira, a pedir a interces-são militar do Senegal, Angola prontifi-cou-se a despachar para o país um con-tingente de forças especiais – com a mis-

são de proteger o regime e, por essa via,contrabalançar ou provocar a dispensadas tropas senegalesas. As autoridadesangolanas pretenderam, porém, o envol-vimento conjunto de Portugal na opera-ção – o que não foi atendido. No mínimo,Portugal deveria providenciar o transporteaéreo das forças angolanas.No âmbito do ADS, conforme ideias emrelação ao mesmo, deveria ser levantadauma força permanente ou de mobilizaçãosimples – não para intervir em conflitosinternos, dos países-membro da CPLP,mas face a ameaças provindas de tercei-ros, de preferência com mandatos eapoios internacionais.Factores que recomendam a celebraçãode um ADS e potenciam a sua consolida-ção:

O Brasil tende a tornar-se numa grandepotência militar.

Portugal, Angola e Moçambique sãopotências intermédias.

Cabo Verde tem acrescida importânciaestratégica – hoje em dia consideradasuperior à dos Açores. S. Tomé e Príncipetambém passou a ter importância estraté-

gica supletiva, como ponto a partir doqual pode, em condições ideais, ser asse-gurado o controlo e fiscalização do Golfoda Guiné e de 21 países ribeirinhos. OGolfo da Guiné é um foco de novas amea-ças como o terrorismo, droga, pirataria,pesca ilegal, etc..

Entre os países da CPLP há ligações àNATO, UE, Mercosul, SADC, CEDEAO (Ca-bo Verde tem em curso um processo deassociação ou adesão à NATO e UE).A cooperação técnico-militar entre os paí-ses da CPLP deveria apresentar no futuromelhorias e inovações, entre as quais osreferidos meios militares valorizam espe-cialmente as seguintes:

Atender às necessidades peculiares decada um dos países, que variam conformeo território, geografia, ameaças inciden-tes, grau de desenvolvimento, etc..

Os quatro países principais (Brasil, Por-tugal, Angola e Moçambique) deveriamentender-se com vista a fazer um esforçoadicional destinado a satisfazer as necessi-dades dos mais pequenos em termos dedefesa e segurança (fornecimento demeios, informações, etc.).

Rentabilizar as capacidades e especifici-dades de cada um dos países em relaçãoao conjunto da CPLP. Por exemplo, Por-tugal apresenta avanços no domínio daconstrução naval e os padrões de forma-ção das suas forças de fuzileiros e pára-quedistas são elevados; o Brasil está nadianteira na indústria aeronáutica edesenvolveu forças muito eficientes emacções na selva; Angola tem know-howna formação de forças comandos; Timor-Leste domina na luta corpo-a-corpo.

Admitir o estabelecimento de parceriaspúblico-privadas, de modo a corresponderao fenómeno do surgimento de empresascom capacidade para cooperar no domí-nio técnico militar, em especial no campoda produção e manutenção de equipa-mentos.A empresa privada criada em Portugalpara produzir os novos carros de assaltoPandur para o Exército e Marinha estáempenhada no alargamento do mercadoaos países da CPLP – havendo mesmo aindicação de que iniciou contactos nessesentido.

DEFESA & SEGURANÇA

Fuzileiro angolano em exercícios

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Portugal passou a ser oprincipal ou mesmo únicoparceiro de Moçambique

no domínio da cooperaçãomilitar, policial e de segurançaem geral – incluindo serviçosde informações; esta realidadeé, entre outros factores, refle-xa de uma nova orientaçãopolítica definida no seguimen-to da investidura do actualPresidente da República, Ar-mando Guebuza.Os Estados Unidos da América(EUA), Grã-Bretanha e Françatambém cooperam com Mo-çambique no campo da defesae segurança, mas apenas emmodalidades consideradas “nãoactivas”, como a assistênciafinanceira, fornecimento deequipamento e material deapoio. No plano da formaçãoe organização, Portugal é, pre-sentemente, o único parceiro.A reabilitação dos edifícios daAcademia Militar Samora Ma-chel, em Nampula, contoucom contribuições financeirasdos Estados Unidos e Grã-Bre-tanha. Mas o grupo de asses-sores estrangeiros do estabele-cimento é constituído só poroficiais e técnicos portugueses,permanentes ou itinerantes. O

mesmo se verifica nas escolasde Sargentos e Fuzileiros.Recentemente foi assinado emMaputo um novo acordo decooperação técnico-policialcom Portugal, destinado a darcontinuidade e a alargar oâmbito de protocolos anterio-res. A cooperação portuguesa,até agora envolvendo a Políciade Segurança Pública (PSP) eGuarda Nacional Republicana(GNR), passou a incluir oServiço de Estrangeiros eFronteiras (SEF).

Parte dos encargos com ainclusão do SEF é suportadapelos EUA – uma atitude justi-ficada por vantagens que osnorte-americanos vêem emdotar o serviço congénere deMoçambique de melhoresaptidões em termos de contro-lo de estrangeiros, um objecti-vo considerado susceptível decontribuir para redução deameaças terroristas.Vários comandantes da Políciada República de Moçambique(PRM), incluindo corpos espe-ciais, têm formação ou espe-cialização assegurada pela PSPou GNR. A expansão da coo-peração policial levou à colo-cação de adidos de ambas ascorporações na Embaixada dePortugal em Maputo e, recen-temente, o embaixador portu-guês foi convidado para parti-cipar numa reunião do Con-selho de Segurança da Polícia.As razões consideradas objec-tivas da preferência dada aPortugal são as seguintes:

Reorientação da política dealianças e/ou de parceriasexternas, ocorrida no início dopresente mandato de Arman-do Guebuza. A decisão visou

limitar o papel que a África doSul já tinha ou tendia aaumentar, como parceiro deMoçambique no campo dadefesa e segurança (cenárioconsiderado propício a umcrescimento de influências sul--africanas susceptível de amea-çar a soberania nacional).

Não identificação de amea-ças numa parceria portuguesamais intensa; utilidade práticada mesma, em conformidadecom avaliações segundo asquais a PSP e a GNR, designa-damente os seus destacamen-tos especiais, apresentam apu-rado nível técnico e operacio-nal.Nos últimos meses, a coopera-ção entre o Serviço de Infor-mações e Segurança doEstado (SISE) e os dois princi-pais serviços portugueses- Serviço de Informações eSegurança e Serviço de In-formações Estratégicas de De-fesa - também foi incrementa-da, incluindo no campo da for-mação. O SISE é actualmentedirigido por um ex-embaixa-dor em Lisboa, Gregório LeãoJosé.

DEFESA & SEGURANÇA

Moçambique

Portugal parceiro militar

Graduados da Polícia Militar de Moçambique formados na EPC de Santarém

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ANTÓNIO DE MACEDO*

Abandonados, perseguidos e lutando pelasobrevivência, é como se consideram a sipróprios os ex-militares guineenses que ser-

viram nas fileiras do Exército Português, na épocacolonial. E por isso, algumas centenas organizarama 25 de Abril uma marcha silenciosa, que se que-dou defronte da Embaixada de Portugal em Bissau.A frustração destes homens, hoje cinquentões,percebe-se. Têm uma convicção interior muitoforte de que em dado momento, feitos soldados,serviram bem Portugal, como portugueses que seconsideravam ser e eram considerados. Não é poracaso que dos 14 Comandos do ExércitoPortuguês detentores da Ordem da Torre e Espada,três eram guineenses: o capitão João Bacar Djaló,o tenente-coronel Marcelino da Mata (ver página8) e o 2º sargento Tcherno Cissé. Mas isso, em vezde lhes valer de algo, comprometeu-os para oresto das suas vidas.Na esteira do 25 de Abril e da subsequente entra-da do PAIGC nas zonas ainda controladas peloExército Português, deu-se início a uma vaga deperseguições e ajustes de contas com aqueles quetinham servido “o inimigo”. A escalada culminoucom a prisão dos ex-militares mais graduados, os

capitães Zick Saieg, Abderramane Seck e MarquesVieira, acusados de conspiração contra o regimedo PAIGC. Muitos outros foram também presos ealguns fuzilados. Entre os que estão vivos, não sãoraros (são muitos) os que ainda hoje, perantealguém que lhes infunde confiança, dizem no reca-to das suas tabancas que se sentem bem consigopróprios e com o seu passado nas fileiras doExército Português.Para as autoridades guineenses, o problema dos osex-militares que serviram o Exército Português sim-plesmente não existe. Consideram-no um assunto

ACONTECIMENTO

Guiné-Bissau

Os ex-militares do Ex. Português

A propósito de uma manifestação

G. ALPOIM CALVÃO

A manifestação levada a cabo por menos de uma centena de associados deantigos combatentes das Forças Armadas Portuguesas em Bissau, junto àEmbaixada de Portugal, demonstra essencialmente uma difusa e mal definidasensação de abandono dos mesmos por parte dos sucessivos Governos dePortugal. É óbvio que, sob o ponto de vista estritamente legal, para se obter uma pen-são de reforma é necessário prestar um certo número de anos de serviço, quea maior parte deles não tem. Mas também é evidente que estes homens(cerca de 17.000), tendo lutado à sombra da bandeira portuguesa por umaGuiné melhor - afinal o objectivo dos dois lados em conflito - apreciariam umgesto de reconhecimento da que foi Pátria de todos mas que tão parca équando se trata de dizer “obrigado” a quem deu tudo por ela.Algumas coisas se poderiam fazer e vou elencar umas tantas:

Aos que ficaram incapacitados ao serviço de Portugal de armas na mão, nãoos obrigar a vir residir em território português para dar início ao longo pro-cesso de obtenção do estatuto de deficiente das Forças Armadas (DFA). Os vis-tos são dificílimos de obter, as passagens são caras, os custos de estadia quaseincomportáveis. Porque não mandar equipas de médicos militares para verifi-car se esses homens têm os requisitos exigidos pelas leis que regulam os DFA.?

Estas mesmas equipas poderiam prestar cuidados médicos mais urgentesaos outros ex-combatentes e seus familiares directos - mulheres, filhos e netos -executando algumas operações cirúrgicas mais urgentes, ensinar profilaxia(paludismo, cólera, etc.), fazer análises clínicas e muito mais.

Poder-se-ia enviar um hospital de campanha por três ou quatro meses- Janeiro a Abril - o que além de constituir verdadeira e útil cooperação, ser-viria para testar o treino e a logística dos serviços de saúde em situações deexcepção, envolvendo os três ramos tanto no fornecimento do pessoal comona restante logística.

Sendo nós um país que precisa de imigrantes, por que não dar prioridade aesta importante camada populacional guineense?

Chamar voluntários sob contrato - tantos licenciados sem trabalho - paratarefas especificas na cooperação, aproveitando as qualificações de algunsdestes ex-combatentes para fazer a ligação com as populações que seriambeneficiadas no seu conjunto.Muito se pode fazer.

O P I N I Ã O

Formatura do antigo Batalhão de ComandosAfricanos da Guiné. Em plano destacadoo Capitão Saieg

de Portugal e não da Guiné-Bissau, razão pela qualeles não são abrangidos nos programas de reinser-ção ou reintegração social, alguns dos quais bene-ficiando de financiamentos internacionais. A Associação dos Ex-Militares das Forças ArmadasPortuguesas na Guiné-Bissau, que agrupa 6.000indivíduos, sustenta que Portugal devia seguir oexemplo da França, que não esqueceu os soldadosdas suas antigas colónias que serviram na Armée.E garante que apresentará queixas nos tribunaiseuropeus e internacionais se o problema são sairda “cepa-torta”.

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Marcelino da Mata ufana-se dahonraria de ser o mais condeco-rado oficial do Exército Portu-

guês. Tem a Ordem da Torre e Espada, trêsCruzes de Guerra de 1ª classe, uma Cruzde Guerra de 2ª classe e outra de 3ª. Foi oque ficou de 12 anos de uma vida opera-cional intensa passada nas matas da Guinéa combater o PAIGC.O que é que levou um guineense retinto a

combater o PAIGC, bandeira de tantosguineenses como ele na causa da inde-pendência da Guiné? A resposta que temna ponta da língua é singela: «Não fui sóeu», logo acrescentando que milhares deoutros guineenses seguiram o mesmocaminho.Mas houve outra razão pessoal, de vingan-ça, que voluntariamente aponta. Em 1962um grupo armado do PAIGC matou-lhe opai, bem como uma irmã, Quinta da Ma-ta, que, precisa, estava grávida de oitomeses. A mãe, desesperada, fugiu paraBissau onde ele, ao tempo, cumpria o ser-viço militar obrigatório que era própriodesses tempos.No seguimento do transe pediu para fre-quentar o curso de Comandos, deixandopara trás a tropa normal, de que fizeraparte. Passou com boa classificação e nãotardou a ver-se integrado num grupo deComandos, o primeiro a operar na Guiné,cujo comandante foi o Alferes SousaSaraiva. Marcelino, um dos 25 elementosdo grupo, tinha então o posto de 1º cabo.A sua vida operacional começou em 1964quando participou na Operação Tridenteque se desenrolou na Ilha de Como, sob ocomando do comandante Alpoim Calvão– do qual fala, enfaticamente, como «omais valente» militar português que pas-sou pela Guiné.Integrado no grupo de Comandos doAlferes Saraiva, ainda participou noutrasoperações convencionais, como a deCanchafá, a Norte de Pirada, na qual o seudesempenho lhe valeu a promoção a fur-riel, por distinção. Mas será já comocomandante de Grupos Especiais, primeiroos Roncos, de Farim, depois os Vin-gadores, que se distinguirá e adquirirá fa-ma. Passa a 2º sargento e depois a alferes.Eram grupos de composição reduzida, nomáximo 20 homens, dotados de grandemobilidade; actuavam à paisana ou comdisfarces apropriados às circunstânciaspara não deixar marcas, sobretudo quan-do os alvos a atingir estavam no Senegalou na República da Guiné. Montagem deemboscadas, assaltos, minagens e sabota-gens – eram as acções mais usuais. Aotodo, mais de mil. Nunca foi ferido.O PAIGC execrava Marcelino da Mata e oseu grupo – em especial o seu “trabalho”.Tratava-o por sanguinário e traiçoeiro. No dia 25 Abril de 1974 estava ele esta-

cionado com o seu grupo em Gadamael,quando o comandante do Batalhão deAldeia Formosa lhe comunicou, de chofre,que «a guerra acabou». Já não precisavade continuar com as suas operações delocalização e assalto de bases do PAIGC oude perseguição de grupo itinerantes de“terroristas”, como ainda na véspera eramtratados, mas depressa deixaram de ser.À medida que os ardores revolucionáriosavançam na Metrópole (o anti-colonialis-mo é um dos seus principais alimentos),Marcelino da Mata vê o seu passado e asua história virarem-se cada vez mais con-tra si próprio. A 12 Maio de 1974 deixaBissau rumo a Lisboa, mas para isso preci-sou já de contar com a cumplicidade doúltimo comandante da Base Aérea e seu com-padre, o então coronel Martins Rodrigues.Os tempos que vive daí para a frente sãode má memória. Diz que foi tratado«como um cão» pelos revolucionários enovos-revolucionários que o viam comoum empecilho ou um intruso. Passou porestar ligado ao Movimento Democráticode Libertação de Portugal e isso custou-lhedissabores como o de ter sido preso e sevi-ciado. Só em 1980 a saga chegou ao fim.Foi reintegrado e promovido a capitão(graduado em tenente-coronel). O impérioe as malhas que o mesmo tecia iam fican-do cada vez mais para trás.

SUJEITO DO ACONTECIMENTO

No rasto de Marcelino da Mata

Uma aventuraem Angola

Em 1993, acabava a guerra de estalarnovamente em Angola, Marcelino daMata foi contratado pela SociedadePortuguesa de Empreendimentos (SPE)para prestar serviços de segurança emterritório angolano. A retribuição fixa-da foi de 5.000 dólares por mês. A SPEé sócia da Endiama na SociedadeMineira de Lucapa (SML), concessioná-ria de uma exploração de diamantes noLucapa, que em tempo de guerra eraprotegida por um dispositivo de segu-rança. O destino de Marcelino da Matanão foi, porém, a SPE, mas outro. Jáestava há quatro dias no Hotel Costado Sol, em Luanda, quando lhe apare-ceu o general António Faceira, coman-dante da Divisão de Tropas Especiaisdas Forças Armadas de Angola, pro-pondo-lhe que fosse para Cabo Ledo,ocupar-se da instrução de um grupo deOperações Especiais. Aceitou. CaboLedo era por essa altura uma Babel degente de muitas procedências: ex-Búfalos, Executive Outcomes, etc., aque as autoridades deitaram mão. Ogrupo que Marcelino treinou, constituí-do por 60 homens, foi dado comopronto ao fim de quatro meses.Seguiu-se uma fase de treino operacio-nal, na área Dondo/Cambambe, quenão acabou de feição. Os instruendoscomeçaram a achar que Marcelino exi-gia demasiado deles – inclusive a suaparticipação em operações reais.Acabou por regressar abruptamente aLisboa. Onde, tantos anos depois, con-tinua a ir em peregrinação ao lado doRossio transformado em “cantinho daGuiné”.

Marcelinoda Mataostentandoas suascondecorações

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EDUARDO LOBÃO

Nas recentes eleições presi-denciais em Timor-Les-te, mais do que saber

quem iria substituir XananaGusmão na Presidência da Re-pública, estava em jogo a so-brevivência de um projecto depaís, submetido desde a res-tauração da independência,em Maio de 2002, à ajuda in-ternacional e crescente depen-dência da boa vontade dacomunidade internacional.Timor-Leste teve a sua inde-pendência reconhecida interna-cionalmente em Maio de2002, após cerca de três anosde administração por parte dasNações Unidas, na sequênciada traumática saída do invasorindonésio, em Setembro de1999, mas com muito pouco apartir do qual poderia assentaro crescimento e desenvolvi-mento.Praticamente sem quadros téc-nicos, sem infra-estruturas e,sobretudo, sem dirigentes polí-ticos com projectos credíveis

de desenvolvimento social eeconómico, Timor-Leste con-tinua a padecer dos mesmosmales de quando o invasorindonésio saiu, em 1999.A crise social e política de finaisde Abril de 2006 - que precipi-tou o afastamento de MariAlkatiri da chefia do governo eque deverá ter ainda efeitosnas legislativas de 30 de Junho,com a derrota eleitoral da Fre-tilin, o partido maioritário queajudou a chegar à independên-cia -, expôs as contradições deum país que chegou a serapontado como modelo.De certo modo, a eleição pres-idencial de José Ramos-Horta ea previsível vitória nas legislati-vas, em Junho, do CNRT, par-tido criado recentemente àsombra e imagem de XananaGusmão, representam um virarde página na ainda curta vidado país, deixando para trás aFretilin e uma certa ideia ro-mântica de governação, quenão se compadeceu com asexigências práticas do exercíciodo poder e que assentou num

progressivo autismo social.Acreditava a Fretilin que a legi-timidade histórica era a chavepara resolver os problemas quepontualmente surgissem, res-pondendo às necessidades eexpectativas de uma popula-ção a quem foram prometidosresultados logo que fosse res-taurada a independência.

Convergência Portugal-BrasilO papel dos restantes países delíngua portuguesa, com natur-al destaque para Portugal,antiga potência colonial, e oBrasil, que sempre soube aliaràs relações externas os inter-esses comerciais, tem sidomodelar.Portugueses e brasileiros par-ticipam em dois dos mais im-portantes programas acarinha-dos pelas autoridades timo-renses, pré e pós-crise de Abrilde 2006: a reintrodução da lín-gua portuguesa e a credibiliza-ção da Justiça.A escolha da língua portugue-sa, ainda antes da restauração

da independência, em Maio de2002, visou garantir uma iden-tidade, que não conduzisse àdissolução de Timor-Leste navoragem dos poderosos vizi-nhos Austrália e Indonésia.A participação de dezenas deprofessores portugueses ebrasileiros já apresenta resulta-dos. Se não fosse a devastaçãoprovocada a partir de Abril de2006, quando bandos de mar-ginais se aproveitaram das con-tradições no seio do Estado pa-ra levarem a cabo uma ver-dadeira política de terra quei-mada, estar-se-ia perante umcase study, um caso de suces-so, porquanto actualmente fa-la-se muito mais português doque em 2002.Na área da Justiça, têm sidomagistrados portugueses ebrasileiros a garantir a apli-cação do Direito, aqui num es-forço coordenado pelas NaçõesUnidas e em que participamoutros países como o ReinoUnido, Austrália e Noruega.

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SUJEITO DO ACONTECIMENTO

Timor-Leste

Sobrevivência de um projecto de país

Ramos Horta e Xanana Gusmão . Troca de lugares

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XAVIER DE FIGUEIREDO

Foi o construtor da barragem deCahora Bassa, assim lhe tendo calhadoa sorte (ou a má sorte?) de ter posto

de pé o mais colossal empreendimentodeixado por Portugal em todo o impérioque do outro lado do mar foi o seu – ini-ciado vai fazer 600 anos, em Ceuta, desa-jeitadamente abandonado há 33. E queteve ali, na imensidão do Índico, medidopelos cronistas coevos como indo deSofala a Meaco, no Japão, o seu apogeumáximo, nos idos do século XVI. Em 1968, quando Castro Fontes, directordo Gabinete do Plano de Zambeze (PVZ) eseu colega de profissão, o sondou acercada hipótese de ir construir “Cabora” Bassa(grafia então usual), isso quase só podiater-lhe acontecido a ele. Tinha apreciávelexperiência acumulada na construção debarragens hidroeléctricas (Picote e Castelode Bode, foram as primeiras), mas tambémuma em ambiente africano, a de Cam-bambe, no rio Cuanza, em Angola. O quelhe ofereciam em Cahora Bassa era umafunção similar à que tivera em Cambambe:representante do dono da obra, com po-deres de direcção técnica.Fernando Braz de Oliveira, de ofício enge-nheiro civil, com curso no velho Técnico deLisboa, tem agora a grande idade de 85anos. Sabia dele e um pouco da história da

sua vida. Mas não o conhecia, nunca ovira, nem sabia do seu paradeiro. Está ago-ra aqui, à minha frente, na casa que habitaem Sesimbra, incrustada numa encosta vira-da ao mar e àquela imensidão azul que levapara longe os pensamentos da sua vida.Para o Songo, do outro lado do mundo.Vê-se que já lhe falta o vigor e a prestezade outros tempos da sua vida cheios decoisas cheias - como aqueles passados nasinóspitas lonjuras do planalto do Songo.Trabalhava de sol a sol, mas aos domingosainda lhe restava vontade e genica paraperegrinar pelas aldeias em missões quetanto podiam ser de evangelização (prati-cava o laicado), como ditadas pela impor-tância que dava ao contacto com osoutros. As moléstias e as agruras de que avida também é feita, sobretudo no fim,também fizeram nele o seu caminho; estátrôpego e à sua memória falta o viço deoutros tempos.Tem com ele uma espécie de “anjo-da-guarda”, que lhe colmata as insuficiênciase vela pelo seu bem-estar. É Bacar, umnegro cor de chocolate, nascido na ilha deMoçambique. Apresenta também a parti-cularidade de ser muçulmano – outra coisaque o distingue, mas ao mesmo tempo oaparenta com um patrão que sendo cató-lico, viveu uma vida inteira de convivênciaecuménica com todos. Bacar também valenaquele cenário como uma reminiscência

viva de Moçambique – representado emmuitas outras evocações plásticas espalha-das pela casa.

Ala que se faz tarde... A resposta que deu a Castro Fontes foi umsim rotundo – estava disposto a ir paraMoçambique construir Cahora Bassa. E foiassim que dali a uns dias – tudo foi célere –já o estavam a introduzir no gabinete dopresidente do Conselho Superior do Fo-mento Ultramarino, para com este “selar”o compromisso. Não fora apenas um desa-fio tecnicamente aliciante que o impelira aaceitar; havia também a atracção por Áfri-ca, alimentada pelos tempos de Angola, e ofervor dos patriotas desse tempo.Cahora Bassa foi erguida num sítio docurso do Zambeze, situado cerca de 250Kms para aquém da sua entrada em terri-tório de Moçambique, pela porta do Zum-bo, que a Natureza, prodigiosa e ordenadacomo só ela o é, pareceu, com milénios deavanço, destinar a uma barragem comoaquela. Foi Gago Coutinho que primeirodeu com a magnificência do local, quandona década de 20 sobrevoou e por ali deam-bulou a pé em trabalhos de demarcação dalinha de fronteira de Moçambique.Mas uma coisa eram as providenciais con-dições topográficas para a construção deuma barragem, que o sítio ostentava,desde o princípio dos tempos, outra era,no fim da década de 60, reunir condiçõesadicionais que permitissem avançar. Ouseja, vontade política, muitíssimo dinheiroe grande primor em termos de segurança,dado que a zona tenderia a ser afectadapela guerrilha. A Frelimo não andava longee mesmo que andasse não desdenhariaatingir Cahora Bassa, por razões políticas ede propaganda de que tiraria proveito.A barragem que Marcello Caetano tomoua decisão final de mandar construir (muitoinfluenciado por Arantes e Oliveira, aseguir nomeado Governador-Geral deMoçambique), mas aparentemente semter conseguido vencer de todo algumasresistências interiores, não é uma barra-gem qualquer. A sua construção implicavaum desmesurado esforço financeiro. Mashavia especialmente severos requisitos desegurança para que tudo corresse bem. Na

TEMA

Engº Fernando Braz de Oliveira

Cahora Bassa na pessoa

Braz de Oliveira com o seu “anjo da guarda”, Bacar,macua de Moçambique

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do seu construtorescolha de Fernando Braz de Oliveira estáimplícita a certeza de que ele “é o ho-mem” à altura da ousadia.A sua chegada ao Songo, investido nocargo de director dos Serviços Regionais deFiscalização da Obra de Cabora Bassa(SRFOBC), que traduzido por miúdos signi-ficava director e representante local dodono da obra, que era o Estado Português,por intermédio do Gabinete do Plano deZambeze, cedo se torna notória. Não pelospolainitos que usa invariavelmente, maspor que é ele que comanda, apoiado ematributos que todos lhe reconhecem: acompetência profissional, a autoridademoral oriunda do estilo de vida simplesque leva, a sensibilidade humana e socialque revela.O Bispo de Tete desse tempo, D. CésarAugusto, deu numa conferência promovi-da pela Academia de Engenharia, em1997, o seguinte testemunho de Braz deOliveira: «Mostrou experiência em lidarcom máquinas e cimento, mas sobretudocom pessoas. Graças a estas qualidadesconquistou a admiração do empreiteiro eganhou autoridade moral. Era exigente atéà perfeição. Pensava nos outros, antes e

depois de si». Castro Fontes, director do PVZ, que pri-meiro lhe falou na hipótese de ir construirCahora Bassa, refere-se a ele em termosmuito próximos: «Tinha grande compe-tência profissional, em especial na constru-ção de barragens; mas tinha tambémgrandes qualidades humanas». O subdi-rector do gabinete, Falcão e Cunha, queacompanhou mais de perto as obras, faz

de Fernando Braz de Oliveira um retratoainda mais encomiástico – a que não éestranha uma antiga amizade pessoal.

A “Suíça de África”Deve ter sido por causa do lado humanodo carácter e da maneira de ser de Braz deOliveira, embora também por que era vitalcativar as populações, de modo a privar aFrelimo do seu apoio (era o que prescre-

Seiscentos milhões, para maisQuanto custou Cahora Bassa, em termos de encargos que o Estado Português teve de suportar com o empreendimento ao longode mais de 36 anos, que se arrastaram de 1969 até aos nossos dias, atravessando as circunstâncias mais diversas? Não se sabe exac-tamente. E porventura nunca se virá a saber, com rigor. Quando foram abertos contactos entre Portugal e Moçambique tendo emvista uma alienação total ou parcial da participação portuguesa na Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), que era de 82%, o Governoportuguês (Durão Barroso) contratou um banco internacional para avaliar o empreendimento. Mas a operação de alienação não foifeita tendo em conta o seu valor real. Foram tidos em conta critérios políticos e outros.Diz-se que Marcello Caetano, ao ser inteirado dos exorbitantes custos financeiros do empreendimento (à época sete milhões de con-tos; uns 350 milhões hoje, se ainda houvesse contos), teria reagido nos seguintes termos: “Não seria melhor repartir esses gastospor obras de menor monta ao longo do país?”. Todos os gastos do Estado com o empreendimento, sob a forma de investimentosdirectos ou encargos financeiros devidos por empréstimos, seriam convertidos em dívida que cumpriria à HCB amortizar quando ini-ciasse a exploração. O que escapou às previsões foi que em Abril de 1974 ocorreria uma revolução que alterou substancialmente ocontexto no qual a HCB se enquadrava; que pouco tempo depois teria lugar a independência de Moçambique e que logo a seguirestalaria uma guerra civil de 14 anos que a todos os títulos acarretou graves prejuízos para a HCB (paralisação da produção; ausên-cia de receitas; destruição das linhas de transporte, etc.).Em 2003 a dívida da HCB ao Estado Português estava, grosso modo, avaliada em cerca de 600 milhões de contos, que representa-vam a soma de duas grandes parcelas: os custos financeiros ainda remanescentes da construção, mas sobretudo os créditos (incluin-do juros) que sob a forma de avanços foram sistematicamente feitos pelo Tesouro Português, pelo menos até 2004. Estes avançosdestinaram-se a suportar custos gerais de manutenção do empreendimento (pessoal, equipamento, etc.) ao longo do tempo deparalisação do complexo provocada pela guerra civil e pelo tempo que ainda levou a recuperar as linhas de transporte. Só em 2005,pela primeira vez na sua história, a HCB não precisou de avanços do Estado português para suportar os seus custos de exploração.No ano anterior a Eskom tinha finalmente concordado em pagar novas tarifas pela energia recebida da HCB.

Na construção da Barragem de Cambambe. Primeiro à esquerda, de polainitos

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viam os manuais da guerra anti-subversi-va), que em pouco tempo o Songo setransformou num centro urbano no qualviviam 16.000 pessoas, dotado de serviços,bens e facilidades como não existiam, emabundância e excelência iguais, noutra qual-quer parte de Moçambique. É a “Suíça deÁfrica”, como então é conhecido o antigoermo do Songo, situado lá em cima, acerca de 700 metros de desnível em rela-ção ao local onde a barragem vai medran-do, e onde se chega por uma estradaíngreme de 12 Kms. No auge dos trabalhos é um “exército” demais de 7.000 formiguinhas (5.000 mo-çambicanos, mais 2.000 europeus de mui-tas proveniências), que Braz de Oliveira co-manda a partir do Songo. E comandamesmo, no sentido mais prático que a pa-lavra pode ter. Dá sempre o exemplo e vaià frente; é acutilante nas tarefas de fiscali-zação da obra que lhe competem; nãofacilita nem cede perante um empreiteiroque no fundo é um consórcio, a ZAMCO,constituído por poderosas empresas ale-mãs, francesas, italianas, suecas ou sul-afri-canas e protegido pela Lloyds.Apesar dos efeitos erosivos do tempo nasmemórias que se guardam das coisas anti-gas, ainda perduram em gente dessetempo e daquele lugar ecos de episódiosdo mando seguro de Braz de Oliveira. Oparedão da barragem já oferece solidezpara se começar a fazer o enchimento con-trolado da albufeira, de modo a que, nadata prevista, seja fechada a galeria dederivação escavada na rocha. O consórcionão concorda com o parecer nem com otiming do director; as razões que aduz sãoteoricamente ponderosas. Braz de Oliveiraordena por escrito a operação e assume os

riscos respectivos. À frente da equipa que dirige a operaçãode fecho da galeria de derivação – era pre-ciso activar remotamente mastodônticascomportas – está Braz de Oliveira. Paraestar a seu lado convidou o Bispo de Tete,que descreve assim a ansiedade daquelemomento e logo a seguir o júbilo da aber-tura do descarregador que expeliu o pri-meiro jacto de água represada: «(...) em-preiteiro, pessoal, autoridades, tudo atentoe sustendo a respiração. Depois das com-portas descerem lentamente e sem qual-quer entrave, eclodiram palmas, enquantopelas faces do director corriam lágrimas desatisfação e gratidão – pois ele sabia sem-pre repartir os louros, com um gesto muitohumano e sincero». A vila do Songo, levantada de raiz paraacolher em boa ordem o formigueirohumano para ali destacado, mais a paren-tela que veio na peugada, distava cerca de750 Kms do porto da Beira, destinado a sero ponto de descarga de material queseguidamente era preciso transportar parao longínquo estaleiro da obra. A partir doSongo também era preciso implantar umalinha (dupla) com cerca de 1.000 Kms deextensão, que transportaria a energia pro-duzida em Cahora Bassa para a centralApollo, em Pretória.

O calcanhar de Aquiles da segurançaOs intrincados constrangimentos técnicose logísticos a que a obra estava sujeita,eram, porém, muito agravados pela amea-ça que a Frelimo representava como forçasubversiva cuja acção se desenvolvia espe-cialmente no Norte do território. Tendo emconta o tipo de objectivos que a sua acçãovisava, o modo como operava e os meios

As obras no seu início. O Zambeze corre por um túnelescavado na rocha

O momento em que as comportas foram abertas pela primeira vez

Primeiros passosde uma vidaatribuladaMaio.75 – Primeiro ensaio de produçãoe transporte de energia para a centralApollo, Eskom, operando apenas comum grupo gerador.Junho.75 – Criação formal da HCB.Julho.75 – Segundo ensaio, com doisgrupos geradores.Setembro.76 – Terceiro ensaio, comtrês grupos.Janeiro.77 – Quarto ensaio, comquatro grupos.

Março.77 – Início da exploraçãocomercial; produção atingidade 960 MW

Julho.80 – Alcançada a produção plenade 1.900 MW, com operação de cincogrupos; primeira interrupçãodo fornecimento à Apollo.Dezembro.80 – Suspensão definitivado fornecimento à Eskom, no segui-mento de sucessivas sabotagens daslinhas de transporte.Março.92 – Contrato com vistaao fornecimento de energia à ZEZA(Zimbabué).Dezembro.97 – Início do fornecimentoà ZEZAAgosto.98 – Reinício do fornecimentode energia à Eskom.

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de que dispunha, era de esperar que ten-tasse prejudicar os trabalhos e atrasar oseu andamento, de modo a explorar poli-ticamente isso a seu favor.A barragem, naquela forma que tem - umtapume em forma de meia lua a ligar doismaciços rochedos que faziam de gargantaaos rápidos do Zambeze - começou a serconstruída em 1968. Quando ocorreu o 25de Abril os trabalhos de construção civilestavam praticamente concluídos. Aslinhas de transporte até Pretória tinhamsido estendidas com um avanço de umano. Todos os prazos do projecto foramcumpridos e o orçamento não precisou deser reforçado. A Frelimo nunca conseguiuafectar a obra, a nenhum título.No dia em que me encontrei Braz deOliveira estava presente um homem quelhe é próximo, o Coronel Rodrigo daSilveira, ao qual couberam responsabilida-des primaciais na montagem e operaçãodo dispositivo de defesa e segurança con-cebido para cuidar de Cahora Bassa.O Comando Operacional de Defesa deCahora Bassa (CODCB), que Rodrigo daSilveira comandou a partir da base deEstima, próxima do Songo, tinha a ciclópi-ca função de isolar e manter inexpugnávelum perímetro com um raio de 50 Kms emtorno da obras e dos estaleiros, mais umcorredor de 200 Kms de extensão e 50 delargo, entre o Songo e a cidade de Tete.Cabia-lhe também garantir a protecçãodas chamadas colunas de transporte decargas críticas, do porto da Beira para oSongo.À data do 25 de Abril de 1974 os traba-lhos do empreendimento já decorriam háseis anos. O antigo comandante do CODCB,que por junto dispunha de forças minima-

mente suficientes, é peremptório: «AFrelimo nunca realizou qualquer acção noperímetro de Cahora Bassa e não criouqualquer impedimento à obra».

O abencerragemBraz de Oliveira é um típico abencerragemdesses antes exaltados “construtores doimpério”. A revolução e a sanha anti-colo-nialista que a marcou, fizeram dele e deoutros como ele, gente votada ao esqueci-mento, de cuja memória ninguém cuidaou quer saber. Os santos, heróis e mártiressão agora outros. Até as efemérides cele-bradas, de cuja lista não fazem parte coi-sas do passado.A seguir ao 25 de Abril e por todo o tempoainda que foi preciso para dar inteiramen-te por concluído o empreendimento (falta-va a central), Braz de Oliveira manteve-seno “seu” Songo de anos passados. Comojulgou que lhe competia, sem dar impor-tância às conturbações que aí vinham,como parecia claro. E por lá chegou a pen-sar deixar-se estar (ainda fez uma perninhana obra da barragem dos PequenosLibombos), pela simples razão de quenunca ninguém o desrespeitou.Mas acabou mesmo por fazer a torna-via-gem. Assim como, depois disso, continuoua demandar outras paragens, atraído poroutros desafios. Como no Brasil, onde par-ticipou na construção de barragens (sem-pre as barragens!) de Itaipú e Yacerta, nasfronteiras com o Paraguai e a Argentina.Mas é de certeza do “seu” Songo edaquele monstro imponente que pôs depé, que lhe devem vir as saudades que ovão moendo naquele refúgio de Sesimbra,na companhia de um negro cor de choco-late que com ele veio de Moçambique.

O Valedo Zambeze

A barragem de Cahora Bassa fazia partede um plano integrado de desenvolvi-mento do Vale do Zambeze, estudado eelaborado entre 1957/65 pelo Gabinetedo Plano de Zambeze (PVZ) - à boamaneira centralista de então, o gabine-te funcionava no Ministério do Ultramar,em Lisboa). A área de intervenção doplano estendia-se por 224.000 Km2,repartidos pelas actuais províncias deTete, Zambézia e Sofala. Cahora Bassaassombrou pela sua dimensão, presenteem especificidades como a capacidadede produção de energia das cinco turbi-nas da sua central Sul: mais de 2.000MW. O projecto admitia a construção deuma segunda central de produção deenergia Norte, que nunca veio à luz dodia. E 50 Kms a jusante, em MpandaNkua, pode ser construída uma segundagrande barragem. É dos livros que oVale do Zambeze é a parte mais rica doterritório de Moçambique: principalbase de água da África Austral(Zambeze e seus afluentes), sendo talabundância de água não tanto um fac-tor favorável à agricultura, mas sobretu-do uma fonte energética de grandepotencial, juntamente com enormesjazidas de carvão (é possível construiruma central térmica em Moatize); gran-des recursos geológicos, parte dos quaisficaram submersos com a formação daalbufeira. Após a independência, asnovas autoridades concluíram que oVale do Zambeze não tinha afinal tantaimportância face ao radioso futurosocialista que esperavam paraMoçambique e extinguiram sumaria-mente o PVZ (entretanto já transferidopara Moçambique). Foi preciso esperarmais de 20 anos, até 1996, para se con-cluir que estava errado o argumentosegundo o qual o PVZ não tinha interes-se como entidade destinada a servirinteresses nacionais. Foi restabelecido,agora por se concluir que servia “gran-des objectivos sociais e económicos doGoverno”. Apenas com uma ligeira dife-rença: passou a chamar-se Gabinetepara o Desenvolvimento do Vale doZambeze, nos últimos anos dirigido(outra ironia do destino!) por um dosgrandes adversários do original PVZ:Sérgio Vieira.

Coronel Rodrigoda Silveira.Comandou o dispositivomilitar montadopara garantira segurançadas obrasde Cahora Bassa

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LESTON BANDEIRA

Aprimeira vez que passeipor Cabo Verde, Ilha doSal, foi em Janeiro de

1975; a caminho do Algarveonde, no Alvor, se ia discutir aIndependência de Angola. Nomesmo avião seguiam JonasSavimbi e Agostinho Neto, osseus conselheiros e um grupode jornalistas no qual meincluía.O Sal de então ficou-me nacabeça como qualquer coisainsuportável. Uma paisagemde uma aridez que queimavae, no meio, um barracão malamanhado.Agostinho Neto saiu, masSavimbi permaneceu no avião.Nós, os jornalistas, aproveitá-mos para desentorpecer aspernas, mas sempre vigiadospor uns indivíduos que faziama “segurança”. Os hábitosdaquele tempo…Voltei a Cabo Verde em Agostode 1980 para tratar da minhapróxima instalação na Cidadeda Praia como delegado, cor-respondente, da ANOP naque-le país.Começou aí uma série de via-gens verdadeiramente insupor-táveis. O transbordo no Salpara a Praia, que implicava,normalmente, uma noite eparte da manhã de esperarepresentava uma verdadeiraprova de resistência.As coisas, mesmo no Aero-porto Amílcar Cabral, forammelhorando, devagar, masmelhorando.Desde Setembro de 1980 aNovembro de 1984 assisti aum fenómeno impressionante:o surgimento de um EstadoNação a partir de quase nadamas com um enorme tudo: avontade das gentes.O povo de Cabo Verde foi, defacto, a matéria-prima que um

grupo privilegiado de dirigen-tes teve ao seu alcance paradestruir as velhas anedotas quese contavam a propósito daviabilidade do país. Nestepequeno período, Cabo Verdeconheceu índices de cresci-mento fabulosos.Mas o povo queria sempremais e exigia também liberdadepolítica, liberdade de expressãoe não consentia nas compara-ções que se faziam da sua terracom outras de África. No míni-mo Lisboa, Amesterdão, NewJersey, eram os termos deseja-dos.Depois de 1984 continuei a ir aCabo Verde várias vezes por

ano e fui assistindo ao cresci-mento de um Estado que fun-cionava, à concretização deobjectivos programados com adevida antecedência.Por exemplo, a abertura dopaís ao multipartidarismo foidesenhada por uma parte doPAICV. A oposição de entãonão tinha força nem organiza-ção para conseguir o desidera-to. De resto, ainda me lembrodos métodos utilizados: orecurso ao boato, ao insulto, àbaixa política, através de pan-fletos anónimos assumidospelo então criado MpD, que,em 1991, chegou ao poder.Durante dez anos o país

mudou, criaram-se fortunas deorigem suspeita, atropelaram--se alguns dos fundamentosmais importantes do país,como a credibilidade interna-cional. As elites, entretantocriadas e enriquecidas, transi-taram para os novos governosdo PAICV, constituídos a partirde 2001, mas a verdade é queo povo cabo-verdiano continuaa fazer valer a sua vontade e opaís continua a crescer.A crescer em todos os sectores:Educação, Saúde, Habitação,etc., mas aquele que para mimé mais simpático é o dosTransportes. Viajar directo Lis-boa-Praia pode constituir a le-genda de um país africano quede inviável, ainda em 1980 eonde apenas se deixou demorrer à fome em 1982, pas-sou, neste espaço de tempo, àcategoria de país em vias dedesenvolvimento, enquantooutros, partindo de economiasvigorosas à data das respecti-vas independências, se encon-tram hoje na cauda de todas aslistas possíveis de elaborar.

OBSERVATÓRIO

Cabo Verde

Ali conta o povo

Um “nicho” fresco de verdura e água, num país árido e seco

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XAVIER DE FIGUEIREDO

As estatísticas e as obser-vações indicam que háem África cinco países

que “funcionam bem”: Áfricado Sul, Namíbia, Botswana,Gana e Cabo Verde. A expres-são “funcionar bem” significa,na sua singeleza, a existênciade Estados completos (ou nãofalhados), assentes em institui-ções que servem a razão paraa qual foram criadas e em leisque são aplicadas; em que a

riqueza é bem ou satisfatoria-mente distribuída e a pobrezacombatida; em que as pessoasgozam de efectivas liberdadescivis e políticas; em que os ser-viços públicos são razoavel-mente eficientes; em que,que, que....A inclusão de Cabo Verde nogrupo dos cinco é uma ironiado destino – venturosa, masnem por isso menos bizarra. Éo único dos cinco estadoslusófonos africanos que láestá, apesar de ser aquele quehá mais de 30 anos, quandotodos passaram à idade daindependência, dispunha demenos propícias condiçõespara vir a merecer tal distin-ção. Angola e Moçambiquevinham de impetuosas mar-chas de desenvolvimento edispunham de providenciaiscondições para continuar a

afirmar-se. Até o “liliputiano”S. Tomé e Príncipe tinha acategoria de terra próspera,vivendo dos réditos do cafémoca e das 4.000 toneladasde cacau que produzia (passoua produzir metade!). Nos antí-podas de tais apreciações esta-va Cabo Verde – terra de solosáridos e clima inclemente, cujaúnica riqueza natural era o“clinker”, uma matéria-primausada na fabricação do cimen-to. Parte da sua populaçãotinha partido para a “metró-

pole”, para Angola e até paraS. Tomé e Príncipe.Cabo Verde é o único doscinco países africanos lusófo-nos que de facto se desenvol-veu (upa, upa!) e modernizou,onde os níveis de bem-estar e

prosperidade da populaçãosão hoje em dia mais elevadosque nos tempos da coloniza-ção. E o que explica a “finta”que os cabo-verdianos prega-ram ao futuro mais ou menossombrio que parecia estar-lhesreservado é simples de enun-ciar. Em suma, a honesta apli-cação com que puseram de péo seu Estado e o realismo esentido de equilíbrio quedesde a primeira hora deramàs suas políticas e aos seusprogramas.

Nunca ninguém viu as novasautoridades banir ou limitar osdireitos cívicos ou políticos doscabo-verdianos que haviamestado ligados à administraçãoportuguesa – afinal o grandealfobre dos quadros com que

o país contou na sua arranca-da. Ninguém viu Cabo Verderejeitar um acordo de coopera-ção com a então RFA (que lhetrouxe grandes proveitos),apenas por que a defunta RDAnão queria. Ninguém foi alitestemunha de perseguiçõespolíticas ou religiosas. Nuncase confirmaram presságiosagoirentos de que uma vezindependente, Cabo Verdecolocaria o seu estratégico ter-ritório ao serviço da tambémextinta URSS, nas disputas de

poder e influências desta como “Imperialismo”. E, coisaespantosa, nunca ninguém sedeu conta do mais ténue atri-to nas relações com o antigocolonizador. Foi a sorte de Cabo Verde.Optar pelo desenvolvimento eo bem-estar em detrimento deestéreis vanguardismos políti-cos e ideológicos. É a isso quese devem as esplêndidas cida-des de Cabo Verde ou aquelear inconfundível de se estarnuma terra onde há lei,ordem, instituições, serviços ecoisas afins. A lacuna dasriquezas naturais, essa conti-nua colmatada pelas rarasqualidades dos cabo-verdia-nos, entre as quais a perseve-rança com que lutam há sécu-los contra a adversidade dasecura extrema do seu clima.

OBSERVATÓRIO

Prodígios de uma Nação de verdade

Cidade da Praia. De acanhado lugarejo de há 30 anos,transformou-se se em “cidade grande”. E viva

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FRANCISCO GASPAR

Na sua reeleição para o cargo dePresidente da República (PR) de S.Tomé e Príncipe, em Julho de 2006,

Fradique de Menezes alcançou uma vota-ção em 5% superior à da primeira eleição,cinco anos antes. Em 2001, 55%; em2006, 60%. Desfeiteou assim previsões epitonisas que não lhe auguravam futuroauspicioso na sua instalação no sóbrioPalácio Presidencial. Fradique, nome típico da onomástica por-tuguesa de séculos passados, passava porser um empresário-modelo, com todos osatributos dos que de facto o são, ou seja,imaginativo, dinâmico, arrojado, mas tam-bém dotado de uma apurada consciênciasocial – sensível ao bem comum – quandoMiguel Trovoada, ao aproximar-se o fim doseu último mandato, o persuadiu a candi-datar-se à sua substituição.Miguel Trovoada, velho ladino nas lidespolíticas, também deve ter visto emFradique outras qualidades e vantagenspara vir a ser o seu substituto. O seu popu-lismo, misturado com espontâneas mani-festações de compaixão e generosidade aque é dado para resolver aflições de pes-soas que aparecem no seu caminho. A rus-ticidade dos seus modos, compensada porum domínio fluente do inglês e do francês.E havia a propalada fortuna pessoal deFradique. Uma parte da dita, acrescentadacom donativos prometidos por paísescomo Taiwan ou a Líbia ou por círculos deapoiantes dispostos a angariar fundosnoutros países, seria suficiente para finan-

ciar uma campanha que, também por isso,tinha condições para vir a ser triunfante. Havia só um factor que não se previa comsegurança que efeitos poderia vir a ter: Ofacto de Fradique de Menezes ser mestiço,de tez muito clara. Concluiu-se depois queisso não teve ou teve incipientes efeitosnegativos na sua aceitação por um eleito-rado dominado pela componente negrada população; ou pode mesmo ter tidoefeitos positivos. A saber:

Na sociedade santomense há antigastradições de boa convivência racial, religio-sa e cultural; os fenómenos de marginali-zação racial que a seguir à independênciado país atingiram certos grupos, verifica-ram-se especialmente na classe média enas elites e, apesar de sub-reptícias invoca-ções rácicas, foram em maior escala deter-minados por razões de concorrência políti-ca e pessoal.

Na mentalidade padrão das classes maisbaixas (a grande massa dos eleitores), astendências rácicas têm escassa expressão.

Alma meio lusaFradique Melo Bandeira de Menezes, deseu nome completo, é filho de um portu-guês, de Viseu, que se fixou em S. Tomé ePríncipe nos anos 30, tinha ainda o arqui-pélago a fama de uma “próspera posses-são ultramarina”, conforme termos coe-vos. A mãe era uma “cabrita” de Mada-lena, sendo esta miscigenação a razão deser quase branco. O pai, que consta termorrido rico, educou-o com o propósitode “fazer dele um homem e garantir o seufuturo”. Dele e do irmão, João, que vive

em Portugal e é um próspero homem denegócios que se diz serem de ambos.À data da revolução do 25 de Abril, emPortugal, Fradique de Menezes era oficialdo Exército Português, alferes, destacadoem Moçambique. Não tinha feito nenhumcurso superior, como o pai tanto desejou,mas conseguira, frequentando bons colé-gios portugueses, concluir o 7º ano – quepor esse tempo dava acesso ao curso de ofi-ciais milicianos, que frequentou em Mafra.O pai, pessoa de origens modestas, tinhaorgulho no filho que chegara a alferes,mas era também grande a consolação dever nele “um rapaz esperto e diligente”,que também apresentava o atributo de“não se meter em políticas”. Fradique foi,de facto, um português normal, dos tem-pos da pátria pluricontinental que Portugalera então – como tantos outros que ape-nas diferiram dele quando o oportunismoos impeliu a tornarem-se mais papistasque o Papa.Conservou sempre a nacionalidade portu-guesa (a partir de 1975 juntamente com asantomense). Só nas vésperas de ser for-malmente empossado como PR, em 2001,renunciou à nacionalidade portuguesa.Mas no seu quotidiano público e privadocontinuam presentes costumes, tradiçõese gostos reveladores de influências lusas.Vem amiúde a Portugal e não raro vai àterra natal do pai.

Diplomata e empresárioO cargo em que se manteve mais tempono pós-independência foi o de embaixadorem Bruxelas, que aproveitou para se licen-

VIDAS & DESTINOS

Fradique de Menezes, o Senhor

Fradique de Menezes. Eleiçõespresidenciais de 2006

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de S. Tomé e Príncipeciar na Universidade Livre. Remontam aesse tempo as origens de um traço doseu perfil que continua a identificá-lo:a sua propensão para os negócios.Antes, fora secretário-geral do Mi-nistério dos Negócios Estrangeiros.A par das suas actividades diplomáti-cas, competia-lhe em Bruxelas nego-ciar no mercado livre remanescentesde cacau da produção nacional - quefoi sendo cada vez mais baixa e emgrande parte previamente hipotecadapara garantir créditos externos. De 10.000toneladas, em 1974, a produção tinhacaído para mínimos de 3.000 toneladas –sendo hoje em dia ainda menos.Além da sua alma meio portuguesa – nãohá registo de acrimónias suas contraPortugal, antes afirmações antigas, nuncarepetidas, como a de que o futuro de S.Tomé e Príncipe teria ficado melhor asse-gurado como Região Autónoma dePortugal – Fradique é também um homemde não dissimuladas tendências conserva-doras. Em 1986 Pinto da Costa nomeou-oministro dos Negócios Estrangeiros, mas aspressões para o retirar foram de tal ordemque se viu constrangido a removê-loalguns meses depois. Razões:

Os embaixadores da antiga URSS e Cubaqueixam-se frequentemente de dificulda-des por que passam para ter acesso aoministro.

Angola, que ainda não admitia nenhu-ma outra política em relação à UNITA quenão fosse combatê-la militarmente, mani-festa-se escandalizada com declaraçõespúblicas do ministro de exortação à via ne-gocial como forma de pôr termo à guerracivil.O fim da Guerra Fria e a evolução por queo mundo passou a seguir, convenceram--no de que a razão estava do seu lado.Confortado com essa razão, mas porven-tura espreitando já oportunidades que aliberalização económica traria a S. Tomé ePríncipe, passou a dedicar-se por inteiro àvida empresarial. Antes, dera-se a sua rup-tura com o MLSTP (expulso em 1992, porrebeldia política).

Descoberta de TrovoadaEm Março de 1991 Miguel Trovoada, his-tórico do MLSTP, Primeiro-ministro (PM)após a independência, mas caído em des-

graça política e forçado ao exílio poucodepois, ganhou as eleições presidenciais –um feito que repetiu em 1996, assim semantendo no poder ao longo de dez anos.À medida que o último mandato se apro-xima do seu termo, Miguel Trovoada con-gemina acerca de quem poderá lançar eapoiar para o substituir. Aspira que possaser alguém da sua confiança, capaz de darcontinuidade às suas políticas e se preste aser permeável a influências que ele querconservar. Chega à conclusão de que éFradique que reúne tais predicados e inci-ta-o a apresentar a sua candidatura. A ironia do destino foi que Fradique, aindaPR de fresco, começou a dar mostras denão estar disposto a ser factotum deoutrem. Sucessivamente vai declinandotentativas de intromissão de Trovoada noexercício do seu cargo e começa a afirmar--se individualmente. Criou mesmo um par-tido de que foi mentor, o MDFM - Movi-mento Democrático Forças de Mudança,ao qual se foram agregando outros grupose indivíduos. Vieram daí amuos, desinteligências e sepa-rações entre ambos. Trovoada começou adizer que se enganou na escolha deFradique. E foi por isso que nas eleições de2006 o principal adversário de Fradique foiPatrice Trovoada, filho do antigo PR.Durante algum tempo parece que o pró-prio admitiu a possibilidade de ser ele pró-prio a avançar; mas hesitou quando seapercebeu de que Fradique tinha o “con-trolo da situação”.Enquanto PR, Fradique nunca se apartouverdadeiramente dos seus negócios, quetratou de ampliar. É corrente que os gran-des investimentos em S. Tomé e Príncipepassam por ele, directamente ou atravésdo irmão, a quem confia esse encargo. Pormeio de artifícios que o complexo sistema

constitucional de S. Tomé e Príncipetornava possíveis – a política externa ea defesa eram assuntos da exclusivacompetência do PR – controlava o pro-cesso do petróleo.Em 2003 teve que fazer face a umainsólita intentona envolvendo algunsmilitares de segunda ordem e aben-cerragens dos antigos Búfalos. Aindapermanecem zonas de sombra emrelação ao que verdadeiramente sepassou. Fradique saiu incólume do

transe, em especial graças aos bons ofíciosdo seu amigo de então, OlusegumObasanjo, que também não conseguiutirar partido disso para exercer influênciassobre ele.

Os ganhos de 2006O ano de Fradique, em termos de êxitoseleitorais, foi claramente o de 2006. O seupartido, o MDFM, ganhou as eleiçõeslegislativas. Seguiu-se a sua própria vitóriae, menos de um mês depois, de novo avitória do MDFM nas eleições regionais emunicipais. O partido histórico, MLSTP,fora praticamente arredado do poder. Mas a fartura de ganhos em 2006 queconduziu à hegemonização do poder porparte de Fradique e da sua gente, comointernamente se diz, não tem estado aconfirmar-se como prenúncio de estabili-dade e de normalização da vida política.Por efeito da entrada em vigor de cláusu-las da constituição que se encontravamsuspensas, o sistema político tornou-separlamentar. Fradique deixou de partilhar com o PM atutela das pastas da Defesa e dos NegóciosEstrangeiros. Já só preside aos conselhosde ministros em ocasiões especiais. É óbvioque não se sente bem na nova “pele”,sobretudo por não ter grande confiançano actual PM, Vera Cruz, que sem sucessotentou convencer a demitir-se. Amado e odiado como é, não há dúvida,porém, de que o campo mais representati-vo é o primeiro – como as suas vitórias elei-torais demonstram. As razões dos que ocriticam e atacam, em especial a classepolítica, são, bizarramente, as mesmas,mas vistas de outro ângulo, que levam apopulação e a sua base eleitoral a dar-lheprimazia.

Apaziguado com José Eduardo dos Santos

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FERNANDO KA

Aindependência de um país é algo de sublime e inquestio-nável. Todavia a antiga província ultramarina portuguesada Guiné não estava efectivamente preparada para assu-

mir o seu próprio destino, em parte por culpa da ex-potência colonial. Mas decorridos mais de trintaanos após a independência já poderia ter melhora-do a sua situação, devido às ajudas de todo o tipo,provenientes da comunidade internacional.Portanto, não se pode queixar de falta de apoio, oque aconteceu foi a delapidação do mesmo paraproveito dos governantes.Ao contrário do que algumas pessoas julgam, aGuiné dispõe de recursos naturais para se tornar umpaís viável. Possui uma das mais ricas zonas econó-micas exclusivas do mundo, embora sem grandeproveito para o país, tem um rico solo para as acti-vidades agro-pecuárias, além de abundantes chuvas e lugaresparadisíacos para o turismo, porém carentes das infra-estruturasnecessárias. A falta do investimento nas áreas estratégicas, taiscomo o turismo e a pesca, tem muito a ver com a incompetên-cia dos governantes e a corrupção como meio de enriquecimen-to fácil.A Guiné-Bissau é o único país lusófono de África que, depois daindependência, não tem sido capaz de equacionar os seus pro-blemas, agravados com a guerra civil de 1998 e muito menosainda resolver alguns deles. Os outros quatro países africanoslusófonos compreenderam que a única forma de chegar aodesenvolvimento necessário é a reconciliação nacional dos seuscidadãos, contribuindo cada um na medida das suas possibilida-des para o bem comum. Ao contrário, os guineenses pautam oseu comportamento pela exclusão mútua. Daí a dificuldade naobtenção da concórdia nacional, devido ao predominante senti-mento de inveja e de ódio que os caracteriza. Ora, um país comgente assim não vai a lado nenhum.A democracia é um valor universal que tanto pode sustentar oregime parlamentar como o regime presidencialista. Aliás, ambosos regimes vigoram nos diferentes países, embora na África pre-domine o presidencialismo, por ser o que melhor serve a vivênciademocrática africana. O regime presidencialista, a meu ver, podecontribuir melhor para a estabilidade governativa na Guiné, por-que não estará sujeito aos mesquinhos interesses partidários na

formação dos governos, além de poder proporcionar uma livreescolha dos respectivos membros, sem condicionantes de natu-reza político-partidária.A Guiné é hoje um país muito dependente do Senegal, por incú-ria da sua classe dirigente, fazendo dele uma espécie de enclave

no território do seu vizinho do Norte, ignorandopor completo a sua relação atlântica com os paíseslusófonos. Os governantes do país não têm qual-quer visão estratégica em termos de futuro. O paísanda à deriva, sem rumo e sem projecto de desen-volvimento sustentável.A Guiné, neste momento, encontra-se ancoradanum verdadeiro dilema e não sabe como sair dele.Ou continua a ceder à falácia demagógica daque-les que procuram apenas um lugar no governo paraa sobrevivência pessoal, hipotecando ainda mais ofuturo colectivo, ou há que romper definitivamentecom o passado de privilégio só para alguns que têm

condicionado o futuro do país, em detrimento da esmagadoramaioria da população. A Guiné-Bissau precisa urgentemente dedespertar da sua sonolência para a luz do dia que faz ver o cami-nho a seguir para não se desviar do rumo certo.Convenhamos, que seja feita uma abordagem global sobre acrise nacional, a qual interpela a todos os guineenses, de ummodo geral, levando cada um a pôr a mão na consciência, vendoque também faz parte das soluções dos problemas colectivos,que afectam toda a gente, de diferentes modos. Não se podeapenas continuar a culpabilizar os que estão no poder. A culpa étambém daqueles que vivem na diáspora, alguns destes bemsituados na sociedade de acolhimento, devendo a sua confortá-vel situação ao país de origem, que lhes financiou os estudos, oualguém o fez, para que depois pudessem contribuir para o desen-volvimento nacional, sujeitando-se ao sacrifício da missão. Masmuitos têm-se refugiado na falta de condições para o regresso. Omesmo é querer que sejam outros a fazer o sacrifício para a cria-ção das condições pretendidas. A Guiné só poderá evoluir favo-ravelmente se todos estiverem verdadeiramente comprometidoscom o seu bem-estar. Portanto, não é admissível de uma formahonesta o recurso permanente à doutrina maniqueísta: por umlado, estão os bons fazendo papel de Pilatos e, por outro, osmaus. Pois, é a forma subtil com que a comunidade guineensena diáspora iliba a sua consciência do mal.

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Guiné-Bissau e o presidencialismo

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PEDRO FIGUEIREDO

Pertenço a esse universoimenso de jovens na casados 30 anos que, tendo

nascido em África mas vivido avida quase toda na Europa,tem do continente apenas aimagem difusa e irreal formadana amálgama de relatos ouvi-dos ao longo de anos à suafamília mais próxima, que lánasceu e viveu, em documen-tários do National Geographic,em filmes como o ÁfricaMinha e em imagens chocan-tes de fome, miséria e genocí-dio passadas em prime-time notelejornal. Tal como a da esma-gadora maioria dos que, comoeu, abandonaram África emcriança e hoje têm pouco maisde trinta anos, a minha identi-dade essencial, a minha me-mória perscrutável, é profun-da, incontornável e irreversivel-mente europeia. Estudámosem escolas europeias, viajámospor Paris, Londres, Amesterdãoou Berlim nas férias, fizemosInter-Rails, quando acabámos auniversidade fomos para oBrasil ou para a RepúblicaDominicana em viagem definalistas. Distingo-me apenasde grande parte dos meus con-temporâneos com percursossemelhantes ao meu apenaspela circunstância de, ainda nainfância, ter passado curtastemporadas em Moçambiquee Guiné-Bissau, de que sobra-ram memórias demasiadofragmentadas e ténues parafazerem a diferença.Porém, tal como na maioriados jovens com percursossemelhantes ao meu – semnenhum rigor científico atrevo-me a dizer que são muitosmilhares -, existiu sempre pelomenos a curiosidade de voltar,ainda que temporariamente,ao continente gravado nocampo “naturalidade” dos res-

pectivos bilhetes de identida-de e perceber na prática umarealidade que não viveram,mas de que sempre ouviramfalar. Uns foram como enge-nheiros, arquitectos, médicos,juristas ou activistas de organi-zações não governamentais. Amim coube-me, de forma ines-perada, fazer esse trajectocomo jornalista, profissão queabracei há mais de dez anos.Depois de dois anos passadosem Bruxelas a acompanhar aactividade da União Europeia,seguidos de uma passagempela política nacional portu-guesa, fui escolhido para dele-gado da Agência Lusa emMoçambique.Foi movido pela curiosidade epelo genuíno sentido de aven-tura que cheguei a Maputo hámeio ano. Seis meses de umaintensidade inesperada equase brutal que me servemde primeiro balanço desta ines-perada e singular aventura afri-cana. Uma aventura com maismixed feelings do que certezasou conclusões lapidares.Ao chegar a África e, acima detudo, ao viver em África (coisabem diferente de chegar de

férias, passar 15 dias numresort de luxo numa qualquerilha paradisíaca e regressar acasa) tem-se de imediato umaimpressão que a passagem dassemanas só vai confirmando: agenuína simplicidade, humil-dade e afabilidade das pes-soas. Depois, a sensação mag-nética de espaço e imensidão,salpicada de natureza exube-rante e majestática. Para quemvem de um continente de paí-ses geograficamente peque-nos, altamente industrializadose densamente povoados, asensação de se estar longe detudo, bastando para tal percor-rer algumas dezenas de quiló-metros para fora das cidades.Isto para não falar de cidadesonde, ao contrário das suascongéneres europeias, tudo ouquase tudo está por fazer.Depois há o “reverso da meda-lha”. A corrupção que, ao con-trário da europeia sofisticada ede colarinho branco, aqui nosinterpela de forma física, está“na rua” e tem no estrangeiroum alvo preferencial; a (quase)inexistência da vida cultural doquotidiano europeu (espectá-culos, exposições, livros, discos,

cinemas, iniciativas várias); aburocracia, que transformanum calvário qualquer ida aum serviço público; a desorga-nização latente que, a par dasujidade e do défice de manu-tenção das cidades, das ruas edos edifícios, cria uma sensa-ção de mal-estar difuso emquem vem de outro contexto;as doenças e a criminalidadeque, apesar de reais, não têm– apesar e tudo - a dimensãoapocalíptica que povoa o ima-ginário do primeiro mundo; ademocracia e a liberdade deexpressão e de opinião, reali-dades ainda mais nominais quereais.Por tudo isto e pelo muito,muito mais que fica por escre-ver, África deixa em quem,como eu, tem este percurso devida singular, esta bizarra sen-sação, algures entre o amor e oódio. A sensação de que, senão fosse necessário escrevereste último parágrafo e nosficássemos apenas pelo ante-rior, este seria o sítio ideal noplaneta para viver.

CRÓNICA

Terra de mixed feelings

Cheias do Zambeze

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GUILHERME DIAS

“Como em tudo na vida,vamo-nos inserindo e habi-tuando”, aprendeu Dimas dosSantos – Dimas para os amigos –o português que nasceu emAngola e, desde 1977,chama casa à Mauritânia,o país que o Sara e oAtlântico abraçam.Dimas, “o” português naMauritânia, “cônsul” aquem recorrem aquelesque se vêem em apuros nopaís muçulmano, contourecentemente ao jornalistaRicardo Bordalo, da agên-cia Lusa, a cumplicidadeque desenvolveu com odeserto norte-africano, àcusta de matar outra sedeque não a de água.Isto porque na Mauritâniao salutar e tão lusitanohábito de tomar “um copi-nho de vinho ou uma cer-vejinha” envolve sérios ris-cos, inclusive a prisão; ehaverá cúmplice melhorque um deserto para ocul-tar as “provas” do “cri-me”, latas ou garrafas devinho que só por artes eesquemas passam de mãoem mão? «É um país diferente e,mesmo para os muitosportugueses que conhe-cem África, este é um pe-daço do continente quepermanece desconhecido,com hábitos e costumesdiferentes dos que exis-tem, por exemplo, nas ex-colónias portuguesas», afir-ma Dimas.Quando chegou, Dimas eraum jovem de vinte e poucosanos e, confessa, a primeiravontade foi voltar para trás,assustado com a “tremendadiferença cultural” que encon-

trou; mas, «como bom portu-guês», diz hoje, foi «capaz deultrapassar a barreira e ir emfrente».«Meti na cabeça que era euque tinha de me adaptar aopaís e não o contrário. Mesmo

quando me sentia mais desen-corajado, encontrava forma decontornar a vontade de irembora», disse ao jornalista daLusa.Nos últimos 30 anos foi apren-

dendo os costumes locais, co-mo o de não rejeitar nenhumpedido, a não ser que sejamanifestamente impossível.«Primeiro temos de dizer àspessoas que vamos tentar.Depois de dois ou três dias,

diz-se às pessoas que se tentoue que não se conseguiu, por-que o esforço em tentar é maisvalorizado que conseguir», dizDimas dos Santos.Porque Portugal não tem re-

presentação diplomática naMauritânia e Dimas é uma pes-soa integrada na vida destepaís de três milhões de almasdispersas por um territórioimenso, este raro portuguêsfoi-se tornando numa espécie

de “cônsul” – não honorá-rio, mas apenas de estima-ção.«As pessoas davam decaras com os problemas,não conheciam os costu-mes e de pronto ligavamao Dimas para os ajudar, oque fazia e faço de imedia-to, sem pensar duas ve-zes», afirma.Entre os mais necessitadosde ajuda contam-se os jor-nalistas e também camara-das seus das pescas, envol-vidos não nas redes destaarte, mas nas de papéis, asburocráticas, particular-mente “intrincadas” naMauritânia.Foi o principal centro pisca-tório mauritano, Nouadhi-bou, que recebeu Dimasdos Santos, faz 30 anos.Ao longo destes anos foipassando pelas tripulaçõesde muitos pesqueiros por-tugueses, depois de extin-ta a Companhia Portu-guesa de Pescas, empresapor artes ao serviço daqual aportou à Mauritânia.Hoje, Dimas dirige na capi-tal mauritana, Nouakchott,uma empresa de capitaisportugueses que se dedicaà exportação de peixe, masjá pensa em regressar àterra, «daqui a um ou doisanos».

O “cônsul” informal de Por-tugal não sabe ainda onde sevai fixar, mas uma coisa é certa:«Vou viver à beira-mar, porqueposso passar sem tudo, menossem o mar».

DIÁSPORA

Angolano, “cônsul” portuguêsno país do “nim”

Dimas dirige uma empresa de exportação de peixe

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FRANCISCO GASPAR

Chega com os alvores do Verão dohemisfério Norte uma vaga deencontros, convívios, confraterni-

zações e liturgias afins, que todos os anosreúnem em Portugal os abencerragens(os que sobram) de antigas comunidadesde vilas e cidades de Angola, simplescolectividades de todos esses sítios, que asaga descolonizadora de há 30 anos,cruenta como foi, arrancou ao seu passa-do e às suas origens. Os do Huambo, doLobito, de Sá da Bandeira, os do liceuSalvador Correia de Sá, do Tchivinguiro,do Colégio de S. José de Cluny, etc.. Também os do Calulo – vila pequenina erisonha, incrustada no verde mágico, noar puro e nos cheiros ine-briantes da paisagem únicado Cuanza-Sul. A estradanova que no fim da décadade 60 passou a ligar aQuibala ao Dondo deixou oCalulo de fora. Vaticinaram--lhe então o futuro poucopromissor que parecia estarreservado às vilas perdidasalgures, fora do alcance dasestradas principais. Mas não foi isso queaconteceu. O Calulo que chegou aos diasda descolonização era uma vila ainda maispróspera. E continuava bela e mágica.Destino ingrato foi o que a descoloniza-ção e os demónios que a mesma carrega-va no bojo reservou ao Calulo. Assimcomo a tantas cidades, vilas e pequenaspovoações de que Angola era feita. E aseguir à descolonização, praticamentesem intervalo, foi a vez de outra peçonha,a da guerra civil, fazer ainda pior. Hoje emdia, cinco anos andados sobre o tempodo fim da guerra, o Calulo e os outrosmilhares de pequenas vilas, começamlentamente a renascer das cinzas em queforam transformadas. Era notório que o novo e muito celebradoclima de paz instalado em Angola estavapresente no último convívio, o quinto,que naturais de Calulo residentes emPortugal promoveram em Almeirim, paraos lados de Santarém. Vê-se que entre oscerca de 300 participantes, feitos residen-tes em Portugal pelos dissabores com quea vida os “prendou”, estão misturadassensibilidades e crenças diversas – que no

passado desuniram, mas parece queagora aglutinam. Alguns já foram aoCalulo, coisa antes impossível, em roma-gens de saudade ou simples revisitação.Do que viram fazem circunstanciadosrelatos. E há também os que vieram pro-positadamente do Calulo ou de outraspartes de Angola para estarem naquelesábado em Almeirim. Entre as vilas, pequenas e grandes, quepontilhavam Angola, algumas entretantoalçadas à condição de cidades, haviaalgumas que toda a gente conhecia efacilmente identificava no mapa. Eram asvilas mais típicas. O Calulo era conhecidopor ali estanciarem, de um dia para ooutro, as carreiras da EVA, que ronceira-mente vinham de Nova Lisboa em direc-ção a Luanda. Pelas suas riquezas agríco-las, belezas paisagísticas e os alemães daestirpe de Madame Berman que alitinham belas fazendas de café, sisal etudo o que uma natureza generosa dá.A pujança no passado associada ao Calulo(circulava dinheiro) explica que muitosdaqueles que estão no convívio deAlmeirim seja gente instruída. Está lá um

cirurgião e um economista, que os paistiveram cabedal para mandar estudar. Masficaram em Angola outros calulenses ilus-tres: Higino Carneiro, José Pedro de Moraise Pedro Neto. Higino Carneiro desta veznão vem, veio em anos anteriores, masmanda representantes pessoais. É assimque acha que um calulense deve ser.A mais distinta personalidade que está noconvívio de 2006 é o Bispo do Sumbe, D.Benedito Roberto, que a alma-mater dainiciativa, Evelino Nunes, cunhado deCarneiro, sabendo-o em Portugal, logoconvidou. Vem para lembrar aos calulen-ses que na capela da vila ainda está umaimagem de Nossa Senhora de Fátima, queaí pelos anos 60 o arcebispo de Luandamandou em peregrinação por todo o vastoterritório que estava então sob sua jurisdi-ção. Foi no Calulo, termo da jornada, queficou para sempre. Até hoje.O Bispo tem em mente fazer do Calulo eda capela onde a imagem se conserva umgrande centro de peregrinação. À ima-gem passou a chamar Nossa SenhoraPeregrina. E quer sensibilizar os calulensespara tão nobre causa. Foi essa, em subs-tância, a mensagem que transmitiu aoscalulense reunidos em Almeirim quandoa instalação sonora anunciou que «oSenhor Bispo vai falar, pedimos a máximaatenção». E todos lhe prestaram respeito-sa atenção, como teria acontecido noCalulo, anos atrás, se o episódio, poracaso, ali tivesse ocorrido.

MEMÓRIAS

Calulo em Almeirim

D. BeneditoRoberto, Bispo do

Sumbe,na confraternização

dos calulenses

Aspecto actual do Calulo

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Ataque holandêsà Ilha de Moçambiqueem 1607

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HISTÓRIA

JOSÉ SOLANO DE ALMEIDA

Há 400 anos, na manhã de 29 deMarço de 1607, centena e meia deportugueses, protegidos pelas

poderosas paredes da fortaleza de SãoSebastião, na ilha de Moçambique, viram,apreensivos, oito naus holandesas ganha-rem volume no horizonte. Transportavam1.500 homens e alguma artilharia pesadasob o comando de um almirante expe-riente, Maurice van Carden.D. Estêvão de Ataíde (1), o capitão geralde Moçambique, agora com a responsa-bilidade de defender este posto-chave dasoberania portuguesa na região, dispu-nha de 30 soldados e da restante popu-lação da ilha que se tinha albergado nafortaleza com teres e haveres logo que anotícia da aproximação da esquadraholandesa tinha chegado de Goa. Mal a maré encheu, e para espanto dossitiados, as naus holandesas foramentrando pela barra dentro «com tantaousadia como se não houvesse ali forta-leza (…) com grossa artilharia capaz defazer muito dano ao inimigo» (2) conse-guindo mesmo ancorar ao abrigo dofogo da fortaleza.Várias lanchas foram depois lançadas aomar para transportar até à ilha cerca de

500 homens e nove peças de artilhariade grosso calibre, incluindo um canhãode grandes dimensões que alarmou D.Estêvão. Sabia tratar-se de uma armacom capacidade para provocar avultadosestragos em qualquer muralha por maisforte que fosse. E ainda por cima os tra-balhos de construção da fortaleza nãoestavam concluídos. Na realidade só ter-minariam 13 anos depois!Mas agora era preciso resistir a todo ocusto. E não deixar transparecer para oinimigo fragilidades e preocupações.Em cima das muralhas todos tinham umamissão a cumprir. Simples, no fim decontas já que D. Estêvão tinha sido bemclaro: poupar munições, disparar apenasquando se tiver a certeza que se podeacertar no inimigo. Causar o maiornúmero de baixas para reduzir rapida-mente a desproporção de forças.Os holandeses colocaram cuidadosamen-te as peças desembarcadas no mosteirode S. Domingos que fica fronteiro à for-taleza de S. Sebastião. Mas como preten-diam disparar de uma posição mais pró-xima, de modo a provocar os maioresestragos, foram cavando valas e trinchei-ras entre o mosteiro e a ermida de S.Gabriel. Ali construíram três baluartes edurante dois meses criaram um verdadei-

ro inferno neste local paradisíaco daTerra: dispararam sobre as paredes dafortaleza uma média de 80 tiros diários.Mas apesar do barulho medonho equase constante provocado pela artilha-ria, apesar do receio permanente de quealguma parede pudesse ceder, apesar dadisparidade numérica entre portuguesese holandeses, apesar de tudo isto a for-taleza resistiu.D. Estêvão de Ataíde revelou, de resto,uma invulgar capacidade de comando.Percorria dia e noite todo o perímetro damuralha e baluartes, conseguindo assimmanter em alta a moral dos sitiados. Paraisso terá contribuído também a quaseausência de baixas. Os holandeses terãosofrido para cima de trezentos mortos.Os portugueses apenas dois. Frei Joãodos Santos não tem dúvida que isto seficou a dever «à prudência do capitão dafortaleza que nesta guerra se houve nãosomente como sagaz capitão mas tam-bém como esforçado soldado sendo oprimeiro na vigia e na briga». Outro factor fundamental que ajudou osportugueses a resistir foi a abundânciade água, importante nestas paragens. Astrês cisternas tinham quantidade sufi-ciente para abastecer durante dois anosuma guarnição de duas mil pessoas. Ora

Fortaleza de S. Sebastião, uma das mais portentosas que os portugueses deixaram pelo mundo

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No final do século XVI (1568) a Holanda tinha passado à ofensiva na luta pela sua inde-pendência contra a ocupação espanhola. Uma guerra que durou 80 anos (de 1568 atéao Tratado de Münster em 1648) e que marcou também o chamado “Século de Ouro”holandês que se prolongaria até 1690.Uma espécie de pulsão criadora transformou um minúsculo país com um milhão emeio de habitantes num dos “senhores do mundo”. No princípio do século XVII aexpansão holandesa foi tão fulgurante como haviam sido a portuguesa e a espanhola,cem anos antes.D. Sebastião chegou a auxiliar os holandeses na luta contra Filipe II. Mas quando o reiespanhol se tornou também rei de Portugal em 1580 o país viu-se envolvido nos esfor-ços da Coroa espanhola para sufocar a revolta nos Países Baixos. Uma das medidastomadas por Filipe foi fechar o porto de Lisboa aos navios holandeses. E Portugal, comomembro mais fraco da União das Duas Coroas, acabou por sofrer, sobretudo nas suaspossessões coloniais, os ataques mais pesados e persistentes dos holandeses. A partir de 1602 coube à Companhia das Índia Orientais o controle e a direcção daexpansão do Império e do comércio das especiarias. Dirigida por 17 homens de negó-cios todo-poderosos (os “Senhores Dezassete”), o objectivo da Jan Compagnie era pro-clamadamente fazer render o investimento sem que os meios para o conseguir fossemmuito acautelados e nem o Governo nem a Igreja podiam interferir nas suas operações.Os “Senhores Dezassete”, que conheciam o Império apenas por interpostas pessoas,tinham apesar disso capacidade para tomar decisões que influenciavam meio mundo.A guerra, pode dizer-se, começou com o ataque holandês a S. Tomé e Príncipe em1598. As colónias portuguesas encontravam-se sobretudo em costas marítimas expos-tas e eram portanto mais vulneráveis do que as colónias espanholas solidamenteentrincheiradas no sul do continente americano. Navios holandeses desencadearamuma verdadeira guerra de corso contra navios portugueses, sobretudo no OceanoÍndico e no Mar da China. Em 1640 os holandeses haviam arrancado a Portugal amplaszonas no Oriente assenhorando-se pouco a pouco das melhores regiões e portoscomerciais, nomeadamente Cochim, Ceilão, Cananor, MalacaMas subjacentes a interesses comerciais e geopolíticos, digladiavam-se, também, duasconvicções religiosas - os portugueses católicos romanos, os holandeses calvinistas, unsseguindo a doutrina do Sínodo de Dort, outros do Concílio de Trento.No século XVII o Reino de Portugal e a República Neerlandesa Unida não tinham, noseu conjunto, mais de três milhões de habitantes. Apesar disso terão travado entre siaquilo a que C.R. Boxer considera a Primeira Guerra Mundial já que os combates seestenderam por sete mares e quatro continentes o que aconteceu, efectivamente, pelaprimeira vez na História. J.S.A.

Pano de Fundodentro da fortaleza estavam menos deduzentas. Em contrapartida os alimentosameaçavam escassear caso o cerco seprolongasse por muito tempo. Mas aesse problema os holandeses tambémnão estavam imunes.A tenaz resistência oferecida pela fortale-za e a súbita hostilidade dos réguloslocais obrigou a força holandesa a umapermanência muito maior do que o pre-visto. A Maurice Van Carden punham-seagora problemas complicados: para alémda crescente falta de víveres e de génerosfrescos, do crescente número de baixasprovocadas pelas febres e pelos tiros cer-teiros das espingardas portuguesas, tinhatambém que lidar com a grande frustra-ção das suas tropas face à dificuldade emresolver o conflito.Optou então pela tentativa desesperada.Para evitar as espingardas certeiras dosportugueses, ordenou a incursão noctur-na. Esperava ele que, a coberto da escu-ridão, e com o auxílio de escadas impro-visadas, os seus homens conseguissemsurpreender os sitiados e penetrar final-mente na fortaleza.Mas o seu opositor contava com a mano-bra e, subitamente, do cimo dos muros,surgiram «grandes luminárias de alcatrãoardendo em caldeiras postas em hasteascompridas sobre o muro”.Com o caminho à volta da fortaleza bemiluminado os holandeses rapidamentedesistiram dos seus intentos nocturnos jáque o sitiado «os tratou tão mal compenedos que lhes lançou de cima dosmuros que lhes causou muitas baixas».Entusiasmados com este êxito, os defen-sores passaram à ofensiva: vinte delessaíram sorrateiramente durante a noite enuma incursão ao campo holandês«mataram muitos sem algum dos nossoperigar», garante o nosso cronista-repór-ter, frei João dos Santos.Aos atacantes restava agora a retirada.No regresso às naus deixaram um rastode destruição: derrubaram árvores, incen-diaram casas e igrejas, mutilaram ima-gens e altares. Mas depois de se reabas-tecerem nas Comores voltaram a 5 deAgosto de 1607. Mas desta vez estava-lhes reservada uma surpresa: na ilha esta-va fundeada a esquadra de D. JerónimoCoutinho em rota de Lisboa para a Índia.Os holandeses ancoraram junto ao ilhéude S. Jorge e D. Jerónimo Coutinho colo-cou a sua frota em posição de combate.Informados de que os portugueses dis-punham agora de dois mil homens bemequipados e prontos a combater os holande-ses optaram por levantar ferro e zarpar.Voltariam um ano depois.

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XAVIER DE FIGUEIREDO

Acarruagem que ilustra este escritofotografei-a eu próprio, faz pouco

tempo, quando dei com ela na arruinadaestação do Caminho de Ferro de Ben-guela (CFB), no Huambo. Havia outra –ambas fazendo parte de uma ronceiracomposição que andava em manobrasno perímetro da estação. Devem ser, jásem a cor e o brilho de outrora, o quesobra das carruagens de III classe do CFB,em que a soldadesca portuguesa, agru-pada em batalhões ou companhias, eratransportada para o Leste nos tempos daguerra colonial (os oficiais iam em I e aossargentos cabia a II).Sabia do lançamento do livro Cartas deGuerra, de António Lobo Antunes, quan-do alguém, estimável, me deu conta deque deparada naquela colectânea demissivas do autor à mulher com “muitasfantasias e inverdades”. Alertas destes,aplicados a livros de cuja existência ape-nas sei, mas ainda não li, servem paraaguçar instintos de defesa com que meresguardo da amolação de dar comigo aler coisas que ofendem e agridem.Sobretudo quando me vêm dizer que avida que vivi e os sítios por onde andeinão são, afinal, aqueles que guardo naminha memória profunda, mas outrosque com sobranceria me que queremimpingir....Foi por isso que nunca li o livro de LoboAntunes. Mas tinha-o folheado o sufi-ciente, numa livraria onde me permitemtais abusos, para ter deparado com umapassagem consubstanciada no relato queLobo Antunes fazia à mulher do embar-que do seu Batalhão, em Nova Lisboa(que agora é Huambo), com destino aoLeste. Diz aí que a soldadesca doBatalhão foi amontada em carruagens deIV classe, num estado de desordem talque uns não sabiam por onde andavamos seus braços e outros não coçavam assuas cabeças mas a do parceiro...Naquele dia, no Huambo, quando fortui-tamente enxerguei a carruagem de III emmanobras na estação, o que me veio àmente, quase como um flash, foi a fan-tástica descrição que Lobo Antunes fazdo episódio do embarque do seu

Batalhão, ali, naquele lugar; quem sabese também naquela mesma carruagem. Efoi por isso que não resisti à tentação dea fotografar – com o intento que agorase perceberá. A memória que conservo (e a que soufiel) de tempos, lugares e coisas daminha vida, mais ou menos coincidentescom o tempo, o lugar e coisas do episó-dio do embarque em Nova Lisboa doBatalhão de Lobo Antunes, é categórica:o relato do laureado escritor é uma somade trapaças. Em Nova Lisboa, minha terranatal, cresci fascinado por coisas simplescomo os comboios do CFB, em cujos“malas” tantas vezes viajei paraBenguela; naquela mesma estação ferro-viária, a minha companhia - a 206, do RI21 - também embarcou com destino aoLeste, em 1969 (dois anos antes doBatalhão de Lobo Antunes).O CFB jamais teve carruagens de IV clas-se. Eram de III, as de mais baixa catego-ria. Os bancos também não eram aocomprido, como esmiuça o escritor; esta-vam dispostos transversalmente, em fia-das normais – exactamente como os dascarruagens de I e II, mas sem as cabinasque eram próprias destas. E as ripas demadeira envernizada de que eram feitos,não tinham, naturalmente, a comodida-de dos assentos almofadados, revestidosa napa ou couro, de cor verde das classessuperiores. Se as carruagens de III que ainda fazemparte do “inventário” vivo do CFB, sãoprova dos excessos de Lobo Antunes,não deve ser preciso mais do que sim-plesmente “jurar pelas alminhas” quenunca algum Batalhão, simples Pelotãoque fosse, viajou naquelas carruagensnas penosas condições que constam das

cartas coevas de Lobo Antunes à suamulher. O problema é que numa socie-dade tão dada à pieguice, à vitimização eaos heroísmos de pacotilha, a guerracolonial ainda é o melhor que há como“bombo da festa”.O CFB, que os ingleses da Tanks por altu-ras do embarque de Lobo Antunes aindaexploravam, tinha carruagens magníficas– na apresentação e no usufruto. O chei-ro único da combinação do exotismo dasmadeiras com o couro ou a napa. Orequinte dos espelhos e dos soberbosplafoniers. Os Wagon-Lit e os vagões-res-taurante de finos talheres. Até o odorintenso do fumo que evolava das chami-nés das portentosas “Garrats” a lenha.Nada disso deve ter escapado à perspicazobservação de Lobo Antunes. Preferiu,porém, dar largas a uma imaginaçãonegativa. Na minha breve vista de olhos pelo livrode Lobo Antunes também dei com asimpressões que ele transmite acerca dasua chegada a Luanda – a que deprecia-tivamente chama cidade “vivível”. Poresse tempo eu já fazia parte dos habitan-tes dessa terra “vivível”, ali despejado,vindo das lonjuras do Planalto, para aca-bar a tropa. Já olhei para os meus retra-tos da época e não vi em mim parecen-ças com um vendedor de automóveis depatilhas e camisa folclórica, como LoboAntunes informa a mulher que são todosos brancos de Luanda. Nem a minhamulher tinha cara de “desonesta”, traçoque Lobo Antunes identifica nelas. Os tempos continuam de feição paratodos tocadores do “bombo da festa” emque o passado de Portugal em África seconverteu.

LIVROS

“Cartas de Guerra”

As carruagens de III do CFB

A carruagem de III do CFB, na estação do Huambo. Hoje sem cor e sem graça

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JORGE HEITOR

Uma das mais belas vozes da intelec-tualidade lusófona destes últimos

anos é a do angolano que usa o nomeliterário de Ondjaki e que descreve comoninguém a geração nascida depois de oseu país já haver alcançado a indepen-dência. Licenciou-se em sociologia, masprefere as artes literárias e cinematográ-ficas, tendo colaborado na realização dofilme Oxalá Cresçam Pitangas.Desesperados como muitos estamos como rumo das nossas terras, é um bálsamoler estórias como as de Os da Minha Rua,editadas há poucos meses pela Caminho.Vinte e duas estórias maravilhosas que,segundo a também escritora angolanaAna Paula Tavares «dá conta de comocrescem em segredo as crianças»; muitoem particular as da sempre bela cidadede São Paulo da Assunção de Luanda.Estórias “luandinas” lhes poderíamoschamar, numa referência ao patriarcaJosé Luandino Vieira, esse que está agoraa passar o testemunho a novas gerações.As suas flores, que tão bem sabe dese-nhar, quando dedica aos conhecidos oslivros que escreve, alegram os meus dias;e raramente gostei tanto de um escritor,desde que há 40 anos li AutobiografiaPrematura, do romancista e poeta russoEvgueni Evtushenko, que tive a oportuni-

dade de conhecer quando visitou Lisboa,depois de em Maio de 1977 ter ido aosantuário de Fátima, aquando da presen-ça na Cova da Iria do Papa Paulo VI.Ao Ondjaki vi-o num destes últimos anosna Feira do Livro, no Parque Eduardo VII,em Lisboa, mas não ousei aproximar-medele, tal o respeito que a sua grandezame inspira. Contemplei-o de longe comose de um deus se tratasse, uma realidadesuperior à dos mortais. Temo-nos corres-pondido por correio electrónico, mas nãome atrevo a chegar à fala com um serque me parece excessivamente superiorà minha timidez.Agora teve a particular gentileza de meenviar este volume, onde se nota inclusi-ve alguma influência das obras moçam-bicanas Mangas Verdes com Sal, de RuiKnopfli, e Nós Matámos o Cão Tinhoso,de Luís Bernardo Honwana. Mas a suaobra é muito mais do que isso e, em seteanos, ultrapassa muito do que outrosfizeram em décadas.Este jovem, Ndalu de Almeida, verdadei-ro nome de Ondjaki, ergueu-se já noséculo XXI a alturas que se julgariamimpensáveis numa República que poucosmais anos tem do que ele.«Uma casa está em muitos lugares...Éuma coisa que se encontra», lê-se naspalavras do grande e poético prosador.Assim é também o meu amor pela sua

escrita. Vai-se desenvolvendo em cadanovo livro, numa obra que vai da poesiaaos contos, à novela, ao romance e atémesmo à literatura infanto-juvenil,tendo-lhe merecido já os prémiosSagrada Esperança e António Paulouro. Eque um dia, não muito longe, o levará aser colocado em pé de igualdade comnomes tão grandes como Pessoa ouPepetela.

Título: Os da Minha RuaPáginas: 126Editora: CaminhoPreço: 8 €

LIVROS

Ondjaki, um grande escritorpara o futuro

Firma Internacional de AdvogadosExperiência: na produção legislativa; na estruturação e montagem de negócios, nos ramos mineiro,industrial, dos transportes e da prestação de serviços; no comércio internacional, na organização deconcursos internacionais; na estruturação de processos e privatização e em processos de arbitragem.

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Telf.: +244 222330674Fax: +244 222336999

E-mail: [email protected]

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GUILHERME DIAS

Mais de meio milénio é muita histó-ria, para qualquer civilização. Masé-o principalmente se nestes qui-

nhentos e muitos anos se contarem os“intensos” três primeiros quartos de sécu-lo XX – de guerras frias (e quentes), desco-lonizações, revoluções e outras rupturashistóricas. E muita história significa quilos equilómetros de papéis – decretos, planos,pesquisas, acordos – ou fotogra-fias, tudo, enfim, o que caiba naimensa e pardacenta categoriade “documento”. Esta história é a dos portuguesesem África, que hoje – finalmen-te – parece ser mais o objecto daatenção e preservação que semdúvida merece. História tantomais preciosa quanto se preten-de construir para o futuro umacomunidade de “países-irmãos”no seio da lusofonia. Desde levantamentos de recur-sos minerais de Moçambique aoconteúdo das gavetas de Amíl-car Cabral, de planos de obraspúblicas em Nova Lisboa, apapéis da PIDE sobre os líderes eos movimentos independentis-tas africanos, passando por tudoo que diga respeito à resistênciado povo maubere durante aocupação Indonésia – tudo isto,e muito mais está disperso, mui-tas vezes ao abandono, emarquivos portugueses.A conservação do antigo Ar-quivo do Ministério do Ultramar,um dos que já está a ser recupe-rado, é, para o historiador JoséMattoso, «uma monstruosa ta-refa, até agora considerada semsolução».«Há um interesse crescente dos países eu-ropeus com ligações a África e dos pró-prios países africanos, sobretudo das ex-colónias portuguesas, em conhecer e estu-dar o seu passado», afirmou o historiador,coordenador científico do projecto, nacerimónia de assinatura do protocolo quepermite a recuperação daquele espólio,

financiado pela Fundação Calouste Gul-benkian.Desde a extinção do Ministério doUltramar, o valioso espólio estava dispersopelos arquivos de vários ministérios e orga-nismos públicos, as mais das vezes aoabandono e em impróprias condições deconservação.A primeira fase deste projecto envolve uminvestimento de cem mil euros e é dedica-da aos arquivos existentes no Instituto de

Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) eInstituto Histórico Diplomático, ambos soba tutela do Ministério dos NegóciosEstrangeiros.«Os arquivos dispersos remontam ao iníciodo século XX e encontram-se em grandedesorganização. Em Portugal, não se pro-cedeu a uma integração destes arquivos

de uma forma regular, e a informação tor-nou-se inacessível», afirmou José Mattoso.O historiador, que recentemente regressoua Portugal depois de alguns anos radicadoem Timor-Leste, está também ligado aoutro projecto de preservação lançadoquase em simultâneo – o do acervo daFundação Mário Soares.Neste inclui-se documentação biográficasobre o antigo presidente cabo-verdianoAristides Pereira, sobre Pedro Pires, actual

titular do cargo, e sobre AmílcarCabral ou ainda o célebre pintormoçambicano Malangatana, en-tre outros.Este projecto, apresentado ape-nas um dia antes do relativo aoarquivo do Ministério do Ul-tramar, conta com um apoio vul-tuoso da cooperação portugue-sa – 600 mil euros.Mais antiga, e inovadora peloformato, é a iniciativa, Memóriade África, promovida pela Fun-dação Portugal África, presididapor Mário Soares, e que envolveuniversidades – Aveiro, ISEG eISTCE – e o Instituto de Inves-tigação Científica e Tropical, eque tem contado com o contri-buto de inúmeros particulares.Entre as últimas adições, disponí-veis na Internet, estão as colec-ções Plantas Medicinais da Gui-né-Bissau, do Arquivo Históricode São Tomé; do LaboratórioNacional de Engenharia Civil, osÁlbuns Fotográficos e Descritivosda Colónia de Moçambique (dofim dos anos 20 do século XX) eainda o espólio de livros escola-res do Dr. Amadeu CastilhoSoares.Nos últimos anos, têm vindo aser inventariadas as diversas fon-

tes de documentação – desde historiado-res e investigadores até fundações e colec-cionadores privados, passando pelos jorna-listas – e o próprio material, que é digitali-zado e disponibilizado on-line para consul-ta gratuita do grande público em memo-ria-africa.ua.pt.

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ACTUAL

Cuidar da memória portuguesade África

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OPresidente angolano, José Eduar-do dos Santos manifesta interna-mente pontos de vista segundo

os quais Angola precisa de uma elite eco-nómico-empresarial competente e nu-merosa (cerca de 200.000 indivíduos),como requisito para atender às exigên-cias da reconstrução e desenvolvimentodo país.O sector empresarial angolano tem vindoa crescer, em especial desde o fim daguerra civil, há cinco anos, em áreascomo o comércio e serviços. As empresasnacionais são já dominantes e começa-ram a implantar-se em novos sectores,como a construção e minas. Esta realida-de formal é, porém, minimizada/ofusca-da por evidências como as seguintes:

Os empresários apresentam, na suamaioria, escassa preparação em termosde conhecimento e domínio do próprioofício e da actividade inerente. Não têmtradição nem experiência acumulada (nafase revolucionária estiveram proscritos).

Denotam notória propensão para aacumulação privada e a venalidade,seguem estilos de vida excessivamenteostentatórios, onerosos para a gestãodas suas empresas e negócios.

É frequente a existência de imbricaçõesentre a sua actividade e a política, emespecial com o establishment, fulcro deinfluências e conhecimentos que tendema usar como mais valia.Entre os indivíduos que agora entram no

mundo empresarial e de gestão, os maisnovos apresentam formação mais apura-da; os mais velhos, em geral oriundos dapolítica e das Forças Armadas – de que seafastaram ou se distanciaram – também;em ambos os casos trata-se substancial-mente de pessoas afectas ao regime oucom ele identificadas.O factor político, multiforme, suplantaoutros como condição para se entrar eprosperar no mundo dos negócios; asafinidades étnicas e os laços de amizadetambém determinam favoritismos. Asfacilidades e oportunidades oferecidas(ou negadas) obedecem a estritos crité-rios políticos e de exercício do poder.

PetróleoCinco companhias privadas angolanasapresentaram-se publicamente, em2006, como candidatas a uma participa-ção na exploração das áreas remanescen-tes dos Blocos 17 e 18. Duas eram jáconhecidas – Falcon Oil e Gema – mas asrestantes, ACR, Prodoil e Wodge eramdesconhecidas.

Informações fiáveis acerca destas compa-nhias – uma outra, Somoil, apresentou-se a um concurso anterior, sendo tam-bém aquela que denota maior solidezfinanceira – indicam que estão ligadas afiguras de primeiro plano do poder,nomeadamente a José Eduardo dosSantos (um dos seus filhos, JoséFilomeno ou Zenu, está ligado à Somoil.O aparecimento de empresas angolanasno exigente sector da exploração depetróleos – já havia em áreas envolven-tes, como a dos fornecimentos – surgiuna esteira de tomadas de posição públi-cas de acordo com as quais os empresá-rios nacionais não deviam manter-se àmargem da principal fonte de receitas dopaís. No fundo, porém, foi influenciada poruma conjuntura marcada por duas reali-dades em especial: excesso de liquidez(resultante de fluxos adicionais do petró-leo e diamantes) e escassa capacidade deabsorção da economia, em parte devidoà sua desorganização.Os meios financeiros de que as referidasempresas carecem, para satisfazer aspesadas obrigações contratuais a que seexpõem, são acessíveis graças ao excessode liquidez e à influência política. As par-ticipações que adquirem podem, poste-riormente, ser vendidas a grandes com-panhias, com lucros especulativos, con-forme prática na Nigéria.

ECONOMIA

Angola

Insuficiências do empresariado

As parcerias com estrangeirosAs estimativas segundo as quais Angola precisa de uma eliteempresarial de 200.000 indivíduos, tem servido de esteio auma orientação política nos termos da qual a via que permiteatingir tal objectivo é a sujeição do investimento estrangeiro aparcerias locais – vistas como propícias à capacitação deempresários nacionais.Um levantamento recente sobre o assunto, efectuado por umainstituição internacional, indica que a via das parcerias nãoapresenta, até ao momento, resultados satisfatórios em termosde contributo para o desenvolvimento interno. Razões enun-ciadas:

Os investidores estrangeiros, em especial os pequenos emédios, retraem-se a entrar em parcerias, em geral devido aimposições ou expectativas exorbitantes dos seus potenciais

parceiros angolanos, como a de reservarem a si a maioria docapital apesar de não investirem (entram com património eoutros activos).

Em parcerias concretizadas, estão a ser referenciadas habili-dades de gestão, como volumosas aquisições no estrangeiro,que no fundo representam aplicação ou exportação de capitaisem benefício dos parceiros (de um ou de ambos).Tendo em conta debilidades e constrangimentos de váriaordem do empresariado angolano face à constituição de par-cerias, o estudo conclui que a orientação não terá efeitos posi-tivos no desenvolvimento do país, sobretudo se persistirem,como se prevê, fenómenos como um ambiente de negóciosmarcado pela burocracia e corrupção.

O sector mineiro é aquele em queos empresários angolanos maistêm claudicado

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É uma badjudaanónimada Guiné-Bissau.No crioulo local,badjuda quer dizerrapariga bonita.A foto é dos temposda independênciado país. Sobreviveuao tempo que por elapassou por se tertransformado numícone – com a forçade outros íconesda mesma naturezaque se conhecem.O ar angélicoda badjuda, misturados traços finosdo rosto e daserenidade do seuolhar, fizerampor isso.

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Obalanço actual da pesquisa de petróleo em S. Tomé ePríncipe é menos auspicioso do que as previsões iniciaissugeriam. O único furo até agora efectuado pela Chevron

no Bloco 1 da Zona de Exploração Conjunta (ZEC), com a Nigéria,há cerca de um ano, confirmou a existência de petróleo, mas“sem interesse comercial”. No seguimento do primeiro furo e dos seus incipientes resultados,a Chevron, que tem como parceiros no Bloco 1 a Esso e uma com-panhia nigeriana, ERHC Energy Inc., reduziu a actividade de umescritório aberto em S. Tomé. Mas a medida não é vista como sinalde falta de confiança em relação à existência de petróleo na ZEC. Em 2008 a Chevron planeia efectuar novo furo no Bloco 1 – oque eventualmente não aconteceria, dados os elevados custos daoperação, se os resultados do primeiro tivessem sido considera-dos muito negativos. Este factoleva a supor que a atitude deaparente desapego que a Che-vron revela é reflexo de uma es-tratégia comercial.A Chevron ficou desagradadacom a forma, considerada irre-gular, como foram adjudicados,a seguir ao Bloco 1, os Blocos 2,3 e 4 – que lhe escaparam. Osresultados anunciados do pri-meiro furo e o longo hiato entreeste e o seguinte, são interpre-tados como uma forma de pres-são destinada a levar a uma rea-preciação do último concurso.Em princípio, a Chevron faz de-pender a viabilidade da explora-ção do Bloco 1 a participações próprias nos três Blocos adjudica-dos a seguir – em condições que considera terem sido irregula-res. Associa tal desígnio a uma reapreciação do concurso dosBlocos 2, 3 e 4, alegando que o mesmo incorreu em irregulari-dades.As expectativas relacionadas com o petróleo, neste caso em ter-mos de receita, também foram afectadas pelo facto de S. Tomée Príncipe não ter ainda conseguido acesso a cerca de 21 milhõesde dólares que lhe são devidos como parte do Bónus deAssinatura pago pelo Bloco 1 (60% para a Nigéria; 40% para S.Tomé e Príncipe). O dinheiro está depositado num banco nigeria-no. As obstruções à sua movimentação são atribuídas a “expe-dientes” nigerianos.

O factor AngolaO presidente santomense, até há cerca de dois anos grande entu-siasta da parceria com a Nigéria para exploração de petróleo,aparenta agora desalento. A quebra é atribuída às vicissitudespor que o processo tem passado, incluindo a completa ausênciade ganhos por parte de S. Tomé e Príncipe. Mas também a acçõesde influência da parte das autoridades angolanas. Angola viu a parceria entre S. Tomé e Príncipe e a Nigéria comoum factor susceptível de vir a ofuscar as suas próprias influências

e interesses no arquipélago. Tal parceria seria sempre inevitável,tendo em conta o factor da contiguidade das águas marítimas deambos os países, mas Angola procurou, em vão, ter participaçãona mesma. A não satisfação das pretensões de Angola, através da Sonangol,foi, em parte, considerada decorrência do facto de MiguelTrovoada e, depois, Fradique de Menezes, os dois presidente quelidaram com o dossier do petróleo e tomaram as principais deci-sões, não terem, à data, boas relações com o regime angolano.Nos últimos meses, porém, a situação tem vindo a alterar-se. Asrelações de S. Tomé e Príncipe com a Nigéria perderam ímpeto e,por via disso, as influências desta também. Ao contrário, as liga-ções a Angola têm-se fortalecido, inclusive no plano das ajudas edos investimentos angolanos.

A esta realidade não são estra-nhas as aspirações de Angolade vir a afirmar-se como país-chave no Golfo da Guiné – umobjectivo capaz de valorizar asua parceria com os EstadosUnidos da América e em nomedo qual o relacionamento pes-soal e institucional entre JoséEduardo dos Santos e Fradiquede Menezes melhorou substan-cialmente.Por razões geográficas e geoló-gicas, S. Tomé e Príncipe preci-sa sempre de se entender coma Nigéria na área da exploraçãodo petróleo e de estabelecerparcerias com a mesma na ZEC.

Mas o que se prevê que venha a ocorrer, na esteira de novos laçoscom Angola, é o estabelecimento de associações acessórias coma Sonangol, eventualmente alargadas à Galp e à Petrobrás, des-tinadas a fortalecer S. Tomé e Príncipe na sua relação com aNigéria.Nos últimos meses, uma companhia especializada inglesa, BritishGeological Survey (BGS), tem estado a efectuar uma reavaliaçãode dados obtidos por uma companhia norueguesa, PetroleumGeo-Services (PGS), que em 2003 efectuou uma campanha deprospecção sísmica de petróleo, exclusivamente na Zona Eco-nómica Exclusiva (ZEE) de S. Tomé e Príncipe. Os resultados foramconsiderados pouco encorajadores.A iniciativa da reavaliação dos referidos dados, bem como a con-tratação da companhia inglesa para o efeito, parecem ter sidosugestão da Sonangol, baseada na “suposição” de que os dadosanteriores poderão não ter sido precisos. Foi tido em conta o cri-tério segundo o qual, a haver petróleo na Zona Comercial eIndustrial, provavelmente há também na ZEE.A existir petróleo na ZEE, a sua exploração não terá imperativa-mente de envolver a Nigéria ou de lhe atribuir participações pre-ponderantes. Um tal quadro abriria a Angola a possibilidade dese implantar de forma mais sólida no campo petrolífero em S.Tomé e Príncipe.

ECONOMIA

S. Tomé e Príncipe

Petróleo e conexões com Angola

Mercado de S. Tomé

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GUILHERME DIAS

Opotencial agrícola Angola, hámuito identificado como “chave”para o desenvolvimento e criação

de riqueza nas zonas “esquecidas” dopaís, está, a par do sector geológico emineiro, entre as apostas da empresa por-tuguesa Escom, em termos de futuro pró-ximo.A empresa do Grupo Espírito Santo (GES)é hoje um dos principais investidoresestrangeiros no país. Tem em curso pro-jectos que mobilizam cerca de 700milhões de dólares em Angola, foco prin-cipal da sua actividade em África, mas quese estende ainda a Moçambique, Congo-Brazaville e África do Sul. Este capital é repartido pelos diferentessectores em que a Escom opera emAngola – pescas, aviação, obras públicas,imobiliário, energia e minas.Na produção e comercialização de dia-mantes, importante fonte de receitas fis-cais e divisas estrangeiras para Angola, aEscom actua em parceria com prestigiadascompanhias do sector, a nível internacio-nal – a Endiama, empresa estatal conces-sionária dos direitos no sector diamantífe-ro, o grupo estatal russo Alrosa e a austra-liana BHP Billiton, o “gigante” dos minerais.Grande parte do investimento em cursoneste sector destina-se ao projecto doLuó, nas Lundas (entre Lucapa e Saurimo),para exploração dos quimberlitos daCamatchia e Camagico, uma concessãoatribuída em 2003 ao consórcio Endia-ma/Escom/Alrosa, que inclui ainda a Hi-pergesta e a Angodiam.A primeira fase está em operação – umafábrica com uma capacidade de processa-mento de um milhão de toneladas – e emJaneiro do próximo ano deverá entrar emfuncionamento a Central de TratamentoPrincipal.Com esta unidade, a capacidade de pro-cessamento irá atingir os quatro milhõesde toneladas, permitindo criar cerca de1.500 postos de trabalho numa unidadeindustrial de nível internacional, situadanuma zona de Angola carente de investi-mentos.Na outra concessão já em produção, oChimbongo, na Lunda Norte, o desafio é

agora aumentar o débito de minério tra-tado e os teores das pedras preciosas,estas de origem aluvionar, nas duas mar-gens e no leito do Rio Luembe.Esta área de 120 Km2, desenvolvida emparceria com a Coerm, tem reservas pro-vadas e estimadas de cerca de 800 milquilates, e em 2006, quarto ano de pro-dução, o débito ascendeu a 58 mil quila-tes, um volume de negócios de perto de8,7 milhões de dólares.O sector da mineração é para a Escom umpilar do desenvolvimento das suas activi-dades em Angola, e esperam-se no futuropróximo os frutos dos 14 recentes contra-tos de concessão para prospecção de jazi-gos, em joint-venture com a BHP Billiton.Em curso, no âmbito desta parceria, estãojá trabalhos de prospecção num primeiroprojecto diamantífero – Camuanzanza.A história da Escom, presidida por HélderBataglia, remonta a 1993, quando se lan-çou na actividade de trading, e o seu rápi-do desenvolvimento alicerçou-se sobretu-do na associação a fortes parceiros locaise internacionais em sectores em cresci-mento.Uma das mais recentes parcerias foi a fir-mada com o grupo industrial chinês Beiya,que deu origem à China Beiya EscomInternational, sociedade vocacionada paracaptação de negócios e investimentos.Hoje, quase 15 anos depois do lançamen-to, presente em diversos sectores e comum volume de negócios anual próximo de130 milhões de dólares, a Escom apostasobretudo na transferência de know-how

para os países onde está presente, entreos quais Angola assume papel principal, eem recursos humanos locais.Dos perto de 1.900 trabalhadores daempresa do Grupo Espírito Santo, 91%são mão-de-obra local e apenas nove porcento expatriados.As actividades que mais emprego criamsão a mineração (988 trabalhadores), asobras públicas (419) e a aviação (250),esta representada pela Air Gemini, o pri-meiro operador privado regular de direitoangolano no transporte de passageiros.Como é tradicional nas empresas portu-guesas, a Escom tem vindo a apostar noenvolvimento com as comunidades ondeestá presente, destacando-se, em Angola,o apoio à Obra Betânia, em Cabinda, aoFundo de Solidariedade Lwini, ao Museude História Natural, à Biblioteca do CentroCultural Português de Luanda, àBiblioteca Nacional, além de outros pro-jectos que vão desde a construção deescolas à reabilitação de bairros e infra--estruturas.

Imobiliário e AviaçãoHoje, um dos principais investimentos emcurso em Angola é o Edifício EspíritoSanto em Luanda, uma torre de 25 anda-res e 50 mil metros quadrados, no centroda capital (Quinaxixe), que vai custar pertode 115 milhões de dólares e deverá estarpronta em Junho de 2008.Ainda no imobiliário, sector definidocomo aposta estratégica em Angola, emparticular na capital e arredores, perfilam-

EMPRESAS & NEGÓCIOS

ESCOM

A vez da agricultura, em Angola

Unidade de processamento de quimberlitos

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se já novos projectos, como a construçãode três edifícios para habitação junto aoEdifício Espírito Santo, um outro de habi-tação em Luanda e um condomínio resi-dencial com cem fogos em Luanda Sul.A ambição da Escom estende-se ainda àaviação, onde a Air Gemini, criada em1999 como transportadora de cargas,serve já 16 destinos dentro do país e dezna República Democrática do Congo eQuénia, no âmbito de contratos com asNações Unidas, transportando perto de230 mil passageiros.A sua frota é actualmente constituída portrês Boeing 727 Combi, dois dos quaisoperam no Congo ao serviço daOrganização das Nações Unidas, umBeechcraft e dois DC9, que em brevedeverão passar a três, tendo em vista ocrescimento da companhia aérea, queambiciona atingir uma quota de 40% domercado angolano em 2007.Beneficiando da reanimação da economiado país, espera-se que nos próximos trêsanos o mercado interno de aviação cresçamais de 30%, atingindo os 750 mil passa-geiros e 20 mil toneladas/ano, o que equi-vale a um volume de negócios de cemmilhões de dólares.Na energia, o principal projecto é aHidroluapasso, na Luanda Norte, queprevê a construção de uma hidroeléctricacom uma capacidade de 12,8 KW e siste-ma de distribuição de electricidade para

unidades industriais e populações locais.Além da energia, imobiliário e mineração,a Escom está também presente no tradi-cional sector das pescas, no trading, atra-vés da GTD e tem dez por cento da agên-

cia de viagens Top Atlântico Luanda, daEspírito Santo Viagens; o próximo passodeverá ser a agricultura, sector em queestá a analisar projectos.

O Edifício Espírito Santo, em Luanda, deverá ficar

concluído em Junho de 2008

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