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BURREL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heineman, London, l979. (tradução livre do prof Wellington Martins, EA/UFBa.) INTRODUÇÃO. Este livro, que devorou os últimos dois anos de nossas vidas, é produto de uma amizade e parceria intelectual. Ele começou com a idéia inócua que cresceu com tal força que se tornou uma "maneira de ver". Isto fez mudar a maneira como pensávamos sobre teoria social, e esperamos que isto também aconteça com os outros. Este livro tem a intenção de clarear e ajudar a superar o que parece ser uma das maiores fontes de confusão dentro das ciências sociais na atualidade. Inicialmente ele teve um objetivo muito específico: o de tentar relacionar teorias de organização com seus contextos sociológicos mais amplos. No curso do desenvolvimento, contudo, esta diligência se ampliou tanto e se voltou também para a tarefa de abarcar muitos aspectos de filosofia e de teoria social em geral. Como tal ele agora sustenta um discurso em teoria social de relevância para muitas disciplinas de ciência social, das quais na área geral de estudos de organização - a sociologia industrial, a teoria organizacional, a psicologia organizacional e relações industriais - são alguns casos que utilizamos para ilustrar nossos temas gerais. Nossa proposta é de que a teoria social pode beneficamente ser concebida em termos de quatro paradigmas chaves baseados em diferentes conjuntos de pressupostos metateóricos sobre a natureza da ciência social e sobre a natureza da sociedade. Os quatro paradigmas são fundamentados em visões do mundo social mutuamente exclusivas. Cada uma delas se posiciona em seu próprio campo e cada uma de per si gera sua própria analise distintiva da vida social. Com relação ao estudo das organizações, por exemplo, cada paradigma gera teorias e perspectivas que estão em fundamental oposição àquelas geradas nos outros paradigmas. Tal análise da teoria social coloca-nos face a face com a natureza dos pressupostos subjacentes às diferentes abordagens à ciência social. Traz à tona detalhes que adornam muitas das teorias sociais naquilo que é fundamental à determinação da maneira como vemos o mundo que estamos pretendendo analisar. Este aspecto enfatiza o papel social desempenhado pelo quadro de referência do cientista na geração da teoria social e da pesquisa. A este respeito, com relação ao campo do estudo das organizações no presente momento, como em outras disciplinas da ciência social, constata-se que uma vasta proporção de teoria e pesquisa estão localizadas dentro dos limites de somente um dos quatro paradigmas aqui considerados. Na verdade, a grande maioria está localizada dentro do contexto de uma gama de possibilidades teóricas relativamente estreita que define aquele paradigma. Não é exagero, portanto, sugerir que a o empreendimento científico social em geral é construído em cima de um conjunto extremamente limitado de pressupostos metateóricos. Esta concentração de esforços em áreas relativamente estreitas define o que é usualmente visto como a ortodoxia dominante dentro de um assunto. Porque esta ortodoxia é tão dominante e forte, seus aderentes a tomam como certa e auto-evidente. As perspectivas rivais dentro do mesmo paradigma ou fora de 1

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Page 1: BURREL; MORGAN. Sociological paradigms and organizational analysis. TRADUÇÃO LIVRE

BURREL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heineman, London, l979.

(tradução livre do prof Wellington Martins, EA/UFBa.)

INTRODUÇÃO.

Este livro, que devorou os últimos dois anos de nossas vidas, é produto de uma amizade e parceria intelectual. Ele começou com a idéia inócua que cresceu com tal força que se tornou uma "maneira de ver". Isto fez mudar a maneira como pensávamos sobre teoria social, e esperamos que isto também aconteça com os outros.

Este livro tem a intenção de clarear e ajudar a superar o que parece ser uma das maiores fontes de confusão dentro das ciências sociais na atualidade. Inicialmente ele teve um objetivo muito específico: o de tentar relacionar teorias de organização com seus contextos sociológicos mais amplos. No curso do desenvolvimento, contudo, esta diligência se ampliou tanto e se voltou também para a tarefa de abarcar muitos aspectos de filosofia e de teoria social em geral. Como tal ele agora sustenta um discurso em teoria social de relevância para muitas disciplinas de ciência social, das quais na área geral de estudos de organização - a sociologia industrial, a teoria organizacional, a psicologia organizacional e relações industriais - são alguns casos que utilizamos para ilustrar nossos temas gerais.

Nossa proposta é de que a teoria social pode beneficamente ser concebida em termos de quatro paradigmas chaves baseados em diferentes conjuntos de pressupostos metateóricos sobre a natureza da ciência social e sobre a natureza da sociedade. Os quatro paradigmas são fundamentados em visões do mundo social mutuamente exclusivas. Cada uma delas se posiciona em seu próprio campo e cada uma de per si gera sua própria analise distintiva da vida social. Com relação ao estudo das organizações, por exemplo, cada paradigma gera teorias e perspectivas que estão em fundamental oposição àquelas geradas nos outros paradigmas.

Tal análise da teoria social coloca-nos face a face com a natureza dos pressupostos subjacentes às diferentes abordagens à ciência social. Traz à tona detalhes que adornam muitas das teorias sociais naquilo que é fundamental à determinação da maneira como vemos o mundo que estamos pretendendo analisar. Este aspecto enfatiza o papel social desempenhado pelo quadro de referência do cientista na geração da teoria social e da pesquisa.

A este respeito, com relação ao campo do estudo das organizações no presente momento, como em outras disciplinas da ciência social, constata-se que uma vasta proporção de teoria e pesquisa estão localizadas dentro dos limites de somente um dos quatro paradigmas aqui considerados. Na verdade, a grande maioria está localizada dentro do contexto de uma gama de possibilidades teóricas relativamente estreita que define aquele paradigma. Não é exagero, portanto, sugerir que a o empreendimento científico social em geral é construído em cima de um conjunto extremamente limitado de pressupostos metateóricos. Esta concentração de esforços em áreas relativamente estreitas define o que é usualmente visto como a ortodoxia dominante dentro de um assunto. Porque esta ortodoxia é tão dominante e forte, seus aderentes a tomam como certa e auto-evidente. As perspectivas rivais dentro do mesmo paradigma ou fora de

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suas fronteiras aparecem como satélites definindo pontos de vista alternativos. Contudo, o impacto deles na ortodoxia é raramente muito significante. Eles são freqüentemente muito fortes para se estabelecerem como algo mais que um conjunto de abordagens até certo ponto desviantes. Como resultado as possibilidades que eles oferecem são raramente pouca exploradas e são deixadas de lado.

A fim de entender pontos de vista alternativos é importante que o cientista esteja totalmente consciente dos pressupostos em que sua perspectiva está baseada. Esta apreciação envolve uma excursão intelectual que o coloca fora do campo de seu familiar domínio. Esta tarefa requer que ele se torne consciente das fronteiras que definem sua perspectiva. Isto também requer que ele excursione no inexplorado. Requer mais que ele se torne familiar com paradigmas que não são o seu próprio. Somente então ele pode olhar para traz e apreciar inteiramente a natureza precisa de seu ponto de partida.

O trabalho aqui apresentado é uma tentativa de levar o estudante de organizações aos domínios que provavelmente ele jamais explorou antes. Esta é uma jornada em que nós, os autores, embarcamos despercebidamente como resultado de certas dúvidas importunantes e de incertezas a cerca da utilidade e validade de muitas das teorias e pesquisas contemporâneas em nosso assunto. Estamos conscientes da maneira como os estudos das atividades organizacionais tem gerado montanhas de teorias e pesquisas que pareciam não ter ligações óbvias fora das estreitas áreas de disciplinas. Estamos conscientes da natureza essencialmente efêmera de nosso assunto. Estamos a par do sectarismo acadêmico refletido várias vezes na hostilidade aberta, na indiferença tipo avestruz e no diálogo e debate geralmente de baixa qualidade entre escolas de pensamento relacionadas em essência. Em suma, sentimos que nossa área de temática exigiu um cuidadoso exame dos pressupostos sobre os quais se baseou com vistas a vê-la numa nova e esperançosamente refrescante luz. Em essência nosso livro apresenta uma prestação de contas de nossa jornada e um registro das conclusões e insights que emergiram.

Começamos nossa tarefa pela consideração de como poderíamos distinguir entre diferentes abordagens ao estudo das organizações. A visão de que "todas as teorias de organização estão baseadas em uma filosofia de ciência e numa teoria da sociedade" voltou freqüentemente em nossas conversas e logo descobrimo-la definindo as duas principais dimensões de análise. Embora os teóricos organizacionais nem sempre sejam muito explícitos sobre os pressupostos básicos que informam seus pontos de vista, é claro que todos eles tomam uma posição em cada um destas questões. Quer estejam conscientes disto ou não eles trazem para seus temas de estudos um quadro de referência que reflete uma total série de pressupostos sobre a natureza do mundo social e da maneira como ele deveria ser investigado.

Nossa tentativa de explorar estes pressupostos levou-nos para os domínios da filosofia social. Nos defrontamos com problemas de ontologia e epistemologia e outras questões que raramente recebem consideração dentro do campo de estudo da organização. A medida em que investigamos estas questões descobrimos que elas sustentaram os grandes debates filosóficos entre cientistas sociais de tradições intelectuais rivais. Constatamos que a ortodoxia em nossos objetos de estudo estava apoiada essencialmente em apenas uma destas tradições e que as perspectivas satélites que observamos como rodeando a ortodoxia eram, de fato, derivadas de uma fonte intelectual completamente separada. Constatamos que eles estavam tentando articular pontos de vista que derivavam de pressupostos diametralmente opostos sobre a natureza básica do mundo social; deste modo eles subscreveram pressupostos

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completamente diferentes sobre a verdadeira natureza do próprio empreendimento científico-social.

Ao investigar os pressupostos relacionados com a natureza da sociedade nos tornamos, em princípio, capazes de operar em terreno mais firme. A sociologia dos anos 60 tinha colocado o seu foco no "debate ordem-conflito" quer fosse enfatizando o "problema da ordem" quer fosse o "problema de conflito e mudança". No fim dos anos 60 o debate tinha sido considerado morto, e estas duas visões da sociedade eram vistas meramente como dois aspectos da mesma problemática. Ao revisar a literatura relevante deste debate tornamo-nos crescentemente convencidos de que aquele debate tinha tido uma morte prematura. Enquanto estava claro que os sociólogos acadêmicos tinham se convencido de que o "problema do conflito poderia se subordinar ao "problema da ordem", cientistas fora desta tradição, particularmente aqueles interessados na teoria marxista, estavam ativamente engajados no desenvolvimento de teorias sociais que colocavam os problemas de conflito e mudança na linha de frente de suas análises. Embora os sociólogos acadêmicos e os cientistas sociais marxistas aparentassem estar contentes trabalharem isoladamente, ignorando as perspectivas contraditórias que apresentavam, parecia que quaisquer análises das teorias da sociedade deveriam levar em conta as perspectivas rivais.

Nossa incursão à literatura marxista nos conduziu a um novo campo mais alem de nosso interesse inicial. Ficamos surpresos em descobrir chocantes paralelos entre desenvolvimentos dentro da teoria marxista e da sociologia acadêmica. Constatamos que os pressupostos sobre a natureza da ciência social que dividiu os sociólogos em diferentes escolas de pensamento também dividiram os cientistas marxistas. Naquele campo, também, o quadro teórico dominante estava arrodeado por escolas de pensamento satélites oferecendo explicações rivalizantes. Perseguindo estas tradições a partir de suas fontes, descobrimos que elas emergiram a partir precisamente das mesmas fronteiras da filosofia social que tinham comprometido elementos divergentes dentro da própria sociologia. Isto tornou claro que as tradições divergentes que enfatizavam "ordem" como oposto a "conflito" compartilhavam da mesma linhagem de suas raízes em filosofia social. Derivando de pressupostos similares sobre o status ontológico e epistemológico da ciência social, eles tinham estado ligados a quadro de referência fundamentalmente diferentes com relação a natureza da sociedade.

Ao fazer estas ligações cruzadas entre estas tradições intelectuais antagônicas, tornou-se claro para nós que nossos dois conjuntos de pressupostos poderiam ser colocados um contra o outro para produzir um esquema analítico para o estudo da teoria social em geral: os dois conjuntos definiam quatro paradigmas básicos refletindo visões da realidade social absolutamente diferentes. Ao tentar relacionar este esquema com a literatura em ciência social verificamos que estávamos de posse de uma ferramenta extremamente poderosa para negociar nosso caminho através de diferentes áreas temáticas, e particularmente uma que fez sentido devido a grande confusão que caracteriza a maioria do atual debate dentro das ciências sociais. O esquema ofereceu-se como uma forma de mapa intelectual mediante o qual as teorias sociais poderiam ser localizadas de acordo com suas fontes e tradições. As teorias raramente ou quase nunca aparecem fora de seu espaço estreito; elas geralmente têm por traz uma historia bem estabelecida. Descobrimos que nosso mapa intelectual permitia-nos rastrear a evolução das teorias. Estas se localizaram de acordo com suas origens. Onde as tradições intelectuais antagônicas tinham sido fundidas, versões híbridas distintas pareciam aparecer. O que primeiro se ofereceu como um simples dispositivo classificatório para organizar a literatura passou a apresentar-se como uma ferramenta analítica. Isto nos indicou novas áreas de investigação. Isto permitiu-nos estimar e avaliar as teorias comparando com o pano de fundo da tradição intelectual que elas

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pensavam rivalizar. Isto permitiu-nos identificar teorias embrionárias e antecipar potenciais linhas de desenvolvimento. Isto finalmente permitiu-nos escrever este livro.

Nos capítulos que se seguem procuramos apresentar nosso esquema analítico e usá-lo para abrir caminho através da literatura em teoria social e análise organizacional. Tivemos a intenção de apresentá-lo tão clara e diretamente quanto possível ao mesmo tempo evitando os inconvenientes de super-simplificação. Porem os conceitos de um paradigma não podem facilmente serem interpretados nos termos daqueles conceitos de um outro. Para entender um novo paradigma a pessoa tem que explorá-lo a partir de dentro dele, em termos de sua problemática que o distingue. Assim, enquanto fazíamos cada esforço para prestar conta tão plenamente quanto possível até onde nos permitiu a língua inglesa, tivemos necessariamente que nos valer de conceitos que as vezes não são familiares.

Os demais capítulos que complementam a Parte I definem a natureza de nossas duas dimensões de análise chaves e os paradigmas que emergem dentro de seus limites. Nesta análise nós polarizamos uma quantidade de questões e fazemos muito uso de grosseiras dicotomias como meio de apresentar nossos casos. Assim procedemos não meramente com propósitos de classificação, mas para forjar uma ferramenta de trabalho. Nós advogamos nosso esquema como um dispositivo heurístico em lugar de um conjunto de definições rígidas.

Na Parte II colocamos nosso quadro analítico em operação. Para cada um de nossos quatro paradigmas conduzimos uma análise da teoria social relevante e então precedemos o relacionamento das teorias de organização com seus backgrounds mais amplos. Cada um dos paradigmas são tratados em termos consistentes com seu próprio quadro de referência que o distingue. Não se faz qualquer tentativa de criticar e avaliar a partir de uma perspectiva fora do paradigma. Tal crítica é tão fácil mas auto-destrutiva, uma vez que é usualmente dirigida para os fundamentos do próprio paradigma. Todos os quatro paradigmas podem ser demolidos com sucesso nestes termos. O que buscamos fazer é desenvolver a perspectiva que é característica do paradigma e ressaltar algumas das implicações para a análise social. Ao assim fazer temos descoberto que freqüentemente somos capazes de fortalecer as conceituações geradas em cada paradigma de interesse para o estudo as organizações. Nossa regra guia tem sido a de oferecer algo para cada paradigma nos termos de sua própria problemática. Os capítulos na Parte II, portanto, são por natureza essencialmente expositivos. Eles procuram proporcionar um minucioso quadro de referência a partir do qual futuros debates poderão ser frutiferamente baseados.

A Parte III apresenta uma curta conclusão que focaliza alguns dos principais assuntos que emergem de nossa análise.

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BURRELL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heinemann, London, 1979.

(tradução livre do Prof. Wellington Martins, EA/UFBa.)

1. PRESSUPOSTOS SOBRE A NATUREZA DA CIÊNCIA SOCIAL.

Central para nossa tese é a idéia de que "todas as teorias de organização são baseadas em uma filosofia da ciência e em uma teoria da sociedade". Neste capítulo desejamos nos reportar ao primeiro aspecto desta tese e examinar alguns dos pressupostos filosóficos que subjazem as diferentes abordagens à ciência social. Iremos argumentar que é conveniente conceituar ciência social em termos de quatro conjuntos de pressupostos relativos a ontologia, a epistemologia, a natureza humana e a metodologia.

Todos os cientistas sociais abordam seus temas por meio de pressupostos implícitos ou explícitos a cerca da natureza do mundo social e da maneira como ele pode ser investigado. Em primeiro lugar, há pressupostos de natureza ontológica - pressupostos que dizem respeito à verdadeira essência do fenômeno sob investigação. Os cientistas sociais, por exemplo, são colocados frente a frente com a questão: a "realidade" a ser investigada é uma realidade externa ao indivíduo - impondo-se à sua consciência a partir de fora - ou é produto de sua consciência; se é uma realidade de natureza objetiva ou produto da cognição do indivíduo; se é uma realidade que é dada "lá fora" no mundo ou é produto da propriamente?

Associados com esta questão ontológica, há um segundo conjunto de pressupostos de natureza epistemológica. Estes são pressupostos sobre as bases do conhecimento - de como alguém poderia começar a entender o mundo e transmitir este conhecimento para seus semelhantes em forma de comunicação. Estes pressupostos abarcam idéias, por exemplo, sobre que formas de conhecimento podem ser obtidas, e como alguém pode separar o que é para ser visto como "verdadeiro" do que é para ser visto como "falso". Na verdade esta dicotomia de "falso" e "verdadeiro" por si só pressupõe uma certa posição epistemológica. Ela é atribuída mediante uma visão da própria natureza do conhecimento: se, por exemplo, o conhecimento é algo sólido, real e capaz de ser transmitido de modo tangível ou é algo mais maleável, subjetivo, espiritual ou mesmo transcendental, baseado na experiência e no insight de natureza única e essencialmente pessoal. Os pressupostos epistemológicos nestes exemplos determinam posições extremas na questão de se por um lado o conhecimento ser algo que pode ser adquirido ou se por outro lado é algo que tem que ser experimentado pessoalmente.

Associado com as questões ontológicas e epistemológicas, mas conceitualmente separada delas, está um terceiro conjunto de pressupostos relacionados com a natureza humana e, em particular, a relação entre os seres humanos e seu ambiente. Fica bem claro que toda ciência social deve ser predita mediante este tipo de pressuposto, uma vez que a vida humana é essencialmente o sujeito e o objeto da investigação. Portanto, podemos identificar em ciência social perspectivas que vinculam uma visão dos seres humanos respondendo, em um mecânico ou mesmo em uma forma determinista, a situações encontradas em seu mundo exterior. Esta visão

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tende a ser uma em que os seres humanos e suas experiências são vistos como produtos do ambiente; uma em que os humanos são condicionados por suas circunstâncias externas. Esta perspectiva extrema pode ser contrastada com uma outra que atribui aos seres humanos um papel muito mais criativo: uma perspectiva onde o "livre arbítrio" ocupa o centro do palco; onde o homem é olhado como criador de seu ambiente, controlador em vez de controlado, senhor ou invés de marionete. Nestas duas visões extremas da relação entre seres humanos e seus ambientes identificamos um grande debate filosófico entre os defensores do determinismo, por um lado e o voluntarismo por outro.

Os três conjuntos de pressupostos acima têm implicação direta de natureza metodológica. Cada um tem importantes conseqüências na maneira como se tenta investigar e obter "conhecimento" do mundo social. Diferentes ontologias, epistemologias e modelos de natureza humana levam os cientistas sociais a diferentes metodologias. A possível gama de escolhas é certamente tão grande que o que é visto como ciência pelo tradicional "cientista natural" cobre apenas uma pequena margem de opções. É possível, por exemplo, identificar metodologias empregadas em pesquisas na área de ciência social que tratam do mundo social como um mundo natural, como sendo sólido, real e externo ao indivíduo, e outros que percebem o mundo social como sendo muito mais maleável, pessoal e de qualidade mais subjetiva.

Se alguém subscreve a visão do primeiro tipo, que trata o mundo social como se ele fosse uma realidade concreta e objetiva, então o empreendimento científico é para colocar seu foco de análise nas relações e regularidades entre os vários elementos que o encerra. O interesse, portanto, é com a identificação e definição desses elementos e com a descoberta dos meios pelas quais as relações podem ser expressas. As questões metodológicas de importância são pois os próprios conceitos, suas medidas e a identificação dos temas subjacentes. Esta perspectiva expressa-se com muito mais força na busca de leis universais que explicam e governam a realidade que está sendo observada.

Se alguém subscreve a visão alternativa da realidade social, que enfatiza a importância da experiência subjetiva dos indivíduos na criação do mundo social, então a busca do entendimento coloca o seu foco nas diferentes questões e as aborda de diferentes maneiras. O interesse principal é com o entendimento da maneira como o indivíduo cria, modifica e interpreta o mundo no qual ele se descobre. Em casos extremos, a ênfase tende a ser colocada na explanação e no entendimento do que é único e particular ao indivíduo ao invés do que é geral e universal. Esta abordagem levanta a questão de se existe uma realidade externa digna de estudo. Em termos metodológicos esta é uma abordagem que enfatiza a natureza relativa do mundo social a um ponto tal que pode ser percebida como "anti-científica" ao tomar como referência as regras básicas aplicadas às ciências naturais.

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A dimensão subjetiva -objetiva

A abordagem subjetiva A abordagem objetiva

à ciência social à ciência social

Nominalismo ----------- ontologia ---------- Realismo

Antepositivismo ---- epistemologia -------- Positivismo

Voluntarismo ------ natureza humana ------- Determinismo

Ideográfico ---------- metodologia --------- Nomotético

Fig. 1.1. Esquema para analisar os pressupostos sobre a

natureza das ciências sociais.

Neste breve esboço dos vários pontos de apoio ontológicos, epistemológicos, humanos e metodológicos que caracterizam as abordagens à ciência social, temos procurado ilustrar duas perspectivas amplas e de certo modo polarizadas. A figura 1.1. busca retratar estas perspectivas em um modelo mais rigoroso em termos do que descrevemos como a dimensão objetiva - subjetiva. Este modelo identifica os quatro conjuntos de pressupostos que são relevantes para o entendimento da ciência social, caracterizando cada um por seus rótulos descritivos sob os quais eles têm sido debatidos na literatura de filosofia social. Na sessão seguinte deste capítulo faremos uma revisão de cada um destes quatro debates em necessariamente breves mas sistemáticos termos.

OS FIOS DO DEBATE.

O Debate Ontológico.: Nominalismo - realismo.1

Estes termos têm sido objeto de muita discussão na literatura e há grandes áreas de controvérsia em torno delas. A posição nominalista gira em torno do pressuposto de que o mundo social externo à cognição do indivíduo é construído de nada mais que

1. Para uma discussão mais profunda sobre o debate nominalismo - realismo, ver Kolakowski (1972),pp.15-16.

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nomes, conceitos e títulos que são usados para estruturar a realidade. O nominalista não admite a existência de qualquer estrutura 'real' para o mundo em que tais conceitos são usados para descrever. Os 'nomes' usados são vistos como criações artificiais cuja utilidade é baseada em suas conveniências como ferramentas para descrever, dar sentido de e negociar com mundo externo. O nominalismo é freqüentemente comparado com o convencionalismo, e nós não faremos qualquer distinção entre eles.1

O realismo, por outro lado, postula que o mundo social externo cognição do indivíduo, é um mundo real composto de estruturas concretas, tangíveis e relativamente imutáveis. Quer nós as percebamos e as rotulemos ou não, ainda assim, elas existem independentemente de nós, como entidades empíricas. Podemos até não estar conscientes de certas estruturas cruciais e apesar disto não termos 'nomes' ou conceitos para articulá-las. Para o realista, o mundo social existe independentemente de uma apreciação dele pelo indivíduo. O indivíduo nasce e vive dentro de um mundo social que tem sua própria realidade. Não há nada que o indivíduo possa criar - ele existe "lá fora". Ontologicamente ele é anterior à existência e consciência de qualquer ser humano em particular. Para o realista, o mundo social tem uma existência que é sólida e concreta como o mundo natural.2

O Debate Epistemológico: Positivismo - Antipositivismo.3

Tem se afirmado que a palavra 'positivista' do mesmo modo que a palavra 'burguesia' tem se tornado mais um epiteto depreciativo do que um conceito descritivo útil'.4 Temos a intenção de usá-lo aqui nesse último sentido, como um conceito descritivo que pode ser utilizado para caracterizar um tipo particular de epistemologia. Muitas das descrições do positivismo em uso corrente se refere a uma ou mais das dimensões ontológicas, epistemológicas e metodológicas de nosso esquema para analisar pressupostos com relação a ciência social. Ele é também algumas vezes erradamente equiparado com o empirismo. Tais misturas encobrem questões básicas e contribui para o uso do termo no sentido depreciativo.

Usamos o termo "positivista" aqui para caracterizar epistemologias que buscam explicar e predizer o que acontece no mundo social, pela procura de regularidades e relações causais entre seus elementos constituintes. A epistemologia positivista é, em essência, baseada nas abordagens tradicionais que dominam as ciências naturais. Os positivistas podem diferir em termos de abordagens detalhadas. Alguns poderiam defender, por exemplo, que regularidades estabelecidas como hipóteses podem ser verificadas através de um programa de pesquisa experimental adequado. Outros sustentam que hipóteses somente podem ser falsificadas e nunca demonstradas como

1. Kolakowski (1972), pp. 158 - 9. Em sua forma mais extrema o nominalismo não reconhece a existência de qualquer mundo fora dos domínios da consciência do indivíduo. Esta é a posição solipsista, que discutiremos em mais detalhes no Capítulo 6. 2. Para uma revisão mais abrangente do 'realismo', ver Keat e Urry (1975), pp. 27 - 45. Eles fazem muita distinção entre 'positivismo' e 'realismo' mas, como eles próprios admitem, estes termos são usados de uma maneira de certo modo não convencional. 3. Para uma maior discussão do debate positivismo - anti-positivismo ver, por exemplo, Giddens (1974) e Walsh (1972). 4. Giddens (1974), p. 1.

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"verdade"5. Contudo, tanto os verificacionistas como os falsificacionistas aceitam que o crescimento do conhecimento como um processo essencialmente cumulativo em que novas descobertas são adicionadas ao estoque de conhecimento existente e as falsas hipóteses eliminadas.

A epistemologia do anti-positivismo pode tomar várias formas porem se coloca firmemente contra a inutilidade da busca de leis e de regularidades subjacentes e de relações causais no mundo dos afazeres sociais. Para os anti-positivistas , o mundo social é essencialmente relativista e pode somente ser entendido do ponto de vista dos indivíduos que estão diretamente envolvidos nas atividades que estão sendo estudadas. Os anti-positivistas rejeitam o ponto de vista do 'observador', que caracteriza a epistemologia positivista, como um ponto vantajoso para entender as atividades humanas. Eles sustentam que uma pessoa somente pode 'entender' ocupando-se de um quadro de referência do participante na ação. a pessoa tem que entender a partir de dentro ao invés de fora. Deste ponto de vista a ciência social é vista como essencialmente subjetiva em lugar de um empreendimento objetivo. Os anti-positivistas tendem a rejeitar a noção de que a ciência pode gerar conhecimento objetivo de qualquer espécie.6

O Debate sobre a "Natureza Humana": Voluntarismo - Determinismo.

Este debate gira em torno do modelo de homem contido em uma dada teoria social científica. Em um extremo está a visão determinista que vê o homem e suas atividades como sendo completamente determinadas pela situação ou pelo ambiente em que ele se situa. No outro extremo identificamos a visão voluntarista do homem completamente autônomo e possuidor de livre arbítrio. Até onde alcançam as teorias sociais no que concerne o entendimento das atividades humanas, elas devem se inclinar implícita ou explicitamente para um ou outro destes pontos de vista, ou adotar um ponto intermediário que permite a influência tanto de fatores situacionais ou voluntários na constatação de atividades dos seres humanos. Tais pressupostos são elementos essenciais nas teorias sociais científicas, uma vez que define em termos amplos a natureza das relações entre o homem e a sociedade em que ele vive.7

O Debate Metodológico: Teoria Ideográfica - Nomotética.

A abordagem ideográfica à ciência social é baseada no ponto de vista que só se pode entender o mundo social pela obtenção, em primeira Mão, do conhecimento sob Investigação.

Esta abordagem coloca considerável ênfase no tornar-se mais próximo do subjetivo das pessoas e em explorar seus detalhados backgrounds e história de vida. A

5. Ver, por exemplo, Popper (1963). 6. Para uma boa ilustração de uma visão anti-positivista de ciência, ver Douglas (1970b),pp. 3 - 44.

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7. O debate sobre a natureza humana em seu mais amplo sentido envolve muitos outros aspectos que não nos referimos aqui O preciso modelo de homem a ser empregado em qualquer esquema analítico, contudo, está subscrito por pressupostos que refletem questões de voluntarismo-determinismo de uma maneira ou de outra. Isolamos aqui este elemento do debate como um meio de tratar a este nível mais básico um pressuposto necessário a todas as teorias sociais científicas que pretenda levar em conta as atividades humanas. Proposições detalhadas com relação a uma precisa explanação das atividades humanas de uma maneira ou de outra elaboram estes temas básicos.

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abordagem ideográfica enfatiza a análise das constatações subjetivas que uma pessoa gera ao 'penetrar' em situações e ao se envolver no fluxo da vida diária - a análise detalhada das descobertas geradas por tais encontros com o subjetivo da pessoa e as descobertas reveladas de constatações impressionísticas encontradas em diários, biografias e registros jornalísticos. O método ideográfico ressalta a importância de se deixar que o próprio subjetivo da pessoa revele sua natureza e características durante o processo de investigação.8

A abordagem nomotética à ciência social coloca ênfase na importância de basear pesquisa em protocolo sistemático e em técnica. Ela pode ser condensada nas abordagens e métodos empregados nas ciências naturais que focalizam o processo de testar hipóteses de acordo com os cânones do rigor científico. Ela está preocupada com a construção de testes científicos e no uso de técnicas quantitativas para a análise de dados. Pesquisa de dados, questionários, testes de personalidade e instrumentos de pesquisa padronizados de todos os tipos são proeminentes entre as ferramentas que compreende a metodologia nomotética.9

Analisando os Pressupostos sobre a Natureza da Ciência Social

Esses quatro conjuntos de pressupostos com relação a natureza da ciência social proporcionam uma poderosa ferramenta para a análise da teoria social. Na maioria da literatura há uma tendência a misturar os assuntos que estão envolvidos. Desejamos argumentar aqui que vantagens consideráveis decorrem de se tratar estas quatro linhas de debate cientifico-social como analiticamente distintos. Embora na prática haja freqüentemente uma forte relação entre as posições adotadas em cada uma das quatro linhas, os pressupostos sobre cada uma delas podem de fato variar grandemente. É de bom alvitre examinar este ponto em mais detalhe.

As posições extremas em cada uma das quatro linhas de debate estão refletidas nas duas principais tradições intelectuais que têm dominado a ciência social por mais de duas centenas de anos. A primeira destas é comumente descrita como "positivismo sociológico". Em essência esta reflete a tentativa de aplicar modelos e métodos derivados das ciências naturais ao estudo dos afazeres humanos. Ela trata o mundo social como ele fosse um mundo natural, adotando uma abordagem "realista" para a ontologia. Isto é apoiado por uma epistemologia "positivista", por uma visão da natureza humana relativamente "determinista" e pelo uso de metodologias "nomotéticas". A segunda tradição intelectual, do "idealismo Germânico", se coloca em completa oposição àquela. Em essência ela é baseada na premissa de que a realidade última do universo reside no "espírito" ou "idéia" em lugar de nos dados do sentido da 8. Para uma excelente discussão da abordagem ideográfica à ciência social, ver Blumer (1969), ch. 1. 9. É importante enfatizar aqui que tanto as metodologias nomotéticas como ideográficas podem ser empregadas num sentido indutivo e dedutivo. Enquanto o debate indutivo-dedutivo em ciência é objeto de considerável interesse e importância, não o vemos como sendo central para as quatro dimensões sugeridas aqui como meios de distinguir entre teorias sobre a natureza das ciências sociais. Que apesar disto, ele permanece uma questão metodológica importante, de relevância tanto para a sociologia como para a análise organizacional, dentro do contexto dos pressupostos explorados aqui.

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percepção. Ela é essencialmente nominalista em sua abordagem à realidade social. Em contraste com as ciências naturais, ela enfatiza a natureza essencialmente subjetiva dos afazeres humanos, negando a utilidade e a relevância dos modelos e métodos da ciência natural para os estudos neste campo. Ela é "anti-positivista" em epistemologia, "voluntarista" com relação a natureza humana e favorece os métodos ideográficos como fundamentação da análise social. O positivismo sociológico e o idealismo Germânico deste modo definem os extremos objetivo e subjetivo de nosso modelo.

Muitos sociólogos e teóricos de organização foram criados dentro da tradição do positivismo sociológico, sem se expor à doutrina básica do idealismo Germânico. Para eles a ciência social é vista como concordante com a configuração dos pressupostos que caracterizam o extremo objetivo de nosso modelo. Contudo, nos últimos setenta anos ou mais tem havido uma crescente interação entre estas duas tradições, particularmente no nível sócio-filosófico. Como resultado têm surgido pontos de vista, cada um deles com suas próprias configurações distintivas dos pressupostos sobre a natureza da ciência social. Eles todos desovaram teorias, idéias e abordagens características de suas posições intermediárias. Como argumentaremos em capítulos mais na frente, os desenvolvimentos em fenomenologia, etnometodologia e o quadro de referência da ação deverão ser entendidos nestes termos. Estas perspectivas, enquanto oferecendo sua própria marca de descoberta, têm sido freqüentemente usadas como almodas de lançamento para ataque ao positivismo social e têm gerado uma considerável quantidade de debates entre escolas de pensamento rivais. a natureza deste debate pode somente ser completamente entendido pela apreensão e apreciação de pressupostos diferentes que estão embasando os pontos de vista em competição.

É nosso contentamento que o esquema analítico oferecido aqui torne as pessoas capazes de fazer precisamente isto. Ele é oferecido não como um mero dispositivo classificatório, mas como uma importante ferramenta para transacionar a teoria social. Ele chama atenção para pressupostos chaves. Ele permite que as pessoas focalizem em questões precisas que diferenciam as abordagens sócio-cientificas. Chama também atenção para o grau de congruência entre os quatro conjuntos de pressupostos sobre a ciência social que caracterizam quaisquer dos pontos de vista de teóricos. Oferecemos aqui como a primeira dimensão principal de nosso esquema teórico para analisar a teoria em geral e a teoria organizacional em particular. Por conveniência podemos normalmente nos referir a ele como a dimensão "subjetiva - objetiva", dois rótulos descritivos que talvez capturem os pontos de comunalidade entre as quatro linhas analíticas.

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2. PRESSUPOSTOS SOBRE A NATUREZA DA SOCIEDADE..

O debate Ordem - Conflito.

Os últimos vinte anos ou mais têm testemunhado um número de tentativas de sociólogos em delinear as diferenças que separam as várias escolas de pensamento e os pressupostos meta-sociólogicos que elas refletem.

Foram Dahrendorf (1959) e Lockwood (1956) quem iniciaram a distinção entre aquelas abordagens à sociologia que se concentraram em explanar a natureza da ordem e do equilíbrio social por um lado, e daquelas que tinham mais a ver com problemas de mudança, conflito e coerção nas estruturas sociais por outro. Os "teóricos da ordem" eram bem mais numerosos do que os "teóricos do conflito".

Muitos sociólogos vêem agora este debate como morto ou como tendo sido um não-debate, de certo modo espúrio, por entenderem ser o conflito um aspecto social funcional e, portanto, uma variável dentro dos limites de teorias que são primordialmente engendradas para explanar a ordem social. Neste sentido as visões de ordem e conflito da sociedade são os dois lados da mesma moeda. Por conta deste argumento, deixou-se de lado o debate ordem - conflito, e na esteira do movimento de contracultura dos anos 60, os sociólogos ortodoxos se tornaram mais interessados e envolvidos com os problemas do "indivíduo" em oposição àqueles da "estrutura" da sociedade em geral. A influência dos movimentos "subjetivistas" tais como a fenomenologia, a etnometodologia e a teoria de ação, tornaram-se muito mais atrativos e mais merecedores de atenção.

No entanto, no entender de Burrel & Morgan, ao revisar as fontes intelectuais e os fundamentos do debate - ordem e conflito - se é forçado a concluir que este debate teve uma morte prematura. Dahrendorf e Lockwood pensaram em revitalizar o trabalho de Marx através de seus escritos e a resgatá-los conduzindo-os a um lugar central na teoria sociológica, uma vez que Marx sempre foi grandemente ignorado por renomados sociólogos, pela enorme influência de Durkheim, Weber e Pareto, cujo principal interesse era o da ordem social. Era em Marx que estava a preocupação com o papel do conflito como uma força impulsora por traz da mudança social. Dito desta maneira, portanto, o debate está comprometido com diferenças de perspectivas e de interesses de teóricos sociais proeminentes do século dezenove e inicio do século vinte. A sociologia moderna tem feito pouco mais do que articular e desenvolver os temas básicos iniciados por aqueles pioneiros da análise social.

Não se pode ignorar as substanciais diferenças entre os trabalhos de Marx e os de Durkheim, Weber e Pareto. Qualquer um familiar com os trabalhos destes teóricos e conscientes da profunda divisão que existe entre Marxismo e sociologia é forçado a admitir que há diferenças fundamentais, que ainda estão longe de serem conciliadas.

Para melhor entender a questão voltemos ao trabalho de Dahrendorf que pode ser esquematizado como a seguir:

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Tabela 2.1

Duas teorias da sociedade: "ordem" e "conflito"

___________________________________________________________

A “ordem” ou "integracionismo" O "conflito" ou "coerção"

visa visa

____________________________________________________________

Estabilidade Mudança

Integração Conflito

Coordenação Funcional Desintegração

Consenso Coerção

____________________________________________________________

Embora represente uma supersimplificação, esta conceituação fornece uma útil ferramenta para se distinguir as diferenças entre os dois pontos de vista. A tentativa de incorporar a noção de "conflito" como mecanismo de integração é forçar muito a barra. Não se pode simplesmente incorporar a dimensão conflito/integração dentro do interesse da sociologia tradicional para explicar a ordem. A falácia desta posição torna-se clara se consideramos formas extremas de conflito tais como conflito de classe, revolução e guerra, que somente podem ser incorporados ao modelo integracionista, por maior que seja o alongamento da imaginação. Não se pode igualar conflitos macroestruturais com conflitos funcionais, como os identificados por Coser (1956). Há uma importante questão de gradação a ser considerada ao dicotomizar integração x conflito; na realidade a distinção entre os dois é muito mais a de um contínuo do que a maioria dos escritores têm reconhecido.

Um outro aspecto do esquema de Dahrendorf tido como problemático reside na distinção entre consenso e coerção. Embora pareça óbvio e claro, ao focar em valores compartilhados por um lado, e em imposição de algum tipo de força por outro, isto implica em certa ambigüidade. De onde provem os valores compartilhados? São eles adquiridos autonomamente ou impostos sobre alguns membros da sociedade por outros? Estas questões identificam a possibilidade de que consenso pode ser o produto do uso de alguma forma de força coercitiva. Wright Mills (1959), por exemplo, nos chama a atenção para o que Parsons e outros grandes teóricos chamam de "orientações para valores" e "estrutura normativa" como tendo muito a ver com símbolos dominantes de legitimação. A estrutura normativa aqui - que Dahrendorf teria visto como consenso - é tratada como um sistema legitimando a estrutura de poder. Do ponto de vista de Mills, ela reflete o fato de dominação. Em outras palavras, os valores compartilhados podem ser vistos não somente como um índice de grau de integração que caracteriza uma sociedade, como um que reflete o sucesso das forças de dominação de uma sociedade predisposta a desintegração. De um ponto de vista , idéias compartilhadas, valores e normas são algo a ser preservado; de outro, eles representam um modo de dominação que o homem necessita se livrar. A dimensão consenso/coerção pode assim ser vista como focalizando assuntos de controle social.

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Ao distinguir entre estabilidade e mudança como aspectos respectivamente de ordem e conflito, o modelo de Dahrendorf abre a possibilidade interpretação errônea, ainda que ele explicite que afirmou não ter a intenção de concluir que a teoria da ordem admite que a sociedade é estática. Seu interesse foi mostrar como as teorias funcionais são essencialmente envolvidas com aqueles processos que servem para manter os padrões do sistema como um todo. Em outras palavras, as teorias funcionais são vistas como estáticas no sentido em que estão interessadas na explanação do status quo. Neste respeito as teorias de conflito são claramente de natureza diferente; elas estão comprometidas com, e buscam explicar, o processo e a natureza da mudança estrutural profundamente assentada na sociedade, em oposição à mudança de natureza mais superficial e efêmera da teoria da ordem.

Nota do tradutor: Estes dois aspectos de mudança têm muito a ver com o meu trabalho. Não estou interessado nessa mudança superficial e efêmera das teorias organizacionais funcionalistas e, como tal, me distancio das estratégias de D.O e de outras tantas de natureza semelhante. O atalho que Argyris tomou e que estou seguindo com os devidos cuidados, ataca de frente a estrutura normativa da sociedade pela raiz: os valores governantes básicos que orientam as ações dos indivíduos nas suas relações com o outro e/ou com o contexto. Embora não se possa afastar o caráter funcional da busca de eficiência e eficácia, o certo é que o questionamento de valores governantes contidos na estrutura normativa da sociedade (e por extensão, das organizações), pode levar, e esperamos que efetivamente leve , a profundas mudanças nas organizações, a partir da reestruturação cognitiva dos indivíduos.

As noções de Dahrendorf de coordenação funcional e de desintegração pode ser vista como constituindo uma das mais poderosas linhas de pensamento que distingue ordem de conflito. Todavia, há também lugar para interpretações errôneas. Seu conceito de integração deriva do interesse funcionalista com a contribuição que os elementos de um sistema fazem para o todo. Isto é uma super-simplificação, não só porque há disfunções (Merton, 1948) como também porque, como o próprio trabalho de Dahrendorf sugere, várias partes de um sistema podem ter um alto grau de autonomia e podem contribuir muito pouco para a integração do sistema como um todo.

Por esta razão pode se tornar bem mais claro se a posição da teoria do conflito, nesta dimensão, tivesse sido apresentada em termos mais radicais e distintos. Há muito mais na teoria Marxiana, por exemplo, no que se refere a noção de contradição e de incompatibilidade básica entre diferentes elementos da estrutura social. Contradição implica em heterogeneidade, desequilíbrio e forças sociais essencialmente antagônicas e divergentes. Argumentar que o conceito de contradição pode ser abarcado pela análise funcional, requer um ato de fé ou, no mínimo um considerável vôo de imaginação.

Alinhados com esta análise, os autores (B&M) argumentam que a tentativa de reduzir os dois modelos a uma base comum ignora as diferenças fundamentais que existem entre elas. A teoria do conflito baseado no conflito estrutural, profundamente arraigado e relacionado com transformações radicais da sociedade, não é consistente com a perspectiva funcionalista.

'Regulação" e "Mudança Radical".

As expressões "regulação" e "mudança radical" sugeridas pelos autores, substituem com vantagens as noções de ordem e conflito até agora discutidas.

O termo sociologia da regulação refere-se aos escritos dos teóricos que estão primordialmente interessados em prover explanações da sociedade em termos que enfatizam sua unidade subjacente e coesão. É uma sociologia essencialmente interessada na necessidade de regulação dos afazeres humanos; as questões básicas que ela faz tende a focar na necessidade de entender porque a sociedade é mantida como uma entidade. O trabalho de Durkheim, com sua

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ênfase na natureza da coesão e da solidariedade social, por exemplo, dá uma clara e compreensiva ilustração de um interesse pela sociologia da regulação.

A sociologia da mudança radical se contrapõe à sociologia da regulação naquilo em que seu interesse básico é descobrir explicações para a mudança radical, para o conflito estrutural profundamente arraigado, para os modos de dominação e das contradições estruturais que os teóricos vêem como caracterizando a moderna sociedade. É a sociologia interessada essencialmente com a emancipação do homem de suas estruturas, que limitam e impedem seu potencial de desenvolvimento. As questões básicas que ela faz, focalizam na privação do homem , tanto material como psíquica. É freqüentemente visionária e utópica, naquilo que olha como potencialidade, muito mais do que como realidade presente; está interessada no que é possível, mais do que com o que a coisa é; com alternativas, mais do que com a aceitação do status quo. A tabela 2.2 sumariza a situação.

Tabela 2.2.

A dimensão regulação - mudança radical.

____________________________________________________________

REGULAÇÃO MUDANÇA RADICAL

tem a ver com: tem a ver com:

_________________________________________________________

(a) o status quo (a) mudança radical

(b) ordem social (b) conflito estrutural

(c) consenso (c) modos de DOMINAÇÃO

(d) INTEGRAÇÃO e COESÃO social (d) CONTRADIÇÃO

(e) solidariedade (e) emancipação

(f) satisfação de necessidade (f) privação

g) realidade presente (g) potencialidade

____________________________________________________________

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BURREL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heineman, London, l979.

(tradução livre do profº. Wellington Martins, EA/UFBa.)

3. DUAS DIMENSÕES : QUATRO PARADIGMAS.

Do que até agora foi examinado, pode-se observar que os pressupostos sobre a natureza da ciência estão contidos numa dimensão: subjetiva - objetiva; e os pressupostos sobre a natureza da sociedade em uma dimensão: regulação - mudança radical, como se pode ver na Figura 3.1 abaixo.

A SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL

SUBJETIVO OBJETIVO

Humanismo Estruturalismo

radical radical

Interpretativo Funcionalismo

A SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO

Figura 3.1. Quatro paradigmas para análise da teoria social.

Dentro da sociologia da regulação o debate tem surgido entre a sociologia interpretativa o funcionalismo. Na esteira do tratado de Berger & Luckman (1966) sobre a sociologia do conhecimento, no trabalho de Garfinkel (1967) sobre etnometodologia e no ressurgimento geral do interesse na fenomenologia, o status questionável dos pressupostos ontológico e epistemológico da perspectiva funcionalista tem sido crescentemente exposto.

Similarmente, dentro do contexto da sociologia da mudança radical tem havido uma divisão entre os teóricos que adotam os pontos de vista subjetivo e objetivo da sociedade. Este debate foi, em grande medida, liderado pela publicação na França (1966) e na Inglaterra (1969) do trabalho de Louis Althusser chamando a atenção para a "quebra epistemológica" do trabalho de Marx, que enfatizou a polarização dos teóricos Marxistas em dois campos: aqueles que enfatizavam os aspectos subjetivos (por exemplo, Lukács, e a Escola de Frankfurt) e aqueles que advogavam mais abordagens objetivas tais como as daqueles associados ao estruturalismo Althussiano.

O debate entre as sociologias da regulação e da mudança radical que aconteceu na segunda metade dos anos 60, foi substituído por um diálogo interno dentro do contexto de escolas de pensamento separadas. Ao se voltarem para elas próprias e ao defenderem suas posições com relação a dimensão subjetivo - objetivo, negligenciaram a dimensão mudança-regulação radical.

No momento já existe amadurecimento para considerações do caminho a frente, e os autores submetem as duas independentes dimensões chaves de análise que ressuscitam os assuntos sociológicos dos anos 60 e os colocam ao daqueles do fim dos anos 60 e inicio dos anos 70.

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Tomados em conjunto, eles distinguem 4 paradigmas distintos: o humanismo radical, o estruturalismo radical, Interpretativo e funcionalista.

Natureza e Usos dos Quatro Paradigmas.

Vemos os 4 paradigmas definidos por pressupostos metateóricos muito básicos que subscrevem o quadro de referência , o modo de teorizar e o modus operandi dos teóricos sociais que operam dentro deles. É um termo que tem a intenção de enfatizar o que tem de comum nas perspectivas que liga o trabalho de um grupo de teóricos de tal modo que podem ser usualmente vistos como abordando uma teoria social dentro dos limites da mesma problemática.

Esta definição não implica completa unidade de pensamento. O paradigma tem uma unidade subjacente em termos de seus pressupostos básicos e freqüentemente "tidos como verdades" que separam um grupo de teóricos de maneira fundamentalmente diferente de teóricos localizados em outros paradigmas. A unidade do paradigma portanto deriva da referência a pontos de vista alternativos da realidade que se posiciona alem de suas fronteiras e que pode não ser necessariamente nem mesmo reconhecido como existente.

Os 4 paradigmas tomados em conjunto fornecem um mapa para negociar a área sujeito, que oferece uma maneira conveniente de identificar similaridades básicas e diferenças o trabalho dos vários teóricos e, em particular, os quadros de referência subjacentes que eles adotam. Também fornece uma conveniente meio de localizar o próprio quadro de referência com relação a teoria social, e deste modo um meio de entender porque certas teorias e perspectivas podem ter mais atrativo pessoal do que outras. Como qualquer outro mapa, ele fornece uma ferramenta para estabelecer onde estão, onde esteve e pra onde se é possível ir no futuro.

Um fato que merece atenção é que os 4 paradigmas são mutuamente exclusivos. Eles oferecem pontos de vista alternativos sobre a realidade social.

O Paradigma Funcionalista.

Este paradigma tem provido um quadro dominante na condução da sociologia acadêmica e no estudo das organizações É firmemente enraizado na sociologia da regulação e aborda o sujeito principal de um ponto de vista objetivista. Caracteriza-se pelo interesse em dar explicações do status quo , da ordem social, da integração social, da solidariedade, e da necessidade de satisfação e atualização. Ele aborda estes assuntos sociológicos gerais sob o ponto de vista que tende para ser realista, positivista, determinista e nomotético.

Está voltado para explanações essencialmente racionais de assuntos sociais. Altamente pragmático em orientação, freqüentemente orientado para o problema, envolvido em prover soluções práticas. É usual e firmemente envolvido com a filosofia de engenharia social como base para a mudança social, enfatizando a importância de entender a ordem, o equilíbrio e a estabilidade na sociedade e os meios pelos quais eles podem ser mantidos. Está envolvida com a efetiva regulação e controle dos affairs sociais

Originado na França nas primeiras décadas do século XIX, recebeu suas maiores influências através dos trabalhos de Augusto Comte, Herbert Spencer, Emile Durkheim e Valfrido Pareto. A abordagem funcionalista à ciência social tende a assumir que o mundo social é composto de artefatos empíricos relativamente concretos e de relações que podem ser identificadas, estudadas e medidas através de abordagens derivadas das ciências naturais.

Para ilustrar, vejamos o trabalho de Durkheim. Central em sua posição foi a idéia de que os "fatos sociais" existem fora da consciência dos homens, e restringe o homem em suas atividades diárias.

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Desde as primeiras décadas do século XX que o paradigma funcionalista tem sido influenciado por elementos do idealismo Germânico de pensamento social. Através dos trabalhos de Weber, George Simmel e George Herbert Mead, a abordagem idealista tem sido utilizada no contexto das teorias sociais numa tentativa de fazer a ponte entre as duas tradições. Assim fazendo, esqueceram algumas perspectivas teóricas características da última região do “objetivismo", fronteiriça do paradigma interpretativo. Tais teorias têm rejeitado o uso de analogias mecânicas e biológicas no estudo do mundo social e tem introduzido idéias que colocam ênfase na importância de entender o mundo social do ponto de vista dos atores que estão realmente engajados no desempenho das atividades sociais.

A partir dos anos 40 tem havido também uma infusão de certas influências Marxistas características da sociologia da mudança radical que tem ajudado a radicalizar a teoria funcionalista e a recusar a pecha geral de que o funcionalismo é essencialmente conservador e incapaz de prover explicações para a mudança social.

A SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL

SUBJETIVO OBJETIVO

Idealismo Germânico Teoria Marxista

SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO Positivismo sociológico

Fig. 3.2. Influências intelectuais sobre o paradigma funcionalista.

Cruamente falando, a formação do paradigma funcionalista pode ser entendido em termos da interação de três conjuntos de forças intelectuais: a teoria marxista, o idealismo germânico e o positivismo sociológico, sendo esta última a mais influente. O cruzamento destas forças tem dado lugar a um numero de distintas escolas de pensamento. Na sociologia as principais são : o objetivismo, a teoria dos sistemas sociais, a teoria integrativa e a escola do interacionismo e da teoria da ação social. Na análise das organizações as principais são: o objetivismo, a teoria do sistema social, o pluralismo, as teorias das disfunções burocráticas e o quadro de referência da ação.

O Paradigma Interpretativo.

Embora identificado com a sociologia da regulação o paradigma interpretativo é informado por um interesse em entender o mundo como ele é, mas de entender a natureza fundamental do mundo social ao nível da experiência subjetiva. Ele busca explanação dentro do reino da consciência individual e da subjetividade, dentro do quadro de referência do participante, em oposição ao do observador da ação. É nominalista, antepositivista, voluntarista e ideográfico. Através dele se vê o mundo social como um processo social emergente que foi criado pelos indivíduos envolvidos. A realidade social não tem existência fora da consciência de qualquer indivíduo em particular ; é visto como sendo pouco mais do que uma rede de pressupostos e de significados compartilhados inter-subjetivamente

A sociologia interpretativa está interessada em entender a essência do mundo do dia a dia. Em termos do esquema analítico dos autores, está envolvida com assuntos relacionados com a natureza do status quo, da ordem social, do consenso, da integração e coesão, e da solidariedade e atualização.

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O paradigma interpretativo é também produto direto do idealismo Germânico. Seus fundamentos vêm do trabalho de Kant e reflete a filosofia social que enfatiza essencialmente a natureza espiritual do mundo social. No princípio do século sofreu a influência dos neo-idealistas tais como Dilthey, Weber, Husserl e Schutz. Em termos sociológicos nota-se 4 grandes correntes: a hermenêutica, a sociologia fenomenológica, a fenomenologia e o solipsismo. Em termos da teoria das organizações: a etnometodologia e o interacionismo simbólico fenomenológico.

A fig. 3.3 e 3.4 ilustram a maneira como o paradigma foi explorado tomando como referência nosso interesse na teoria social e no estudo das organizações. Enquanto tenha havido um pequeno número de tentativas de estudar os conceitos de organização e situações a partir deste ponto de vista, o paradigma não gerou muitas teorias organizacionais. Como ficará claro a partir de nossa análise, há boas razões para isto. As premissas do paradigma interpretativo questionam se as organizações existem senão no sentido conceitual e, como tal, desafia a validade dos pressupostos ontológicos subjacentes às abordagens funcionalistas da sociologia em geral e ao estudo das organizações em particular.

O Paradigma do Humanismo Radical.

É definido por seu interesse em desenvolver a sociologia da mudança radical. de um ponto de vista subjetivista. Vê o mundo social de uma perspectiva que tende a ser nominalista, antepositivista, voluntarista e ideográfica. Seu quadro de referência está envolvido com uma visão da sociedade que enfatiza a importância de destruir ou de transcender as limitações dos arranjos sociais existentes.

Uma das noções mais básicas que subjacem o todo deste paradigma é o de que a consciência do homem é dominada pelas superestruturas ideológicas com o qual ele interage, e que estas dirigem uma cunha cognitiva entre o próprio indivíduo e a verdadeira consciência. Esta cunha é a da "alienação" ou da "falsa consciência" que inibe ou evita o verdadeiro preenchimento humano. O maior interesse dos teóricos abordando a condição humana nestes termos é o de livrar o ser humano das restrições que os arranjos sociais colocam sobre o desenvolvimento humano. Critica-se o status quo. Vê-se a sociedade como anti-humana e se está interessado em articular meios para que os seres humanos possam transcender os vínculos e grilhões que os prendem aos padrões sociais existentes e, portanto, a realizar seu potencial pleno.

O humanismo radical coloca ênfase na mudança radical, nos modos de dominação, emancipação, potencialidade e privação. Os conceitos de conflito estrutural e de contradição não figuram proeminentemente nesta perspectiva, desde que elas são características de visões mais objetivas contidas no estruturalismo radical. A principal ênfase do humanismo radical é na consciência humana. Deriva também do idealismo Germânico, particularmente expresso nos trabalhos de Kant e Hegel (como reinterpretado nos escritos do jovem Marx). É através de Marx que a tradição idealista foi primeiro utilizada como base da filosofia social radical, e muitos humanistas radicais têm derivado sua inspiração desta fonte. Em essência Marx inverteu o quadro de referência refletido no idealismo Hegeliano e deste modo forjou a base do humanismo radical. O paradigma também tem sido influenciado por uma infusão da fenomenologia de Husserl.

Foram Luckács e Gramsci quem reviveram o interesse na interpretação subjetiva da teoria Marxista. Este interesse foi encampado pelos membros da Escola de Frankfurt, particularmente Habermas e Marcuse. A filosofia existencialista de Sartre também pertence a este paradigma, do mesmo modo que os escritos de Illich, Castaneda e Laing. Cada um deles, a sua maneira, dividem um interesse comum pela libertação da consciência e da experiência de dominação pelos vários aspectos da superestrutura ideológica do mundo social dentro da qual os homens

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vivem fora de suas vidas. Eles buscam mudar o mundo social através da mudança nos modos de cognição e consciência

A fig. 3.3 e 3.4 mais uma vez proporciona um grosseiro e pronto sumário da maneira como este paradigma tem sido explorado em termos da teoria social e do estudo das organizações. Como argumentaremos no Capítulo 9, os escritores que têm algo a dizer sobre as organizações a partir desta perspectiva têm colocado as bases de uma nascente teoria anti-organização. Em essência o humanismo radical é baseado na inversão. Não seria surpresa, portanto, que a teoria anti-organização inverte a problemática que define a teoria da organização funcionalista em todos os sentidos.

O Paradigma do Estruturalismo Radical.

Os teóricos localizados dentro deste paradigma advogam a sociologia da mudança radical sob o ponto de vista objetivista. Embora com muitas similaridades com a teoria funcionalista, ela é dirigida para fins fundamentalmente diferentes. O estruturalismo radical está comprometido com mudança radical, emancipação e potencialidade, em uma análise que enfatiza conflito estrutural, modos de dominação, contradição e privação. Ele aborda estes assuntos gerais do ponto de vista realista, positivista, determinista e nomotético.

Enquanto o humanismo radical forja sua perspectiva focando a consciência , o estruturalismo radical se concentra nas relações estruturais dentro de um mundo social real. Os estruturalistas enfatizam o fato de que a mudança radical se constrói na verdadeira natureza e estrutura da sociedade contemporânea, e buscam prover explanações das inter-relações básicas dentro do contexto total das formações sociais. Há um amplo debate dentro do paradigma, e diferentes teorias chamam a atenção de papeis de diferentes forças como meios de explicar a mudança social. Enquanto alguns focalizam nas contradições internas profundamente arraigadas, outros focam nas estruturas e nas análises das relações de poder. Comum a todos os teóricos é a visão de que a sociedade contemporânea se caracteriza por conflitos fundamentais que geram mudança radical através de crises políticas e econômicas. É através de tais conflitos e mudanças que a emancipação dos homens das estruturas sociais em que eles vivem é vista como acontecendo.

O principal fonte de debate intelectual provem dos trabalhos do Marx maduro, após a "quebra epistemológica" em seu trabalho. Dentro da teoria social Russa destacam-se os nomes de Engels, Plekhanov, Lênin e Bukarin. Entre os estruturalistas radicais fora do reino da teoria social Russa, destacam-se Althusser, Poulantzas, Colleti e vários sociólogos Marxistas da Nova Esquerda. Há também a forte influência Weberiana que já se fez referência acima, através dos trabalhos de Darhrendorf e Lockwood, alem de outros.

Em termos de teoria sociológica, o estruturalismo radical é composto da teoria social Russa, da teoria do conflito e do marxismo Mediterrâneo contemporâneo. Quanto a escolas de análise organizacional há menção apenas a teoria da organização radical.

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BURREL & MORGAN, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heineman, London, l979.

(tradução livre do profº. Wellington Martins, EA/UFBa.)

3. DUAS DIMENSÕES : QUATRO PARADIGMAS.

Do que até agora foi examinado, pode-se observar que os pressupostos sobre a natureza da ciência estão contidos numa dimensão: subjetiva - objetiva; e os pressupostos sobre a natureza da sociedade em uma dimensão: regulação - mudança radical, como se pode ver na Figura 3.1 abaixo.

A SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL

SUBJETIVO OBJETIVO

Humanismo Estruturalismo

radical radical

Interpretativo Funcionalismo

A SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO

Figura 3.1. Quatro paradigmas para análise da teoria social.

Dentro da sociologia da regulação o debate tem surgido entre a sociologia interpretativa o funcionalismo. Na esteira do tratado de Berger & Luckman (1966) sobre a sociologia do conhecimento, no trabalho de Garfinkel (1967) sobre etnometodologia e no ressurgimento geral do interesse na fenomenologia, o status questionável dos pressupostos ontológico e epistemológico da perspectiva funcionalista tem sido crescentemente exposto.

Similarmente, dentro do contexto da sociologia da mudança radical tem havido uma divisão entre os teóricos que adotam os pontos de vista subjetivo e objetivo da sociedade. Este debate foi, em grande medida, liderado pela publicação na França (1966) e na Inglaterra (1969) do trabalho de Louis Althusser chamando a atenção para a "quebra epistemológica" do trabalho de Marx, que enfatizou a polarização dos teóricos Marxistas em dois campos: aqueles que enfatizavam os aspectos subjetivos (por exemplo, Lukács, e a Escola de Frankfurt) e aqueles que advogavam mais abordagens objetivas tais como as daqueles associados ao estruturalismo Althussiano.

O debate entre as sociologias da regulação e da mudança radical que aconteceu na segunda metade dos anos 60, foi substituído por um diálogo interno dentro do contexto de escolas de pensamento separadas. Ao se voltarem para elas próprias e ao defenderem suas posições com relação a dimensão subjetivo - objetivo, negligenciaram a dimensão mudança-regulação radical.

No momento já existe amadurecimento para considerações do caminho a frente, e os autores submetem as duas independentes dimensões chaves de análise que ressuscitam os assuntos sociológicos dos anos 60 e os colocam ao daqueles do fim dos anos 60 e inicio dos anos 70.

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Tomados em conjunto, eles distinguem 4 paradigmas distintos: o humanismo radical, o estruturalismo radical, Interpretativo e funcionalista.

Natureza e Usos dos Quatro Paradigmas.

Vemos os 4 paradigmas definidos por pressupostos metateóricos muito básicos que subscrevem o quadro de referência , o modo de teorizar e o modus operandi dos teóricos sociais que operam dentro deles. É um termo que tem a intenção de enfatizar o que tem de comum nas perspectivas que liga o trabalho de um grupo de teóricos de tal modo que podem ser usualmente vistos como abordando uma teoria social dentro dos limites da mesma problemática.

Esta definição não implica completa unidade de pensamento. O paradigma tem uma unidade subjacente em termos de seus pressupostos básicos e freqüentemente "tidos como verdades" que separam um grupo de teóricos de maneira fundamentalmente diferente de teóricos localizados em outros paradigmas. A unidade do paradigma portanto deriva da referência a pontos de vista alternativos da realidade que se posiciona alem de suas fronteiras e que pode não ser necessariamente nem mesmo reconhecido como existente.

Os 4 paradigmas tomados em conjunto fornecem um mapa para negociar a área sujeito, que oferece uma maneira conveniente de identificar similaridades básicas e diferenças o trabalho dos vários teóricos e, em particular, os quadros de referência subjacentes que eles adotam. Também fornece uma conveniente meio de localizar o próprio quadro de referência com relação a teoria social, e deste modo um meio de entender porque certas teorias e perspectivas podem ter mais atrativo pessoal do que outras. Como qualquer outro mapa, ele fornece uma ferramenta para estabelecer onde estão, onde esteve e pra onde se é possível ir no futuro.

Um fato que merece atenção é que os 4 paradigmas são mutuamente exclusivos. Eles oferecem pontos de vista alternativos sobre a realidade social.

O Paradigma Funcionalista.

Este paradigma tem provido um quadro dominante na condução da sociologia acadêmica e no estudo das organizações É firmemente enraizado na sociologia da regulação e aborda o sujeito principal de um ponto de vista objetivista. Caracteriza-se pelo interesse em dar explicações do status quo , da ordem social, da integração social, da solidariedade, e da necessidade de satisfação e atualização. Ele aborda estes assuntos sociológicos gerais sob o ponto de vista que tende para ser realista, positivista, determinista e nomotético.

Está voltado para explanações essencialmente racionais de assuntos sociais. Altamente pragmático em orientação, freqüentemente orientado para o problema, envolvido em prover soluções práticas. É usual e firmemente envolvido com a filosofia de engenharia social como base para a mudança social, enfatizando a importância de entender a ordem, o equilíbrio e a estabilidade na sociedade e os meios pelos quais eles podem ser mantidos. Está envolvida com a efetiva regulação e controle dos affairs sociais

Originado na França nas primeiras décadas do século XIX, recebeu suas maiores influências através dos trabalhos de Augusto Comte, Herbert Spencer, Emile Durkheim e Valfrido Pareto. A abordagem funcionalista à ciência social tende a assumir que o mundo social é composto de artefatos empíricos relativamente concretos e de relações que podem ser identificadas, estudadas e medidas através de abordagens derivadas das ciências naturais.

Para ilustrar, vejamos o trabalho de Durkheim. Central em sua posição foi a idéia de que os "fatos sociais" existem fora da consciência dos homens, e restringe o homem em suas atividades diárias.

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Desde as primeiras décadas do século XX que o paradigma funcionalista tem sido influenciado por elementos do idealismo Germânico de pensamento social. Através dos trabalhos de Weber, George Simmel e George Herbert Mead, a abordagem idealista tem sido utilizada no contexto das teorias sociais numa tentativa de fazer a ponte entre as duas tradições. Assim fazendo, esqueceram algumas perspectivas teóricas características da última região do “objetivismo", fronteiriça do paradigma interpretativo. Tais teorias têm rejeitado o uso de analogias mecânicas e biológicas no estudo do mundo social e tem introduzido idéias que colocam ênfase na importância de entender o mundo social do ponto de vista dos atores que estão realmente engajados no desempenho das atividades sociais.

A partir dos anos 40 tem havido também uma infusão de certas influências Marxistas características da sociologia da mudança radical que tem ajudado a radicalizar a teoria funcionalista e a recusar a pecha geral de que o funcionalismo é essencialmente conservador e incapaz de prover explicações para a mudança social.

A SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL

SUBJETIVO OBJETIVO

Idealismo Germânico Teoria Marxista

SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO Positivismo sociológico

Fig. 3.2. Influências intelectuais sobre o paradigma funcionalista.

Cruamente falando, a formação do paradigma funcionalista pode ser entendido em termos da interação de três conjuntos de forças intelectuais: a teoria marxista, o idealismo germânico e o positivismo sociológico, sendo esta última a mais influente. O cruzamento destas forças tem dado lugar a um numero de distintas escolas de pensamento. Na sociologia as principais são : o objetivismo, a teoria dos sistemas sociais, a teoria integrativa e a escola do interacionismo e da teoria da ação social. Na análise das organizações as principais são: o objetivismo, a teoria do sistema social, o pluralismo, as teorias das disfunções burocráticas e o quadro de referência da ação.

O Paradigma Interpretativo.

Embora identificado com a sociologia da regulação o paradigma interpretativo é informado por um interesse em entender o mundo como ele é, mas de entender a natureza fundamental do mundo social ao nível da experiência subjetiva. Ele busca explanação dentro do reino da consciência individual e da subjetividade, dentro do quadro de referência do participante, em oposição ao do observador da ação. É nominalista, antepositivista, voluntarista e ideográfico. Através dele se vê o mundo social como um processo social emergente que foi criado pelos indivíduos envolvidos. A realidade social não tem existência fora da consciência de qualquer indivíduo em particular ; é visto como sendo pouco mais do que uma rede de pressupostos e de significados compartilhados inter-subjetivamente

A sociologia interpretativa está interessada em entender a essência do mundo do dia a dia. Em termos do esquema analítico dos autores, está envolvida com assuntos relacionados com a natureza do status quo, da ordem social, do consenso, da integração e coesão, e da solidariedade e atualização.

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O paradigma interpretativo é também produto direto do idealismo Germânico. Seus fundamentos vêm do trabalho de Kant e reflete a filosofia social que enfatiza essencialmente a natureza espiritual do mundo social. No princípio do século sofreu a influência dos neo-idealistas tais como Dilthey, Weber, Husserl e Schutz. Em termos sociológicos nota-se 4 grandes correntes: a hermenêutica, a sociologia fenomenológica, a fenomenologia e o solipsismo. Em termos da teoria das organizações: a etnometodologia e o interacionismo simbólico fenomenológico.

A fig. 3.3 e 3.4 ilustram a maneira como o paradigma foi explorado tomando como referência nosso interesse na teoria social e no estudo das organizações. Enquanto tenha havido um pequeno número de tentativas de estudar os conceitos de organização e situações a partir deste ponto de vista, o paradigma não gerou muitas teorias organizacionais. Como ficará claro a partir de nossa análise, há boas razões para isto. As premissas do paradigma interpretativo questionam se as organizações existem senão no sentido conceitual e, como tal, desafia a validade dos pressupostos ontológicos subjacentes às abordagens funcionalistas da sociologia em geral e ao estudo das organizações em particular.

O Paradigma do Humanismo Radical.

É definido por seu interesse em desenvolver a sociologia da mudança radical. de um ponto de vista subjetivista. Vê o mundo social de uma perspectiva que tende a ser nominalista, antepositivista, voluntarista e ideográfica. Seu quadro de referência está envolvido com uma visão da sociedade que enfatiza a importância de destruir ou de transcender as limitações dos arranjos sociais existentes.

Uma das noções mais básicas que subjacem o todo deste paradigma é o de que a consciência do homem é dominada pelas superestruturas ideológicas com o qual ele interage, e que estas dirigem uma cunha cognitiva entre o próprio indivíduo e a verdadeira consciência. Esta cunha é a da "alienação" ou da "falsa consciência" que inibe ou evita o verdadeiro preenchimento humano. O maior interesse dos teóricos abordando a condição humana nestes termos é o de livrar o ser humano das restrições que os arranjos sociais colocam sobre o desenvolvimento humano. Critica-se o status quo. Vê-se a sociedade como anti-humana e se está interessado em articular meios para que os seres humanos possam transcender os vínculos e grilhões que os prendem aos padrões sociais existentes e, portanto, a realizar seu potencial pleno.

O humanismo radical coloca ênfase na mudança radical, nos modos de dominação, emancipação, potencialidade e privação. Os conceitos de conflito estrutural e de contradição não figuram proeminentemente nesta perspectiva, desde que elas são características de visões mais objetivas contidas no estruturalismo radical. A principal ênfase do humanismo radical é na consciência humana. Deriva também do idealismo Germânico, particularmente expresso nos trabalhos de Kant e Hegel (como reinterpretado nos escritos do jovem Marx). É através de Marx que a tradição idealista foi primeiro utilizada como base da filosofia social radical, e muitos humanistas radicais têm derivado sua inspiração desta fonte. Em essência Marx inverteu o quadro de referência refletido no idealismo Hegeliano e deste modo forjou a base do humanismo radical. O paradigma também tem sido influenciado por uma infusão da fenomenologia de Husserl.

Foram Luckács e Gramsci quem reviveram o interesse na interpretação subjetiva da teoria Marxista. Este interesse foi encampado pelos membros da Escola de Frankfurt, particularmente Habermas e Marcuse. A filosofia existencialista de Sartre também pertence a este paradigma, do mesmo modo que os escritos de Illich, Castaneda e Laing. Cada um deles, a sua maneira, dividem um interesse comum pela libertação da consciência e da experiência de dominação pelos vários aspectos da superestrutura ideológica do mundo social dentro da qual os homens

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vivem fora de suas vidas. Eles buscam mudar o mundo social através da mudança nos modos de cognição e consciência

A fig. 3.3 e 3.4 mais uma vez proporciona um grosseiro e pronto sumário da maneira como este paradigma tem sido explorado em termos da teoria social e do estudo das organizações. Como argumentaremos no Capítulo 9, os escritores que têm algo a dizer sobre as organizações a partir desta perspectiva têm colocado as bases de uma nascente teoria anti-organização. Em essência o humanismo radical é baseado na inversão. Não seria surpresa, portanto, que a teoria anti-organização inverte a problemática que define a teoria da organização funcionalista em todos os sentidos.

O Paradigma do Estruturalismo Radical.

Os teóricos localizados dentro deste paradigma advogam a sociologia da mudança radical sob o ponto de vista objetivista. Embora com muitas similaridades com a teoria funcionalista, ela é dirigida para fins fundamentalmente diferentes. O estruturalismo radical está comprometido com mudança radical, emancipação e potencialidade, em uma análise que enfatiza conflito estrutural, modos de dominação, contradição e privação. Ele aborda estes assuntos gerais do ponto de vista realista, positivista, determinista e nomotético.

Enquanto o humanismo radical forja sua perspectiva focando a consciência , o estruturalismo radical se concentra nas relações estruturais dentro de um mundo social real. Os estruturalistas enfatizam o fato de que a mudança radical se constrói na verdadeira natureza e estrutura da sociedade contemporânea, e buscam prover explanações das inter-relações básicas dentro do contexto total das formações sociais. Há um amplo debate dentro do paradigma, e diferentes teorias chamam a atenção de papeis de diferentes forças como meios de explicar a mudança social. Enquanto alguns focalizam nas contradições internas profundamente arraigadas, outros focam nas estruturas e nas análises das relações de poder. Comum a todos os teóricos é a visão de que a sociedade contemporânea se caracteriza por conflitos fundamentais que geram mudança radical através de crises políticas e econômicas. É através de tais conflitos e mudanças que a emancipação dos homens das estruturas sociais em que eles vivem é vista como acontecendo.

O principal fonte de debate intelectual provem dos trabalhos do Marx maduro, após a "quebra epistemológica" em seu trabalho. Dentro da teoria social Russa destacam-se os nomes de Engels, Plekhanov, Lênin e Bukarin. Entre os estruturalistas radicais fora do reino da teoria social Russa, destacam-se Althusser, Poulantzas, Colleti e vários sociólogos Marxistas da Nova Esquerda. Há também a forte influência Weberiana que já se fez referência acima, através dos trabalhos de Darhrendorf e Lockwood, alem de outros.

Em termos de teoria sociológica, o estruturalismo radical é composto da teoria social Russa, da teoria do conflito e do marxismo Mediterrâneo contemporâneo. Quanto a escolas de análise organizacional há menção apenas a teoria da organização radical.

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Burrel & Morgan, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Heinemann, London, 1979.

(tradução livre do Profº. Wellington Martins, EA/UFBa.)

4. SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA

Origens e tradição Intelectual.

Suas origens remontam as raízes da sociologia como disciplina, e às primeiras tentativas de filósofos sociais de aplicar as idéias e métodos das ciências naturais ao reino dos negócios sociais.

Devido a sua longa história, é difícil localizar um ponto inicial. Poderia se fazer um retrospecto ao pensamento político e social da antiga Grécia todavia, por conveniência pode-se começar a análise por Augusto Comte (1789-1857).

Comte pode ser visto como, o primeiro e mais importante sociólogo da unidade humana e social. Ele acreditava que o conhecimento e a sociedade estavam em um processo de transição evolutiva, e que a função da sociologia era de entender o necessário, indispensável e inevitável curso da história de tal modo a promover a realização de uma nova ordem social. A visão de Comte era de um mundo em que a “racionalidade” científica estava em ascendência, subjacendo a base de uma ordem social bem regulada.

Comte colocou os fundamentos de uma teorização sociológica característica do paradigma funcionalista. Baseado no modelo “positivo” das ciências naturais, utilizou analogias mecânicas e orgânicas, distinguiu entre estático (estrutura) e dinâmico (processo) e advogou um holismo metodológico. Iniciou importantes regras básicas para uma empresa sociológica dirigida a uma explanação da ordem e da regulação social.

Herbert Spencer (1820-1903) teve uma grande influência no desenvolvimento da sociologia nos anos 1870 e 1880. Sua principal contribuição foi uma mais detalhadas e extensivas maneiras de implicação da analogia biológica na sociologia. Influenciado pelo trabalho de Darwin, ele viu o estudo da sociologia como um estudo de evolução em sua forma mais complexa. Seu trabalho muito contribuiu para colocar as fundações para a análise do fenômeno social em termos de “estrutura” e “função”, elaborando a noção Comtiana de totalidade e a necessidade de entender as partes no contexto do todo.

Muitas das noções suportando o que hoje conhecemos como funcionalismo estrutural deriva do trabalho de Spencer. Sua visão da sociedade era de um sistema auto-regulado que podia ser entendido através do estudo de seus vários elementos ou órgãos e da maneira como eles se inter-relacionavam. Viu a sociedade como sendo estabelecida em um curso evolutivo de desenvolvimento em que as mudanças de estrutura eram caracterizadas por um processo de crescente diferenciação e integração. A idéia de evolução teve aplicabilidade universal e foi a chave para o entendimento tanto do mundo social como do natural.

Desde os anos 1880 Durkheim se orientou para o estudo das relações indivíduo-sociedade e de personalidade do indivíduo-solidariedade social. Ele viu as “sociedades tradicionais” como sendo mantidas na base de uma “solidariedade mecânica” derivando da similaridade das partes, tendo a “consciência” do indivíduo como “simples apêndice do tipo coletivo, que a segue em todos os seus movimentos”. A “consciência coletiva” era baseada em um sistema compartilhado

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de valores, normas e crenças. Na sociedade “industrial” com seu sistema extensivo de “divisão de trabalho” e de “diferenciação funcional” ele viu uma “solidariedade orgânica” emergindo da interdependência das partes.

Valfrido Pareto (1848-1923) ingressou na sociologia através da economia com vistas a suplementar teorias econômicas científicas baseado em seus pressupostos de lógica e de conduta racional, com uma teoria científica de conduta não-lógica e não-racional. Sua visão da sociedade era de um sistema de partes inter-relacionadas em que, embora em um estado de fluxo superficial continuo, estavam também em um estado de equilíbrio imutável, em que os movimentos fora da posição de equilíbrio eram contrabalançados por mudanças tendendo a restaurá-lo. Pareto viu no conceito de equilíbrio uma ferramenta útil para entender a complexidade da vida social.

Também devem ser incluídos na tradição funcionalista os sociólogos Alfred Marshall, Max Weber, John Stuart Mill, Georg Simmel, George Herbert Mead, e William James, dentre outros.

A Estrutura do Paradigma.

O paradigma funcionalista está identificado com 4 grandes categorias de pensamento : a) a teoria do sistema social; b) interacionismo e teoria da ação social; c) teoria integrativa; e d) objetivismo.

Teoria do Sistema Social.

Sob este título são consideradas 2 escolas de pensamento: o “funcionalismo estrutural” e a “teoria dos sistemas”, que tiveram importante impacto no campo da análise organizacional.

Construído sob os conceitos de holismo, inter-relação entre partes, estruturas, funções e necessidades, a analogia biológica tem sido desenvolvida para produzir uma perspectiva de ciência social firmemente enraizada na sociologia da regulação. Como teoria e método de análise o funcionalismo estrutural recebeu sua primeira expressão coerente da antropologia social através do estudo de sociedades de pequena escala, que proporcionaram situações ideais para aplicação de visão holística da sociedade num contexto empírico manejável. Dois nomes se sobressaem ai - Malinowski e Radcliffe-Brown.

A sobrepujante contribuição de Malinowski foi a de estabelecer a importância do trabalho de campo. Sua visão era de que “sociedade” e “cultura” deveriam ser olhados como um todo complexo e entendidas em termos de relações entre as várias partes e suas adjacências ecológicas. Organização social, religião, língua, economia, organização política, etc., deviam ser entendidas não mais como refletindo uma mentalidade primitiva ou um estágio de “sub desenvolvimento” mas em termos das funções desempenhadas.

Malinowski advogou uma explicação “funcionalista” onde argumentava que as características usuais ou especiais de sistemas sociais primitivos podiam ser entendidos em termos das funções que elas desempenhavam.

Radcliffe-Brown, por outro lado, especificamente reconheceu que o conceito de função, como aplicado às sociedades humanas, era baseado na analogia entre a vida social e a vida orgânica., e que ela tinha já recebido uma certa quantidade de consideração em filosofia e em sociologia. Desenvolvendo analogia com organismos animais, ele argumentou que as sociedades podiam ser conceituadas como redes de relações entre partes constituintes - “estruturas sociais”- que tinham uma certa continuidade. Nos animais como nas sociedades, a continuidade estrutural chama-se vida. A continuidade da vida de uma sociedade poderia ser concebida em termos do funcionamento de suas estruturas - daí a noção de “funcionalismo estrutural”.

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Teoria dos Sistemas.

Deste os anos 50 a “teoria dos sistemas” assumiu crescente importância nas várias correntes de análise social. Em sociologia, psicologia, antropologia, arqueologia, lingüística, teoria organizacional, relações industriais e muitas outras, a teoria dos sistemas estabeleceu-se como um importante método de análise.

A despeito de sua popularidade, a noção de sistema é ilusória. Muitos livros sobre teoria dos sistemas não oferecem uma definição formal do conceito de sistemas, e aqueles onde se tenta uma definição, esta é de considerável generalidade. As noções de “holismo” e de “interação” de partes não é exclusivo da teoria de sistemas, e definições genéricas nada mais são do que velhas conceituações travestidas de novos e desnecessários jargões complexos.

Contudo, a situação é ainda mais complicada do que isto. Von Bertalanffy usou a noção de sistema como meio de reduzir as diferenças substantivas que existem entre as diferentes disciplinas acadêmicas.Os sujeitos da química, física, biologia, sociologia, etc., se ligam em sua visão pelo fato de que estudam “elementos complexos que ficam em interação” ou seja, “sistemas”. A tarefa da teoria geral dos sistemas é descobrir princípios de organização que subjacem tais sistemas. Um de seus objetivos gerais é o de alcançar a “unidade da ciência” baseado nas “leis do isomorfismo em campos diferentes”(von Bertalanffy, 1956 p.8).

Em muitos aspectos o objetivo de Bertalanffy pode ser visto como arquétipo da perspectiva positivista: ele é baseado em pressupostos epistemológicos dominados por um interesse em buscar e explicar regularidades e uniformidades estruturais que caracterizam o mundo em geral. Isto difere da maioria dos positivistas, pois von Bertalanffy coloca-se firmemente contrário ao reducionismo que caracteriza a maioria das áreas de esforço científico que enfatiza modos de investigação baseados em métodos e princípios da física convencional. Ele busca uma alternativa: ao invés de reduzir todos os fenômenos estudados a eventos físicos, ele advoga o estudo deles como sistemas. Sua idéia de sistema tem contido um conceito organizativo (organizing concept).

Sua diferenciação entre sistema “aberto” e “fechado” é muito importante. Segundo Bertalanffy os sistemas “fechados” devem, de acordo com a segunda lei da termodinâmica, eventualmente atender a um estado de equilíbrio independente de tempo, com máxima entropia e um mínimo de energia livre, onde a razão entre suas fases permanece constante. Os sistemas abertos são bem diferentes, pois se engajam em transações com seu ambiente, “importando” e “exportando” energia do ambiente e se transformando em processo. O conceito de sistema aberto é essencialmente processual. O sistema aberto comporta uma variedade de situações: pode permanecer eventualmente estável, pode ser dirigido para um objetivo, evoluir, retornar, ou desintegrar-se. Um dos propósitos da teoria dos sistemas abertos é o de estudar um padrão de relações que caracteriza um sistema e as relações com seu ambiente, a fim de entender a maneira como ele opera. A abordagem dos sistemas abertos não traz consigo a implicação de que qualquer tipo particular de analogia seja apropriado para estudar todos os tipos de sistemas, uma vez que é possível discernir diferentes tipos de sistemas abertos na prática.

Os sistemas fechados, a despeito de suas deficiências largamente reconhecidas como construtos teóricos nas ciências sociais, são muito mais usados e tendem a ser baseados em analogias mecânicas e biológicas, recentemente, tem havido uma crescente atenção aos modelos cibernéticos como uma base de análise.

Interacionismo e Teoria da Ação Social.

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Como tradição intelectual tanto o interacionismo como a teoria da ação social podem ser entendidos como representando a fusão de certos aspectos do idealismo Germânico e do positivismo sociológico Anglo-germânico.

Interacionismo.

Georg Simmel (1858-1918) foi um filósofo e historiador que se tornou sociólogo. contribuindo livremente para uma ampla gama de áreas de investigação. Rejeitando os extremos das posições do idealismo Germânico e do positivismo Franco-germânico, argumentou em favor de uma análise de associação e interação humanas. Nas palavras de Coser (1965), ele estava interessado no estudo da sociedade como "um intrincado entrelaçamento de múltiplas relações estabelecidas entre indivíduos em constante interação uns com os outros. As estruturas supra individuais mais amplas - o estado, o clã, a família, a cidade, ou o sindicato - resultam das cristalizações destas interações, ainda que possam atingir autonomia e permanência e confrontar os indivíduos como se eles fossem poderes alheios. O principal campo de estudo para o estudante de sociedade é, pois, a associação e não a sociedade" (Coser, 1965, p. 5).

Simmel portanto, focou sua atenção nos seres humanos em seu contexto social. Ele estava interessado , acima de qualquer coisa, no que ele descreve como “interações entre os átomos da sociedade”. A maior parte de seu trabalho foi devotado à análise das formas de interação grupal fossem as díades, as tríades, ou outras formações grupais, seus processos e influências, na ação humana e no comportamento.

A despeito de seu interesse por normas e padrões nos assuntos sociais, Simmel viu a vida social como sendo caracterizada por um contínuo conflito entre o indivíduo e seu mundo social. O interesse de Simmel por um nível de análise micro conduziu a muitos insights com relação a dinâmica da vida social. O tema de conflito entre o indivíduo e o contexto social, por exemplo, é um que corre através de muitos aspectos de seu trabalho e que permite uma base de uma penetrante análise do estado de alienação do homem moderno. Para ele, o indivíduo “tornou-se um mero dente de engrenagem numa grande organização de coisas e poderes que lhe arranca das mãos todo o progresso, espiritualidade e valor, a fim de transformá-los de suas formas subjetivas em forma de uma vida puramente objetiva” (Simmel, 1950, p. 422).

Os escritos de Simmel influenciaram desenvolvimentos em muitas áreas, particularmente aquelas de sociologia urbana, pesquisas em grupos experimentais, comportamento de grupos de referência, teoria de papeis e conflito funcionalista.

George Herbert Mead (1863-1931) foi um dos filósofos sociais Americanos também influenciado por correntes cruzadas de pensamento emergentes das últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX. Em sua ampla contribuição à filosofia social e à psicologia social, percebe-se uma fusão das duas tradições do idealismo Germânico e do positivismo Anglo-francês.

Em seu livro Mind, Self and Society busca estabelecer como “mente” e “pessoa” surgem dentro do contexto de conduta social e interação. Sua explicação coloca ênfase no papel dos gestos no processo de interação. Vê a noção de gesto em termos sociais - como parte de um “ato”. Na interação entre animais o ato social ou “conversa de gestos” pode ser entendida em termos de uma série de símbolos para os quais as várias partes respondem de acordo com a interpretação colocada nos vários gestos. Tal ação pode ser vista como uma forma de comunicação , em que os vários gestos ou símbolos envolvidos influenciam estágios posteriores do ato.

No caso dos seres humanos a situação é um tanto diferente dos animais, uma vez que através de “gestos vocais” ou linguagem os indivíduos têm a capacidade de se tornarem conscientes do

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que estão fazendo. Para Mead, é o mecanismo da linguagem que subjaz o desenvolvimento da “mente”. Através de operação da mente o indivíduo pode tornar-se o objeto de seus próprios pensamentos. Este é o processo que subjaz o desenvolvimento da “pessoa”.

Deste modo, para Mead, a consciência do ser humano evolui através de um processo social; um processo de interação que envolve o desenvolvimento da linguagem e portanto “mente” e “pessoa”. O ser humano, diferente dos outros origenismos animais, tem a capacidade de se tornar consciente do que ele está a fim. Para que isto aconteça, ele deve ser capaz de interpretar o significado de seus gestos. Isto envolve uma “conversa” interna ou processo de pensar de um ponto de vista do que Mead chamou de “o outro generalizado” (Mead, 1934, p.155).

Mead reconhece o papel desempenhado por seres humanos em influenciar seu ambiente, particularmente através da interpretação simbólica das conseqüências dos vários tipos de condições ambientais e de modos de interação. Concorda-se assim que os atores individuais têm no mínimo um papel mediador e interpretativo, senão inteiramente de controle ou de criação em relação ao seu ambiente.

Interacionismo Simbólico.

A noção deriva diretamente do trabalho de Mead e da distinção que ele faz entre interação “não-simbólica” e “simbólica”. Como colocado por Blumer , um de seus ex-alunos e interpretes:

"Na interação não-simbólica os seres humanos respondem uns aos outros diretamente por gestos ou ações. Na interação simbólica eles interpretam os gestos e atos uns dos outros na base do significado produzido pela interpretação... A interação simbólica envolve interpretação, ou determinação de significado das ações ou afirmações das outras pessoas, e definição, ou indicações convergentes para outras pessoas de como elas devem agir. A associação humana consiste de um processo de interpretação e definição assim. Através deste processo os participantes ajustam seus próprios atos aos atos em andamento de outra pessoas e os guia ao assim fazer. (Blumer, 1966,p. 537 - 8).”

Teoria da Ação Social.

A teoria da ação social deriva largamente do trabalho de Weber(1864-1920). O método do entendimento interpretativo - verstehen - introduzido por Dilthey e elaborado por Weber, é o método de alguém se colocar no papel do ator como meio de relacionar a experiência interior a ações externas.

Max Weber foi um tanto positivista em sua epistemologia geral, vez que desejou construir uma ciência social objetiva capaz de prover explicações causais do fenômeno social. Para ele, as explicações sobre o mundo social tinham que ser “adequadas ao nível de significado”.

Weber construiu uma tipologia de ação social que distinguia entre: (a) ação orientada para a tradição; (b) ação dominada por fatores emocionais; (c) ação orientada para algum valor absoluto; e (d) ação racionalmente orientada para o alcance de fins específicos e em que se toma em consideração as vantagens e desvantagens relativas de meios alternativos. Era seu ponto de vista que estes tipos de ação poderiam ser úteis ferramentas sociológicas para analisar os modos de orientação de ação social na prática. Este esquema foi normalmente negligenciado em favor de uma interpretação mais generalizada da perspectiva de ação que focaliza as maneiras como os indivíduos interpretam a situação em que se encontram.

Como sugerido por Cohen, a teoria da ação pode ser vista como consistindo de um número de pressupostos que proporciona um modo de análise para explicar a ação e conduta de indivíduos típicos (atores e atores sociais) em situações típicas:

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(i) o ator tem objetivos (ou metas, ou fins); suas ações são levadas avante para perseguir estes objetivos.

(ii) A ação freqüentemente envolve a seleção de meios para atender a objetivos; mas mesmo onde parece que ela não existe, ainda assim é possível a um observador distinguir analiticamente entre meios e objetivos.

(iii) Um ator sempre tem muitos objetivos; suas ações em perseguição de qualquer um afetam e são afetadas por suas ações em perseguição de outras.

(iv) a perseguição de objetivos e a seleção de meios sempre ocorre dentro de situações que influenciam o curso da ação.

(v) o ator sempre faz certos pressupostos concernentes a natureza de seus objetivos e da possibilidade de seu atendimento.

(vi) a ação é influenciada não somente pela situação mas também pelo conhecimento que o ator tem dela.

(vii) o ator tem certos sentimentos ou disposições afetivas que afetam tanto sua percepção de situações como sua escolha de objetivos.

(viii) o ator tem certas normas e valores que governam sua seleção de objetivos e seu ordenamento deles a partir de um esquema de prioridades. (Cohen, 1968, p.69).

Interpretado a partir deste ponto de vista, o efeito da teoria de ação Weberiana tem sido o de injetar medidas de voluntarismo nas teorias de comportamento social permitindo o fato dos indivíduos interpretarem e definirem suas situações e agir de acordo com elas.

Um dos mais proeminentes seguidores da teoria de ação Weberiana foi Talcott Parsons, em cujo trabalho clássico A Estrutura da Ação Social (1949), argumentou que havia uma tendência do trabalho de Durkheim, Marshall, Pareto e Weber convergirem em torno de uma “teoria de Ação voluntarista”. Embora Parsons advogasse esta teoria voluntarista como uma perspectiva sociológica geral, na verdade seu próprio trabalho tornou-se muito mais firmemente determinista e foi eventualmente incorporado à teoria dos sistemas sociais que se localizava numa região mais objetivista. Na observação de Giddens (1976, p.16) “não havia qualquer ação na "estrutura de referência de ação" de Parsons, somente comportamento que é propelido por disposições de necessidades e expectativas de papeis. Estabelece-se o cenário, mas os atores apenas desempenham de acordo com o script que já tinha sido escrito para ele”. Tal é a natureza da perspectiva funcionalista; seus pressupostos metateóricos subjacentes somente permitem uma medição limitada de voluntarismo no comportamento humano.

Teoria Integrativa.

A teoria integrativa reúne 4 correntes de pensamento: (a) o modelo de troca e poder de Blau; (b) a teoria de estrutura social e cultural de Merton; (c) o conflito funcionalista; e (d) a teoria dos sistemas morfogênicos.

Cada um destas 4 linhas de pensamento se apóiam no pressuposto de que o atingimento da ordem social dentro da sociedade é de algum modo problemático e requer explicações que não são normalmente proporcionadas dentro das fronteiras da teoria dos sistemas sociais.

A teoria de Blau enfatiza o papel da troca e poder como uma fonte de integração da vida social. A teoria de Merton da estrutura social e cultural tende a enfatizar as funções desempenhadas por elementos da estrutura social no processo integrativo. O conflito

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funcionalista tende a focar nas funções “positivas” servidas pelo conflito. A teoria dos sistemas morfogênicos enfatiza a importância da transmissão de informação como uma variável central de análise.

O Modelo de Troca e Poder de Blau.

A teoria de troca e poder na vida social se propõe analisar os processos que governam a associação humana, com vistas a estabelecer uma base para uma teoria de estrutura social. A teoria de Blau tenta ligar as análises nos níveis micro e macro sociais para construir a ponte entre o interacionismo e a teoria do sistema social.

Blau, seguindo Simmel, vê o estudo da associação social como uma tarefa central em sociologia. Ele se coloca firmemente contra explicações reducionistas da sociedade, vez que ignoram o que ele chama de “propriedades emergentes” da inter-reação humana. Para ele a sociedade é mais que a soma das partes. A estrutura social não pode ser reduzida a uma série de elementos constituintes; ela tem que ser entendida como um processo social emergente.

Sua análise do processo de troca social leva-o a identificar os meios em que o status e o poder tornam-se diferenciados, e a maneira em que o poder torna possível organizar o esforço coletivo. Ele faz um acompanhamento da maneira na qual a legitimação do poder tem sua fonte na aprovação social em que seu justo exercício evoca entre os subordinados. Sua análise reconhece que o consenso normativo não é de maneira alguma automático, e que o exercício do poder nem sempre será legitimado.

Sua análise enfatiza o papel de troca e poder na emergência da estrutura social e deste modo seu papel como forças integrativas em qualquer explicação da sociedade como um processo em andamento. Blau analisa as relações entre sub-elementos da sociedade e a maneira como os conflitos produzem um padrão de mudança dialética. Como ele próprio coloca:

"Os conflitos entrecruzados e oposições em modernas sociedades complexas, com muitas coletividades organizadas se intersectando e seus membros se fechando internamente nelas, são uma fonte contínua de reorganização e mudança. O padrão de mudança é dialético, uma vez que cada reorganização básica tem ampla repercussão que cria novos problemas e estimula frescas oposições. A pressão cruzada resultante de afiliações multi-grupais e os recorrentes alinhamentos de coletividades se superpondo em diferentes controvérsias evita que conflitos sobre assuntos de se tornarem cumulativos e de produzir uma profunda divisão entre dois campos hostis. (Blau, 1964, p. 311).

Teoria Mertoniana de Estrutura Social e Cultural.

É Robert Merton o sociólogo par excellence da corrente integrativa. Seu trabalho recebe a influência de escritores amplamente diversificados como Durkheim, Marx, Mead, Parsons, Simmel e Weber. O trabalho de Merton é integrativo no sentido em que ele busca ligar um número de teorias conceitualmente distintas dentro do contexto do paradigma funcionalista. É também integrativo no sentido em que busca ligar os níveis de análise micro e macro, empirismo e grande teoria, naquilo que ele tem descrito como teorias do “âmbito intermediário”.

Tomando como ponto de partida seus primeiros trabalhos sobre “grupo de referência” e de “teoria da anomia” que busca entender como surgem os sub-grupamentos dentro de um contexto de estrutura social. (Merton, 1968). Em seu artigo “Estrutura Social e Anomia”, ele busca descobrir como as estruturas sociais exercem uma pressão definitiva sobre certas pessoas numa sociedade para engajar em comportamentos não-conformistas. Sua perspectiva é descrita como aquela de um “analista funcional que considera o comportamento socialmente desviante um produto da estrutura social tanto quanto o comportamento conformista. sugerindo a existência de

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um sistema central de valores normativos. Ao fazer um rastreamento das possíveis relações entre dois elementos da estrutura social - “os objetivos culturais” e os “meios institucionalizados” de alcançá-los - Merton é capaz de desenvolver uma tipologia de adaptação do indivíduo que, em adição a “conformidade”, dá lugar a comportamento aberrante associado com “inovação”, “ritualismo”, ”fuga” e “rebelião”. (Merton, 1968, p. 194).

Seu tratamento de comportamento desviante ou aberrante se coloca em total oposição a visão do interreacionismo simbólico que ressalta o caráter emergente de normas e valores. De uma perspectiva interacionista, as normas e valores são socialmente geradas e sustentadas pelos seres humanos em suas interações diária com os outros. Para Merton, eles são parte de um contexto social predefinido dentro do qual a ação social acontece.

De acordo com Merton, a teoria do grupo de referência objetiva sistematizar as determinantes e conseqüências daqueles processos de evolução e de auto-avaliação em que o indivíduo toma os valores e padrões de outros indivíduos ou grupos como uma estrutura de referência comparativa. (Merton, 1968, 288). A visão dos grupos de referência é um desenvolvimento direto do “outro generalizado” de Mead, noção esta que Mead usou para explicar a emergência do self através da interação.

Conflito Funcionalista.

Representa uma fusão da tradição funcionalista com as teorias de Simmel e uma incorporação do trabalho de Marx. As bases do conflito funcionalista em muitos aspectos foi colocado no clássico artigo de Merten de 1958, “Funções Latentes e Manifestas”. Seus argumentos foram dirigidos contra 3 postulados centrais da tradicional análise funcional que ele argumentava serem debatíveis e desnecessárias a orientação funcional como tal. Estes eram: (a) o postulado da unidade funcional da sociedade - ou seja - que atividades sociais padronizadas ou itens culturais são funcionais para o todo social ou sistema cultural; (b) o postulado do funcionalismo universal ou seja, que todos os itens sociais e culturais preenchem funções sociológicas; (c) o postulado da indispensabilidade - ou seja - que estes itens são conseqüentemente indispensáveis.

Teoria dos Sistemas Morfogênicos.

É um ramo da teoria integrativa principalmente associada com o trabalho de Buckley (1967) e com o “modelo de processo” que ele advoga para o estudo da sociedade. Seu trabalho é uma tentativa de introduzir nas ciências sociais a moderna teoria dos sistemas refletida na cibernética, na teoria da informação e comunicação e na pesquisa dos sistemas gerais. Seu trabalho apresenta um modelo de sistema com a capacidade de explicar a maneira como as sociedades mudam e elaboram suas estruturas básicas. Seu modelo abarca e tenta sintetizar toda uma gama de pensamento contido no paradigma funcionalista, desde o interacionismo até a teoria dos sistemas sociais, de passagem fazendo referência a algumas idéias de Marx.

Depois de fazer uma ampla crítica aos modelos de sistemas orgânico e mecânico, com referência específica a Parsons (1951) e a Homans (1950), Buckley desenvolve um modelo de processo que, em essência, representa uma fusão das várias correntes de interacionismo e da moderna teoria dos sistemas. Seu modelo tenta ligar os níveis de análise micro e macro, construindo a partir da noção Meadiana de “ato” e do processo básico de interação simbólica , através da noção de “papel” e dinâmica de papel, para a emergência das organizações e das instituições. O sistema sociocultural é visto como um “conjunto de elementos ligados quase que inteiramente por meio da intercomunicação de informações (no sentido amplo) ao invés de ser ligado a energia ou substância como são os sistemas físicos e orgânicos. (Buckley, 1967, p. 82). O sistema sociocultural emerge de uma cadeia de interação entre os indivíduos em que a informação é seletivamente percebida e interpretada de acordo com os significados que possuem para os atores envolvidos. O modelo é processual invés de estrutural.

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Buckley indubitavelmente fez uma importante contribuição para a aplicação da teoria dos sistemas às ciências sociais.

Objetivismo.

É caracterizado por um extremamente alto grau de envolvimento com modelos e métodos derivados das ciências naturais. Os objetivistas tratam o mundo social exatamente como se fosse um mundo natural. Eles usam o mundo biológico e físico como fonte de analogias para estudar o mundo social, como uma fonte de hipóteses e de insights.

Behaviorismo.

O Behaviorismo está mais freqüentemente associado a Skinner que tentou desenvolver teorias causais de comportamento baseadas na análise de estímulo e resposta. Para este propósito o homem é tratado , como qualquer outro organismo natural, inteiramente como o produto de seu ambiente. O homem, em essência, é visto como nada mais que uma máquina, respondendo de maneira determinística, às condições externas a que foi exposto.

Empirismo Abstrato.

A certo ponto da discussão das escolas de pensamento associadas com interacionismo, teoria integrativa e teoria do sistema social, nos referimos ao fato de que o trabalho de vários teóricos e pesquisadores têm terminado como empirismo abstrato. Os teóricos de sistemas que gastam suas energias medindo “estruturas”; os interacionistas que utilizam medidas estáticas de “atitudes” e de “situações de papéis”; os teóricos integrativos que tentam produzir índices quantitativos de “poder”, “conflito”, “desvio”, etc., - todos eles dão ilustrações de empirismo abstrato. naquilo em que engajam em pesquisa empírica que viola os pressupostos de suas perspectivas teóricas.

O termo “empirismo abstrato” entrou em uso popular através do trabalho de C. Wright Mills (1959) que, em sua crítica de teoria e método nas ciências sociais, o usou para descrever a produção de pesquisadores que têm permitido metodologias derivadas das ciências naturais dominar seus trabalhos. Nós o usamos aqui num sentido relacionado, porem mais específico e limitado, ou seja, o empirismo abstrato representa uma situação em que se usa metodologia altamente nomotética para testar uma teoria que se baseia em uma ontologia, uma epistemologia e uma teoria de natureza humana da espécie mais subjetivista. Ela representa uma situação em que uma metodologia nomotética é incongruente com os pressupostos das outras três posições da dimensão subjetiva-objetiva. É com vistas a esta incongruência que o empirismo abstrato difere do behaviorismo.

É um fato lamentável que uma grande proporção de trabalhos de pesquisa em ciências sociais no momento resultem em empirismo abstrato. Forçar a obtenção de fundos para pesquisa a fim de sustentar equipes de pesquisadores tende a favorecer a coleta de grande quantidade de dados empíricos. Na verdade esta coleta e processamento de dados são freqüentemente igualadas ao esforço de pesquisa total e são vistos como um ingrediente essencial de qualquer proposição provável de encontrar os requerimentos de “controle de qualidade” das instituições que fornecem os fundos. As demandas por resultados pragmáticos de programas de pesquisa em ciência social tendem a favorecer alguma forma de informação substantiva como produto. Sob a pressão de tais forças, os programas de pesquisa freqüentemente se tornam ajustados aos requerimentos e métodos de seus dados básicos, na medida em que aqueles pressupostos teóricos com relação a ontologia, a epistemologia e a natureza humana são relegados a um papel secundário e a eventualmente ser violado pelas demandas do empirismo.

A Unidade Subjacente do Paradigma.

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Embora haja uma substancial diferença entre as diversas correntes de pensamento, há uma forma comum e uma unidade subjacente. Os teóricos da paradigma funcionalista estão ligados por uma visão compartilhada da natureza fundamental da realidade sócio-cientifica para a qual eles endereçam seus trabalhos. Eles estão envolvidos com uma visão do mundo social que vê sociedade como ontologicamente anterior ao homem e procura colocar o homem e suas atividades dentro daquele contexto social mais amplo. Merton tem notado que o “conceito de função envolve o ponto de vista do observador, não necessariamente aquele do participante (Merton, 1968, p.78). Os teóricos localizados dentro do contexto do paradigma tendem a assumir o ponto de vista do observador e tentam relacionar o que eles observam ao que eles vêm com elementos importantes dentro de um contexto social mais amplo.

A visão funcionalista deste contexto social mais amplo tende a ter muitos pontos de referência comuns: é a visão que assume uma ordem e um padrão contínuos. Permitindo vários mas limitados graus de ordem e desordem, consenso e dissenso, integração e desintegração social, solidariedade e conflito, satisfação de necessidade e frustração, o esforço global é de proporcionar uma explicação do porque o tecido social da sociedade tende a se manter junto. É dirigido a proporcionar uma explicação da natureza regulada dos negócios humanos.

O paradigma é baseado em normas subjacentes de racionalidade utilitária. Este conceito proporciona uma direta ligação entre as dimensões regulativa e objetivista da visão do mundo social do paradigma. O conceito de ciência subjacente ao paradigma enfatiza a possibilidade de investigação objetiva capaz de dar verdadeiro conhecimento explicativo e preditivo de uma realidade externa.

Esta racionalidade essencial refletida nesta visão de ciência é utilizada para explicar a racionalidade essencial da sociedade. A ciência proporciona um quadro de referência para estruturar e ordenar o mundo social, um quadro que enfatiza uma ordem e coerência similares àquelas encontradas no mundo natural. Os métodos de ciência são usados para gerar explicações do mundo social consistentes com a natureza e filosofia da ciência em si. Ciência na mão dos funcionalistas torna-se uma ferramenta de impor ordem e regulação sobre o mundo social - ordem e regulação do ponto de vista do observador.

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5. TEORIA FUNCIONALISTA DA ORGANIZAÇÃO.

Burrel & Morgan, Sociological Paradigms and Organizational Analysis, Heinemann,

London, 1979. (Tradução livre do Profº. Wellington N. F. Martins, EA/UFBa., 1991.) Em anos recentes o estudo das organizações tem se estabelecido como uma significativamente

crescente área de investigação social científica. Quer em termos do número de estudos de pesquisas conduzidos, quer no volume de literatura produzida, quer no seu estabelecimento como um reconhecido campo de estudo dentro das instituições acadêmicas, o estudo das organizações tem uma boa razão para ser olhada como um distinto ramo da ciência social de alguma importância.

Porém em muitos aspectos ele é um campo confuso. Ele é usualmente apresentado como

contendo no mínimo três linhas de desenvolvimento, cada um seguindo um número de diferentes tradições intelectuais. A primeira delas é a que pode ser descrita como teoria das organizações, endereçada ao estudo das "organizações formais" e que é construída em cima da chamada "escola clássica" de gerência e de teoria administrativa. Como Salaman e Thompson advertiram, esta linha é freqüentemente vista como a da "abordagem ortodoxa" ao estudo das organizações e "tende a adotar teorias e modelos de funcionamento organizacional, e a enfocar áreas de investigação empírica que são altamente orientadas para concepções gerenciais de organização, para problemas e prioridades gerenciais e para preocupações gerenciais com resultados práticos" (Salaman e Thompson, 1973, p.1). Os fundamentos da teoria clássica foram amplamente fun-damentados por administradores práticos com pouco ou nenhum respaldo de ciências sociais.

A segunda linha é muitas vezes descrita como a sociologia das organizações, que em grande

parte se apóia no trabalho de Max Weber e aborda o estudo das organizações de uma perspectiva sociológica em oposição a uma perspectiva gerencial.

A terceira linha envolve-se essencialmente com o estudo do comportamento dos indivíduos

dentro de organizações, de um ponto de vista psicológico. Ela se assenta no trabalho desenvolvido pelo movimento das relações humanas e na sua maior parte aborda o sujeito de um ponto de vista psicológico, embora tenha recebido a contribuição de um número significativo de sociólogos industriais.

Todas as teorias de organização são fundamentadas em uma filosofia da ciência e uma teoria

da sociedade, quer os teóricos estejam conscientes disto ou não. Para muitos esta pode parecer uma afirmação injustificadamente banal e simplista. Na verdade muitos teóricos parecem estar inconscientes ou, no mínimo, ignorar os pressupostos que as várias teorias refletem.

Teorias de Organização Dentro do Paradigma Funcionalista.

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As teorias de organização contemporâneas dentro do paradigma se identificam com 4

principais perspectivas teóricas a seguir. ___________________________________________________________________ | | | | | | | | | Pluralismo | | | | | | Quadro de Teorias das Teoria do | | referência disfunções sistema Objetivismo | | da ação. burocráticas social | | | | | | | | | |_________________________________________________________________| Fig. 5.1. Abordagens funcionalistas ao estudo das organizações. 1. Teoria de Sistema Social e Objetivismo. Esta perspectiva, que caracteriza a região mais objetivista do paradigma, é de esmagadora

significância para as teorias de organização contemporâneas, pois a vasta maioria de escritores em assuntos organizacionais adotam uma perspectiva aqui localizada. Ela corresponde as categorias de teoria social identificadas no capítulo 4 como teoria de sistema social e objetivismo. No campo dos estudos em organização tem havido uma interação contínua entre es-tas duas categorias de teorias, uma vez que as distinções conceituais entre elas não têm sido freqüentemente reconhecidas. Tentaremos seguir algumas destas interações e mostrar como algumas destas teorias evoluíram. A perspectiva como um todo corresponde ao que Silverman (1970) descreveu como "a ortodoxia de sistemas", embora, como argumentaremos, ela é positivamente desencaminhadora para a visão de que muitas das teorias localizadas dentro dela são teorias de sistemas somente no nome. Ela abarca uma pequena quantidade de teoria de sistemas social e uma larga quantidade de behaviorismo, porem é dominada pelo empirismo abstrato.

2. O Quadro de Referência da Ação Esta perspectiva, que ocupa a fronteira subjetivista do paradigma, é consideravelmente menos

desenvolvida. Derivando principalmente do trabalho de Weber, ela recebeu sua expressão e formulação mais clara no trabalho de Silverman (1070). Contrariando a visão de Silverman, não vemos esta perspectiva como constituindo um paradigma alternativo para o estudo das organizações. Vemo-la como uma perspectiva alternativa que permanece essencialmente dentro do contexto do paradigma funcionalista. Ela é uma perspectiva que, em termos da análise contida no capítulo 4, é consangüínea do interacionismo simbólico e da teoria da ação social.

3. Teorias das disfunções burocráticas

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Esta perspectiva é construída a partir da categoria da teoria integrativa descrita no capítulo 4 como a Teoria Mertoniana da estrutura social e cultural. Ela abarca um relativamente pequeno número de teóricos, que especificamente desenvolveram o trabalho de Merton e levaram a perspectiva a uma posição que se aproxima da do conflito funcionalista.

4. Teoria pluralista Esta é uma outra categoria da teoria integrativa consangüínea da do "conflito funcionalista"

discutido no capítulo 4. Os teóricos chegaram a esta perspectiva por diferentes rotas. Em termos de números eles são relativamente poucos, mas a perspectiva é de crescente importância dentro da área subjetiva como um todo.

O resto deste capitulo devotaremos a uma análise sistemática das teorias de organização

comparadas com um background teórico definido pelo paradigma funcionalista como discutido no capítulo 4. Tentamos penetrar além da simples análise histórica e tipológica atingindo os fundamentos teóricos essenciais que dão suporte ao trabalho contemporâneo no assunto.

Teoria do Sistema Social e Objetivismo A perspectiva dominante dentro do campo dos estudos organizações é caracterizado por uma

relação estreita e interativa entre teoria de sistema e objetivismo. No resto desta secção tentaremos esboçar as relações entre alguns de seus limites proeminentes. A Figura 5.2 ilustra o curso geral do desenvolvimento.

Nosso plano para negociar este complexo campo de teoria e pesquisa é como se segue.

Tomamos como nosso ponto de partida os teóricos gerencialistas clássicos e os psicólogos industriais que foram os precursores do movimento de relações humanas. Nosso argumento é de que, não obstante as diferenças de detalhes nas teorias que eles expuseram, ambos ocupam uma posição similar no lado da fronteira mais objetivista do paradigma funcionalista. As perspectivas de tanto um como outro conjunto de teóricos refletiram um forte determinismo, em que os fatores objetivos no ambiente do trabalho eram tratados como de enorme importância para a análise e explicação do comportamento das organizações. Como tentamos ilustrar na Figura 5.2, as duas abordagens ainda hoje permanecem vivas e bem. Elas floresceram através dos tempos e estão muito evidentes nos trabalhos dos ergometristas, dos teóricos do estudo do trabalho e dos teóricos do gerencialismo que continuam a prescrever regras de organização.

Vamos sair destes primeiros exemplos de objetivismo para entrar numa consideração da

teoria do sistema social refletida nos Estudos de Hawthorne. Argumentamos que o modelo teórico que emergiu deste trabalho foi, no seu tempo, muito sofisticado, embora os insights que ele ofereceu ficaram grandemente perdidos nos debates ulteriores que tenderam a focalizar os resultados empíricos do estudo. As pesquisas pós-Hawthorne em comportamento do trabalho usualmente se reverteram no objetivismo dos anos iniciais. Dedicamos nossa próxima secção a uma consideração deste objetivismo pós-Hawthorne que dominou o movimento de relações humanas e as pesquisas em satisfação do trabalho, dinâmica de grupo, liderança e estilos gerenciais, etc., até os dias atuais. Esta primeira parte é seguida por uma curta secção sobre a teoria dos sistemas sócio-técnicos, que em essência representa um direto desenvolvimento dos descobertas teóricas geradas na pesquisa de Hawthorne, e que teve uma grande influência na teoria do desenho do cargo.

Uma consideração da teoria dos sistemas sócio-técnicos leva naturalmente ao exame da

abordagem dos sistemas abertos relativo ao estudo das organizações. A fim de prover uma adequada medida destes sistemas, é necessário retornar aos estudos de Hawthorne e traçar uma nova linha de desenvolvimento, que começa com a teoria de organização de Barnard. O trabalho

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de Barnard representou uma das primeiras tentativas de desenvolver um modelo compreensivo de uma organização. Todas as outras pesquisas que já mencionamos focam suas atenções no comportamento dentro das organizações e têm a ver com o indivíduo, o grupo social e o ambiente de trabalho. O trabalho de Barnard representa uma clara mudança na direção de um nível de analise organizacional. Mais adiante neste capítulo consideraremos a teoria de Barnard, juntamente com o trabalho de Herbert Simon, sob o título de teorias do equilíbrio da organização.

A teoria de Barnard, grandemente influenciada pela pesquisa de Hawthorne, tendeu as

enfatizar os aspectos sociais da organização. Ele estava interessado, primeiro e principalmente, em ver a organização como uma empresa. Esta tendência foi modificada pelos teóricos que lhe sucederam como Philip Selznick e Herbert Simon que, influenciados por Weber e alguns dos teóricos clássicos, deram maior proeminência aos aspectos racional/legal ou burocrático da organização. Simon assim procedeu dentro do contexto de um modelo de equilíbrio abrangendo os fatores sociais e racionais. Selznick o fez dentro de um contexto de abordagem estrutural funcionalista da organização. Ao desenvolver certos princípios derivados do uso de uma analogia orgânica, o estruturalismo funcional teve uma importante influência na teoria da organização. Nossa próxima secção, portanto, é devotada à consideração ao primeiro trabalho de Selznick como exemplo de uma abordagem estrutural funcionalista à organização.

Ao levar em consideração estes fundamentos para a teoria das organizações, estaremos numa

posição de fazer uma ponte com nossa prévia discussão da teoria dos sistemas sócio-técnicos, e devotaremos uma secção para considerar algumas das teorias que emergiram nos anos 1960 tratando as organizações como sistemas abertos. Estes modelos incorporaram os insights das primeiras abordagens e tenderam a colocar primordial ênfase nas relações entre as organizações e o ambiente.

Na secção seguinte consideraremos alguns estudos empíricos de características

organizacionais que refletem o movimento de saída da teoria do sistema social para o objetivismo. Estes estudos, juntamente com os modelos de sistemas abertos dos anos 1960, prepararam o caminho para uma síntese geral em termos de teoria da contingência. Esta abordagem, que dominou a teoria da organização nos anos 1970, é objeto de nossa penúltima secção.

Concluímos nossa análise com a discussão do movimento de qualidade de vida. Ele também

ganhou proeminência nos anos 1970 e em essência funde as perspectivas dos teóricos do desenho do cargo com os daqueles derivados da teoria dos sistemas abertos. Comparando com a noção de pós-industrialismo, isto vincula a tradicional preocupação do movimento de relações humanas e da teoria dos sistemas sócio-técnicos com as mudanças que estão ocorrendo dentro do contexto da sociedade contemporânea como um todo.

Teoria Gerencial Clássica e Psicologia Industrial. Taylor (1856-1915), o fundador da "administração científica" era muito mais um homem

prático. Como engenheiro chefe de uma grande fábrica de aço que subiu de posição a partir de um simples trabalhador de oficina, ele estava interessado em ação gerencial e seus resultados imediatos mensuráveis. Descobrimos que desenvolveu suas técnicas de estudo de trabalho como resultado de problemas experimentados como chefe de uma gang que buscava aumentar a produção colocando pressão sobre os homens. Foi uma séria luta que ele empreendeu e que finalmente ganhou mas as expensas de considerável e penosa busca. Ele mostrou o assunto suspeito e decidiu que a principal causa de tal conflito era a administração, que sem saber o que constituía um dia de trabalho, tentava assegurar a produção mediante pressão. Ele sentiu que se a administração soubesse que tipo de trabalho era possível, ela então poderia determinar a

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produção por demonstração. Ele decidiu experimentar e descobrir o que era mesmo um dia de trabalho adequado para cada operação na fabrica de aço (Taylor, 1947).

Taylor pensou em converter o processo de gerência de uma arte baseada na experimentação e

nas regras de tentativa e erro, em uma verdadeira ciência apoiada em leis, regras, princípios e fundamentos claramente definidos. (Taylor, 1947, p. 7).

Fayol (1841-1925) foi um engenheiro de minas Francês que subiu ao topo da hierarquia

gerencial. Enquanto Taylor concentrou seu trabalho no piso da fábrica, Fayol concentrou o seu nos problemas de trabalho ao nível gerencial. Seu foco de interesse foi o planejamento, a organização, o comando, a coordenação e o controle. Ele definiu vários princípios que podiam ser ensinados. Ele viu a necessidade de uma teoria de gerência.

Os subseqüentes seguidores da 'escola clássica' foram Gulick, Mary Parker Folet, Mooney,

Urwick e outros que se envolveram com a formulação e popularização dos princípios de gerência. Seus trabalhos se relacionaram amplamente com problemas de estrutura organi-zacional, estilos de liderança e eficiência, e constituíram um guia de ação gerencial mais do que uma teoria de organização no sentido formal.

As teorias de Taylor, Fayol e escola clássica de gerência como um todo, são fundamentadas

em pressupostos muito objetivistas, onde o mundo das organizações é tratado como o mundo do fenômeno natural, caracterizado por uma realidade concreta que pode ser sistematicamente investigada de modo a revelar suas regularidades subjacentes. Ao indivíduo foi atribuído um papel essencialmente passivo. Seu comportamento no trabalho era visto como determinado pela situação em que ele era exposto.

A partir do início da I Guerra Mundial outro movimento que teve considerável impacto nas

teorias de comportamento das organizações, nos EUA., na Inglaterra e em alguns países da Europa foi o movimento da psicologia industrial que inicialmente adotou um baixo perfil. Para muita gente ele estava envolvido com consultoria para gerentes industriais em problemas associados com fadiga, seleção de empregados, diferenças individuais, etc. trabalho este muito mais de natureza prática do que de pesquisa. Deste modo, só se desenvolveu academicamente a partir de 1915 com suas primeiras pesquisas. Com suas dificuldades iniciais em se distinguir do Taylorismo, o movimento de psicologia industrial buscou enfatizar o humanitarismo buscando facilitar as dificuldades do trabalhador e através disso aumentando sua produção e sua satisfação pessoal.

Embora as comparações entre a psicologia industrial e a gerência científica defendam

diferenças entre estes dois movimentos, descobre-se que há muitos pontos semelhantes. O trabalho inicial dos psicólogos, por exemplo foi grandemente dirigido para estabelecer as causas da fadiga e da monotonia no trabalho e seus efeitos no desempenho e na eficiência. Entre os fatores estudados acham-se o grau de mecanização e de rotina do trabalho, métodos de paga-mento, rotação do trabalho, horas de trabalho, introdução de pausas para descanso e a influencia de grupos sociais recebendo atenção. Todos estes fatores pesquisados no fim dos anos 20, até hoje ainda recebe muita atenção dos psicólogos industriais.

Os trabalhos dos psicólogos industriais como os de Taylor, se basearam no pressuposto de

que fatores objetivos em situação de trabalho têm muita influência no comportamento em organizações. O mundo do trabalho é tratado como um mundo de realidade concreta ca-racterizado por uniformidades e regularidades que podem ser entendidas em termos de causa e efeito. Atribui-se ao indivíduo um papel passivo; seu comportamento é visto como determinado pelo ambiente do trabalho. Dentro do Taylorismo o homem não é mais que uma máquina. No esquema da psicologia industrial o homem é uma entidade mais complexa; a relação entre seu

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ambiente e seu comportamento somente pode ser deslindada e entendida através do uso de modelos psicológicos mais complexos.

Os Estudos de Hawthorne. Por mais de 25 anos os estudos de Hawthorne têm sido submetido a crescente crítica por

ignorar o papel do conflito no local de trabalho; por ser ideologicamente viciado em favor da gerência; por ser paternalista; por adotar uma visão não apropriada do homem e da sociedade; por ignorar os sindicatos e o papel da barganha coletiva; por dar uma insuficiente atenção ao papel de fatores externos ao ambiente; por ser muito não-científico; e por interpretar erro-neamente a evidência que eles coletaram (Landsberger, 1958; Carey, 1967). Dadas estas críticas, quase todas elas são válidas em graus variados, é freqüentemente muito difícil saber com precisão o que fazer dos estudos de Hawthorne. Muitos teóricos concordarão que seu significado sob o ponto de vista histórico vai além da disputa. Quer estas críticas estejam certas ou erradas, os psicólogos industriais chamaram a atenção dos pesquisadores para o papel dos fatores sociais no local de trabalho e para o que se vem chamando de organização informal. Os estudos de Hawthorne tiveram um impacto massivo nos desenvolvimentos subseqüentes em psicologia industrial e sociologia, particularmente em relação ao chamado movimento das relações humanas6.

Em muitos aspectos a pesquisa de Hawthorne entrou no domínio da mitologia. Poucos

estudantes de organização lê agora tanto Os problemas Humanos de uma Civilização Industrial de Mayo (1933) ou o relato mais abrangente do A Administração e o Trabalhador de Roethlisberger e Dickson (1939). Eles tendem a ler sobre os estudos de Hawthorne de segunda e terceira mão. A literatura está repleta de constatações supersimplificadas e relatos de investigações que tendem a focar na maior parte das vezes nas implicações práticas da gerência.

Alem do principal significado que se dá aos estudos de Hawthorne de ter identificado o

'homem social', eles representam uma mudança consciente do objetivismo para teoria do sistema social ainda que de maneira limitada, ou seja, a mudança de uma abordagem behaviorista e determinista para um modelo de sistema de equilíbrio mecânico baseado nas idéias de Pareto.

Os experimentos de Hawthorne tiveram início em 1927 e foram relatados por Roethlisberger

e Dickson (1939) em cujo relato se percebe os seguintes avanços em relação ao modelo de Hawthorne:

(a) Ele é completamente explicito em rejeitar a utilidade da abordagem tradicional de gerência

científica e da psicologia industrial como meio de investigação de situações sociais dentro das organizações. Estas abordagens tentaram concentrar-se nas relações entre

as mudanças orgânicas, as condições físicas do trabalho e o equilíbrio no indivíduo ou no organismo. O modelo de Hawthorne enfatiza que as atitudes dos empregados e o comportamento de trabalho só podem ser entendidos em termos de uma complexa cadeia de elementos em interação dentro e fora do trabalho e também dentro do próprio indivíduo.

(b) esta abordagem de sistemas é conscientemente 'aberta' por natureza, naquilo que

reconhece a influência de forças externas, assim dá-se principal atenção a elas na medida em que elas afetam a história dos indivíduos e seus possíveis efeitos são moderados pelo conceito de equilíbrio.

(c) a análise de fatores dentro da fábrica identifica os elementos da abordagem de sistemas

sócio-técnicos com o estudo de organizações.

6.

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(d) na situação (a) acima, os investigadores especificamente rejeitam o ponto de vista de que

qualquer fator pode ser identificado como fonte de problemas industriais. Eles mencionam 'fadiga', 'monotonia' e 'supervisão'; com uma compreensão tardia eles indubitavelmente teriam acrescentado 'necessidades sociais'.

Roethlisberger e Dickson prosseguem em aplicar este modelo à evidência coletada na

pesquisa e assim desenvolvem certos aspectos em mais detalhes. Brevemente, eles sugerem que a evidência coletada mostra um conjunto de relações entre as condições físicas e mudanças orgânicas, e destas com o equilíbrio individual ou organizacional resultando em queixas ou na redução da eficiência no trabalho. Também mostram as relações entre a história pessoal, as preocupações e o equilíbrio individual e organizacional que também resultam em queixas e redução da eficiência do trabalho, como menos importantes fontes de desequilíbrio do que aquelas associadas com condições sociais externas relacionadas com condições sociais de trabalho com preocupações e com o equilíbrio individual e organizacional que resultam em queixas e redução da eficiência no trabalho. Em outras palavras, eles põem ênfase nos fatores sociais do trabalho, externos e internos, como influentes nas atitudes dos empregados e na eficiência do trabalho. Com esta conclusão eles focalizam estes fatores em suas subseqüentes investigações e análises e identificam as noções de organização 'formal' e 'informal' e das con-tribuições feitas por fatores sociais ao equilíbrio no local de trabalho.

Outro ponto digno de nota. Tendo identificado a importância das atitudes individuais na

situação de trabalho, Roethlisberger and Dickson elaboraram um outro esquema conceitual para entender a satisfação ou insatisfação dos empregados. Este esquema tenta mostrar, em termos das relações dos empregados uns com os outros, que não se pode deixar de levar em consideração fatores tais como bens materiais, eventos físicos, horas de trabalho, mudanças técnicas e políticas da empresa como fatores pertencentes ao ambiente total plenos de significado e de valor social.

e) uma antecipação do que mais tarde veio a ser tornar proeminente: 'o quadro de referência

da ação'. Eles enfatizaram que as explicações deviam ser adequadas ao nível do significado dos indivíduos envolvidos. Este insight foi encoberto pela euforia da descoberta da importância da organização social. Como eles próprio colocaram:

"para entender o significado das queixas e mágoas dos empregados é necessário levar em

conta sua posição ou status dentro da companhia. Esta posição é determinada pela organização social da companhia; aquele sistema de práticas e crenças por meio das quais se expressam os valores humanos da organização, e os símbolos ao redor dos quais eles se organizam - eficiência, serviço, etc... Mas a relação do indivíduo com a companhia não é um sistema fechado. Todos os valores do indivíduo não podem ser levados em conta pela organização social da companhia. O significado que uma pessoa dá a sua posição depende de como aquela posição está ou não permitindo-lhe preencher as demandas sociais que ele está fazendo de seu trabalho. A significação última de seu trabalho não é definida tão somente por sua relação com a companhia mas também por sua realidade social mais ampla." (Reothlisberger and Dickson, 1939, p. 374-5).

Estes importantes insights teóricos foram grandemente encobertos pelos dados empíricos da

pesquisa gerados pelo estudo. Em termos teóricos o modelo de Hawthorne pode ser melhor entendido como representando a fusão das sociologias de Pareto e de Durkheim. A noção de fatos e de sentimentos desempenham uma parte importante na orientação da análise de Hawthorne. Por outro lado, enquanto em Pareto a noção de um sistema em equilíbrio fornece uma estrutura organizativa para a pesquisa, de Durkheim a noção de anomia recebe uma atenção

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central. Os estudos de Hawthorne por eles próprios se endereçam para o que é percebido como uma situação de anomia - a separação entre o indivíduo e o seu trabalho.

O espírito de Durkheim está presente em toda a análise e se reflete claramente na sugestão de

Mayo (1933) de que os problemas humanos são para ser entendidos em relação a erosão dos valores sociais que se realizaram pelos ditames da economia e da mudança tecnológica.

O modelo de equilíbrio social está bem claro nos comentários de Mayo quando ele afirma que "A colaboração humana no trabalho, seja em sociedades primitivas ou desenvolvidas, tem

sempre dependido para sua perpetuação da evolução de um código social não-lógico que regula as relações entre as pessoas e suas atitudes umas com as outras. Insistência em uma mera lógica de produção econômica - especialmente se a lógica é mudada freqüentemente - interfere com o desenvolvimento de tal código e conseqüentemente dá lugar no grupo a um sentimento de derrota. Esta derrota resulta na formação de um código social nos níveis mais baixos e em oposição à lógica econômica. Um de seus sintomas é 'restrição'. (Mayo, 1933, p.120 -1)".

Esta afirmação claramente reflete os princípios centrais que informam a perspectiva teórica

dos estudos de Hawthorne. A sociedade é vista em termos de um sistema tendendo ao equilíbrio; se este equilíbrio é perturbado, forças são estabelecidas para restaurá-lo. Este modelo de equilíbrio usado para o nível social, se transfere mais ou menos de forma imutável para uma análise da situação do trabalho. O indivíduo torna-se um sistema em equilíbrio, influenciado por vários elementos que compõem a situação dentro e fora do trabalho. O comportamento no trabalho é entendido em termos de tentativas de manter ou restaurar uma posição de equilíbrio.

Objetivismo Pós-Hawthorne: satisfação do trabalho e relações humanas. A despeito dos insights teóricos básicos implícitos no modelo de sistema social de

Hawthorne, a maioria dos teóricos sociais interessados no estudo do comportamento do trabalho permaneceram amplamente não influenciados pela noção de sistemas até cerca de vinte anos mais tarde, quando a idéia de sistema 'sócio-técnico' começou a mudar as opiniões. Neste ínterim, e numa menor extensão através do período pós-Hawthorne como um todo, pesquisa no comportamento do trabalho tem sido caracterizada por um retorno ao objetivismo da psicologia industrial tradicional já discutida. Do ponto de vista da maioria dos pesquisadores este retorno foi o resultado do trabalho de Hawthorne que comandou atenção, e os estudos foram usados largamente como uma fonte de novas hipóteses para informar e guiar posteriores investigações empíricas no molde tradicional. O modelo de sistemas foi largamente deixado de lado em favor de uma busca contínua por relações causais entre novas variáveis identificadas no trabalho de Hawthorne.

Vale recordar da discussão anterior que os primeiros psicólogos industriais estiveram

envolvidos com o estudo de relações entre empregados, seu ambiente de trabalho e seus desempenhos. Neste envolvimento conceitos tais como "fadiga" e "monotonia" proporcionaram o principal foco de interesse. Na era pós-Hawthorniana o interesse se voltou para a noção de "satisfação no trabalho". O interesse se direcionou para a identificação das determinantes da sa-tisfação no trabalho e suas relações com o desempenho no trabalho. Deste modo, enquanto o interesse pré-Howthorne foi o estudo das relações entre trabalho, fadiga, monotonia e desempenho, o interesse pós-Hawthorne foi com o estudo das relações entre trabalho, satisfação e desempenho.

O primeiro estudo abrangente de satisfação no trabalho foi conduzido por Hoppock (1935).

Este estudo focalizava a satisfação geral do trabalho entre empregados adultos dentro de uma 43

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pequena comunidade, e concluía que fatores como nível ocupacional, fadiga, monotonia, condições de trabalho e realização poderiam ter influência na satisfação do trabalho. A este se seguiram uma multidão de outros estudos empíricos focalizando específicas variáveis de tra-balho tais como supervisão, estilo de liderança, oportunidades de promoção, remuneração, status, conteúdo de trabalho, condições de trabalho, ambiente social, atitudes com a companhia e tecnologia. Muitos destes estudos também buscaram ligar a satisfação no trabalho, tanto em relação a fatores específicos do trabalho, como em termos gerais, ligar a níveis de desempenho do empregado, ausência do trabalho, taxa de turnover, acidentes, etc. O método de análise adotado nestes estudos focalizou a medição de variáveis envolvidas e um estudo de coeficientes de intercorrelações.

A ausência de uma relação clara entre fatores no ambiente de trabalho e na satisfação da

tarefa inevitavelmente tem levado a um crescente foco na natureza do homem. As tentativas de identificar e definir o que constitui a satisfação do trabalho tem levado a necessidade de se entender o processo de motivação. A luz da pesquisa pós-Hawthorne a clássica visão do homem econômico tem sido crescentemente desacreditada. As pesquisas de Reothlisberger e Dickson (1939), os estudos de White sobre a indústria de restaurantes (1948), os estudos de Walter e Guest das linhas de montagem (1952), os trabalhos de Likert sobre liderança e supervisão (1961, 1967), e os trabalhos de Lewin et al sobre liderança e dinâmica de grupo (1939), entre inúmeros outros estudos de pesquisas, têm sido interpretados como evidência e suporte do ponto de vista do homem no trabalho como um ser social motivado por necessidades afetivas.

Em essência, a tentativa de identificar e testar através de pesquisa empírica a validade de

diferentes modelos de homem pode ser entendida como uma busca por um substituto do 'homem econômico' de Taylor. As teorias behavioristas e deterministas de comportamento humano somente têm utilidade si se pode mostrar que o homem é predizível. Muito da pesquisa objetivista sobre comportamento do trabalho visa essencialmente mostrar precisamente isto: que a natureza do homem pode ser revelada através de investigação empírica sistemática de suas atitudes e comportamentos.

Na tentativa de identificar um modelo de homem apropriado para o estudo do comportamento

de trabalho, pesquisadores industriais tem feito muito uso de psicólogos humanistas tais como Abraham Maslow, cuja teoria da hierarquia de necessidades humanas tem provado ser muito influente (Maslow, 1943). Algumas tentativas específicas têm sido feitas para testar seu modelo a um nível empírico, embora a abordagem mais comum tenha sido usá-la como ponto de refe-rência para interpretar os resultados encontrados independentemente do modelo como tal. Em ambos os casos os dados gerados provaram ser não conclusivos. Mesmo o caso de Herzberg et al. (1959) com sua teoria de dois fatores de satisfação de cargo, que em essência está relacionado com as idéias de Maslow, também provaram ser não conclusivas.

Desde os anos 1960 a inabilidade de tais modelos de homem para prover explicações

consistentes de motivação e comportamento no trabalho tem levado a crescente interesse em modelos cognitivos de processo motivacional, particularmente a 'teoria da expectância'. Esta é uma teoria baseada essencialmente no que Locke tem descrito como 'uma forma de hedonismo psicológico calculativo, em que o motivo último de cada ato humano está designado a ser uma maximização do prazer e/ou uma minimização de sofrimento. O indivíduo sempre escolhe aquele curso de ação que ele espera o levará ao maior grau de prazer ou que produzirá o menor grau de sofrimento'.(Locke, 1975, p. 459). Paradoxalmente, a teoria da expectância gira a roda da psicologia industrial de volta aos dias do Taylorismo, em que em lugar do homem racional econômico, o substitui por um homem racional calculativo e hedonista.

Os psicólogos industriais têm visto o homem como crescentemente complexo e problemático

tanto quanto têm se interessado pelo comportamento em organizações. Eles têm buscado

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soluções nas psicologias humanista e cognitiva, em principio com vistas a colocar um homem psicológico complexo na estrutura de uma teoria de comportamento de trabalho determinística, embora se baseiem em modos de explicação contingencial ao invés de universal.

Teoria dos Sistemas Sócio-técnicos. Como já chamamos a atenção, os elementos da teoria dos sistemas sócio-técnicos foi

construída a partir do modelo de Hawthorne para analisar situações de trabalho. Contudo nos anos imediatamente pós-Hawthorne, estes importantes insights foram muito negligenciados em favor de estudos objetivistas de satisfação da tarefa, dinâmica de grupo, estilos de liderança e de outros fatores de interesse do movimento das relações humanas. Certos estudos tinham prestado atenção às relações entre tecnologia e estrutura social, mas foi somente a partir de 1950 que alguma coisa começou a ser abordada com relação ao que hoje se chama de abordagem dos sistemas sócio-técnicos.

O termo 'sócio-técnico' foi primeiro usado por membros do Instituto Tavistock para

caracterizar a interação de fatores tecnológicos e sociais nos sistemas de produção industrial. Ele derivou em grande medida dos estudos conduzidos por Trist e Banforth (1951) que foi dirigido a examinar o efeito da introdução do método de 'long-wall' em mina de carvão em certas minas Britânicas. Este sistema de mineração mecanizado de produção em massa, que substituiu o tradicional método 'hand-got', envolveu uma completa reorganização do trabalho e de relações sociais dentro do poço da mina. O estudo que foi fortemente informado por uma perspectiva psicanalítica focalizando a importância das relações de grupos, levou os pesquisadores a ver a situação do trabalho em termos das inter-relações entre fatores sociais e tecnológicos. O grupo foi visto não só como um sistema técnico ou um sistema social, mas como um sistemas sócio-técnico independente. Como os estudos de Hawthorne, o trabalho do Tavistock foi subscrito por pressupostos de um modelo de equilíbrio. A mudança tecnológica refletida no novo método foi vista como perturbando o 'equilíbrio pré-mecanizado' e a respostas dos mineiros foi interpretada como reações a estes distúrbios. A situação no poço foi analisada em termos de um campo de forças psicológicas e sociais, equilíbrio este que foi influenciado pela interação entre os fatores técnicos e humanos.

O estudo foi importante ao reconhecer que fatores sócio-psicológicos eram formados dentro

da natureza da tecnologia do trabalho, e que a organização do trabalho também tinha propriedades sociais e psicológicas próprias que eram independentes de tecnologia. Contudo, a noção de sistemas sócio-técnicos permaneceu de maneira embrionária, esperando refinamento através de mais pesquisa. Esta foi conduzida por membros do grupo Tavistock pelos anos 50 e resultou em um número de importantes publicações. Estas refletem uma crescente preocupação com a noção de sistema como um conceito organizativo, não só ao nível do grupo de trabalho mas para o estudo da organização como um todo, e um movimento de um modelo de equilíbrio para um sistema baseado na analogia com o organismo.

A noção de sistema sócio-técnico teve um grande impacto nos desenvolvimentos dentro do

campo de desenho de tarefa, particularmente a partir do meio dos anos 60, e sobre o movimento de qualidade de vida no trabalho. Contudo, por um numero de anos, seu uso foi muito mais proeminente na pesquisa Britânica, particularmente no Tavistock. As pesquisas conduzidas nos EE. UU. durante os anos 50 não foram tão claramente informadas pelo conceito de sistemas, embora fossem endereçadas a considerações similares. O trabalho de Argyris dá um exemplo da maior projeção e interesse. Em 1952 ele publicou O Impacto dos Orçamentos nas Pessoas e em 1957 Personalidade e Organização ambos investigando conflitos entre as necessidades da personalidade humana e as características da organização formal, reconhecendo que uma análise adequada de comportamentos em organizações deve tomar em consideração fatores individuais,

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fatores de pequenos grupos informais e fatores da organização formal (linha-staff, cadeia de comando, especialização de tarefas, lay-out da produção e controle, etc.). Argyris estava interessado em integrar pesquisa em ciência comportamental relevante através do uso de uma estrutura sistemática para estudo do que ele descreve como comportamento organizacional, e ele gera muitos insights que se comparam àqueles que caracterizam a teoria dos sistemas sócio-técnicos. Há aí contido a noção de equilíbrio. Certos elementos antecipam uma visão de organizações como sistemas abertos, e certamente o modelo subjacente é especificamente atualizado e reescrito dentro do contexto da abordagem dos sistemas abertos em um seu volume subseqüente (Argyris, 1964).

Teorias Organizacionais de Equilíbrio: Barnard e Simon. Chester Barnard (1886-1961) por muitos anos foi uma figura proeminente do managirialismo

nos EE. UU.. Como presidente de uma grande empresa, ele teve muito contacto com os sociólogos do 'Grupo de Harvard' liderados por Henderson e Mayo, durante os anos 30 e, em resposta ao encorajamento deles, firmou seus pensamentos sobre gerência e organização em seu famoso ensaio As funções do Executivo (1938). Este trabalho reflete as perspectivas e orientações dominantes do Grupo de Harvard, em que está subscrito por um interesse em análise de organizações como sistemas sociais cujas atividades podem ser entendidas com referência ao conceito de equilíbrio. Os ensaios de Barnard representam uma das primeiras tentativas siste-máticas de assentar as bases de uma teoria de organizações e foi extremamente influente no pensamento subseqüente. Na verdade Perrow foi muito adiante a ponto de sugerir que 'não seria um exagero tão grande dizer que o campo da teoria organizacional é dominado por Max Weber e Chester Barnard, cada um apresentando modelos diferentes, e que os seguidores de Barnard ganham em superioridade numérica' (Perrow, 1972, p. 75).

O trabalho de Barnard apresenta dois tratados: o primeiro é descrito como uma 'exposição de

uma teoria de cooperação e organização; o segundo como 'um estudo das funções e dos métodos de operação de executivos em organizações formais' (Barnard, 1938, p. xii). o tema subjacente é que as organizações são por natureza essencialmente sistemas cooperativos mas requerem sensibilidade gerencial para mantê-las em estado de equilíbrio. Seu ensaio como um todo busca estabelecer as bases de uma teoria gerencial que contribuirá para este objetivo geral.

Barnard define a organização formal como 'um sistema de atividades conscientemente

coordenadas ou forças de duas ou mais pessoas'(1938, p. 73) e argumenta que 'uma organização acontece quando (1) há pessoas capazes de se comunicar umas com as outras, (2) que querem contribuir com ação, (3) para atingir um propósito comum'(1938, p. 82). Barnard argumenta que estes 3 fatores - comunicação, disposição para servir e propósito comum - São condições ne-cessárias e suficientes encontradas em todas as organizações formais. No trabalho de Barnard as noções de cooperação e propósito assumem um sabor moral. Para Barnard o fato dos membros de uma organização participarem e cooperarem prontamente é tido como um endosso ao propósito da organização.

Barnard reconhece que o desequilíbrio é um estado muito comum e que na prática mesmo a

vontade das pessoas em cooperar pode estar em dúvida. Ele então devota grande atenção à consideração de caminhos em que se pode restaurar o equilíbrio através de apropriada gerência executiva. Pede-se aos executivos que dêem consideração aos necessários ajustamentos em relação ao ambiente e dentro da organização. Em relação à organização ele é solicitado a alterar as condições de comportamento dos indivíduos, incluindo as condições de treinamento individual, pela incucação de atitudes e pela construção de incentivos (19345, p. 15).

Como se percebe, embora se defenda a cooperação dos indivíduos como a característica

definidora de uma organização, a teoria das funções executivas de Barnard, é baseada em

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pressupostos de certo modo contraditórios. Isto é uma grande fraqueza em sua teoria. Sua teoria de 'induzimentos' e de 'contribuições', que é desenvolvida para explicar a continuidade da participação dos membros da organização, parece particularmente paradoxal dentro do contexto de uma organização caracterizada por um propósito comum. Similarmente a visão Barnardiana de que as funções dos executivos é de 'indotrinar' aqueles nos níveis mais baixos da organização, parece igualmente paradoxal (l938, p. 233). Do mesmo modo, sua visão de que 'o teste final de seu 'esquema conceitual' é se seu uso tornará possível uma promoção consciente e uma manipulação de cooperação entre os homens mais efetiva' (1938, p. 74), também contradiz seus pressupostos básicos a respeito da natureza cooperativa das organizações.

Embora a maior parte das secções de seu livro a teoria e estrutura das organizações formais

ha, até certo ponto, muito pouca discussão de estrutura no sentido clássico gerencial. Barnard es-teve menos interessado em descrever hierarquias gerenciais, linhas de comando, alcances de controle, desenhos de tarefas, etc., do que em delinear as relações entre membros individuais no processo executivo em andamento. Barnard abordou os problemas relacionados com a motivação individual dos membros . Para ele a teoria da organização formal estava grandemente envolvida com a relação entre pessoas.

Barnard deu muito mais atenção que os teóricos clássicos ao papel dos indivíduos, suas

motivações e comportamentos na organização, e muito menos atenção aos problemas de estrutura. Pelos anos 40 portanto, já era propício uma fusão das duas perspectivas e da criação de uma teoria de organizações orientada para objetivos que tomasse em consideração fatores humanos e estruturais. Os fundamentos de tal perspectiva se assentaram de duas maneiras bem diferentes em Simon e Selznick.

Simon, em seu famoso livro Comportamento Administrativo (1945), integra as abordagens

estrutural e motivacional à organização dentro do contexto de uma teoria de equilíbrio. Sua análise, como a de Barnard, é amplamente subscrita nas idéias de Pareto. Ele focaliza a tomada de decisão dentro da organizações e busca reconciliar os princípios de racionalidade que estão contidos na teoria da organização formal e administração com o fato de que os indivíduos nunca alcançam uma alto grau de racionalidade. Para Simon, a noção de 'homem econômico' característico da teoria clássica está plenamente em oposição com a visão do homem revelada pelos psicólogos e, na verdade, aquele que emerge da observação da experiência de trabalho diário. Uma de suas soluções é introduzir um novo modelo de homem - o homem administrativo - baseado na noção de 'racionalidade limitada' e no pressuposto de que o homem 'satisfaz' e não necessariamente 'maximiza' seu comportamento de trabalho.

Assim, para Simon, 'o interesse central da teoria administrativa é com o limite entre os

aspectos racionais e não-racionais do comportamento humano social. A teoria administrativa é peculiarmente a teoria da racionalidade intencional e limitada - do comportamento de seres humanos que se satisfazem porque não têm a sabedoria para maximizar (Simon, 1957, p. xxiv). Simon está especificamente interessado em construir uma teoria de comportamento adminis-trativo em torno de uma teoria de escolha humana ou tomada de decisão que seja suficientemente ampla e realista para acomodar aspectos racionais de escolha que tenha interessado a economistas e elementos de tomada de decisão e de comportamento que tem interessado aos psicólogos. É uma teoria que coloca no centro de seu modelo de equilíbrio (induzimento-contribuição) da organização e do qual ele deriva várias proposições de interesse para o administrador.

A teoria de Simon provou ser tremendamente influencial e tem estimulado considerável

interesse nas abordagens de tomada de decisão para o estudo das organizações. Os temas básicos implícitos na análise de Simon foram atualizados em um importante volume escrito por Simon e

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March (1958) que, em essência, buscou codificar e definir o campo da teoria de organização em termos de uma serie de proposições formais.

O modelo de Simon e March foi posteriormente desenvolvido por Cyert e March (1963) que

viram a organização como um sistema 'racionalmente adaptativo' lidando com uma variedade de restrições internas e externas para chegar a decisões. Ele vê a firma como um sistema de processamento de informações e de tomada de decisão que tem de lidar com vários conflitos dentro dos limites internos e externos à organização. Ele focaliza as operações internas da firma, desenvolve as análises de conflito de March e Simon e chega a uma perspectiva teórica que, embora dominada pela noção de equilíbrio, tem muitos pontos de semelhança com as teorias pluralistas de organização.

A Abordagem Estrutural Funcionalista à Organização. Philip Selznick (1948), como Simon, buscou desenvolver uma teoria de organização orientada

para objetivos que toma na devida consideração fatores humanos e estruturais. Contudo, enquanto Simon focalizou organizações como entidades de tomada de decisão, Selznick escolheu desenvolver uma visão estrutural funcionalista.

Ele começa sua análise revendo duas definições de uma organização, uma do trabalho de J.

M. Gauss e outra de Barnard. Gauss definiu a 'organização como 'um arranjo de pessoas para facilitar a atingimento de alguns propósitos combinados através da alocação de responsabilidades e de funções “(1936, p. 66). Barnard definiu uma organização formal como um sistema de atividades conscientemente coordenadas ou forças de duas ou mais pessoas (1938, p. 73). Assim, Selznick liga sua visão de organização como expressão estrutural da ação racional e reconhece que as organizações estão longe de serem racionais em suas verdadeiras operações. Alinhando as conclusões de Hawthorne, com as pesquisas sobre disfunções burocráticas de Merton e com a análise dos sistemas cooperativos de Barnard, Selznick argumenta que na medida em que se inspeciona estas estruturas formais começa-se a ver que elas nunca são bem sucedidas na conquista das dimensões não racionais do comportamento organizacional. Este úl-timo permanece imediatamente indispensável para a continuidade do sistema de coordenação e ao mesmo tempo a fonte de fricção, dilema, dúvida e ruína. (Selznick, 1948, p. 25). Em outras palavras, Selznick argumenta que embora as organizações sejam formalmente racionais, na prática real, elas são grandemente influenciadas pelos aspectos informais e sociais da organização. Ele argumenta que os indivíduos nunca se submetem totalmente aos ditames da estrutura formal. Ele também argumenta que o ambiente institucional dentro do qual a organização se encontra exerce pressão sobre a estrutura formal e social da organização. Enfim sugere que a organização poderia ser vista como 'uma economia' e como 'uma estrutura social adaptativa'.

Tendo integrado os aspectos formal e social, econômico e técnico, Selznick defende uma

forma estrutural funcional de análise . Ele reconhece que a análise sociológica das estruturas formais é inadequada como um fim em si mesmo e que se requer uma teoria de organização capaz de entender o processo adaptativo. Ele vê a análise estrutural funcional como sendo adequada para este fim e desenvolve um modelo baseado na analogia com um organismo biológico. Em grande medida ele segue o esquema de Parsons já descrito em que busca identificar os 'imperativos' funcionais que servem a todas as necessidades de 'manutenção do sistema' como um todo.

Em Selznick como em Simon a racionalidade está presente como um conceito central. Em

Simon o 'homem administrativo' preserva a racionalidade como um conceito preeminente. A natureza do homem é redefinida para servir a teoria da organização formal. No modelo de Selznick a noção de racionalidade ocupa um papel de pano de fundo ainda que extremamente

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penetrante em termos da natureza intencional da organização. A presunção é de que a organização opera de maneira direcionada para objetivos, e é engrenada para auto-manutenção internamente e em relação a seu ambiente. A adoção de uma analogia orgânica como uma base de análise conduz a identificação de uma serie de imperativos funcionais que servem às necessidades da organização como um 'econômico' e 'sistema social adaptativo'. A racionalidade intencional é ainda o conceito dominante, embora - em contraste com Simon - o indivíduo esteja aparentemente ausente; a racionalidade intencional torna-se uma característica do sistema como um todo.

Organizações como Sistemas Abertos. Desde a metade dos anos 50 a abordagem dos sistemas abertos se estabeleceu com um meio

popular de estudar as organizações. Para iniciar recordemos a discussão do trabalho do Instituto Tavistock onde o conceito de sistemas sócio-técnicos foram formulados a base de um modelo mecânico de equilíbrio (Trist e Bamforth, 1951). Em 1958 incorporou-se ao conceito uma abordagem bem mais ampla de sistemas sócio-técnicos abertos baseados em analogias orgânicas. A análise de Rice (1958) da pesquisa do Tavistock em uma firma têxtil Indiana deu uma clara ilustração de que a empresa industrial é vista como um sistema sócio-técnico que deve satisfazer as condições financeiras da industria da qual é parte. As dimensões sociais, tecnológicas e econômicas da organização são todas vistas como independentes mas com valores próprios. Dito de maneira mais incisiva, o argumento é de que em um sistema industrial há imperativos sociais, tecnológicos e econômicos que devem ser satisfeitos se pretende um sistema industrial ótimo a ser alcançado.

A análise de Rice da firma têxtil está explicitamente baseado no modelo de uma firma como

um organismo vivo que está aberto para seu ambiente. A forma é vista como mantendo-se através da troca de materiais com o ambiente - importando capital, matérias primas, equipamentos e suprimentos, e exportando dividendos, investimentos, sobras e produtos finais. O estudo é guiado para a noção de 'tarefa primária'. Cada sistema ou subsistema é visto como tendo, a qualquer tempo, uma tarefa primária - tarefa que é criada para desempenhar (Rice, 1958, p. 32).

A organização é assim vista como um sistema unitário sob o guarda-chuva de uma tarefa

comum. o sistema social é visto como uma força positiva contribuindo para o alcance da tarefa. A tecnologia é vista como impondo restrições sobre possíveis maneiras de organização, mas onde é possível se fazer escolhas. A variável importante é, portanto, o desenho organizacional. A concepção de um modo apropriado de organização do trabalho que satisfaça as demandas da tec-nologia e as necessidades dos empregados é vista como a chave para a produção de uma organização efetiva e harmoniosa. Este é uma visão de sistema que se baseia na filosofia de engenharia social e que em essência busca melhorar os problemas criados pela mudança tecnológica.

A sofisticação da abordagem dos sistemas sócio-técnicos abertos para o estudo das

organizações foi elaborado mais tarde dentro do contexto da problemática acima, através de outra pesquisa conduzida por membros do Tavistock. Neste trabalho dá-se cada vez mais atenção a relação entre a organização e seu ambiente. Em seu livro A Empresa e seu Ambiente (1963), Rice define a tarefa primária da organização como 'a tarefa que ela deve desempenhar para sobreviver' e 'a tarefa primária da liderança como 'gerir as relações entre a empresa e o seu ambiente de modo a permitir um desempenho ótimo da tarefa primária da empresa' (1963, p. 13-15). O ambiente da empresa é visto como consistindo de suas adjacências políticas, sociais e econômicas totais; para uma parte da empresa o ambiente é visto como incluindo as outras partes e o todo (1963, p. 15). Alinhada com a crescente atenção devotada ao 'ambiente', a noção de regulação de fronteiras e gerenciamento é também dada crescente importância, particularmente

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no trabalho de Miller e Rice (1967). Regulação de fronteira é visto como 'o controle gerencial essencial em qualquer empresa' e é dada considerável atenção aos problemas e importância de definição de fronteiras de sistemas de controle dentro da empresas e entre as empresas e seus ambientes. Este trabalho vê explicitamente a organização 'como uma ferramenta desenhada pri-mariamente para desempenho de tarefa', em que 'as necessidades humanas - para satisfação e para defesa contra ansiedade - poderia ser vista como restrições ao desempenho da tarefa' (Miller e Rice, 1967, p. vi).

A natureza dos ambientes organizacionais também tem recebido uma grande quantidade de

atenção da equipe do Tavistock em anos recentes. Emery e Trist publicaram um artigo bem conhecido 'A Textura Causal de Ambientes Organizacionais', em que mudaram o foco da teoria dos sistemas abertos de um interesse específico que Dill (1958) descreveu como 'ambiente de tarefa' para um interesse mais geral de 'apreciação' do ambiente social como um domínio quase-independente. A turbulência do ambiente mundial como um todo e suas implicações para o futuro passaram a ser vistos como importantes influências contextuais nas atividades da organização. Seu interesse mais amplo por contexto levou-os a um interesse no campo da ecologia social' (Emery e Trist, 1972). A tentativa de entender organizações como sistemas sócio-técnicos abertos tem levado com ela um interesse em entender os padrões de vida característicos da sociedade pós-industrial, a maneira em que estes padrões estão mudando e as implicações que eles carregam para o entendimento e a influenciação da operação de organizações como sistemas adaptativos complexos. Este interesse em ecologia social tem levado a uma fusão entre a teoria dos sistemas sócio-técnicos e as teorias do 'pós-industrialismo', que tem levado os pesquisadores envolvidos, a saírem de um interesse de base exclusiva e estreita de teorias de organização e mudança organizacional para um interesse em teoria social e mudança social. Suas teorizações agora refletem aquelas teorias da engenharia social operando em uma verdadeira escala macro.

A segunda ilustração da abordagem dos sistemas abertos é tirada do trabalho de Katz e Kahn.

Seus estudo A psicologia Social das Organizações (1966) se firmou como um clássico no campo e proporciona um dos mais citados modelos de sistemas de uma organização. Em essência ele constitui um modelo de organização estrutural funcionalista, apresentado na terminologia e jargão da teoria dos sistemas abertos. Sua abordagem básica ao estudo do fenômeno social é muito na tradição de Radcliffe-Brawn, em que eles enfatizam a necessidade de ver o sistema social mais como uma 'estruturação de eventos ou acontecimentos do que de partes físicas' e como não tendo 'estruturas fora de seu funcionamento' (Katz e Kahn, 1966, p. 31). Eles vêem a abordagem dos sistemas abertos como um meio de analisar o contexto social e institucional em que as pessoas vivem, e desenvolvem um modelo de processo para entender as organizações em termos de 'input', 'throughput' e 'output'. A análise é largamente baseada no pressuposto de que os sistemas sociais são homeostáticos, possuindo característica de entropia negativa, feedback, diferenciação e equifinalidade.

Dentro do contexto da abordagem dos sistemas abertos Katz e Kahn dão 5 tipos genéricos de

subsistemas: SUBSISTEMA DE PRODUÇÃO OU TÉCNICO primordialmente envolvido com a

produção organizacional; SUBSISTEMA DE APOIO que executa as transações com o ambiente na procura de insumos

ou na disposição de produtos ou de ajuda nestes processos;

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SUBSISTEMAS DE MANUTENÇÃO para atrair e manter pessoas em seus papeis funcionais;

SUBSISTEMA ADAPTATIVO envolvido com mudança organizacional; SUBSISTEMA GERENCIAL que dirige e adjudica entre todos os outros. (Katz e Kahn, 1966, pp. 39 -47). Esta classificação é reminiscência dos quatro 'imperativos funcionais de Parsons discutidos no

capítulo anterior e reflita a predileção de Katz e Kahn pela explanação dos fatores que eles vêem como "criando e mantendo um sistema estável (1966, p. 107). Eles estão principalmente interessados em explicar a maneira pela qual os sistemas sociais mantêm-se a si mesmos, e toda a análise deles é dirigida para este mister. Eles reconhecem explicitamente as limitações dos modelos mecânicos como meios de estudar os atividades sociais, e argumentam que o uso de tais modelos ignora o significado da abertura de sistemas com relação a produção e manutenção de insumos e negligencia a grande importância do insumo de manutenção para o sistema social (1966, p.31). Eles argumentam que especial atenção deve ser dada a estes insumos de manutenção.

Os modelos do Tavistock e de Katz e Kahn representam duas das mais proeminentes

abordagens de sistemas ao estudo das organizações e servem ao propósito de ilustrar o estado da arte no presente. A teoria dos sistemas abertos tem tido, indubitavelmente, o maior impacto, particularmente com relação à ênfase que agora se coloca no entendimento da natureza e influenciado ambiente e no estudo de organizações como processos e não como estruturas.

Os modelos de sistemas abertos são invariavelmente baseados na analogia com um organismo

biológico. A organização é vista como essencialmente intencional por natureza e como tendo certas necessidades ou 'imperativos funcionais' que devem ser preenchidos se a organização é parta continuar existindo. Deste modo, na pressuposição de que as organizações são como organismos vivos, aos modelos de sistemas são freqüentemente atribuídos objetivos de sobrevivência. Isto é conceituado em termos de 'tarefas primárias' ou em termos de algum tipo de processo de estabelecimento de objetivo. A organização e seus subsistemas são então vistos como orientados para o alcance deste objetivo geral e presumido ser inteligível com este ponto de referência em mente. A norma de racionalidade intencional é subjacente a abordagem como um todo. Os subsistemas são definidos e suas ações julgadas com referência a suas influencias sobre a habilidade do sistema de atingir a tarefa primária.

Estudos Empíricos de Características Organizacionais. Um dos primeiros e certamente um dos mais significantes estudos organizacionais na tradição

behaviorista foi aquele conduzido por Joan Woodward no inicio dos anos 50. Woodward (1958 e 1965) buscou descobrir se os princípios de organização defendidos pelos teóricos do gerencialismo clássico tinham correlação com sucesso nas empresas de negócios quando postos em prática. Uma vez que a maioria destes princípios tinha a ver com o desenho de estruturas de organização, seu levantamento de firmas do sudeste de Essex envolveu a coleta de uma ampla variedade de dados quantitativos relacionados com a organização da firma, com processos e métodos de manufatura, com sucesso comercial e com a história em geral. Os resultados de seu estudo agora famosos, sugeriram que havia uma relação empírica entre a natureza dos sistemas de produção (tecnologia), os padrões de organização e o sucesso nos negócios. Enquanto rejeitando as hipóteses derivadas da teoria gerencial clássica, o estudo gerou uma nova: que os métodos técnicos eram o fator mais importante na determinação da estrutura da organização e tinha uma importante influência sobre as relações humanas dentro da firma. Este estudo e seus resultados estavam muito alinhados com as conclusões emergentes de pesquisa conduzida em

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outros lugares. O interesse na relação entre tecnologia e organização social estava em grande ascendência. O trabalho de Trist e Bamforth (1951), Walter e Guest (1952), Burns e Stalker (1961), Sayles (1968) e muitos outros estavam produzindo achados semelhantes. O que é impor-tante no trabalho de Woodward para nossos propósitos é que ele foi focado no nível de análise organizacional e empregou simplesmente descrições quantitativas que poderiam ser submetidas a análise estatística. Isto abriu as comportas a um novo estilo de pesquisa baseado em pressupostos objetivistas que as organizações são fenômenos empíricos concretos e firmes que podiam ser mensurados.

O trabalho do grupo de pesquisadores de Aston sobre organizações na Inglaterra durante os

anos 60 e inicio dos anos 70 representa uma das mais proeminentes, sistemáticas e sustentadas tentativas de estudar as organizações de uma perspectiva bolchevista (Pugh et al., 1976).

Em essência, a pesquisa de Aston buscou conceituar e medir estruturas organizacionais, e o

contexto em que elas são estabelecidas, com vistas a examinar as relações entre eles através de uma análise de dados multi-variada. As estruturas organizacionais foram conceituadas em termos de um número de dimensões - especialização, padronização, formalização, centralização, configuração e flexibilidade - que em grande medida derivou do conceito de burocracia de Weber em termos de um 'tipo ideal'. A noção de 'contexto' foi conceituada em termos de fatores tais como origem e história, propriedade e controle, tamanho, carta patente, tecnologia, localização, recursos e interdependência (com outras organizações).

Nos EE. UU. têm sido conduzidas numerosas pesquisas nesta linha de Aston, relacionando,

medindo e explicando as mais diversas Características organizacionais. Dentre os mais proeminentes pesquisadores Richard Hall, Hage e Aikin e Peter Blau.

O extremamente alto grau de envolvimento com modelos e métodos das ciências naturais que

caracteriza este tipo de trabalho estabeleceu-se firmemente como uma perspectiva dominante dentro da teoria de organização. Ele busca avançar no conhecimento e no entendimento das organizações através de análise empírica de um mundo social reificado. Ele se baseia em uma ontologia, epistemologia, metodologia e numa visão da natureza humana característica da região mais objetivista do paradigma funcionalista.

Teoria da Contingência: uma Síntese Contemporânea. A abordagem contingencial ao estudo das organizações tornou-se crescentemente

proeminente durante os anos 70 como um tipo solto de estrutura para sintetizar as principais noções das teorias de sistemas abertos com os resultados de pesquisas objetivistas conduzidas em todos os níveis de análise organizacional. O resultado de pesquisas empíricas sobre motivação do indivíduo, satisfação do trabalho, estilo de liderança, estrutura da organização, tecnologia e muitas outras variáveis organizacionais têm sido interpretadas dentro do contexto de um conjunto de proposições gerencialmente orientadas, que estabelecem que a operação efetiva de uma empresa depende de haver uma combinação apropriada entre sua organização interna e a natureza das demandas colocadas sobre ela por suas tarefas, seus ambiente e as necessidades de seus membros.

A idéia de uma teoria contingencial de organização foi primeiro apresentada de uma maneira

explícita por Lawrence e Lorsch em seus livro A Organização e o Ambiente (1967), que reportou os resultados de um estudo empírico de 10 organizações operando em uma variedade de condições ambientais. Os autores expressam suas visíveis da organização como sistema da maneira seguinte:

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"A um nível mais geral descobrimos ser útil ver a organização como um sistema aberto em que o comportamento dos membros estão inter-relacionados entre eles. Os comportamentos dos membros de uma organização são também interdependentes com a organização formal, as tarefas a serem atingidas, as personalidades de outros indivíduos, e das regras não-escritas sobre comportamento apropriado de um membro. Sob este conceito de sistema o comportamento de qualquer um gerente pode ser visto como determinado não somente pelas necessidades e motivos de sua própria personalidade, mas também pela maneira como sua personalidade interage com aquelas de seus colegas. Alem disso, esta relação entre membros da organização é também influenciado pela natureza da tarefa a ser desempenhada, pelas relações formais, recompensas e controles, e pelas idéias existentes dentro da organização sobre como um membro bem aceito deveria se comportar. É importante enfatizar que todas estas determinantes de comportamento são elas próprias inter-relacionadas. (Lawrence e Lorsch, 1967, p. 6)".

O estudo de Lawrence e Lorsch coloca ênfase na organização como um sistema que está

internamente diferenciado e que deve alcançar um adequado nível de integração se é que se adapte às condições que encontra em seu ambiente. Com base no resultado de suas pesquisas empíricas, os autores concluem que as organizações mais efetivas são aquelas que são bem sucedidas em alcançar um grau de diferenciação e de integração compatíveis com as demandas ambientais. Os resultados da pesquisa sugeriram que organizações efetivas em todos os ambientes empregaram métodos efetivos de resolução de conflitos a fim de manter o requerido estado de diferenciação e ainda alcançar o grau de integração requerido. (1967, p. 109-132).

Os achados de Lawrence e Lorsch proporcionaram um desafio direto aos princípios das

teorias gerencial clássica e de relações humanas. Enquanto a teoria gerencial clássica especifica princípios universais de organização, os estudos de Lawrence e Lorsch sugeriram que diferentes princípios organizacionais eram apropriados em diferentes circunstâncias ambientais e certamente em diferentes partes da mesma organização. Os teóricos das relações humanas ti-nham enfatizado a importância de adotar estruturas organizacionais e estilos gerenciais que permitissem a satisfação de necessidades psicológicas através, por exemplo, da participação em decisões, da assunção de responsabilidades, etc. Em outras palavras, eles eram geralmente a favor de uma abordagem à organização que mudava de um modelo burocrático mecanicista para um mais flexível, frouxamente estruturado, aberto e orgânico. Lawrence e Lorsch sugeriram que um modelo altamente estruturado e burocrático, do ponto de vista do sucesso dos negócios, poderia ser efetivo em certas circunstâncias.

Já era oportuno, portanto, uma reconciliação das minuciosas proposições da teoria gerencial

clássica e das relações humanas, que por muitos anos se colocaram em oposição uma com a outra. A abordagem da teoria contingencial de Lawrence e Lorsch pareceu mostrar um caminho adiante sugerindo que a propriedade dos princípios gerenciais dependem da natureza da situação em que eles são aplicados. Ademais, outros estudos empíricos importantes geraram resultados similares. O estudo de Woodward (1958) demonstrou que firmas comercialmente bem sucedidas organizaram-se de maneira compatível com suas tecnologias. Burns e Stalker (1961) demonstraram que firmas bem sucedidas adotaram uma abordagem à organização e gerência consistentes com demandas de seus ambientes, particularmente com relação ao grau de mudança de mercado e de tecnologia. Emery e Trist (1965), também deram atenção à importância das demandas do ambiente sobre as organizações, e juntamente com outros colegas do Tavistock por muito tempo argumentaram que a organização era uma variável aberta à escolha (Trist at al., 1963). O trabalho sobre estruturas de organização conduzido nos anos 1960 pelo grupo de Aston (Pugh at al., 1976), e Richard Hall (1972), entre muitos outros (por exemplo, Udy, 1959), apontaram para a variedade e diversidade de formas organizacionais e dirigiram a atenção para a necessidade de alguma forma de explicação. Fiedler (1967) desenvolveu uma teoria da contingência da liderança. Thompson sugeriu que á função básica de administração parece ter co-alinhamento, não meramente com pessoas (nas coalizões) mas de ação institucionalizada - de

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tecnologia e tarefa ambiental num domínio viável, e de desenho organizacional e estrutura apropriada com ele (Thompson, 1967, p. 157). Burns e Stalker argumentaram que 'o inicio da sabedoria administrativa é a consciência de que não há um tipo ótimo de sistema gerencial' (1961, p. 125). Em suma, pareceu que uma teoria contingencial era necessária para dar uma oportunidade de reconciliar e sintetizar as conclusões emergentes dos trabalhos de um corpo di-versificado de teóricos estudando organizações e comportamento de um ponto de vista gerencial. Dez anos depois dos estudos de Lawrence e Lorsch constata-se que houve muito pouco progresso na articulação de uma teoria da contingência como tal. No momento, há dentro da teoria da organização um corpo de pesquisa representativo da 'visão contingencial' ou 'abordagem contingencial' e um conjunto organizado de proposições que, em ultima análise endossam a visão de que não há regras universalmente válidas de organização e gerência.

Um Modelo de Contingência para Análise Organizacional. 1. A teoria contingencial de organização postula que as organizações e seu funcionamento

podem ser entendidos em termos de princípios que se aplicam aos organismos biológicos. 2. Ela é baseada em uma visão de sistemas abertos que vê uma organização como existindo

dentro de um contexto de um ambiente mais amplo. 3. A organização e seu ambiente são vistos como estando em um estado de mútua influencia e

interdependência. Em princípio a organização é vista como representando um subsistema de um sistema social mais amplo em que o ambiente é parte.

4. Contudo, como analistas organizacionais, os teóricos da contingência focalizam a

organização como uma unidade em si mesma, distinta do ambiente mais amplo por uma fronteira nacional.

5. A teoria da contingência está interessada em entender e representar as associações chave

que caracterizam relações entre a organização e seu ambiente. 6. Assume-se que as relações chave entre organização e ambiente podem ser entendidas em

termos das 'necessidades' de sobrevivência da organização. 7. A organização, alinhada com o uso de uma analogia orgânica, é vista como compondo uma

serie de subsistemas interdependentes, cada um dos quais tem uma função a desempenhar dentro do contexto da organização como um todo.

8. Em outras palavras, a organização como um sistema compõe uma serie de subsistemas

funcionais, cada um dos quais pode interagir com elementos do ambiente externo à organização. Devido a suas importâncias para as necessidades de sobrevivência da organização como um todo, cada um pode ser conceituado em termos de um 'imperativo funcional'.

9. Teóricos da contingência não estão em completa concordância com o que caracteriza os

subsistemas ou imperativos funcionais, ou que poderia ser destacado para representar o sistema como um todo. Eles freqüentemente confundem subsistemas funcionais com suas manifestações estruturais a qualquer ponto dado no tempo. Contudo, os subsistemas a seguir são freqüentemente identificados em uma forma ou outra na literatura, e eles são apresentados aqui como imperativos funcionais de relevância direta ao interesse dos teóricos da contingência para explicar a sobrevivência da organização dentro de um contexto de seu ambiente mais amplo.

O subsistema de controle estratégico. A organização como um sistemas é vista como

necessitando de orientação estratégica com o objetivo de manter um equilíbrio apropriado entre a

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organização e o seu ambiente. Este é um problema de gerenciamento das fronteira entre a empresa e seu ambiente. Isto é visto usualmente como monitorização de mudanças mercadológicas, tecnológicas, econômicas, políticas e sociais. com vistas a tomar decisões-chave que (a) estabeleça os objetivos e a direção da organização como um todo, (b) ponha em movi-mento os mecanismos internos que produzirão um equilíbrio apropriado e relações entre subsistemas dentro da organização e assim (c) assegure a viabilidade, legitimidade e sobrevivência das organização dentro do seu contexto no ambiente mais amplo.

O subsistema operacional. A organização é vista como sendo envolvida em alguma forma de

atividade proposital engrenada para o atingimento de metas e objetivos estabelecidos por seus fazedores de política. Nas organizações industriais esta atividade envolve a transformação de insumos em produtos ou bens finais. Este processo de transformação reflete o 'imperativo operacional' característico de organizações orientadas para objetivos. Este imperativo recebe expressão tangível através do qual os papeis produtivos são organizados. Em termos amplos é também caracterizado pela tecnologia empregada.

O subsistema humano. Na maioria das teorias de organização contemporâneas o papel dos

seres humanos na organização recebe um status especial. Os indivíduos são reconhecidos como tendo certas necessidades que devem ser satisfeitas se quer atrai-los e encorajá-los a permanecer dentro da organização e que eles se apliquem dentro de seus papeis funcionais de maneira consistente com as exigências do sistema como um todo. Os teóricos diferem com relação a natureza deste imperativo funcional, de acordo com o modelo de homem que adotam. De um ponto de vista de sistema, o 'homem econômico', o 'homem social', o 'homem auto-atualizante' ou qualquer outro, implica um imperativo humano de forma diferente.

O subsistema gerencial. É responsável pela integração e pelo controle interno da organização.

A diferenciação funcional requer métodos de integração para atender as demandas e solucionar conflitos entre os subsistemas de 'produção' e 'humano' para assegurar a harmonia dos requisitos impostos pelo subsistema de 'controle estratégico'. Na maioria das teorias de organização contemporâneas, o gerenciamento é visto como um imperativo funcional; a noção de subsistemas de humanos e de produção auto-reguladores não é freqüentemente encontrada, embora tenda a se usar os grupos de trabalho autônomos como algo que se move em direção deste estado de coisas e, até certo ponto, mina a noção de imperativo gerencial. A operação do subsistema gerencial se expressa de duas maneiras principais. Em primeiro lugar, recebe expressão estrutural através da estrutura de autoridade como, por exemplo, está refletido nos orga-nogramas, descrições de cargos, sistemas de controle de orçamento e outros. Segundo, se expressa pelos estilos gerenciais adotados pelos gerentes individualmente nas suas relações cotidianas.

10. A teoria contingencial assume que cada um dos quatro subsistemas é aberto a um gama de

variações; enfatiza as escolhas estratégicas, escolhas tecnológicas (isto é, escolha de métodos operacionais) e escolhas organizacional e gerencial. Também reconhece que a natureza do subsistema humano sofre a contingência de personalidades e orientações de membros da organização. Reconhece outrossim que cada um dos subsistemas pode refletir uma gama de variações no interior de cada organização.

11. A variação nos ambientes e nos subsistemas organizacionais têm recebido considerável

atenção em teoria e pesquisa conduzidas dos últimos 20 anos ou mais, e parece haver um emergente consenso de que a diferenciação destas variáveis pode ser caracterizada nos seguintes termos:

a) o ambiente:

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Estável e Turbulento e certo imprevisível

Um tema comum rolando através de recentes pesquisas sobre a natureza dos ambientes

organizacionais focalizam o conceito de incerteza como uma característica preeminente para se distinguir entre diferentes tipos de ambiente. A pesquisa de Burns e Stalker (1961), Emery e Trist (1965), Lawrence e Lorch (1967), Thompson (1967), Terryberry (1968) e Child (1972) dentre outros, todos eles de maneira diferente caracterizam os ambientes em termos do grau de incerteza.

Uma das dificuldades encontradas em tentar aplicar este conceito de incerteza na análise dos

ambientes organizacionais gira em torno da definição do que constitui um ambiente particular. A distinção entre "tarefa ambiental" (Dill, 1958) e "contexto" (Emery e Trist, 1965) é aqui particularmente relevante. Visto do ponto de vista deste último, todas as organizações contemporâneas estão localizadas num ambiente certo e turbulento, em que as mudanças de tecnologia, economia, mercado, assim como social e políticas rapidamente se tornam uma norma característica da sociedade pós industrial. Deste ponto de vista, terminou a época do ambiente estável e certo.

b) o controle estratégico: Estabelecimento de Criação de sistemas metas operacionais de aprendizagem Dentro de uma visão de organizações num contexto de contingência a principal tarefa da

administração de topo - assegurar sobrevivência - usualmente tem sido interpretada como a necessidade de relacioná-la com seu ambiente (Burns e Stalker, 1961; Rice, 1958 e 1963). Deste ponto de vista, a natureza da principal tarefa é a contingência das circunstâncias ambientais. Assim a principal tarefa estratégica de uma organização em um ambiente altamente incerto e turbulento é visto como sendo o de facilitar a aprendizagem organizacional e sua adaptação às mudanças. Em um ambiente mais estável a principal tarefa pode ser conceituada em termos do atingimento de objetivos mais estáveis. Ao proporcionar estabilidade, a principal tarefa de uma organização pode ser muito mais operacionalmente orientada para a manutenção de estabilidade e de sobrevivência da organização através da eficiência e de alcance efetivo dos objetivos preestabelecidos. A dimensão do controle estratégico pode então ser conceituado de um ponto de vista contingencial, em termos de estabelecimento de objetivos operacionais versus a geração de aprendizagem no interior da organização. Esta caracterização reflete as implicações das circunstancias ambientais para as decisões estratégicas.

c) o subsistema operacional. Papeis rotineiros de papeis complexos de baixa liberdade de ação alta liberdade de ação Como subsistema operacional define-se aqui todas as atividades - produção, vendas, pessoal,

finanças, pesquisa e desenvolvimento, que contribuem para o processo geral de transformação com o qual a organização está envolvida. Dois conceitos básicos estão aí envolvidos: o de 'tecnologia' e o de 'tarefa operacional'. Segundo as contribuições de pesquisadores do grupo de Aston (Hickson at all, 1969 e Charles Perrow, 1967) pode-se distinguir 3 tecnologias: a tecnologia de operações, a de materiais e a de conhecimento.

Tecnologia de operações:

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Refere-se a técnicas usadas no fluxo de atividades. Significa ter um numero de características tais como 'automação', 'rigidez de fluxo' e exatidão de padrões contra os quais as operações podem ser avaliadas. Outros fatores tais como 'continuidade' podem ser relevantes em certos casos.

Tecnologia de materiais: Este conceito, também usado por Perrow, diz respeito a características do material usado no

fluxo de trabalho, particularmente sua 'uniformidade' e 'estabilidade'. Tecnologia de conhecimento: Um conceito novamente usado por Perrow, que diz respeito ao conhecimento usado no fluxo

de trabalho, um fator grandemente influenciado pela predibilidade e familiaridade dos problemas encontrados.

Todos estes três elementos de tecnologia se combinam para influenciar a natureza do cargo ou

'tarefa' dentro das organizações, e muitos escritores têm escolhido analisar o impacto da tecnologia a este nível de papeis individuais. As características das três dimensões acima parecem se correlacionar em termos de 'rotina' ou de 'conteúdo discricionário' do trabalho, fator este que tem sido investigado por Jaques (1962) e Turner e Lawrence (1965), entre outros. Este 'grau de rotina' de tarefas proporciona um meio de diferenciação entre características de subsistemas operacionais, desde aqueles dominados pela tecnologia do tipo produção em massa que cria um tipo de baixa liberdade de ação, até aqueles mais complexos de alta liberdade de ação, como por exemplo, muitos dos papeis de executivos, ou de trabalhos enriquecidos.

d) O subsistema humano. homem econômico orientação homem auto-realizador para o trabalho trabalho como centro de interesse da vida Desde os estudos de Hawthorne, as necessidades do subsistema social ou humano dentro de

uma organização tem recebido crescente atenção. A ampla linha de argumento tem sido a de que a visão do 'homem econômico' de Taylor que vê o trabalho de maneira puramente instrumental deturpa grosseiramente as necessidades e aspirações das pessoas no trabalho. visíveis alternativas de motivação humana que (seguindo Maslow e Outros psicólogos humanistas) enfatizam a importância de satisfação de necessidades de 'alto nível', têm sido advogadas por muitos teóricos como proporcionando um modelo de homem mais realista para se compreender o comportamento humano. As teorias de Argyris (1957 e 1964), Heszberg et al. (l959) e muitos outros teóricos da neo-relações humanas, têm apresentado este ponto de vista e argumentado de que a satisfação das necessidades de alto nível, no trabalho, é um imperativo na medida em que envolve crescimento e desenvolvimento humano, satisfação no cargo e desempenho efetivos. Os diferentes modelos de homem advogados por Taylor por um lado, e dos teorismos da neo-relações humanas por outro, deste modo oferecem uma maneira de conceituar a natureza do subsistema humano em termos dos imperativos estabelecidos pela natureza das necessidades humanas. Contudo, a situação é mais complicada do que isto, naquilo em nossa discussão do objetivismo pós-Hawthorne tem mostrado, que a evidência empírica em apoio a este imperativo está longe de ser nítida, e a relação não é tão determinista como muitos teóricos têm sugerido. Uma importante idéia suplementar que certos teóricos têm defendido para manter a validade da 'abordagem de modelo de homem' à luz desta evidência, se relaciona com a questão de orientação para o trabalho. Pesquisas desenvolvidas por Dubin(1956) e Goldthorpe e seus colegas (1968) demonstraram que o trabalho não é de modo algum o interesse central da vida, e que as pessoas podem procurar minimizar seu comprometimento com o trabalho e obter sa-tisfação (em termos de necessidades psicológicas, metas e valores pessoais, ou o que quer que seja), em qualquer parte. Deste modo, o fator 'orientação para o trabalho' deve ser colocado lado a lado com a análise do 'modelo de homem' em qualquer tentativa de conceituar as dimensões do

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subsistema humano. A análise psicológica em termos de necessidades modifica-se então em termos de fatores sociológicos que influenciam as atitudes no trabalho.

e) o subsistema gerencial. Burocrático Orgânico Autoritário Democrático (teoria X) (teoria Y) Como já se argumentou, o subsistema gerencial expressa-se através da estrutura formal de

autoridade e da natureza dos estilos pessoais de comportamentos de gerentes individualmente. Em princípio, ambos são capazes de variar independentemente, vez que se pode argumentar que tipos particulares de organização atraem e desenvolvem tipos particulares de gerentes.

A estrutura da autoridade formal das organizações tem recebido uma considerável quantidade

de atenção na literatura de teoria das organizações e tem se tornado mais ou menos ortodoxa ao comparar organizações em termos do grau de burocratização, usando o tipo de burocracia ideal de Weber como base de análise. A distinção dada por Burns e Stalker(1961) em termos de organizações orgânicas e mecânicas ficou também muito bem estabelecida e, como já referido acima, as pesquisas de Woodward (1958), o grupo de Aston(Pugh at al., 1976) e Richard Hall(1972), do mesmo modo que os trabalhos empíricos anteriormente citados veio acrescentar substancia à noção de que de fato as organizações variam em termos de sua estrutura formal.

Os estilos de liderança ou gerenciais também têm recebido considerável atenção dos

pesquisadores operando tradição das relações humanas como, por exemplo, McGregor com sua teoria X e Y (1960), Likert com seus sistemas 1 a 4 (l967, e Black e Mouton com seus estilos 9.1 e 9.9 (1964). servem para capturar um elemento comum (a teoria X e Y) que distingue aqueles estilos gerenciais que procuram dirigir, coagir e controlar aqueles concebidos para integrar o indivíduo e a organização através de estilos mais democráticos e abertos que enfatizam a importância de delegação, confiança e satisfação intrínseca da tarefa.

12. A teoria da contingência postula que a efetividade da organização em lidar com as

demandas de seu ambiente é contingente dos elementos dos vários subsistemas que compõem a organização desenhada de acordo com as demandas do ambiente (ou mais acuradamente, dos vários sub-ambientes) com a qual ela interage; isto implica que os elementos de diferentes subsistemas devem ser congruentes em termos das características junto a cada elemento das dimensões básicas através das quais eles são definidos. Chamaremos isto de hipótese de congruência.

A hipótese de congruência garante mais elucidação, que pode ser facilmente atingida com a

ajuda da figura 5.5. A hipótese de congruência postula que uma condição necessária para a efetividade de uma organização em atender as demandas de seu ambiente é que as relações entre características dos sistemas sejam congruentes; postula-se que as organizações serão menos efetivas ao lidar com as demandas quando tais relações são incongruentes. Estabeleceu-se a hipótese de que, por exemplo, uma organização ou parte dela ao lidar com um ambiente altamente estável e certo pode operar efetivamente quando:

(a) o subsistema estratégico é engrenado para o estabelecimento de objetivos; (b) o subsistema operacional emprega uma tecnologia que conduz a alta especialização e

divisão do trabalho de acordo, por exemplo, com os princípios de administração científica; (c) os empregados estão contentes com as recompensas econômicas e têm baixas expectativas

em relação ao trabalho;

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(d) a organização é estruturada de maneira burocrática; (e) a organização é gerenciada de maneira altamente autoritária e diretiva. De maneira inversa, estabelece-se a hipótese que quando uma organização ou um elemento de

uma organização está lidando com um ambiente turbulento e imprevisível, o elemento apropriado da organização necessidade de:

(a) administração estratégica que reforce a habilidade da organização como um todo a

aprender e responder ao ambiente pela (b) adoção de um sistema operacional caracterizado por papeis complexos e de alta liberdade

de ação, que são (c) preenchidos pelo 'homem organizacional' que busca o trabalho como seu interesse central

de vida e que tenta satisfazer necessidades psicológicas do mais alto grau através de sua experiência de trabalho, e

(d) que são geridos dentro do contexto de uma forma orgânica de estrutura organizacional por (e) gerentes que adotam um estilo aberto e democrático, e que engrenam seus esforços para

criar situações nas quais é possível para os indivíduos serem dirigidos para satisfazer seus próprios objetivos pessoais através do alcance dos objetivos organizacionais.

Estas duas relações estabelecidas como hipóteses caracterizam as posições extremas dentro

dos modos de organização e gerência e são ilustrados na figura 5.5 pelas linhas quebradas marcadas por A e B respectivamente. O modelo de contingência dá lugar a posições in-termediárias com relação a natureza de ambientes organizacionais e subsistemas. Cada dimensão poderia ser vista como um continuum ao invés de dicotomia, variando de acordo com as características discutidas no item 11 acima.

A hipótese de congruência se aplica a todas estas posições intermediárias; a manutenção da

congruência com as demandas do ambiente é uma característica essencial dos elementos do subsistema se espera que uma organização seja bem sucedida em suas tarefas primordiais. Um estágio intermediário de congruência é mostrado pela linha quebrada C. A linha contínua D ilustra uma posição caracterizada por incongruência; a hipótese aí presente é de que a organi-zação poderia ser menos efetiva do que a ilustrada pela linha C, devido ao fato de que operam sob condições ambientais similares.

13. A adoção de elementos de subsistemas para as demandas ambientais leva a diferenciação

dentro da organização que requer um adequado gerenciamento de fronteiras para atingir um adequado estado de integração para o sistema como um todo. Esta integração é uma das funções correntes dos subsistemas gerencial e estratégico. Congruência entre elementos de subsistemas (diferenciação) é uma condição necessária mas não suficiente. Há necessidade de ser suple-mentada pelo que pode ser chamada de hipótese de integração. que postula que a organização uma vez diferenciada deve alcançar um estado apropriado de integração para ser completamente efetiva.

14. O modelo de contingência, portanto, postula que o sucesso de uma organização em lidar

com as demandas de seu ambiente é contingente na apropriada diferenciação caracterizada por uma Congruência entre elementos do subsistema e o alcance de um estado de integração apropriado.

O modelo de contingência acima esboçado oferece uma base teórica para analisar as

organizações de um ponto de vista gerencial, e representa uma síntese de conceitos e idéias implícitas em muitas das teorias organizacionais contemporâneas. Muitas das pesquisas empíricas em organização durante os anos 60 e 70 têm sido informadas por vários elementos do modelo, embora seja muito questionável se ele tem sido genuíno em relação aos fundamentos

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ontológicos e epistemológicos em que se baseou. Temos em mente aqui a distinção entre processo e estrutura (Cooper, 1976) a que já nos referimos anteriormente. O modelo de contingência baseado como é na abordagem de sistemas abertos é, por natureza, processual. Os subsistemas são vistos em termos de imperativos funcionais que interagem com o ambiente de modo a alcançar a sobrevivência do sistema como um todo através de apropriada adaptação às circunstâncias ambientais. Este processo sistêmico expressa-se de maneira parcial e transitória através de varias características estruturais tais como 'tecnologia' e 'grau de burocratização'. É destas manifestações estruturais temporárias de um processo mais fundamental e contínuo que os pesquisadores organizacionais tendem a costurar para o propósito de pesquisa empírica. A organização é freqüentemente equiparada com estas características estruturais, enquanto os aspectos de processo do sistema são ignorados. Muito da pesquisa que tem sido conduzida sob a noção da abordagem contingencial tem sido desta natureza e como tal coloca-se como uma forma abstrata de empirismo. A incongruência entre teoria e método que isto reflete é um problema fundamental que em geral os teóricos dos sistemas sociais se deparam. A natureza processual do sistema não o leva a um estudo significativo pelo uso de tomadas instantâneas de quantitativos de estruturas sociais objetificadas. Os teóricos de sistemas sociais que desejam operacionalizar a teoria da contingência certamente se deparam com muitos problemas reais, onde se necessita de uma nova metodologia que seja consistente ontológica e epistemolo-gicamente com uma genuína abordagem de sistemas abertos.

Há algumas implicações conceituais do modelo. A primeira delas emerge do papel do

subsistema de controle estratégico dentro do contexto do modelo como um todo. Se as relações entre os elementos de subsistemas e seus ambientes é contingente das decisões que emergem do subsistema de controle estratégico e também, a um nível mais baixo da organização, daqueles emergindo do subsistema gerencial, a procura pela determinação de relações entre fatores contextuais e características organizacionais e entre elementos de diferentes subsistemas, é mal fundamentada, é produto de decisão humana e é influenciado por escolha.

A hipótese de congruência traz à tona muitas implicações para as teorias de desenvolvimento

e mudança organizacional. Sugere-se, por exemplo, que tentativas de mudar o subsistema operacional através de algum programa de redesenho do cargo tem implicações para os outros subsistemas dentro da organização. Qualquer estrutura analítica para estudar e prescrever mudança organizacional deve prestar a devida aderência aos elementos do modelo como um todo.

Um terceiro ponto de alguma importância surge do fato de que o papel da 'escolha' chama a

atenção para o assunto de poder como uma variável organizacional que tem sido virtualmente ignorado na teoria de sistemas sociais. Um modelo orgânico de sistemas enfatiza a unidade funcional das partes do sistema, e vê a organização como sendo guiada para alcançar os estados finais compartilhado por todo o sistema. Imperativos funcionais e propósitos de unidade tendem a dominar a análise. Embora o modelo de contingência identifique o poder como uma variável, ele não lhe faz referência de nenhuma maneira específica. Para fazê-lo de uma maneira significativa envolve uma mudança em perspectiva nos limites da teoria de sistemas sociais.

O Movimento de Qualidade de Vida no Trabalho. Concluímos nossa análise de teoria de sistema social com uma breve discussão do movimento

de qualidade de vida no trabalho que tomou proeminência durante os anos 70. Em essência o movimento busca aplicar os insights da teoria dos sistemas abertos , particularmente através das noções de sistemas sócio-técnicos abertos e da teoria do desenho do cargo, aos problemas que seus seguidores vêem como característicos das sociedades pós-industriais. Ele é baseado numa filosofia de engenharia social de construção gradual que busca resolver os problemas colocados pela transição da sociedade industrial para a pós-industrial. As perspectivas chaves são bem

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ilustradas nos recentes volumes editados por Davis e Cherns (1975). Os autores argumentam que a uma crescente crise que coloca em questão a viabilidade das atuais relações entre trabalho, produção econômica, homem e sociedade, e a habilidade das organizações se adaptarem rapidamente às mudanças do ambiente. A solução para estes problemas tem sido vistos como a criação de uma melhoria na qualidade de vida no trabalho em tudo que é produtivo na sociedade, particularmente em encarar a transição para a era pós-industrial, se queremos desenvolver políticas sociais úteis e enxergar respostas aos problemas.(Davis and Chern, 1975, p.5). Eles argumentam que a chave para o problema gira em torno da 'humanização do trabalho' que longe de impor custos econômicos, produz ganhos sociais, pessoais e econômicos.

Visto dentro do contexto do modelo de contingência, o movimento de qualidade de vida no

trabalho estimula um programa de mudança organizacional baseado no pressuposto de que uma situação de trabalho mais humana é um imperativo funcional dentro do contexto do sistema total.

O movimento de qualidade de vida representa um avanço em relação ao movimento da neo-

relações humanas e do desenvolvimento organizacional. Suas proposições opõem-se àquelas da teoria da contingência que enfatiza que nos ambientes estáveis rígidos, estruturas de trabalhos desumanas podem ser apropriadas para alcançar a eficácia.

O movimento de qualidade de vida vê a organização como um subsistema da sociedade mais

ampla e a solução proposta é a de que é um imperativo funcional melhorar a qualidade de vida no trabalho para sustentar a sociedade como um todo. As noções de 'responsabilidade social' e de responsabilidade individual' são invocados para preencher o vácuo entre os interesses organizacionais e os interesses sociais.

O movimento de qualidade de vida também é visto e apresentado freqüentemente como uma

ação radical orientada, em resposta aos problemas em andamento enfrentados pelas sociedades industriais modernas do Ocidente.

Para B&M o movimento é essencialmente regulador e comprometido com ajustamentos de

partes criadas para melhorar a viabilidade da sociedade tecnológica característica de nossa era. Teorias Das Disfunções Burocráticas. O artigo de Merton sobre 'Personalidade e Estrutura Burocrática'(1968) focaliza sobre as

tensões e torções internas que caracterizam as atividades burocráticas. Observando que a teoria da burocracia formal Weberiana põe ênfase nas funções e atendimentos positivos da organização burocrática, Merton busca abordar o assunto sob o ponto de vista oposto. Merton argumenta que as operações burocráticas que enfatizam método, prudência, disciplina e conformidade, podem ter tal impacto sobre o burocrata que a aderência à regras e regulamentos, originalmente concebidos como meios para propósitos mais amplos, tornam-se fins em si mesmos; há uma adaptação ao 'ritualismo', onde aspirações definidas culturalmente são abandonadas e o comportamento é governado por uma aderência compulsiva total às normas institucionais. Merton prossegue argumentando que os problemas que criam a rigidez geram mais respostas dentro da organização que reforçam a importância da conformidade à regulamentos e regras. A situação torna-se cumulativamente pior, na medida em que os burocratas procuram defender suas ações contra pressões externas. Ao tentar explicar a fonte estrutural dos desvios, Merton enfatiza a 'incapacidade treinada' do burocrata como produto da estrutura burocrática em que ele trabalha. Seu modelo enfatiza as disfunções que emergem da tentativa de atingir o controle estrutural sobre as operações da organização.

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Selznick se destaca pelo seu famoso estudo empírico 'TVA and the Grass Roots em que estuda o processo administrativo tanto dentro da organização como em suas relações com seu ambiente. Mais especificamente, ele mostra como a delegação de autoridade leva a especialização dentro de esferas de atividades limitadas e a orientação de grupos de indivíduos à vários sub-objetivos associados com estes interesses especializados.

Para os autores, as análises de Merton e Selznick mostram um alto grau de similaridade.

Enquanto Merton focalizou a influência disfuncional das regras como uma forma de controle burocrático, Selznick focalizou as conseqüências disfuncionais de delegação e especialização.

Gouldner direciona seu trabalho para certas 'obscuridades' e "tensões na teoria de

Weber'(Gouldner, 1954 a, p. 19-20), particularmente com relação à noção que a efetividade do funcionamento burocrático depende dos membros da organização aceitar a legitimidade das regras ou 'normas legais', se estas são estabelecidas por acordo ou por imposição. Sua análise empírica da sucessão gerencial dentro da fabrica de gesso, e o impacto que isto tem sobre as re-gras burocráticas e sobre as atividades dos empregados , leva-o a concluir que a maneira como as regras são iniciadas é de considerável importância. Baseado em suas análises ele identifica 3 tipos de burocracia, 'imitativa', 'representativa' e 'punitiva', cada uma das quais se caracteriza por diferentes padrões de estabelecimento de regras e sanções, diferentes modos de organização social e diferentes níveis de tensão e conflito. Os estudos de Gouldner conduzem a importantes modificações da noção de burocracia como concebida por Weber. Seu modo de análise focaliza na maneira pela qual o elemento humano da organização modifica os aspectos formal e técnico. Seu estudo da maneira pela qual a burocracia se desenvolve através da criação e uso de regras impessoais enfatiza as conseqüências imprevistas que resultam devido a seus efeitos sobre as relações interpessoais dentro da organização. As regras são mostradas como sendo usadas por gerentes e trabalhadores para fundamentalmente diferentes fins e em caminhos que são disfuncionais para os objetivos formais da organização. Gouldner ilustra muito claramente que as organizações como tal somente têm metas e fins de maneira abstrata ou num sentido 'metafórico', e que a realidade da vida organizacional é dominada por indivíduos e grupos esforçando-se por diferentes fins.

Um quarto estudo relacionado com os aspectos disfuncionais da organização burocrática é o

apresentado por Blau(1955), - A Dinâmica da Burocracia - Neste trabalho Blau procura aplicar os princípios contidos no paradigma de Merton para análise funcional de operações diárias e de relações interpessoais de funcionários do governo em duas agências burocráticas. Sua análise focaliza fatores que geram desequilíbrio e mudança, e confirma muitas das disfunções burocráticas identificadas por Merton e seus colegas, tais como superconformismo e deslocamento de meta. Ela demonstra, como as burocracias, longe de serem estruturas estáticas, são cenários de um processo continuo de relações interpessoais que geram novos elementos de organização. O estudo enfatiza a importância de rastrear as conseqüências imprevistas como uma base para entender o verdadeiro significado de qualquer característica organizacional particular. Ele claramente demonstra a futilidade de confinar atenção somente nas funções racionais ou manifestas da organização. Para Blau tais fatores são vistos como repousando no coração de explicações de mudança organizacional. Assim, a estrutura burocrática é vista como gerando forças que conduzem a sua própria transformação.

O Quadro de Referência da Ação. Embora a ação como quadro de referência foi primeiro articulado por Weber, o

interacionismo simbólico é o grande produto das perspectivas teóricas de Simmel e Mead. O interacionismo simbólico teve relativamente pouco impacto na teoria das organizações. Simi-

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larmente, a ação como quadro de referência tem sido raramente conceituada e implementada em sua forma pura como visualizada por Weber.

Goffman tem se estabelecido como um dos maiores expoentes da abordagem 'dramatúrgica'

ao interacionismo simbólico. Em um de seus primeiros e mais famoso livro - A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1959) - ele oferece a visão do indivíduo em situações ordinárias de trabalho como engajado em um 'desempenho teatral', num processo da 'impressão da gerência', como fazendo um 'show' através dos quais tentam guiar e controlar as impressões que as pessoas formam deles. O propósito da análise de Goffman é identificar os traços que caracterizam os padrões do dia a dia. Alinhado com a perspectiva de Simmel, ele está interessado em penetrar nas formas subjetivas dos relacionamentos humanos. Ele está interessado em construir um retrato da interação humana a partir de elementos básicos tais como olhares, gestos, afirmações verbais e posicionamentos, com vistas a por em descoberto a ordem normativa dos relacio-namentos humanos (Goffman, 1967). Sua análise focaliza os rituais e rotinas que caracterizam a interação humana.

Goffman está também interessado em, mostrar como as pessoas se relacionam com as regras,

tanto conformando-as como adaptando-as a seus propósitos. Os papeis e os padrões institucionais não são vistos como determinantes do comportamento do indivíduo em nenhum sentido; ao contrário, eles fornecem um quadro de referência dentro do qual o processo de vida social acontece. Ontologicamente, na tradição do interacionismo simbólico comportamental, a sociedade é vista como sendo anterior ao 'self', porem ao indivíduo é concedido um papel criativo na produção do 'self', ou no mínimo a impressão do 'self' criado como um resultado de gerência de desempenho.

A análise de Goffman da interação humana tem claras implicações para o estudo do

comportamento em organizações. Seu estudo das 'instituições totais' mostrou que naquelas instituições como nas organizações, em que as autoridades tentam definir a situação para seus companheiros de casa através de regras, regulamentos, doutrinação, disciplina, etc, os indivíduos que vivem dentro delas, fazem seus ajustes de várias maneiras. Eles 'desenvolvem sua própria maneira de viver de modo a tornar a vida significativa, razoável e normal'(Goffman, 1961, p. 7). O trabalho focaliza estes processos de ajustamento. Segundo Eldridge e Crombie (1974) o estudo de Goffman sobre a 'instituições totais' também informa-nos sobre processos de controle social dentro delas e nos ensina sobre a vida e os mecanismos que operam em todas as organizações formais.

Outro exemplo de pesquisa interacionista é o apresentado por Barry Turner(1971) -

Explorando a Subcultura Industrial. Ele estava interessado 'em descobrir os caminhos pelos quais as pessoas na industria definem suas posições de vidas, com a aprendizagem do conjunto de simbolismos que eles adotam nas definições, e com o exame de conseqüências coletivas e organizacionais destas visíveis que eles têm deles próprios' (Turner, 1971, p. vii). Turner estava interessado no estudo dos meios pelos quais as subculturas evoluem e são mantidas. Seu foco é no 'significado' e os meios pelos quais se tornam compartilhadas através de 'trocas comunicativas'.

Um terceiro exemplo de teoria e pesquisa nesta área vem dos membros da Escola de Chicago

que têm se interessado na sociologia ocupacional. Dentre eles Everett Hughes (1958) é o mais proeminente. O trabalho de Hughes e seus liderados se caracteriza por uma tentativa de penetrar no nível de significado subjetivo numa exploração de papeis de ocupação. Eles estavam interessados em estudar o que o trabalho significa para o indivíduo, e o que isto tem a ver com as atitudes e relacionamentos dentro do local de trabalho. Estes teóricos tendem a iniciar com o indivíduo e a partir dele construir seu mundo organizacional. Tomados em conjunto estes estudos construíram um retrato da experiência de trabalho nas sociedades contemporâneas, da

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maneira como foi vista pelos próprios trabalhadores ao invés de um observador 'destacado'. A abordagem se apóia grandemente em considerações etnográficas e em técnicas de observação participante, e tende a focalizar processos invés de estruturas estáticas como meio de caracterizar os principais aspectos do mundo do trabalho e do dia a dia.

O trabalho dos sociólogos ocupacionais move-se muito próximo ao uso de um quadro de

referência de ação, naquilo que eles estão primeiramente envolvidos com a orientação geral de indivíduos em seus papeis e com o significado do trabalho a um nível subjetivo. Nesta linha destaca-se o trabalho de Goldthorpe seus colegas(1968) em seu estudo de orientação de trabalhadores para o trabalho.

O mais proeminente advogado da ação como quadro de referência como base de analise

organizacional tem sido David Silverman. Na verdade, foi ele que no livro A Teoria de Organizações (1970) criou uma alternativa à teoria dos sistemas. Ele sugere que a abordagem dos sistemas, como aplicado às Organizações, tem 'dificuldades lógicas severas' particularmente em seu pressuposto de que as Organizações como sistemas têm 'necessidades' ou são 'auto-reguladas'. Ao atribuir tais características a organização, exceto como instrumento heurístico, envolve o problema de 'reificação', um processo por meio do qual se confere aos construtos sociais o poder de pensar e agir. Ele argumenta que as explicações de mudança social a um nível sistêmico usualmente envolve estes problemas de reificação, uma vez que se dá atenção às ações intencionais do sistema, que é visto como reconhecendo ameaças a sua existência e como se adaptando adequadamente. A visão sistêmica de organizações é portanto visto como sendo erigido a um nível de análise que não leva em conta, ou não proporciona explicações em termos das ações dos seres humanos que são seus membros constituintes. Opondo-se a esta visão de sistemas, Silverman argumenta que os cientistas sociais deveriam construir suas teorias sobre fundações que percebem a realidade social como socialmente construída, socialmente sustentada e socialmente mudada. Em outras palavras, Silverman deseja colocar o homem como um ator social no centro do palco, na medida em que se pretenda analisar as organizações como fenômeno social. Ao reconhecer o fato de que a vida social é um processo em andamento, sustentada e 'realizada' pelos atores sociais, ele advoga a ação como quadro de referência como dando uma base de análise apropriada.

A seguir um resumo das sete proposições de Silverman: 1. As ciências sociais e as ciências naturais lidam com ordens de assuntos diferentes.

Enquanto os cânones do rigor e do ceticismo se aplicam a ambas, não se deveria esperar que suas perspectivas sejam as mesmas.

2. A sociologia está interessada em entender as ações ao invés de observar o comportamento.

A ação emerge de significados que definem a realidade social. 3. Os significados são dados aos homens por sua sociedade. Orientações compartilhadas

tornam-se institucionalizadas e são experimentadas por generalizações posteriores de fatos sociais.

4. Enquanto a sociedade define o homem, o homem por seu turno define a sociedade.

constelações particulares de significados são somente sustentadas por reafirmações contínuas na ação do dia a dia.

5. Através de sua interação os homens também modificam, trocam e transformam os

significados sociais.

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6. Segue-se dai que as explicações das ações humanas devem levar em consideração os significados que aqueles interessados atribuem a seus atos; a maneira em que o mundo do dia a dia é socialmente construído e deste modo percebido como real e rotineiro, torna-se um assunto crucial de análise sociológica.

7. Explicações positivistas, quando asseveram que a ação é determinada por forças sociais ou

não-sociais externas e repressoras, são inadmissíveis. (Silverman, 1970, p. 126-7). Como se pode ver Silverman apóia-se em Dilthey, Weber e Schutz. De Weber ele tira o

conceito de que a 'ação social deriva do significado que é atribuído ao mundo social pelos atores individuais'. Em outras palavras, a ação dos homens é significativa para eles. Eles constroem seu mundo social atribuindo significado a ele. As ações surgem dos significados, de modo que é necessário entender as atividades humanas ao nível dos significados subjetivos.

Em outro ponto ele adota uma posição ontologicamente 'realista' em que a sociedade é vista

como sendo anterior ao homem. Neste particular ele segue Durkheim que vê os homens como restringido por fatos sociais que determinam suas ações e sua consciência. Nesta linha, Silverman sugere que os significados residem nas instituições sociais e que os indivíduos desempenham papeis que lhe são dados como resultado de sua localização no mapa social.

Embora Silverman adote uma posição indubitavelmente 'realista' ele também assume uma

posição 'nominalista' ao enfatizar que os atores individuais podem operar de acordo com a crença do 'senso comum' que o mundo social existe fora deles e que, na verdade, esta noção de senso comum somente se mantem na medida em que é sustentada e reforçada pelas ações do dia a dia dos atores diretamente envolvidos em uma dada situação social. Em sua palavras 'a existência da sociedade depende dela ser continuamente confirmada nas ações de seus membros'(1970, p. 134). Seguindo Berger e Pullberg (1966) ele afirma que a estrutura social 'não tem realidade exceto a humana. Ela não pode ser caracterizada como sendo uma coisa capaz de permanecer por ela própria...(e) existe somente na medidas em que e enquanto os seres humanos constatam-na como parte de seus mundos'. Ele finalmente, argumenta que atribuir a sociedade uma existência separada e acima de seus membros é reificá-la.

Ao enfatizar o meio pelo qual os indivíduos têm a habilidade de interpretar e atribuir significado a seu mundo social, Silverman em verdade dirige a atenção para a natureza 'voluntarista' das atividades humanas, quando afirma, por exemplo, que 'através de sua interação os homens...modificam, trocam e transformam os significados sociais'.

Ao elaborar seu esquema de ação Silverman apresenta uma visão do mundo social que

enfatiza a natureza processual dos afazeres humanos. É um mundo onde os atores humanos interpretam a situação em que se encontram e agem de maneira em que seja significativo para eles. A realidade social é então vista como sendo um processo de fluxo contínuo, como os seres humanos interpretam e redefinem, através de suas ações, o mundo social em que vivem.

Teoria Pluralista A questão de poder e conflito dentro das organizações de há muito tem atraído a atenção dos

teóricos de organização mas raramente têm recebido consideração sistemática e sustentada. Tentamos aqui argumentar que muitas das idéias e pesquisas encontradas com este interesse tem apontado na direção e gerado antecipado desenvolvimento de uma teoria pluralista de organizações característica do conflito funcionalista discutido no Capítulo 4. Tomados em conjunto, eles assentam as bases para análise das organizações como sistemas políticos pluralistas - de acordo com os quais as organizações e seus ambientes são vistos principalmente como arenas de conflito entre os indivíduos e os grupos cujas atividades são orientadas para a consecução de seus objetivos, valores e interesses pessoais. Muitas das teorias de organizações correntes contêm elementos deste ponto de vista, mas ficam distantes de uma teoria pluralista completamente desenvolvida. O poder e o conflito são freqüentemente estudados como

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fenômenos isolados ou usados como conceitos em esquemas guiados para fins mais amplos. Eles são raramente vistos como definidores da natureza da própria organização.

Como Eldridge e Crombie (1974) chamaram atenção,

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6. SOCIOLOGIA INTERPRETATIVA

Burrel e Morgan, Sociological Paradigms and Organizacional Analysis, Heinemann,

London, 1979. (Tradução livre do Profº. Wellington Martins) Origens e Tradição Intelectual O paradigma interpretativo abrange uma grande extensão do pensamento filosófico e

sociológico que compartilha uma característica comum de tentar entender e explicar o mundo social fundamentalmente do ponto de vista dos atores diretamente envolvidos no processo social. Sua história está firmemente enraizada na tradição do idealismo alemão, e na visão de que a realidade última do universo repousa no "espírito" ou "idéia" ao invés de sobre os dados da per-cepção sensorial. Esta tradição, que se contrapõe ao positivismo sociológico, deve muito ao trabalho de Immanuel Kant (1724-1803), que foi um dos primeiros filósofos a articular seus fundamentos ontológicos e epistemológicos básicos. Kant, cuja filosofia está aberta a uma ampla gama de interpretações, colocava que um conhecimento a priori deve preceder qualquer apreensão ou entendimento dos dados dos sentidos da experiência empírica. Ele argumentava que deveria haver princípios de organização inerentes e inatos dentro da consciência humana pelos quais quaisquer e todos os dados sensoriais são estruturados, arranjados e desta forma entendidos. Um conhecimento a priori que era visto como independente de qualquer realidade externa e dos dados do sentido que ele emite; este conhecimento era visto como o produto da "mente" e dos processos interpretativos que ocorrem dentro dela. Embora o mundo onde vivem os homens possa ser o produto de um complexo inter-relacionamento entre o conhecimento a priori e a realidade empírica, para Kant o ponto de partida para entender essa situação está no domínio da "mente" e da "intuição". É esta a suposição básica e não complicada que forma a base de todo o idealismo alemão.

Contudo, o desenvolvimento de idealismo tem estado longe de ser uniforme. Sujeito a

influências diversas variando dos escritos românticos de Goethe e Schiller à filosofia um tanto dogmática de Hegel, seu destino tem variado confusamente. De um período da ascensão no pensamento europeu durante o fim do século dezoito e início do século XIX, o idealismo foi em seguida mais ou menos forçado a um segundo plano pelas realizações 'práticas' do positivismo sociológico. Contudo, no fim do século XIX um renovação do interesses estava em plena marcha, surgindo o então chamado movimento neo-idealista, ou neo-kantiano.

Como H. Stuart Hughes tão claramente argumentou, o período de 1890-1930 foi uma época

de considerável fermentação intelectual caracterizada pela preocupação com os aspectos subjetivos da investigação científica. As maiores figuras intelectuais dos anos 1890 "estavam obcecadas, quase intoxicadas, com a redescoberta do não-lógico, do não civilizado, do inexplicável" (H.S. Hughes, 1958, p.. 35). Este interesse pelo subjetivo e pelo irracional estava refletido no trabalho de escritores tão amplamente diversos com Freud, Weber e Husserl, cada um dos quais respondendo de seu próprio modo distintivo.1 Além de focar a atenção sobre a natureza essencialmente problemática e complexa da experiência e do comportamento humano, o trabalho dessa geração de teóricos voltou-se para os problemas básicos de epistemologia identificados por Kant, que confrontou ambas as ciências natural e social. A posição positivista foi crescentemente vista como insatisfatória e problemática ao menos em dois aspectos. Primeiro, dentro das ciências naturais (Naturwissenschften) tornou-se claro que os valores humanos se introduziam no processo da investigação científica. Era evidente que o método científico não poderia ser mais considerado como isento de valor; o quadro de referência do observador científico era visto cada vez mais como uma força ativa que determinava a maneira

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pela qual o conhecimento científico era obtido. Dentro do domínio das ciências culturais (Gesteswissenchaften) um segundo conjunto de dificuldades foi visto como surgindo, depois que seus temas principais foram distinguidos por seu caráter essencialmente espiritual. Constatou-se que o homem como um ator não poderia ser estudado pelos métodos das ciências naturais, com seus interesses em estabelecer leis gerais. Na esfera cultural, sustentou-se que o homem 'não estava sujeito a leis no sentido físico, mas que era livre. Uma apreensão intelectual de sua vida e ação poderia ser atingidas somente pelos métodos filosóficos , especialmente por um processo de intuição das totalidades (Gestalten) tornando-se assim ilegítimo examiná-la através da análise "atomística". (Parsons, 1949; p..475. Como resultado desta desilusão com o positivismo sociológico, o idealismo tomou um novo ânimo de vida. Em resumo, houve uma distinta mudança de foco de atenção intelectual ao longo da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico, que envolveu certos teóricos na clarificação dos fundamentos intelectuais do que descrevemos como o paradigma interpretativo.

Entre os teóricos que contribuíram para estes fundamentos intelectuais, podemos identificar

Wilhelm Dilthey, Max Weber e Edmund Husserl como tendo sido particularmente influentes. De maneiras fundamentalmente distintas eles fizeram mais que definir a natureza e questões que mereceram a atenção da sociologia interpretativa durante o século vinte.

Dilthey(1833-1911) e Weber(1864-1920) estavam particularmente preocupados em lançar

um ponte no abismo existente entre idealismo e positivismo, ou pelo menos em colocar as ciências da cultura sobre um firme fundamento em termos de sua 'validade objetiva'2. Se as ciências da cultura eram definidas pela sua natureza espiritual, então o "espírito" de uma situação social ou o tipo de instituição era de vital importância. Isto evidenciou problemas consideráveis para os filósofos, que estavam interessados em prover explicações das questões sociais e históricas sem voltar aos métodos do positivismo. O processo idealista da 'intuição de totalidades', proporcionou um meio de organizar o processo histórico, mas não conseguiu se aproximar de uma compreensão deste. Freqüentemente resultou uma visão inteiramente relativista da história como séries de sistemas únicos e essencialmente desconexos. As explicações na tradição idealista poderiam só ser proporcionadas através do recurso à intuição ou à metafísica.3

A solução de Dilthey para o problema foi encontrada na nação de verstehen (entendimento).

Ao fazer uma distinção entre as ciências naturais e culturais, ele afirmava que a diferença entre elas era essencialmente de substância, e que os dois tipos de ciência se destinavam fundamentalmente a deferentes tipos de assuntos. Uma vez que as ciências naturais investigavam os processos externos de um mundo material, as ciências da cultura estavam essencialmente inte-ressadas nos processos internos das mentes humanas. Embora estes processos pudessem ser traduzidos em fenômenos culturais relativamente tangíveis tais como arte, poesia, instituições e semelhantes, afirmava-se que eles poderiam ser completamente entendidos em relação às mentes que os criavam e à experiência interna que elas refletiam. Os fenômenos culturais eram, na essência, vistos como manifestações externas de tal experiência interna e portanto, argu-mentava-se, que só poderiam ser entendidos com este ponto de referência em vista. Nestas situações a abordagem e os métodos das ciências naturais, com sua ênfase na procura de leis gerais e explicações causais, foram julgadas inapropriadas. As ciências da cultura necessitavam de um novo método analítico baseado na verstehen, através dos quais o investigador poderia procurar compreender os seres humanos, suas mentes internas e seus sentimentos, e a maneira que estes se expressam nas suas ações aparentes e realizações. Em resumo, as manifestações aparentes da vida humana necessitavam ser interpretadas em termos da experiência interna que elas refletiam através do método do verstehen.

Desejamos colocar ênfase aqui na palavra método desde que, como conceituada por Dilthey e

depois por Weber, este foi seu status essencial. O verstehen foi visto como um método que

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poderia ser usado nas ciências culturais para produzir o conhecimento científico de uma objetividade comparável àquela obtida nas ciências naturais. A noção de verstehen proporcionou um meio de estudar o mundo dos afazeres humanos revivendo e reencenando a experiência dos outros. Como veremos, a visão de Dilthey do verstehen tem tido uma influência importante, direta e formativa sobre a escola hermenêutica de pensamento que discutiremos mais a frente neste capítulo. Em termos mais gerais, sua filosofia social teve uma marcante mas indireta influência sobre o desenvolvimento do muitos outros elementos do pensamento característico do paradigma interpretativo. De fato, a noção de "entendimento" de uma forma ou outra é uma ca-racterística definidora de todas as teorias situadas dentro deste paradigma.

A despeito da importância e da básica influência formativa de Dilthey, é através do trabalho

de Weber que a noção de verstehen enquanto método teve o maior impacto sobre o pensamento sociológico, e em parte alguma é o exercício de construção mais evidente de uma ponte entre o idealismo e o positivismo. Como Hughes (1958), Runciman (1972) e outros sugeriram, Weber estava travando uma guerra ao menos em duas frentes. Ele estava insatisfeito com as superficialidades que considerava como características das explicações positivistas da sociedade, e também grandemente preocupado com a natureza subjetiva e não científica do pensamento idealista. Sua solução para o problema foi encontrado em seus escritos metodológicos, nos quais desenvolve a visão de que as explicações dos acontecimentos sociais devem ser 'adequadas ao nível do significado', e que a função essencial da ciência social é ser 'interpretativa', isto é, entender o significado subjetivo da ação social. Ele define a sociologia como 'uma ciência que tenta a entendimento interpretativo da ação social de forma que por meio desse chegue a uma explicação causal de seus desenvolvimentos e efeitos... A ação é social até onde, em virtude do significado subjetivo ligado a esta ação pelo individuo enquanto ator social, leva em conta o comportamento de outros indivíduos, e por esse meio é orientado em seu desenvol-vimento' (Weber, 1947.p..88).5

Esta definição claramente define a tentativa de fusão das perspectivas idealista e positivista.

Ele adere ao interesse positivista de prover explicações causais dos fenômenos sociais mas in-siste que tais explicações devem ser reduzidas ao nível do indivíduo. Como Schutz observa, Weber reduz todas as espécies de relações e estruturas sociais, todas as objetificações culturais, todos os domínios da mente objetiva, às formas mais elementares de comportamento individual' (Schutz, 1967, p. 6). Sua visão de sociologia é portanto, aquela que está interessada em proporcionar explicações causais dos fenômenos sociais ao mesmo tempo em que evitar as arma-dilhas de reificação. Ele está interessado em construir uma ciência objetiva de sociologia assentada sobre os fundamentos de significados subjetivos e de ação individual.

Nesta tarefa a noção weberiana de 'tipo ideal' desempenha uma parte central.6 Na verdade,

Weber insiste que a objetividade nas ciências sociais somente pode se tornar possível através do uso de tipos ideais, que permitem ordenar os elementos da realidade. Através do uso destes construtos Weber tenta reconciliar o método do verstehen com a necessidade de desenvolver uma ciência social objetiva. Os tipos ideais incorporam o 'espírito' que caracteriza fenômenos individuais num todo mais amplamente generalizado. Em certos aspectos importantes, entretanto, o método da verstehen é assimilado em um esquema tipológico de análise que proporciona um meio de ordenar e explicar a ação humana.

Weber assim procura contrabalançar e reconciliar as perspectivas potencialmente divergentes

de idealismo e de positivismo. Ao tempo em que realça a importância do significado subjetivo nas explicações dos acontecimentos sociais, ao mesmo tempo procura conter e limitar o papel destes fatores subjetivos. Isto está claramente evidente, por exemplo, em sua classificação do comportamento em diferentes tipos tais como "racional com propósito", "racional orientado para valor", "emocional" e "tradicional". Embora o objetivo central de sua sociologia seja entender e interpretar a ação social, ele limita este esforço pela suposição implícita de que o comportamento

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pode ser causalmente explicado tomando-se como referência as absolutamente estreitas tipologias de ação como definidas.

Visto criticamente, portanto, a posição de Weber com respeito a "sociologia interpretativa"

pode ser entendida como refletindo certas distorções e tensões. A interpretação e a noção de verstehen nas mãos de Weber é não mais do que uma ferramenta metodológica para vencer deficiências óbvias no método positivista. Em essencial, Weber está interessado no desenvolvimento de uma teoria causal da explicação social ao invés de perseguir todas as implicações da visão idealista da natureza da realidade social. Como Schutz (1967) observou, Weber estava mais preocupado em confrontar problemas concretos e estava interessado em questões epistemológico mais fundamentais somente até onde estas tivessem uma contribuição a dar para este fim.

Weber pode ser visto como um 'sociólogo da regulação', no aspecto de que uma de suas

preocupações centrais era proporcionar uma análise completa da ordem social. Nisto a noção de racionalidade correspondia ao papel central. Se ele pode ou não ser descrito de maneira mais apropriada como um positivista ao invés de um idealista sem dúvida continuará a ser objeto de debate.7 Até onde diz respeito os quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico, ele parece ocupar uma posição intermediária e um tanto incongruente. Em termos de metodologia, sua perspectiva interpretativa sugere uma posição no limite do paradigma interpretativo, juntamente com a hermenêutica de Dilthey. Sua posição com relação à ontologia, à epistemologia e à natureza humana mostra ser mais objetivista. Para Weber, a realidade objetiva do mundo social não é uma questão central. O importante é a maneira pela qual esta realidade é interpretada pelos atores humanos. Nisto sua posição é diretamente similar à perspectiva teórica que descrevemos como interação simbólica behaviorista dentro contexto do paradigma funcionalista. Como sugerimos, a teoria e a pesquisa, que se baseiam no quadro de referência da ação, que deriva mais ou menos diretamente das explorações de Weber em metodologia, esta mais apropriadamente situada aí, e parece que uma situação similar pode ser vista em relação a muitos outros trabalhos de Weber.

Qual é, então, a importância de Weber para o paradigma interpretativo?. Argumentamos que

esta resulta de seu papel como um ponto de partida para outros escritores, notavelmente Schutz, que tomou seu trabalho como base para desenvolver uma visão muito mais subjetivista da sociologia. Isto ficará evidente em nossa discussão posterior no capítulo em que a noção de verstehen tomado por outros assumi um significado além daquele de simples método. Como Giddens observou, de um ponto de vista fenomenológico 'é exatamente a condição ontológica da vida humana em sociedade como tal' (Giddens, 1976, p..19). Este status do verstehen está claramente evidente, por exemplo, no trabalho de Edmund Husserl, e ele será proveitoso se concluímos nossa discussão das origens e tradições intelectuais com uma breve revisão de seu trabalho. A posição extremamente subjetivista que Husserl adota também servirá para ilustrar a perspectiva essencialmente intermediária revelada em Weber.

Edmund Husserl (1859-1938) é amplamente considerado como o fundador e expoente

principal do movimento fenomenológico na filosofia. Como se tornará evidente em nossa discussão posterior neste capítulo, este não é um movimento completamente coerente e não con-duz a qualquer definição simples e direta. Maurice Natanson, um dos principais porta-vozes contemporâneos da fenomenologia, oferece a seguinte categorização:

A fenomenologia é uma filosofia sem pressupostos que toma a consciência de ser a matriz de

todos os fenômenos, considera os fenômenos como objetos de atos intencionais e os trata como essências, exige seu próprio método, preocupa-se com a experiência pré-predicativa, oferece ela própria como fundamento da ciência, e inclui uma filosofia do mundo da vida, uma defesa da Razão, e finalmente uma crítica à filosofia. (Natanson, 1975 b, p.19)

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A fenomenologia husserliana está baseada em um questiona-mento fundamental do senso-

comum, de atitudes "tomadas como verdadeiras" que caracterizam a vida cotidiana e os domínios da ciência natural. Como Natanson sugeriu, 'o objetivo central da fenomenologia é transcender (o que Husserl chama de) a atitude natural da vida cotidiana de maneira a que se torne um objeto para investigação filosófica e de modo que descreva e leve em conta sua estrutura essencial' (Natanson, 1966, p.3). A visão que há um mundo objetivo externo que existe no espaço e no tempo e é real para todos os homens está sujeito à completo escrutínio. As pressuposições da ciência ficam reduzidas a compromissos metafísicos implícitos. No processo o mundo externo se mostra ser um artefato da consciência; os fenômenos são mostrados como sendo legados à existência através de atos intencionais. O homem é mostrado viver em um mundo criado através da consciência.

Assim Husserl adota uma posição extremamente subjetivista em relação à dimensão

subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico. Ontologicamente, o mundo constitui uma corrente da consciência; é experiencial; o subjetivo é a fonte de todas as objetividades. A tarefa da epistemologia é de explorar e revelar os tipos essenciais e as estruturas da experiência. A Fenomenologia estuda as essências e clarifica as relações entre elas; procura investigar e clarificar os verdadeiros fundamentos do conhecimento. Nesta tentativa os métodos de 'intuição direta' e 'súbita descoberta das estruturas essenciais' são oferecidas como os principais meios de penetrar nas profundezas da consciência e de transcender o mundo dos acontecimentos cotidianos na busca de subjetividade em sua forma pura. O procedimento do époche - por meio do qual o fenomenologista suspende sua cumplicidade e a participação na 'atitude natural' - tam-bém desempenha um papel central. Como Natanson coloca, acreditar no mundo é o paradigma da normalidade. A tarefa do filósofo é não ridicularizá-lo mas entendê-lo e evidenciar suas implicações. Entretanto, qualquer tentativa de examinar tal crença será prejudicada pela própria crença do filósofo, salvo se ele encontra uma maneira de se libertar de si mesmo numa verdadeira atitude que busca elucidar' (Natanson, 1973 p.15). A Époche, ou cumplicidade em suspensão, proporciona um meio de penetrar no domínio da subjetividade que a fenomenologia procura analisar e descrever.

Comparada com a filosofia de Husserl, a sociologia interpretativa de Weber emerge portanto,

como uma excursão muita limitada ao reino do subjetivo. É talvez lícito dizer que esta faz pouco mais que atribuir um elemento de voluntarismo à interpretação individual de seu mundo que muitas das teorias positivistas típicas do paradigma funcionalista tendem a negar, ou pelo menos ignorar.

Interessante bastante é que Husserl, como Weber, começaram a articular sua posição

intelectual distintiva como resultado de sua insatisfação com a ciência convencional. Ele começou sua carreira acadêmica como matemático e físico mas posteriormente tornou-se preocupado com o que considerava como defeitos em seus fundamentos essenciais.8 Estava passionalmente envolvido com o ideal de uma 'ciência rigorosa' e procurava por respostas na filosofia e na lógica que ele via como problemas fundamentais. Desapontado com o que encontrou, seu desejo de penetrar nas origens da ciência o levou a uma crescente posição subjetivista, e à conclusão de que a filosofia exigia uma reorganização fenomenológica que 'ajudasse até mesmo o cientista objetivo no esclarecimento e crítica de seus conceitos fundamentais não esclarecidos e suposições'. (Spiegelberg, 1965, p.79).

Como Weber, Husserl estava altamente insatisfeito com a ciência positivista, com seu estudo

não-crítico de meros fatos e sua inabilidade de dominar problemas de verdade última e de validade. Contudo, enquanto Weber estava envolvido com o refinamento da metodologia e encaminhava-se ao que ele via como problemas fundamentais da ciência social, Husserl viajava em outra direção. Voltando-se para os problemas fundamentais de ontologia, epistemologia e

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metodologia, ele embarcou numa jornada intelectual assumindo uma forma radicalmente subjetivista da fenomenologia transcendental. Ao fazê-lo ele estabelece os fundamentos para uma nova exploração na região mais extremamente subjetivista do paradigma interpretativo.

A Estrutura do Paradigma. Enquanto suas raízes intelectuais podem ser rastreadas retrospectivamente aos trabalhos dos

primeiros idealistas alemães, o paradigma interpretativo foi mais decisivamente elaborador e influenciado pelos trabalhos de Dilthey, Husserl e Weber. Na maior parte, portanto, ele pode ser considerado como um fenômeno do século vinte.

Argumentamos que o paradigma pode ser considerado em termos de quatro categorias

distintas mais relacionadas da teoria interpretativa, sendo distinguido em sua maior parte pelo grau de 'subjetividade' em termos dos quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico.9 Os identificamos como: a)solipsismo; b)fenomenologia; c)sociologia fenomenológica; d)hermenêutica. Sua posição dentro do paradigma está ilustrado na figura 3.3

A escola hermenêutica ocupa a região menos subjetivista da paradigma. Derivando

largamente do trabalho de Dilthey e da noção de verstehen, esta desenvolveu-se primeiro como um método de estudo especialmente adaptado a uma visão idealista do mundo. Mais recen-temente, sob a influência de Gadamer, ela assumiu uma nova dimensão e desenvolveu-se largamente em termos teóricos, particularmente em relação ao papel e influência da linguagem na vida social. Sua importância contemporânea dentro do contexto do paradigma interpretativo vem crescendo rapidamente, embora até agora tenha sido largamente obscurecida por seu uso na teoria crítica dentro do contexto do paradigma humanista radical. Identificamos o solipsismo na região mais subjetivista do paradigma. Este pertence ao domínio da metafísica ao invés de pertencer à sociologia e está incluído aqui para salientar o último dilema face á todas perspectivas filosóficas e sociológicas que enfatizam o subjetivo de uma forma extrema.

A fenomenologia ocupa a região intermediária do paradigma. Distinguimos entre a

fenomenologia transcendental de Husserl e a fenomenologia existencial de Schutz. As últimas tentativas de ligar temas tirados da sociologia de Weber e da filosofia de Husserl.

Intimamente relacionada à fenomenologia, mas distinta dela, identificamos dois ramos do

pensamento sociológico que combina a perspectiva fenomenologia com elementos tirados de toda parte. A etnometodologia funde a fenomenologia e os elementos da linguagem filosófica ordinária, particularmente aquela típicas do trabalho mais tardio de Wittgenstein e Winch. O interacionismo simbólico fenomenológico interpreta o trabalho de G.H. Mead de uma perspectiva fenomenologia, de certo modo discutido num capítulo anterior.

Examinaremos cada categoria ampla e cada escola de pensamento no momento próprio. Hermenêutica. A hermenêutica envolve-se com a interpretação e entendimento dos produtos da mente

humana que caracterizam o mundo social e cultural. Ontologicamente, seus proponentes adotam uma visão 'idealista objetiva' do ambiente sociocultural, vendo este como um fenômeno humanamente constituído. Os seres humanos no curso de vidas externalisam os processos internos de suas mentes através da criação de artefatos culturais que ganham um caráter objetivo. Instituições, obras de artes, literatura, linguagens, religiões e semelhantes são exemplos deste

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processo de objetificação. Tais objetificações da mente humana são temas de estudo na hermenêutica.

Como já observamos, é em grande parte através do trabalho de Dilthey que a hermenêutica

obteve o status de uma escola de pensamento dentro do contexto da teoria social contemporânea.10 Nas mãos de Dilthey ela foi essencialmente uma metodologia para o estudo das objetificações da mente. Representar um papel central em seu esquema global para objetivamente gerar conhecimento válido no Geisteswissenschaften através do método do verstenhen. Verstehen, recordemos, é a maneira pela qual compreendemos o significado de uma situação histórica ou social ou de um artefato cultural. É um método de entendimento baseado na reencenação. A fim de que seja compreendido, o tema em estudo necessitava ser revivido na vida subjetiva do observador. Através deste processo, Dilthey afirmava que o conhecimento objetivo poderia ser obtido.

Dilthey argumentava que um dos primeiros caminho para a verstehen era através do estudo de

afirmações empírica da vida - instituições, situações históricas, linguagem, etc. - que refletiam a vida interior de seus criadores. O estudo destas criações sociais era visto como o principal caminho para um entendimento do mundo da mente objetiva. O método era a hermenêutica. Como ele coloca:

Recriando e revivendo o que é estranho e passado mostra claramente como o entendimento

repousa sobre a inspiração pessoal especial. Mas, como esta é uma condição significante e permanente da ciência histórica, a inspiração pessoal torna-se uma técnica que se desenvolve com o desenvolvimento da consciência histórica. Ela depende de expressões permanentemente fixas tornando-se disponíveis de modo a que possamos sempre retornar a elas. O entendimento metodológico de expressões permanentemente fixas chamamos de exegese. Na medida em que a vida da mente só encontra sua completa e exaustiva expressão e por conseguinte, objetivamente compreensível expressão na linguagem, a exegese culmina na interpretação de registros escritos da existência humana. Este método é a base da filosofia. A ciência deste método é a hermenêutica. (Dilthey, 1976. p..228)

Dilthey distinguiu a hermenêutica como um método disciplina chave das ciências humanas.

Ele advogava que os fenômenos sociais de todos os tipos poderiam ser analisados em detalhes e interpretados como textos, para revelar seu significado essencial e sua significação. O método hermenêutico, portanto, envolveu cientistas humanos adotando o estilos da análise literária diferentemente dos cientistas naturais. A análise textual do significado e da significação, foi considerada mais apropriada que a investigação científica para o conhecimento de leis gerais. Dilthey estava interessado que as regras básicas da hermenêutica pudessem ser definidas, de maneira que os insights dos intérpretes de genialidade rara pudessem ser utilizados pelos outros.

A abordagem global de Dilthey para a hermenêutica está claramente ilustrado na noção do

então chamado 'circulo hermenêutico'. Ele reconhecia que o todo social não poderia ser entendido independentemente de suas partes, e vice-versa. As palavras de uma sentença têm de ser entendidas em termos de seu contexto total. Enquanto alguém pode atribuir um significado específico para as palavras por si mesmas, eles podem assumir um significado diferente no contexto de outras palavras. Assim são, igualmente, os fenômenos sociais. Dilthey reconhecia que esta parte - relações com o todo era característica do mundo social e que uma abordagem sistemática era necessária. O desejo de formular regras metódicas de interpretação, por conseguinte, vinha acompanhado de um reconhecimento que "não havia nenhum ponto de partida absoluto, nenhuma evidência própria, certezas independentes sobre as quais poderíamos construir, porque sempre nos encontramos no meio de situações complexas que tentamos desembaraçar fazendo, por revisão, suposições provisórias' (Rickman, 1976, p.11). Desta forma

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as regras metodológicas da hermenêutica eram vistas movimentar um estilo circular e interativo que se dirigia para uma crescente entendimento das objetificações da mente.

Em anos recentes a tradição hermenêutica tem assumido uma nova linha de desenvolvimento

particularmente através do trabalho de Gadamer (1965)11. Ele argumenta que o circulo de entendimento, como imaginado, por exemplo, por Dilthey, não é um círculo 'metodológico', mas descreve um elemento estrutural ontológico no entendimento. Tomando a descrição de Heidegger e a medida existencial do círculo hermenêutico como um ponto de partida, ele argu-menta que não podemos relacionar, por exemplo, a uma tradição histórica como se ela existisse como um objeto separado de nós, desde que não há uma interação entre o movimento da tradição e do intérprete. De maneira que compreender os fenômenos sociais ou culturais, o observador deve entrar em um diálogo com o assunto em estudo. Como Giddens coloca:

Compreender um texto de um período bem antes de nós, por exemplo, ou de uma cultura bem

diferente da nossa é, de acordo com Gadamer, um processo essencialmente criativo em que o observador, ao penetrar num modo de existências alienígena recomendando ao nosso próprio, por exemplo de uma cultura muito diferente e nossa própria é, de acordo com Gadamer, essencialmente um compromisso criativo no qual o observador através da penetração e um modo de existência estranho, enriquece seu próprio auto-conhecimento sobre os outros. Verstehen consiste, em não se colocar 'dentro' da experiência subjetiva do autor de um texto, mas na compreensão da arte literária através do apreensão, para usar o termo de Wittgenstein, a 'forma da vida' que lhe dá significado. (Giddens, 1976, p. 56).

Com Gadamer, o Verstehen não está tão preocupado em revelar ou penetrar nas experiências

subjetivas dos outros como era para Dilthey. Está mais preocupado com a apreciação do intercâmbio de quadros de referência do observador e do observado. Neste processo o papel da linguagem é dado como um papel central 'como o meio de intersubjetividade e como expressão concreta das formas de vida', ou aquilo que Gadamer chama de 'tradições'. (Giddens, 1976, p.. 56). A linguagem é o mediador entre os quadros de referência ou tradições, e é portanto central para o processo de compreensão.

Ampliada e desenvolvida desta maneira, a hermenêutica, sob o controle de Gadamer torna-se

relevante para todas as áreas de investigação: 'um modo universal de filosofia' e não apenas um fundamento metodológico para as ciências culturais. O papel da linguagem assume status ontológico e traz a visão de Gadamer de hermenêutica para próximo de uma perspectiva fenomenológica. A linguagem, para Gadamer, é mais do que um sistema de símbolos para rotular o mundo externo; ela se torna uma expressão do modo humano de 'ser no mundo'. Como Gadamer diz: 'o ser se manifesta na linguagem'.12

Da perspectiva da sociologia que se opõe àquela da filosofia, a escola hermenêutica de

pensamento ainda tem recebido pouca atenção dentro do contexto do paradigma interpretativo. Seu principal impacto foi sobre o paradigma humanista radical, onde os insights de Gadamer geraram interesse sobre o papel da linguagem no contexto da teoria crítica, particularmente como desenvolvida por Habermas.

Solipsismo. O solipsismo representa a mais extrema forma de idealismo subjetivo, visto que nega que o

mundo tenha qualquer realidade distinta independente. Para o solipsista, o mundo é a criação de sua mente. Ontologicamente, este não tem existência além das sensações que ele percebe em sua mente e corpo.13

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A visão solipsista está mais freqüentemente associada com o trabalho do clérigo irlandês Bispo Berkeley (1685-1753), embora na realidade ele mesmo não tinha aderido a tal ponto de vista extremo14. Berkeley questionava a crença do senso comum de que o homem está cercado por objetos externos tais como árvores, montanhas, mesas, rios, cadeiras, etc., e sugeria que eles poderiam ser meramente os produtos de nossa percepção. Ele argumentava que estes objetos poderiam não ter nenhuma existência separada, não sendo mais do que nossas idéias. Eles só poderiam existir em nossa mente. O que queremos significar quando dizemos que uma coisa existe é que ela é percebida. Um objeto não pode ter nenhuma existência além desta percepção ideal.

A perspectiva solipsista freqüentemente atrai desdém e ridículo por parte daqueles que

desejam continuar a aprová-la como uma visão do senso comum de um mundo cotidiano com uma realidade externa sólida e segura. Contudo, o argumento de Berkeley é freqüentemente equivalente a um desafio não facilmente refutado. Boswell relata como o contemporâneo de Berkeley, Dr. Johnson, chutou uma pedra nas proximidades dizendo "portanto eu a refuto". (Boswell, 1953, p.333). A experiência de Dr. Johnson, contudo, nos termos de Berkeley, era reduzível à percepção de dor e às sensações corporais que Johnson pode ter localizado em seu dedo do pé. A refutação tentada está portanto de acordo com a tese de Berkeley de que o mundo não é mais do que aquilo que percebemos ser.15

A posição solipsista resulta em um completo relativismo e ceticismo. Dado que não há

nenhum ponto de referência externo, o conhecimento pode ser limitado àquilo que temos como experiências individuais. Esta é uma questão inteiramente individual e pessoal; não há nada além de si mesmo e das idéias. A posição solipsista é, portanto, aquela que é logicamente permissível mas voltada para ver a si mesmo e auto-sustentada, e esta não oferece nenhum escopo para o desenvolvimento de uma teoria filosófica ou social que possa ser partilhada com qualquer senso realístico.

Caracterizamos o solipsismo como se ocupando da região mais subjetivista da dimensão

subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico. As noções de regulação e de mudança radical claramente não tem nenhum significado em uma perspectiva solipsista; o solipsismo está portanto, consistente com ambos os paradigmas, o interpretativo e o humanista radical. Seu significado para o contexto de cada uma é, para a maior parte, algo negativo, no qual este se apresenta como um perigo potencial para os teóricos sociais que desejam desenvolver teorias com uma ênfase subjetiva. As filosofias subjetivistas correm o perigo de ser fundadas sobre a "linha do solipsismo" de Sartre, de entrar numa visão inteiramente individualista e subjetivista da realidade na qual nenhum discurso significativo é possível. Portanto, encontraremos na discussão subseqüente, a 'linha do solipsismo tendo em vista como uma ameaça a uma multidão de filósofos sociais, notavelmente Husserl.

Num sentido mais positivo, ao enfatizar o extremo subjetivismo do solipsismo define-se o

status essencialmente intermediário e mais moderado de outras filosofias subjetivistas. Adotando uma posição completamente relativista esta ilustra a extensão na qual outras visões do conhecimento do mundo e da realidade social estão essencialmente baseados em significados compartilhados. Esta também realça igualmente a natureza extrema da noção de senso comum de um mundo de uma realidade objetiva firme e sólida.

O solipsismo está portanto, localizado no contexto da paradigma interpretativo e do

humanismo radical como uma posição logicamente válida, porém algo de pouca importância no contexto da sociologia contemporânea.

Fenomenologia.

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Como já observamos, o movimento fenomenológico não é algo completamente coerente, visto que reflete um grande número de linhas de desenvolvimento. Tomando o trabalho de Husserl como um ponto de partida, este se bifurca em outras direções de acordo a perspectiva de seu interprete particular. Escritores tais como Scheller, Heidegger, Schutz, Sartre e Marleau-Ponty todos eles fizeram significantes e distintivas contribuições em direção a seu desenvolvimento global.15

Discutiremos aqui a fenomenologia sob dois grandes títulos. Primeiro, dedicaremos atenção

ao que se conhece como fenomenologia 'transcendental' ou 'pura' que vem freqüentemente associada ao trabalho de Husserl. Segundo, consideraremos um derivado desta, a fenomenologia 'existencial', particularmente como mostrada no trabalho Schutz.

Fenomenologia Transcendental Recordemos que Husserl era um matemático e físico, que cedo em sua carreira, tornou-se

interessado no que ele considerava como os precários fundamentos da lógica e da ciência. Era característico do homem que ele decidisse investigar a origem destes fundamentos. Então ao fazer isso ele embarcou em um trabalho de vida em que ele estava preocupado com o problema dos fundamentos.

Uma de suas primeiras observações foi que a ciência era caracterizada pela

"intencionalidade". Apesar do fato de que os resultados da ciência eram sempre aproximados e imperfeitos, o cientista era guiado pela intenção de objetividade absoluta. Era este objetivo da ciência, esta idéia de ciência, ao invés de seus resultados, o que era importante ao distingui-la como uma disciplina digna de seu nome.

Em sua busca pelos fundamentos objetivos da ciência, Husserl tentou tornar accessível uma

nova direção na análise da consciência. Trazendo uma mentalidade matemática ao assunto, ele se contentou com a manipulação das essências ideais. Ao invés de se preocupar com as realidades factuais ou com a formulação de hipóteses, ele se orientou para a questão central do significado. Ele colocou de lado a realidade (ou em seus termos, 'em parênteses') e procurou penetrar no nível do fenômeno. Em outras palavras, ele procurou praticar fenomenologia. Como Thévenaz coloca:

A fenomenologia não é nunca uma investigação de fatos externos ou internos. Ao contrário,

provisoriamente silencia a experiência, deixa de lado a questão da realidade objetiva ou do conteúdo real a fim de voltar sua atenção unicamente e simplesmente sobre a realidade na consciência, sobre objetos na medida em que eles são intencionados pela e na consciência, em resumo aquilo que Husserl chama de essências ideais. Por isto não poderemos entender as meras representações subjetivas (que nos deixaria no plano da psicologia) nem as realidades ideais ( que 'reificaria' ou hipostasiaria indevidamente os dados da consciência e nos colocaria no nível da metafísica), mas precisamente os "fenômenos"... O fenômeno aqui é aquele que se manifesta a si mesmo, imediatamente na consciência; este é apreendido como um convite que precede a qualquer reflexão ou qualquer julgamento. Isto só é permitido para que ele mostre-se a si mesmo, manifestar-se a si mesmo; o fenômeno é aquele que se dá a si mesmo (Felbgtgeburg). O método fenomenológico então, defrontou-se com os objetos e com os conteúdos do conhecimento, consiste em negligenciar o que só conta para os filósofos e cientista, isto é, seu valor, sua realidade ou irrealidade. Este consiste em descrevê-los tais como eles se dão a si mesmos, como pura e simples intenções(visées) da consciência, como significados, para torná-los visíveis e manifestos tais como são. Nesta Wesenschchau, a essência (wesen) não é nem a

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realidade ideal nem a realidade psicológica, mas a intenção ideal (visée), objeto intencional da consciência, imanente à consciência (Théveraz, 1962.pp.43-4)

Tal é a natureza do fenômeno que Husserl perseguia. Em sua busca da origem dos

fundamentos da lógica e as ciências e evidentemente de toda a filosofia, Husserl começou a desenvolver sua análise fenomenológica. Em sua investigação ele rapidamente constatou que a análise fenomenológica tinha que ir além da descrição superficial da aparência ou da intuição. Com Husserl, o conhecimento, que no pensamento comum pré-filosófico é a coisa mais natural do mundo, assume o status de um 'mistério'. A investigação era para a principal e absoluta evidência que, como o fenômeno, era completa, claramente estabelecida e não necessitava de nada de fora de si mesma para lhe dar forma.

Nesta tentativa o método da époche, o qual já nos referimos, deveria desempenhar um papel

central, abrindo o caminho para a 'redução fenomenológica' e para um novo e fundamental nível de significado - o campo transcendental. Nesta filosofia transcendental Husserl tenta apreender 'o mundo como fenômeno'- apreendê-lo não como objeto, mas como puro significado . O propósito fundamental, original e essencial da redução é 'levar luz ao contexto intencional essencial entre consciência e o mundo' (Thíveraz, 1962, p.47).

A redução fenomenológica leva, portanto, a uma conjunção entre a consciência pura e o

fenômeno mundo. Todas as suposições da vida cotidiana são deixadas de lado na perseguição da subjetividade pura, da consciência transcendental, a intencionalidade que é a fonte de todo significado. Esta noção de intencionalidade - a idéia de que a consciência sempre tem um objeto que a constitui - desempenha um papel crucial na filosofia de Husserl. Ela nega a possibilidade de haver uma realidade independente de qualquer espécie. Ao mesmo tempo, a realidade não é construída pela consciência; ela lhe é revelada através do ato de intencionalidade. Esta busca da consciência transcendental levou Husserl perigosamente perto do solipsismo. Como o mundo cotidiano externo foi deixado de lado na investigação da consciência transcendental, a consciência pura foi deixada em esplêndido isolamento, ficando sua intencionalidade o único elo com alguma semelhança de uma realidade mais ampla. Ela ocupou um domínio isolado e auto-contido de si mesmo. Tudo mais era um produto de sua natureza intencional. Por conseguinte, não havia meios externos de validar sua existência. A 'linha do solipsismo' delineou-se próxima.

Este era um problema que preocupou grandemente Husserl durante seus últimos anos, e ele

lutou arduamente para encontrar uma maneira de se livrar deste dilema solipsista, particularmente através da noção da "intersubjetividade". Ele procurou 'mostrar como o ego transcendental constitui outros egos como parceiros iguais em uma comunidade intersubjetiva; que por sua vez forma os fundamentos para o mundo "objetivo" (isto é, o mundo intersubjetivo). Seus argumentos nesta direção não foram inteiramente convincentes, dado que os aspectos transcendentais de sua filosofia deveriam ser mantidos intactos mas, como veremos, eles colocaram importantes fundações para o desenvolvimento da fenomenologia "existencial", par-ticularmente como a desenvolvida por Schutz. Muitos dos seguidores de Husserl estavam satisfeitos em habitar o mundo vivido da experiência17. Eles não estavam preparados para seguir o caminho em direção transcendentalismo e em grande parte abandonaram este aspecto da filosofia de Husserl. Até onde diz respeito ao paradigma interpretativo, a fenomenologia transcendental tem sido o assunto de desenvolvimento pouco recente. Ocupando uma posição em direção do extremo subjetivista do paradigma, seu principal significado tem sido portanto o de um trampolim ou no mínimo um ponto de partida, para ramos da fenomenologia menos subjetivamente orientados. Discutiremos as mais importantes destes ramos na próxima seção.

Bastante interesse é que as noções transcendentais de Husserl até certo ponto foram adotadas

pelos teóricos operando dentro de uma perspectiva característica do paradigma humanista radical. A transcendência, do ponto de vista deles, tem sido vista como indicando um potencial

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para libertá-los dos grilhões da vida cotidiana. O trabalho de Sartre, em particular, reflete a influência direta de Husserl, e voltaremos a uma discussão dele em capítulo posterior.

Fenomenologia Existencial. A ala existencial do movimento fenomenológico está mais freqüentemente associada com o

trabalho de Heidegger, Merleau-Ponty, Sartre e Schutz. Eles partilham um interesse comum pelo que Husserl chamou de 'mundo da vida' (Lebenswelt), para significar o mundo da experiência cotidiana em oposição ao domínio da consciência transcendental. Contudo, afora esta preocupação com o 'mundo da vida' e com a maneira como os homens existem nele, é desorientador ver seus trabalhos em termos similares. Cada qual desenvolve uma perspectiva teórica que, embora aderindo a uma posição aproximadamente similar em termos das várias posições da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico, ela se direciona para questões e problemas inteiramente diferentes.18 Limitaremos aqui nossa discussão da fenomenologia existencial ao trabalho de Schutz que, em sua tentativa de desenvolver uma 'fenomenologia do mundo social', transpõe o assunto do domínio do discurso filosófico para algo próximo de uma perspectiva sociológica.

O trabalho de Alfred Schutz (1899-1959) pode ser caracterizado como um esforço sustentado

para relacionar a idéia de fenomenologia com os problemas de sociologia . Na essência, esta procura ligar as perspectivas de Weber e Husserl, incluindo também a filosofia de Bergson.

Schutz começa seu trabalho clássico A fenomenologia do mundo social, publicado

inicialmente em 1932, declarando que este se baseava no intenso interesse de muitos anos com os escritos teóricos Max Weber. Enquanto convencido que a abordagem de Weber era correta e que esta proporcionava 'um apropriado ponto de partida para a filosofia das ciências sociais', Schutz sentiu-se seguro de que ele 'não se aprofundava suficientemente para estabelecer os fundamentos sobre os quais só alguns dos problemas das ciências humanas poderiam ser solucionados" (1967, pp.XXXI)

Ao buscar estes fundamentos, na maneira de Husserl, Schutz identificou muitas ambigüidades

na posição de Weber e as submeteu à completa análise filosófica. Enquanto concordando com Weber de que a função essencial da ciência social era ser interpretativa, isto é, a de compreender o significado subjetivo da ação social, ele sentiu que Weber falhou ao colocar como características essenciais do 'entendimento' (Verstehen), 'o significado subjetivo' e 'a ação'. Para Schutz, uma análise minuciosa destes conceitos era essencial para que se colocasse o assunto e os métodos das ciências sociais em uma base sólida.

Schutz embarca numa análise fenomenológica de significado, pesquisando suas origens no

'fluxo da consciência'. Esta noção, que ele tira de Bergson, é crucial para sua análise, visto que ela introduz a dimensão temporal que serve de base ao conceito de "reflexividade". Schutz argumenta que a consciência é fundamentalmente o fluxo ininterrupto das experiências vividas que não têm nenhum significado nelas mesmas. O significado é dependente da reflexividade - o processo de voltar a si mesmo e olhar para o que está ocorrendo. O significado está ligado às ações retrospectivamente; só o já experienciado é significativo, e não o que está em processo de ser experienciado.

Schutz também argumenta que este processo de atribuir significado através da reflexão

depende do ator identificar o propósito ou objetivo que ele está supostamente procurando. Isto introduz a noção de ser capaz de atribuir significado, de antemão, para as experiências futuras. O conceito da ação significativa portanto contém elementos tanto do passado como do futuro antecipado; intrinsecamente ele contem uma dimensão temporal. A análise de Schutz deste 'processo de constituição da consciência interna do tempo' é uma aplicação direta da 'redução

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fenomenológica' como descrita por Husserl. A atitude natural na direção do "mundo que me é dado como estando lá fora" fica suspensa na maneira da époche, na tentativa de penetrar na essência da consciência e do significado. Embora apropriada para o propósito acima, Schutz reconhece especificamente que a análise do significado da vida social cotidiana não requer o conhecimento transcendental produzido pela redução fenomenológica. Na medida em que prossegue no estudo do mundo social, portanto, ele abandona o método estritamente fenomenológico. Ele aceita a existência do mundo social como apresentado na atitude natural e focaliza o problema do entendimento intersubjetivo 'passando por cima de todo um conjunto de problemas' identificado por Husserl em relação à questão da subjetividade transcendental e à intersubjetividade'(Schutz, 1967, pp.94).

A análise de Schutz da intersubjetividade está, portanto, principalmente baseada uma

perspectiva sociológica em oposição a uma perspectiva fenomenológica. Ela reflete uma predileção pelo "mundo da vida" como oposta àquela da filosofia transcendental. Basicamente, Schutz está preocupado em lançar luz sobre a maneira como chegamos a conhecer a experiência vivida dos outros. Nisto ele faz uma distinção fundamental "entre a genuína compreensão de outra pessoa e a conceituação abstrata de suas ações ou pensamentos como sendo deste ou daquele tipo" (1967, p. XXV). A compreensão genuína significa a apreensão intencional da experiência do outro, de modo semelhante a de observar o fluxo da consciência do outro. Ela re-flete a verdadeira compreensão do significado subjetivo. A conceituação abstrata não se refere tanto ao entendimento, mas à auto-elucidação; ela é meramente um ordenamento da própria experiência em categorias. O verdadeiro entendimento é possível nas relações face-a-face do nós; ele depende da troca direta e da interação. Na medida em que passamos destas situações de interação direta a modos de experiência direta dos outros, temos que recorrer mais e mais à conceituação abstrata.

Para Schutz, o processo de compreender a conduta dos outros pode ser entendida como um

processo de tipificação, por meio do qual o ator aplica construtos interpretativos semelhantes aos "tipos ideais" para apreender os significados do que as pessoas fazem. Estes construtos são derivados da experiência da vida cotidiana e do estoque do conhecimento ou compreensão do senso-comum que contem a atitude natural. É através do uso de tipificações que classificamos e organizamos nossa realidade cotidiana. As tipificações são aprendidas através de nossa situação biográfica. Elas são transmitidas a nós de acordo com nosso contexto social. O conhecimento da vida cotidiana é portanto socialmente orientado. A noção de tipificação ou de tipos ideais não é portanto meramente um aparelho metodológico como concebido por Weber, mas uma caracte-rística inerente do nosso mundo cotidiano.19

Schutz argumenta que o estoque de conhecimento que usamos para tipificar as ações dos

outros e compreender o mundo em torno de nós varia de contexto para contexto. Vivemos num mundo de "múltiplas realidades" cada uma das quais é definida em termos das "finitas regiões do significado". O ator social muda entre estas regiões de significado no curso de sua vida cotidiana. Como ele muda do mundo do trabalho para aquele do lar e do lazer ou para o mundo da experiência religiosa, diferentes regras fundamentais (ground rules) são trazidas à cena. Enquanto isto acontece dentro da competência normal da ação individual para mudar de uma esfera para outra, para fazê-lo há necessidade de um "salto da consciência" para vencer as diferenças entre os diferentes mundos.20

Para Schutz, entretanto, o problema de entender a estrutura significativa do mundo da vida

cotidiana era uma preocupação central. "Ver este mundo em sua complexidade massiva, esboçar e explorar suas características essenciais e acompanhar suas múltiplas relações eram as partes componentes de sua tarefa central, a realização de uma filosofia da realidade do mundo, ou, numa linguagem mais formal, de uma fenomenologia da atitude natural" (Schutz, 1962, p. xxv). A tarefa central da ciência social, de acordo com Schutz, era entender o mundo social pela visão

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daqueles que vivem nele, usando os construtos e as explicações que são inteligíveis em termos da interpretação do senso-comum da vida cotidiana.21

Assim Schutz tenta ligar a fenomenologia e a sociologia em uma análise do mundo dos

afazeres cotidianos. Sua tentativa, embora geradora de muitas luzes, é só parcialmente bem sucedida. Os elos substantivos com a filosofia transcendental de Husserl são as vezes muito tênues, particularmente com relação à questão da intersubjetividade. Esta noção é crucial para a análise de Schutz, ainda que extremamente problemática dentro do contexto da fenomenologia transcendental, por razões que já discutimos. O mundo interior da consciência intencional e as manifestações exteriores do mundo da vida cotidiana são às vezes companheiros incômodos. O empreendimento fenomenológico de per si encontra sérias dificuldades na tentativa de lidar com qualquer realidade fora da consciência individual e o trabalho de Schutz refle-te este dilema.

Julgada do ponto de vista de seu outro principal ponto de partida intelectual - o trabalho

teórico de Max Weber - a fenomenologia de Schutz do mundo social deve ser considerada um grande avanço na teoria social. Em essência, Schutz persegue as suposições ontológicas implícitas na metodologia de Weber e desenvolve uma abordagem global que reflete uma posição consistente e coerente em termos dos quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico. Schutz demonstra que as noções de significado subjetivo, entendimento e ação social tem ramificações mais amplas do que aquelas mostradas no trabalho de Weber. Em comparação com Schutz, a posição de Weber no contexto do paradigma funcionalista em oposição do paradigma interpretativo torna-se claramente evidente.

Sociologia Fenomenológica. Ambas as escolas de pensamento identificadas nesta categoria de teoria interpretativa ocupam

uma posição semelhante às duas dimensões de nosso esquema analítico. Fazemos distinção entre elas em grande parte porque elas se desenvolveram em paralelo mas de maneira algo diferente das tradições fenomenológicas. A etnometodologia deriva em grande parte da fenomenologia de Schutz, e o interacionismo simbólico fenomenológico da obra de G. H. Mead.

Etnometodologia. A etnometodologia está fundamentada no minucioso estudo do mundo da vida cotidiana.

Essencialmente ele procura "tratar das atividades práticas, das circunstâncias práticas e da razão sociológica prática como tópicos de estudo empírico, e de dar atenção à maioria dos lugares-comuns da vida diária de acordo com eventos extraordinários, procurando aprender sobre eles como fenômenos a partir deles próprios". (Garfinkel, 1967.p.1). Isto tem a ver com aprender sobre as maneiras como as pessoas ordenam e dão sentido as suas atividades cotidianas e às maneiras como elas se tornam "avaliáveis" para os outros, no sentido de serem "observáveis e re-portáveis". As interações entre pessoas na vida cotidiana podem ser consideradas como realizações, nas quais aqueles envolvidos desenvolvem varias suposições, convenções, práticas e outros tipos de recursos disponíveis dentro de sua situação para sustentar e modelar seus encontros de diversas maneiras. A etnometodologia procura entender tais realizações em seus próprios termos. Ela procura compreendê-las a partir de dentro.

O termo "etnometodologia" foi inventado por Harold Garfinkel como resultado de seu

trabalho sobre um 'projeto de júri' (Garfinkel, 1968). Os procedimentos de um júri tinham sido importunados. O trabalho que Garfinkel consistiu em escutar as fitas, conversar com os jurados e considerar a questão geral de "O que os torna jurados?" Garfinkel e um colega estavam interessados em estabelecer "como os jurados sabiam que eles estavam executando o trabalho de jurados". Eles reconheceram que os jurados, ao empreender seus trabalhos, foram adotando vários métodos para produzir suas atividades que fossem válidas para eles mesmos e para os

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outros. Eles estavam engajados num processo de "dar sentido" à prática do trabalho do júri. Eles estavam preocupados com tais coisas como "avaliações adequadas", descrições adequadas" e "evidências adequadas". Eles procuraram evitar o senso-comum", buscando agir de maneira como imaginavam que deveria agir um jurado. O termo "etnometodologia" foi cunhado para caracterizar os compromissos dos jurados numa metodologia relacionada com uma área específica do conhecimento do senso-comum. Eles estavam comprometidos com um processo que lhes solicitava usar uma série específica das práticas para produzir sentido numa atividade social específica. Contudo, a etnometodologia se tornou um meio para diferentes finalidades. Como Garfinkel (1968) observou, "ela transformou-se em uma doutrina antiquada", e ele francamente repudia qualquer responsabilidade pelo que as pessoas venham a fazer da etnometodologia22. Muitos não aceitariam o repúdio de Garfinkel. Seus escritos são desnecessariamente obscuros e torcidos e eles permanecem como uma relação paradoxal pelo fato de que a etnometodologia está envolvida com a compreensão do mundo cotidiano das atividades práticas simples e com o domínio do conhecimento do senso-comum.

O trabalho dos etnometodologistas está muito mais envolvido com a identificação de

suposições "tidas por verdadeiras" que caracterizam qualquer situação social e com as maneiras pelas quais os membros então envolvidos através do uso de prática cotidianas, para produzir suas atividades "racionalmente computáveis". Nesta análise as noções de "indexicabilidade" e reflexividade" representam uma parte importante. As atividades cotidianas são vistas como sendo ordenadas e explicadas racionalmente dentro do contexto onde elas ocorrem. A forma pela qual elas são organizadas faz uso de expressões e atividades que só modeladas e não necessariamente determinadas racionalmente (indexicabilidade); isto depende da capacidade de olhar para trás e no que aconteceu antes (reflexividade). A situação social é vista como um processo de ação avaliável que é mantida pelos esforços dos participantes; os participantes são vistos como tentando ordenar a experiência deles quanto manter o cotidiano e as suposições do senso-comum que caracterizam a rotina da vida cotidiana.

Segundo Douglas (1970 b), é conveniente distinguir entre dois tipos de etnometodologista, o

lingüístico e o situacional. O etnometodologista lingüístico ( por exemplo, Cicourel, 1972; Schegloff e Sacks, 1973) focaliza o uso da linguagem e as formas pelas quais as conversações da vida cotidiana são estruturadas. A análise delas produz muito dos significados "dados por verdadeiros", o uso de expressões indexadas e a maneira pela qual as conversações exprimem muito mais do que atualmente é dito. Os etnometodologistas situacionais (Mc Mugh, 1968, por exemplo) lançam suas visões sobre uma gama mais ampla da atividade social e procura entender as os meios pelos quais as pessoas negociam os contextos sociais nos quais eles próprios se encontram. Eles estão preocupados em compreender como as pessoas fazem sentido de e como ordenam seu ambiente. Como parte do método deles os etnometodologistas podem conscientemente desorganizar ou "dar por verdadeiro" a questão dos elementos nas situações diárias, a fim de que estas revelem os processos subjacentes em funcionamento.

A etnometodologia está portanto firmemente comprometida com uma compreensão do

"mundo da vida". Garfinkel reconhece uma sua dívida intelectual com Husserl, Schutz e Parsons, e seu trabalho pode talvez ser melhor entendido como um tipo específico de resposta à preocupação de Schutz com a análise da atitude natural. Como Giddens observa, Garfinkel

está preocupado em como a atitude natural se realiza enquanto um fenômeno de atores na

vida cotidiana ... Isto o conduz para fora da fenomenologia, com sua ênfase cartesiana sobre a (essencial ou existencial) primazia da experiência subjetiva, direcionada para o estudo das "ações situadas" como formas "publicamente" interpretadas. Não é difícil ver que a direção do movimento é para Austin, e para o último Wittgestein. Para a noção de atos ilocucionários, ou como Wittgestein diz, " que as palavras são também reais", embora, servindo para fins

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descritivos ao invés de filosóficos, se ajusta muito proximamente com as preocupações de Garfinkel. (Giddns, 1976. p. 36)

Giddens faz muito da convergência de interesses na fenomenologia e na linguagem filosófica

comum (como expressa no trabalho posterior de Wittgestein e seus seguidores) sobre o mundo cotidiano, e teremos de dizer mais acerca disto na seção que este capítulo.

O débito de Garfinkel a Pansons expressa sua preocupação com a ordem social. A

etnometodologia está claramente preocupada para proporcionar explicações na natureza ordenada do mundo social, e isto em grande parte pela razão de que, com os fenomenólogos e os inter-racionistas simbólicos, os etnometodólogos foram classificados como os "novos conservadores" da sociologia (Mc Nall e Johnson, 1975). Contudo, a abordagem etnometodológica se distingue significativamente daquilo que caracteriza o esquema personiano e outras escolas do pensamento característica do paradigma funcionalista. A preocupação não é explicar qualquer estrutura ordenada ou padronização de outros ou regularidades do comportamento humano; ao contrário, esta proporciona uma explicação da maneira pela qual os atores individuais aparecem para ordenar o mundo deles através do uso de várias práticas "consideradas". Os etnometodólogos estão interessados na maneira pela qual os atores tornam evidente e persuadem uns aos outros nos eventos e atividades nos quais eles estão envolvidos, estas são coerentes e consistentes. Eles estão preocupados em compreender os métodos que caracterizam este processo considerado. Do ponto de vista metodológico, a "ordem" dos acontecimentos humanos não existe independentemente das práticas consideradas empregadas na sua descoberta.

Muitos etnometodologistas resistem muito energicamente a qualquer tentativa de ligar o

trabalho deles com problemas convencionais e preocupações da sociologia acadêmica. Para eles, cada homem é seu próprio sociólogo, comprometido com o entendimento de sua vida cotidiana. Nesta conexão, Garfinkel traça a distinção entre os sociólogos "profissionais" e os "leigos", as atividades de ambos estão abertas à análise etnometodológica. A sociologia do profissional, equivalente a do leigo, pode ser considerada como um tipo específico de prática avaliativa. Como Giddens coloca, a "ciência social é uma realização prática como qualquer outra forma de atividade social, racionalmente avaliável, e pode ser estudada como tal" (Giddens, 1976, p. 39). Muitos etnometodólogos especificamente se dissociam da sociologia ortodoxa como tal, particularmente da orientação dirigida à "análise construtiva", e limitam seus esforços para a indexicabilidade das descrições cotidianas e das formas das quais eles as tornam racionalmente avaliáveis.

A substância da etnometodologia está, portanto, em grande parte comprometida com um

conjunto específico de técnicas e abordagens para serem usadas no estudo que Garfinkel descreveu como "indexicabilidade espantosa" da vida cotidiana. Esta é aparelhada para o estudo empírico, e a ênfase que seus praticantes dão a singularidade das situações encontradas, projeta uma estância essencialmente relativista. Um compromisso com o desenvolvimento da me-todologia e do trabalho de campo tem ocupado o primeiro lugar no interesse de seus adeptos, de modo que as questões relacionadas a ontologia, a epistemologia e a natureza humana receberam menos atenção do que talvez mereciam.

O Interacionismo Simbólico Fenomenológico. Lembremo-nos de nossa discussão na capítulo 4 que é possível distinguir duas tendências de

interacionismo simbólico - o comportamental e o fenomenológico. Este último é tipificado por sua ênfase nas emergentes propriedades de interação, através das quais os indivíduos criam seu mundo social ao invés de meramente reagirem a ele. O significado é atribuído ao ambiente, não derivado e imposto aos atores individuais; a ação é construída ao invés de ser uma resposta ou

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mero mecanismo de liberação. Ambos grupos de inter-racionistas normalmente reconhecem sua principal dívida intelectual ao trabalho de G. H. Mead, embora, como argumentamos, eles tendam a interpretar isto de maneiras fundamentalmente diferentes.

As diferenças entre os inter-racionistas fenomenológicos e comportamentais não são sempre tão claras quanto deveriam ser, visto que os primeiros têm freqüentemente sido atraídos para os métodos de pesquisa positivista que se contrapõe à sua orientação teórica básica. Como Douglas observou, "o problema geral da tradição interacionista do pensamento e da pesquisa em sociologia é que seus praticantes, raramente viam clara e consistentemente os fundamentos teóricos e as diferenças metodológicas entre uma sociologia positivista (absolutista) e uma sociologia fenomenológica ou existencial" (Douglas, 1920, p. 18).

Esta confusão está também refletida no debate sobre se pode haver um síntese genuína entre o

interacionismo simbólico e a etnometodologia. Norman Denzin, um proeminente interacionista simbólico, tem argumentado que é possível uma síntese; Don Zimmerman e Lawrence Wieder, dois proeminentes etnometodológicos, argumentaram que isto não é possível24. Interpretando o interacionismo de uma perspectiva etnometodológica ao invés de comportamental, no caso de Denzin repousa em grande parte sobre a visão de que tanto o interacionismo simbólico e quanto a etnometodologia cobrem em grande parte o mesmo terreno. Como ele coloca,

O interacionismo simbólico engloba um grande número de problemas e particularidades

tomadas agora como de competência da etnometodologia - isto é, que o estudo da conduta humana, dentro de qualquer tipo de ordem social, demanda consideração de como as pessoas em interação cooperam na construção de uma rotina, e no momento de tomar como verdadeiro um conjunto de significados necessários para a ação conjunta. Para o interacionista qualquer ordem social emerge do processo de interação de uma situação onde as pessoas levam em conta o ponto de vista dos outros. O fundamento de tais ordens se encontra no significado que as pessoas em interação trazem para os objetos e os atos que estão à mão. O significado surge da interação, e não de outra coisa ao redor. A tarefa do interacionista é descobrir como as pessoas em interação chegam a um acordo sobre certos significados e definições para a ação coordenada. O papel central do self em formar tais definições é de excepcional importância ... É necessário notar que somente uma concepção do processo de interação requer uma visão especial da pesquisa empírica... uma característica fundamental da pesquisa interacionista é a fusão do próprio self do pesquisador na posição daquele que ele está estudando (Douglas, 1970, pp. 296).

Os etnometodólogos afirmam que uma das principais formas pela qual eles diferem deste

ponto de vista é que eles tem uma visão fundamentalmente diferente do problema da ordem social e de sua análise. Zimmerman e Wieder afirmam que enquanto o interacionista trata o ponto de vista dos atores como apenas um aspecto do problema da ordem, buscando relacioná-lo com um contexto mais amplo em termos de descrição e explicações cientificamente válidas, o etnometodólogo limita suas atividades ao mundo do ator. Ele não está muito interessado, em ir além. Como ele coloca: "o etnometodólogo não está preocupado em prover explicações causais de ações de observabilidade regular, padronizada e repetitiva por algum tipo de análise do ponto de vista do ator. Ele está interessado em como os membros da sociedade se ocupam da tarefa de ver, descrever e explicar a ordem no mundo em que eles vivem" (Douglas, 1970, pp. 287-9). O etnometodólogo compromete-se muito mais plenamente com a perspectiva do ator do que o interacionista - há um maior compromisso em estudar o ator em seu próprio terreno. Denzin duvida que haja qualquer diferença radical entre as duas abordagens sobre este ponto e o debate continua sem conclusão.

Para nossos propósitos aqui parece que as similaridades entre as duas abordagens são de

máxima importância, visto que elas definem claramente a maneira pela qual ambas, a etnometodologia e o interacionismo simbólico fenomenológico diferem de outras escolas do pensamento. Ambas seguem a tradição fenomenológica de atribuir a realidade social um status

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ontológico muito precário. Reconhece-se que à realidade social abrange pouco mais que um complexo conjunto de tipificações que podem ser partilhadas intersubjetivamente. A noção de "tipo ideal", que na abordagem de Weber à sociologia interpretativa é oferecida meramente como uma ferramenta metodológica, assume status ontológico dentro do contexto da sociologia fenomenológica. Os sociólogos fenomenologistas reconhecem que a realidade social é criada e sustentada através do uso das tipificações ou "tipos ideais", na medida em que os indivíduos tentam ordenar e "dar sentido" ao mundo que eles vivem. Os etnometodólogos da lingüística tentam enfocar este assunto via entendimento da maneira pela qual as "práticas avaliativas" se desenvolvem, e eles enfatizam a linguagem como o principal meio através do qual as pessoas vêem e criam seu mundo social e através do qual os significados intersubjetivamente compartilhados podem surgir. Os 'etnometodológicos situacionais', como os inter-racionistas simbólicos fenomenológicos, estão mais interessados em estudar a maneira pela qual a realidade social reflete um precário equilíbrio dos significados intersubjetivamente partilhados, que são continuamente negociados, sustentados e transformados através da interação cotidiana dos seres humanos individuais. A realidade social é para eles ou reafirmada ou criada novamente em cada encontro social.

A Subjacente Unidade do Paradigma. Os teóricos de todas as escolas de pensamento dentro do paradigma interpretativo tendem a

partilhar uma perspectiva comum, no principal interesse de entender a experiência subjetiva dos indivíduos. Suas teorias são construídas do ponto de vista do ator individual em contraposição ao observador da ação; eles vêem a realidade social como um processo emergente - como uma extensão da consciência humana e da experiência subjetiva. Até onde um ambiente social mais amplo esteja de acordo com o status ontológico, a realidade social é considerada como a criação e a extensão da experiência subjetiva dos indivíduos envolvidos. Ontologicamente, as teorias características do paradigma interpretativo é indiscutivelmente nominalista; com relação à natureza humana, eles são essencialmente voluntaristas.

Todas teorias construídas no contexto do paradigma interpretativo são anti-positivistas. Elas

rejeitam a visão que o mundo dos acontecimentos humanos possam ser estudados à maneira das ciências naturais. No contexto do paradigma interpretativo o principal empenho é entender o mundo subjetivo da experiência humana. Manter a integridade dos fenômenos sob investigação, faz-se uma tentativa de entrar neles e de entendê-los de dentro. Resiste-se à imposição da forma externa e da estrutura, visto que isto reflete o ponto de vista do observador em contraposição ao ator diretamente envolvido. Favorece-se o método de estudo ideográfico ao invés do nomotético.

Nestes aspectos as teorias características do paradigma interpretativo são significativamente

diferentes daquelas do paradigma funcionalista. Embora certos teóricos neste último tenham tentado incorporar idéias e insights do primeiro, particularmente em termos de método (por exemplo, Weber e seu uso da noção de verstehen), os dois tipos de teoria permanecem fundamentalmente distintos. As suposições ontológicas de uma teoria verdadeiramente in-terpretativa não permitem um perspectiva funcionalista; os dois tipos de teorias estão baseados em fundamentalmente diferentes suposições com respeito do status ontológico do mundo social.

Ao mesmo tempo há pontos de similaridade entre as teorias interpretativa e funcionalista -

similaridades que se tornam claramente evidentes quando estas teorias são comparadas suas contrapartes nos paradigmas humanista radical e estruturalista radical. As teorias interpretativa e funcionalista refletem uma preocupação comum com a sociologia da regulação. De um modo geral, as teorias interpretativas se concentram no estudo das maneiras como a realidade social é significativamente construída e ordenada do ponto de vista dos atores diretamente envolvidos. Elas representam uma perspectiva na qual os atores individuais negociam, regulam e vivem suas vidas dentro do contexto do status quo. O fato de que as teorias interpretativas são moldadas à

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forma da sociologia da regulação reflete o quadro de referência de seus proponentes ao invés de suposições metodológicas e ontológicas básicas. Como veremos no Capítulo 8, a hermenêutica nas mãos de Habermas e a fenomenologia nas mãos de Sartre são direcionadas para diferentes fins dentro do contexto de uma sociologia da mudança radical.

Se a alguém fosse exigido uma simples linha de divisão entre as teorias localizadas no

contexto do paradigma interpretativo, talvez a mais significante teria sido aquela entre a orientação altamente subjetivista do solipsismo e da fenomenologia transcendental de um lado e a fenomenologia existencial, a sociologia fenomenológica e a hermenêutica do outro lado. Considerando que a primeira se inicia com uma viagem ao domínio da subjetividade pura e permanece dentro dos limites puramente do discurso filosófico, a segunda está mais envolvida com o "mundo da vida" e é responsável pelo estudo de uma perspectiva mais sociológica. Dentro do contexto da segunda é importante observar uma convergência do interesse sobre o papel da linguagem como um meio de atividade social prática. A fenomenologia existencial, a etnometodologia e a hermenêutica têm características em comum com a teoria da linguagem como desenvolvida no trabalho de Wittgenstein (1963) e seus seguidores.25 Todas estas áreas de análise enfatizam a importância do significado no contexto. Como Wittgenstein coloca "uma expressão só tem significado no fluxo da vida". Na linguagem, como em outras áreas de ati-vidade social, o processo de comunicação é uma realização contínua caracterizada pela indexicabilidade e reflexividade. Toda atividade humana é muito aceita como verdadeira, e o que constitui realidade depende das regras que subjazem aquilo que Wittgenstein chama de "formas de vida".

Estas noções tem implicações fundamentais para nossa visão de ciência, visto que se segue

que o que se coloca como ciência é não mais que uma particular forma de vida ou jogo de linguagem. A ciência está baseada em suposições "dadas como verdadeiras", e portanto, como qualquer outra prática social, deve ser entendida dentro de um contexto específico. Localizadas por suas origens, todas as atividades que se colocam como ciência podem ser descobertas pelos pressupostos fundamentais relacionadas com a vida cotidiana e não podem de forma alguma ser consideradas como gerando conhecimento com um status "objetivo", livre de valor, como algumas vezes se pretende. O que se tem como conhecimento científico pode ser mostrado ser encontrado em uma série de convenções não afirmadas, crenças e suposições exatamente como é o conhecimento do senso-comum do dia a dia . A diferença entre eles repousa em grande parte na natureza das regras e da comunidade que os reconhece e os subscreve. O conhecimento em ambos os casos não é tão "objetivo" como partilhado.

Esta visão se compara com a visão de ciência articulada por Kuhn (1970) e a noção de

paradigma. Em essência, seu trabalho representa uma característica da perspectiva teórica do paradigma interpretativo - uma teoria na tradição da análise das múltiplas realidades de Schutz e das "formas de vida" de Wittgenstein. Aqui o conhecimento científico é em essência socialmente construído e socialmente sustentado; sua importância e significado podem só ser entendidos dentro de seu contexto social imediato.

Esta visão de ciência é explicitamente reconhecida no trabalho dos fenomenólogos e

etnometodólogos operando dentro do paradigma interpretativo. Explica em parte a medida de suas indiferenças em relação aos paradigmas funcionalista e estruturalista radical, ou o profundo ceticismo com que eles vêem o trabalho dos teóricos operando dentro destes contextos, e seus vigorosos esforços para construir teorias sociais baseadas em uma visão fundamentalmente diferente do papel e natureza da ciência.

NOTAS E REFERÊNCIAS

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1. Hughes identifica a geração de influentes escritores durante o período 1890-1970 como

segue: Freud (nascido 1859), Durkheim (1858), Mosca (1858), Bergson (1859), Croce (1866), Benda (1867), Pirandello (1867), Alain (1868), Proust (1871), Peguy.

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7. O PARADIGMA INTERPRETATIVO E O ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES Burrel & Morgan, Sociological Paradigms and Organizacional Analysis, Heinemann, London,

1979. Como ficou claro a partir de nossa discussão do capítulo anterior, a história intelectual do

paradigma interpretativo é tão complexa e conceitualmente rica quanto a do paradigma funcionalista. Os pressupostos que fundamentam este paradigma com relação ao status ontológico do mundo social contestam a utilidade de se construir uma ciência social que enfoque a análise de 'estruturas’. Ele rejeita qualquer visão que atribua ao mundo social uma realidade que seja independente da mente dos homens. Ele enfatiza que o mundo social é não mais do que uma construção individual subjetiva dos seres humanos que, pelo desenvolvimento e uso da linguagem comum e da interação do dia a dia, pode criar e sustentar um mundo social de significados compartilhados intersubjetivamente. O mundo social é portanto de natureza essencialmente tangível e está em contínuo processo de reafirmação ou mudança.

Tal visão não permite a existência de organizações em qualquer sentido sólido e concreto.

Enquanto certas escolas de pensamento aceitam o conceito de organização e seu uso como uma 'prática cumulativa' através da qual as pessoas tentam dar significado ao seus mundos, os teóricos da corrente interpretativa não reconhecem as organizações como tal. Do ponto de vista deste paradigma, as organizações simplesmente não existem.

Falando estritamente, portanto, a possibilidade de existir uma teoria de organização com as

características do paradigma é, de certo modo, contraditório. Entretanto, em anos recentes um número de teóricos dentro deste paradigma se envolveram em um debate sobre vários aspectos da vida organizacional. Eles agiam como sociólogos interessados em demonstrar a validade de seus pontos de vista contra a ortodoxia prevalecente característica do paradigma funcionalista. Como ficou aparente de nossa discussão no Capítulo 5, a maioria dos teóricos de organizações tendem a tratar seu sujeito de estudo como um fenômeno empírico sólido, concreto e tangível que existe 'lá fora' no 'mundo real'. Os sociólogos da corrente interpretativa se opõem firmemente a tal 'absolutismo estrutural', argumentando que a ciência social poderia ser fundamentalmente baseada em diferentes suposições sobre o status ontológico do mundo social. A fim de demonstrar este ponto de vista eles têm se engajado em pesquisas designadas a ilustrar a falácia do ponto de vista funcionalista. Eles têm procurado mostrar como os aspectos da vida organizacional supostamente 'reais', sólidas, concretas e tangíveis são dependentes das construções subjetivas dos seres humanos individualmente. Ao procederem assim eles produziram uma certa quantidade de literatura que tem considerável relevância para nossa análise aqui, uma vez que abre um debate sobre os pressupostos que subjacem a ortodoxia contemporânea em teoria de organizações. Entretanto, esta literatura não está isenta de problemas uma vez que ao tentar combater as noções que informam as abordagens funcionalistas mais ortodoxas do estudo da vida organizacional, o sociólogo interpretativo tem entrado numa batalha no campo de seus oponentes. Ao adotar posições reativas freqüentemente endossam, por conseqüência, a validade de certas suposições que servem de base para definir a problemática funcionalista. Conseqüentemente, suas posições são freqüentemente contraditórias, e tendem a se tornar uma divergência entre pronunciamentos teóricos e suposições refletidas na pesquisa empírica.

Neste capítulo esperamos promover alguns meios de clarear os assuntos aqui apresentados.

Poderemos ver alguma literatura e tentar avaliá-la em termos das suposições na qual ela se baseou. Esta literatura está confinada às perspectivas descritas no capítulo anterior como

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etnometodologia e como interacionismo simbólico fenomenológico embora, como já sugerimos, não desejamos colocar tantã ênfase na importância desta distinção.

Abordagens Etnometodológicas ao Estudo das Atividades Organizacionais.

Uma das mais antigas críticas etnometodológicas à teoria funcionalista das organizações é

encontrada no artigo de Egon Bittner 'O Conceito de Organização', publicado pela primeira vez em 1965. Neste artigo Bittner argumenta que os teóricos em organização, que definem as organizações como 'organizações estáveis de pessoas engajadas em atividades conjunta dirigidas ao atendimento de objetivos específicos', tende a tornar o conceito de estrutura organizacional como não problemático. Ele argumenta que a noção de estrutura representa não mais do que uma suposição de senso comum de certos atores dentro de uma dada situação. Tomar esta suposição de senso comum pela exata significação do termo e usá-la como base para a análise organizacional é pois repleto de dificuldades. Com efeito, ele argumenta que o sociólogo que usa tal conceito como um 'recurso' para explicar as atividades organizacionais está cometendo um erro fundamental, e que tais conceitos poderiam ser o 'tópico' ao invés da ferramenta de análise. No decorrer de seu argumento Bittner ilustra seu caso em relação aos trabalhos de Selznick e Weber, e sugere que suas teorias estão baseadas em uma série de pressuposições não expressas e de atalhos teóricos que constroem um manto protetor em torno do tema em estudo. O conceito de burocracia, por exemplo, forma-se a partir de informações de fundo que normalmente os membros competentes da sociedade tomam por certo como usualmente já conhecido. Ao elaborar isto Bittner sugere que Weber está conivente com aqueles sobre os quais teoriza. Ele muito enfaticamente resume seu ponto de vista nos seguintes termos: "Se a teoria da burocracia é mesmo uma teoria de fato, ela é uma versão refinada e purificada da teorização do ator. Na medida em que ela é um refinamento e uma purificação ela é, pelo que já foi dito, uma versão corrupta e incompleta dela mesma; uma vez que não é garantido reduzir os termos do discurso do senso comum a um dicionário de significados culturalmente codificados para satisfazer aos requisitos de postulações teóricas" (Bittner, 1974, p. 74).

No lugar desta versão 'corrupta' e 'incompleta' da teorização do ator sobre as estruturas

organizacionais, Bittner sugere o estudo de organização como um construtor do senso comum em que o 'metodólogo' deve estar envolvido com os procedimentos e considerações que os atores invocam na construção de seus mundos. Na última parte de seu artigo Bittner prossegue desenvolvendo uma explícita abordagem etnometodológica para as construções racionais agrupadas sob o conceito de organização, que reflete um programa de investigação ao invés de um interesse específico na produção de uma teoria de organizações como tal. Nela Bittner supõe que o ator em uma organização não é um espectador desinteressado mas um instrumentista usando o conceito de organização de uma certa maneira relativamente específica e por certas razões variáveis. Ele sugere que os atores organizacionais podem, por exemplo, usar o conceito de organização racional como uma 'abertura de complacência' em que se invocam certas regras de conduta ao simplesmente se fazer usar o termo. Por outro lado , há um 'campo aberto de livre desenvolvimento' dentro e fora das regras que se apresenta para nós com a oportunidade de 'alcançar uma compreensão do significado que elas têm como construtos do senso comum a partir da perspectiva das pessoas que as promulgam e vivem com elas’. Ademais, o conceito de organização formal' atua como um 'modelo de unidade de estilo' e como uma 'referência corroborativa', duas noções inter-relacionadas preocupadas com regulação e disciplina de comportamento nos contextos organizacionais. Tomadas em conjunto com a 'abertura de complacência' elas formam três maneiras dentro das organizações em que competentes usuários do termo 'organização formal' utilizam-no como um mecanismo de controle. Nesta maneira a análise de Bittner aponta na direção de se entender o modo como o mundo organizacional é construído pelos atores envolvidos.

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O principal ataque do artigo de Bittner repousa na sugestão de que o conceito de organização

e assuntos correlatos tais como estrutura, hierarquia e eficiência, são construtos sociais problemáticos. Ele argumenta que estes construtos poderiam ser o tópico de pesquisa em análise sociológica e não poderia ser tomada como verdadeiros. Contudo, em trabalho subseqüente, Bittner e seus seguidores nem sempre provaram ser coerentes com estes requisitos. Seu artigo 'The Pólice on Skid Row' (1967), por exemplo, claramente ilustra isto.

A pesquisa de Bittner com os departamentos de polícia de duas grandes áreas urbanas usou as

práticas contábeis de funcionários da polícia como seu foco de atenção analítico. Ao centrar atenção no Skid Row que é visto pela policia como uma área especial divorciada da sociedade em geral, caracterizado por uma violência gratuita, incerteza no comportamento humano e de uma mutante e desinteressada população de desviantes maltrajados, Bittner é capaz de retratar o policial como o 'definidor da situação' por excelência. O papel de 'mantenedor da paz' adotado pela polícia no Skid Row permite-os considerável liberdade de ação, relativamente não coibido pelo judiciário e pela autoridade central, como um resultado para o qual eles estão livres para definir o comportamento das pessoas no local, a motivação e as ações passadas somente em termos de suas expectativas.

Não obstante, Bittner deu-se o trabalho de apontar que o Skid Row. Não é usual, já que os

homens que o patrulham Não estão sujeitos a 'qualquer sistema de controle externo'. Implicitamente, portanto, e pela porta traseira de sua análise, a noção de estrutura social e organizacional aparece em cena. Em um certo ponto de sua análise Bittner introduz o conceito de 'determinantes estruturais' mas tenta defini-las de maneira subjetiva como 'situações típicas que os policiais percebem como condições de demanda para ação sem prisão'1. O que parece implicar, aqui e por todo o artigo, é que os fatores estruturais tanto ao nível social como organizacional tendem a ter menos impacto no desempenho dos papeis de policiais no Skid Row do que em qualquer outra parte. O artigo não questiona a natureza problemática dos conceitos de 'controle externo', 'sociedade em geral', 'normalidade' e 'superioridade'. Um tanto paradoxalmente, portanto, ao invés do estudo do Skid Row representar uma refutação etnometodológica da importância dos fatores estruturais, o muito de sua excepcionalidade parece salientar o impacto crucial da estrutura na vida cotidiana 'normal'. A pesquisa de Bittner torna-se importante ao demonstrar o papel das práticas acumulativas na construção social da 'realidade', mas ela é apresentada de tal modo ao reacender no leitor investigante a crença na existência de 'estrutura' dentro de um vasto segmento da sociedade que não é Skid Row. Portanto, enquanto o artigo teórico de Bittner "O Conceito de Organização" adverte do perigo de 'conluio' ou cumplicidade dentro do tema sob. Investigação, o trabalho empírico de mais ou menos dois anos depois parece cair na própria armadilha. O próprio esquema de suposições que dão suporte são atribuídos a uma serie de relações organizacionais e sociais que parecem ser aceitas sem questionamento.

Esta discrepância entre o pronunciamento teórico e a pesquisa empírica também caracteriza o

trabalho de Don Zimmerman e seus associados. Em certos artigos Zimmerman adere a uma ontologia nominalista característica do paradigma interpretativo, mas em outros ele muda em direção muito mais objetivista. No artigo escrito com Wieder (1970), por exemplo, o mundo social é visto como um produto direto da consciência humana. Os autores especificamente rejeitam a noção de que existem significados compartilhados intersubjetivamente, normas e valores através dos quais as atividades dos indivíduos se orientam. Ao invés disso eles consideram a presença aparente de tais fenômenos sugerindo que os seres humanos 'continuamente confiam e, quando pressionados, insistem nas capacidades dos outros em descobrir um sentido presumidamente compartilhado no que eles estão dizendo' (Zimmerman e Wieder, 1970, p. 294). Em outras palavras, eles enfatizam que o mundo social é criado através de praticas acumulativas dos indivíduos na medida em que se engajam em atividades cotidianas

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rotineiras. A ontologia nominalista refletida neste ponto de vista é perfeitamente consistente com as suposições que caracterizam o paradigma interpretativo.

Em dois artigos apresentando o resultado de trabalho empírico Zimmerman toma um caminho

diferente. Teos e mente aqui "As Praticalidades da Regra de Uso" (1970 a) e "A Manutenção de Registro e o Processo de Entrada em Uma Organização de Bem Estar Público" (1970 b). Ambos estão baseados em pesquisas nos escritórios de um Bureau Estadual de Assistência Pública; o primeiro chamando a atenção para a 'função de recepção' não tanto em termos do trabalho prescrito, mas do ponto de vista dos próprios recepcionistas. Como um artigo ele examina certos aspectos das atividades de trabalho destes atores burocráticos, particularmente seus papeis em induzir em suas rotinas organizacionais as pessoas que se inscrevem para assistência pública. Seguindo Bittner, Zimmerman ataca a noção de que uma estrutura de organização formal é uma facticidade não problemática chamando atenção para o fato de que o assunto sobre que regras, políticas e objetivos significam para o ator burocrático em ocasião concreta de seus usos (por exemplos, para guiar, avaliar ou para justificar a ação) podem ser tratados como problemáticos' (Zimmerman, 1970 a, p.224). O artigo mostra muito claramente que os indivíduos usam as regras de organização para relacionar com os requisitos. Para Zimmerman, é a interpretação do recepcionista que é crucial e não o suposto fato de que as regras e os regulamentos existem 'fora' dos indivíduos envolvidos em qualquer senso objetivamente definido, fixo e solto. O 'uso competente' de uma regra, que por si só não pode jamais ser completamente determinante do comportamento, repousa atrás da reprodução de um estado de coisas 'normal' do dia a dia. Contudo, Zimmerman aceita claramente a facticidade de estruturas organizacionais e a existência de regras impostas de fora. O que ele sugere como o fez Bottner antes dele, é que o movimento dentro da estrutura é possível. Ontologicamente, isto se coloca em total contraste com seu artigo teórico escrito com Wieder (1970). Embora exista uma marcante medida de voluntarismo comum aos dois artigos, uma vez que os seres humanos vistos como 'competentes usuários de regras' sejam relativamente livres para criar seu próprio mundo social, os fundamentos ontológicos parecem diferir entre os trabalhos teórico e empírico. No primeiro o mundo social é em grande medida um produto da consciência; no último uma vaga e inquietante ambiência da 'estrutura', obscurecida e ameaçadora mas não inteiramente discernível, é sentida como o 'verdadeiro' âmago da realidade social.

A 'presença' estrutural está também evidente em outras partes de Zimmerman sobre 'o sensível

trabalho de entrada' (1970 b). O trabalhador-de-casos do Bem Estar social, do mesmo modo que o recepcionista, está engajado em um processo continuo de interpretação de quantas das histórias do cliente são ficção e quantas são 'fatos'. A documentação aqui é crucial e o registro do caso é de particular importância como um exemplo de uma tentativa de montar o mundo de um cliente, que é inerentemente governado por regras e cujos dados são acumulados através de reconstrução post facto como uma reminiscência da noção de reflexividade de Schutz. Este conjunto de 'fatos' documentados deste modo assumem uma facticidade e imutabilidade, e são vistos como objetivos, destacados e inerentemente confiáveis. Para o trabalhador-de-casos o mundo é visto como não-problemático, na verdade é visto como óbvio, e os registros de casos refletem esta suposição. Zimmerman admite que as restrições externas são importantes. Por exemplo, ele afirma que rapidez e verificação são centrais para o papel de trabalhador-de-casos, mas fica por conta do leitor inferir que isto é devido a posição do trabalhador de casos dentro da hierarquia organizacional com suas próprias regras e procedimentos disciplinares. Esta aceitação do status ontológico de estruturas organizacionais não é consonante com a ontologia nominalista característica do trabalho mais teórico de Zimmerman.

As teoria e pesquisa tanto de Bittner como de Zimmerman é portanto caracterizada pelo que

pode ser usualmente descrito como uma forma de 'oscilação ontológica'. Analiticamente eles enfatizam uma posição altamente subjetivista que nega a existência de estruturas sociais e de realidades sociais concretas de qualquer forma. Porem a tentativa de operacionalizar suas idéias

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dentro de um contexto empírico leva-os freqüentemente a admitir uma forma mais realista de ontologia por portas travessas. Uma vez que isto é não-intencional, faz pesar grandes dificuldades para os estudantes tentarem entender seus trabalhos e distingui-los da típica pesquisa, por exemplo, do quadro de referência de ação e do interacionismo característico do paradigma funcionalista. Porem esta oscilação ontológica é prevalente em todas as formas de sociologia fenomenológica que tenta ilustrar suas proposições básicas através de estudos empíricos de situações tiradas da vida cotidiana.

Isto é característico, por exemplo, do trabalho de David Silverman que, desde sua advocacia

do quadro de referência da ação (Silverman, 1970), tem produzido trabalhos com significantemente diferentes orientações. Como já argumentamos no Capítulo 5, Silverman, como muitos outros teóricos que têm adotado o quadro de referência da ação como base para análise, freqüentemente têm buscado inspiração nos escritos de teóricos mais fenomenologicamente orientados, particularmente Schutz. Contudo, ao seguir Weber, eles usaram o contexto da ação como uma ferramenta para estudar uma realidade social relativamente 'realística', ignorando grandemente as implicações ontológicas que refletem suas estruturas. Como já mostramos no Capitulo 6, o verdadeiro significado da sociologia fenomenológica repousa em seu reconhecimento do status ontológico de tipificações ou 'tipos ideais' que abrange o cerne da realidade social. No livro A Teoria das Organizações (1970), Silverman reconhece que a realidade é socialmente construída, socialmente sustentada e socialmente mudada, porem ele interpreta isto essencialmente como indicando a necessidade para as teorias sociais adotarem uma teoria de ação mais voluntarista e para evitar a reificação do fenômeno social. Em outras palavras, como já argumentamos em profundidade no Capítulo 5, Silverman (1970) adere a uma visão da natureza humana altamente voluntarista mas somente para uma ontologia, uma epistemologia e uma metodologia característica da região subjetivista do paradigma funcionalista. A Teoria das Organizações é endereçada aos teóricos de organizações que mantêm uma visão funcionalista da realidade social; sua principal contribuição reside na advocacia de uma metodologia particular para estudar aquela realidade.

Em seu trabalho mais recente (Filmer et al., 1972; Silverman, 1975 a, 1975 b; Silverman e

Jones, 1973, 1976), Silverman perseguiu as latentes questões fenomenológicas que ocupam um papel de pano de fundo na Teoria das Organizações e adotou uma posição firmemente localizada dentro do contexto do paradigma interpretativo. Uma comparação do conteúdo deste trabalho com o da A Teoria das Organizações ilustra claramente as implicações da mudança de paradigma. Para os teóricos de organizações localizados dentro do paradigma funcionalista, o recente trabalho de Silverman usualmente parece confuso, se não ininteligível, e grandemente rejeitado como imprestável, se não irrelevante. Contudo do ponto de vista do paradigma interpretativo, ele contem insights genuínos e tem grandemente contribuído para o debate em círculos contemporâneos interessados na sociologia fenomenológica.

O recente trabalho de Silverman busca prover uma interpretação etnometodológica de várias

atividades dentro do contexto de situações organizacionais.2 A publicação de Novos Rumos em Teoria Sociológica (1972), escrito em conjunto com Filmer et al, marca um explícito movimento na direção de uma ontologia característica do paradigma interpretativo. Neste trabalho Silverman e seus colegas buscam trocar as perspectivas sociológicas afastando-se da ortodoxia funcionalista e rumando para abordagens de inspiração mais fenomenológica. O capítulo 6 é de particular interesse uma vez que ele diz respeito ao estudo específico das atividades organizacionais. Nele Silverman ataca a teoria de organização funcionalista por sua excessiva crença nos 'fatos sociais' e, ao retirar dos trabalhos de Bittner (1965), Zimmerman (1970 a) e Sudnow (1965), argumenta que as 'regras' organizacionais são, de fato, as 'continuas realizações práticas' dos membros da organização. Silverman faz esforço para rejeitar o 'absolutismo estrutural' da maior parte da teorização sociológica, particularmente por ignorar 'a relação processual entre sujeito e objeto no mundo social, isto é, o reconhecimento do caráter

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intersubjetivo da vida social' (Filmer et al., 1972, p. 168). Nesta parte do trabalho Silverman percebe a sociologia fenomenológica como imbuída não só com a 'experiência única' mas também com a comunalidade dos 'matérias primas' notadamente a linguagem, que sustenta a experiência social como um todo. Silverman parece aceitar que há uma realidade compartilhada intersubjetivamente que se oferece à investigação pelo sociólogo fenomenologista.

No artigo 'Conseguindo: As Realizações Conseguidas como Conseqüências de Seleção

"Correta" (Silverman e Jones, 1973), fica evidente uma mudança de atenção, em que se coloca considerável ênfase não só na comunalidade da matéria prima que suporta a experiência social, mas também nos pontos de vista conflitantes da realidade que caracterizam uma dada situação. O estudo apresenta um relato preliminar da pesquisa empírica sobre entrevistas de seleção de auxiliares numa grande organização. Ele mostra a maneira como a situação de entrevista é construída em torno de trocas verbais e não-verbais em que motivos e qualidades pessoais são atribuídas aos outros através do uso de tipificações, e como a entrevista pode ser vista como um processo de acumulação influenciado pela necessidade de 'contabilização de autoridade' através da qual ele pode se tornar avaliável para outras pessoas. Silverman e Jones demonstram como a situação de entrevista é caracterizada por realidades múltiplas, na medida em que as pessoas tentam dar sentido à situação. Como eles chamam atenção, seu foco teórico é a idéia de que 'a constatação de qualquer realidade deriva sua racionalidade não de sua correspondência com algum mundo objetivo mas da habilidade de seus ouvintes (leitores) darem sentido ao que levam em conta no contexto das ocasiões socialmente organizadas de seu uso (e deste modo, tratá-lo como correspondendo a um mundo objetivo)' (Silverman e Jones, 1973, pp. 63-4). Este foco reflete claramente a ontologia nominalista característica do paradigma interpretativo, com Silverman e Jones enfatizando como a realidade é específica de contextos sociais particulares. Contudo, do mesmo modo que muitos dos outros estudos fenomenológicos, a presença de estrutura sob a forma de influencia hierárquica e de 'grupos de vigilância científicos' fica de espreita na retaguarda como uma força influenciando a necessidade de 'acumulação autoritária' de eventos e do atingimento de 'corretos' resultados de seleção.

No artigo 'Acumulações das Organizações' (Accounts of Organizations) Silverman retorna a

uma posição que se aproxima daquela refletida em seu trabalho de 1972, com uma crítica às concepções funcionalistas da organização a partir de uma ponto de vista etnometodológico. Neste artigo ele enfatiza a necessidade, por exemplo, de entender as atividades organizacionais em termos das práticas cumulativas e de entender a burocracia "não como 'um objeto' em si mesmo mas como uma categoria de linguagem que proporciona para a representação do objeto qualidades de uma atividade (Silverman, 1975 a, 296). Suas premissas ontológicas, embora consistentes com a posição dentro do paradigma interpretativo, não são tão subjetivistas como aquelas refletidas no 'Getting In' (Silverman e Jones, 1973).

O livro O Trabalho Organizacional (Silverman e Jones, 1976) dá o testemunho de uma outra

mudança. Este livro apresenta o relato final do trabalho empírico dos autores sobre o processo de seleção do staff dentro de uma situação organizacional e centra seu foco nas relações de poder e autoridade refletida na linguagem usada no contexto organizacional. Silverman e Jones relatam como uma 'vigorosa olhada' em suas fitas de entrevista revelaram que os membros da organização em suas interações e procedimentos acumulativos tinham 'configurado' conceituações de 'hierarquia'. Enquanto isto é visto como dando evidencia em favor de uma construção e reconstrução fenomenológica da estrutura organizacional (onde as pessoas criam estruturas por meio de suas práticas de acumulação), Silverman e Jones argumentam que ela não é para 'ser construída como uma negação solipsista do caráter factual das estruturas organizacionais', uma vez que a realidade delas é 'inegável' (Silverman e Jones, 1976, p. 20). Tal afirmação sobre o status ontológico das estruturas, que lhes atribui uma existência em seus próprios termos, está bem longe de se manter coerência com as posições articuladas no trabalho anterior já acima referido e comprova o que parece ser uma importante mudança de orientação

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teórica. Enquanto Silverman e Jones não negam o papel que os indivíduos desempenham na construção de seu mundo social, eles continuam a argumentar que a natureza das praticas de acumulação sustentam 'toda a nossa tão real comunidade tecnológica/burocrática', e que nossa fala e linguagem discursiva tendem a nos fechar em um papel relativamente passivo como 'meros funcionários' dentro de nossa sociedade atual. Eles ilustram seus pontos de vista por meio da evidência da pesquisa empírica sobre entrevista que empreenderam, demonstrando 'a graduação da linguagem' na qual a fala e os relatos escritos refletem a natureza hierárquica do contexto em que estavam localizadas. Os elementos de graduação ou hierárquicos no processo de entrevista, por exemplo, são vistos com estando ligados a 'princípios de racionalidade' em que há (1) premissas que todos podem aceitar, (2) passos que todos podem seguir e (3) conclusões que todos devem aceitar. Estes cânones passam a ser usados nas organizações como legítimos dispositivos para definir a 'seriedade' ou autenticidade das acumulações da comunidade. O paralelo entre esta análise e a teoria da 'distorção comunicativa de Habermas, que discutiremos no próximo capítulo, é particularmente notável, embora os autores não especificamente aceitem a ligação. Contudo, eles identificam semelhanças com o trabalho de Heidegger e Marx. Silverman e Jones argumentam que entrevistas de seleção são uma forma de avaliação, e que isto envolve estratificação na sociedade cuja 'forma de vida' é vista, em essência, como um mercado em que linguagem e fala constituem mercadorias. Tanto Heidegger como Marx são vistos como tendo reconhecido isto em suas diferentes trajetórias. estabelecer gradação e acumular gradação torna-se, para Silverman e Jones, um trabalho alienado, 'em que os homens são relacionados a seus modos de falar do mesmo modo com a um objeto alheio; no que eles usam a palavra para fazer coisas (como graduar) mas ao usá-la tornam-se dominados por ela vez que a forma de vida que produz esta fala inteligível desumaniza as atividades humanas (tornando-as coisas)' (Silverman e Jones, 1976, p.172). O trabalho alienado assim forma um nexo com a natureza hierárquica de nossa existência mundana e com a predominância do 'valor de troca' como padrão de discurso dentro de nossa sociedade. Deste modo Silverman e Jones concluem que nossa estrutura social atual requer uma graduação de linguagem, que ela própria afirma 'hierarquia de mercado e uma separação do Ser do Escrito'. 'O que', perguntam eles, 'poderia ser semelhante a não mais a escrever meramente como um funcionário?' (Silverman e Jones, 1976, p. 180).

Ao descobrir as relações de poder e autoridade dentro das praticas de acumulação, linguagem

e 'atos da fala', Silverman e Jones estão, com efeito, articulando uma perspectiva característica da abordagem hermenêutica à teoria crítica dentro do paradigma do humanismo radical. Como notamos acima, ela tem muito em comum com o trabalho de Habermas e deve ser vista com uma grande mudança na orientação teórica. A oscilação ontológica característica de seu trabalho anterior fica resolvido, talvez inadvertidamente, através do reconhecimento de uma dimensão de poder e dominação sob o continuo processo através do qual a realidade social é criada e sustentada. Esta dimensão do poder é capaz de levar em conta a aparente presença de fatores estruturais dos fundamentos que suportam os relatos de trabalhos empíricos, mas não é inteiramente consistente com a sociologia fenomenológica característica do paradigma interpretativo, uma vez que implica que a construção social da realidade é subscrita por um forma disfarçada de dominação ideológica. A orientação essencialmente conservadora da sociologia interpretativa, com seu interesse em entender como os indivíduos criam e impõem ordem em seus mundos, é deslocada ao longo da dimensão regulação-mudança radical de nosso esquema analítico pela preocupação do humanismo radical em entender como os indivíduos caem na armadilha como 'meros funcionários' dentro do contexto de uma formação social alheia à natureza de seu verdadeiro ser.

INTERACIONISMO SIMBÓLICO FENOMENOLÓGICO E O ESTUDO

DAS ATIVIDADES ORGANIZACIONAIS O foco de interesse do interacionismo simbólico fenomenológico difere daquele da

etnometodologia no grau de atenção devotada a maneira como a realidade social é negociada 93

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através da interação. Enquanto o etnometodologista usualmente focaliza a maneira como os atores individuais prestam contas de e dão sentido a seus mundos, o interacionismo simbólico fenomenológico foca os contextos sociais em que os indivíduos em interação empregam uma variedade de práticas para criar e sustentar definições particulares do mundo. Eles demonstram como 'realidade' e 'fatos' são essencialmente criações sociais, negociadas através da interação o de vários temas em competição e de definições de realidade. Consideraremos aqui dois estudos que ilustram esta abordagem.

David Sudnow em 'Crimes Normais' (1965), tenta demonstrar a maneira em que sentenças criminais em certas cortês nos Estados Unidos são negociados através da interação entre o Procurador do Distrito, o Promotor Público, o Defensor Público e o réu. Sudnow explica que, numa tentativa de acelerar o andamento através das cortês e reduzir o acúmulo de trabalho, o réu pode ser persuadido a pleitear culpa em troca de uma taxa e de uma sentença reduzidas. Isto ocorre no contexto de uma negociação consistindo de uma oferta por parte do Procurador do Distrito para alterar a taxa original. Contudo, tal oferta tem se mostrado dependente de e o crime cometido pelo réu se enquadra nas 'tipificações' classificadas pelas partes legais em seus arquivos-de-casos guardados na mente como 'crime normal'. O processo legal, que usualmente é visto como governado por e limitado pela natureza do código penal, é mostrado operar por meio de um processo de interação e negociação mediado por realidades socialmente construídas aderidas às partes envolvidas. Isto demonstra que o código legal e as estatísticas criminais, que são comumente tratados como 'fatos sociais' concretos, não são de maneira alguma confiáveis e descrições de contornos bem definidas do que são as realidades sociais particulares. A implicação é que a realidade social é negociada e socialmente sustentada, mesmo dentro de um contexto de regras limitadoras e de situações burocráticas firmemente controladas.

Uma perspectiva similar fica evidente no 'Comportamento em Locais Privados' de Joan Emerson (1970). Neste artigo Emerson busca ilustrar como uma definição de realidade dominante pode ser invadida por realidades contrárias que se opõem ou qualificam a definição dominante de várias maneiras. O exame ginecológico apresenta uma situação em que diferentes realidades são precariamente balanceadas. As situação é caracterizada, por um lado, por uma definição impessoal, clínica e médica, e por outro lado por uma definição pessoal, íntima e sexual. Emerson claramente demonstra como o aspecto sexual pode involuntariamente invadir a definição clinica, de modo a que as partes envolvidas continuamente se esforcem em definir a situação como um 'exame ginecológico acontecendo de maneira correta', uma situação em que ninguém fique embaraçado e ninguém pense em termos sexuais. Ela demonstra claramente como isto ocorre, com o ginecologista e a enfermeira agindo de comum acordo para sustentar a definição dominante através de um tipo particular de linguagem e técnica. Quando a definição dominante se rompe (através, por exemplo, da paciente se ruborizar, ou recusar cooperar por pudor), toda uma bateria de intervenções e de técnicas é acionada para restaurar o equilíbrio. A realidade do exame ginecológico foi mostrado que se apóia em uma serie de negociações complexas e sustentadas entre todas as partes envolvidas.

Emerson sustenta que o precário equilíbrio de realidades em confronto encontrado no exame

ginecológico representa um caso ilustrativo extremo de um processo continuo que caracteriza uma larga gama de situações da vida diária. Isto meramente exagera a internamente contraditória natureza de definições de realidade que são encontradas em situações do dia a dia, no trabalho, nos encontros sociais, ou em quaisquer outras. O estudo enfatiza como os indivíduos têm eles próprios que se envolverem num esforço deliberado para manter o equilíbrio de temas conflitantes refletidos em qualquer situação social dada, e como a realidade social que emerge é essencialmente negociada pelos atores diretamente envolvidos.

Como no caso do estudo etnometodológico de Sudnow, o trabalho de Emerson, enquanto

distintivamente fenomenológico em sua orientação básica com respeito ao status da realidade socialmente criada, admite uma forma de organização social mais concreta na retaguarda. Em cada caso a realidade é construída sobre o que parece ser uma cena preestabelecida pelos atores

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que já têm papeis alocados. Em nenhum estudo este pano de fundo foi submetido a escrutínio; o foco é nas maneiras como os atores constroem a cena em que próprios se encontram.

Como no caso dos estudos etnometodológicos considerados anteriormente, certos problemas

ontológicos se refletiram na pesquisa. Mais adiante neste capítulo iremos considerar o dilema que os sociólogos fenomenologistas se defrontam ao se engajar em trabalhos empíricos desta espécie. Por enquanto, contudo, voltaremos a considerar as implicações que este tipo de pesquisa fenomenologicamente orientada, não obstante seus problemas, tem para os teóricos de organizações localizados dentro do paradigma funcionalista.

O DESAFIO FENOMENOLÓGICO PARA A TEORIA CONTEMPORÂNEA

DAS ORGANIZAÇÕES. O desafio que a sociologia fenomenológica apresenta para a teoria contemporânea das

organizações é claramente de uma forma verdadeiramente fundamental.3 Ela sugere que todo o empreendimento da 'teoria organizacional' se baseia em fundamentos muito dúbios. As suposições ontológicas que caracterizam o paradigma funcionalista fica em fundamental oposição àqueles que subscrevem a perspectiva fenomenológica. Para os fenomenólogos, as organizações como fenômenos tangíveis e relativamente concretos simplesmente não existem; o mundo social é essencialmente processual e emerge dos atos intencionais dos seres humanos agindo individualmente ou de comum acordo uns com os outros. A realidade social 'criada' no curso do processo consiste de pouco mais do que imagens da realidade que podem ser entendidas em termos de uma cadeia de tipificações. Elas não encerram uma definição sólida; elas encobrem complexidade; a natureza complexa da realidade social só emerge quando os indivíduos são forçados , por meio das pressões de interação uns com os outros, ou na tentativa de fazer sentido de seus mundos, para mergulhar cada vez mais profundamente por tipificações novas ou modificadas que levam em conta ou que fazem sentido de suas situações. A complexa e tangível natureza da realidade 'lá fora', a partir deste ponto de vista, é um fenômeno socialmente construído de status intersubjetivo dúbio e tão transitório quanto o momento em que ele é visto.

Deste modo, as organizações são vistas, de uma perspectiva fenomenológica, como construtos

sociais; uma organização se posiciona como um conceito que significa diferentes coisas para diferentes pessoas. Como um conceito universal, seu status intersubjetivo é extremamente dúbio. Os teóricos de organizações são vistos como pertencendo a uma comunidade pequena e auto-sustentada que acredita que as organizações existem em num sentido ontológico relativamente tangível e teorizam sobre elas. De um ponto de vista fenomenológico, os teóricos de organizações teorizam sobre conceitos que têm pouco significado para as pessoas fora da comunidade que pratica a teoria de organizações e sobre a limitada comunidade que os teóricos organizacionais pode tentar servir.

Para os fenomenólogos, os teóricos de organizações sustentam seus empreendimentos pelo

conluio com aqueles que tentam servir, ou, de maneira mais apropriada, aqueles que eles percebem que necessitam tornar suas atividades contabilizáveis. É por esta razão que a teoria de organizações contemporânea é acusada de ter um viés gerencial. Ela usa conceitos gerenciais a fim de construir suas teorias. Estes conceitos são usados como um 'recurso', embora, como sugere Bittner (1965), de um ponto de vista fenomenológico, elas poderiam proporcionar o 'tópico' de analise.

O desafio fenomenológico à teoria das organizações contemporânea é total e completo,

porque a questão em disputa é de ontologia. Segue-se daí que todos os conceitos que o teórico organizacional se utiliza para construir sua visão sobre a realidade organizacional está aberto à crítica. Os conceitos de estrutura organizacional, satisfação no trabalho, clima organizacional, etc., são todos reificações que freqüentemente são confundidos com a realidade social. Se o

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teórico de organizações reivindicasse que estes conceitos são meramente de valor heurístico, sugeria a questão de 'propriedade', e isto implicaria em conluio involuntário ou consciente. Muitas das pesquisas fenomenológicas que levamos em consideração neste capítulo podem ser entendidas como uma tentativa de demonstrar aos teóricos localizados dentro da ortodoxia funcionalista que eles estão super concretizando o mundo social. Os estudos que, por exemplo, demonstraram que os indivíduos criam as regras dentro de um contexto organizacional, negociam a natureza do 'crime' e deste modo, as 'estatísticas 'criminais, demonstram que para perceber a realidade em termos destas regras, estruturas e estatísticas é perceber o mundo em termos que tornam todo muito simples. O cerne da realidade social está no que Garfinkel (1967, p. 1) descreveu como 'aterrorizante indexicalidade' da vida cotidiana. A realidade não existe na superfície dos afazeres humanos, se oferecendo para estudo direta e continuadamente como o teórico de organizações funcionalista freqüentemente assume. A realidade social fica bem profunda dentro da rede de tipificações que os indivíduos, quando pressionados, convocarão para dar sentido à situação na qual eles se encontram.

As implicações de uma verdadeira sociologia fenomenológica para as suposições ontológicas

do paradigma interpretativo são completamente destrutiva no que tange a teoria de organizações contemporânea como ela é atualmente. O sociólogo fenomenologista e o teórico de organizações se ocupam de diferentes realidades sociais para todas as intenções e propósitos; eles vivem em mundos intelectuais diferentes. O teórico de organizações contemporâneo não pode construir suas teorias dentro do contexto do paradigma interpretativo.

O que, então, o teórico de organizações contemporâneo pode aprender dos fenomenólogos? O

que ele pode incorporar dentro das fronteiras do paradigma funcionalista? Parece que aqui há uma oportunidade de integração - um potencial que outros já tentaram explorar. Recordemo-nos do capítulo anterior que o interesse em integrar as perspectivas do idealismo e do positivismo era uma preocupação de muitos teóricos sociais nos últimos anos do século dezenove e inicio do século vinte. Isto foi um dos maiores problemas para o qual Dilthey e Weber se devotaram, por exemplo, e como já sugerimos, a teoria da ação social e certas variedades do interacionismo podem ser entendidas como resultados diretos deste interesse. Com muitos respeitos estas escolas de pensamento representam a reação funcionalista à visão idealista da realidade social que subjaz a perspectiva fenomenológica, e oferece espaço para ulterior desenvolvimento dentro da teoria organizacional. O livro de Silverman A Teoria das Organizações (1970), por exemplo, sugere uma possível linha de desenvolvimento.

Claramente, há muito mais do que pode ser feito dentro do contexto do funcionalismo para

explorar as implicações de se estudar a realidade social que é muito menos nítida, certa e sólida, e mais processual do que tem sido considerada até agora na teoria. Ha muito mais espaço para reconhecer o papel dos indivíduos em interpretar e sustentar pontos de vista particulares da realidade social do que é geralmente reconhecido. Há campo para adotar uma epistemologia, uma visão de natureza humana e uma metodologia em consonância com esta visão revisada do status ontológico do mundo social. Em resumo, a teoria de organizações contemporânea pode utilmente avaliar e reavaliar sua orientação básica com relação a suas suposições sobre cada um dos quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico.4 Tal ação poderia representar uma resposta que encontra o desafio fenomenológico no próprio terreno funcionalista. Esta seria uma resposta inadequada no que diz respeito ao fenomenologista. Em essência, o básico desafio da fenomenologia à teoria funcionalista é respeitar a natureza do mundo social e, para o fenomenólogo, isto é justamente impossível dentro dos limites da problemática funcionalista.5

ABORDAGENS FENOMENOLÓGICAS AO ESTUDO DE SITUAÇÕES

ORGANIZACIONAIS: PROBLEMAS E DILEMAS.

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Ao adotar o ponto de vista da sociólogo fenomenologista ao invés daquele do teórico de organizações funcionalistas, que implicações emerge da discussão e análise apresentada nas secções anteriores deste capítulo? Claramente, há muitos problemas para o sociólogo fenomenologista interessado no estudo da natureza das situações organizacionais, uma vez que é muitas vezes involuntariamente levado a reconhecer e concordar com aspectos dentro de uma dada situação que, se pressionada, seria forçada a negar. Muito temos feito por este ponto de vista em nossa discussão da 'oscilação ontológica' entre trabalho teórico e empírico.

Pareceu que muitos destes problemas surgem porque os pesquisadores interessados não foram

suficientemente explícitos sobre o que eles estavam tentando demonstrar. Ao focalizar sobre os quatro elementos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico, não está claro se o trabalho empírico destes teóricos visam ilustrar uma visão particular da ontologia, para demonstrar a superioridade de uma abordagem particular à epistemologia e à metodologia, ou se meramente enfatizar o voluntarismo que eles vêem com caracterizando os afazeres humanos. Sem dúvida alguns dos estudos tentam atingir todos estes objetivos, embora seu sucesso seja questionável.

Se o interesse do sociólogo fenomenologista é atacar o problema de ontologia, como requer

sua perspectiva teórica, então é importante que ela seja explicito sobre o problema. É importante enfatizar que a realidade que seu trabalho mostra é fundamentalmente diferente da que é conceituada, por exemplo, pelo teórico funcionalista. Até onde ele se limita a ilustrar o movimento dentro das regras organizacionais ou se põe contra as origens da estrutura burocrática, como alguns dos estudos discutidos anteriormente mostraram ser assim, deste modo seu trabalho tende assegurar a existência básica da realidade na qual, por exemplo, a teoria funcionalista se baseia. A escolha de pesquisa de situações incomuns tais como Skid Row, que há muito tempo já foram removidas do domínio da vida diária pela maioria das pessoas, também tende a reafirmar o status de concretude da realidade cotidiana em situações que não são Skid Row. Se o fenomenólogo está interessado em atacar o problema ontológico, parece que seria necessário estudar situações em que as pessoas são tipicamente vistas como tendo relativamente pouca discrição na maneira em que moldam suas realidades. Até agora a pesquisa fenomenológica tem focalizado no que o teórico funcionalista tem visto como papeis de alta-discrição, tais como aqueles de recepcionistas, promotores públicos, policiais, ginecologistas, etc. Os estudos fenomenológicos do que usualmente tem sido visto como situações de baixa-discrição (característica, por exemplo, de uma linha de montagem) tende a ser evidente por sua ausência.

A focalização sobre os problemas envolvidos aqui exigiria que o sociólogo fenomenologista

tomasse uma posição firme com relação ao preciso status dos conceitos de organização, hierarquia, regras burocráticas, etc., e sobre outras questões de origens inerentes a muitos dos trabalhos empíricos produzidos até então. Isto esclareceria se eles realmente teriam a intenção de contestar a ontologia realista que caracteriza a ortodoxia funcionalista, ou se eles estão meramente tentando ilustrar a complexa e voluntarística natureza das ações humanas e das impropriedades da epistemologia positivista e da metodologia nomotética no desenvolvimento de uma adequada compreensão deste processo. Isto os faria ficar face a face com as básicas suposições que subjacem o paradigma interpretativo, uma vez que seriam obrigados a serem específicos sobre o preciso status da realidade social e da forma que ela toma. Como já chamamos atenção em nossa discussão do trabalho de Silverman e seus colegas, a tentativa de lidar com uma realidade socialmente construída e socialmente sustentada que parece tão verdadeiramente 'real' tem introduzido uma nova dimensão em seu trabalho que está em consonância com a 'teoria crítica' dentro do paradigma do humanismo radical. A tentativa de manusear a presença aparente de padrão e de estrutura que se reflete na construção social da realidade tem levado a se focar nas questões ideológicas intimamente relacionadas com a dimensão regulação-mudança radical de nosso esquema analítico. A sociologia fenomenológica

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característica do paradigma interpretativo está subscrita por pressupostos básicos que tendem à ordem nas questões sociais. Até onde esta ordem se reflete num padrão e estrutura que proporciona um contexto dentro do qual uma realidade é criada, é algo que necessita ser explicado. É precisamente este interesse que tem levado muitos teóricos sociais que desejam continuar a subscrever a perspectiva nominalista característica da tradição idealista a forjar quadros de referência alternativos.

Como encontraremos no próximo capítulo, este interesse ficou muito mais refletido no

trabalho de Hegel e no problema da relação dialética entre os mundos subjetivo e objetivo. Isto também se vê refletido no trabalho do jovem Marx, de Jean Paul Sartre e, mais recentemente, de Habermas. De maneiras diferentes eles têm procurado demonstrar que o mundo socialmente criado pode se tornar inteiramente real e determina uma estrutura que restringe as ações e orientações dos seres humanos, como se tivesse uma existência própria. Não queremos dizer aqui que a sociologia fenomenológica só pode ser mais desenvolvida dentro do contexto do paradigma do humanismo radical. Nossa intenção é colocar a questão que surge se os sociólogos fenomenologistas reconhecem a aparente presença de estrutura que se pendura no pano de fundo de suas correntes de trabalho. Ao confrontar o problema ontológico básico que isto envolve, eles esclarecerão a natureza de seus empreendimentos. Para aqueles que permanecem convencidos de que a realidade social é inteiramente criação de seres humanos autônomos envolvidos no fluxo da vida cotidiana, o problema será o de desenvolver epistemologias e metodologias adequadas para estudar a natureza de seus mundos. Para aqueles em que estrutura e padrão da realidade social aparecem como tão verdadeiramente 'real', a consideração da dimensão de poder inerente na habilidade do indivíduo criar sua realidade é a de provavelmente provar uma questão maior e, ao perseguir seu fim lógico, indubitavelmente buscará melhor reorientação na perspectiva teórica. Isto exigirá uma perspectiva que tem muito mais incomum com o humanismo radical do que com a sociologia da regulação que caracteriza o paradigma interpretativo.

NOTAS E REFERÊNCIAS. 1. Silverman, em defesa da VISÃO de Bittner, tem sugerido que ele use 'determinantes

estruturais' num sentido muito específico (Silverman in McKinlay, 1975, p.282). 2. NÃO consideraremos aqui o livro de Silverman 'Lendo Castaneda (1975 b), que busca

prover uma análise etnometodológica de Castaneda (1970) e portanto não focaliza práticas dentro de contextos organizacionais.

3. Confinaremos nossa discussão aqui às implicações da fenomenologia para as teorias

características do paradigma funcionalista. Está claro que há também implicações para teorias localizadas em outros paradigmas. Infelizmente, vai alem do escopo de nosso propósito nos reportarmos a elas aqui.

• 4. Para uma discussão de algumas das implicações epistemológicas e metodológicas

da sociologia fenomenológica veja, por exemplo, Blumer (1969), Cicourel (1964), Douglas (1970 b). Muitos de seus argumentos são convenientemente juntados em Mennell (1974).

5. Desejamos enfatizar aqui a questão levantada na noite 3 acima. A natureza do conceito

de paradigma, como usado aqui, implica necessariamente que a legitimidade da visão de mundo refletida em um paradigma é fundamentalmente oposto às características dos outros três.

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BURREL & MORGAN Sociological Paradigms and Organizational Analysis.

8. Humanismo Radical.

Origens e Tradição Intelectual. As origens intelectuais do paradigma do humanismo radical podem ser rastreadas em

retrocesso para os princípios do idealismo Germânico e da noção Kantiana de que a realidade última do universo é espiritual ao invés de material por natureza.

O humanismo radical é fundamentado na noção de que o indivíduo cria o mundo em que ele

vive. Os humanistas radicais não só tentam entender a natureza do processo de criação do mundo em que vivem, como também sujeitam-no à crítica, focalizando naquilo que vêem como o estado do homem essencialmente alienado.

Esta crítica procede a partir de 2 avenidas de discurso. Uma delas está associada com a

posição do idealismo subjetivo que deriva da mesma fonte da filosofia de Husserl e outros fenomenologistas. Embora as raízes da tradição do idealismo subjetivo possa ser rastreado retroativamente à filosofia de Kant ou antes, é no trabalho de Fiche (1762-1814) que ele primeiro recebe sua expressão mais explicita e coerente. Fiche foi um seguidor de Kant, e sua marca de idealismo subjetivo se apoiou no pressuposto de que a consciência do indivíduo é uma entidade criativa continuamente gerando uma perpétua corrente de idéias, conceitos e perspectivas, através dos quais um mundo externo à mente é criado. Do ponto de vista de Fitche, qualquer entendimento desta realidade criada envolveu o entendimento da natureza, estrutura e entendimento da mente consciente. Para Fitche, o mundo externo era para ser entendido em termos da projeção da consciência do indivíduo. Fitche viu os seres humanos como extanando suas experiências na forma de realidade que se reflete neles de volta, e através do que se tornam conscientes deles próprios e de ações. Esta perspectivas teve uma influência ampla na filosofia contemporânea e na teoria social através do trabalho de Husserl e de outros fenomenologistas. Sua influência é também evidente no trabalho de Sartre e seus seguidores dentro do movimento existencialista Francês. Em essência, eles têm radicalizado a perspectiva fenomenológica que caracteriza a posição idealista subjetivista, vendo o indivíduo aprisionado no modo de existência que ele cria. Ontologicamente, eles vêem o mundo como o produto da tomada de consciência individual, tomada de consciência esta vista como sendo projetada no exterior através de atos de intencionalidade, deste modo, criando-o. Dentro do humanismo radical, os subjetivistas focalizaram a patologia da intencionalidade e, assim, ao criar um mundo externo, o homem separar-se-ia do seu verdadeiro "Ser".

A segunda avenida de discurso está baseada na tradição do idealismo objetivista, que recebeu

sua mais antecipada e abrangente expressão no trabalho de Hegel. O sistema Helegiano de pensamento se apoiou no seu primeiro e mais significativo trabalho, A Fenomenologia da Mente, no qual investigava o status ontológico do conhecimento humano. Neste livro Hegel buscou demonstrar como o conhecimento passa através de uma série de formas de consciência até atingir um estado de "conhecimento absoluto" em que o indivíduo está de acordo com o "espírito absoluto" que permeia o universo. Para Hegel a realidade última se apóia no "espirito". Hegel apresenta os seres humanos como vivendo em um mundo caracterizado por uma constante interação entre a consciência individual e sua objetificação no mundo externo. Consciência e mundo externo são vistos como os dois lados da mesma realidade. Eles estão envolvidos em uma relação dialética em que cada um define e influência o outro. Para Hegel cada coisa é o seu próprio oposto. A verdade recai em ambos os lados de cada questão numa relação antagônica a si mesmo. Como um método de análise a dialética ressalta que há um antagonismo básico e conflito dentro tanto do mundo natural como do mundo social que, quando resolvido, leva a um

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alto estágio de desenvolvimento. Este processo dialético é visto como um princípio universal, que gera progresso na direção de um estado de "conhecimento absoluto" em que a distinção entre sujeito e objeto é superada e a consciência humana toma consciência de sua situação dentro do "espirito absoluto".

Tanto Hegel como Fitche viram a consciência do indivíduo como um ponto focal para o

entendimento da natureza do mundo social. Contudo, enquanto em Fitche o indivíduo cria o seu mundo, em Hegel a consciência do indivíduo é subserviente a um padrão externo de razão universal que reflete a existência de uma força universal ou espírito acima e além do indivíduo. A consciência humana e a historia humana, para Hegel, devem ser entendidas em termos do desdobramento do espírito universal que conduzirá, com certeza, à sociedade perfeita. Em seus últimos anos, Hegel viu de modo crescente, a Prússia de seus dias, como uma encarnação do "espirito absoluto", a sociedade perfeita em que o indivíduo tornava-se subserviente do estado.

A filosofia de Hegel assim tornou-se parceira de um credo político muito conservador, e tem

sido submetida a uma ampla gama de interpretações. Logo de início surgiu uma profunda divisão entre os chamados "Hegelianos da Direita" que seguiam integralmente sua filosofia, e aqueles ditos de esquerda ou "jovens Heleginos", dentre estes, o jovem Marx (1818-1883) que, na essência, inverteu o sistema Hegeliano e o unificou com uma crítica da sociedade de seus dias. Ao fazê-lo, Marx assentou as bases para o desenvolvimento de humanismo radical nos moldes de um idealismo objetivista. Marx empregou a perspectiva histórica e o método dialético de Hegel dentro do contexto de uma filosofia que colocava o indivíduo como centro da cena em vez do "espirito absoluto". Marx, juntamente com outros "Jovens Helegianos", particularmente Fuerbach, argumentaram que não havia algo absoluto acima do homem. Eles argumentaram que a religião e o Estado eram criações do homem em vez de reflexo de qualquer "espirito absoluto". Eles enfatizaram que todas as objetivações encontradas no mundo social eram humanamentes criadas e apontaram para uma filosofia emancipatória que chamava a atenção para como os indivíduos, através da autoconsciência, poderiam criar e deste modo mudar a sociedade em que viviam. Marx, em particular, começou com a premissa de alienação do homem. Ele viu a sociedade de seus dias como dominando a experiência humana, as criações sociais objetificadas refletiam-se de volta no homem como uma força alienante, dominando seu ser e natureza essencial. Este ponto de vista está expresso com muita força nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos (1844) em que Marx demonstrou como o sistema capitalista de produção se situava no coração da alienação do homem. Enquanto para Hegel a alienação era um fenômeno necessário no caminho da auto-realização e do "conhecimento absoluto", para Marx tornou-se um conceito casado a um ataque ao status quo e as falhas da totalidade do capitalismo.

Mais tarde o trabalho de Marx mudou de uma perspectiva idealista para uma com raízes com

uma interpretação mais realista da natureza do mundo social. No livro Ideologia Germânica (1846), escrito com Engels, buscou liquidar as contas com o idealismo Germânico, e este trabalho é freqüentemente visto como definindo a chamada "quebra epistemológica". Do ponto de vista do esquema analítico apresentado aqui isto significa que Marx parou com o humanismo radical, e começou a se mover na direção do estruturalismo radical.

Somente a partir dos primeiros anos da década dos 20, quando Luckács, sob a influencia do

neo-idealismo, buscou reenfatizar a influência de Hegel sobre Marx, e após a descoberta do Manuscritos Econômicos e Filosóficos, surgiu a teoria radical humanista crítica. O crescimento da teoria crítica juntamente com o existencialismo Francês, pode ser entendido em larga medida, como uma resposta de renovação do interesse pela tradição idealista que emergiu na virada do século vinte.

A Estrutura do Paradigma.

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O paradigma do humanismo radical compreende tanto a corrente subjetiva como objetiva do idealismo Germânico. Está também ai contido uma influência do solipsismo e uma categoria de pensamento anarquista derivado do Hegelianismo. Assim, pode-se dizer que o paradigma possuí 4 principais orientações: a) solipsismo; b) existencialismo Francês; c) individualismo anarquista; d) teoria crítica.

Destas correntes, a mais desenvolvida é a teoria crítica. Dentro dela há 3 escolas de

pensamento :a sociologia Lukácsiana: a sociologia Gramsciana e o trabalho da Escola de Frankfurt.

Teoria Crítica. Pensamento sociólogo baseado no trabalho do Jovem Marx. É geralmente usada como

sinônimo para o trabalho dos teóricos sociais da Escola de Frankfurt. Ha, todavia, 3 escolas de Pensamento discretas,. A Escola de Frankfurt possui muito do trabalho de Lukács que, por sua vez, possuí uma grande similaridade com o de Gramsci e, deste modo, há muita superposição.

A teoria crítica é um ramo da filosofia social que busca operar simultaneamente nos níveis

filosófico, teórico e prático. Ela se posiciona firmemente na tradição idealista crítica derivada da Crítica da Razão Pura de Kant; seus proponentes buscam revelar a sociedade pelo que ela é, a fim de desmascarar sua essência e modo de operação e lançar os fundamentos para uma emancipação humana através da mudança do social profundamente arraigado.

Sociologia Lukacsiana. Lukács procurou desenvolver uma teoria crítica que oferecesse uma alternativa ao Marxismo

ortodoxo de seus dias. Em essência, ele estava interessado em rever seus fundamentos sócio-filosóficos, pela ênfase e restauração da forte influencia Hegeliana que caracterizou o trabalho de Marx depois da "quebra epistemológica”. Em particular, Lukács procurou desenvolver uma teoria revolucionária que colocasse forte ênfase no papel do proletariado e sua consciência de classe na superação da sociedade capitalista.

Consciência de classe, foi central em Luckács, porque ele viu nela uma rota de escape do

problema fundamental associado com a noção Helegiana de alienação. Um outro aspecto central em Lukács foi a noção de totalidade que se encontra na íntima conexão entre as dimensões objetivo e subjetivo dentro da realidade social, que são sintetizados dentro da consciência de classe do proletariado. O processo por meio do qual estas dimensões se tornavam falsamente discretas e diferenciadas, de modo a que não mais eram vistas como "idênticas", Lukács chamou de "reificação". Reificação, sem dúvida, se refere ao fato de que enquanto os homens em suas atividades produtivas do dia a dia criam seu mundo social, estas atividades e o que resulta delas são vistas como divorciadas dos homens, como "coisas" objetificadas independentes. Enquanto a objetificação dos artefatos feitos pelo homem é provavelmente necessária e inevitável em todas as formas da vida social, tanto Lukács como Marx procuraram ressaltar os aspectos políticos restritivos da reificação e a barreira efetiva que ela promove à compreensão, pela classe trabalhadora, da totalidade em que eles vivem. Colocado de maneira mais simples, a alienação em Lukács na forma de reificação é algo a ser superado, desde que ela é a chave para a liberação de energias explosivas do proletariado, que são tão necessárias para a transformação e reconstrução da sociedade capitalista.

Do ponto de vista ontológico a sociologia Lukacsiana invoca uma dialética onipresente, uma

vez que os processos sociais são vistos consistir de "objetivo" agindo sobre o "subjetivo" e o "subjetivo" agindo sobre o "objetivo". Para Lukács, portanto, a natureza ontológica do mundo não é nem cruamente nominalista nem cruamente realista.

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Do ponto de vista epistemológico Lukács toma uma posição interessante. Para ele o

Marxismo é uma metodologia revolucionária. A revolução depende das ações da classe trabalhadora e das táticas desenvolvidas por seus líderes. Os Lukacsianos não são positivistas buscando leis gerais de desenvolvimento das sociedades; eles usam táticas e metodologias de revolta e revolução ressaltando o escopo da ação aberta ao proletariado. Eles indicam o aspecto voluntarista da vida dentro do capitalismo e não o aspecto determinista, continuamente apontando para a liberdade de escolha no tipo de consciência de classe que o proletariado aceita. Eles buscam mudar o mundo. Suas epistemologias e metodologia se misturam para formar um corpo de pensamento que visam métodos práticos para transformar radicalmente a sociedade aqui e agora.

Sociologia de Gramsci. A influencia da sociologia de Gramsci cresceu muito nos meios acadêmicos do Ocidente

desde o início dos anos 60. Sua "filosofia da práxis" representa Não só uma teoria social rigorosa, como também uma metodologia política para a classe operária. O Marxismo de Gramsci apresenta um humanismo radical crítico do capitalismo e também uma metodologia de alcançar sua Superação. Gramsci acreditava que o Marxismo de seus dias tinha perdido o elã revolucionário através da incorporação de noções positivistas e de um determinismo cru quase totalmente mecanicista que ignorava totalmente os aspectos voluntaristas práticos das potencialidades das classes trabalhadora radical. Ele sentia que o que se necessitava era uma verdadeira teoria dialética que transcendesse às clássicas antinomias filosóficas de voluntarismo - determinismo, idealismo - materialismo, subjetivo - objetivo.

Esta "filosofia da práxis", esta verdadeira "teoria crítica" procurou introduzir no Marxismo

ortodoxo a compreensão e a simpatia por um entendimento de fatores "superestruturais" dentro das sociedades capitalistas. Gramsci acreditava que poder e dominação no capitalismo se apoiavam não somente nos meios de coerção e opressão materialmente localizados, mas também dentro da consciência dos homens, pela "hegemonia ideológica". A classe que dita as regras, sempre busca legitimar seu poder através da criação e perpetuação de um sistema de crenças que enfatiza a necessidade de ordem, autoridade e disciplina, e conscientemente tenta castrar o protesto e o potencial revolucionário. Para Gramsci, foi precisamente na área da hegemonia ideológica nas escolas, famílias e fábricas que o capitalismo teve mais probabilidade de desenvolver e crescer o despercebido da classe que faz as regras, atacando e infiltrando a consciência do trabalhador individual.

A sociologia de Gramsci é claramente orientada para ação e mudança radical. Para ele a

realidade não existe por ela própria no estrito sentido materialista, mas existe numa relação histórica com os homens que a modificam. Sua posição reflete um idealismo objetivo na tradição da teoria crítica e do trabalho do jovem Marx.

A Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt ao clamar para si a propriedade da teoria critica, deve muito ao famoso

ensaio de Horkheimer: Teoria crítica - Artigos Selecionados. Atualmente ela é usada como um título genérico para um bem conhecido grupo de acadêmicos ligados ao Instituto para Pesquisas Sociais, na Alemanha, dentre eles Horkheimer, Adorno, Benjamim, Fromm, Lowenthal, Marcuse, Habermas e muitos outros. A teria critica se desenvolveu em muitas direções. Baseada em fundamentos ontológicos e epistemológicos refletidos nas teorias dos "Jovens Hegelianos", dentre eles Marx, estes teóricos críticos forjaram uma perspectiva ampla que tem consistentemente objetivado revelar a natureza da sociedade capitalista pelo que ela é. Eles têm buscado revelar sua natureza subjacente e estabelecer as bases para a mudança social através de

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revolução da consciência. A perspectiva humanista radical tem criticado a ciência positivista, os modos de racionalidade, a tecnologia, o sistema legal, a unidade familiar, os padrões de burocracia, a linguagem, a arte, a música, a literatura, a personalidade autoritária e a psicanálise. Assim, a teoria crítica, na tradição de Frankfurt abarca uma filosofia crítica polimática dirigida para objetivos emancipatórios. Como no caso das sociologias Lukácsina e Gramsciana, desenvolveu-se em reação aos desenvolvimentos dentro do Marxismo ortodoxo, com sua ênfase no determinismo histórico, e na tendência geral em direção ao totalitarismo na URSS e na Alemanha Nazista. Desenvolveu-se também em reação à tradição positivista em geral, particularmente como refletido na sociologia do paradigma funcionalista. Em muitos aspectos, a teoria crítica inverte a problemática funcionalista. Vê-se isto claramente ilustrado nos debates filosóficos entre Adorno e Popper, e nos escritos de outros teóricos sociais.

Aqui são destacados os trabalhos de Marcuse e Habermas. Marcuse tornou-se muito bem

conhecido por seu ataque mordaz à natureza "unidimensional" da moderna sociedade tecnológica, particularmente a capitalista. Seu trabalho apóia-se na verdadeira tradição Hegeliana-Marxista de teoria crítica, e representa uma tentativa consciente de apresentar uma filosofia emancipatória com características positivistas da sociologia da regulação. Para Marcuse a fenomenologia é inadequada porque ignora o escopo e a influência do potencial humano; por outro lado o positivismo é inadequado porque possuí pressupostos falsos em relação a valores de neutralidade e de seu papel como instrumento de controle dos interesses do status quo. A contribuição especial de Marcuse reside em sua tentativa de incorporar as idéias e insight de Freud e Weber dentro da perspectiva Helegiana-Marxista característica de muito do paradigma humanista radical.

Em Eros e Civilização Marcuse, seguindo Adorno e Fromm, busca desenvolver as ligações

entre a personalidade humana e a totalidade em que ele está situado, tomando os conceitos Freudianos de "principio do prazer" e "principio da realidade" como seu ponto inicial de análise. Na perspectiva Freudiana a civilização se apóia na repressão dos impulsos internos do homem. Em uma sociedade civilizada o "principio da realidade" subjuga o "principio do prazer" e, como conseqüência, os homens pospõem a auto-gratificação no interesse da ordem social. Marcuse afirma que a escassez não é mais uma característica das sociedades modernas tecnologicamente avançadas, vez que elas são capazes de acabar com as deficiências de todos os tipos. A necessidade de reprimir os desejos instintivos em tal tipo de sociedade não é mais tão forte. Contudo, continua, e o nível de repressão que agora encontramos nos estados industriais avançados é a "repressão do excedente"; restrição esta sobre e acima da qual é necessário manter a civilização. A repressão ao excedente, percebida e retida na psique e dando suporte ao sistema de produção, é vista por Marcuse como apoiando-se no centro da dominação psicológica do homem pelo, e de sua alienação dentro do, mundo moderno. Ele vê a emancipação humana a partir da ordem social dominante como se fazendo acontecer através da libertação da sociedade da repressão do excedente, portanto dando mais ênfase ao "principio do prazer" expresso através dos impulsos libidinais.

Em O Homem Unidimensional Marcuse se desloca para uma posição mais Weberiana. Neste

livro ele argumenta que a moderna sociedade é essencialmente totalitária, naquilo em que o aparato técnico de produção e distribuição impõe-se sobre a sociedade como um todo. Seus produtos e os indivíduos a que ostensivamente serve são moldados para atender a seus próprios requisitos internos. A tecnologia é vista como uma força política, um sistema de dominação que envolve novos e "mais agradáveis" meios de controle social e de coesão. A tecnologia produz a sociedade "unidimensional" em que há um nivelamento das diferenças e conflitos entre atualidade e potencialidade; em que as alternativas parecem ser crescentemente irrealistas; em que o sistema industrial parece ter uma lógica própria. Marcuse argumenta que afluência(riqueza) e a criação de falsas necessidades impedem o desenvolvimento de protesto radical contra a ordem estabelecida. A tomada de consciência é vista como sendo moldada e

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controlada pela mídia. O estado de bem-estar e o "estados de guerra" são vistos como instrumentos para manter o nível de consumo necessário a sustentar uma "feliz" força de trabalho.

O trabalho de Habermas (1970 a, 1970 b, 1971 a, 1971 b, 1972,1974 e 1976) impressiona por

sua capacidade de utilizar idéias e conceitos concebidos a partir de uma variedade de perspectivas a serviço de um humanismo radical. Em essência, seu trabalho pode ser entendido como uma reação contra as deficiências da sociologia interpretativa e do positivismo sociológico. As diversas perspectivas são soldadas juntas em uma teoria crítica que, para Habermas, deve ser emancipatória, dialética (por transcender as antinomias sujeito-objeto, observador-observado, fato-valor) e hermenêutica em seu esforço para entender o mundo-cultural em que significados subjetivos são locados.

Habermas tem tentado mudar, dentro do Marxismo, a atenção para fora, de uma consideração

da estrutura econômica do capitalismo, para alguns aspectos chave das sociedades pós-capitalistas. Habermas tem enfatizado a estrutura de dominação inserida em nossa linguagem e no discurso do dia a dia. Para Habermas, a estrutura da linguagem, sua natureza e uso, proporciona uma chave com a qual se abrem muitos insights para as maneiras fundamentais de operação de diferentes formações sociais.

Recentes desenvolvimentos em lingüística e em filosofia da linguagem ordinária demonstrou,

para satisfação de Habermas, que hoje em dia o "problema de linguagem" tem substituído o tradicional "problema de consciência". A fim de lidar com estes desenvolvimentos, ele desenvolveu uma teoria de "competência comunicativa" que toma emprestado conceitos da hermenêutica para prover a ligação entre a macro-estrutura política e atos de discurso dentro de um contexto de interação simbólica. Habermas desenvolve o conceito de uma "situação de discurso ideal" em que é possível a interação simbólica desde que se chegue a um consenso genuíno entre as partes em comunicação e se reconheça como um consenso sem a operação de poder. Esta situação de discurso ideal contrasta-se com outra caracterizada pela "distorção comunicativa" em que se chega a um suposto consenso dentro de um contexto de distribuição desigual de poder.

Nota: Esta posição de Habermas é bastante significativa. Não há dúvida que esta Situação de

consenso genuíno pode proporcionar uma "Situação de discurso ideal" entre as partes, estando ausente as relações de poder que geralmente existem na sociedade de maneira desigual. Esta teoria de "competência comunicativa" de Habermas, pode ser fundamentada a partir dos conceitos de figura e fundo da psicologia da gestalt e do conceito de percepção da fenomenologia. Só se percebe o que é figura. não se percebe o fundo. A situação de consenso genuíno só pode acontecer de na relação eu-outro percebo o outro como figura e o outro também me percebe como figura. Temos aí uma situação igualitária desprovida de poder ou, pelo menos, que não se leva em consideração o poder. Tudo isto, por sua vez, tem a ver com o processo cognitivo, cujo conteúdo pode ser explicado pela "teoria de ação" de Argyris & Schon. Como veremos a seguir, Habermas toma outro caminho ao explicar a diferença entre "trabalho" e "interação".

Habermas ilustra a diferença entre aquelas duas situações acima através dos conceitos de

"trabalho" e "interação". Estes são vistos como sendo categorias de vida social fundamentalmente diferentes, com uma racionalidade proposital dominando a primeira, e uma interação simbólica a última. O trabalho é visto por Habermas como uma forma de ação social dominante dentro de uma sociedade capitalista industrializada, que enfatiza a importância do atingimento de objetivos, definido em termos das relações de meios e fins. O sistema desenvolve regras técnicas para guiar as ações e os modos de pensar, e coloca ênfase na aprendizagem de habilidades e qualificações. O "trabalho" é visto como uma forma de "distorção comunicativa"

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caracterizado por escolha assimétrica no uso de atos de discurso que refletem uma relação de poder desigual.

"Interação", por outro lado, baseia-se na Ação comunicativa entre homens em que normas

compartilhadas se desenvolvem e se refletem numa linguagem ordinária, intersubjetivamente compartilhada. "interação" inclui "labor" como parte coesiva e integral da vida social, visto como típico das sociedades pré-capitalistas. Dentro desta forma social há expectativas recíprocas sobre comportamentos, cuja violação atrai fortes sanções sociais. As normas e valores que governam as relações sociais são adquiridas através de internalização de papeis. A racionalização deste sistema de ação reside na "emancipação", na "individuação" e na "extensão de comunicação livre de dominação" (Habermas, 1971 b). interação é vista como baseada em situações de "discurso ideal" em que o homem é emancipado do "trabalho" e da dominação. A visão de Habermas é de um mundo pós-moderno baseado na "interação", com igual acesso aos atos de discurso concedidos a todos e uma igualdade de oportunidades dentro do discurso. Como Schroyer (1971) notou, na medida em a versão da teoria crítica de Habermas se baseia na liberação do potencial da linguagem auto-reflexiva, a nova forma de ciência crítica que ele advoga é essencialmente baseada na "patologia da comunicação".

Nota: O que Habermas propõe coincide com o que acima chamamos a atenção. É sua visão

sociológica de um problema psicossocial que está centrado na relação do individuo com o outro no mundo. Esta gestalt precisa ser entendida na sua totalidade e com suas nuances espaço-temporais. Só se pode conseguir a relação perceptiva figura-figura (eu-outro), a partir de um modelo-de-homem como o que venho defendendo Martins,(1987), ou seja, um ser-autodeterminado-autêntico-e-autônomo que, numa relação-com-o-outro de maneira presentificada, aqui-e-agora("on line", como diz Argyris), pode definitiva e predominantemente manter a "interação" como percebida por Habermas. Embora implícito não está claro em Habermas este modelo de homem, e muito menos esta dimensão espaço-temporal aqui-e-agora, indispensável para o relacionamento genuíno. Há que se considerar também a parte do discurso que permeia a relação. Este é o aspecto que estamos trabalhando a partir de Argyris & Schón, no que eles vêem chamando de "teoria-de-ação" para significar que a ação discursiva é uma ação composta, ou seja, o discurso é informado por valores governantes que selecionam estratégias de ação através das quais o comportamento acontece (gestos, palavras articuladas, etc.). Assim, a liberação do potencial de linguagem auto-reflexiva de que nos fala Schroyer ao comentar sobre a teoria da "competência comunicativa" de Habermas, só faz sentido se entendido a partir de um processo social cuja dialética de interação conduza e ao mesmo tempo se apóie num modelo de homem como o acima referido e numa dimensão aqui-e-agora.

A despeito da ênfase colocada na linguagem como foco para análise social, Habermas faz

esforço para ligar sua teoria de competência comunicativa com os pressupostos fundamentais do materialismo histórico para torná-la adequada e efetiva. Em seus trabalhos mais recentes, contudo, em que lida com uma variedade de crises que afetam a sociedade moderna, ele vê como área crucial a estrutura legitimadora do sistema político (Habermas, 1976). Ele argumenta que uma crise econômica permanente não é mais possível dentro do capitalismo avançado por causa da penetrante intervenção do Estado. Portanto, a análise de Marx sobre a dependência das lutas de classes e de suas relações com as crises econômicas, está implicitamente desatualizada. Para Habermas, o problema chave dentro do capitalismo avançado é a "crise de legitimidade".

Em resumo, tanto Marcuse como Habermas, demonstram como a teoria crítica na Escola de

Frankfurt inverte o interesse e a problemática da teoria social regulativa, funcionalista tais como a racionalidade utilitária, a lógica da ciência, as funções positivas da tecnologia, e a neutralidade da linguagem. Eles buscam demonstrar que ciência, tecnologia, ideologia, e outros aspectos da superestrutura das formações sociais do capitalismo moderno devem ser entendidos em relação aos papeis que desempenham na sustentação e desenvolvimento do sistema de poder e

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dominação que permeia a totalidade de sua forma social. A função de ambos foi a de influenciar a consciência das pessoas vivendo dentro dele (capitalismo), com vistas a uma eventual emancipação e na perseguição de formas alternativas de vida.

O foco da teoria crítica nos aspectos "superestruturais" da sociedade capitalista é altamente

significativo, naquilo que reflete a tentativa de teóricos trabalhando dentro da tradição a sair do "economicismo" do Marxismo ortodoxo e a elevar a preocupação Hegeliana a um papel de dialética das relações sociais. É através da dialética que os aspectos subjetivo da vida social podem ser reconciliados. A superestrutura da sociedade capitalista é de interesse fundamental para os teóricos, em parte porque é o meio pelo qual a consciência dos seres humanos é controlada e moldada para se ajustar aos requisitos da formação social como um todo. Ela se coloca na interface dos mundos subjetivo e objetivo.

Para concluir segue-se os conceitos chave da teoria crítica e que também permeiam o trabalho

do Jovem Marx.: Teoria Crítica: conceitos e orientações centrais. Totalidade. A noção de que qualquer entendimento da sociedade deve abarcar em sua inteireza os

mundos objetivo e subjetivo que caracterizavam uma dada época. A totalidade abarca tudo; ela não tem fronteira. Um entendimento desta totalidade deve preceder um entendimento de seus elementos, uma vez que o todo domina as partes no sentido de uma abarcação total.

Consciência. É a força que em última análise cria e sustenta o mundo social. A consciência é gerada

internamente mas influenciada pelas formas que assume através do processo de objetificação e da dialética entre os mundos objetivo e subjetivo.

Alienação. É o estado em que, em certas totalidades, uma cunha cognitiva é dirigida entre a consciência

do homem e o mundo social objetificado, de modo que o homem o que São essencialmente as criações de sua própria consciência na forma de uma dominante realidade externa sólida. Esta cunha é a cunha da Alienação, que separa o homem de seu verdadeiro ser e impede-o de preencher suas potencialidades como ser humano.

Crítica. Em suas críticas da sociedade contemporânea, os teóricos críticos focam nas formas e fontes

de Alienação, que eles vêem como inibindo as verdadeiras possibilidades de um verdadeiro preenchimento humano. Os vários expoentes desta perspectiva abordam-na de diferentes maneiras, a vários níveis de generalidade.

Lukács focaliza o conceito de reificação que dá uma solução sócio-filosófica aos

problemas epistemológicos e práticos que o Marxismo enfrentava nos anos 20. Gramsci focaliza a noção de hegemonia ideológica como refletido um sistema de

crenças entre o proletariado fomentado pela classe que dita as regras. Em sua visão, o sistema de crenças enfatiza a importância de ordem, autoridade e

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disciplina, e foi propagado através de instituições tais como a família, a escola e o local de trabalho.

Marcuse através da noção de homem unidimensional foca a atenção nas

características alienantes que ele vê como sendo inseridas no crescimento da racionalidade utilitária dentro das sociedades industriais avançadas. Em particular ele enfatiza o papel alienante da tecnologia, ciência e lógica. Estas suplementam outras forças identificadas com seu trabalho anterior relacionado com a excessiva repressão da libido e da manutenção de uma força de trabalho feliz através da criação de riqueza e de falsas necessidades.

Habermas focaliza o papel que a linguagem desempenha como uma força alienante

em todos os aspectos da vida social. Sua teoria da competência comunicativa busca um denominador comum na interação humana, seja verbal, produtiva ou outra, e busca mostrar como nas sociedades Ocidentais contemporâneas há um elemento de distorção comunicativa que reside no coração, e no nível mais básico da alienação do homem.

Individualismo Anarquista. O Individualismo Anarquista advoga total liberdade individual destrambelhado de qualquer

forma de regulação interna ou externa. Está intimamente associado a doutrina de Marx Stirner, cuja filosofia vai alem de Marx na sua rejeição a todas as instituições sociais. Stirner enfatizou a primazia da existência e rejeitou totalmente qualquer busca por leis universais governando a vida social. O conceito Hegeliano de liberdade individual dentro do controle do Estado é totalmente desprezada nesta perspectiva, que enfatiza a emancipação através da remoção do Estado e de suas armadilhas.

O Estado, na visão de Stirner, foi o grande inimigo da liberdade humana, desde que

representou uma coletividade reguladora que, ao desenfatizar a felicidade do indivíduo, significou tudo que ele rejeitou.

O Existencialismo Francês. O existencialismo Francês reflete uma perspectiva filosófica firmemente situada na tradição

do idealismo subjetivista derivado do trabalho de Fitche e Husserl. A fenomenologia e o existencialismo, embora dêem suporte mutuo um ao outro, suas orientações básicas são fundamentalmente distintas. Enquanto a fenomenologia existencial de Schutz focaliza a construção social do dia a dia como uma base de entendimento (quase sempre como um fim em si mesmo), o existencialismo de Sartre está interessado no entendimento da patologia de tais construções, com vistas a mudá-las. O existencialismo difere da fenomenologia em seu vigoroso humanismo e seu envolvimento político com o desejo de ver mudado a ordem social existente.

O existencialismo é um movimento amplo e amorfo, incluindo teóricos que aceitam um

débito comum a Kierkegaard. Entre eles destaca-se Sartre como um líder expoente. Sartre define o existencialismo na tradição Kierkegaardiana como a convicção de que "a

existência vem antes da essência"; esta crença implica que "devemos começar pelo subjetivo"- isto é, o indivíduo situado dentro da existência é o interesse fundamental do empreendimento filosófico. Ele precede qualquer ênfase de interesse na "essência" do mundo "real" e na feição da realidade externa. O indivíduo envolve-se ativamente na criação do mundo, não sendo um mero observador ou reflexo dele. Para Sartre, existencialismo é humanismo, e ele está interessado em demonstrar o modo pelo qual o "nada" e a "liberdade" são aspectos essenciais da relação

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ontológica entre os mundos subjetivo e objetivo como experimentado por seres humanos individuais.

A Unidade Subjacente do Paradigma. O trabalho dos teóricos situados dentro do paradigma radical humanista é subscrito por um

interesse comum pela liberdade do espírito humano. focaliza na consciência humana dentro de um contexto da totalidade que caracteriza uma formação social particular. Há um interesse pelo que pode ser descrito como a "patologia da consciência" pela qual os homens percebem a si mesmos como aprisionados dentro de um modo de organização social que eles criam e sustentam em suas vidas diárias. Os humanistas radicais estão interessados em entender a maneira em que isto ocorre, com vistas a livrar a consciência ou espirito humano e assim facilitar o crescimento e desenvolvimento das potencialidades humanas

Embora variem em graus de subjetividade, os humanistas radicais enfatizam que a realidade

é socialmente criada e socialmente sustentada. Para os humanistas radicais, os teóricos do funcionalismo social criam e sustentam uma visão

de uma realidade social que reforça o status quo, e que é para ser entendida como um aspecto da cadeia de dominação ideológica que penetra toda a sociedade Ocidental contemporânea.

Muitos humanistas radicais contemporâneos têm desenvolvido suas criticas da sociedade

tendo em mente uma perspectiva funcionalista e, conseqüentemente, são capazes de atacar em muitas frentes. Assim, muita atenção tem sido dada para demonstrar o papel da ciência, da lógica, da racionalidade, da tecnologia, da linguagem e de outros aspectos da superestrutura do capitalismo com veículos de dominação cognitiva que, sob a perspectiva do humanismo radical, como "intermediadores" alienantes que apresentam uma barreira ao atingimento de completa humanidade.

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TEORIA ANTI-ORGANIZAÇÃO

Burrel & Morgan, Sociological Paradigms and Organizational Analysis, Heinemann, London, 1979.

(Tradução livre do Profº. Wellington N. F. Martins).

No capitulo anterior descrevemos a natureza do paradigma humanista, traçando suas linhas gerais de desenvolvimento e a maneira na qual seus princípios básicos se refletem nas escolas de pensamento contemporâneas. Como um paradigma dentro do contexto da teoria social como um todo ele deve ter alguma relevância para o estudo de organizações, mas até agora está quase que totalmente inexplorado deste ponto de vista.1 Tentamos aqui argumentar que se as implicações do paradigma do humanismo radical fossem desenvolvidas em relação ao estudo das organizações, o resultado seria uma teoria anti-organização. Uma vez que a perspectiva humanista radical se coloca numa fundamental oposição à do paradigma funcionalista, refletindo uma completa inversão dos pressupostos sobre a natureza das ciências e da sociedade, a teoria anti-organização ficaria em fundamental oposição à teoria de organizações contemporânea.

De qualquer perspectiva característica do paradigma do humanismo radical, as organizações como fenômeno de médio alcance têm um status ontológico precário. No melhor das hipóteses, elas são concebidas como tendo uma existência intersubjetiva, como construtos sociais reificados, através dos quais os indivíduos se relacionam com o mundo em que vivem. A perspectiva das várias escolas de pensamento dentro do paradigma variam muito significativamente neste aspecto; conseqüentemente, elas têm contribuições diferenciadas para dar a uma teoria anti-organização.

As perspectivas solipsistas e existencialista refletem uma forma de 'idealismo subjetivo' que não permite a existência de organizações fora do domínio da consciência do indivíduo. O status intersubjetivo do conceito de organização é extremamente problemático. Embora a noção Sartreana de 'má fé' tenha muito a oferecer para o entendimento da relação entre os indivíduos e o que é considerado como papeis ocupacionais,2 as perspectivas idealistas subjetivas têm uma limitada contribuição a dar à teoria das organizações como tal. Dentro do contexto do idealismo objetivo o alcance é muito maior, e desejamos aqui argumentar que é dentro das fronteiras da teoria crítica do humanismo radical que a teoria anti-organização tem o maior campo para se desenvolver.

A teoria crítica contribui com nossa teoria anti-organização de maneiras diversas. Como deverá ficar claro de nossa análise apresentada no capítulo precedente, os teóricos críticos estão envolvidos com quatro conceitos centrais: totalidade - a noção de que o mundo social deve ser entendido em sua totalidade antes de que possa ser compreendido por suas partes; consciência - como a força que em ultima instância cria e sustenta o mundo social; alienação - a cunha cognitiva entre consciência e totalidade e que separa o homem de seu verdadeiro ser; critica - a análise das fontes e formas de alienação que inibem as possibilidades de preenchimento da verdadeira humanidade.

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Estes conceitos enfatizam a importância central das relações entre consciência e totalidade, é reduz o status das organizações a um construto social reificado de médio alcance que intervêm entre a consciência dos seres humanos individuais e de suas percepções da natureza da totalidade em que vivem.

As organizações são exemplos de 'intermediações' que, de uma perspectiva do humanismo radical, contribuem para a alienação do homem de seu verdadeiro ser. É portanto pela crítica de tais 'intermediações' alienantes, que refletem e sustentam modos particulares de vida social, que a teoria crítica tem procurado contribuir com sua marca particular de insight para o entendimento das relações entre homem e sociedade. Dentro do contexto desta crítica, a ênfase tende a ser colocada na revelação da natureza e significado do 'espírito' ou modo de organização refletida em uma totalidade particular; entender este modo de organização em termos de princípios que ele reflete dá-se maior prioridade do que a análise detalhada de formas empíricas específicas. Deste modo enquanto as organizações como construtos sociais reificados prestam-se como foco de crítica, é sempre dentro do contexto de modos de organização que eles se revelam.

A perspectiva da crítica portanto sugere uma abordagem à análise organizacional que é uma teoria anti-organização em diversos aspectos. Ela é anti-organização por ver as organizações como tendo um status ontológico precário. É anti-organização por enfatizar a importância de um modo de organização que revela uma totalidade específica, ao invés de revelar sua importância como discretas unidades de análise de médio alcance que merecem atenção em seus próprio termos. É anti-organização no sentido de que vê os construtos sociais reificados denominados de 'organizações' como 'intermediações' alienantes que servem para mistificar os seres humanos em suas tentativas de compreender e apreciar a natureza da totalidade em que vivem. Finalmente esta perspectiva constitui uma teoria anti-organização porque seus pressupostos ficam em fundamental oposição àqueles da teoria de organizações funcionalista; como podemos ver, a teoria anti-organização inverte a problemática funcionalista em quase tudo. Ela é também uma teoria anti-organização no sentido em que vê a teoria funcionalista servindo-se para mistificar nosso entendimento do significado de organizações no contexto da vida cotidiana. A teoria de organizações funcionalista, ao enfocar exclusivamente no estudo de reificações de médio alcance, é vista como perpetuando o divorcio entre consciência humana e totalidade. Ela é vista como uma alienadora 'intermediária'; como uma objetificação da mente que impede o homem de uma apreciação da totalidade em que ele vive. Da perspectiva da teoria anti-organização, a teoria organizacional é vista como uma força alienante, envolvida com assuntos e problemas errados, como um empreendimento essencialmente conservador que escora o presente sistema de dominação ideológica dentro da sociedade contemporânea.

No atual estágio de desenvolvimento, a teoria anti-organização pode ser percebida como não indo alem de uma forma embrionária, no máximo abrangendo alguns estudos de casos e dis-cussões isolados e fragmentários que abordam estudos de atividades organizacionais de uma perspectiva que se coaduna com a teoria crítica. Poderemos retornar a eles em uma secção mais adiante deste capítulo. Como um meio de ilustrar os aspectos gerais com que a teoria anti-organização estaria envolvida, passaremos em revista aqui o corpo de literatura burguesa que se empenha em prover uma crítica da cultura contemporânea. Ao abordar este esforço em uma variedade de maneiras, e freqüentemente não reivindicando nenhuma alegação especifica para uma tradição intelectual de qualquer tipo, a maior parte desta literatura se mantém firmemente nos moldes do humanismo radical. Tem repercussão os interesses e assuntos que ocuparam os pensamentos e a atenção de muitos filósofos sociais idealistas que fizeram ponderações sobre a condição humana. Muito desta literatura veio à tona como parte de uma ressurgência generali-zada de interesse nos aspectos subjetivos da existência humana revelada, por exemplo, nos desenvolvimentos do existencialismo, da fenomenologia e da etnometodologia que aconteceram durante os anos 1960 e 1970. Sua específica marca registrada é que esta literatura combina o interesse no subjetivo com a critica radical da sociedade contemporânea.

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Temos aqui em mente o trabalho de escritores como Illich (1973) e Dickson (1974) sobre tecnologias alternativas; Castaneda (1970) e Pirsig (1976) sobre realidades alternativas; Roszak (1969) e Reich (1972) sobre contraculturas; e Meakin (1976) e Anthony (1977) sobre trabalho como ideologia. Por caminhos diversos estes trabalhos advogam formas alternativas de cultura ou 'realidades alternativas' em lugar daquelas que predominam dentro das sociedades capitalistas avançadas. Eles abrangem uma variedade de disciplinas, assumindo a forma de novelas ou de textos acadêmicos, e são crescentemente encontradas nas listas de textos recomendados nos cursos de ciências sociais, revelando relevantes e interessantes pontos de vista que não se enquadram na ortodoxia da área específica. Entretanto, como esperamos demonstrar na próxima secção, esses trabalhos têm muito em comum com a perspectiva da teoria crítica, particularmente como revelada nos escritos de Marcuse (1964), Habermas (1971 a e b) e Gouldner (1976). No estilo de nossa nascente teoria anti-organização, estes escritos empenham-se em fomentar e apontar os caminhos rumo a realidades alternativas através de uma crítica humanista radical do status quo. Ao fazê-lo assim, eles identificam muitos dos interesses e elementos constituintes que uma teoria anti-organização mais sistematicamente estabelecida poderia querer abarcar.

Rumo a Realidades Alternativas.

Muitos escritores contemporâneos têm apontado a necessidade de tecnologias alternativas como meios de criar e sustentar formas alternativas de cultura. David Dickson em Alternative Tecnology and the Politics of Tecnical Change (1974) , por exemplo, procura demonstrar os elos entre tecnologia, política e controle social, particularmente aqueles revelados pela natureza da tecnologia avançada e do capitalismo. É a tese geral de Dickson que os problemas associados com a atual tecnologia deveriam ser resolvido através da criação de uma 'tecnologia alter-nativa' que 'deveria abarcar ferramentas, máquinas e técnicas necessárias a revelar e manter modos de produção social não-opressivos e não-manipulativos, e um relacionamento não-explo-rador do ambiente natural' (Dickson, 1974, p. 11). Contudo, em contraste com os teóricos funcionalistas que argumentam em favor de tecnologias alternativas como meios de criar modos alternativos de vida social, Dickson enfatiza a necessidade de criar políticas de mudança como base de mudanças tecnológicas e sociais. Em sua maneira de ver, as tecnologias alternativas em qualquer escala significante somente podem ser desenvolvidas dentro de um contexto de sociedades alternativas. Tecnologias alternativas não criam elas próprias sociedades alternativas. Isto é visto como uma tarefa essencialmente política. Como diz ele, 'o esforço para emancipação a partir de tecnologias aparentemente opressoras e manipuladoras coincide com o esforço por emancipação das forças políticas opressivas que as acompanham. Para argumentar que mudança tecnológica é de per si capaz de fazer acontecer uma forma mais desejável de sociedade é um determinismo tecnológico é o determinismo dos Utópicos levado aos extremos' (Dickson, 1974, p. 13). A tecnologia, para Dickson, opera tanto material como simbolicamente para reforçar uma forma particular de organização e controle social. Ela é vista como politicamente funcionando para promover, dentro do capitalismo, os interesses da classe dominante, principalmente por meio de ideologias que dão ênfase a papeis tecnológicos dentro da sociedade como forças naturais, progressistas, inevitáveis e não-políticas. Para Dickson, a tecnologia contemporânea está inexoravelmente ligada a natureza fundamental da totalidade do capitalismo, e sua significância e influência pode somente ser entendidas nestes termos.

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Ivan Illich, em seu livro Tools for Conviviality (1973), focaliza um tema relacionado, argumentando que a sociedade está necessitando de uma 'reconstrução convival' para restaurar o que o desenvolvimento tecnológico tem estruído. Illich vê o desenvolvimento social e institucional como tendo passado por duas divisões de águas. Em um estágio

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conhecimento e tecnologia foram utilizados na solução de problemas específicos; em outro, explorou-se o sucesso da tecnologia para demonstrar a existência de problemas e necessidades previamente não reconhecidas. Ele apresenta o progresso tecnológico, respaldado pelos interesses de elites institucionais, como fomentador de demandas para mais progresso tecnológico, através do qual os homens se tornam escravizados pelas ferramentas que originalmente tinham a intenção de servir a suas necessidades. Illich argumenta que a crise que foi criada pode somente ser solucionada e aprendermos a inverter a atual estrutura de instrumentos; se dermos às pessoas as ferramentas que lhes garanta seus direitos de trabalhar com alta eficiência e independência, simultaneamente lhes eliminaremos a necessidade de ser escravo ou senhor e lhes ampliaremos a extensão de sua liberdade. As pessoas necessitam novas ferramentas para trabalhar ao invés de ferramentas que 'trabalhem' por elas. Eles necessitam de tecnologia para promover o máximo de energia e de imaginação que cada um tem, o invés de os tornar escravos de energias cada vez mais bem programadas. (Illich, 1973, p. 23).

Na visão de Illich, a sociedade necessita ser reconstruída para facilitar a 'convivialidade' - inter-relações autônomas e criativas entre pessoas e em suas relações com seus ambientes. A sociedade convival é caracterizada por tecnologias que 'servem a indivíduos politicamente inter-relacionados em lugar de gerentes', e por meio de 'ferramentas responsavelmente limitadas' ( Illich, 1973, p. 12). Do mesmo modo que Dickson, Illich aponta a dimensão política da tecnologia, e clama por uma inversão política do 'fascismo gerencialista' que caracteriza nosso atual modo de organização.

No livro Greening of América (1972) Charles Reich clama por mudança na sociedade contemporânea por meio de uma revolução na consciência baseado nos valores e ideais da contracultura do movimento jovem dos fim dos anos 1960. Revelando um otimismo esmagador do período, Reich corajosamente afirma:

Está vindo uma revolução...Ela se originará com os indivíduos e com a cultura, e mudará a estrutura política como seu ato final. Ela não requererá violência para ser bem sucedida, e não será resistida com sucesso pela violência. Ela agora se espalha com espantosa rapidez, e como conseqüência já começam a mudar nossas leis, instituições e estrutura social. Ela promete uma razão superior, uma comunidade mais humana e um novo indivíduo liberado. Sua última criação será uma nova e bela totalidade duradoura - uma renovada relação. do homem, consigo mesmo, com os outros homens, com a sociedade, com a natureza e com a terra. (Reich, 1972, p. 11).

A visão de Reich é similar em muitos aspectos àquelas de Dickson e de Illich, naquilo que visa a restauração dos elementos não-materiais e espirituais da existência do homem, e visa conferir à ciência e à tecnologia um papel de saber de fundo e de suporte. Porem, em contraste com seus trabalhos, Reich coloca sua fé na revolução por meio da revolução, de maneira oposta à crítica e à ação política. Seu livro pode ser visto como revelando aspirações ao invés de análise da perspectiva humanista radical.

O livro de ensaios de Theodore Roszak, The Making of a Counter Culture (1969) revela temas semelhantes, que estão especificamente ligados a uma variedade de perspectivas analíticas características do paradigma humanista radical. Seu enfoque central é o da luta entre a 'cultura do jovem' e a 'tecnocracia' característica da sociedade contemporânea industrial e burocrática. Ele examina como a tecnocracia procura definir a realidade em termos de uma forma objetiva de consciência de maneira a apropriar o total significado de 'razão', 'realidade', 'progresso', e 'conhecimento, e especula sobre os meios pelos quais a tecnocracia pode ser deposta e os meios de recolocar valores e potencialidades humanas em um lugar central. Sua visão é de uma comunidade de amor e de afeição, apoiada por trabalho honrado e agradável, em

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que a visão pessoal substitui o conhecimento objetivo e a expert em ciência é deposto por algum parente do feiticeiro (shaman) de uma aldeia índia.

A questão de acesso a uma realidade alternativa é também explorada por Carlos Castaneda em Teachings of Don Juan (1970) e suas seqüelas, que relata as tentativas de Castanada em investigar e entender o mundo de Don Juan, um índio feiticeiro yaqui ou 'homem de conhecimento'. O livro nitidamente contrapõe realidades alternativas e ilustra a impossibilidade de abranger modos 'não-ordinários' dentro da lógica do ethos científico que do-mina a cultura ocidental.

Em Zen and the Art of Motor-Cicle Maintenance (1976) Robert Pirsig apresenta temas similares, mas eles são explorados de maneiras radicalmente diferentes. Enquanto no trabalho de Castaneda o foco está na diferença da visão de mundo entre um índio yaqui e um estudante de antropologia da Califórnia tentando conseguir seu Ph.D., na novela de Pirsig a ênfase esta no esforço entre as visões de mundo em competição que existem dentro do caráter central da própria psique. Pirsig descreve a maneira como as formas de entendimento 'romântico' e 'clássico' competem por dominação nas tentativas dos protagonistas em negociar e definir a 'realidade' do dia a dia. Embora aparentemente remota em suas implicações para uma teoria anti-organização acadêmica, o trabalho de Pirsig, do mesmo modo que os de Castaneda, Roszak, Reich, Illich, Dickson e muitos outros que se orientaram para temas semelhantes, proporciona boas ilustrações dos interesses essenciais do ethos humanista radical. O esforço está entre realidades em competição e os meios pelas quais elas podem ser alcançadas. O conflito, colocado grosseiramente, está entre a realidade dominante comumente aceita e tão 'real' do paradigma funcionalista e as aspirações e visões do paradigma humanista radical. Entendido nestes termos, todos os trabalhos acima considerados contrapõem as perspectivas funcionalista e humanista radical e, em suas diferentes formas, ilustra claramente a inversão dos pressupostos fundamentais sobre os quais os dois paradigmas são construídos e dos quais derivam suas distintas perspectivas sobre o mundo social. Também claramente ilustram como os dois paradigmas definem realidades alternativas.

Retornando para uma literatura mais conscientemente localizada no quadro de referência 'acadêmico' em que sua maneira de apresentação adere a um formato 'científico' mais convencional, também descobrimos temas expressos de maneira similar. Gouldner, por exemplo, em The Dialetic of Ideology and Technology (1976) enfoca a ideologia como um 'sistema de símbolos', e procura demonstrar a íntima relação entre ideologia e tecnologia como modos de dominação social. Seu trabalho é fortemente tirado da teoria crítica, particularmente do trabalho de Habermas. Como ficou aparente a partir de nossa discussão do capítulo anterior da teoria de Habermas sobre a 'distorção comunicativa', há muitas ligações entre sua distinção entre trabalho e interação e as idéias dos autores considerados aqui. Seguindo a tradição da teoria crítica, Gouldner fala da 'consciência tecnocrática' dos dias atuais e de sua ligação com ciência, positivismo e tecnologia, e estabelece um contraste com o 'romantismo'. Seu apelo é pela destruição do modo de consciência tecnocrática e pelo estabelecimento de formas de vida mais humanamente orientados.

As distinções entre trabalho e interação e entre 'racionalidade científica/tecnológica' e 'romantismo', como modos de vida social também são reveladas nos escritos recentes de dois teóricos ingleses que têm investigado concepções de trabalho e seu contexto social. Ao abordar o assunto através de perspectivas de disciplinas muito diferentes e ao adotar diferentes estilos, seus escritos refletem temas estritamente similares. David Meakin em Man and Work (1976) aborda o assunto de uma perspectiva literária, enfocando a literatura e a cultura da sociedade industrial. Peter Antony em The Ideology of Work (1977) aborda o assunto da perspectiva de um teórico das relações industriais, e traça as relações entre atitudes para o trabalho e processo tecnológico. Ambos os escritores procurar prover uma crítica radical da natureza do trabalho na sociedade

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contemporânea, e das possíveis alternativas: eles favorecem os idéias românticos de escritores como John Ruskin e Williams Morris, que enfatizam as possibilidades criativas típicas, por exemplo, da ética do ofício. Meakin clama por uma nova ideologia em que a distinção entre 'arte' e 'trabalho' deixou de existir, e Anthony exige o fim da 'ideologia do trabalho' e sua substituição por uma ideologia em que 'prazer' e ‘uso' são os princípios orientadores.

A tabela 9.1 procura contrapor os principais conceitos em que os escritores aqui passados em revista utilizaram para apresentar as dimensões chave das realidades alternativas com as quais eles estão envolvidos. Claramente, há uma considerável convergência de interesses em seus trabalhos, que se tornará muito mais aparente na leitura dos textos originais. Contudo, mesmo a partir das revisões necessariamente abreviadas e de certo modo superficiais aqui apresentadas, nítidos temas característicos da perspectiva do humanismo radical estão muito evidentes.

Em primeiro lugar, há uma tendência de ser um interesse dominante pelo que Marcuse tem descrito como a natureza 'unidimensional' da sociedade moderna. Os vários escritores tendem a apresentar a sociedade como revelando uma forma de totalitarismo baseado na influência totalmente impregnante e no controle de fatores tais como trabalho, racionalidade, ciência e tecnologia, que balizam, canalizam e controlam a consciência dos homens. O interesse deles é em articular a natureza desta influencia e controle, e de enfatizar que este totalitarismo torna os homens desatentos a modos alternativos de consciência e existência. Eles estão interessados em demonstrar que as alternativas são disponíveis. Realidades alternativas, culturas alternativas, tecnologias alternativas, alternativas de trabalho - estão no centro de suas atenções.

Tabela 9.1.

Dimensões chave de realidades alternativas.

___________________________________________________________________

Autor

Conceito usado para caracterizar o aspecto crucial da realidade nas atuais formações sociais.

Conceito usado para caracterizar o aspecto crucial da realidade nas modos de ser não-alienados.

Dickson Capitalismo industrial Tecnologia alternativa

Illich Produtividade Convivialidade

Gouldner

Consciência tecnocrática

Romantismo

Roszak Consciência objetiva Visão pessoal

Reich Consciência II Consciência III

Pirsig Modo classic. de pensam.

Modo romântico de pensam

Castaneda Realidade ordinária Realidade não ordinária

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ordinária

Habermas Trabalho Interação

Anthony Trabalho Oficio

Meakin Trabalho Criatividade

Em segundo lugar, esta literatura tende a ser caracterizada por uma postura que se opõe fundamentalmente à ciência positivista. A ciência como vista da perspectiva do paradigma funcionalista é totalmente rejeitada; a idéia de progresso através da ciência é completamente invertido. A ciência funcionalista é vista como criando problemas sociais ou invés de resolvê-los. Tais problemas são vistos como sendo o resultado da ideologia de dominação em que se baseia a ciência positivista. O humanismo radical vê o ethos científico que tem sido usado para conquistar o ambiente humano como dominante do próprio homem. O homem é visto como o prisioneiro da ciência e da racionalidade calculativa que ela revela. Os problemas característicos, por exemplo, da crise ecológica proeminentemente figura na análise das doenças da sociedade moderna, para a derrota das quais o humanismo radical está totalmente comprometido. Em lugar de uma sociedade Ocidental dominada pela ciência, eles advogam um retorno a uma situação em que o homem vive em harmonia com a natureza, contrapondo-se ao controle e exploração da natureza. Para este propósito eles freqüentemente olham para filosofias do passado ou para aquelas características de culturas diferentes. Assim são, por exemplo, o interesse pelo modo de vida do Oriente e da filosofia Zen. A busca é por uma visão de mundo não contaminada pelo ethos da ciência e do culto do 'progresso'. De acordo com a celebrada distinção de C. P. Sono entre os modos cientifico e literário de pensar, (as 'duas culturas' existentes nas sociedades Oci-dentais avançadas), o corpo de literatura em discussão freqüentemente vã a arte, o drama, a literatura e o cinema através de suas referências. É para esta cultura que eles se voltam para a fonte de seus problemas, análises e soluções. Colocado simplesmente, seu humanismo é derivado de e reflexo das humanidades.

Um terceiro tema principal nesta literatura é revelado em seu 'idealismo objetivo'. Ele vê as noções criadas pelo homem e os artefatos como produtos objetificados da consciência humana que, dentro da sociedade industrial, vem a ver visto como forças alienantes que fogem ao controle do homem. De acordo com a tradição da teoria crítica, ela é um estado alienado do homem na moderna sociedade que em última instância o foco de atenção.

Estes três temas relacionados revelam claramente o romantismo e o idealismo que repousa nas raízes da filosofia do humanismo radical. As alternativas para o presente são procuradas no passado: moinhos de vento e não centrais elétricas, artesanato e não trabalho, Zen e não instrumentalidade. Em sua visão idílica do passado, esta literatura tem muito em comum com a visão comunista do jovem Marx, de acordo com o qual os homens 'fazem uma coisa hoje e outra amanhã...caçam pela manhã, pescam pela tarde, recolhem o gado ao anoitecer, criticam depois do jantar, justamente porque tenho uma mente, sem jamais me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico' (Marx, 1965, pp.44 - 5).

Esta imagem idílica e utópica da sociedade e subscrita pelos pressupostos de que a escassez não é mais um problema. Na verdade, a noção de escassez é vista como parte do sistema da ideologia de dominação dentro da qual vive o homem. É o abandono do conceito de escassez que a salvação do homem é, em grande parte, visto repousar, permitindo-o viver em harmonia com a natureza ao mesmo tempo evitando as deficiências físicas comumente associadas com o retorno á modos de vida anteriores. A abolição do conceito de escassez é visto como uma avenida

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conduzindo para o atendimento da liberação do homem da dominação de modos existentes de vida social.

Rumo a uma Teoria Anti-organização.

Em aditamento a um trabalho geral discutido na secção anterior, um pequeno número de artigos isolados e de estudos de casos têm sido produzidos que podem ser melhor entendidos como tentativas de articular os elementos da abordagem humanista radical ao estudo das organizações. Novamente aqui, estes trabalhos apareceram em listas de leituras de muitos cursos de analise de organizações e, novamente, se coloca em relação mais ou menos anômala com grande parte da teoria contemporânea. Temos em mente trabalho tal como aquele produzido por Beynon em Working for Ford (1973), Clegg, em Power, Rule and Domination (1975) e o artigo produzido pela equipe de Pessoas e Trabalho na Universidade Aberta (Esland et al, 1975). Em adição, há sinais rumo ao fim da Ornizational Work de Silverman e Jones (1976) de um movimento rumo a uma perspectiva que se coaduna com a teoria crítica. Esta literatura é toda inglesa. Sem dúvida comparáveis estudos de europeus e americanos também existem, embora não tenha conseguido um nível de importância dentro do contexto da Inglaterra.

Todos estes trabalhos são característicos da perspectiva da teoria crítica e revelam muitas das idéias articuladas em outros contextos por escritores como Marcuse e Habermas. Entretanto, as ligações estão muito longe de serem explícitas. e está muito claro que alguns dos escritores chegaram a suas respectivas posições por rotas muito diferentes. O grupo do People at Work expressa seus pontos de vista em termos gerais, enfatizando que a sociologia necessita de uma perspectiva crítica. Eles criticam a sociologia de organizações como estando muito pouco interessada no estudo de organizações dentro do contexto social, e como sendo tão modesta em seu tratamento da alienação e da privação. Eles buscam substituir as sociologia industrial, a sociologia ocupacional e a sociologia das organizações por uma 'sociologia crítica do trabalho'. Suas visões a este respeito estão claramente ilustradas no seguinte cotejo:

uma sociologia crítica interessada na questão das formas contemporâneas de dominação e alienação tem que tomar de maneira crescente a enorme legitimidade auto-evidente do positivismo aplicado e do controle tecnologizado, justamente quando como trabalhadores que tentam se livrar do controle do economicismo para o conflito sobre controle e autoridade dentro da empresa, tem que ser preparado, em seu ataque aos 'direitos' gerenciais para questionar todo o sistema de legitimações e suposições interconectadas do qual qualquer 'direito' particular é uma parte. A combinação de planejamento racional com burocracias politicamente neutralizadas a serviço do objetivo de progresso econômico tem feito muito para tirar a sensibilidade dos trabalhadores e da própria sociologia na sua maneira de entender a sociedade contemporânea. É importante que a sociologia do trabalho volte a ganhar...consciência política e social...e que a atividade do trabalho e as experiências possam ser vistas no contexto de críticas mais abrangentes à sociedade e à cultura de massa capitalistas. (Esland et al, 1975, p. 32).

Estes interesses estão nitidamente relacionados com a perspectiva da teoria crítica. Seus anti-positivismo, suas ênfase na totalidade, na alienação, na dominação e controle, e em seus desejos em desenvolver uma crítica à cultura capitalista, estão todos eles firmemente estabelecidos dentro do contexto da teoria crítica, com o enfoque do 'trabalho' como o objeto central de análise.3

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Os trabalhos de Beynon (1973), Clegg (1975) e Silverman e Jones (1976) focalizam assuntos muitos específicos, e em essência apresentam estudos empíricos de casos que podem ser interpretados como em consonância com uma teoria crítica, embora as ligações com esta novamente não estejam desenvolvidas. Beynon no Working for Ford coloca o seu foco na experiência do trabalhador em fabrica de automóveis e na consciência de classe que emerge do entendimento deles da situação de trabalho e da constatação que eles estão sendo explorados pela administração. Clegg no Power, Rule and Domination apresenta uma análise das relações de poder num lugar de construção, e argumenta que estas relações de poder só podem ser total-mente compreendidas como parte das regras do jogo estabelecidas no contexto de uma 'forma de vida' mais ampla. As idéias e análise reveladas aqui estão firmemente alinhadas com a crítica hermenêutica oferecidas por Habermas e outros teóricos críticos interessados no papel da linguagem na construção da vida social. O Organizational Work de Silverman e Jones também se move nesta direção, com a análise da natureza hierárquica da linguagem da vida organizacional, que tem muito em comum com a teoria de Habermas sobre a 'distorção comunicativa'.

O desenvolvimento de uma sistemática teoria critica de organizações requer um claro e explícito estabelecimento de suposições básicas, de prioridades e interesses. Somente mediante tal background pode o significado dos estudos acima serem completamente apreciados e as regras de base serem estabelecidas para uma pesquisa mais sistemática nesta área. Tal desenvolvimento exige uma saída da posição de reação ao funcionalismo revelado na maioria da literatura produzida até agora, como também uma explícita afirmação da teoria anti-organização que deriva logicamente das raízes subjacentes ao paradigma humanista radical. A fim de facilitar tal coisa, a Tabela 9.2 busca mostrar algumas das características que uma teoria anti-organização poderia assumir, de modo que os teóricos organizacionais possam começar a apreciar as implicações substantivas da teoria crítica e das maneiras como ela se opõe por seus fundamentos à visão ortodoxa da realidade organizacional. Esta é uma perspectiva que desafia, no nível mais fundamental, a verdadeira base do empreendimento no qual a maioria dos teóricos de or-ganizações está engajado. Para ilustrar a dimensão deste desafio, queremos justapor os elementos que definem as características da teoria anti-organização àqueles da teoria organizacional. A Tabela 9.2 identifica dezesseis assuntos onde estas perspectivas se opõem fundamentalmente. A lista não é exaustiva, mas segue um caminho muito longo rumo ao delineamento de maneiras precisas em que os quadros de referência divergem, e servem para enfatizar a coerência básica e amplitude da teoria anti-organização como uma perspectiva em seus direitos. Na medida em que a teoria anti-organização é lançada num sentido reativo e parcial, ela quase sempre aparece como um ataque ao funcionalismo e como uma força negativa e destrutiva. Contudo, está claro que, visto de uma posição mais favorável, ela é coerente, integrada e auto-sustentável, uma vez que se vale de uma tradição intelectual fundamentalmente diferente. Sua existência não é atribuída à perspectiva funcionalista per se; ela não se alimenta desta perspectiva de maneira alguma e pode operar dentro de uma proteção intelectual que é inteiramente dela própria. Ela oferece uma visão alternativa da realidade da vida organizacional.

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Tabela 9.2

Rumo a definição de uma teoria anti-organização.

__________________________________________________________________

Teoria da Teoria anti- _

Organização Organização

__________________________________________________________________

1.Posição do paradigma Funcionalismo Humanismo Radical

__________________________________________________________________

2.Fonte intelectual de

problemas, metáforas Ciência As humanidades

e exemplo

__________________________________________________________________

3.Foco conceitual Organizações Modo de organização (nível de análise) social

__________________________________________________________________

4.Conceituação da so- Sistema Totalidade

ciedade como:

__________________________________________________________________

5.Foco da ontologia Estruturas Consciência

__________________________________________________________________

6.Problema sócio-eco- Falta generaliza-

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nômico predominante da de satisfação Alienação universal

no trabalho.

__________________________________________________________________

7.Termo genérico para sociedade indus- Capitalismo, socie-

a sociedade contem- trial; sociedade dade unidimensional,

porânea. pós-industrial. estado corporativo ,

fascismo gerencial ,

etc.

_________________________________________________________________

8.Relação do homem Exploração/compe-

com a natureza vis- tição Harmonia

ta como:

__________________________________________________________________

9.Meios de produção Tecnologia indus- Tecnologia alterna-

predominantes trial baseada na tiva(pequena escala,

fábrica cooperativa, rural)

___________________________________________________________________

10.Interesse em máxi- Produtividade Criatividade humana

mização de:

___________________________________________________________________

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11.Tecnologia vista Força positiva ou Força negativa

como uma: neutra

___________________________________________________________________

12. Atual status da Escassez universal Amplo excedente eco-

produção e carestia nômico no capitalismo

___________________________________________________________________

13.Modo predominante trabalho/mão-de- Artesanato

de produção defen obra

Dido

_________________________________________________________________

14.Modo predominante Logica Intuição

de cognição humana

___________________________________________________________________

15.Comportamento huma- Racionalidade Racionalidade com

no de acordo com propositiva valores

_________________________________________________________________

16.Postura ético-poli- Entender: possi- Entender: certamente

tica velmente alterar induzir a uma nova

o sistema totalidade

__________________________________________________________________

Dito em termos mais específicos, a teoria anti-organização procura demonstrar as fontes de alienação inerentes dentro de uma totalidade, que converge num contexto organizacional. Ela proporciona uma crítica sistemática, na tradição da teoria crítica, pela identificação de fatores

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que impingem e dominam a consciência humana na forma de forças sociais aparentemente objetivas sobre as quais o homem parece não dispor de nenhuma forma de controle direto. Entre os fatores merecedores de crítica, os que se seguem usualmente recebem a concordância de que são consideravelmente importantes:

1. O conceito de racionalidade com propósito como o modo de cognição dominante e muito valorizado dentro dos contextos organizacionais;

2. Regras e sistemas de controle que monitoram o exercício da ação racional.

3. Papeis que restringem e confinam as atividades humanas dentro de limites estreitamente definidos.

4. A linguagem da vida organizacional que retrata uma situação de 'distorção cognitiva'.

5. Os mecanismos ideológicos através dos quais o trabalhador é habituado a aceitar os papeis, as regras e a linguagem do ambiente do trabalho.

6. A adoração da tecnologia como uma força libertadora.

7. A reificação tais como os conceitos de trabalho, lazer, escassez e lucratividade, que servem para mistificar as relações entre os trabalhadores e o mundo onde eles vivem.

A teoria anti-organização, por meio da crítica, visa desmascarar as alienações reveladas no modo de vida organizacional. Ela procura enfatizar como tais alienações estão intimamente ligadas com a natureza da totalidade em que elas estão localizadas, e assim apontar na direção da conveniência de modos alternativos de realidade e de vida social.

No presente momento a teoria anti-organização existe de forma embrionária. Nossa análise acima proporciona não mais do que o mais inacabado dos quadros de referência sobre os quais futuros desenvolvimentos poderiam se basear. Ela procura se mover na direção da definição do limite territorial sobre o qual poderia se esperar que os iniciantes teóricos da anti-organização levantariam vôo e iriam vaguear. A perspectiva como um todo pode somente ser desenvolvida sistematicamente tomando-se como referencial o background intelectual do paradigma humanista radical. É necessário, portanto, para o teórico da anti-organização ser completamente versado na tradição do idealismo alemão e a maneira como ele se revela nas várias escolas de pensamento discutidas no Capítulo 8. Não é nada que possa ser desenvolvido de maneira isolada como uma crítica pratica da teoria de organizações contemporânea. Os princípios da teoria anti-organização são tão fundamentalmente colocados contra os princípios que dão suporte ao paradigma funcionalista que o escritor, pesquisador ou estudante que procura estar alinhado com o primeiro, deve, para ser consistente com seus pressupostos básicos, terminar rejeitando a teoria de organizações como um empreendimento ingênuo, mal concebido e politicamente insípido. Isto envolve entrar em outro paradigma, outro mundo intelectual - certamente uma realidade alternativa.

Notas e Referências.

1. A primeira vista a literatura relevante para o campo de estudos de organizações que advogam uma forma radical de humanismo pode parecer verdadeiramente extensa. Contudo, como ficou claro da análise do paradigma funcionalista, a palavra 'radical' é excessivamente usada, uma vez que muitos teóricos que professam um ponto de vista radical não fazem mais do

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que assumir um ponto de vista modestamente desviante em relação a seus grupos de referência imediatos. Todos os teórico chamados neo-relações humanas que defendem a abordagem humanista para o desenho de organizações, de tecnologias, etc., o fazem de uma perspectiva firmemente fundamentada na problemática funcionalista. Este humanismo representa um apelo à reforma ao invés de uma perspectiva teoricamente bem fundamentada e consistente comprometida com uma visão alternativa da sociedade. Para a maioria, a perspectiva está apoiada numa filosofia de engenharia social e de uma reforma gradual dentro da problemática que define o status quo. Uma vez que esta aparente literatura 'radical' é colocada de um lado, o campo fica dramaticamente reduzido em amplitude. Mesmo proeminentes trabalhos 'radicais' como aqueles de Berger et al (1974), Ellul (1964) e Douglas (1970 a) desaparecem da sociologia da mudança radical com esta verificação. Humanismo radical, como aqui definido, se refere a uma bem fundamentada tradição intelectual cuja problemática básica está descrita e definida com algum detalhe no capítulo anterior.

2. Para discussão da 'má fé' e papeis ocupacionais, veja Eldridge (1971), pp. 158 - 65..

3. Na realidade, os artigos apresentados em Esland et al.(1975) se extendem para além dos limites da teoria crítica, e incluem artigos característicos das perspectivas do funcionalismo e do estruturalismo radical. O quadro geral que eles apresentam é um tanto inconsistente em termos das perspectivas metateóricas subjacentes.

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10. ESTRUTURALISMO RADICAL

Burel & Morgan, "Sociological Paradigms and Organizational Analysis", Reinemann, London, 1979.

(tradução do Profº. Wellington Martins, EA/UFBa.)

Origens e Tradição Intelectual.

O paradigma estruturalista radical tem suas raízes numa visão materialista do mundo social e natural. Ele está baseado uma ontologia que enfatiza a natureza sólida e concreta da realidade que existe fora das mentes dos homens. O mundo social, como um mundo natural é visto como tendo uma existência independente. Sua facticidade é dada por certa; ele é visto como sendo material ao invés de espiritual por natureza. Esta visão 'realista' da realidade social é suplementada essencialmente por uma epistemologia positivista que é equipada para descobrir e compreender os padrões e regularidades que caracterizam o mundo social. Faz-se pouca distinção entre suposições, objetivos e métodos das ciências naturais e sociais. O estruturalista radical tende a se ver como alguém engajado com a 'ciência', e neste esforço partilha muitos pontos em comum com a abordagem funcionalista. Contudo, para o estruturalista radical, a 'ciência' é feita para servir fundamentalmente à diferentes fins.

O estruturalismo radical tem por objetivo, em primeiro lugar e primordialmente, proporcionar uma crítica do status quo nos acontecimentos sociais. Ele é uma perspectiva que está interessada não apenas em compreender o mundo, mas mudá-lo. O foco de interesse subjacente tende a ser as estruturas dentro da sociedade e particularmente a maneira pela qual elas se inter-relacionam. Os escritores dentro deste paradigma tendem a ver a sociedade como composta de elementos que se põem em contradição uns com os outros. Eles estão interessados nos efeitos destas contradições, particularmente no que diz respeito ao papel que elas representam na criação das crises econômicas e políticas. O estruturalismo radical é uma visão que foca essencialmente sobre a natureza conflitual dos acontecimentos sociais e do processo fundamental da mudança que esta gera. O conflito bem assentado é visto como o meio pelo qual o homem consegue se emancipar das estruturas do mundo social em que ele vive. Esta é uma sociologia da mudança radical porem, contrastando com aquela do paradigma humanista radical, tende-se a colocar relativamente muito pouca ênfase direta no papel e natureza do homem como um ser humano individual. Contudo, comum a ambos é o objetivo subjacente da liberação do homem das várias formas de dominação que são vistas como caracterizando a sociedade industrial contemporânea.

Os fundamentos intelectuais do paradigma estruturalista radical foram assentados na metade do século dezenove no trabalho de Karl Marx. Como uma perspectiva teórica este tem tido uma história variada, na medida que o trabalho de Marx tem sido submetido a uma grande quantidade de interpretações, vulgarizações e mal-entendidos. Em parte alguma isto é melhor ilustrado do que no termo 'marxismo'. Enquanto de dentro ele representa um corpo heterogêneo e amplamente diferenciado da teoria social, de fora ele é muitas vezes identificado como uma crença política polêmica e estreita. Analiticamente, há muitas variedades de marxismo. Como vimos, o trabalho do jovem Marx teve um impacto maior sobre certos desenvolvimentos dentro do paradigma humanista radical. Neste Capítulo tentamos traçar o efeito que seu trabalho

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posterior teve sobre o paradigma estruturalista radical. Como veremos, a estrutura contemporânea do pensamento marxista dentro deste paradigma é extremamente complexa, cha-mando atenção para uma análise cuidadosa em termos de duas dimensões que definem nosso esquema analítico. Em essência o paradigma estruturalista radical constitui um corpo de teoria social tão complexo, conceitualmente rico e amplamente diferenciado como qualquer outro dos três paradigmas considerados neste trabalho.

Como observamos em nossa discussão do paradigma humanista radical, em seu trabalho inicial Marx estava principalmente envolvido em uma reinterpretação dos sistema filosófico hegeliano, invertendo seus princípios centrais para produzir uma crítica radical da sociedade contemporânea alemã. Com a publicação de The German Idiology em 1946, contudo, pode-se detectar uma distinta mudança de sua preocupação inicial e concomitante com o idealismo hegeliano. Em particular, ele buscou mudar de um idealismo objetivo que caracterizou seu trabalho inicial para uma posição que reflete uma visão mais materialista do mundo social. Isto representou o começo de um movimento geral das preocupações filosóficas para aquelas da economia política, e uma tentativa de desenvolver o esboço de uma teoria social radical capaz de refutar o positivismo contemporâneo em seu próprio solo. Isto significou um redirecionamento de seu pensamento global que passou a receber um tratamento mais pleno e mais explícito no trabalho posterior com o Grundrisse e O Capital, escritos nos fins de 1850 e no inicio de 18601. Estes trabalhos foram produzidos depois de mais de uma década de envolvimento político ativo e sem sucesso que incluiu o 'ano das revoluções' de 1848. Na essência, eles refletem a tentativa de Marx de obter um 'auto-esclarecimento' sobre a operação do processo histórico e a estrutura econômica do modo capitalista de produção. Em termos de análise, eles enfatizam as conceituações derivadas da economia política; as preocupações idealistas de seu trabalho inicial recebem muito menos ênfase. Embora haja considerável debate sobre a extensão da influência hegeliana que ficou em Marx por toda a sua vida, afirma-se que seus escritos do período após 1850 refletem uma ruptura epistemológica maior quando comparados com seu trabalho mais inicial. Em termos de nosso esquema analítico, eles envolvem uma mudança na perspectiva fora do paradigma humanista radical e se direcionam para o paradigma estruturalista radical.

Dado a ampla extensão de interpretações que têm sido feitas sobre a obra posterior de Marx, é extremamente difícil fazer qualquer afirmação autoritária e de nítidos contornos de sua perspec-tiva exata. Nosso plano no resto desta sessão, portanto, será proporcionar uma revisão das preocupações centrais de Marx e depois proceder a discussão de algumas das interpretações largamente diferentes que são colocadas sobre as mesmas. Como veremos, estas interpretações têm ditado em grande parte o desenvolvimento preciso do paradigma estruturalista radical.

Ao nível mais básico, o modelo de sociedade de Marx, como expresso em seu trabalho posterior, consiste em dois elementos - 'a superestrutura' e a 'infra-estrutura'. A metáfora 'infra-estrutura' foi utilizada para referir-se a base econômica da sociedade, na qual a produção desempenha o papel central. Sua análise distingue entre (a) o 'modo de produção' (capitalismo, feudalismo ou comunismo); (b) os 'meios de produção' (tecnologia, terra, capital e trabalho); e (c) as 'relações de produção' (produtores e não-produtores, proprietários e não-proprietários, o sistema de classe). Marx argumentava que dentro de cada modo de produção havia associações específicas entre os 'meios' e as 'relações' de produção. O termo 'superestrutura' foi usado para denotar outros fatores não econômicos na sociedade, tais como estado, religião, arte, literatura, etc. Estes foram vistos 'em última instância', como sendo determinados pela natureza da infra-estrutura, embora, por sua vez influenciando-a em algum grau.

Dentro do Grundrisse e do capital a noção de 'contradição' foi tomada como exercendo papel central na análise de Marx de como a sociedade opera. Como se tornará evidente posteriormente neste Capítulo, esta noção foi interpretada de diversas formas2. Comum a estas interpretações é a idéia qual a sociedade contem em si elementos que estabelecem relações antagônicas de uns com

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os outros, e que geram conflitos que eventualmente conduzirão ao colapso do modo de produção e de suas configurações sociais relacionadas. Marx estava primordialmente interessado nas contradições que existem na infra-estrutura da sociedade, e colocou considerável ênfase na noção de 'valor excedente' como o conceito sobre o qual a contradição entre os meios e as relações de produção estava baseado3. Seus interpretes também enfatizaram as contradições que existem entre infra-estrutura e superestrutura, e na própria superestrutura. A noção de contradição é central para a explicação de Marx sobre a mudança social e a maneira pela qual qualquer forma de sociedade substitui outra através da crise produzida por estas contradições. Marx viu estas crises dentro de um dado modo de produção como se tornando progressivamente cada vez pior e eventualmente produzindo-se a crise cataclísmica que destruiria a sociedade como um todo.

Como observamos, Marx focaliza sua análise na economia política do capitalismo. 'Estruturas', 'contradições' e 'crises' tomam o lugar dos conceitos de 'consciência', 'alienação' e 'crítica' retratados em seu trabalho anterior. Portanto isto marca uma considerável mudança na orientação da análise, que está mais de acordo com a visão mais materialista de Marx sobre o mundo social, uma certa continuidade dentro da tradição hegeliana é também evidente4. A noção de contradição é, em última instância, derivada da dialética, e o interesse pela alienação também permanece. Contudo, o trabalho posterior de Marx tende a se imbuir da terminologia de economia política e torna-se o 'fetichismo de mercadorias', uma vez que dentro do sistema capitalista a alienação é vista como intimamente ligada ao fato de que o homem é tratado como mercadoria ou recurso a ser comprado ou vendido no mercado de trabalho. A completa mudança em orientação de Marx foi habilmente expressa por Lassalle, um de seus contemporâneos, que o descreveu como um 'Hegel que se tornou economista e um Ricardo que se tornou socialista'. Esta descrição sucintamente sumariza os dois desenvolvimentos que caracterizam o pensamento de seus últimos anos, em que ele mudou de um idealismo radical para uma interpretação radical do 'positivismo' econômico da 'burguesia'. É esta mudança que coloca os fundamentos essenciais do paradigma radical estruturalista.

Como observamos, desenvolvimentos subseqüentes dentro do contexto do paradigma estruturalista radical têm sido amplamente baseados nas diferentes interpretações do trabalho posterior de Marx. Pelo menos podem ser identificadas três distintas linhas de desenvolvimento. Uma delas focaliza a interpretação de Hegel por Marx e o subseqüente desenvolvimento de um 'socialismo científico' nos moldes russos. É esta linha de desenvolvimento que é muito mais freqüentemente equiparada ao 'marxismo' quando avaliadas de um contexto fora do paradigma. Uma segunda linha de desenvolvimento tem colocado o seu foco na interpretação do Grundrisse e do Capital como representando a essência do trabalho de Marx; esta linha tem amplamente surgido como uma resposta aos desenvolvimentos na teoria crítica discutidos em nosso capítulo sobre o paradigma do humanismo radical. A terceira linha de desenvolvimento pode ser entendida como o resultado do confronto entre os vários elementos dos trabalhos de Marx e de Weber. Estes três desenvolvimentos definem amplamente a atual estrutura do paradigma estruturalista radical, e que também serão revistos em termos gerais antes de uma discussão mais detalhada posteriormente neste capítulo.

Como vimos, o pensamento de Marx através dos seus últimos anos direcionou-se para uma interpretação radical da economia política. Sob a influência de Engels, particularmente após a morte de Marx, esta tendência geral se intensificou muito mais, conduzindo a uma eventual figura do marxismo como revelando as 'leis de movimento' essenciais subjacentes ao sistema capitalista. Sob a influência de Engels, foi crescentemente visto como apresentando uma ciência total da vida política, econômica e social do homem, que continha dentro de seu sistema as leis da evolução social6. Esta interpretação, que busca enfatizar as ligações entre o trabalho de Darwin e Marx, foi uma que predominou sob a influência de Engels após a morte de Marx. Nas mãos de Engels, a dialética entre os mundos objetivo e subjetivo foi deixada cada vez mais para

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traz como uma visão materialista da historia e de como a sociedade foi forjada. Como o próprio Engels observa em uma discussão sobre o materialismo dialético: a dialética reduziu-se à ciência de leis gerais do movimento, tanto do mundo externo como do pensamento humano - duas espécies de leis que são idênticas em substância, mas diferem sua expressão até onde a mente humana pode aplicá-las conscientemente, enquanto em natureza, e também até agora para a maior parte da história humana, estas leis se afirmam inconscientemente, na forma de necessidade externa, no meio de uma série sem fim de acidentes aparentes...(Engels, em Marx and Engels, 1951, pp. 349-50).

Foi este precisamente o tipo de tradução da dialética no 'materialismo dialético' que impressionou os socialistas e os sociais democratas no final do século dezenove7. Dentro deste domínio intelectual, eles se tornaram os instrumentos de necessidade histórica, servos do destino que seguraram nas palmas de suas mãos a filosofia verdadeiramente superior das ciências. O russo Plekhanov, adotou esta perspectiva do trabalho de Marx e depois disto colocou as regras básicas para o estudo, a análise e a interpretação do marxismo conforme o bolchevismo. Em muitos a tradição russa da teoria social dos últimos cem anos tem sido, em grande parte, estabe-lecida por este diálogo Engels- Plekhanov.

A segunda linha de desenvolvimento dentro do paradigma estruturalista radical, de certo modo paradoxal, origina-se do trabalho de Lênin. Como temos visto, o trabalho posterior de Marx conservou certas aspectos hegelianos. Este fato foi reconhecido por Lênin que, um pouco antes de sua morte, chegou a conclusão de que Marx, e especialmente o Capital, não poderia ser entendido sem o conhecimento de Hegel. Portanto, Conquest (1972) relata, desde que Hegel tinha sido ignorado por uns cinqüenta anos, Lênin concluiu que nenhum marxista tinha ainda entendido Marx.

Esta linha de raciocínio foi desenvolvida dentro da teoria social russa, mas esta foi adotada nos anos de 1960 por um grupo de marxista que salientava tanto o hegelianismo como a tradição de Engels. Eles tenderam a ver Lênin como teórico marxista que mais se aproximou da essência do trabalho de Marx8. A interpretação deles sobre Hegel é algo crítico, e de nenhuma forma podem eles ser considerados como pertencendo ao ramo de teorização da Esquerda Hegeliana discutida em conexão com o paradigma humanista radical. Ao invés disso, eles se colocam entre a teoria crítica do humanismo radical e da tradição do marxismo russo ortodoxo. Filósofos mar-xista tais como Della Volpe, Althusser e Colletti, produziram em culturas que não eram dominadas nem pelo idealismo alemão nem pelo positivismo sociológico e, como veremos, foram capazes de se distanciarem das existentes interpretações de Marx.

A terceira linha de desenvolvimento foca sobre aquilo que pode ser descrito como 'weberianismo radical'. Como é bem conhecido Weber estava em certos aspectos do seu trabalho, ocupado num diálogo com o 'fantasma de Marx' e alguns de seus conceitos chaves tem sido usados como um meio de explorar a interface entre Marx e Weber. Como procuramos mostrar em capítulos anteriores, a influência de Max Weber tem sido sentida em todos os quatro paradigmas. Se qualquer dos pontos de sua discussão sobre a racionalidade científica que penetra muito mais no humanismo radical, ou seu desenvolvimento da noção de verstehen no paradigma interpretativo ou seu trabalho sobre burocracia que, embora muitas vezes mal entendido, domina a teoria de organização funcionalista, Weber não pode ser ignorado. Dentro do estruturalismo radical, certos elementos de seu trabalho que estão de acordo com a orientação de uma sociologia da mudança radical tem sido desenvolvido por um pequeno grupo de cientistas sociais europeus. A fim de distinguir a leitura que eles fazem sobre Weber daqueles mais típicos do funcionalismo, por exemplo, desejamos usar o termo 'weberianismo radical'.

Os escritos de Weber contêm unidos elementos políticos e sociológicos, algumas vezes sobre grande pressão e tensão, dentro de um contexto de uma estrutura global9. Para Weber, a questão política central em uma Alemanha unificada era o problema da liderança. Como de vê o Estado

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há pouco criado ser governado? Ele aceitou inquestionavelmente a 'justeza' de sua existência e procurou seu crescimento continuo através da preocupação da forma de desenvolvimento do capitalismo industrial e sua burguesia emergente. Weber era um sociólogo da ordem econômica interessado nas conseqüências sociais do capitalismo, com respeito as suas visões que eram algo ambivalentes. Sua orientação para o capitalismo o distingue muito claramente dos marxistas e dos conservadores românticos alemães de sua equipe. A primeira se opõe ao modo capitalista de produção por seus efeitos deletérios sobre a população trabalhadora criada recentemente; a segunda por seus efeitos sobre a aristocracia estabelecida pelos Junkers. Entre estas perspectivas Weber advogou um capitalismo que contem uma burguesia forte, intelectualmente refinada que permaneceria fiel à cultura alemã.

O que é importante para o weberianismo radical, contudo, não é que Weber foi primordialmente um sociólogo da ordem e regulação, mas por sua atitude ambivalente para o capitalismo e particularmente para o lugar da burocracia dentro dele, deixando abertas avenidas para exploração que conduz a uma sociologia da mudança radical. Weber via a burocracia como um reflexo do processo de racionalização que se rivalizava com o desenvolvimento do capitalismo; um processo que invadiu todos os aspectos da vida social, da política à religião. Como vimos, Marcuse pegou esta noção de racionalidade e a usou criticamente como uma pedra fundamental em seu tratamento do 'homem unidimensional'. Dentro do estruturalismo radical os teóricos tendem a estar interessados na análise que Weber fez da burocracia como um instrumento de dominação social, mais forçadamente expresso na noção de 'gaiola de ferro da burocracia'. Para Weber a burocracia colocou uma ameaça à liberdade humana, fazendo-a crescentemente mais difícil para os homens exercerem controle sobre suas vidas diárias. A ameaça desta 'gaiola de ferro' foi vista como caracterizando sociedades tanto de natureza capitalista como socialista. Sob a última Weber enfatizou que o crescimento da burocracia se deu porque no modo capitalista havia no mínimo uma área de livre atuação das forças de mercado. Contudo, sob ambos os sistemas, o crescimento da burocracia e o modo da racionalidade com propósito que a retrata foi visto como uma força prejudicial aos interesses daqueles que se subordinam ao seu controle.

Assim, no contexto do estruturalismo radical, o weberianismo foca sobre burocracia, autoridade e poder como os pontos de concentração para análise teórica, como meios de compreender os importantes aspectos da vida social no capitalismo. Raramente, contudo, este produz politicamente alternativas radicais; portanto, pode ser dito de outras escolas do pensamento, este procura interpretar criticamente ao invés de transformá-la. Apesar disso, Weber combateu com a herança marxiana e travou a batalha em seu próprio solo, ao menos na ocasião e o produto desta espécie de confrontação cujas formas centrais do 'weberianismo radical' contemporâneo. Em essência, este procura enfatizar o papel dos elementos que não recebem tratamento extensivo no 'marxismo', e cuja descrição da dominação humana e escravização pelas estruturas sociais nas quais ele vive. Este weberianismo radical compreende o terceiro elemento no desenvolvimento intelectual do paradigma estruturalista radical.

A Estrutura do Paradigma.

O paradigma estruturalista radical é assim um corpo complexo da teoria social resultado da fusão de uma pluralidade de tradições filosóficas, políticas e sociológicas. Qualquer categorização limite de suas escolas de pensamento constituintes pode violar este fato, mas mantendo isto em mente qualquer um pode reconhecer as três abordagens mais extremas discutidas acima. Descrevemo-las como (a) teoria social russa; (b) marxismo mediterrâneo contemporâneo; e (c) teoria do conflito. Cada uma destas ocupa uma posição distinta dentro do paradigma, como ilustrado no quadro 3.3.

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A teoria Social Russa coloca-se dentro da tradição de Engels, tendo sido introduzida no pensamento pré-revolucionário por Plekhanov. Depois desenvolvido no materialismo histórico de Bukharin e influenciado, até certo ponto, pela versão de Kropotkin do comunismo anarquista. Embora estas abordagens sejam politicamente divergentes, elas partilham uma série de suposições metateóricas que são inquestionavelmente positivistas e naturalistas. Elas estão localizadas na região mais objetivista do paradigma.

O marxismo mediterrâneo contemporâneo está situado na tradição dos trabalhos de Marx maduro, particularmente o Capital , e a leitura que Lênin faz deste. Isto estabelece o tônus para uma abordagem que é de uma importância central no presente momento. Reconhecemos dentro deste A Sociologia de Althusser e A Sociologia de Colletti que, portanto, enquanto tendo similaridades muito íntimas entre si em termos das rejeição que ambas fazem do marxismo hegelianizado e do marxismo russo ortodoxo, outra vez diferem politicamente. Até este ponto elas ocupam diferentes posições na dimensão regulação - mudança radical de nosso esquema analítico.

A teoria do conflito é a expressão sociológica do weberianismo radical que envolve a utilização dos diversos conceitos marxistas. Distinguiremos aqui entre a teoria do conflito de Rex e a teoria do conflito de Dahrendorf, embora, aqui outra vez, admiráveis singularidades apareçam dando uma perspectiva suficientemente limitativa. Discutiremos cada uma destas escolas do pensamento uma a uma.

Teoria Social Russa.

Usamos este termo afim de enfatizar certas coisas em comum que existem entre aparentemente distintas escolas de pensamento da historia intelectual russa10. Procuramos apontar as conexões entre as abordagens sócio-filosóficas do então chamado 'marxismo ortodoxo' de Bukharin e o 'comunismo anárquico' desenvolvido por Kropotkin. Estes corpos de pensamento têm algo em comum em termos dos backgrounds e de suas origens intelectuais, a despeito da hostilidade desmascarada entre eles. O marxismo ortodoxo proposto por Bukharin se opunha virulentamente ao anarquismo em todas as suas formas, justamente porque os seguidores de Kropotikin punham-se contra o elitismo político e a centralização administrativa então nascente no bolchevismo. Na realidade os comunistas anarquistas chegaram ao ponto de explodir uma bomba no Comitê do Partido Bolchevique, matando doze membros sêniores e ferindo Bukharin no processo. Tal violento atentado, contudo, contradiz uma similaridade em termos metateóricos entre suas perspectivas. Tanto Kropotkin como Bukharin estavam familiarizados com as ciências naturais, ambos usavam as conceituações 'cientificas' como pedra fundamental de seus sistemas de maneira completamente positivista; ambos estavam comprometidos com a derrubada revolucionária do governo czarista e do capitalismo em geral.

Embora fácil de superenfatizar, seu mútuo 'objetivismo' derivado de Plekhanov e, dependente das suposições 'naturalísticas' do método cientifico, permaneceu, em algum grau, típico da teoria social russa contemporânea, que tem muito em comum com a teoria funcionalista dos sistemas sociais de acordo com a dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico. Na realidade, Gouldner (1970) fez muito pela corrente soviética interessada no funcionalismo, com a qual há os elos de uma epistemologia positivista comum11, e que também tem havido interesse em reverter a direção. Nisbet (1976), por exemplo, tem procurado retratar Kropotkin como um eco-logista fora de seu tempo.

Começamos nossa análise da teoria social russa com o trabalho de Bukharin.

O Materialismo Histórico de Bukharin.

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Na tradição do 'socialismo científico' desenvolvido por Engels e Plekhanov situa-se o trabalho de Nikolai Bukharin (1888-1938), um 'tenente de Lênin' que encontrou sua morte nas mãos de Stalin. Bukharin procurou, em talvez seu trabalho mais bem conhecido, Materialismo Histórico: Um Sistema de Sociologia, publicado em 1921, fornecer um livro texto no qual o marxismo era apresentado como sociologia ao invés de economia política. O interesse até o momento dos desafios sociológicos de Marx a Weber e Pareto, por exemplo, exigiu uma resposta marxista, e Bukharin viu-se como cumpridor deste papel.

Filho de um professor de Moscou que se tornou burocrata, Bukharin juntou-se ao Partido bolchevique aos 17 anos como parte de sua 'intelligentsia', embora profundamente comprometido com a vida revolucionária profissional12. Detido pela segunda vez em 1910, ele foi exilado no norte da Rússia, de onde escapou, retornando a Moscou em 1917. Antes de seu exílio ele tornou-se um dos líderes teóricos do Partido, interessado em desenvolver o marxismo através do diálogo com desenvolvimentos teóricos na 'ciência social' não-marxista. No exílio na Europa e brevemente em Nova Iorque, sua contribuição intelectual tornou-se crescentemente conhecida, até para alguns bolcheviques, ele excedeu o brilho de Lênin, com quem sua relações foram geralmente tensas. Depois da Revolução, ele tornou-se editor dos jornais do Partido por anos, durante este tempo ele produziu tanto escritos 'políticos' como 'teóricos'. Próximo ao fim dos anos de 1920 suas diferenças com Stalin cresceram, de tal maneira que foi mandado para a União Soviética, particularmente com respeito à política agrícola. A 'Revolução a partir de cima' de Stalin, através qual assumiu o controle total das rédeas do governo soviético, marcou o começo do fim das políticas mais cuidadosas e graduais defendidas por Bukharin e seus colegas de 'direita'. Ele foi preso em 1937 e trazido perante uma corte nos 'shows de julgamento' da famigerada Moscou em que ele foi condenado e sentenciado à morte. Sua reputação, mesmo hoje, nunca se recobrou do efeitos da 'purga stalinista'.

No Materialismo Histórico, Bukharin defende que a sociologia é um 'método para história', e, mesmo controversamente, que a sociologia burguesa tem algo a oferecer ao marxismo. Como ele coloca, o próprio materialismo histórico 'não é economia política, nem é história; ele é a teoria geral da sociedade e as leis de sua evolução, i.e. a sociologia' (Bukharin, 1965, p. xv). Esta é, de fato, a sociologia do proletariado.

Bukharin não teve muito tempo para a 'dialética'. Lênin, justamente antes de sua morte, advertiu que 'as visões teóricas de Bukharin só com certa dúvida podem ser consideradas como plenamente marxista, porque há algo escolástico nelas (ele nunca estudou penso eu, nunca compreendeu plenamente a dialética)'. (Cohen, 1974, p.152). Um economista por treinamento, Bukharin sentiu-se mais em casa com a nova física do século vinte do que com o idealismo alemão da filosofia do século anterior. O materialismo, para ele, se opunha à metafísica hegeliana e à ciência e à tecnologia; como conseqüência seu livro está baseado na analogia mecânica derivada, especificamente e de forma não modificada, da física. Ao invés disso, aceita a tese, antítese e síntese, elementos da dialética, que Bukharin preferiu igualá-las à 'condição de equilíbrio; em segundo lugar, à desordem deste equilíbrio; em terceiro lugar, ao restabelecimento do equilíbrio sobre uma nova base' (Bukharin, 1965, pp. 74-75). A discussão dele até este momento continua a considerar a 'teoria dos sistemas' da perspectiva marxista, vendo a sociedade como estando num estado de equilíbrio instável por causa do desequilíbrio com seu ambiente. O equilíbrio com o ambiente é buscado através do desenvolvimento da tecnologia pela qual a relação entre a sociedade e a natureza é regulada. A mudança social vem através de alternações neste equilíbrio, que leva a períodos de desequilíbrio revolucionário em tempos de crise e sua substituição definitiva por um equilíbrio em um estágio maior de desenvolvimento. Desta forma Bukharin procurou rejeitar a analogia biológica então prevalecente na sociologia ocidental, que viu a mudança social como algo patológico, mas seus críticos russos foram inteli-gentes em observar, como outros mais tarde disseram acerca do funcionalismo, que a noção de equilíbrio, numa forma qualquer, sugere harmonia e cooperação como modos principais de

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organização social. Na realidade Bukharin admite tal prejuízo quando sustenta que sem harmonia a sociedade não crescerá mas declinará.

É importante notar, contudo, que este distúrbio do equilíbrio implicitamente toma a forma de uma crise 'catastrófica' ou 'cataclísmica', através da qual a revolução social é ocasionada. O conceito de Bukharin de um 'novo equilíbrio', implica uma 'mudança na totalidade’ de enormes proporções e não um processo evolucionário ou morfogênico imaginado mesmo pelos funcionalistas mais orientados para mudanças. Os modelos de equilíbrio são, portanto, comparáveis só em nome. Em essência, o modelo de Bukharin tem mais em comum com a catástrofe do que com a analogia mecânica para o estudo da mudança social.

Claramente, Bukharin é um marxista comprometido com a destruição revolucionária do capitalismo através de conflito violento, mas está convencido que no fim a harmonia social prevalecerá. Um modelo de sistemas de um tipo grosseiro mas inicial é vista como a melhor perspectiva teórica pela qual se entende tanto esta nova sociedade socialista como as leis de movimento das sociedades pré-capitalistas. Em um sentido, então, Bukharin desenvolveu uma espécie de funcionalismo antes desse ter se estabelecido no Ocidente, com um foco em concomitância sobre a compreensão da vida social em termos de longos períodos de relativa estabilidade. No caso dele, contudo, isto foi necessário primeiramente para transformar as so-ciedades ocidentais existentes através de violenta revolução as vezes sangrenta. Dessa forma a localização de sociologia de Bukharin dentro de nosso esquema analítico se equipara com aquela do funcionalismo, porém dentro do contexto de uma sociologia da mudança social. Ontologicamente, Bukharin é extremamente realista. Ao falar do idealismo, Bukharin descreve o solipsismo como 'esta filosofia insana', que 'é contradita pela experiência humana em todo sentido'. Pois 'quando comemos, conduzimos a luta de classe, pomos sobre nossos pés, colhemos flores, escrevemos livros, tomamos uma esposa ou esposo, nenhum de nós nunca pensou em duvidar da existência do mundo externo, i.e., da existência - digamos - do alimento que comemos, dos sapatos que usamos, das mulheres que casamos' (Bukharin, 1965, p. 56). Aqui a realidade do mundo é aceita sobre um nível do senso comum. Há uma aceitação total da natureza não problemática dos objetos reais como 'livros' e 'lutas de classe', que são vistas como tendo existência concreta material fora da consciência humana. Na realidade, a consciência humana é vista como completamente dependente da produção econômica, uma vez que a produção material, e seus meios, as forças produtivas materiais, são os fundamentos da existência da sociedade humana. Sem isto não poderia haver uma 'consciência social'.

Epistemologicamente, Bukharin adota o positivismo das ciências naturais como seu modelo. O materialismo histórico é uma 'sociologia científica' que explica as leis gerais da evolução hu-mana; este serve como um método para a história. O que Bukharin busca, então, primeiramente através da noção de equilíbrio, é explicar, de uma forma generalizável, a história do desenvolvimento humano. O materialismo histórico de Marx e Engels proporciona meios pelos quais tais leis gerais são atingidas. Além disso, estas leis proporcionam explicações causais. Como ele coloca, 'Em ambos, na sociedade e na natureza existe objetivamente (i. e. a despeito de se cogitar se desejamos ou não, se temos consciência dela ou não) uma lei da natureza que é causal por origem' (Bukharin, 1965, p. 30). Dessa forma Bukharin adota um positivismo naturalístico para sua postura epistemológica e metodológica nomotética que implica no conhecimento e análise da que ele acredita ser a conexão constantemente observável entre os fenômenos. Bukharin também devota algum tempo à discussão do livre querer debate sobre o determinismo. Ele discute uma quantidade de exemplos projetados da vida cotidiana, e continua a sugerir que:

Uma consideração desses exemplos mostrou que sob todas condições, ambas usual e inútil, ambas normal e anormal, o querer, o sentimento, as ações do homem individual sempre tem uma causa definida; elas são sempre condicionadas (determinadas), definidas. A doutrina da liberdade

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de querer (indeterminada) é no fundo uma visão semi-religiosa que não explica nada no todo, contradiz todos os fatos da vida, e constitui um obstáculo para o desenvolvimento científico. O único ponto correto da visão é aquele do determinismo. (Bukharin, 1965, p. 37).

Em suas próprias palavras, portanto, Bukharin claramente coloca-se no nosso esquema analítico. Ele é um determinista, que rejeita a noção de um querer livre, criativo e de seu papel na vida social. Aderindo a este seu positivismo e realismo, in totó Bukharin ocupa uma posição de extremo objetivismo dentro sociologia da mudança radical. Ele delimita a ala objetivista do paradigma estruturalista radical, uma posição que muitos no ocidente agora descrevem como 'marxismo vulgar'. É uma variedade de marxismo, contudo, que é mais próprio de Engel que de Marx; na realidade, este, 'o marxismo vulgar' toma uma formulação de Engels do trabalho de Marx em seu extremo lógico. É a variedade de marxismo sobre a qual os teóricos dos sistemas lançaram mão em sua tentativa de igualar o materialismo dialético e o funcionalismo e de afirmar que o debate ordem-conflito está agora morto13.

O Comunismo Anárquico

O comunismo anarquista está mais fortemente associado a Peter Kropotkin (1842-1921), um príncipe russo cujo funeral em Moscou foi chorado pelos bolcheviques14. Depois de um tempo como pajem na côrte do Czar, Kropotkin viajou como um geógrafo e naturalista para a Sibéria, onde entrou em contato com diversos grupos nômades que influenciaram seu trabalho teórico posterior. Depois de adotar a causa revolucionária e ser forçado ao exílio por 40 anos, ele re-tornou para a Rússia em 1917, só para tornar-se desiludido com a revolução bolchevique antes de sua morte em 1921.

Kropotkin continuamente procurou por o comunismo anárquico sobre um firme apoio filosófico e teórico, que o identifica de muitos dos niilistas mais ativistas do movimento anarquista, que eram quase anti-intelectuais para um homem. Na universidade Kropotkin estudou matemática e geografia. A metodologia e epistemologia das ciências naturais foram a forma, em toda sua vida, a base de sua filosofia social. Ele descreveu seu próprio trabalho nestes termos em uma nota inicial na enciclopédia britânica:

Como um dos que fazem parte da direção do comunismo anarquista por muitos anos se esforçou para desenvolver as seguintes idéias: mostrar a intima e lógica conexão que existe entre a moderna filosofia das ciências naturais e o anarquismo; colocar o anarquismo sob uma base científica pelo estudo das tendências que são evidentes hoje na sociedade e pode indicar sua nova evolução; e trabalhar a base da ética anarquista. Com respeito a essência do próprio anarquismo era o objetivo de Kropotkin provar que o comunismo - ao menos parcialmente - tem mais chances de ser estabelecido como coletivismo, especialmente em comunidades que tomam como guia, e que a liberdade ou o comunismo anárquico é uma forma de comunismo com toda chance de ser aceito nas sociedades civilizadas: o comunismo e o anarquismo são, portanto, dois termos da evolução que se complementam um com o outro, para que um torne o outro possível e aceitável. (Citado em Bose, 1967, p.262).

Como um naturalista, as teorias evolucionárias de Darwin tiveram um profundo efeito sobre ele, porem ele se colocou veementemente contra as noções de Hebert Spencer, cujos conceitos de sobrevivência do mais ajustado Kropotkin viu como subtendendo que a competição e o conflito eram endêmicos a todas espécies animais, incluindo o homem. Ao invés disso, ele apontou a generalizada existência do 'auxilio mutuo' nas sociedades humanas não caracterizadas pelo modo capitalista de produção. Portanto, como Avrich observa,

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Suas próprias observações indicaram que, no processo da seleção natural, a cooperação espontânea entre os animais era muito mais importante que a competição ferrenha, e que 'aqueles animais que adquirem hábitos de auxílio mútuo são indubitavelmente os mais preparados para sobreviver. De forma alguma Kropotkin negou a existência de luta no reino animal, mas ele estava confiante de que a dependência mútua representava um papel muito maior - na realidade o auxilio mútuo era 'o elemento chefe da evolução progressiva' (Avrich, 1967, p. 30).

Sua crença no 'auxilio mutuo' foi inspirada por suas experiências na Sibéria, onde grupos tribais nômades de pequena escala viviam de acordo com os princípios 'anarquistas'. As experiências de Kropotkin destes anos o convenceu que a atitude natural do homem era de cooperação e de solidariedade, e que o princípio da hierarquia era um desenvolvimento 'patológico' recente da história do homem. As tendências centralizantes do Estado Russo, que foi submetido a uma transição capitalista tardia foram os primeiros objetos de atenção; porém seus cinqüenta anos de exílio na Europa Ocidental o convenceu que o capitalismo, onde quer que este fosse encontrado, representava uma aberração na evolução do homem. O comunismo anarquista colocou-se para Kropotkin, em oposição direta ao sistema salarial capitalista, a supressão do qual dependia uma revolução de massa violenta. Uma vez que o sistema salarial fosse destruído, uma nova sociedade se estabeleceria, baseada em comunidades que seriam unidades autogovernadas, descentralizadas, quase auto-suficientes. Ele não percebeu esta visão como utopia mas como a única possível solução para os problemas do capitalismo trazidos pela crise econômica do capitalismo, do estado e da burocracia. A derrota do capitalismo ocasionada pela crise econômica seria um acontecimento sangrento e, embora menos predisposto à violência e terrorismo do que muitos outros, Kropotkin acreditou na 'propaganda da ação' e pensou que esta legitimaria inteiramente o emprego do assassinato político. Depois de 1917 ele reviu a visão bolchevique do marxismo como uma nova forma de escravidão humana, uma forma de centralização que foi substituída por outra, por meio do qual impossibilita o retorno que ele buscava para uma forma de sociedade baseada no auxilio mútuo pelo qual o conflito fosse minimizado.

Nas publicações de Kropotkin15 , qualquer um é capaz de ver a postura inteiramente clara da posição objetivista que ele introduziu na incorporação em grande parte dos métodos e suposições das ciências naturais. Ele descreve seu procedimento como se segue:

Eu gradualmente comecei a perceber que o anarquismo representa mais do que um simples modo de ação e uma simples concepção de uma sociedade livre; esta é parte de uma filosofia, natural e social, que pode ser desenvolvida de uma forma completamente diferente dos métodos metafísicos e dialéticos que tem de ser empregado nas ciências que tratam dos homens. Eu entendia que este deveria ser tratado pelos mesmos métodos das ciências naturais...sobre bases sólidas da indução aplicada às instituições humanas. (Kropotkin, in Woodcock, 1975, p. 184).

Kropotkin é representante daquela corrente da teoria social russa que não vê qualquer distinção entre as ciências naturais e sociais e acredita que as 'leis da natureza' servem como modelo para o estudo da sociedade. Também típico do pensamento sociológico russo neste momento é seu firme comprometimento com a mudança radical, embora sua visão disto difira substancialmente por completo daquela de seus contemporâneos.

A teoria social da URSS antes de 1925, entretanto, estava fundamentada em uma tentativa de equiparar as ciências sociais com as ciências naturais. A influência do darwinismo, e a íntima relação que se via existir entre o homem e a natureza, criou variantes de uma teoria evolucionária pela qual o capitalismo era considerado como uma 'monstruosidade' genética, o meio pelo qual se anunciaria uma nova era da vida social onde a harmonia e a compreensão prevaleceriam. A perspectiva de teóricos tais como Bukharin e Kropotkin difere daquela dos teóricos sociais positivistas localizados no paradigma funcionalista, visto que a analogia que eles usam para caracterizar o processo pelo qual este será ocasionado é aquela da catástrofe e da

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revolução. É esta característica crucial do trabalho deles que os localiza dentro dos limites da sociologia da mudança radical como oposta à sociologia da regulação.

Marxismo Mediterrâneo Contemporâneo.

Nesta faixa de teorização reconhecemos duas escolas separadas, que, embora distintas em suas abordagens para muitas questões substantivas, estão baseadas numa série de suposições metateóricas comuns. Estas são as sociologias de Althusser e Colletti. Portanto, ambos posicionados teoricamente na principal corrente do pensamento marxista ocidental contemporâneo, eles adotaram perspectivas conscientemente distintas do marxismo hegelizado de Luckács, Gramsci e da Escola de Frankfurt por um lado, do marxismo ortodoxo de Plekhanov e Bukharin de outro16. Eles procuraram misturar aquilo que eles percebem como objetivismo extremo do marxismo 'vulgar' e do subjetivismo da teoria crítica ao adotar uma posição intermediária.

Althusser e Colletti, apesar da proximidade intelectual deles, ou talvez por causa desta, foram conduzidos antes a uma violenta batalha acadêmica na qual ambos tiveram seus narizes sangrados17. Não obstante este conflito interno, ha uma forte inter-relação entre o trabalho deles em termo de postura teórica, embora haja muitos que acreditam que Althusser seja disparada e fora de dúvida um pensador mais criativo. Ele criou um sistema; Colletti procura destruir os sistemas dos outros18. Portanto, não desejamos denegrir o papel do crítico e do ensaísta; acreditamos que as concepções de Althusser têm maior alcance para o desenvolvimento do que as de Colletti.

Escolhemos o epíteto do 'máximo mediterrâneo' para enfatizar não simplesmente as origens de ambos, mas pelo fato que a postura teórica deles está localizada fora da tradição idealista norte européia e é, no máximo, periférica à tradição positivista anglo-francesa. É uma marca distinta da perspectiva de Althusser e de Colletti que os extremos destas duas amplas correntes do pensamento são rejeitadas em favor de uma posição 'intermediária' que, embora inconfundivelmente objetivista, é familiar com, e não totalmente indiferente ao idealismo alemão. Começamos nossa análise com o reconhecimento de que não podemos fazer justiça às diferenças em detalhes entre as perspectivas de Althusser e de Colletti, mas esta é uma tarefa que eles próprios não foram capazes de observar. Para nós, suas grandes similaridades são de maior interesse neste ponto, embora alguma atenção deva ser dada às diferenças entre eles em termos da dimensão mudança radical - regulação de nosso esquema analítico. Começamos nossa análise considerado o trabalho de Louis Althusser.

A Sociologia Althusseriana.

Louis Althusser é um dos mais influentes filósofos marxistas contemporâneos, e atraiu muito a atenção não somente dos sociólogos radicais, mas também de escritores de muitas disciplinas. Um argelino de nascimento, Althusser lutou na II Guerra Mundial e foi levado prisioneiro pelos alemães em 1940. Ele retornou a Paris em 1945, estudou sob a orientação do filósofo Bachelard e lá permaneceu ensinando até então. Ele é um membro do Partido Comunista e tem posições políticas explícitas que são muitas vezes descritas como stalinistas19. Portanto seu trabalho é extremamente complicado, algumas vezes contraditório e, na realidade, mesmo no processo de desenvolvimento, é possível identificar certas conceitos que têm sido tema de muita discussão e avaliação crítica. Althusser usa a noção de círculo para descrever parte de seu trabalho, e em qualquer análise é difícil saber por onde começar. Contudo, o trabalho de Althusser pode ser interpretado como uma reação ao marxismo hegelianizado de Luckács, Gramsci e da Escola de

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Frankfurt, e representa uma tentativa de desenvolver um retrucamento mais sofisticado para o marxismo hegeliano na tradição do materialismo 'ortodoxo'. Crucial aqui é a noção de Althusser de 'ruptura epistemológica' no trabalho de Marx, que delimita o trabalho 'filosófico' de inicio das análises 'científicas' mais maduras do O capital e de seus escritos posteriores20. O trabalho inicial é visto como completamente distinto dos textos que Althusser deseja enfocar, pois ele rejeita a noção de Marx como um 'humanista teórico'. Althusser sustenta que para o Marx maduro, o humanismo representou nada mais do que uma ideologia, visto que esta assumia tanto uma natureza humana fixa como um papel crucial para os fatores subjetivos no processo histó-rico. Também não é um pressuposto correto, de acordo a Althusser, cuja leitura do Capital de Marx supostamente demonstrada que a noção da 'dialética' em particular, representa um 'processo sem um sujeito'21. Marx foi visto como transformador da 'dialética' hegeliana ao remover as limitações dentro desta pela criação tanto de uma ênfase na consciência do homem como na dependência de uma crença na necessidade histórica do progresso humano através de estágios de desenvolvimento sucessivos. Posto cruamente, para Althusser e seu Marx, os homens não produzem a história; esta é produzida por configurações particulares de estruturas que surgem em pontos dados no tempo. Althusser, então, coloca-se contra e entre o 'humanismo subjetivo' dos marxistas hegelianos e a tese da inviabilidade histórica proposta por Engels e Bukharin. Para ele, a dialética não conduz nem ao subjetivismo nem ao historicismo.

O 'estruturalismo' de Althusser22 depende de um entendimento da 'totalidade', não apenas como uma montagem de partes para serem somente entendidas como um todo, mas como algo dando forma e estando presente dentro de cada parte. As partes refletem a totalidade; não a totalidade das partes. Dessas partes Althusser reconhece 4 'práticas' - a econômica, a política, a ideológica e a teórica (científica). Embora, em última análise, a 'prática' econômica seja vista como a mais importante, em dadas 'conjecturas' históricas cada uma das 'práticas' tenha relativa independência, a despeito da possível dominação de uma 'prática' (embora não necessariamente a econômica) sobre as outras. Althusser chama tal conceito de uma 'estrutura de dominação'23. Qualquer evento histórico específico, portanto, representa a complexa inter-relação entre 'práticas', que estão ligadas através da idéia de 'sobredeterminação', definida antes obscuramente por Callinicos como 'a idéia de uma estrutura cuja complexidade, a mútua distinção e interdependência de seus elementos, é expressa na maneira qual a economia se desfaz do papel dominante dentro de uma estrutura para uma instância específica, organizando as outras instâncias em termos desta estrutura de dominação' (Callinicos, 1976, p. 51)24. Na visão de Althusser, portanto, os elementos superestruturais podem ser tão importantes quanto, se não mais importante que, aqueles da infra-estrutura econômica. Ao nível mais básico, isto implica uma teoria multi-causal da história, visto que os fatores econômicos não são vistos como determinante de todas as instâncias. Portanto, o desenvolvimento social consiste de uma série de eventos históricos, as configurações de 'sobredeterminações' específicas criam em dadas sociedades de formas sociais inteiramente diferentes. Esta é a famosa 'lei do desenvolvimento desigual', que rejeita, naturalmente, qualquer necessidade histórica ou predeterminação no pro-cesso social (Althusser, 1969, p. 249).

A mudança social para Althusser depende do tipo e extensão das contradições na formação social. Algumas contradições são antagônicas e suas inter-relações 'explosivas' produzirão, no longo prazo, arrasadoras transformações sociais nos tempos de grandes crises. Outras contradições são não antagônicas e representam um papel menos importante na mudança social. A força motor da história, portanto, é encontrada na inter-relação de contradições específicas num dado ponto do tempo que vem à superfície como crises sócio-econômicas perceptíveis25.

Politicamente, a lógica desta posição, não foi obscurecida até onde vão as críticas de Althusser. Se a revolução é para ser atingida nesta perspectiva, ela depende de conjunções específicas de contradições e sobredeterminação. o papel do ativista político é desse modo desenfatizado26. Deste modo, o que pode a esperança revolucionária de fazer com que aconteça

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a mudança social radical, se esta é em última instância determinada por estruturas profundas e ocultas? A filosofia de Althusser, portanto, está aberta à pecha de seus críticos não estruturalistas, de 'quietismo' e à acusação de que esta filosofia implica numa rejeição da 'práxis'. Régis Debray, que foi por algum tempo aluno de Althusser, assim comentou sobre a separação de seu mentor entre 'pensamento' e 'realidade' e entre 'operação da sociedade' e 'operação do conhecimento'. Em outras palavras, tudo que tínhamos que fazer para nos tornarmos bons teóri-cos era nos tornarmos 'bastardos indolentes' (Callinicos, 1976, p. 60). A colocação de Althusser 'de que a filosofia seja a teoria da luta de classe' certamente permite a teorização de gabinete, e é relativamente fácil para os cínicos observarem que a popularidade do althusserianismo entre os marxistas acadêmicos da Europa dá-se devido a este enunciado.

Ontologicamente, Althusser entende o mundo como algo real, concreto e externo ao indivíduo e sua consciência dele. Este mundo real, na teoria de Althusser, pode ser pensada em termos de 'estruturas' que juntas, na 'totalidade', representam dadas 'formações sociais'. Estas concepções, contudo, de acordo com a epistemologia de Althusser, não são necessariamente baseadas em qualquer correspondência com o mundo real. Na realidade, como Collinicos sugeriu, Althusser argumenta que 'existe uma separação possivelmente mais nítida entre o objeto real, que é, a realidade que o sistema teoria procura explicar, e o objeto-pensamento, o sistema teórico que constrói uma ciência' (Callinicos, 1976, p. 32). A idéia de que uma teoria refletiria ou se ajustaria exatamente à realidade, pretende explicar os termos do 'empiricismo' de Althusser, e ele se coloca fundamentalmente contra esta. A separação entre o real e o teórico que esta implica conduz inexoravelmente à tendência da teorização de gabinete, que não exige qualquer trabalho empírico, seja 'pesquisa' ou ativismo político, visto que a teoria não necessita de apoios do mundo externo real. A versão de Althusser do anti-empirismo, contudo, não exclui o positivismo no sentido da busca de leis causais universais. Esta, de fato, explicitamente, busca fornecer uma análise causal, mas alguém que, ao reconhecer a variedade das sobredeterminações e a 'lei' do desenvolvimento desigual, não se dedicaria a produção de explicações unicausais da, como se diz, mudança social. A realidade social, que nós como homens podemos perceber como bolhas superficiais sobre uma profunda, oculta e misteriosa combinação, é vista como contingente sobre uma variedade de inter-relações estruturais e deve ser analisada em termos de conjecturas - eventos históricos específicos. A lógica da posição de Althusser, de fato, chama a atenção para o método de estudo de caso, da análise de 'conjecturas' especificas cada uma das quais é única, porque somente desta forma pode nosso conhecimento da história ser desenvolvido.

Althusser rejeita a perspectiva do determinismo econômico encontrado, por exemplo, em Plekhanov e Bukharin, e sua mais extrema forma, o predeterminismo econômico - o desdobramento de leis inexoráveis do desenvolvimento capitalista que inevitavelmente conduz a sua destruição. Ele ainda mantém uma posição determinista, porem, no que diz respeito ao humanismo, que para ele enfatiza as noções voluntárias e subjetivas, é governado completamente de fora da corrente. As ações e os eventos históricos do homem, são determinados fundamentalmente pelas formações sociais nas quais eles estão localizados. Os indivíduos, de acordo com esta visão não são 'sujeitos' mas agentes dentro do modo de produção, e são correspondentemente moldados pelas forças que atuam sobre 'pratica' econômica.

Portanto a posição de Althusser em nossa dimensão objetiva-subjetiva, sua sofisticação filosófica produz uma conjuntura não interessante sobre os quatro elementos analíticos. Ontologicamente, ele é um realista, mas o mundo real só pode ser entendido através da teoria, que não necessita ser localizada ou fundamentada na realidade total. Epistemologicamente, a procura do conhecimento 'científico' fora da ideologia, ele é um positivista, embora não de um tipo extremo, visto que ele rejeita totalmente o empirismo. Metodologicamente, a Posição de Althusser enfatiza o método do estudo de caso da análise para qualquer 'conjectura' dada, enquanto sua Visão da natureza humana é fundamentalmente determinista. Sua Posição global no paradigma estruturalista radical é aquela de um objetivista 'modesto' ou moderado. Ele

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procurou, e em grande parte realizou, um acordo entre o marxismo ortodoxo do Estado Russo e o marxismo hegelianizado do Ocidente.

A Sociologia de Colletti.

O trabalho de Lúcio Colletti reflete um desenvolvimento do marxismo italiano que é mais notável por seu empirismo amplamente extenso e incisivo. Um estudante de Della Volpe27, Colletti se juntou ao Partido Comunista Italiano em 1950 e estava preocupado tanto com a papel da classe operaria italiana na atividade revolucionária numa sociedade 'pós-fascista', como com o esboço das linhas gerais de um 'marxismo cientifico'. Diferente de Althusser, ele tornou-se afas-tado dos desenvolvimentos da política interna da Rússia e seus satélites, e em 1956 deixou o Partido. O trabalho de Colletti, que ele chama de 'sociologia'28, consiste principalmente de ataques detalhados sobre as variantes do marxismo hegelianizado, particularmente aquela da escola de Frankfurt, e sobre o marxismo ortodoxo representado na maior parte por Engels e Plekhanov (Colletti, 1972) Em face disso ele não procura relacionar estas perspectivas numa síntese global, mas reconhece que o trabalho de Marx reflete duas faces, a de filósofo e a de cientista. O elo unificador entre estas se encontra na noção de 'oposição' que em Marx é vista como tendo dois significados distintos. O primeiro, é o significado de real em oposição ao das 'coisas' que não têm nenhuma síntese e portanto não têm nenhuma relação dialética. Como Marx coloca 'os extremos do real não podem ser mediatizados porque eles são extremos do real. Nem eles têm qualquer necessidade de mediação, pois suas naturezas são totalmente opostas. Eles nada têm em comum e não se complementam' (Colletti, 1975, p. 6). Para Colletti esta visão de 'oposição', que é encontrada predominantemente na ciência, pode ser contrastada com aquela de oposição dialética que, naturalmente, deriva de Engels e se refere à oposição de abstrações, conceitos e idéias que não podem ser sintetizadas numa conformação mais elevada. Esta é a visão filosófica de oposição. 'Oposição' na 'ciência' do marxismo se iguala a Noção de 'contradição', que é considerada como inadequadamente enfatizada pelas marcas do pensamento hegelianizado. Por outro lado, 'alienação' representa 'oposição' nas concepções filosóficas do marxismo, e isto não é enfatizado pela ortodoxia marxista. Assim nas palavras de Colletti, 'a teoria da alienação e a teoria da contradição são assim vistas como uma única teoria, deferentes elementos que tendem a ser ignorados pelas versões que se rivalizam com o pensamento marxista (Colletti, 1975, p. 27). Significativamente, Colletti não faz nenhuma tentativa de periodização do trabalho de Marx. Ele particularmente sustenta que a noção de que 'alienação' representa um tema corrente em todos os escritos de Marx, mesmo em fragmentos que tratam de economia política abstrata. Portanto, para Colletti, há dois elementos paralelos em Marx e não duas fases distintas da atividade intelectual. Sua crítica a Marcuse, por exemplo, e a Plekhanov está fundamentada nesta afirmativa básica. Ele polariza o marxismo sobre a base da ênfase relativa posta ou no elemento filosófico da 'alienação' ou do elemento científico da 'contradição'. Sua 'solução' para tal polarização é encontrada no reconhecimento de sua existência, e ele está satisfeito em limitar-se no momento do registro deste fato. Eu não atribuo qualquer significado conclusivo deste. As ciências sociais ainda não encontraram seu verdadeiro fundamento. Portanto eu não sei se a existência destes dois aspectos é fatal ou vantajosa. Que está em questão não é o fato de que nossa tarefa agora é descobri-los se e como eles podem ser reconhecidos. É algo que devemos levar a sério. É algo que não é resolvido pelo subterfúgio verbal (Colletti, 1975, p. 29).

Enquanto crítica inteligente e competente, Colletti adicionou um pouco do arsenal conceitual do marxismo, porem sua posição é uma das que atraiu muitos seguidores. Sem desenvolver um 'sistema' de maneira coerente ou rigorosa, Colletti fornece um refugio nos interstícios proporcionados pelas, ou deixou entre, as tradições marxistas dominantes. É um refúgio caracterizado pela serie que segue de suposições metateóricas. Ontologicamente, supõe a

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existência real do mundo externo. Como ele coloca, 'o progresso, portanto, consiste na restauração e no restabelecimento destes 'fatos', estes processos reais escapados e transcendidos pela metafísica e que se opõem às hipóteses que os oculta. A existência objetiva deles, é ao me-nos, a premissa indispensável para qualquer espécie de intervenção científica' (Colletti, 1972, p. 5). Portanto ele rejeita um realismo extremo, e afirma que o 'materialismo', a posição filosófica subscrita por ele necessariamente envolve uma consideração do homem como um 'sujeito que conhece', apesar disso Colletti vê a natureza do mundo social de uma maneira fundamentalmente realista29. Epistemologicamente, Colletti é um positivista da tradição de Della Volpe. Ele vê o marxismo como uma 'ciência' que, embora não super- comprometida com o empirismo, está sob o método de testes de hipóteses na busca de leis causais subjacentes. Quando mobiliza-se para uma escolha da Orientação epistemológica, Colletti opta firmemente pelo lado positivista. Ao falar de Husserl e Sartre (inter alia) Colletti proclama, que 'contra os perigos deste idealismo espiritualista, eu pessoalmente preferiria incorrer nos riscos opostos do neopositivismo (Colletti, 1974, p. 20). Quanto ao método, logicamente, Colletti tende a ser anti-historicista e não busca o método para fornecer leis válidas para todas sociedades em todos os pontos no tempo. Ele acredita que Marx estava preocupado principalmente com o capitalismo e que a teoria marxista é apontada nesta direção e em nenhuma outra. Com respeito a natureza humana, Colletti assume um determinismo moderado, portanto, ele aceita que alguém da estatura de Gramsci poderia contribuir para uma mudança na sociedade capitalista ('sua pesquisa sobre a sociedade italiana foi uma preparação real para transformá-la'), Colletti apesar disso ressalta a facticidade objetiva da estrutura do capitalismo e os grandes problemas envolvidos em sua super-renúncia.

Em tudo por tudo, Colletti coloca-se dentro do paradigma estruturalista radical com uma posição extremamente objetiva. Em face á escolha auto-imposta de um marxismo hegeliano ou de um marxismo ortodoxo, Colletti parece rejeitar o primeiro enquanto certamente não completamente abraça o último. Para Colletti, parece que Lênin é um pensador marxista que é menos incorreto.

Em termos da dimensão regulação-mudança radical de nosso esquema analítico, Coletti ocupa uma importante posição, e uma tal que se diferencia da de Althusser. Continuando a aderir o conceito 'filosófico' de 'alienação' Colletti enfatiza a importância da potencialidade do desenvolvimento do homem e a maneira pela qual este é limitado pelo capitalismo. A derrota desta forma de organização social não é vista como só dependendo da violência. A tradição sta-linista, contra a qual Colletti particularmente reage, acreditava que 'só a violência era a marca de contraste de uma revolução: tudo o mais - a transformação da natureza do poder, o estabelecimento da democracia socialista - era de nenhuma importância' (Colletti, 1974 p. 22). Em lugar disto, Colletti procura enfatizar que a revolução e a violência são de modo algum conceitos intercambiáveis e que em última instância poderia haver ainda revolução não violenta. Apesar disso, a atividade revolucionária da classe operária é vista como a principal solução para os problemas sociais postas pelo capitalismo. Para Colletti, isto não é suficiente para acadêmicos boa teoria, pois, como ele coloca 'o marxismo não é um fenômeno compatível com a fenomenologia, o existencialismo ou o neopositivismo. Uma vez que se torna assim, este se consuma'. O marxismo, para Colletti, envolve a prática política revolucionária - uma estratégia para a mudança social radical que tem uma conexão com a 'vida' do mundo dos 'trabalhadores'.

Há, portanto, claras diferenças entre Colletti e Althusser. Colletti tentou ligar a filosofia do trabalho de Marx à critica da razão pura de Kant e sua política às de Rousseau. Para Althusser, Spinoza é o antecedente intelectual de Marx. Alem disso, Perry Anderson observou, 'suas duas considerações sobre o desenvolvimento do marxismo desde 1920 são incompatíveis, visto que as categorias de Althusser explicitamente incluem Colletti na tradição hegeliana que ele repudiou; enquanto a lógica de Colletti concebe Althusser como herança do hegelianismo que ele condenou' (Anderson, 1976, p. 70). Apesar disso, como temos procurado mostrar, ambos os escritores retêm elementos de hegelianismo dentro de uma estrutura objetivista. Colletti busca

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através da linha vital da 'alienação', manter laços com o marxismo hegelianizado do qual ele deseja se distanciar enquanto que para Althusser a associação com o hegelianismo é mantida pelas noções de 'totalidade' e 'dialética'. A similaridade de postura intermediária deles em termos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico fornece o racional para consideração aqui como distinto mas exponentes relacionados do que temos chamado de Marxismo Mediterrâneo contemporâneo.

Teoria do Conflito.

Como observamos, a teoria do conflito é um produto do 'weberianismo radical'. As concepções de Weber, embora não necessariamente e especificamente intencionadas como réplicas daquelas de Marx, têm sido usadas precisamente destas maneiras. Uma vez que Marx fala de 'classe', Weber fala de 'classe', status' e 'partido'; Marx fala de 'meios de produção', Weber fala de 'meios de administração'; Marx fala de 'dialética', Weber fala de 'explicação ao nível de causa e significado', e assim por diante. Tais distinções, embora obviamente muito importantes, de fato delineiam abordagens diferentes do mesmo terreno intelectual, isto é, os problemas de relações sociais, dentro de uma sociedade capitalista.30 Ambos Marx e Weber viram que o capitalismo representou um novo modo de organização societal, certamente diferente do feudalismo (de muitas formas superior a este), mas apesar disso cercado por suas próprias formas de repressão, opressão e escravidão humana. Contudo, Weber não viu o capitalismo como o modo social no qual tais tendências alcançaram seu apogeu. Sua preocupação com as formas de dominação características de toda uma esfera de sociedades enfatizadas pelo papel do poder da vida social em toda a história, não apenas no capitalismo. As suas concepções de 'status' e 'partido' procuravam englobar a pluralidade de formas da estratificação social em todo o desenvolvimento histórico, e não apenas olhar furiosamente as desigualdades da estrutura de classe na época do capitalismo antes da primeira guerra. A ênfase de Weber sobre a burocracia no capitalismo, foi novamente fundamentada na história. Embora ele tenha visto o principio hierárquico, quando ligado a racionalidade intencional, como a base para a exploração e alienação dos trabalhadores no capitalismo, ele, encontrou elementos do modo de dominação burocrática em muitos lugares e em muitos pontos do tempo.

Os weberianos radicais de hoje tiram muito proveito do arsenal conceitual, para análise da sociedade contemporânea. Na noção de Weber da 'cadeia de ferro burocrática', em sua elaboração da complexidade da estratificação social moderna, em sua ênfase sobre poder e autoridade, eles encontram um insight rico e produtivo. Nas linhas dos marxistas eles conceberam o capitalismo, ou seus últimos dias de transmutação como cercadas por crassas desigualdades econômicas e pelas grandes discrepâncias do poder, ambos os quais significam que a vida social deve repousar inevitavelmente sobre a dominação e o conflito. Para eles, os interesses dos manipuladores do poder são claramente distintos com relação aos interesses dos sem poder onde o conflito irreconciliável e profundamente assentado é visto como característica natural e o única permanente da vida social. Os weberianos radicais partilham o pessimismo; eles não vêem fim para tais desigualdades. O marxismo é visto como utópico se este supõe um fim para o princípio da hierarquia e do desequilíbrio do poder. A revolução social, para estes escritores como para Weber é muitas vezes mais perigosa que a manutenção do status quo. Portanto, a essência da Posição dos weberianos radicais consiste de um criticismo incisivo ao capitalismo mas sem qualquer comprometimento associado a sua transcendência por outra forma de Organização social. Esta é a força e a natureza da crítica e de seus argumentos na primeira metade desta configuração, e sua interface com o marxismo contemporâneo, que identifica o trabalho deles como parte da sociologia da mudança radical. Nas páginas seguintes consideraremos a teoria do conflito de Ralf Dahrendorf e John Rex como representantes desta escola de pensamento social.

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Já tínhamos dado uma certa quantidade de atenção ao trabalho de Dahrendorf no Capítulo 2, onde argumentamos que sua distinção entre as teorias de integração e coerção se assemelham àquelas desenvolvidas aqui entre a sociologia da regulação e a sociologia da mudança radical. A teoria de Dahrendorf sobre coerção e conflito é desenvolvido no Class and Class Conflit in Industrial Society (1959) como parte de uma crítica do trabalho de Marx, 'a luz das mudanças históricas e insights sociológicos'. Dahrendorf argumenta que a análise básica de Marx é imperfeita, visto que suas predições históricas não deram frutos31, e procura recompor seu esquema conceitual com os insights sociológicos traçados primordialmente por Weber. A teoria do conflito de Dahrendorf ajuda a explicar a ausência relativa de ordem na sociedade industrial e reflete uma das teses centrais de seu estudo: que 'a distribuição diferencial de autoridade' na sociedade 'invariável o fator determinante de conflitos sociais sistêmicos de um tipo que é pertinente aos conflitos de classe no sentido (marxiano) tradicional' (Dahrendorf, 1959, p. 165). Sua análise foca sobre a maneira pela qual os grupos de conflito são gerados pelas relações de autoridade através do que ele descreve portanto as 'associações imperativamente coordenadas'. Estas São definidas como aquelas formas de Organização, instituição ou agregado nas quais a autoridade representa o papel chave que acontece no desenrolar do dia a dia dos acontecimentos. Para a tese de Dahrendorf em tais associações interativamente coordenadas há uma relação de autoridade pela qual uma clara linha, ao menos em teoria, pode ser traçada entre aqueles que participam no exercício de autoridade em dadas associações e aqueles que estão sujeitos aos comandos autoritários de outros. Portanto Dahrendorf estabelece um modelo das estruturas sociais contemporâneas de duas classes, baseado na noção de autoridade hierárquica de Weber, mas dicotomizada de uma maneira remanescente da tese de polarização de Marx. Ele vê o conflito básico dos grupos da sociedade como enraizado nesta diferenciação de autoridade, pois diferentes posições envolvem, ao menos implicam, os diferentes interesses do papel respectivo dos interessados. Tais interesses podem ser percebidos, reconhecidos e representados por um agregado de pessoas numa posição comum na estrutura da autoridade, que no caso interessa tornar-se evidente e o agregado tornar-se 'grupo para ele próprio'. Se estes interesses permanecem latentes, porem então um trata meramente de um 'quase-grupo'. Este é o 'grupo por ele mesmo', o 'grupo de interesse' que, para Dahrendorf é o verdadeiro grupo de conflito tendo uma estrutura, uma forma de organização, um paradigma ou objetivo e um corpo de membros. Tais grupos de interesse tornam-se a força motriz que está por traz da mudança social criando as transformações da estrutura social com graus variáveis de efeito, estendendo da revolução à reforma política de pequena escala. A luta de classe violenta é portanto apresentada como um ponto extremo numa escala mais geral do conflito social.

Como um sumário de sua posição Dahrendorf apresenta uma 'teoria das classes sociais e do conflito social', das quais o que se segue é uma versão revista32.

1. O propósito heurístico da abordagem proposta no estudo é uma explicação das mudanças estruturais em termos de conflito de grupo. Este propósito não é, portanto, nem puramente discriminativo nem relacionado aos problemas de integração e coerência na ou da sociedade.

2. De maneira a fazer justiça a este propósito heurístico, é necessário para visualizar a sociedade em termos da teoria da coerção da estrutura social, i. e., que a mudança e o conflito tenham que ser entendidos como onipresentes, todos os elementos da estrutura social têm que ser relacionados a instabilidade e mudança, e a unidade de coerência tem de ser entendida como resultante da coerção e do limite.

3. A formação dos conflitos de grupos do tipo de classe segue um padrão que pode ser descrito em termos de um modelo que envolve os caminhos seguintes, parcialmente analíticos e parcialmente hipotéticos:

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4. Em qualquer associação imperativamente coordenada dois, e só dois agregados de posições podem ser distinguidos: posições de dominação e posição de sujeição.

5. Cada um destes agregados é caracterizado por interesses latentes comuns; as coletividades de indivíduos correspondem para eles constituem quase grupos.

6. Os interesses latentes são articulados em interesses manifestos; e os quase-grupos tornam-se os campos de recrutamento de grupos de interesse organizados do tipo de classe.

7. Uma vez que a formação dos conflitos de grupos do tipo de classe é completado, eles se põem, em dadas associações, em relação ao conflito de grupo (conflito de classe).

8. O conflito de grupo do tipo de classe afeta as mudanças estruturais nas associações em que estas ocorrem.

9. A radicalidade da mudança de estrutura co-varia com intensidade do conflito de classe.

10. A rapidez da mudança estrutural co-varia com a intensidade da violência do conflito de classe.

A análise de Dahrendorf é pois fortemente fundamentada nas concepções weberianas. Ao invés de ver o conflito de classe como um produto do capitalismo, ele vê quase como onipresente numa sociedade organizada hierarquicamente. Seu foco sobre o poder e particularmente sobre a autoridade, é emprestado de Weber, ao invés de Marx. Contudo, pela concentração sobre a mudança social, o conflito radical e o papel da coerção na vida social, e pelo ataque no que ele vê como as suposições básicas unilaterais do funcionalismo, Dahrendorf adota uma postura consoante com a sociologia da mudança radical.

A teoria do conflito de Dahrendorf tem muitos pontos de similaridade com o desenvolvido por Rex em seu livro Key Problems in Sociological Theory (1961), ainda que Rex esteja também mais comprometido em consertar a teoria sociológica em termos de suas suposições em relação à dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico. Ainda que Dahrendorf estivesse contente em casar sua análise de conflito com uma abordagem que está firmemente comprometida com a tradição do positivismo sociológico, Rex inicia da afirmação de que tanto o positivismo quanto o empirismo são inadequados. Em seu lugar ele defende um modelo baseado no quadro de referência de ação weberiano que, como ficou claro de nossa discussão no Capítulo anterior, fica numa Posição intermediária entre o positivismo e o idealismo. A teoria do conflito de Rex portanto segue Weber em dois aspectos ao invés de só um: em termos de conceitos e métodos. A teoria de ação de Rex reconhece que os fins que os atores perseguem podem ser 'fins aleatórios' do ponto de vista do sistema social dentro do qual eles estão localizados e, certamente, em conflito com ele. Como resultado ele argumenta que 'se há um real conflito de fins, o comportamento dos atores de uns para com os outros pode não ser determinado por ações compartilhadas de acordo com seus interesses. O poder então torna-se uma variável crucial no estudo dos sistemas sociais' (Rex, 1961, p. 112).

No esquema de Rex temos uma característica da teoria do conflito da sociologia do mudança radical, baseada no quadro de referência da ação. Ele sumariza as principais características de seu modelo nos seguintes termos:

1.Ao invés de ser organizado em torno de um consenso de valores, os sistemas sociais podem ser concebidos como envolvendo situações de conflito em pontos centrais. Tais situações de conflito podem ficar em qualquer lugar entre os extremos da barganha pacífica no mercado e da violência aberta.

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2. A existência de tal situação tende a produzir não uma sociedade unitária mas uma sociedade plural, em que há duas ou mais classes, cada uma das quais proporciona para seus membros um sistema social relativamente auto-contido. As atividades dos membros toma um significado sociológico e deve ser explicado tomando como referência os grupos de interesses na situação de conflito. As relações entre os grupos são definidas em princípio somente em termos de situação de conflito.

3. Na maioria dos casos a situação de conflito seria marcada por um desigual equilíbrio de poder de modo a que uma das classes emergisse como a classe que estabelece as regras. Tal classe continuamente estaria buscando ganhar reconhecimento de legitimidade de sua posição entre os membros da classe subjugada e os líderes da classe subjugada buscariam negar esta reivindicação e organizar atividades que demonstrasse que o reconhecimento estaria sendo negado (e.g. resistência passiva).

4. A situação de poder entre a classe que impunha as regras e a submetida poderia mudar como o resultado de uma quantidade de fatores variáveis que aumentariam a possibilidade de resistência bem sucedida ou de verdadeira revolução da classe subjugada. Entre estes fatores variáveis estariam a liderança, a força da aspiração dos membros, sua capacidade de organização, sua posse dos meios de violência, seu número e seu papel no sistema social proposto pela classe dominante.

5. No caso de uma mudança dramática no equilíbrio de poder, a classe submetida poderia repentinamente se encontrar em uma situação em que não poderia meramente impor sua vontade à classe dominante anteriormente, mas poderia efetivamente destruir a base da existência daquela classe. As novas divisões dentro da classe revolucionária poderiam se tornar acessíveis, porem estas poderiam ser de maneira inteiramente diferentes daquelas que existiram na situação de conflito anterior.

6. As instituições sociais e a cultura da classe submetida seriam dirigidas para, e explicadas em termos dos interesses de classe na situação de conflito. Até onde existissem seus objetivos de longo prazo, estes tenderiam a ser expressos de maneiras vagas e utópicas. Quando a classe submetida assumisse o poder seu desejo de práticas efetivas ainda teriam que ser elaboradas. Mas é provável que ela seria justificada e mesmo afetada pela moralidade do conflito e pelos privilégios pré-revolucionários e utopias.

7. Uma mudança no equilíbrio do poder poderia conduzir não a uma completa revolução, mas a compromisso e reforma. Neste caso poderiam surgir novas instituições que não estariam simplesmente relacionadas com o prosseguimento do conflito, mas seriam reconhecidas como legítimas por ambas as partes. Tal situação de trégua em circunstâncias favoráveis poderia dar lugar a uma nova ordem social unitária por um longo período, em que direitos de propriedade limitados e poderes políticos limitados seriam vistos como legitimamente apoiados pelos indivíduos particulares. Mas tais situações seriam inerentemente instáveis porque qualquer enfraquecimento do poder de manter o equilíbrio da classe anteriormente subjugada poderia conduzir a classe que impunha as regras anteriormente à reassumir suas velhas maneiras e a manutenção deste poder poderia facilmente encorajar a classe subjugada a se lançar pela alternativa revolucionária. (Rex, 1961,, pp. 129-30).

As teorias de conflito tanto de Dahrendorf como de Rex, embora diferindo em termos da dimensão subjetiva-objetiva de nosso esquema analítico, enfatizam que deve ser devotado central atenção à estrutura de poder e autoridade em qualquer análise da sociedade contemporânea. Ambos desenvolvem em cima do conceito de classe como uma ferramenta de análise e reconhecem o conflito entre grupos de interesse como uma força motora da mudança social. Suas teorias radicalizam os esforços e tensões que, como ficou aparente a partir de nossa discussão no Capítulo 4, caracteriza a teoria funcionalista. Em particular, eles começam pela

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premissa de que a sociedade é caracterizada por interesses divergentes ao invés de ser uma unidade funcional como presumido no modelo orgânico. Eles adotam um modelo que ressalta que a sociedade é de natureza 'faccional' ao invés de ser orgânica, e como tal 'pode ser vista como desenvolvendo uma linha de investigação que emerge logicamente do conceito de 'disfunção' de Merton. Como sugerimos em nossa discussão sobre conflito no Capítulo 4, esta noção assenta as bases para uma verdadeira crítica radical da sociedade, uma vez que, como notado por Gouldner (1959), ela abre a porta para a 'autonomia funcional' e portanto para a 'contradição' como uma característica sistêmica básica. Dahrendorf e Rex se detêm um pouco antes de desenvolver as completas implicações desta possibilidade, que os conduziria para mais porto das várias formas de análise marxista e a maior e mais específica ênfase sobre a noção de 'contradição' e 'catástrofe'.

Muito interessantemente, o espírito desta crítica de Dahrendorf e de Rex foi captada por Lockwood, que aborda o trabalho deles de uma perspectiva ligeiramente diferente. Em seu artigo bem conhecido 'Social Integration and System Integration' ele toma por Dahrendorf e Rex a incumbência focar a Atenção na 'Integração social' ao invés de na 'Integração sistêmica'. Ligando esta Distinção básica com a teoria marxista, ele assevera que a propensão para o antagonismo de classe é uma reflexão do grau de 'integração social' e pode ser afetada pelos fatores superestruturais que influenciam o grau de 'identificação', 'comunicação', etc., visto que a dinâmica dos antagonismos de classe está fundamentalmente relacionada com a contradição no sistema econômico. Na teoria marxista a ênfase é explicitamente colocadas sobre estas 'contradições' ou problemas da 'integração de sistema' embora no trabalho dos teóricos de conflito seja colocada ênfase na análise e nos problemas de 'integração social'. Lockwood acredita que enquanto estas duas características são inter-relacionadas eles são ambos analiticamente separados e distinguíveis, e que neste ponto de tempo de combinações diferentes da 'integração social' e do 'integração de sistema' devem prevalecer. (Lockwood, 1964, p. 249-250). Em essência, Lockwood procura explicar as possibilidades da ordem social dentro de um sistema caracterizado pelas contradições fundamentais de sua estrutura básica. Desta e de outras formas sua posição é inteiramente similar àquela de Althusser.

A interface entre o trabalho de Marx e de Weber aparecem como um terreno intelectual chamando para um trato com maior atenção do que este tem recebido até agora. Parece possível, por exemplo, clarificar os pontos em questão entre os weberianos radicais e os teóricos do conflito e suas críticas aos marxistas pelo reconhecimento de que as tradições intelectuais sobre as quais eles projetaram a abordagem para o estudo das formações sociais contemporâneas de diferentes perspectivas, usando diferentes construtos analíticos e, como resultado, eles enfatizam no curso de suas análises a importância de diferentes elementos da totalidade que caracteriza uma formação social especifica. Examinemos estes pontos com algum detalhe. Os weberianos radicais, segundo Weber, abordam o estudo da sociedade contemporânea de uma perspectiva que se preocupa com a explicação do grau e natureza da 'integração social'. Os teóricos marxistas abordam o estudo de uma perspectiva que se preocupa em explicar porque o sistema social está em processo de mudança e em desintegração. Esta é a distinção que Lockwood (1964) tem feito entre o que diz respeito à 'integração social' como oposto a 'integração sistêmica', ou talvez mais apropriadamente, 'desintegração'. Estas diferentes perspectivas favorecem construtos analíticos diferentes. Portanto, os weberianos radicais favorecem o 'poder', enquanto que os teóricos marxistas favorecem a 'contradição'. Um foco sobre o poder permite ao weberiano radical explicar como a sociedade se integra através da coerção e da dominação de grupos de interesse específicos. Um focalizado na contradição permite ao teórico marxista explicar a mudança em termos da relação antagônica entre os elementos do sistema em disputa ao conseguir autonomia das forças dominantes que os domina conjuntamente. Como resultado, os weberianos radicais e os marxistas tendem a enfatizar a importância dos diferentes elementos da formação social. Os weberianos radicais dentro do paradigma estruturalista radical tendem a enfocar a 'superestrutura', onde o conflito de interesses entre os diferentes grupos de poder são mais

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evidentes. Portanto, muitas vezes há uma preocupação primária com o papel do Estado e do aparato político legal administrativo e ideológico através dos quais os grupos de interesse dominante asseguram sua posição dentro da sociedade. Os teóricos marxista focam seu interesse, primeiro e primordialmente, sobre as forças operantes dentro da 'infra-estrutura' ou base econômica da sociedade.33 Embora muitos teóricos marxistas tenham eles próprios se preocupado com a natureza da relação entre infra-estrutura e superestrutura e a relativa autonomia da última (Althusser e Balibar, 1970; Cutler et al, 1977), eles estão de acordo ao reconhecer uma análise da infra-estrutura econômica como central para uma compreensão das contradições que agem como geradores da mudança social e da desintegração.

Dito de uma forma pobre e de certo modo supersimplificada, algumas das distinções e similaridades entre as visões do weberianismo radical e de vários outros tipos de pensamento marxista tornam-se mais fáceis de ver. Para a maior parte de suas respectivas problemáticas tem sido inteiramente distintas. Os weberianos radicais tenderam seu enfoque para as relações entre a integração social e o poder como manifestado na superestrutura da formação social. Os teóricos marxistas, tenderam a enfocar nas relações entre a desintegração do sistema, a contradição e as relações infra-estrutura/ superestrutura.

A crescente atenção que recentemente tem sida devotada à natureza das relações entre infra-estrutura e superestrutura que poderia ser entre os outros elementos que distinguem o weberianismo radical e o pensamento marxista. As relações entre os conceitos de contradição e poder, e integração e desintegração do sistema, também parece valer muita atenção. Parece claro, por exemplo, que os conceitos de contradição e poder estão conectados com alguma forma da relação dialética pela qual a forma de um pressupõe a forma do outro. O poder, por exemplo, pode ser visto como manifestação das relações 'contraditórias' entre elementos dentro da formação social como um todo. Semelhantemente, como Lockwood argumentou, ha um equilíbrio e uma relação entre a 'integração social' e o estado da 'desintegração do sistema'. Os novos desenvolvimentos na teoria sociológica dentro do paradigma estruturalista radical, portanto, podem bem enfocar a complexa rede de relações e conceitos que caracterizam as teorias que buscam explorar a relação entre as contribuições de Marx e Weber.

Esta discussão talvez sirva para ilustrar as similaridades e distinções entre a perspectiva dos teóricos do conflito do weberianismo radical e os marxistas tais como Althusser e as respectivas posições deles dentro dos limites do paradigma estruturalista radical. Como ficou claro no quadro 3.3, a teoria do conflito, em sua tentativa de explorar a interface entre Marx e Weber (ainda que de maneira muito limitada), pode ser considerada como característica de uma sociologia da mudança radical localizada no limite do paradigma estruturalista radical.

A Unidade Subjacente do Paradigma.

As teorias dentro do paradigma estruturalista radical estão portanto baseadas relativamente em suposições objetivas no que diz respeito à natureza da ciência social, e é gerada para fornecer uma crítica radical à sociedade contemporânea. Eles enfocam então as forças em construção que elas vêem como criando pressões básicas e de profunda estabilidade para a mudança social. Com a possível exceção da teoria do conflito, eles apresentam teorias da mudança social na qual a revolução, muitas vezes sangrenta, representa uma parte central. O paradigma reflete uma sociologia da mudança radical na qual a visão idílica da revolução não-violenta através da consciência, tal como vista pelos humanistas radicais, é deixada para traz. Do ponto do vista do estruturalismo radical, a mudança na sociedade quase inevitavelmente envolve uma transformação das estruturas que, ainda que dada em circunstancias favoráveis, não quebra ou muda o próprio acordo delas. As estruturas são vistas como estando em transformação, primeiro e primordialmente, através das crises econômicas ou políticas, que geram conflitos de tal

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intensidade que o status quo é necessariamente quebrado e colocado à parte e substituído por formas sociais radicalmente diferentes.

Todas as escolas de pensamento dentro do paradigma se afirma, em vários graus, sob quatro noções centrais. Primeiro, há uma aceitação geral da noção de totalidade. Todas as teorias dentro do paradigma estruturalista radical, como aquelas do paradigma humanista radical, direcionam-se elas mesmas a fim de compreender as formações sociais totais. Segundo, ha a noção de estrutura. O foco, em contraste com aquele do paradigma humanista radical, é sobre as configurações das relações sociais que caracterizam diferentes totalidades e que existem independentemente da consciência que os homens tem delas. As estruturas são tratadas como facticidades compactas e concretas e que são relativamente persistentes e duradouras. A realidade social para o estruturalista radical não é necessariamente criada e recriada na interação cotidiana, como, por exemplo, muitos teóricos interpretativos reivindicam. A realidade existe independentemente de qualquer reafirmação que toma lugar na vida cotidiana.

A terceira noção é a de contradição. As estruturas, portanto, vistas como persistentes e relativamente duradouras, são também vistas como postas em ralações contraditórias e antagônicas uma com a outra. A noção de contradição, semelhantemente àquela de alienação dentro do paradigma humanista radical, tem tanto um aspecto simbólico como substantivo. É simbólico no sentido que é dado pelos estruturalistas radicais onde repousa a esperança e a crença de que as formações sociais contêm dentro delas a sementes de sua própria decadência. Em termos substantivos, a noção de contradição varia em definição e uso dentro do contexto dessa proteção simbólica total. Algumas das contradições fundamentais que foram reconhecidas são aquelas entre as relações de produção e os meios de produção; entre o valor de troca e o valor excedente; entre o crescimento da socialização da força de produção e o estreitamento da base de sua propriedade; entre capital e trabalho; entre a anarquia do crescimento do mercado e a centralização da produção. Diferentes teóricos tendem a selecionar e enfatizar diferentes contradições, e com variados graus de explicitação. Onde o materialismo histórico de Bukharin está preocupado, por exemplo, com a Noção de Contradição penetra seu trabalho na moda implícita, em termos de uma incompatibilidade entre qualquer tecnologia dada e a base da relação do homem com a natureza. Na sociologia de Althusser a noção de contradição é mais explicita, e também mais variada. Ele define muitas formas de contradição que em certas configurações agem como uma força motriz que está por traz da mudança social revolucionária. Dentro do contesto da teoria do conflito, o tratamento da contradição é mais implícito, mais superficial. A atenção, por exemplo, dada principalmente à análise do conflito de classe como a manifestação superficial de desequilíbrio estrutural mais profundamente fixado embutido na natureza da sociedade industrial contemporânea.

A quarta noção central das escolas de pensamento pertencente ao paradigma estruturalista radical é aquela da crise. Todas as teorias dentro do paradigma vêem a mudança como um processo que envolve o deslocamento estrutural de maneira extrema. O padrão típico é aquele no qual as contradições dentro de uma totalidade dada alcança um ponto pelo qual elas não podem estar contidas por muito tempo. A crise política resultante, econômicas, e outras, é vista como um ponto de transformação de uma totalidade para outra, na qual uma das estruturas é substituída por outra de tipo fundamentalmente diferente.

A unidade subjacente e a natureza distintiva do paradigma torna-se claramente evidente quando comparada com seu vizinho funcionalista. a despeito do partilhamento uma abordagem para o estudo da realidade social, que enfatiza como a sociedade é ontologicamente primordial para o homem e pode ser entendida através da epistemologia positivista, a orientação do estruturalismo radical se direciona fundamentalmente a diferentes fins. Como vimos, a ênfase do estruturalismo radical é sobre a contradição e a crise. Esses fatores não recebem nenhuma atenção dentro do paradigma funcionalista.; eles estão essencialmente fora desta perspectiva,

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visto que seu objetivo fundamental é levar em conta a persistência e sobrevivência de formas sociais existentes. O funcionalismo está interessado na mudança evolucionária em oposição a visão de mudança catastrófica. Mesmo as escolas mais orientadas do pensamento dentro do contexto do paradigma funcionalista são marcadamente de forma diferente, e conservam-se na orientação quando comparadas com seus vizinhos intermediários dentro do estruturalismo radical.

Notas e Referências.

1. No Grundrisse, Marx dá os 'arcabouços' ou fundamentos da crítica da economia política que ocuparia o restante da sua vida de trabalho. Estes arcabouços foram principalmente em forma de nota e, provavelmente nunca pretendida a publicação. Embora escrito nos fins dos anos 1850, eles não foram publicados até 1939, e só recentemente foram traduzidos do original alemão e publicado em inglês em primeira mão.

Os três volumes do Capital - a principal obra de Marx - elabora mais uma pequena parte do esquema posto adiante no Grundrisse. Marx morreu com uma grande porção do seu trabalho incompleta.

2. Ver, por exemplo, Godelier (1972). Ele sustenta que no Capital há duas Noções centrais de 'Contradição', e uma variedade de contextos nos quais eles são usados. Como ele coloca, a primeira de todas é a contradição entre trabalhadores e capitalistas. Depois há as 'crises' econômicas nas quais as contradições aparecem entre a produção e o consumo, entre as condições de produção do valor e valor excedente e as condições da sua realização e basicamente entre as formas de produção e as relações de produção. Finalmente ha contradições entre o capitalismo e a propriedade do artesão e do pequeno camponês, capitalismo e socialismo, etc. Esta simples lista revela diferenças da natureza e importância entre estas contradições, das quais são internas ao sistema, e outras existem entre o sistema e outros sistemas. Entretanto elas podem ser analisadas teoricamente. (Godelier, 1972, p 350).

Nesta 'analise teórica' Godelier coloca que Marx vê algumas contradições como 'especificas' do capitalismo, criadas por ele e reproduzidas dentro dele. Dentro de tal estrutura estas são contradições internas 'antagônicas' às estabilidades sociais e provavelmente, portanto, são centrais para a destruição violenta do modo capitalista de produção. Tal contradição antagônica é evidente nos sociólogos, etc. em uma luta de classe. Mais importante, contudo, diz Godelier, há uma contradição entre estruturas reconhecidas no Capital. É a contradição entre o crescimento da socialização das forças de produção (que é, seu impacto social ampliado) e a base limitada da propriedade. assim, a longo prazo, ha mais e mais produtores: pouco a pouco pertencentes à burguesia. Contudo, esta contradição não está originalmente presente no capitalismo; esta só acontece num certo estágio do desenvolvimento do modo produtivo capitalista quando seu elemento de liberação 'positiva' se esgotou e a industria de massa substitui a produção de pequena escala típica do capitalismo inicial.

3. O conceito de 'valor excedente' e de sua ligação com a estrutura econômica do capitalismo não é de modo algum algo fácil de ser apreendido e isto tem sido objeto de muito debate dentro da economia. Enquanto o valor excedente é claramente definido como o valor extra um capitalismo tem controle após ele ter pago salários aos trabalhadores - ou seja, o terreno sobre o qual as relações industriais e particularmente a barganha de salários é defendida - não está claro como o 'valor excedente' se relaciona com a tendência dentro do capitalismo para que 'a taxa de lucros caia'. Em outras palavras, há uma opacidade sobre o status dos conceitos e natureza das

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relações entre 'valor excedente', as 'contradições fundamentais' dentro do capitalismo e as 'crises econômicas' para as quais estas conduzem inevitavelmente. A política econômica marxista contemporânea está repleta de novas identificações das contradições fundamentais e discussões da evidência empírica ou falta dela, para a taxa de lucro que cai. Os argumentos estão no âmbito desta exposição, porem é importante que se reconheça que, para Marx, o 'valor excedente' e a 'exploração' que esta reflete repousa no centro das contradições que destrói o capitalismo. A reflexão empírica central destas contradições (entre as relações de produção e os meios de produção, entre o valor de troca e o valor excedente, entre capital e tempo de trabalho, etc.) é a tendência para a taxa de lucros cair. Quando isto acontece as contradições antagônicas profundamente enraizadas funcionam à superfície, a crise econômica cataclísmica final ocorre. O valor excedente, portanto, representa a conceituação econômica central a análise marxista que fornece a ligação entre as contradições estruturais profundamente fixadas e sua reflexão sobre os cataclismas econômicos para que a revolução se torne a única solução possível.

4. Para a visão que põe ênfase sobre a 'alienação' ao 'valor excedente' indica uma continuidade em Marx no estudo da 'dialética do trabalho', ver From Alienation to Surplus Value (Walton e Gamble, 1972).

5. McLellan descreve este movimento sucintamente como segue:

Perto do fim de sua vida Marx pôs mais próximo ao positivismo tão em moda nos círculos intelectuais. Esta tendência, começou com o Anti-Duhring e continuou com Engels em seu Ludwig Feurback and Dialetics of Nature, alcançou seu apogeu nos escritos soviéticos sobre materialismo histórico. Foi esta tendência que apresentou o marxismo como uma visão de mundo filosófica ou Weltanchauung consistindo de leis objetivas e particularmente de leis do movimento dialético de maneira que tomada no sentido metafísico como o constituinte básico da realidade. Esta era obviamente muito diferente da 'unidade da teoria e prática' como exemplificada, por exemplo, em as Thesis on Feuerback. Esta preferência pelo modelo das ciências naturais esteve sempre com Engels, embora com Marx, que tinha, por exemplo, uma atitude muito mais reservada em Relação ao Darwinismo (McLelan, 1976, p.423).

6. No Anti-Duhring, um ataque pessoal a um socialista Alemão (pelo qual incidentalmente, Engels recebeu aprovação de Marx para publicação) Engels pôs incidência para o movimento em direção ao 'socialismo científico' positivista. Ele pintou um quadro das idéias de Marx como representativas de uma totalidade do quadro compreensivo de referência que fornecia as leis de movimento para um processo casualmente determinado no qual o socialismo inevitavelmente substituiria o capitalismo. Alem disso tal visão substituiu a própria filosofia.

No lado circunspecto de Marx, Engels explicitamente comparou o trabalho de Darwin nas ciências naturais com o de Marx nas ciências sociais.

7. É importante enfatizar que o próprio Marx não usa os termos do 'materialismo histórico' ou do 'materialismo dialético', e que tem havido muito debate do que exatamente eles significam.

8. Ver, por exemplo, Colletti (1972) e Althusser (1971).

9. Para uma discussão da relação entre as visões política e sociológica, ver Giddens (1972 b).

10. Plekhanov coloca-se como pai fundador da teoria social russa contemporânea. Para uma seleção de seu trabalho, ver Plekhanov (1974) no qual, sua Posição dentro da Tradição engelsiana é descrita assim: Plekhanov foi um ardente defensor da dialética materialista que ele habilmente aplicou à vida social, considerando corretamente como uma realização do

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pensamento filosófico marxista. Ele viu neste o esplêndido e o novo, combinado com a descoberta magistral da concepção materialista da história, distinguindo o materialismo de Marx dos ensinos de materialismo antes dele. Plekhanov publica os vários aspectos da dialética materialista e brilhantemente expõe a teoria do desenvolvimento, a correlação entre a evolução e a revolução, saltos, etc. Nesta conexão ele mostra a oposição entre o método dialético de Marx e a de Hegel, ele considera o papel da filosofia idealista de Hegel como uma das origens da teoria do marxismo (Plekhanov, 1974, p. 49).

O trabalho de ambos Bukharin e Kropotkin discutido aqui deve tratar de Plekhanov.

11. Ver, por exemplo, Gouldner (1970), 'Funcionalism goes East', em Gouldner, The Coming Crisis of Western Sociology, op. cit., pp. 455-58.

12. Para um estudo detalhado da biografia de Bukharin, ver Cohen (1974).

13. Ver, por exemplo, van der Berghe (1979) e a Discussão do Capitulo 2 deste livro.

14. Ha diversas biografias muito boas de ler sobre Kropotkin e seu trabalho. Ver, por exemplo, Woodcock (1975), p. 121-206; Avrich (1967), p. 26 a 32; Bose (1967), p. 257-298.

15. Para um registro abrangente das Publicações de Kropotkin, ver Bose (1967) p. 261-262.

16. Perry Anderson em Considerations on Western Marxism tende a ver Althusser e Colletti com o mesmo brilho de Lukács, Gramsci, Marcuse, etc., como parte do 'marxismo ocidental'. No uso do termo do 'marxismo mediterrâneo contemporâneo' obviamente procuramos diferenciar este tipo de teorização de outras variedades do marxismo na Europa Ocidental, o 'marxismo mediterrâneo' é relativamente popular na Grambetanha.

17. Ver, por exemplo, Colletti (1974).

18. Ver, por exemplo, Anderson (1976) p. 46.

19. Para uma discussão posterior do background de Althusser e a abordagem concernente a Marx, ver Callinicos (1976).

20. Para uma discussão da 'ruptura epistemológica', ver Althusser (1969). Esta Noção é tomada de Bachelard.

21. Em adição a Althusser (1969), ver também Althusser e Balibar (1970).

22. Para uma comparação do estruturalismo de Althusser com o de Lévi-Strauss, ver Gluksmann (1974).

23. Para um glossário útil da terminologia de Althusser, ver Althusser (1969) p. 248-257.

24. A obscuridade está também presente em Althusser. O conceito de 'sobredeterminação' é tomado de forma modificada de Freud.

25. Para uma discussão posterior deste assunto, ver Althusser (1969) p. 88-116.

26. Para uma discussão, ver por exemplo, Shaw (1975).

27. Della Volpe (1897-1986) era um filósofo marxista que buscava fornecer uma interpretação mais positiva do marxismo do que aquelas de Lukács e Gramsci.

28. Ver, por exemplo, o ensaio 'Marxism as a Sociology' em Colletti (1972). 147

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29. Ver, por exemplo, Colletti (1974) p. 12.

30. Para uma discussão de algo comum de interesse entre Max Weber e Durkheim, ver Giddens (1971).

31. Em particular, Dahrendorf argumenta que a crise do capitalismo, baseado no crescimento da miserabilidade do proletariado, crescimento da proletarização entre proletariado e burguesia e o crescimento da homogeneidade dentro das duas classes foi provada ser empiricamente insustentável a cada momento (Dahrendorf, 1959, pp.36-71).

32. Esta é tomada de Dahrendorf (1959) pp. 237-240. As listas de trinta e nove suposições apresentadas por Dahrendorf reduzida aqui largamente àquelas que são puramente definicional.

É interessante observar que em sua conceituação Dahrendorf elabora a distinção de Merton entre as funções 'manifestas' e 'latentes', desenvolvendo as implicações radicais que estas sugerem.

33. O termo 'marxista' é usado aqui como uma simplificação para marxistas teóricos localizados dentro do paradigma estruturalista radical. O foco de interesse dos 'marxistas’ dentro do paradigma humanista radical e, sem duvida, muito diferente.