cabedú, guine - um reserva naval na ldm 307 e operação ......2020/09/14  · tem história da...

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14 Setembro 2020 Cabedú, Guine - Um Reserva Naval na LDM 307 e Operação Sol com a CCaç 1487 "...há 54 anos atrás em Cabedú na LDM 307" Podia começar assim a narrativa, alguns pormenores escapam-me pelo tempo decorrido, mas retive-a como um dos momentos que balizaram a minha comissão como oficial da Reserva Naval e Imediato da LFG «Orion», decorria o mês de Setembro de 1966, entre os dias 11 e 13 e levaram-me a colocar separadores nessa minha memória histórica. Em cima, a LFG «Orion» navega para montante no rio Cacheu e, em baixo, a LDM 307 em plena navegação algures num rio da Guiné Assim foi depois de embarcar para a Guiné em 30 de Maio daquele ano, emigrado de casa dos pais para um ambiente completamente estranho, depois de uma tão acelerada quanto notável formação académica e social na Escola Naval.

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14 Setembro 2020

Cabedú, Guine - Um Reserva Naval na LDM 307 e Operação Sol com a CCaç 1487

"...há 54 anos atrás em Cabedú na LDM 307" Podia começar assim a narrativa, alguns pormenores escapam-me pelo tempo decorrido, mas retive-a como um dos momentos que balizaram a minha comissão como oficial da Reserva Naval e Imediato da LFG «Orion», decorria o mês de Setembro de 1966, entre os dias 11 e 13 e levaram-me a colocar separadores nessa minha memória histórica.

Em cima, a LFG «Orion» navega para montante no rio Cacheu e, em baixo, a LDM 307 em plena navegação algures num rio da Guiné

Assim foi depois de embarcar para a Guiné em 30 de Maio daquele ano, emigrado de casa dos pais para um ambiente completamente estranho, depois de uma tão acelerada quanto notável formação académica e social na Escola Naval.

Integrado como parte da guarnição da LFG «Orion», na pele de um gaiato com 24 anos nomeado oficial imediato, conferido pelo posto de STEN RN a que então tinha sido promovido antes de destacar. Pelo caminho deixei alguns sonhos adiados e os destroços de outros, impossíveis de concretizar na altura.

Na LFG «Orion» encontrei a minha casa para dois anos de habitação e, para não me sentir muito só, partilhava o "apartamento" com mais um Oficial, 4 Sargentos e 21 Praças. A "tipologia da habitação" era interessante com quase 42 metros de comprimento para esticar as pernas, da proa à popa. Algumas escadas para trepar e descer desde a ponte até às cobertas e, óbvio, convinha fazê-lo de acordo com os ensinamentos da Marinha para não dar lugar a espalhanços.

Podia quase considerar-se um condomínio fechado, ainda que espartano, mas em tempo de guerra não se limpam armas - nem era o caso porque havia muitas para o fazer - mas essa tarefa estava reservada para o sargento artilheiro e respectiva equipa. De acordo com o preceituado na Instituição, o Oficial Imediato era responsável pelo bom desempenho de todos os serviços, incluindo os serviços gerais, melhor dizendo era "a dona da casa" o que, de uma forma prática o obrigava a estar a par de tudo o que a bordo se passava, resolver as situações rotineiras sem nada dever decidir de mais complexo - o bom senso o aconselhava - sem consultar o outro oficial, o Comandante da unidade naval perante o qual respondia. Também o substituía nas ausências, conforme definido naquela sacrosanta brochura denominada "Ordenança do Serviço Naval".

Contudo, nunca poderá um responsável, Oficial, Sargento ou Praça esquecer que a guarnição de uma unidade naval deve reflectir uma equipa competente, disciplinada e

coesa, preparada para todas as missões para que for nomeada. Neste caso, num teatro de guerra, com adaptação a situações sempre diferentes e muitas vezes rareando o tempo disponível para formações especiais. Desde que tinha chegado a Bissau a sucessão de novos acontecimentos foi permanente e intensiva.

O contacto e interacção com outras unidades navais era frequente, especialmete com as LDM - Lanchas de Desembarque Médias. Tinham participação fundamental no transporte de bens e pessoas, fiscalização e escolta, apoio a operações e desembarques com Fuzileiros e outras forças.

Como unidades navais preparadas para o desembarque, eram as únicas com acesso a cotas de marés muito baixas, normalmente fundos lodosos ou assoreados que, pelo fundo praticamente "chato", lhes permitia encalhar e desencalhar com relativa facilidade. Seria praticamente impossível levar a cabo operações com fuzileiros sem

embarcarem em LDMs para o transporte local, abicagem e desembarque ou reeembarque. Pontualmente podia ser feito em botes mas para percursos curtos e com apoio próximo.

Temo ser injusto ou incompleto na apreciação à LDM 307 e guarnição, quando há 54 anos, e repita-se "foi há cinquenta e quatro anos atrás", estando a LFG «Orion» empenhada em mais um cruzeiro no rio Cacine, cruzeiros que oscilavam entre 12 a 14 dias que incluiram, neste caso, a LFP «Canopus» da classe «Bellatrix» e a LDM 307 em permanência na patrulha dos rios Cacine e Cumbijã, alternando entre aquelas duas bacias hidrográficas de acordo com as solicitações de momento.

A rendição na área de uma por outra irmã gémea LFG - Lancha de Fiscalização Grande normalmente efectuava-se já no percurso para Bissau, ambas pairando e amarrando uma à outra algures pelo caminho, para breve troca de informações, novidades de última hora e entrega do correio aos que regressavam, naturalmente aguardada com natural ansiedade.

Aquelas missões visavam sobretudo, a fiscalização das bacias hidrográficas daqueles dois rios, incluindo a pesca, dissuasão de cambanças, apoio a transportes logísticos de e para unidades em terra locais, participação e apoio em operações realizadas na área e outras missõe pontuais.

Registo especial para os combóios navais logísticos de batelões escoltados por LDMs e outras unidades navais, fuzileiros e FAP para Bedanda, Cacine e Gadamael (Porto) que normalmente tinham periodicidade mensal no rio Cumbijã. Foi assim com a "Operação Sol", uma acção de simples de apoio às FTs em Cabedú, a CCaç 1457, realizada de 11 a 13 de Setembro.

Quando nomeado para aquela operação, já tinha ultrapassado a barreira do denominado "baptismo de fogo", adquirido no mês de Agosto, dia 4, quando fomos flagelados no rio Geba sem consequências. Novamente nos dias 13 e 18 do mesmo mês, em cruzeiro nos rios Cacine/Cumbijã, fomos novamente emboscados pelo fogo inimigo. Em todas as situações com pronta resposta da LFG o IN (inimigo) foi silenciado. Não havendo nenhum oficial fuzileiro disponível na área, o CDMGuiné determinou, por mensagem, que o STEN RN Manuel Lema Santos (eu) acompanhasse a operação, melhor dizendo comandasse, por ser o único oficial presente, ainda que acumulando as funções de imediato da LFG «Orion».

Era prática corrente do CDMGuiné nomear oficiais da Esquadrilhas de Lanchas, Companhias de Fuzileiros ou mesmo Unidades em Terra para o comando de combóios navais e reforços de unidades navais, ainda que apenas para experiência/treino. Recordo algumas trocas temporárias, curtas, de imediatos ou até de comandantes de unidades navais mas neste caso foi inovador...

Em cima: Cachil - Porto, Jan1966 - LDM 307 sendo o Patrão José Luis do Nascimento o terceiro, em cima, a contar da esquerda; em baixo, a mesma LDM 307

noutra situação e em tempo diferente, com outros intervenientes

Ora, neste caso, não foi bem assim. Na tarde do dia 11, depois de recebidas as intruções da "Task Unit" LFG «Orion» para manter comunicações permanentes, a LDM 307 largou as amarras da LFG no rio Cacine e fez-se a juzante não sem que antes o "Patrão" da LDM 307, o Cabo de Manobra José Luis do Nascimento me tenha cumprimentado e apresentado a guarnição, indagando:

– O Sr. Tenente tem algumas instruções especiais antes de iniciarmos o percurso? Certamente que a minha cara teria apenas denunciado atrapalhação. Habituado que estava à transatlântica condição da LFG «Orion» com radar, giro, sonda e restantes equipamentos tudo em normais condições de funcionamento não me tinha dado conta de que nenhum daqueles luxos existiam naquela lancha para aportarmos onde quer que fosse, muito menos sem experiência.

Optei pelo contido bom senso de não influenciar o competente comando do Patrão da LDM 307, já com uns bem rodados 18 meses de comissão e a prática de navegações e abicanços por todo o lado. Uma enorme barba negra num rosto tisnado pelo sol era argumentação relevante!

O aquartelamento de Cabedú ficava no limite sul do Cantanhês e o Canal de Melo, navegável para uma LDM - Lancha de Desembarque Média ou uma LFP - Lancha de Fiscalização Pequena não o era para LFG - Lancha de Fiscalização Grande, pelo calado desta que era de 2,20 m e portanto considerava a minha experência nula. Sem equipamentos a funcionar - a bússola estava avariada - não havia nada a fazer. Ainda por cima o tarrafo era muito baixo e não se distinguia qualquer ponto de referência costeiro que permitisse navegação segura. Mas isso era eu porque o Cabo Nascimento, sentindo o meu desconforto e, de forma notavelmente educada, disse: – Não vai haver problema Sr. Tenente porque "conhecemos o caminho, estamos habituados" e chegamos lá sem qualquer dificuldade!

Aleluia, pensei eu, que apenas me atrevi qualquer murmurar qualquer coisa parecida com "proceda como melhor entander". E realmente não houve precalços. Completado o percurso do Canal de Melo, desembocámos na foz do rio Cumbijã, margem esquerda, frente à marca "Almirante" da barra. Um quarto de milha a montante, na mesma margem existia um braço de rio "Lade" que, a meia maré, permitia o acesso à estacada de Cabedú, a que era completamente despropositado chamar cais. Efectuar percursos a meia maré, na enchente, permitia não encalhar e, além disso, manter a LDM protegida de ataques da margem por se manter abaixo da altura do tarrafo. Durante o percurso, já a meio da tarde, ouvimos rajadas de metralhadora pesada do lado de Darsalame. Perguntei ao Cabo José Nascimento se justificaria responder ao que respondeu não valer a pena porque só ajudaria a denunciar a nossa posição. Mais um conhecimento assimilado...

Ao aportarmos a Cabedú, final do dia, maré cheia. o Comandante da Companhia 1457 esperava-nos no cais. Cumprimentos trocados, à minha manifesta vontade de permanecermos na lancha até largarmos para a operação prevista de madrugada, convidou-nos para jantar prometendo segurança reforçada no cais (?) com uma secção da Companhia. Lá me convenceu a partilharmos um convívio ajantarado que só terminou com o embarque, já de madrugada, para o local previsto da operação a sul da Ilha de Melo.

Operação já descrita sucintamente no post anterior e que mais não foi do que uma acção social junto da população local.

Aqui reitero a minha admiração e estima pelo Patrão da LDM 307, então Cabo de Manobra José Luis do Nascimento, extensivo à restante guarnição daquela unidade naval, pela forma como foi desempenhada a missão, certamente como muitas outras. Apenas confirmam as apreciações dos Comandos das Unidades onde já tinha prestado serviço anteriormente, incluindo agora o CDMGuiné.

Pormenor da travessia a efectuar do rio Cacine para o rio Cumbijã, via Canal de Melo e aportar a Cabedú pelo braço de rio Lade Companhia de Caçadores n.º 1487 Identificação CCaç 1487 Unidade Mobilização: RI 15-Tomar Comandante: Cap Inf Alberto Fernão de Magalhães Osório Divisa: Partida: Embarque em 200ut65; desembarque em 260ut65 Regresso: Embarque em 01Ag067 Síntese da Actividade Operacional: Inicialmente, ficou instalada em Bissau, na dependência do BCaç 1857, tendo substituído a CCaç 557 no dispositivo de segurança e protecção das instalações e das populações da área. De 10 a 18Nov65, efectuou instrução de adaptação operacional na região de Mansoa, sob orientação do BArt 645, tendo tomado parte numa operação realizada na zona de Sabá. Em 08Jan66, rendendo a CCaç 1420, assumiu a responsabilidade do subsector de Fulacunda, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1860 e efectuando várias operações nas regiões de Naja (Braia), Jufá e Gã Formoso, entre outras, de que se destaca, pelos resultados obtidos, a operação "Negaça", em 18Mai66. Em 15Jan67, foi substituída pela CCaç 1624 e foi colocada no subsector de Nhacra, com destacamentos em Safim, ponte de Ensalmá, João Landim e Dugal, a fim de render a CCaç 797, ficando integrada no dispositivo e manobra do BArt 1904, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações. Em 31Ju167, foi rendida no subsector de Nhacra pela CArt 1648, a fim de efectuar o embarque de regresso. Observações Tem História da Unidade (Caixa n." 70 - 2.a Div/4." Sec, do AHM).

Fontes: Texto do autor do blogue com fotos da LDM 307 cedidas por Carlos Nascimento; foto da LFG «Orion» do Museu de Marinha; imagens de extractos da carta da Guiné, cortesia IICT; imagem da foz dos rios Cacine/Cumbijã, cortesia do Instituro Hidrográfico; resumo histórico da CCaç 1487 do Arquivo Histórico Militar; mls