c7nema - doclisboa nº10

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C7NEMA Edição Doclisboa | 27/10/2012 | Dia 10 | www.c7nema.net TROPICALISMO CRÍTICAS O SABOR DO LEITE CREME pág. 12 CRÍTICAS CESARE DEVE MORIRE pág. 16

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C7nema - Doclisboa Nº10

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C7NEMAEdição Doclisboa | 27/10/2012 | Dia 10 | www.c7nema.net

TROPICALISMO

CRÍTICASO SABOR DO LEITE CREMEpág. 12

CRÍTICAS CESARE DEVE MORIREpág. 16

410121721

10º dia do Doclisboa, festival que está a chegar ao fim. Hoje queimam-se os últimos cartuchos no que diz respeito à repetição de alguns filmes em competição.Ainda assim, os grandes destaques do dia vão para obras inseridas em secções especiais: Temos Tropicália na Heart Beat, 5 Broken Cameras nas sessões especiais, e Cesare Deve Morire como o filme de encerramento do certame.

Textos:João MirandaJorge PereiraRoni Nunes

Grafismo:Margarida Proença

ENTREVISTA+ DESTAQUESCRÍTICASJURI C7NEMAAGENDA

MARCELO MACHADO - REALIZADOR DE TROPICÁLIA

´5 BROKEN CAMERAS

DUCH, MASTER OF THE FORGES OF HELLO SABOR DO LEITE CREME

TROPICÁLIA CESARE DEVE MORIRE

| c7nema.net | Dia 10 - 27/104

ENTREVISTA

MARCELO MACHADOPor Roni Nunes

O maior cinema da capital, o São Jorge, estava quase lotado para a primeira sessão de

Tropicália, de Marcelo Machado, no Doclisboa. Numa pequena escala, repete o sucesso que o filme vem alcançando no Brasil, onde já vai para a 5ª semana de exibição nas salas e atraiu mais de 60 mil espectadores. O filme revive, através de documentos visuais e entrevistas, um dos momentos mais marcantes da cultura brasileira contemporânea, com especial incidência na música e nos anos de 1967, 1968, 1969 – quando o recrudescimento da repressão e da ditadura pôs vários dos seus líderes na prisão e no exílio. Com o sucesso da iniciativa, surge no horizonte a ideia para uma biografia de Heitor Villa-Lobos, o maior nome da música clássica brasileira. Para o público português, além de trazer nomes conhecidos da música brasileira, traz uma verdadeira relíquia logo na sua abertura: um extrato do programa Zip Zip, que Raul Solnado e Carlos Cruz apresentavam em direto na RTP, em 1970.

O filme começa com um jornalista a perguntar ao Caetano o que havia sido a Tropicália… Acha que no final do filme se chegou a alguma definição?

Não. Não acho que explique alguma coisa com esse filme (risos). Eu acho que esclareço algumas coisas, dou elementos para as pessoas tentarem compreender, para eu mesmo tentar entender. Mas a ideia da Tropicália é um pouco confusa, muitas vezes mistificada. Nós temos no Brasil algumas ideias, como o conceito de antropofagia e de que a mistura étnica, racial, o sincretismo religioso, de que todas essas misturas nos beneficiam. O caldo da cultura do Brasil é essa mistura. O Jorge Mautner fala em “amálgama”, ele gosta de usar essa palavra – “alquímica”, no sentido de gerar um novo e precioso metal.

Existem vários momentos em que os brasileiros, pensando um pouco

na forma como a sua sociedade foi construída, acabam valorizando a mistura como elemento formador. Ali na Tropicália há de novo a crença de que você tem que se abrir “para fora”, não só para dentro, tem que estar recetivo às influências internacionais, ao desenvolvimento tecnológico.

O grupo de Caetano e Gil era muito aberto, eles estavam muito interessados no pop e no rock, na guitarra elétrica –

como uma expressão da cultura jovem contemporânea, daquele tempo. Então, os músicos mais tradicionais, da esquerda ortodoxa brasileira, eram puritanos em relação ao violão – quando este instrumento também veio da península Ibérica, chegou para nós de fora algum dia. Parece até ingénuo falar isso hoje, mas

naquele tempo fez-se até passeatas contra as guitarras elétricas! Como se elas fossem ferramentas do imperialismo americano.

Sobre isso o Caetano tem uma forma de pensar que eu acho inteligente – que é sim, você deve lutar contra as formas de imperialismo. Mas assumir um antiamericanismo radical, querer generalizar, dizer que estes Estados Unidos que invadiram o Iraque são uma coisa só e que não têm uma influência positiva em muitos aspetos da sociedade e no mundo contemporâneo, é uma forma muito limitada e maniqueísta de entender a realidade.

E principalmente que o Brasil não era tão assim “o certo e o errado”. É um país que apresentava e continua a apresentar muitas contradições. Por isso a leitura que se faz da realidade é algo complexo, não é simples. Então acho que eles tinham essa complexidade. Era muito interessante essa posição dos artistas.

A nível de produção, teve muitas dificuldades? Em relação aos artistas entrevistados, por exemplo…

Tudo isso aconteceu há mais de 40 anos atrás… Essa história já

«naquele tempo fez-se até

passeatas contra as guitarras elétricas!»

ENTREVISTA

| c7nema.net | Dia 10 - 27/106

Lisboa e foram para a televisão, que era em direto. Como é óbvio, se estavam ali não estavam em casa assistindo o programa. Então eles nunca o tinham visto. Quando fui lhes mostrar disse quero mostrar para vocês material que vocês nunca viram. Isso foi o sucesso da minha estratégia, porque todos então se interessaram. Assim colhi meus depoimentos.

Mas também foram apenas uma ou duas horas que eu fiquei com eles. Não fiquei horas e horas, a não ser o Caetano que eu visitei três vezes. Ele é muito generoso, gosta de conversar. Falamos longamente.

Os outros foram sempre encontros pequenos, com a mostra do material. Mas eram momentos de

grande valor, pois envolvia muita surpresa, muita emoção. Foi em torno disto que eu fiz o filme.

Também o fiz utilizando entrevistas de outros documentaristas e filmes do período. As preciosas entrevistas com Glauber e Oiticica foram feitas por outro documentarista, Silvio Darin, que tinha filmado esse material em 1978.

O meu filme é um painel da realização de muitas pessoas. O montador, o Osvaldo Santana, é quase um coautor do filme, porque foi uma obra feita muito na sala

foi muito contada – por jornais e revistas, nas universidades, com muitas teses académicas, e nos programas de televisão. O que eu percebi que não existia era um filme, principalmente algo que pudesse recuperar tudo o que fosse possível a nível de material filmado e gravado naquele momento.

Mas quando eu comecei os artistas estavam muito cansados de falar desse assunto. Eles não tiveram boa vontade para falar comigo no início. O Caetano Veloso foi o único que desde o início se abriu até para uma conversa de nível pessoal, para entender o projeto, ver o que eu queria fazer. Ele disse: Olha, veja bem, você não vai encontrar muito material deste período. Muita coisa foi apagada, mal guardada ou não foi documentada. É uma deficiência que nós temos no Brasil em relação à toda a nossa memória, em todos os ramos artísticos. Cuidamos muito mal da nossa memória. O filme é um esforço neste sentido.

Aquilo do Glauber Rocha é uma relíquia…

Sim, o Glauber, o Oiticica (artista plástico, também muito influente no movimento tropicalista)… Então, quando eu comecei eles não queriam falar do assunto. Mas isso foi bom para mim porque me obrigou a usar a pesquisa de arquivos, a escolher o trabalho com os acervos como a principal ferramenta. Porque se eu quisesse basear a minha estratégia como documentarista em entrevistas eu teria desistido logo no começo. Realmente não receberam muito bem a ideia. Eu me dediquei muito à pesquisa de arquivo e isso foi muito bom, porque me deu conhecimento sobre o material. Aliás, foi com aquilo que eu recolhi que consegui atrair os artistas para dar depoimentos, pois acabei encontrando material que eles não conheciam.

O material do Zip Zip, por exemplo. Você tem que imaginar que eles estavam indo para Londres, exilados. Então passaram aqui por

de montagem. O diretor de arte, Ricardo Fernandes, teve uma contribuição na narrativa, com o uso das intervenções gráficas, mas como narrativa, não gratuitamente. Acabou dando a estética do filme. Também tive dois pesquisadores de alto nível que me ajudaram a encontrar o material.

Não menos importante foi a assessoria jurídica. Quando vemos o making of desses grandes filmes americanos, eles mostram como fizeram o ‘efeito para o homem-aranha voar’. O making of do meu filme é um advogado sentado junto de uma mesa com telefone (risos). Liberando direitos de imagem. Isso foi feito desde que nós iniciamos o projeto, tive uma estrutura muito sólida. Eu vi outras pessoas fazerem filmes sobre um período da música brasileira que não conseguiram distribuir por causa dos direitos.

Os direitos de autor no caso das músicas são bastante caros.

Além de ser caro conseguir a liberação de músicas, existem muitas distorções nas negociações pelos direitos. Existem muitos herdeiros cobrando absurdos. Eu respeito o seu direito, mas quando começam a pedir fortunas por imagens que muitas vezes são um património da coletividade… Você acaba por ficar limitado.

Tiveram que cortar algum trecho de filme ou música por causa de direitos?

Sim, mas foram poucos. O nosso sucesso nas negociações foi alto. Usamos um critério de jurisprudência que consistia na fixação de um valor que era sempre o mesmo pelo tempo de imagem de música. Então não entramos em nenhum leilão. Desde o início dizíamos quanto pagávamos. Demorava mais, mas quase sempre tivemos sucesso. Eu lembro-me de algumas negociações mais difíceis onde eu fui chamado a entrar para tentar explicar o projeto e conseguir a liberação.

«Eu vi outras pessoas fazerem

filmes sobre um período da música

brasileira que não conseguiram

distribuir por causa dos direitos.»

ENTREVISTA

Dia 10- 27/10 | c7nema.net | 7

Mas houve uma, por exemplo, que não conseguimos. Existe uma personagem importante, que é o José Agripino de Paula, um escritor do período, autor de “Pan América”. É um livro que influenciou muito o Caetano Veloso e ele aparece num filme do Rogério Sganzerla chamado A Mulher de Todos

(1969). Eu liguei ao produtor, expliquei o que era o projeto, que queríamos usar uma sequência do filme, com o José Agripino a fazer de guerrilheiro, muito adequado ao que eu pretendia. E ele me respondeu: Olha, é o seguinte. Quando eu fiz esse filme, não tinha patrocínio cultural. Cada centavo eu tirei do meu bolso. Eu não tinha apoio nem leis de incentivo, nada. Então, ou você paga o que eu peço ou não usa o meu filme! Eu acabei por não usar, pois eu não tinha como pagar aquilo que ele pedia.

Por que decidiu utilizar uma versão integral de Asa Branca (música muito popular do “cancioneiro” do sertão do Nordeste brasileiro, sem conexão aparente com a Tropicália) perto do final do filme?

O filme é organizado em três atos, correspondentes a três anos: 1967, 1968, 1969 – ou seja, introdução, desenvolvimento e uma espécie de conclusão. Esta se dá num dos momentos mais dramáticos que são a prisão e o exílio. Aí entram as imagens dos artistas dando os depoimentos, até então estiveram em off. Você só os vê com a idade que têm na parte final, que tem

menos narração e mais música.

O terceiro ato é quase inteiramente musical, as músicas vão ficando mais integrais. Asa Branca era a música que melhor representava o estado de espírito da época do exílio. Por um lado, eles eram artistas que falavam muito de influências internacionais, que acabam por morar fora do Brasil, em Londres, onde está tudo acontecendo, os festivais, tudo

aquilo que queriam ver.

Por outro lado, é neste momento em que ele é mais brasileiro, vai buscar no fundo do sertão da Bahia uma questão de retirante, de imigrante. O sentido que aquilo tem eu não conseguiria expressar em palavras, acho que está ali, numa canção maravilhosa do Luís Gonzaga, cantada de um jeito magistral, sem guitarra elétrica, sem nada. É ele com um violão.

«Asa Branca era a música que melhor

representava o estado de

espírito da época do exílio.»

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Ali a música fala muito mais alto do que qualquer explicação que eu quisesse dar. No arco dramático do filme, na sua construção, tem funcionado muito bem nas salas, tem sido um momento de grande emoção, com pessoas chorando e tudo.

Também faz questão de insistir que a sua abordagem histórica não é voltada para o passado, mas para o presente e para o futuro.

A história serve para um entendimento de como chegamos aqui. O que tem acontecido muitas vezes com o tropicalismo é ser lembrado com uma espécie de saudosismo, um sentimento de ‘ah, como já fomos melhores, como era melhor antes’. Isso vem tanto de pessoas novas quanto daquelas que

viveram no período. Em relação a estes, temos que ter um certo respeito: viveram um momento de grande força, de energia, de luta, de muita criação, de invenção. Mais que tudo, o tropicalismo foi um exemplo de tremenda criatividade.

Para os jovens essa ideia de que ‘já foi melhor’ é muito conformista, derrotista. Você tem que olhar para trás, para os momentos onde foram feitos uma síntese, quando houve um entendimento do que era cultura brasileira, das suas dificuldades e contradições, para andar para a frente. Não consigo entender a história como um mecanismo só de olhar para

«Não gostaria que o filme fosse visto

como um culto ao passado.»

ENTREVISTA

o passado. O entendimento do passado existe para que se possa caminhar para a frente, para o futuro. Não gostaria que o filme fosse visto como um culto ao passado.

No fundo o que continua a ser fascinante é a própria mitologia dos anos 60, aquela coisa libertária, revolucionária… E um pouco por todo o lado em simultâneo!

Sim, houve o Swinging London, a primavera de Praga, o maio de 68 em Paris, a luta contra a guerra

do Vietname e a contracultura muito forte dos Estados Unidos. Se você pensar bem, até a revolução cultural na China também teve o seu auge nesses anos, com uma parcela muito grande da juventude tentando rever os velhos valores. As guardas vermelhas do Mao Tse Tung investigavam se todos os valores burgueses e os hábitos antigos não estariam contaminando ainda a mentalidade da China vermelha. Isso foi levado às últimas consequências e chegou a grandes absurdos.

Tudo isso para dizer que o momento

Dia 10- 27/10 | c7nema.net | 9

Os estilos de vida e os modos de viver, com todo o universo de bens materiais, a própria tecnologia e o que isso implica no uso de recursos naturais, estão fadados a destruir o planeta. O modelo de riqueza que se tem é muito concentrado, você vê que quem está usufruindo e se beneficiando dele são grupos muito pequenos e que manipulam a política internacional em função de seus interesses. O que foram essas invasões pelos Estados Unidos dos países do Oriente nestas últimas décadas? Temos de novo essa história…

Nós temos que buscar outras formas de viver e de estar no mundo. Neste sentido os anos 60

era de turbulência, de contestação, de busca de uma outra forma de estar no mundo. Questionava-se a própria civilização; não só os comportamentos. Era forte na contestação da política e dos comportamentos, mas também do que chamamos de civilização. O tropicalismo é um dos movimentos deste período.

Mas insisto que esse questionamento é atual, o que estamos vendo de novo na crise que a Europa enfrenta neste momento é o próprio modelo de civilização que está a ser posto em causa. E aí é interessante olhar para esse período para buscar dele a energia, a forçar de lutar, a alegria.

são inspiradores. Embora também tragam a lembrança de como às vezes podemos ser ingénuos…

Quantos anos você tinha na altura?

Eu tinha 10. Eu cresci no pós-tropicalismo, olhando para tudo isso como algo que já tinha acontecido. Era recente e eu ainda pegava o eco dessa coisa toda. Todos os músicos que eu vi na minha adolescência vinham desta época. Será que todos eles vinham do mesmo território comum? A minha principal motivação para fazer o filme foi de tentar entender esse território, essa região, esse momento.●

| c7nema.net | Dia 10 - 27/1010

Em Visões de Madredeus - que resultou de um encontro entre Edgar Pêra e Pedro Ayres Magalhães, o realizador executa um cinediário dos concertos, uma apresentação de imagens dos bastidores, gravações de discos e inevitavelmente as viagens, desde os primeiros ensaios, em 1987, até ao último concerto da tournée Amor Infinito, em Tóquio, no ano de 2006.

Visões de MadredeusEdgar Pêra | 70’ / Portugal / 2012

+ DESTAQUES

Obra – vencedora do Festival de Berlim - que encerra o Doclisboa e onde acompanhamos a encenação da peça Júlio César, de William Shakespeare, por reclusos de uma prisão de segurança máxima em Roma.

Cinco anos, cinco câmaras destruídas. Este é o resumo minimalista de 5 Broken Cameras, documentário assinado pelo palestino Emad Burnat e pelo israelita Guy Davidi , numa parceria que começou apenas em 2009 mas que aproveita as filmagens que o primeiro executou da resistência do seu povo à instalação de um colonato israelita em terras palestinas.

5 Broken CamerasEmad Burnat, Guy Davidi | 90’ / Palestina, Israel, França / 2011

Cesare deve morirePaolo Taviani, Vittorio Taviani | 76’ / Itália / 2012

Dia 10- 27/10 | c7nema.net |11

+ DESTAQUES

Anders, Molussien

Partindo do livro Die molussische Katakombe, do escritor-filósofo alemão Günther Anders, Anders, Molussien é um filme em nove capítulos, mostrados por ordem aleatória em que dois prisioneiros partilham histórias sobre a Molussia, fictício país dominado por um ditador fascista.

Nicolas Rey | 81’ / França / 2012

Far from AfghanistanJohn Gianvito, Jon Jost, Minda Martin, Travis Wilkerson, Soon-Mi Yoo | 129’ / EUA / 2012

Inspirado pelo filme de 1967 Far From Vietnam, Far from Afghanistan junta também uma série de realizadores - John Gianvito, Jon Jost, Minda Martin, Travis Wilkerson e Soon-Mi Yoo– que procuraram contribuir para redireccionar a politica dos EUA do militarismo para o humanismo.

Peça documental e trabalho jornalístico que executa uma extensa entrevista a Roman Polanski, focando-se nos períodos mais marcantes da sua vida, como a infância no gueto de Varsóvia, a morte da sua esposa, Sharan Tate, a sua detenção em 1977 por estupro, a fuga dos EUA, e uma carreira cinematográfica de excepção, especialmente na Europa.

Roman Polanski, a Film MemoirLaurent Bouzereau | 90’ / Reino Unido / 2012

O regime dos Khmer Vermelhos só durou quatro anos, mas nesse tempo terão eliminado um quarto da população do Cambodja, 1,8 milhões de pessoas. Apesar de tudo se ter passado há mais de 30 anos, ainda estão a decorrer processos judiciais contra alguns dos elementos desse regime. Kaing Guek Eav, conhecido como Duch, é um desses elementos.

Duch, Master of the Forges of HellRithy Panh | 110’ / França, Camboja / 2011

| c7nema.net | Dia 10 - 27/1012

CRÍTICAS

O Sabor do Leite CremeHiroatsu Suzuki, Rossana Torres

O Sabor do Leite Creme é um filme sobre o quotidiano de duas irmãs que moram em

frente a uma escola com a qual têm uma relação pessoal, visto terem nascido, vivido e ensinado lá. O filme enche-se de momentos calmos, a apanhar sol, a coser, a ver fotografias, a falar.

A meio do filme comecei a perguntar-me o que estava a ver e porquê. Não, não saí da sala, um filme tem de me irritar mais profundamente ou provocar-me uma reação de asco para que o faça, mas comecei a questionar-me sobre o que é pretendido com muito do cinema atual

português. As conversas tidas não são impressionantes, filosóficas, políticas, históricas, nada... e o dia a dia destas senhoras também não parece justificar um filme de mais de uma hora. Não é que as senhoras não sejam simpáticas, não é que o filme não pudesse ter interesse, é que, como está, o filme arrasta-se sobre os pequenos nadas que enchem a vida delas (sendo “arrasta-se” a palavra-chave).

Parece-me que há algo que liga este filme diretamente a movimentos artísticos dos anos 60 em que uma pessoa a passar a ferro podia ser considerado arte, misturando o quotidiano e o privado com o político, mas que, anos mais tarde,

nos parecem absurdos. Se assim for, pode ser que este seja apenas um período de transição e que nos dirijamos a algo diferente.

Espero que sim, porque começo a ficar farto de filmes assim. ● João Miranda

SESSÕES

27/10 16:00 CULTURGEST

Dia 10- 27/10 | c7nema.net |13

CRÍTICAS

Duch, le Maître des Forges de l’EnferRithy Panh

O regime dos Khmer Vermelhos só durou quatro anos, mas nesse tempo terão eliminado

um quarto da população do Cambodja, cerca 1,8 milhões de pessoas. Apesar de tudo se ter passado há mais de 30 anos, ainda estão a decorrer processos judiciais contra alguns dos elementos desse regime. Kaing Guek Eav, conhecido como Duch, é um desses elementos.

Rithy Panh, realizador cambodjano que teve de fugir, após a morte dos seus pais em campos de reabilitação, já realizou outros documentários sobre o tema. Aqui, teve a oportunidade de entrevistar

Duch, de o confrontar com provas e de o filmar. Com mais de uma centena de horas de entrevista, o resultado final é este filme.

Duch é uma personagem difícil de compreender: culto e inteligente, consegue mostrar as dificuldades de navegar num regime que procurava dar o grande passo em frente, negando o passado, qualquer oposição ou mesmo variação de pensamento. Inicialmente à frente da prisão M13, Duch foi enviado para chefiar a S21, onde morreram pelo menos de 12 mil pessoas, infame pela tortura que aí decorria e por ser o local onde os elementos do Comité Central foram enviados quando surgiram aí divisões.

A defesa de Duch é semelhante à de outros que participaram de regimes ditatoriais violentos: estava a fazer o meu trabalho e, se me negasse, rapidamente seria eu o torturado”.

A natureza do Mal é complexa e esta entrevista com Duch ilustra-o, sem nunca chegar a nenhuma conclusão. Como em todas estas coisas, a pessoa entrevistada parece querer justificar-se, podendo passar-se uma imagem diferente do que aconteceu. Dá ideia que Rithy Panh conseguiu evitá-lo. ● João Miranda

SESSÕES

27/10 21:15 CULTURGEST

| c7nema.net | Dia 10 - 27/1014

CRÍTICAS

5 Broken CamerasEmad Burnat, Guy Davidi

Cinco anos, cinco câmaras destruídas. Este podia ser o resumo minimalista de 5 Broken Cameras,

documentário assinado pelo palestino Emad Burnat e pelo israelita Guy Davidi, numa parceria que começou apenas em 2009 mas que aproveita as filmagens que o primeiro executou da resistência do seu povo à instalação de um colonato israelita em terras palestinas. O caso remonta a 2005, no povoado de Bil’in, na Cisjordânia. Na altura, a situação fez as capas dos jornais, até porque esta localidade tornou-se um símbolo de resistência numa região sem solução fácil à vista.

A primeira câmara de Emad foi destruída por uma dessas granadas de gás no outono de 2005, deixando-o também com ferimentos na mão. Depois disso, a segunda câmara foi destruída por colonos israelitas já estávamos na primavera de 2007. Uma terceira

câmara acabaria por lhe salvar a vida no inverno de 2008, ao separá-lo de uma bala -isto depois de já ter sido destruída parcialmente e arranjada duas vezes. Já a quarta câmara ficou destruída após conflitos em 2008 e que resultaram num acidente grave de Emad. Finalmente, a quinta câmara foi destruída na primavera de 2010, altura em que ele voltou a ser atingido por uma granada de gás.

Talvez um dos maiores triunfos deste trabalho é a sua fuga a um carácter manipulador de quem tem a razão neste conflito mais cego do que devia. Curiosamente, o filme nunca sai da esfera local, e ganha pontos com isso, mostrando os sistemáticos conflitos entre os palestinos e os israelitas, que nem sempre envolvem os soldados. A esfera mais alta do conflito nunca é aqui tocada e as decisões do topo afetam a sua base, que é a verdadeiramente focada neste documentário.

Outro dos elementos curiosos é a presença de ativistas de diversos pontos do globo, de jornalistas e de muita gente meramente curiosa com os eventos. Adultos e crianças, também vítimas de agressões, detenções e disparos. Ainda assim, as câmaras de Emad capturam na sua essência uma população injustiçada, mas que em alguns casos pessoas que gostam de fazer um show com isso. É frequente também vermos jovens soldados nitidamente não preparados para este género de conflitos.

Como tal, este é um documentário conseguido onde há momentos verdadeiramente tensos e outros dramaticamente intensos, especialmente quando algumas mortes são captadas “em direto”, tornando-se esses falecidos novos mártires desta causa. ● Jorge Pereira

SESSÕES

27/10 21:30 S. JORGE

Dia 10- 27/10 | c7nema.net |15

TropicáliaMarcelo Machado

Um dos grandes momentos da cultura brasileira c o n t e m p o r â n e a retratada aqui numa

vigorosa montagem de Marcelo Machado. Evento denso e sobre o qual muito já se escreveu no Brasil, o tropicalismo é retomado aqui sob uma ótica essencialmente visual, recuperando inúmeras imagens de arquivo e de filmes desconhecidas dos próprios protagonistas. Essa opção acaba por ser a grande mais-valia deste Tropicália, ao buscar documentos raríssimos e algumas verdadeiras relíquias, como uma curta-metragem de Gláuber Rocha de cuja existência pouco se sabia.

Para o público português, a própria abertura do filme é surpreendente: uma entrevista de Raul Solnado e o hoje caído em desgraça Carlos

Cruz num programa do final dos anos 60 a entrevistar os recém-exilados – e a caminho de Londres – Caetano Veloso e Gilberto Gil. Até pelo valor deste material, os depoimentos atuais com os principais protagonistas só entram na parte final do filme.

O tropicalismo, inseridos no contexto de contestação dos anos 60, encarna a famosa teoria “antropofágica” com que Oswald de Andrade introduziu a vanguarda artística no Brasil, em 1922. Essencialmente significa assimilação e transformação de matérias das mais variadas matrizes. Foi neste sentido que o movimento funcionou em termos criativos, engolindo, transformando e devolvendo uma música plena de energia e

inventividade – para além de outras manifestações culturais. O seu enorme potencial revolucionário e renovador, em termos de política e comportamento, iria embater de frente com a tropa de choque do governo militar em plena ascensão.

Como tantas vezes na história, a brutalidade vence, mas o que fica é a arte. ● Roni Nunes

SESSÕES

27/10 21:45 S. JORGE

| c7nema.net | Dia 10 - 27/1016

Cesare deve morirePaolo Taviani, Vittorio Taviani

Num mundo em crise de ideias e na falta de referências atuais fortes e credíveis nas quais

depositar entusiasmo, mais vale cultuar os velhos ícones e mitos do passado. Refiro-me à premiação desta obra dos Taviani em Berlim este ano – com um filme muito pouco preocupado com inovações, mas que na hora de reconstruir o velho e saudável espírito do neorrealismo italiano mostra-se cheio de vitalidade.

Vários dos seus princípios lá estão: uma história humanista, a preferência por grupos pobres e/ou marginalizados, a denúncia social e a utilização de atores não profissionais. O espírito de emulação chega mesmo à utilização de preto e branco. E, mais que isso

tudo, a velha busca do papel social da arte, da conjunção desta com o meio.

Curiosamente, o ponto de partida deste César Deve Morrer é rigorosamente igual a do filme que venceu a competição portuguesa do Indie Lisboa este ano, Jesus Por Um Dia – sem que isso queira dizer ter havido cópia, seja de quem for. Por uma simples razão: não é difícil de supor o fascínio que esta conjunção de arte com marginalidade tenha sobre os realizadores preocupados com o cunho social das suas obras.

Na obra lusa, penitenciários de Bragança emprestavam seu “talento” para a encenação da Via Sacra, colmatando a falta de pessoal numa região cada vez mais desertificada. No filme dos

Taviani, a coisa vai muito além, até porque os presos encenam algo muito mais complexo e grandioso: a obra de Shakespeare Júlio César.

Nesta domina o debate da luta contra a tirania, simbolizado no assassinato de César, cujas ambições se tornavam cada vez mais “imperiais”, por Brutus, o seu mais fiel partidário - que culmina na famosa frase “Até tu, Brutus”. ● Roni Nunes

SESSÕES

27/10 21:30 CULTURGEST

CRÍTICAS

Dia 10- 27/10 | c7nema.net |17

Filmes - Competição Internacional

João

Mir

anda

Jorg

ePe

reir

a

MÉDIA

Three Sisters (França-Hong Kong)Wang Bing

A Última Vez que vi Macau (Portugal-França)João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata

Babylon (Tunísia)Youssef Chebbi, Ismaël, Ala Eddine Slim

Sofia’s Last Ambulance (Bulgária-Croácia-Alemanha)Ilian Metev

Bakoroman (França-Burquina Faso)Simplice Ganou

Arraianos (Espanha)Eloy Enciso Cachafeiro

People’s Park (EUA-China)Libbie D. Cohn, J. P. Sniadecki

Vers Madrid (The Burning Bright)! (França)Sylvain George

Fogo (México-Canadá)Yulene Olaizola

The Radiant (Reino Unido)The Otolith Group

The Anabasis of May and Fusako Shigenobu, Masao Adachi and 27 Years without Images (França)Eric Baudelaire

Filmes - Competição Nacional

João

Mir

anda

Roni

N

unes

MÉDIA

O Sabor do Leite CremeHiroatsu Suzuki, Rossana Torres

Seems So Long Ago, NancyTatiana Macedo

Amanhecer a andarSílvia Firmino

Sobre ViverCláudia Alves

CativeiroAndré Gil Mata

Deportado (França-Portugal)Nathalie Mansoux

Le Pain que le Diable a pétri (França-Portugal)José Vieira

Terra de NinguémSalomé Lamas

O Regresso Júlio Alves

JÚRI C7NEMA

| c7nema.net | Dia 10 - 27/1018

Filmes - Riscos (em memória de Chris Marker, Marcel Hanoun e Stephen

Dowskin) João

Mir

anda

Roni

N

unes

Jorg

ePe

reir

a

MÉDIA

Age is… (França-Reino Unido)Stephen Dwoskin

Two Years at Sea (Reino Unido)Ben Rivers

Differently, Molussia (França)Nicolas Rey

Inquire Within (EUA)Jay Rosenblatt

Hollywood Movie (Alemanha)Volker Schreiner

The Search for Emak Bakia (Espanha)Oskar Alegría

74 (Seventy Four) (Líbano)Rania Rafei, Raed Rafei

Moving Stories (Bélgica)Nicolas Provost

Free Radicals: a History of Experimental Film(França)Pip Chodorov

Manhã de Santo António (Portugal)João Pedro Rodrigues

Meteor (Alemanha)Christoph Girardet, Matthias Müller

Cello (Alemanha)Marcel Hanoun

A Story for the Modlins (Espanha)Sergio Oksman

Saudade (França)Jean-Claude Rousseau

Mekong Hotel (Tailândia-Reino Unido)Apichatpong Weerasethakul

Ashes (Tailândia)Apichatpong Weerasethakul

Reconversão (Portugal)Thom Andersen

One, Two, Many (Bélgica)Manon de Boer

JÚRI C7NEMA

Dia 10- 27/10 | c7nema.net |19

Filmes - Investigações

João

Mir

anda

Roni

N

unes

Jorg

ePe

reir

a

MÉDIA

Pathway (China)Xu Xin

Nuclear Nation (Japão)Atsushi Funahashi

Into Oblivion (República Checa)Šimon Špidla

Espoir Voyage (França-Burquina Faso)Michel K. Zongo

The Law in These Parts (Israel)Ra’anan Alexandrowicz

Free Libya (Aústria)Fritz Ofner

Les Invisibles (França)Sébastien Lifshitz

Edificio España (Espanha)Víctor Moreno

Revision (Alemanha)Philip Scheffner

Low Definition Control Malfunctions #0 (Aústria)Michael Palm

Un Mito Antropologico Televisivo (Itália)Alessandro Gagliardo, Maria Helene Bertino, Dario Castelli

Filmes - Retratos

João

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Jorg

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aMÉDIA

Milos Forman: what doesn’t kill you… (República Checa)Milos Smídmajer

Gerhard Richter Painting (Alemanha)Corinna Belz

Roman Polanski, a Film Memoir (Reino Unido)Laurent Bouzereau

Splinters – A Century of an Artistic Family (Finlândia)Peter von Bagh

Filmes - Sessões Especiais

João

Mir

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Roni

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Jorg

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reir

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MÉDIA

5 Broken Cameras (Palestina-Israel-França)Emad Burnat, Guy Davidi

Demokratia (Grécia)Marco Gastine

Duch, le Maître des Forges de l’Enfer (França-Camboja)Rithy Panh

JÚRI C7NEMA

PASSATEMPO

Temos 3 DVD’s da edição especial + 2 DVD’s da edição simples de É na Terra não é na Lua para oferecer aos nossos leitores.

Para se habilitarem a estes prémios basta enviarem um email para [email protected] com os vossos dados (nome, morada) e escreverem um pequeno texto sobre este filme e porque o gostariam de ter em DVD.

SALA MANOEL DE OLIVEIRA SALA 3

15:00Ó Marquês anda Cá Abaixo Outra Vez!, de João Viana

SÃO JORGE

LONDRES

SALA 1 SALA 2

15:30 16:15

19:15

Three Sisters, de Wang Bing

21:45 18:45O Milagre de Santo António, de Sergei Loznitsa

Un Mito Antropologico Televisivo, de Alessandro Gagliardo, Maria Helene Bertino, Dario Castelli

16:30

Splinters – A Century of an Artistic Family, de Peter von Bagh

19:00

Visões de Madredeus, de Edgar Pêra

GRANDEAUDITÓRIO

PEQUENO AUDITÓRIO

16:30 16:00

CULTURGEST

21:30

18:45

21:15Duch, Master of the Forges of Hell, de Rithy Panh

De l’Autre Côté, de Chantal Akerman

Cesare deve morire, de Paolo Taviani, Vittorio Taviani

Meteor, de Christoph Girardet, Matthias Müller

Differently, Molussia, de Nicolas Rey

16:45From a Mess to the Masses, de Antoine Wagner, Francisco Soriano

21:305 Broken Cameras, de Emad Burnat, Guy Davidi

Far from Afghanistan, de John Gianvito, Jon Jost, Minda Martin, Travis Wilkerson, Soon-Mi Yoo

Relocation, de Pieter Geenen

Into Oblivion, de Šimon Špidla

AGENDA

19:15Roman Polanski, a Film Memoir, de Laurent Bouzereau

A Raia, de Iván Castiñeiras Gallego

O Sabor do Leite Creme, de Hiroatsu Suzuki, Rossana Torres

Me matan si no trabajo y si trabajo me matan, de Raymundo Gleyzer

Cuando despierta el Pueblo, de Colectivo de la Unidad Popular

21:15Arcana, de Henry Hills

A Stravinsky Portrait, de Richard Leacock, Rolf Liebermann

21:45Tropicália, de Marcelo Machado