buraco negro voraz

101
A DIANTEIRA ECOLÓGICA DO ETANOL DE CANA W t- Z <{ Z U) 'U) <{ O ELO PERDIDO DE DARWIN COM O BRASIL

Upload: pesquisa-fapesp

Post on 21-Jul-2016

269 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Pesquisa FAPESP - Ed. 159

TRANSCRIPT

Page 1: Buraco negro voraz

A DIANTEIRAECOLÓGICA DOETANOL DE CANA

Wt-Z<{ZU)

'U)<{

O ELO PERDIDODE DARWINCOM O BRASIL

Page 2: Buraco negro voraz

Pesquisa 159 MAIO 2009 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

> POLíTICA CIENTíFICA 46 ZOOLOGIA 72 BIOTECNOLOGIAE TECNOLÓGICA Cruzamentos entre Biopolímero da

gatos-do-mato distintos carapaça do camarão30 ENERGIA são mais comuns pode ser usado em

Estudo atualiza do que se acreditava vacinas e cosméticosas vantagens do etanolno combate aos gases 50 GENÔMICA 74 PETRÓLEOdo efeito estufa Sequenciamento Petrobras e Unicamp

do DNA bovino abre estudam bactérias que34 DESENVOLVIMENTO caminho para degradam o óleo

FAPESP e Sabesp melhoramento das raçasinvestirão em novas 76 NOVOS MATERIAIStecnologias para 52 BIOLOGIA CELULAR Sisal é boamelhorar a qualidade Pequenas proteínas, matéria-prima parados serviços antes consideradas formulação dede saneamento resíduos, ajudam polfrneros e tem

a regular as células potencial para a> CAPA 35 COLABORAÇÃO produção de etanol

FAPs montam redes 54 PERSONALIDADE «

18 Nova estratégia de para pesquisar Crodowaldo Pavan, ;2o

análise de informações a dengue, desenvolver morto aos 89 anos, > HUMANIDADES erevela buraco biocosméticos e derrubou dogma <

"negro fora do centro aumentar a segurança da biologia 80 SOCIOLOGIA ~

o

da galáxia M 94 nas transfusões nos anos 1950 Brasil foi fundamental ªde sangue para Darwin criar suas ""«>

o,

ENTREVISTA 56 IMUNOLOGIA teorias, que retornaram j

12 O físico Sergio Rezende 36 DIFUSÃO Equipe sugere nova ao país, mais tarde, etoca o Ministério São Paulo ganha museu estratégia de moldaram nossa naçãoda Ciência e Tecnologia que divulga a ciência de desenvolvimento desem abdicar da vida forma lúdica e interativa vacinas contra o HIV 86 SAÚDE MENTALacadêmica. Recente Interpretação daartigo publicado na 38 ECOLOGIA 60 ARQUEOLOGIA anorexia como parterevista Physical Review B Plano valoriza Primeiras escavações da identidademostra sua versatilidade vegetação secundária na serra das Confusões amplia possibilidades

para ampliar área revelam um padrão de tratamentoo

de Mata Atlântica singular de 'j.

pinturas pré-históricas 90 ARTES PLÁSTICASg~

Tese polêmica sobrec;~

<::i > CIÊNCIA Mira Schendelganhao

~ > TECNOLOGIA edição luxuosa44 GENÉTICA

Troca de genes entre 68 ENGENHARIA

espécies diferentes BIOMÉDICAé fonte de debate de Sensor subcutâneoevolucionistas monitora pressão

interna do cérebro

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 4 CARTAS 9 CARTA DA EDITORA 10 MEMÓRIA 24 ESTRATÉGIAS 40 LAB~RA

62 SCIELO NOTíCIAS 64 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 9S LIVROS 96 FiCÇÃO 98 CLASSIFICADOs'~ Í'

Page 3: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 3

imagem do mês*

a existência de uma peculiar comunidade de bactérias que vive sob a geleira Taylor, nos Vales Secos de mcmurdo, na antártida, é a explicação para o efeito das Cachoeiras de Sangue (Blood Falls, em inglês), o escoamento de água tingida de vermelho que brota do glaciar e se derrama sobre a superfície de um lago. o grupo de pesquisadores liderado por Jill mikucki, da Universidade Harvard, descobriu os microrganismos, cuja dieta se limita a compostos de ferro e enxofre, ao estudar o fluxo da água tingida. as bactérias encontradas evoluíram em completo isolamento e sem oxigênio. Elas usam compostos de enxofre para ajudá-las a “respirar” ferro, num truque metabólico. o resultado é que a água é tão rica em ferro que, em contato com o ar, oxida instantaneamente.

BE

nJ

am

in U

rm

ST

on

Cachoeiras de

sangue

Page 4: Buraco negro voraz

[email protected]

Fordlândia Walnice Nogueira Galvão já devem estar acostumadas ao machis-mo que permeia tudo. Até quando vamos

Sou professor da Escola de Engenharia Parabéns pela entrevista de Walnice No- permitir que o machismo norteie nossode São Carlos da Universidade de São gueira Galvão (edição 158), que revela a pensamento?Paulo (EESC/USP), nasci em Fordlân- densidade e a importância do trabalhodia e morei em Belterra. Sendo assim, desta intelectual para entendermos a litera- SIMONE DE SOUZAnão poderia deixar de parabenizar tura brasileira e daí o Brasil. Pois ao divul- Niterói, RJCarlos Haag pela excelente repor- gar e estudar por mais de 20 anos Grandetagem "A história da Fordlândia na sertão: veredas, do maior escritor da línguaAmazônia" (edição 158). Apenas que- portuguesa, Guimarães Rosa, incentiva e Eletricidade Pro dizer que é verdade que houve uma impulsiona a necessidade de amarmos arebelião dos operários de Fordlândia nossa língua, tornando-a um dos pilares Muito interessante a reportagem de Pôdevido ao tipo de comida servida, de para compreendermos a tessitura da tra- Carlos Fioravanti "No ar, na água, por plexcelente qualidade, mas diferente do ma que forma o Brasil. toda a parte" (edição 158). Está aí mais Hcostume local. Apesar disso, os meus uma revelação sobre o extenso e obscu- expais e os demais operários da época ROSALVO DE OLIVEIRA JUNIOR ro universo elétrico que nos circunda, Nrelatam excelente relacionamento Brasília, DF mesmo explorado há muito por Volta glldeles com os dirigentes americanos e, posteriormente, por Hertz, Faraday, a]que lá estiveram. Quanto à moradia, Henry e outros homens de gênio. raexistiam três padrões: o da vila ame- Garotos e garotas rericana para os administradores, o da EDUARDO C. M. COSTA fuvila mensalista para os operários mais Ao ler a reportagem "Garotos cheios de FEls/D EE/U NESP esgraduados e o da vila operária para os fôlego" (edição 158) fiquei impressionada Ilha Solteira, SP inoperários de campo. Todas as casas com o machismo enraizado no título. A éleram de excelente qualidade, seme- reportagem cita duas estudantes que se p~lhantes àquelas da pintura na página destacaram no projeto, mas o título fala Apneia noturna pI16; a maioria possuía janela com tela em "garotos': Havia "garotos" no progra- asque impedia a entrada de mosquitos. ma, mas mesmo o texto tendo destacado Excelente a pesquisa apresentada na re- osEnvio algumas fotos de Fordlândia as participações de duas meninas, o mas- portagem "Noites maldormidas" (edi- ostiradas em 2004. culino substantivo "garotos" merecia tanto ção 158). Parabéns pelas reportagens. idl

destaque? Talvez Iuliana e Mayra não se ti,ANTONIO MOREIRA DOS SANTOS incomodem de serem classificadas debai- GISLENE F. BRlTO GAMA idEESC/USP xo do guarda-chuva masculino "Garotos EMBRAPA SEM/-ÁRIDO arSão Carlos, SP cheios de fôlego", especialmente porque Petrolina, PE fo

Imagens de Fordlândia, na Amazônia, em 2004 (esq. para dir.): caixa d'água, campo de futebol e oficina, grupo escolar, casa típica

4 • MAIO DE2009 • PESQUISA FAPESP 159

Page 5: Buraco negro voraz

achis-amosnosso

de

a re-(edi-ens.

-graduandos precisam muito mais do queuma bolsa de estudos para desenvolverseus mestrados ou doutorados dentro deum grupo de pesquisa. Elesprecisam saberpor que estão ali, o que vão fazer e o queserão daqui a alguns anos. Caso contrário,ao final da sua defesa de tese, se pergunta-rão: "E agora, sou cientista?':

Pesquisa FAPESP faça referência a sacolasoxibiodegradáveis em uso no Brasil e que,segundo está escrito, o professor Fechineas utilizou em seus testes, o artigo publi-cado na Polymer Engineering and Sciencenão tem qualquer relacionamento comesse uso. Em primeiro lugar, os testesconduzidos e publicados nessa revistacientífica fazem referência ao polímeropolipropileno (PP). Acontece que, em ge-ral, sacolas plásticas são produzidas como polímero polietileno (PE), e não compolipropileno. Além disso, está claro narevista Polymer que o professor Fechinee seu grupo desenvolveram o seu próprioaditivo (PPOx), usado em filmes plásti-cos produzidos com polipropileno paraproduzir as amostras testadas e foram oobjeto do estudo. Portanto, o estudo pu-blicado na Polymer não reflete o que foipublicado em Pesquisa FAPESP.Portanto,entendemos que a reportagem "Degrada-ção difícil" se refere ao plástico polipro-pileno com aditivo PPOx desenvolvidopelo professor Fechine e companheiros,segundo as condições que eles simularame não com as sacolas plásticas oxibiode-gradáveis que estão no mercado nacional,que utilizam em sua produção o aditivod2w da RES Brasil - Symphony.

Philip Hanawalt

Parabenizo a revista Pesquisa FAPESPpela entrevista com o geneticista PhilipHanawalt (edição 157), um pesquisadorextremamente competente e completo.Na sua idade, no final de um grande eglorioso percurso acadêmico, falar sobrea preocupação na formação de alunos éraro! Alguns trechos da entrevista querelatam a postura preocupada com afutura geração de pesquisadores a quemestá formando em seu laboratório: "Maisimportante do que os avanços científicosé estimular os pesquisadores iniciantes apensar, a ser criativos e a encontrar seuspróprios caminhos" (...), "Muitas vezesas pessoas têm a falsa impressão de queos professores têm as ideias e orientamos alunos. Certamente têm, mas muitasideias importantes vêm dos alunos cria-tivos" (...), "Outra coisa que me pareceidiota é que algumas pessoas se sentemameaçadas por seus ex-alunos, como sefossem competidores:' Na verdade, os pós-

DAIANE HANSEN

IF/UFGGoiânia,GO

Plástico biodegradável

Desde a publicação da reportagem "De-gradação difícil" (edição 152), em quegentilmente e de forma bastante pro-fissional tive a oportunidade de expres-sar minha opinião sobre a questão dosplásticos oxibiodegradáveis, alguns fatospassaram a chamar nossa atenção e gos-taria de fazer alguns comentários. Na re-vista Pesquisa FAPESP está escrito que "...Fechine ... realizou uma bateria de testescom um tipo de plástico oxibiodegradá-vel vendido no mercado nacional ..:' e, aofinal, "... um artigo com os resultados dosensaios já foi aceito para publicação pelarevista Polymer Engineering and Scien-ce...::Depois dedicamos especial atençãoao artigo para entender o estudo. Poisbem, vamos aos fatos. Embora a revista

EDUARDO VAN ROOST

RES BRASIL

Valinhos, SP

PESQUISA FAPESP 159 • MAIO DE 2009 • 5

Page 6: Buraco negro voraz

Zeev Maoz

A tese defendida por Zeev Maoz ("Arazão dos outros': edição 156) é que Is-rael nunca tomou a iniciativa de proporreuniões, conversações ou sinais de paze entendimento com os países vizinhos.Porém, olhando os documentos acessí-veis, parece-nos que Maoz passou por ci-ma deles. Debruçando-nos sobre dadosdo Ministério das Relações Exteriores deIsrael, constatamos que, de 1947 a 1955,foram feitas dezenas de propostas (to-das documentadas), e que nunca foramconsideradas ou respondidas pelos paí-ses árabes. Dois tratados de paz foramassinados, um com o Egito e outro coma Iordânia; o primeiro por iniciativa dopresidente do Egito, Anuar Sadat, e ou-tro negociado com o rei Hussein, da Ior-dânia. Foram negociações que tiveramsucesso porque, finalmente, esses líde-res perceberam que manter o estado debeligerância com Israel atentava contraseus interesses nacionais. Por conseguin-te, a paz se estabeleceu não por falta deiniciativas de Israel (dezenas), mas por-que Egito e Iordânia decidiram negociaruma conciliação. Quanto a Israel ser um"estado militarista", esta palavra, per se,tem uma conotação negativa. A históriamostra que a postura de Israel nunca sepautou pela agressão aos vizinhos, maspor uma defesa vigorosa a ataques sofri-dos. Armar-se para se defender foi umacondição necessária que Israel adotou,porém reconhecidamente insuficiente,para garantir a sobrevivência física desua população e manter sua integrida-de territorial. E isso não é militarismo,o Exército é constituído por seus cida-dãos, sendo considerado como sendo ainstituição nacional de maior prestígio.Israel pauta-se pela estratégia do "poderde dissuasão" para desestimular ataquese evitar guerras, porém nem sempre issotem sucesso. Quando a dissuasão falhaé que surgem as guerras. Notemos que,via de regra, a comunidade internacionalabandona os povos mais fracos à vonta-de do mais forte, isso acontece porque ospaíses são movidos por interesses e nãopor compaixão e raramente por justiça.Vamos apresentar alguns exemplos re-centes (século XX), escolhidos a esmo:

6 • MAIO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 159

a Itália invadiu a Abissínia em 1936 pa-ra torná-Ia colônia italiana. Na época,ninguém se opôs. Um pouco antes, oJapão invadira e ocupara a Manchúria,causando grandes sofrimentos à popula-ção chinesa. Também nesse evento a co-munidade internacional esteve ausente.Em 1938, a Alemanha ocupou a regiãodos Sudetos e depois da Tchecoslová-quia inteira, com o aval da Grã- Bretanhaque antes havia garantido a defesa dessepaís. Em 1939, Alemanha e União Sovié-tica ocuparam a Polônia, depois dissoFrança e Inglaterra declararam guerra àAlemanha, mas, como não tinham ne-nhum poder de dissuasão para reverter asituação, ficou por isso mesmo. A perse-guição aos judeus no império russo cza-

rista (os chamados pogroms) os obrigoua emigrar aos milhões (principalmentepara os EUA) e ninguém se interpôs emsua defesa. Mais tarde veio a "soluçãofinal" da Alemanha, que desembocouna aniquilação física de milhões de ju-deus e ciganos; só houve boa vontadee ações corajosas de algumas pessoas,atuando individualmente, para salvar al-guns milhares de judeus, porém a gran-de massa foi aniquilada. Entre 1940 e1967, os judeus dos países árabes foramsistematicamente expulsos de seus larese tiveram seus bens confiscados (www.justiceforjews.com). Na comunidadeinternacional ninguém se manifestouou se indignou, Israel recebeu e integroumais de meio milhão deles. Mais recen-temente assistimos a guerras tribais na

África, que dizimam milhões, porém a fcomunidade internacional pouco faz. tI

O Tibete está sob ocupação chinesa e a a

comunidade internacional é impoten- 3te para assegurar a sua independência. v

Portanto, a história ensina claramente sí

que quem não consegue se defender l'

acaba subjugado ou massacrado pelas dmãos do inimigo mais forte. Os judeus te

levaram cerca de 2 mil anos para chegar p;

à doutrina Ben-Gurion, e é exatamente p;

esta, que Maoz critica, que lhes permi- retiu sobreviver num meio hostil. A seguir A

apresentamos uma relação de acordos se

feitos com os países árabes ou propos- m

tas de paz apresentadas anteriormente hi

à proposta feita pela Arábia Saudita em d(

2002 e reiterada em 2008, citada por ne

ZeevMaoz: pi

1. Acordo árabe-judaico (Joint Arab- ac

Iewish agreement on Iewish Home- neland), também conhecido como acordo dE

Faiçal- Weizmann (www. users.cloud9. Es

net/ =recross/israel- watch/Texts/Faysal- 01

Weizmann.htm) que foi assinado em tOI

3 de janeiro de 1919, pelo Emir Faiçal fo

(filho de Hussein rei do Hejaz) e Chaim Al

Weizmann (que se tornou primeiro pre- to

sidente de Israel) como parte da Con- OJferência de Paz de Paris de 1919, para ur

dirimir disputas decorrentes da Primeira ta!

Grande Guerra. O acordo não chegou a co

ser implementado devido à nomeação, SH

por Lord Samuel (Alto Comissário para ho

o Mandato da Palestina), de Haj Amin rm

El-Husseini como grão-mufti de Ieru- vei

salém. Como ele se opunha de forma ch

categórica ao povoamento e à imigração pr;

judaica, sua intransigência em reconhe- se

cer qualquer direito aos judeus acabou 4.,

com toda tentativa de acerto pacífico das ass

diferenças entre árabes e judeus na Pa- sei

lestina. Haj Amin considerava que todas ter

as terras que estiveram sob domínio do sm

extinto Império Otomano, exceto a pró- err

pria Turquia, deveriam ser terras árabes; ve

2. Em 1937, a Comissão Peel- http:// r=www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/ pa:

History/peell.htrnl (formada pelo gover- As

no britânico, para solucionar o conflito pn

entre árabes e judeus) - recomendou a eu:

partilha da Palestina entre os dois povos. po

A Agência Judaica aceitou a proposta Cal

feita no relatório da comissão, porém ela nelfoi rejeitada novamente por Haj Amin, ta i

Page 7: Buraco negro voraz

réma[o faz.

r~~e~~rência.menteenderpelas

udeushegarmenteerrm-

1\rab-ome-cordooud9.aysal-loemaiçal

"haimopre-Con-paraeira

raçãoonhe-cabouodasa Pa-todasiodopró-abes;ttp://

I urce/gover-nflitodou a

pois ele insistia que toda a Palestina seriaterra árabe. Posteriormente, o plano foiabandonado pela própria Grã-Bretanha;3. Israel sempre tentou se aproximar dosvizinhos beligerantes para discutir pos-síveis acordos de paz: entre 4 de julho de1947 e 2 de novembro de 1955 houvedezenas de tentativas (todas devidamen-te documentadas) de aproximação (Lapaix dans le Moyen-Orient, les offres depaix dIsrael aux États Árabes. Ministe-re des affaires étrangeres, Israel, 1955).A resposta dos países árabes e da O LPsempre foi de negar qualquer entendi-mento com Israel, culminando com oshistóricos "três nãos" da Conferênciade Khartoum de 1967 (www.palesti-nefacts.orglpC1967to 199 Lkhartoum.php): 1) Não à paz com Israel; 2) Nãoao reconhecimento de Israel; 3) Não anegociações com Israel. Assim a posturade não aceitar o estabelecimento de umEstado judeu nos despojos do ImpérioOtomano tornou-se o paradigma paratodos os países árabes. Esta posição sófoi rompida pela histórica viagem deAnuar Sadat (então presidente do Egi-to) a Israel em 1977, que culminou como primeiro tratado de paz entre Israel eum país árabe. Porém alguns anos maistarde Sadat pagaria essa "transgressão"com a própria vida, quando foi assas-sinado durante um desfile militar. Atéhoje Sadat é considerado um traidor nomundo árabe; no cortejo fúnebre esti-veram presentes chefes de governo e/ouchefes de Estado de países ocidentais, epraticamente nenhum dos países árabesse fez representar;4. Sempre que surgiam condições paraassinar tratados de paz, Israel o fez comseus vizinhos Egito e Iordãnia. Tambémtentou fazer a paz com os palestinos as-sinando com a OLP os acordos de Osloem 1993. Posteriormente, em 2000 hou-ve outras duas séries de reuniões deses-peradas para assinar-se algum acordo depaz, em Camp David e Sharm El-Sheikh.As primeiras foram mediadas pelo entãopresidente Bill Clinton. YasserArafat re-cusou todas as propostas apresentadaspor Ehud Barak e por Clinton, não fezcontraofertas, negou-se a prosseguir asnegociações, e por fim deu partida à sex-ta intifada em 27 de setembro de 2000,

que mergulhou a região, por cinco anos,numa guerra sangrenta.Quanto às recentes propostas de pazfeitas pelo rei Abdala da Arábia Saudita(2002 e 2007), o atual presidente de Is-rael, Shimon Peres, elogiou a iniciativa(www.reuters.com/article/latestCrisis/idUSN12506375). Ele declarou que acei-tava de bom grado sentar com os diri-gentes sauditas para discuti-Ia, porémeles acabaram desconversando, pois issosignificaria sentar e negociar diretamen-te com dirigentes Israelenses, o que o reisaudita se nega a fazer. Assim, de fato, aproposta de paz da Arábia Saudita seriaum dictat, ou uma imposição de regras, enão uma proposta a ser trabalhada pelosdois lados para a convergência de umacordo definitivo.Por conseguinte, a negativa em nego-ciar nunca foi a postura de Israel, nãoencontramos nenhum contraexemplo.Assim, a tese de Zeev Maoz não encon-tra respaldo nos fatos e documentosdisponíveis.

IGNEZ CARACELLI

Unesp, campus BauruJAIME FRE)LICH

Instituto Gleb Wataghin/UnicampJÚLIO ZUKERMAN

UFSCar

SALOMON S.

MIZRAHI

UFSCar

Correção

A foto da re-portagem "Uni-dos contra o câncer"(edição 158) representa um romboedro,figura fruto de pesquisas relacionadasà tese de doutorado de Mareio Maginino Institutó de Física da Universidadede São Paulo, de São Carlos, orientadapelo professor José Eduardo MartinhoHornos.

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e·mail [email protected], pelo fax (11)3838-4181ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP,CEP05468-901. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

• Opiniões ou sugestõesEnvie cartas para a redaçãode Pesquisa FAPESPRua Pio XI, 1.500São Paulo, SP 05468-901pelo fax (11)3838-4181ou pelo e-mail:[email protected]

PesqeTecnüliaFAP'ESP

As reportagens dePesquisa FAPESP mostrama construção doconhecimento essencialao desenvolvimento do país.Acompanhe essa evolução.

• Para anunciarLigue para: (11)3838-4008

• Assinaturas, renovaçãoe mudança de endereçoEnvie um e-mail:[email protected] ligue: (11)3038-1434Mande um fax: (11)3038-1418

• Assinaturas depesquisadores e bolsistasEnvie e-mail [email protected] ligue (11)3838-4304

• Edições anterioresPreço atual de capa da revistaacrescido do valor de pastagem.Envie e-mail [email protected] ligue (11)3838-4304

• Site da revistaNo endereço eletrônicowww.revistapesquisa.fapesp.brvocê encontra todos os textosde Pesquisa FAPESP na íntegrae um arquivo com todas asedições da revista, incluindoos suplementos especiais.No site também estãodisponíveis as reportagensem inglês e espanhol.

PESQUISA FAPESP 159 • MAIO DE 2009 • 7

Page 8: Buraco negro voraz

Um antrop61ogo na fronteiraEmiliO Moran afirma que a salda para os problemas ambientaisdepende da interação entre as ciênciaS naturaiS e as sociaiS.

Veja trechoS da palestra em vldeo

o lugar de cada organISmO

no planetaRob DeSalle. do Museu de HlstOrlaNatural de NOvaYor\<, apresenta oscaminhos do genoma. Veja trechOSda palestra em vldeo

Ceusas e efeitos dasmudanças climáticasCarlOs Nobre diz que a capacidadeda homem de mudar o sistematerrestre nllO tem paralelo entre as

espécies

Procuram-se engenheIrOS

EnUdades de classe propõemduplicar número deprofissionais formados paraajudar o Brasil a crescer

P(11

pl"(11

"

GIIN

SE

GO

Page 9: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 9

Um convite ao exercício da imaginação

A reportagem de capa desta edição é uma daquelas que, a par de soltar os freios à mais excitante imaginação, reafirmam a

maturidade do conhecimento que hoje se pro-duz no país. Em poucas palavras: uma equipe de pesquisadores de São Paulo, liderados pelo astrofísico João Steiner, obteve provas ine-quívocas de que na galáxia M 94 encontra-se um voraz buraco negro que vinha sendo in-sistentemente buscado nas últimas décadas por grupos de pesquisa de vários países. Mais: o buraco negro, em geral denunciado pelo brilho intenso em suas bordas, resultado da energia inimaginável que ali concentra em sua atividade ininterrupta de sorver a matéria de estrelas e nuvens de gás e poeira a seu redor, não foi achado bem no centro da galáxia, on-de o procuravam, mas um pouco deslocado para a periferia da M 94, como relata com clareza exemplar o editor de ciência, Ricardo Zorzetto, a partir da página 18.

Steiner, respeitado professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmos-féricas da Universidade de São Paulo (USP), não subestima, é claro, o achado do buraco negro, que lhe exigiu três anos de trabalho insistente analisando imagens obtidas com o Gemini Norte, um dos maiores telescópios ópticos em terra. Mas ressalta com prazer es-pecial o método que o viabilizou e que, acre-dita, poderá ser usado em um sem-número de outras pesquisas e campos. Digamos então, para resumir, que esse método se vale de uma estratégia estatística que consegue estabelecer relação entre dados que aparentemente não se relacionavam e, ao mesmo tempo, descar-tar dados redundantes – algo, sem sombra de dúvida, de valor inestimável quando se lida com uma montanha de dados, como aquela que o Gemini gerou para a pesquisa do grupo brasileiro. Vale a pena conferir.

Um outro texto desta edição privilegia o conhecimento resultante da capacidade de um pesquisador pôr à luz uma relação até então encoberta entre duas esferas distintas. Refiro-me à brilhante reportagem de abertura da seção de humanidades, da lavra do editor Carlos Haag, na qual ele aborda, a partir da página 80, estudos recentes que revelam como a escravidão no Brasil impactou Charles Dar-

Mariluce Moura - Diretora de Redação

institUto verificador de circUlação

CElso lafErPresidente

josé arana varElavice-Presidente

ConSElho SUPErIor

CElso lafEr, EDuarDo moaCyr KriEgEr, HoráCio lafEr Piva, HErman jaCobus CornElis voorwalD, josé arana varEla, josé DE souza martins, josé taDEu jorgE, luiz gonzaga bElluzzo, sEDi Hirano, suEly vilEla samPaio, vaHan agoPyan, yosHiaKi naKano

ConSElho TéCnICo-AdmInISTrATIvo

riCarDo rEnzo brEntanidiretor Presidente

Carlos HEnriQuE DE brito Cruzdiretor científico

joaQuim j. DE Camargo EnglErdiretor administrativo

ConSElho EdITorIAlluiz HEnriQuE loPEs Dos santos (coordenador científico), Carlos HEnriQuE DE brito Cruz, franCisCo antonio bEzErra CoutinHo, joaQuim j. DE Camargo EnglEr, mário josé abDalla saaD, Paula montEro, riCarDo rEnzo brEntani, wagnEr Do amaral, waltEr Colli

dIrETorA dE rEdAçãomariluCE moura

editor chefenElDson marColin

EdITorES ExECUTIvoSCarlos Haag (humanidades), fabríCio marQuEs (PoLítica), marCos DE olivEira (tecnoLogia), riCarDo zorzEtto (ciência)

EdITorES ESPECIAISCarlos fioravanti, marCos PivEtta (ediçÃo on-Line) EdITorAS ASSISTEnTESDinoraH ErEno, maria guimarãEs

rEvISãomárCio guimarãEs DE araújo, margô nEgro

EdITorA dE ArTEmayumi oKuyama

ArTEmaria CECilia fElli júlia CHErEm roDriguEs

FoTógrAFoSEDuarDo CEsar, miguEl boyayan

SECrETArIA dA rEdAçãoanDrEssa matias teL: (11) 3838-4201

ColAborAdorESana lima, anDré sErraDas (Banco de dados), azEitE DElEos, DaniEllE maCiEl, fErnanDo Paixão, gEison munHoz, gonçalo junior, laurabEatriz, marCos garuti E yuri vasConCElos.

oS ArTIgoS ASSInAdoS não rEFlETEm nECESSArIAmEnTE A oPInIão dA FAPESP

é ProIbIdA A rEProdUção ToTAl oU PArCIAl dE TExToS E FoToS SEm PrévIA AUTorIzAção

Para anUnciar(11) 3838-4008

Para [email protected](11) 3038-1434fax: (11) 3038-1418

Gerência de oPeraçÕesPaula iliaDis tel: (11) 3838-4008e-mail: [email protected]

Gerência de circUlação rutE rollo araujo tel. (11) 3838-4304 e-mail: [email protected]

imPressãoPlural EDitora E gráfiCa

tiragEm: 36.300 ExEmPlarEs

distribUiçãoDinaP

Gestão administrativainstitUto UniemP

faPesPrUa Pio xi, nº 1.500, ceP 05468-901alto da laPa – são PaUlo – sP

Governo do estado de são PaUlo

secretaria do ensino sUPerior

issn 1519-8774

fUndação de amParo à PesqUisa do estado de são PaUlo

win e influenciou aspectos fundamentais da teoria da evolução. De quebra, a reportagem se embrenha por facetas muito particulares da evolução do darwinismo no Brasil, que lhe conferem um caráter, no mínimo, muito contraditório, capaz de inscrever entre os cul-tores do cientista inglês no país, das últimas décadas do século XIX às primeiras do século XX, notórios conservadores, enquanto deixa-va na sombra os verdadeiros pesquisadores darwinistas.

Destaco também reportagem do editor de política, Fabrício Marques, a partir da página 30, que detalha um importante estudo da Em-brapa sobre as vantagens do etanol de cana--de-açúcar no combate aos gases causadores do efeito estufa. Um balanço atualizado da quantidade de energia fóssil necessária para produzir o álcool combustível, que leva em conta inclusive variáveis até então ignora-das, contabiliza a larga vantagem do produto em termos ecológicos. O texto de Fabrício, entretanto, abre espaço para a ponderação de especialistas que observam que a cultu-ra da cana ainda tem um déficit com o meio ambiente, na medida em que não conseguiu até aqui resgatar um pouco das funções dos ecossistemas que substituiu.

Em tecnologia, merece atenção especial a reportagem da editora assistente Dinorah Ereno, a partir da página 68, sobre um sensor subcutâneo bem pouco invasivo, capaz de mo-nitorar com eficiência a pressão intracraniana, o que se faz necessário em caso de acidentes e algumas doenças. Uma curiosidade a respeito desse pequeno aparelho é que ele foi desenvol-vido pelo físico Sérgio Mascarenhas, movido por um desafio de início bem pessoal.

Poderia fazer vários outros destaques, dado que esta edição de Pesquisa FAPESP parece-me particularmente rica. Há muitos temas instigantes, o que depende sempre de um conjunto de fatores e não da mera vontade dos editores, textos especialmente atraentes e um tratamento gráfico feliz, finamente condu-zido pela editora de arte, Mayumi Okuyama, e que se anuncia logo na capa. Entretanto, deixo a cada leitor um espaço para a liberda-de de fazer escolhas e encontrar seu percurso singular pela revista. Boa leitura!

carta da editora

Page 10: Buraco negro voraz

10 n Maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

memória

( )

E m apenas 17 anos, a Inglaterra viu nascer três das mais importantes obras de sua cultura pelo significado que tiveram para a religião, a literatura e a medicina: a tradução autorizada da Bíblia pelo rei James I (1611),

a edição das peças de William Shakespeare (1623) e o tratado médico Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinis in animalibus (1628). Este último livro, escrito por William Harvey (1578-1657), é tido como o modelo fundador e o protótipo do método científico da pesquisa médica atual. Conhecido como De motu cordis, o tratado foi lançado em março pela editora Unifesp com o nome de Estudo anatômico do movimento do coração e do sangue nos animais, em edição trilíngue (latim, francês e português).

O estudo de Harvey foi publicado em Frankfurt, na Alemanha, por precaução. Na época ainda imperavam os ensinamentos do médico grego Galeno de Pérgamo (132-200 d.C.), estudioso e praticante da medicina hipocrática na Roma imperial. Galeno descreveu corretamente a anatomia do coração e percebeu que ele funcionava como uma bomba, porém acreditava que o sangue era fabricado no fígado, de onde era distribuído aos outros órgãos e aos diversos tecidos. Também achava que havia um “espírito vital”, criado no coração, que percorria as artérias e as veias junto com o sangue. fo

to

s r

Ep

ro

Du

çã

o E

Dit

or

a u

nif

Es

p

Neldson Marcolin

Livro de 1628 que explicou a circulação sanguínea é publicado em edição trilíngue

Os segredos do coração

Page 11: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n Maio DE 2009 n 11

Ilustração do livro (à dir.),

edição brasileira (acima) e

fac-símile da primeira

publicação (página ao lado)

Essas impressões de Galeno perduraram por 14 séculos, até o início do século XVII. Nesse período foram ligeiramente modificadas por outros médicos, como os italianos Realdo Colombo (1516-1559) e Andrea Cesalpino (1519-1603), sendo definitivamente contestadas no De motu cordis. No primeiro capítulo Harvey refere-se à oposição que esperava receber de anatomistas que se empenhavam “em demolir a nova doutrina, em caluniá-la”. Ele sabia que poderia ser perigoso contrariar as centenárias doutrinas de Galeno, daí a escolha de Frankfurt para publicar seu tratado.

Por ser médico da corte do rei Carlos I, da Inglaterra, pertencer ao Colégio Real dos Médicos de Londres e ter uma reputação sólida, aos poucos Harvey convenceu seus colegas ingleses da veracidade de suas descobertas, embora elas só tenham sido aceitas nos demais países da Europa no final do século XIX.

De motu cordis tem 72 páginas e 17 capítulos em que Harvey desvenda os segredos da circulação do sangue nos animais e no homem e derruba de forma definitiva – com cuidado e elegância – os conceitos errados de seus predecessores. Ele descreveu a circulação do sangue a partir da observação minuciosa da anatomia e do funcionamento do coração e do sistema circulatório de um enorme número

de animais de todas as espécies que pôde dissecar, da estrela-do-mar ao homem. E, sempre que possível, com o espécime vivo para melhor investigação. Nem seu papagaio, quando morreu, escapou.

“O modo como Harvey descreveu suas pesquisas é exemplar, em tudo semelhante à construção de uma tese universitária dos dias de hoje”, diz o tradutor Pedro Carlos Piantino Lemos, professor de cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e cirurgião do Instituto do Coração (InCor). “Primeiro, ele apresenta as opiniões dos filósofos e médicos gregos e latinos referentes aos aspectos anatômicos e fisiológicos do coração e dos vasos sanguíneos,

as compara com suas próprias observações e as contesta.” Depois analisa suas próprias observações por meio de evidências factuais e demonstrações lógicas. Por fim conclui que o sangue, impulsionado pelo coração, percorre as artérias e as veias do corpo dos animais e do homem realizando um movimento contínuo e circular, ou seja, expõe definitivamente os segredos do coração.

Além de professor e cirurgião, Piantino Lemos é pesquisador e tradutor de textos históricos da medicina. O De motu cordis não é seu único interesse. Já trabalhou com De humani corporis fabrica, de Andrea Vesalius (Ateliê Editorial, Unicamp e Imprensa do Estado, 2003) e o De re anatomica, de Colombo.

Page 12: Buraco negro voraz

12 n MAIO DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

entrevista

Sergio Rezende

Política com ciência

O ministro Sergio Machado Re­zende, 68 anos, à frente do Mi­nistério da Ciência e Tecnologia desde meados de 2005, assegura que é possível combinar as pe­sadas exigências do cargo, em Brasília, com os voos da imagi­

nação aos quais lhe convoca seu gosto por formular hipóteses consistentes para a construção de teorias em física. Mergu­lhado na execução e gestão do Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional ou nos rearranjos orçamentários determinados por um corte em torno de R$1,3 bilhão no orçamento originalmente previsto para sua pasta em 2009, por imposição da crise econômica internacional, ele não deixou, nos últimos meses, de passar nos fins de semana por sua pequena sala na Univer­sidade Federal de Pernambuco (UFPE) – e lá trabalhar um pouco, prazerosamente. A propósito, ele é professor titular no De­partamento de Física da UFPE.

A possibilidade de combinação entre o trabalho político­administrativo e a atividade científica está longe de ser mera força de expressão do ministro, a julgar pelos artigos de sua autoria postos em circulação recentemente por respeita­dos periódicos especializados. Com uma biografia que contabiliza um total de 214 artigos científicos publicados, 2.099 cita­ções e índice H 24, números que o situam numa posição de destaque entre os mais reconhecidos físicos brasileiros, além de indicar sua influência na produção do conhecimento internacional em física dos materiais, Sergio Rezende teve um novo paper publicado em fevereiro deste ano pela Physical Review B. Em julho de 2008 figurou como um dos três auto­res de outro artigo que saiu na mesma

n A sua família era de engenheiros? — Não, meu pai era advogado e sempre quis que eu fosse médico. Somos três irmãos, os três foram fazer engenharia, uma irmã foi fazer matemática e a outra se tornou professora primária, de modo que em nossa casa não houve influência nem da profissão de meu pai, nem do que ele queria que fizéssemos.

n E como a engenharia tocou vocês – aliás, no Rio ou em Pernambuco? — No Rio. Nasci e fui criado no Rio de Janeiro. Eu era um aluno mediano no ginásio, estudava o suficiente para passar. Mas no primeiro ano do curso científico [uma das modalidades do ensino médio na época] tive um bom professor de física e, de repente, passei a gostar de estudar. A física envolvia raciocínio lógico e, com equações, permitia construir soluções para determinados problemas – foi isso que me tocou. A partir daí passei a ser bom aluno em física, em matemática e no geral. No vestibular, fui muito bem, tanto na Faculdade Nacional de Enge­nharia quanto na PUC. Escolhi a PUC porque lá existia um curso de engenharia eletrônica (a Nacional só tinha engenha­ria eletrotécnica). E daí até o quinto ano fui o primeiro aluno da turma, tanto em engenharia eletrônica quanto em mecâ­nica e civil – havia algumas matérias em comum entre as engenharias.

n Terminada a graduação, o senhor foi direto para o mestrado? — Sim. Quando estava me preparando para sair do país, foi anunciada a criação do curso na Coppe [Coordenação dos Programas de Pós­graduação em En­genharia]. Mas a essa altura eu já fora aceito no MIT [Massachusetts Institute

Um físico internacionalmente respeitado comanda o Ministério da Ciência e Tecnologia, sem abrir mão de sua produção teórica | Mariluce Moura

publicação e logo deve figurar também como coautor num artigo já aceito pelo Journal of Applied Physics. Vale registrar que, no artigo de fevereiro, ele se aventu­rou pela construção de uma teoria para explicar uma nova experiência que um grupo de pesquisa alemão fizera para ob­ter o condensado de Bose­Einstein. Em termos um tanto toscos, esse condensa­do, que alguns admitem chamar quinto estado da matéria, é uma situação em que, submetidas a temperaturas baixís­simas, inferiores a ­273ºC, as partículas elementares atingem o menor nível de energia possível e passam a ter um com­portamento unificado.

Nesta entrevista propusemos, sendo Pesquisa FAPESP uma publicação mar­cada pelas personagens do campo cien­tífico, que Sergio Rezende falasse de sua trajetória acadêmica, antes de se deter no trabalho de ministro. E o resultado foi que esse tranquilo e gentil carioca, com ca­madas pernambucanas em sua expressão, terminou se mostrando como alguém que conhece muito bem o campo da ciência e da tecnologia, no qual joga com desen­voltura em três posições: a de cientista, a de administrador e a de político.

n Gostaria de começar por sua contribui-ção para o conhecimento na física, aqui no país, desde 1967. Indo ao início do per-curso: como, depois de cursar engenharia, o senhor chegou à física, teórica e experi-mental, e ao interesse por magnetismo? — Fiz a graduação em engenharia ele­trônica e, no curso, fui despertado para a questão de ondas eletromagnéticas. Fiquei fascinado pelo efeito dinâmico das ondas Quando fui ao exterior para o mestrado e o doutorado, eu queria fazer uma tese em engenharia e voltada para ondas.

Page 13: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n MAIO DE 2009 n 13

fOt

Os

rg

IO A

MA

rA

l

of Technology] e mantive o projeto. Ti­nha conseguido uma bolsa da Fulbright, um desafio enorme... O meu boletim fa­cilitou para chegar ao MIT, porque dizia que eu era o melhor aluno dos 120 da faculdade. Além disso, um professor meu que tinha feito o doutorado lá me deu uma boa carta de recomendação. E de fato foi por ter sido aceito no MIT que ganhei a bolsa da Fulbright, que dava uma por ano para as áreas de engenharia e de economia no Brasil.

n Quanto tempo o senhor ficou por lá? — Fiz o mestrado e, quando os dez meses de prazo da bolsa estavam terminando, quis ficar para o doutorado. Eu faria 25 anos em outubro. O mestrado foi em engenharia eletrônica, mas eu tive que cursar algumas matérias na graduação da física, algumas para crédito e outras como ouvinte, porque eu queria aumen­tar minha base na disciplina. Arrumei um orientador para meu doutorado já na área de ondas em ferrites, um material magnético muito utilizado para micro­­ondas. Havia a engenharia e também a física aplicada aos ferrites e metade das minhas matérias foi na física e metade na engenharia. Não tenho diploma algum em física, só em engenharia. Quando voltei ao Brasil, no final de 1967, fui pa­ra o departamento de física da PUC do Rio de Janeiro, um departamento novo e promissor em várias áreas.

n O senhor trazia do MIT algo novo para agregar ao departamento. — Fui convidado para a física porque estava na fronteira entre a engenharia de materiais e a física, e não tinha essa área em nenhum departamento de engenha­ria no Brasil. Aí, aconteceu o seguinte:

Page 14: Buraco negro voraz

14 n MAIO DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

que me envolvi, tive dois trabalhos acei­tos e já fui convidado a uma conferência internacional para falar sobre isso.

n Qual a sua proposta teórica para a ex-periência? — Eu não vou conseguir explicar aqui, mas tenho uma teoria detalhada que mostra que tem realmente condensação de Bose­Einstein no experimento e, além disso, consigo botar uma curva teórica em cima dos pontos experimentais de três outros trabalhos deles. O grupo é for­mado por pesquisadores da Universidade de Münster, a principal nesse estudo, e da Universidade de Kaiserslautern. Mas há vários outros trabalhando nisso e, ainda no ano passado, saiu um estudo teórico no Canadá sobre trabalhos diversos que demonstram ter feito a condensação de Bose­Eistein. A minha teoria passou por um crivo pesado na Physical Review. Saiu um primeiro artigo em fevereiro e deve sair um segundo dentro de dois meses.

n Como um cientista entusiasmado con-segue se dedicar às atividades político-ad-ministrativas da ciência e da tecnologia? Isso começou nos anos 1980? — Na verdade, antes, desde que eu fui para a PUC. Em dois ou três anos já não estava satisfeito com as condições ali. Bem, eu tinha sido colega de José Rip­per Filho e de Nelson de Jesus Parada no MIT. Nesse tempo conheci Sérgio Porto e Rogério Cezar de Cerqueira Leite, que eram do Bell Labs. Toda essa turma es­tava indo construir a física da Unicamp e queria que eu fosse. Só que tive dois alunos pernambucanos no mestrado, que tinham saído do estado junto com outros três amigos que foram para a USP. A in­tenção de todos era voltar para Recife e criar um grupo de pesquisa em física – is­so em 1969, 1970. Eles conheceram Sérgio Mascarenhas, que era membro do conse­lho deliberativo do CNPq, e ele lhes deu o maior apoio para essa ideia, disse que o CNPq apoiaria financeiramente, desde que arranjassem um jovem doutor para ir junto. Aí eles vieram falar e eu achei a ideia muito louca. Mas depois de pensar um tempo, e com um forte estímulo de Mascarenhas, terminei aceitando.

n Sérgio Mascarenhas era um completo visionário! — Ele me disse que eu era um líder na­to, insistiu... mobilizou o CNPq para dar apoio... terminei dizendo vou, fico três anos, depois volto para a PUC ou a Unicamp. Mas no meio do caminho ainda passei na Unicamp, mudei para

Campinas em julho de 1971 com a famí­lia – já tinha três filhas –, convivi com o reitor Zeferino Vaz, com todo o pessoal da física, montei casa e desmontei tudo seis meses depois. Fui para Recife. Tive de organizar um grupo, pois os jovens mestrandos já eram mestres e precisavam fazer doutorado. Passei a procurar outros doutores para orientarmos aqueles jo­vens doutorandos. Mascarenhas já havia contatado algumas pessoas que, segundo ele, poderiam ajudar, e, com a verba do CNPq, bastante flexível, fui aos Estados Unidos, percorri vários lugares, fiz a mesma coisa na Europa e só consegui levar um recém­ doutor brasileiro. Então tive que arranjar ideias para cinco teses de doutorado. Mas o grupo era muito bom e eles faziam o que eu propunha. Depois inauguramos um departamento, começamos a ir atrás de recursos para montar laboratórios, foi aí que me apro­ximei do BNDES, da Finep, comecei a ter contato com financiadores... E aí o departamento virou um departamento de verdade, com prédio novo no final dos anos 70, grande apoio da Finep, dinheiro do BID. Em torno do departamento de física formou­se um centro de ciências exatas, com a matemática, que já existia, e foram criados os departamentos de in­formática e química. Isso resume como comecei a me envolver na gestão interna da universidade e fiquei por 15 anos.

n O senhor continua na UFPE. — Estou lá quase toda semana, ainda tenho um aluno de doutorado que feliz ou infelizmente está terminando a tese, porque vou ficar sem nenhum. De todo modo, escrevo artigos científicos com o nome do departamento de física e tenho um lugar para estar em janeiro de 2011: meu gabinete, uma sala de 2,5 por 3,5 metros, pequenininha, com tudo amon­toado, mas que é o lugar para onde vou nos finais de semana quando estou lá. Aquele é o meu lugar.

n Mas para além da universidade, quando começou seu envolvimento com a política do estado de Pernambuco? — Nesse processo do departamento de física, me envolvi com a política univer­sitária. Fui membro do Conselho Univer­sitário várias vezes, fui fundador da As­sociação dos Docentes no final dos anos 1970, ainda no regime militar, o que era perigoso, aí participei do movimento da anistia e em 1985 entrei na campanha de Miguel Arraes para governador. Não ti­nha filiação partidária, apenas uma visão de esquerda, desde que era professor na

os laboratórios de física eram limitados, tinha um acelerador Van de Graaff na física nuclear, um espectrômetro tipo “caixa preta” na área de estado sólido, e durante dois anos eu não tinha nenhum equipamento para trabalhar. Então co­mecei a trabalhar com Nicim Zagury em teoria para explicar problemas que tinham ficado inexplicados para mim. A minha tese teve uma parte teórica e outra experimental...

n Como resumir os achados de sua tese de doutorado? — Trabalhei na tese, e trabalho até agora, com fenômenos dinâmicos e materiais magnéticos. Eles têm, atomicamente, momentos magnéticos chamados spins, que têm uma dinâmica. Em alguns mate­riais essa dinâmica ocorre na frequência de micro­ondas, por isso juntei as micro­­ondas com os ferrites. Tive um orien­tador que era teórico, ele tinha ideias e colocava o estudante para “quebrar a cara” e fazer, porque ele mesmo não tinha esse lado experimental, e alguns colegas meus sofreram muito por não conseguirem fazer o que ele tinha pro­posto. Eu consegui, porque o que ele me propôs era viável. Novamente tive sorte, mas ao mesmo tempo trabalho e uma certa facilidade nessa área.

n E o que ele lhe propusera teoricamente? — Propôs o seguinte: você joga uma onda de spin no material, os ferrites, e, enquanto ela está se propagando lá dentro, você joga um pulso de campo magnético que muda a frequência dela. Ou seja, eu consegui fazer uma conversão de frequência da onda enquanto ela es­tava se propagando. Então fiz uma parte da teo ria, estendendo a teoria que ele já tinha feito. Mas, como disse, quando che­guei na PUC tinha muitas dúvidas sobre a física quântica que eu tinha feito, que é uma física baseada em equações clássicas. Com o professor Zagury aprendi coisas mais sofisticadas e desenvolvi esse gosto por fazer experiências e ter a explicação teórica para a experiência. Assim conduzi toda minha vida científica. São raros os meus trabalhos de teoria que não têm uma experiência correspondente. De vez em quando faço teorias para expli­car uma experiência que alguém fez. No meio do ano passado me chamaram a atenção para um artigo publicado, ain­da na área de spin, mas envolvendo a condensação de Bose­Einstein. Era uma ex periência de um grupo na Alemanha com ondas de spin excitadas com micro­­ondas e não havia teoria para isso. Foi aí

Page 15: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n MAIO DE 2009 n 15

PUC ali por 1968, a ideia de que as coisas não podiam continuar como estavam etc. Quando nosso departamento já tinha uma projeção em Recife, Tania Bacelar, economista conhecida, que era uma das coordenadoras do programa de Arraes, me convidou para formar um grupo que deveria apresentar propostas de ciência e tecnologia para o governo dele em 1986. E quando Arraes foi eleito quiseram me levar para o governo, como diretor do Centro de Tecnologia. Mas eu não quis sair da universidade, porque tanto o de­partamento quanto o Centro de Ciências Exatas ainda estavam num processo de construção. Quando veio a Constituinte estadual, em 1989, me envolvi para con­vencer os constituintes e o governador a botarem na Constituição a criação da Facepe, a Fundação de Amparo à Ciência e a Tecnologia do Estado de Pernambuco e tive um breve contato com Arraes. Eu pedi audiência e, como descobri anos depois, o chefe de gabinete era o neto dele, Eduar do Campos, um jovem de 20 e poucos anos, muito inteligente e ativo. O governador deu apoio, a fundação foi criada, e aí em 1990 terminei sendo esco­lhido para diretor científico. Foi quando coloquei um pé fora da universidade: fi­cava na Facepe pela manhã e à tarde ia para a UFPE.

n Vocês conseguiram incluir na nova Cons-tituição o artigo referente à destinação de 1% das receitas tributárias do estado para financiar a pesquisa via Facepe, em moldes semelhantes à FAPESP? — Conseguimos, e no primeiro mês o governador Carlos Wilson – porque Arraes renunciara para ser candidato a deputado – soltou o equivalente a US$ 1 milhão. Era muito dinheiro na época. O percentual foi seguido durante três me­ses, porque fizemos um programa com bolsas e auxílios com muita inovação, como a bolsa integração, destinada ao aluno do interior que ia estudar na ca­pital e retornava depois.

n Mas por que o preceito constitucional foi observado só por três meses? — Em três meses liberou­se o equiva­lente a US$ 3 milhões e aí entalou... em Pernambuco isso era muito dinheiro e o governador viu que o dinheiro estava na conta e não era usado. Aí o governo seguinte realmente botou a Facepe lá em baixo. Voltei a ter tempo integral na uni­versidade. Arraes foi eleito novamente em 1995 e me convidou para ser secretário de Ciência e Tecnologia tendo eu tido só três contatos na vida com ele. O segun­

do foi no lançamento dos programas da Facepe, quando fiz uma exposição sobre eles. Arraes estava na plateia e logo depois da exposição falei do exemplo que a clas­se política de Pernambuco tinha dado, criando a primeira fundação de pesquisa do Nordeste e disse que queria que eles entendessem que o funcionamento da Facepe seria diferente, que as bolsas iam ser julgadas por mérito, e que era impor­tante que não mandassem bilhetinhos pedindo bolsa. Ao terminar a reunião, Arraes me cumprimentou e disse: “Mui­to bem, pode deixar que eu nunca vou lhe pedir uma bolsa”. Tomei um susto... Dois anos depois, eu estava na fila do aeroporto para viajar de Brasília a Recife, o vi e me aproximei para me apresentar. Ele me disse: “Já o conheço, e eu não lhe disse que nunca ia lhe pedir uma bolsa? Nunca pedi”. O contato seguinte foi ele me convidando para ser secretário. E eu passei a ter uma enorme admiração por essa pessoa pouco conhecida no Brasil, mas que tinha uma visão da questão de ciência e da tecnologia que poucos têm. Foi aí que me envolvi mais com a política. Um ano depois entrei para o PSB por causa de Miguel Arraes. Fizemos mui­tas inovações, belos programas, inclusive programa de difusão tecnológica para a

população. Isso foi de 1995 a 1998. Can­didato à reeleição, Arraes perdeu feio e o governo seguinte desfez tudo que tínha­mos feito. A Facepe afundou novamente. Havíamos criado um parque tecnológico de eletroeletrônica, o Parqtel, que foi co­locado de lado e criou­se o Porto Digi­tal. Foi importante, mas não precisavam acabar com o Parqtel. Vários programas que fizemos foram completamente des­montados. E aí, quando Lula foi eleito, eu já tinha tido contato com ele, porque ajudei a fazer a proposta de ciência e tecnologia do programa na eleição de 1994. Na eleição de 1998, ele foi convi­dado para ir à SBPC em Natal. Eu recebi um telefonema de Marco Aurélio Garcia [hoje assessor especial da Presidência da República e, na época, coordenador da campanha] dizendo que Lula precisava de gente para acompanhá­lo e de uma proposta para C&T. Mandei algumas propostas que entraram no programa e fui a Natal. Em 2000 fui convidado por Tarso Genro para uma reunião com Lula e outros dirigentes em que seria discuti­da uma proposta de ciência e tecnologia para a campanha de 2002. O fato é que, quando Lula foi eleito em 2002, acabei presidente da Finep.

n E exatamente em sua passagem pela Fi-nep, qual foi seu foco para tornar a agência mais rápida, mais funcional? — Eu tinha algumas preocupações. Uma delas era com o fato de a Finep ter ti­do um papel muito importante por 20 anos e estar então se enfraquecendo, porque o FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló­gico] fora quase extinto com a criação dos fundos setoriais. Ora, sendo apenas setoriais, eles não me permitiam fazer uma política mais abrangente. Tinham dois fundos transversais, o de Infraes­trutura e o Fundo Verde­Amarelo, mas eram específicos. Um era somente para Infraestrutura e para universidade pú­blica e o Verde­Amarelo para interação universidade­empresa. São transversais, mas não permitem fazer uma política mais abrangente. Começamos a traba­lhar na Finep na direção do que chamava ações transversais, usando recursos de vários fundos. Minha preocupação foi ter uma boa articulação com o minis­tério e isso foi fácil, porque o secretário executivo era Vanderlei de Souza, depois, com o ministro Eduardo Campos, entrou Luiz Fernandes, e a interação MCT­Finep continuou muito boa. Trabalhei muito para simplificar os procedimentos técni­cos e jurídicos da Finep. Mas ela ainda

Sempre trabalhei com um fenômeno dinâmico de materiais magnéticos chamados spins. E às vezes faço teorias para explicar experiências que outros estão desenvolvendo

Page 16: Buraco negro voraz

16 n MAIO DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

é meio lenta em algumas ações, e esse é um processo que não se resolve de uma hora para outra.

n Foi na Finep sua primeira experiência com uma instituição cujo foco não estava na construção do conhecimento científico, mas em inovação tecnológica? — Na verdade fiz só um pouquinho disso na Facepe. Quando entrei lá, a FAPESP estava começando a criar os progra­mas de apoio à inovação tecnológica e nós tentamos fazer o mesmo: criamos o Programa de Apoio ao Pesquisador em Empresa. No governo do estado fiz muito mais, mas era em âmbito local. Na Finep passei a enfrentar esse desafio, digamos, em âmbito nacional. Eu já me preocupava com a questão da inovação nas empresas, da interação universidade­­empresa, e o desafio era como fazer isso em programas nacionais.

n A sua visão do modelo nacional de ciên-cia e tecnologia envolve a permanência da Finep no lugar que ela ocupa ou tem que se mudar algo aí? — Acho que o modelo hoje tem uma boa configuração, com o CNPq, que financia basicamente a academia, com instrumen­

tos de vários níveis: indiví duos, núcleos de pesquisa, agora institutos nacionais, enfim, financia a cadeia toda de conhe­cimento. Tem alguns programas voltados para a transferência de tecnologia, mas o grosso é geração de conhecimento. Já a Finep financia instituições da área acadêmica, institutos de pesquisa, cen­tros de pesquisa, e financia a empresa e a interface. A configuração é boa e nos­so objetivo aqui tem sido o de procurar consolidar esses dois papéis, tanto com mais recursos como sistematizando os instrumentos.

n Quando o senhor saiu da Finep para o ministério, na verdade existia um plano para a área de cuja formulação o senhor mesmo participara. Como ficou a relação entre a teoria e a prática? — Essa política ganhou consistência quando Eduardo Campos assumiu. Ele não era da área e fez algo muito importan­te: chamou as várias partes do ministério, as agências, e ficamos todos internados em Brasília durante três dias numa ativi­dade de planejamento estratégico. Dis­cutíamos, “e a nossa política, tem o quê, então?”, “ela tem quatro eixos, com tais características...”. Fez­se assim um orde­namento do que havia e um planejamento para os anos seguintes. Daí, quando vim para ficar um ano e meio no ministério, minha ideia era consolidar o que Eduardo Campos fizera. Ele havia atirado em mui­tas direções, fez a construção da política e eu achava a consolidação importante, principalmente em documentos. Por isso no final de 2006 fizemos um relatório para o público em geral cobrindo os quatro anos de atividade, sem preocupação com o fato de terem passado pelo ministério três ministros. Iniciado o segundo man­dato, e eu continuei no ministério, pensei o seguinte: temos uma política, mas preci­samos de um plano mais detalhado para quatro anos. E desde o começo de 2007 começamos a trabalhar nesse plano, que é materialização mais concreta das ideias da política. O que ele tem de diferente é que é abrangente, com muitas ações que têm foco, objetivo, meta, recursos. Por­tanto, se antes algumas ações não estavam definidas com clareza, por exemplo, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecno­logia, tornamos tais ações claras. Sabia­se que era necessário aperfeiçoar os meca­nismos dos Institutos do Milênio, então fomos discutindo, definimos com mais detalhes, nomeamos etc. E fundamental é que se foi dando uma sistematização aos programas do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

n No final do mandato de Fernando Hen-rique Cardoso, a percepção da comunidade científica era de que o ministro Ronaldo Sardenberg abrira e consolidara algumas iniciativas fundamentais para a expansão do sistema brasileiro de ciência e tecnolo-gia. Os fundos setoriais e a discussão pro-posta pela Segunda Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia seriam exemplos nesse sentido. Na verdade o governo Lula não deu simplesmente sequência a algu-mas dessas iniciativas? — Sim, demos, desde o primeiro ano do governo Lula. Houve uma crise no sistema federal na segunda metade dos anos 1990: os recursos escassearam, os instrumen­tos foram interrompidos, o número de bolsas caiu, então a gestão de Sardenberg, com o secretário Américo Pacheco, fez algumas coisas muito importantes. Uma delas foi criar os fundos setoriais, que dão uma sustentação orçamentária necessária para se ter qualquer programa de ciên­cia e tecnologia. Também fizeram ações importantes voltadas para a inovação e a interação universidade­empresa. A con­ferência foi importante, fez um balanço do que foi feito e deixou como resultado o Livro Branco da Ciência e Tecnologia. Esse livro, que li muitas vezes e usei muito, tem os elementos de uma política, mas não tem uma política explícita. O livro foi muito importante e nós não muda­mos os nomes dos programas criados na gestão Sardenberg. Até recentemente, os Institutos do Milênio mantinham o no­me. O Pronex, que estamos revigorando, foi criado em 1997. Portanto, procuramos ampliar muito os recursos e consolidar programas nos quatro eixos de ação. E com exceção do quarto, ciência e tecno­logia para o desenvolvimento social, uma novidade do governo Lula, todos já esta­vam na política de Sardenberg, embora não explicitados da mesma forma. Co­mo passamos por uma crise, digo sempre nas minhas apresentações que estamos numa fase de transição, que começou com a criação dos fundos setoriais e se completou, em 2006, com a conclusão de uma política, e estamos realmente na fase de consolidação do sistema brasileiro de ciência e tecnologia.

n Mas com uma nova crise econômica in-ternacional perturbando planos, metas, propósitos etc... — Perturba um pouco, mas não perturba o que está sendo feito.

n Entretanto, um corte de R$ 1,3 bilhão no orçamento é dramático. — Mas é um corte em relação a um pro­

Temos que financiar a pesquisa básica, porque gera conhecimento, a pesquisa para inovação tecnológica nas empresas e o sistema de interface entre universidade e empresa

Page 17: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n MAIO DE 2009 n 17

jeto de lei, pelo qual teríamos em 2009 um aumento de 25% no orçamento do ministério, algo fabuloso. Com o corte, voltamos ao orçamento de 2008, e todos os programas iniciados têm os recursos garantidos.

n Uma das críticas feitas ao governo Lula na área de C&T é a reiteração nos dis-cursos de um número mágico, “estamos aplicando R$ 41 bilhões em quatro anos”. Quem tem intimidade com a política da área diz que isso significa R$ 10 bilhões por ano, valor esperado dentro da evolução orçamentária. — Os críticos dizem que nunca passamos da aplicação de 1% do PIB, mas hoje há um consenso de que estamos em 1,1%. E o plano para ciência e tecnologia tem R$ 41 bilhões, o que significa algo nunca tido antes. Isso permitiu a projeção de uma aplicação de 1,5% do PIB em 2010, somando­se investimentos do governo federal, dos governos estaduais e do setor empresarial. Hoje acho difícil atingir essa pontuação, mas acredito que consegui­remos chegar a 1,4%.

n Não é uma visão muito otimista? — Talvez, sempre fui muito otimista. Mas penso que essa crise já passou pelo fundo do poço. Li em uma reportagem que a produção de veículos em março superou marcas históricas. Como alguém acreditaria nisso em dezembro de 2008? Então estou confiante de que ultrapassa­remos logo a crise.

n Qual a sua visão do mix que temos entre recursos para pesquisa em ciência e pes-quisa tecnológica? E a participação das empresas privadas no montante de inves-timento lhe parece satisfatório? — É preciso crescer mais na área de ino­vação tecnológica, mas acredito muito na capacidade de indução do governo fede­ral. Fizemos parcerias com 19 governos estaduais, propondo­lhes que botassem contrapartida ao que investimos, e há um claro crescimento da participação deles. Em relação ao setor empresarial, ainda não temos números claros, mas logo teremos por via dos investimentos estimulados pela “lei do bem”.

n Mas essa lei ainda é muito pouco usada. — Sim, mas só tivemos a contabilização de dois anos. Em 2006, o investimento das empresas foi de R$ 1,5 bilhão e em 2007 foram R$ 4,5 bilhões, três vezes mais. E 2008 não fechou ainda. Todo esse proces­so no meio empresarial é gradual, porque envolve mudança de cultura. O que faz um

naturalmente deve ser hierarquizado e baseado em mérito.

n Qual a sua expectativa em relação aos Institutos Nacionais de Ciência e Tecno-logia, que terminaram em número muito maior [123] do que os planos iniciais? — Sim, são em número maior, mas te­nho bastante confiança na qualidade de todos. Os convênios que foram assinados são contratos de cinco anos, com recur­sos garantidos a priori por três anos.

n Não lhe parece que o governo do estado de São Paulo tem, na verdade, ajudado a consolidar algumas políticas fundamen-tais do ministério, como a dos Institutos de Ciência e Tecnologia? — Sim, a cooperação foi fundamental e se trata de uma operação diretamente com a FAPESP, com seu diretor científico, Carlos Henrique de Brito Cruz e com o secretário de Ensino Superior, Car­los Vogt, ambos meus amigos pessoais. Uma operação também com o secretário Alberto Goldman [o secretário do De­senvolvimento, depois substituído por Geraldo Alckmin]. A interação que tive com o secretário Gold man em relação ao Ipen e ao IPT foi muito boa e vamos tratar com o secretário Geraldo Alckmin da continuidade dessa prática. Ou se­ja, a despeito da divergência de caráter político­eleitoral, o presidente Lula tem uma interação boa com o governador José Serra, e nós com os secretários, o que tem reflexos muito importantes para São Paulo e para o país. n

empresário realmente acreditar que con­segue inovar e faturar com isso é o exem­plo de um outro. Acredito no poder de indução porque tem a lei do bem, a sub­venção econômica, tem vários mecanis­mos estimuladores do setor empresarial.

n Quais são os próximos passos do plane-jamento de C&T? — Estamos começando a pensar na Confe­rência de Ciência e Tecnologia que vamos fazer em maio de 2010. E é importante que ela, além do balanço do que foi fei­to nos últimos anos, projete para os anos seguintes outro plano de ação, mais am­bicioso. Penso que dificilmente teremos eixos diferentes destes quatro: expansão e consolidação do sistema com formação de recursos humanos, inovação nas empresas, pesquisa em áreas estratégicas e ciência e tecnologia voltados para o desenvolvimen­to social. Mas certamente teremos mais instrumentos, novas áreas estratégicas, enfim essa é uma questão para se discutir com a academia e os empresários.

n Não lhe preocupa, dentro disso, o enve-lhecimento e as perdas no padrão de quali-dade do ensino universitário brasileiro? — Preocupa, sim. Acredito que a univer­sidade brasileira precisa repensar toda a sua forma de gestão. A fase da eleição direta para tudo e para todos foi muito importante porque vivemos 20 anos de autoritarismo, em que as coisas eram escolhidas por poucos. Mas eleição di­reta não é a melhor forma de escolher as melhores pessoas para um sistema que

Page 18: Buraco negro voraz

18 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Nova estratégia de análise de informações revela buraco negro fora do centro da galáxia m 94 | Ricardo Zorzetto

Em meio à constelação dos Cães Caçadores, nesta época do ano visível no céu do hemisfério Norte após o início da noite, há uma galáxia espiral seme-lhante à Via Láctea que há dé-cadas instiga a curiosidade de

astrônomos e astrofísicos. Identificada pelo astrônomo francês Pierre Méchain em 1781 e catalogada sob o número 94 por seu mestre, Charles Messier, essa galáxia conhecida pela sigla M 94 se parece com a maioria das galáxias es-pirais. Distante apenas 15 milhões de anos-luz da Terra, ela abriga dezenas de bilhões de estrelas em uma região esfé-rica central (o núcleo) e outras dezenas de bilhões em um disco achatado de gás e poeira. Ocupando uma área menor que a do Sistema Solar, a região mais central dessa galáxia emite um tipo de luz diferente da produzida pelas estre-las. Esse brilho concentrado em espaço tão restrito costuma indicar a presença de um gigantesco buraco negro, que sorve continuamente a matéria de es-trelas e nuvens de gás e poeira ao redor. A luminosidade vem do movimento da matéria que está para ser absorvida: próximo ao buraco, ela espirala a velo-cidades tão elevadas que se transforma em energia e escapa para o espaço na forma de radiação eletromagnética – da mais tênue, como as ondas de rádio, à mais energética, como os raios gama, passando pela luz visível.

Nas últimas décadas diversos gru-pos de pesquisa do Brasil e do exterior sondaram as entranhas dessa galáxia, também conhecida pela sigla NGC 4736, com os mais potentes telescópios

disponíveis, sem, no entanto, localizar o buraco negro que esperavam encontrar. Alguns astrofísicos chegaram a propor outros mecanismos para explicar a ori-gem de tanta luminosidade, como a co-lisão de ventos ultrarrápidos ou a trans-ferência de energia das estrelas para as nuvens de gás (fotoionização). Mas as evidências recentes continuavam a indicar que os buracos negros devem estar na origem da maior parte das ga-láxias, servindo como uma espécie de suporte sobre o qual se estruturam.

Depois de quase três anos anali-sando imagens obtidas com um dos maiores telescópios ópticos em terra – o Gemini Norte, instalado nas mon-tanhas de Mauna Kea, no Havaí, com um espelho de 8,1 metros de diâmetro –, o astrofísico brasileiro João Steiner finalmente obteve provas inequívocas de que a M 94 abriga de fato um bura-co negro voraz, um dos mais próximos do Sistema Solar. Mas, para surpresa de todos, Steiner inclusive, ele não se encontra onde os pesquisadores acre-ditavam que deveria estar.

Com massa milhões de vezes su-perior à do Sol concentrada em um espaço reduzido, os buracos negros exercem uma atração gravitacional muito intensa sobre as estrelas mais próximas, e podem até mesmo consu-mir as que se aproximam demais. Vir-tualmente presas a eles pela gravidade, as estrelas vizinhas contribuem para atrair as mais distantes – e assim suces-sivamente, como se os buracos negros fossem ímãs colossais que estruturam a galáxia. Por essa razão, imagina-se que sejam o centro das galáxias. Mas não foi

capa

O buraco estava ao lado

mo

Nta

gE

m D

E f

ot

os

DE

mig

uE

l b

oy

ay

aN

(c

ub

o m

ág

ico

) E

Na

sa

/hs

t

Page 19: Buraco negro voraz
Page 20: Buraco negro voraz

20 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

o que Steiner e sua equipe viram. Na M 94, o buraco negro não está no cen-tro, mas um pouco deslocado (cerca de 10 anos-luz) para a periferia. “Era tão óbvio que ele deveria se encontrar no centro da galáxia que jamais se imagi-nou que estivesse em outro lugar”, co-menta Steiner, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

O achado do grupo de Steiner não se deve apenas ao poder de ampliação de imagens do Gemini, telescópio que ele próprio ajudou a construir e no qual os pesquisadores brasileiros dispõem de aproximadamente 20 noites de obser-vação por ano. Resulta principalmente de uma estratégia de análise de infor-mações aprimorada pelo astrofísico da USP e sua equipe nos últimos dois anos e apresentada em artigo publicado es-te mês na Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. Em colaboração com os astrofísicos Roberto Menezes e Tiago Ricci, da USP, e Alexandre Olivei-ra, da Universidade do Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, Steiner apri-morou um método estatístico adotado em outras áreas da ciência (a análise de componentes principais) e o utilizou para filtrar a imensa quantidade de da-dos gerada por uma poderosa técnica de observação astronômica recente, a espectrografia de campo integral.

Na espectrografia de campo in-tegral, a imagem de uma área do céu

equivalente à da ponta de um lápis vista à distância de um metro é focalizada sobre um conjunto de lentes microscó-picas conectadas por fibra óptica a um poderoso espectrógrafo. Esse aparelho decompõe a luz nos diferentes níveis de energia do espectro eletromagnético.

Filtro de luz - No caso do Gemini Norte, a luz captada de uma estrela ou galáxia converge para 500 microlen-tes, que, unidas, cabem na superfície de uma moeda de dez centavos. Cada microlente recebe a luz de um ponto distinto dessa imagem e a separa em 6 mil níveis de energia, que indicam a quantidade e a variedade de elementos químicos encontrados naquela região

do espaço. Identificar a composição química de uma determinada região é importante porque, a rigor, tudo o que existe no Universo, das estrelas aos seres vivos, é formado por diferentes com-binações de 116 elementos químicos originados no interior das estrelas.

A espectrografia de campo integral, no entanto, gera um volume absurda-mente grande de dados, milhões de vezes maior do que os obtidos com as estratégias de investigação dos céus que fizeram a astronomia avançar no século passado. O problema então deixou de ser como obter informação e passou a ser o que fazer com tanta informação – uma espectrografia de campo integral do Gemini produz 30 milhões de dados para cada imagem. “Não se conseguia interpretar toda essa informação e a maior parte era simplesmente descar-tada”, explica Steiner.

Até a década de 1990 o conheci-mento sobre os planetas, as estrelas e as galáxias progrediu impulsionado por duas técnicas usadas separadamente: a observação por meio de telescópios com poder de ampliação centenas de vezes superior ao dos usados por Ga-lileu no início do século XVII e pela análise da luz dos objetos celestes por meio da espectrografia, desenvolvida pelo físico alemão Robert Bunsen em fins do século XIX. Equipamentos mais sofisticados permitiram unir as duas técnicas, inicialmente fornecendo aos pesquisadores informações sobre o espectro da luz – e consequentemente da composição química – de um único ponto de cada imagem.

Um astrofísico que, além da for-ma, desejasse conhecer minimamente a composição química e a população de estrelas de uma galáxia como a M 94 precisava fazer medições do es-pectro em diferentes pontos dela. Era um processo lento e trabalhoso como o enfrentado por quem tenta conhecer a temperatura da água de um lago mer-gulhando um termômetro em vários pontos. Com o aprimoramento da es-pectrografia, tornou-se possível obter, de uma única vez, os dados de energia

sl

oa

N D

igit

al

sk

y s

ur

vE

y

1. Diferenciação de modelos para Liners2. Análise de componentes principais de uma amostra de galáxias Seyferts próximas

modAlIdAdE

1. e 2. bolsa de mestrado

orIEntAdor

João Steiner – iag/usP

bolSIStAS

1. roberto bertoldo menezes2. tiago vecchi ricci

Os prOjetOs>

M 94: galáxia com buraco negro atípico

mig

uE

l b

oy

ay

aN

Page 21: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 21

ao longo de toda uma linha imaginária que corta o objeto observado e, agora, com a espectrografia de campo inte-gral, de toda a sua superfície.

As informações obtidas por essa forma de espectrografia geralmente são representadas por um gráfico tri-dimensional com eixos perpendicula-res entre si que tem a forma de cubo, razão por que é conhecido entre os es-pecialistas como cubo de dados. É um gráfico semelhante àquele em que se representam as três grandezas espaciais (largura, altura e profundidade) da sala de uma casa. Nos cubos de dados cons-truídos com informações de imagens de astronomia, porém, apenas duas das dimensões são espaciais (altura e lar-gura), uma vez que as imagens obtidas pelos telescópios são bidimensionais. A terceira dimensão, que corresponderia à profundidade, costuma ser represen-tada pelos níveis de energia (espectro). “O problema com os cubos de dados gerados com essa técnica tem sido ava-liar a quantidade absurda de informa-ções de modo que se consiga extrair algum significado físico delas”, comenta o astrofísico Keith Taylor, do Observa-tório Anglo-australiano, em Epping, Austrália, um dos pioneiros no uso de cubos de dados em astronomia.

Foi em 2007 que Steiner, com ima-gens do Gemini em mãos e inconfor-

mado com a falta de uma ferra-menta matemática que per-mitisse utilizar a montanha de dados que havia conseguido, saiu em busca de uma solu-ção. Testou diversas alterna-tivas e notou que a análise de componentes principais poderia ser útil. “Essa fer-ramenta estatística procura associações entre os dados nem sempre claramente re-lacionados e permite eliminar as redundâncias, comuns nas espectrografias de campo in-tegral de uma galáxia”, expli-ca o astrofísico Roberto Cid Fernandes, da Universidade Federal de Santa Cantarina

(UFSC). “Por eliminar o desnecessário, a análise de componentes principais torna possível usar o mínimo de dados para representar o fenômeno com o máximo de realismo possível”, com-pleta Fernandes, outro colaborador de Steiner, que anteriormente havia procurado sem sucesso o buraco ne-gro da galáxia M 94 e proposto uma explicação alternativa para o brilho da região central da galáxia.

truque matemático - “Na análise de dados distribuídos em várias dimen-sões, essa ferramenta estatística localiza primeiro as que concentram o maior número de informações e em seguida as que reúnem o segundo maior grupo, e assim sucessivamente”, diz o astrofísico Laerte Sodré Júnior, da USP, especialis-ta na aplicação da análise de compo-nentes principais à astronomia. É como se o levantamento da coleção de livros de uma casa indicasse que ela pode ser mais bem representada em primeiro lugar pelos exemplares da biblioteca, em segundo lugar pelos livros da es-tante da sala e em terceiro pela pequena pilha ao lado da cama. Em resumo, uma estratégia de reorganizar os dados por quantidade e relevância.

Só a ferramenta estatística, porém, não resolve as dificuldades impostas pela análise do cubo de dados. Steiner, Menezes, Ricci e Oliveira desenvol-veram, então, um procedimento ma-temático que realça as características atenuadas das imagens astronômicas. “Esse aprimoramento resultou em uma forma poderosa de extrair informação do cubo de dados”, conta Steiner. Ele aposta até mesmo que essa abordagem ultrapasse a astrofísica e se torne útil em outras áreas da ciência, que, apesar de distintas, muitas vezes estruturam a informação de modo semelhante.

Segundo Steiner, as dez primeiras imagens são suficientes para recuperar 99,9% da informação contida no cubo de dados, que, no caso da galáxia M 94, contém 6 mil imagens. Essa abordagem também ajuda a selecionar e reagrupar os dados que interessam, removendo o

Parecia tão

óbvio que o

buraco negro

deveria se

encontrar no

centro da

galáxia que

jamais se

pensaria em

procurá-lo em

outro lugar

Page 22: Buraco negro voraz

22 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

> Artigo científico

STEINER, J. E. et al. PCA Tomography: how to extract information from datacubes. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. v. 370. mai. 2009.

Eta Carinae, a maior, mais brilhante e mais estudada estrela da Via Láctea, com exceção do Sol, voltou a surpreender os astrônomos no início do ano. Observada desde dezembro por dez telescópios em terra e quatro no espaço, ela atravessava um dos seus típicos apagões – redução de brilho comparável à perda de luminosidade de milhares de estrelas como o Sol que dura três meses e se repete precisamente a cada cinco anos e meio, como determinou em

1993 o astrofísico paranaense Augusto Damineli, da Universidade de São Paulo (USP). Como quem recupera as forças depois de uma gripe, Eta Carinae deveria recobrar sua luminosidade lenta e progressivamente a partir do final de março, até alcançar vigor total meses mais tarde. Dessa vez, porém, não foi assim. Na última semana de fevereiro, um mês antes do esperado, a estrela começou a sair da escuridão parcial em que se en-contrava e voltou a brilhar.

Habituado à inconstância de Eta Carinae, que estuda há 20 anos, Dami-neli acompanhou passo a passo o esmaecimento e o retorno da estrela por meio de um dos mais modernos telescópios terrestres – o Southern Obser-vatory for Astrophysical Research (Soar), erguido nos Andes chilenos com financiamento brasileiro e norte-americano. E não se indignou ao ver que parte de sua previsão não se concretizou. “Eta Carinae sempre foi uma estrela com muitas peculiaridades”, diz o professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, que chegou a comemorar

o inesperado. “Com o retorno an-tecipado do brilho, astrônomos do mundo todo começaram a pedir tempo nos principais telescópios do planeta para observá-la pelos próximos seis meses.”

Tempo de observação é tudo aquilo por que Damineli sempre batalhou desde que começou a estudar a Eta Carinae em 1989. Mesmo com um telescópio de pro-

que não interessa, como se fossem sucessivos filtros. Para chegar ao buraco negro da galáxia M 94, o grupo de Steiner eliminou o pri-meiro grupo de dados, que repre-sentavam todas as estrelas, e em seguida a informação sobre o gás e a poeira. Só então conseguiram observá-lo. “As evidências de que esse buraco negro de fato existe nunca foram tão convincentes”, comenta Fernandes, da UFSC. “Co-mo o sinal que ele emite é muito fraco, os métodos tradicionais não conseguiriam encontrá-lo.”

Essa estratégia é um tanto di-ferente da adotada habitualmente na astrofísica e em outras áreas da ciência. Em geral, o pesquisador formula uma pergunta e usa os métodos disponíveis à procura da resposta. Com essa abordagem, diz Steiner, a resposta é dada sem que a pergunta seja feita. “O complicado é saber interpretar os resultados que a técnica mostra”, acrescenta Fernandes. Eles nem perguntaram se havia um buraco negro na M 94. Simplesmente o encontraram, es-condido onde ninguém pensaria em procurar, de modo semelhante ao que observaram em outra galá-xia, a M 58 ou NGC 4579, localiza-da na constelação de Virgem.

Em um trabalho de arqueologia estelar recém-concluído, Steiner e Fernandes propõem uma explica-ção para o buraco negro da M 94 se encontrar onde não deveria estar: formada há 12 bilhões de anos, na infância do Universo, a M 94 co-lidiu 2 bilhões de anos atrás com uma galáxia menor. O encontrão de proporções cósmicas deslocou o buraco negro de sua posição ori-ginal. “Quando ele atingir o equi-líbrio”, diz Steiner, “retornará para o lugar em que deveria estar, no centro da galáxia, ainda que isso leve 1 milhão de anos”. n

Valsa em descompasso

ilu

st

ra

çã

o l

yN

Et

tE

co

ok

/ob

sE

rv

at

ór

io g

Em

iNi

Page 23: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 23

porções modestas – com espelho de 1,6 metro de diâmetro instalado no Pico dos Dias, em Minas Gerais, e chamado de telescópio da selva por seus concorrentes –, Damineli registrou o apagão de 1992 e estabeleceu o período em que deveria se repetir. Também propôs o modelo que até o momento melhor explica a perda de brilho cíclica da estrela – e o tornou reconhecido internacionalmen-te. Distante 7.500 anos-luz do Sistema Solar, Eta Carinae não seria uma estrela solitária, mas uma dupla de estrelas. A maior tem cerca de 90 vezes a massa do Sol e é mais fria – a temperatura em sua superfície não passa de 15 mil graus. Com um terço da massa da estrela principal, a menor é mais quente (sua atmosfera atinge quase 50 mil graus) e dez vezes menos brilhante que a maior. “Esse modelo trouxe alguma regulari-dade ao comportamento de Eta Carinae, que não é uma estrela tão exótica quanto se imaginava”, explica Damineli.

Com movimentos que lembram o de um casal dançando valsa, as estrelas se afastam e se aproximam ao longo do pe-ríodo de cinco anos e meio. No momento de máxima proximidade – o chamado periastro –, a estrela maior encobre parte

da menor. Mas esse eclipse não explica completamente a perda de brilho detec-tada pelos telescópios, que veem sumir progressivamente diferentes faixas do espectro eletromagnético (rádio, infra-vermelho e raios X). Se o eclipse fosse o único mecanismo por trás do apagão, todas essas linhas de energia deveriam desaparecer ao mesmo tempo. Simula-ções tridimensionais do comportamento das estrelas apresentadas no ano passado pela equipe de Atsuo Okazaki, da Uni-versidade Tokkai-Gakuen, no Japão, e de Michael Corcoran, da agência espacial norte-americana (Nasa), indicam que o apagão é causado por perturbações no vento de partículas que emanam das es-trelas e colidem a velocidades altíssimas, emitindo raios X. No período em que es-tão mais próximas, a menor é engolfada pelo vento da maior, que é mais denso e oculta o brilho da estrela secundária.

Segundo Damineli, a redução em um mês no apagão deste ano acrescen-tou uma complexidade a um cenário já complicado. “As estrelas se comporta-vam como duas bailarinas até o momen-to de embolação, quando fizeram uma firula e adiantaram um pouco o passo ao se afastar”, comenta o astrofísico da

USP. Ele próprio já tem uma possível explicação para o descompasso de Eta Carinae. Por ter massa muito elevada – hoje correspondente a 90 vezes a massa do Sol, mas que já foi de 120 massas solares antes da explosão que sofreu em 1843 –, a estrela maior é menos densa e seu diâmetro pode oscilar, como um ba-lão de festa que infla um pouco para em seguida murchar. “Nos períodos em que se encontra mais compacta, ela perde menos matéria e seus ventos se tornam mais rarefeitos”, explica Damineli. Se a aproximação ocorre nessa fase, a luz da estrela secundária pode escapar mais facilmente dos ventos que a abraçam e, assim, ser observada da Terra.

Toda essa instabilidade não são ex-centricidades de uma estrela acostumada a chamar a atenção. Medidas da massa que a estrela principal já lançou ao es-paço indicam que seu fim está próximo e, com 2,5 milhões de anos, Eta Carinae seria uma velha dama com os dias con-tados. Se estiverem corretas as previsões de Nathan Smith, astrofísico da Univer-sidade da Califórnia e estudioso de Eta Carinae, a qualquer momento a estrela maior pode sofrer uma superexplosão muito mais intensa do que a de 1843, capaz de reduzi-la a poeira e encerrar de vez o balé espacial. Nessa explosão, 90% de sua massa seria pulverizada e o restante se compactaria originando um buraco negro, emissor de raios gama, a radiação mais intensa que existe. “Seria um evento fantástico de se observar”, afirma Damineli. A morte de Eta Cari-nae permitirá compreender um estágio a mais do ciclo de vida das supergigantes azuis, estrelas hoje raras que dominaram o Universo primitivo, entre 10 bilhões e 7 bilhões de anos atrás. n

Em lenta dança cósmica, a estrela Eta carinae recupera o brilho antes do esperado e surpreende os observadores

Explosão de 1843: Eta Carinae lança ao espaço o equivalente à massa de 30 estrelas como o Sol

Page 24: Buraco negro voraz

24 ■ maio DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 159

Estratégias MUNDO>>

que seja apropriado falar sobre minhas convicções religiosas.” Mais tarde disse que fora mal interpretado e que aceitava, sim, a evolução. Mas o estrago estava feito. “Assim como o ministro da Agricultura precisa saber a diferença entre uma novilha e um porco, é razoável exigir que um ministro da Ciência se pronuncie

Professores Universitários do Canadá, que se queixavam das prioridades do orçamento do ministério. Mas o que causou mais constrangimento foi sua posição dúbia acerca da evolução. Evangélico fervoroso, ficou irritado quando um jornalista lhe perguntou se acreditava na teoria de Charles Darwin. “Sou cristão e não acho

com base em evidências científicas”, disse Robert Wolkow, professor de física da Universidade de Alberta.

>JapãoeAlemanha buscamosol

Dezenas de milhares de residências e prédios comerciais japoneses vão

>Odesgaste doministro

Empossado há sete meses, o ministro da Ciência e Tecnologia do Canadá, Gary Goodyear, desgastou-se em tempo recorde com a comunidade acadêmica do país. Primeiro tratou com destempero representantes da Associação dos

Pelo menos cem pessoas, entre

cientistas,autoridadesejornalis-

tas científicos interessados em

pesquisacomcélulas-tronco,foram

vítimasdeumafraudenainternet.Falsosperfiscomseusnomes

foramcriadosnaredesocialFacebook,simulandoumacomunidade

vinculadaaoassunto.“Nãogostonemdepensarporquefizeram

issocomigo”,disseàrevistaNatureElaineFuchs,pesquisadora

daUniversidadeRockefeller,emNovaYork,umdosalvosdaim-

postura.Arederetirouosperfisdoarenenhumprejuízochegou

aserregistrado.Masasrazõesquelevaramosfalsáriosacriar

osperfisanimaramosdebatesentreespecialistasemsegurança

nainternet.“Aspessoasinventamperfisparasugerirqueuma

ideiaémelhoroupiordoqueénaverdade”,disseJohnWilbanks,

vice-presidentedaorganizaçãoCreativeCommons.Umdosperfis

fraudados,odojornalistaRickWeiss,dojornalWashington Post,

continhacomentáriosdeumcertoJohnBirch,nomedeumaen-

tidadequeseopõeapesquisascomcélulas-troncoembrionárias.

Masháoutrassuspeitas.“Nãoéimpossívelimaginarqueumpes-

quisadortenhacriadoumfalsoperfilpara,fazendo-sepassarpor

outrapessoa,obterdadosdeumcientistarival”,apostaDavide

Balzarotti,especialistaemsegurançacomputacional.

ilu

st

ra

çõ

Es

la

ur

ab

Ea

tr

iz

ImPoStUrA no FAcEbook

Page 25: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 ■ maio DE 2009 ■ 25

instalar painéis solares em seus telhados, graças a um recém-lançado programa subsidiado pelo governo. Segundo a revista Nature, a iniciativa faz parte de uma estratégia para devolver ao Japão a liderança mundial em uso da energia solar, que já foi um orgulho para o país. Em 1999 os nipônicos lideravam a capacidade mundial de geração de energia solar, posição que mantiveram por vários anos. Em 2005 as células solares instaladas no Japão respondiam por 45% da produção global, mas em 2007 esse quinhão caiu para apenas 24,6%, pouco à frente da China, com 22%. Nesse período o país foi superado por nações como a Alemanha e a Espanha. Entre 2003 e 2007 os japoneses mais do que dobraram sua capacidade, mas não conseguiram acompanhar os germânicos, que multiplicaram por nove sua capacidade. No Japão 80% dos painéis solares

encontram-se em casas e edifícios comerciais. Já na Alemanha 60% se encontram em indústrias, que aderiram em peso à energia solar estimuladas por isenções de impostos.

>Cientista centenária

Pela primeira vez um laureado com o Prêmio Nobel comemorou o aniversário de 100 anos. Nascida em 22 de abril de 1909, a neurocientista italiana Rita Levi-Montalcini, vencedora do Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1986 pela descoberta do fator de crescimento das células nervosas, festejou seu centenário num encontro científico em Roma. “Minha mente é superior, graças à experiência, à que eu tinha aos 20 anos”, disse ela, segundo a agência Associated Press. Na solenidade, a ministra da

Educação da Itália, Maria Stella Gelmini, anunciou duas homenagens à cientista: uma dotação de € 500 mil para o Instituto Europeu de Pesquisa do Cérebro, fundado por Levi- Montalcini, e um programa de € 6 milhões com o nome da cientista centenária para atrair de volta para o país jovens pesquisadores italianos radicados no exterior. Rita Levi-Montalcini é uma das mais ativas defensoras dos investimentos em pesquisa no país e desde 2001 ocupa o cargo de senadora vitalícia na Itália.

Wo

rl

D b

an

k/a

rn

E H

oE

l nunca antes na história dos

EstadosUnidosumpresidente

obteveresultadostãoanima-

doresnocombateàepidemia

deAidsnaÁfrica.Nãosetrata

deBarackObama,que,afinal,

aindanãotevetempodemos-

trarserviçonessecampo,mas

deseuantecessorGeorgeW.

Bush.Deacordocomumes-

tudopublicadopelosmédicos

JayBhattacharyaeEranBen-

david,daUniversidadeStan-

ford,oPlanodeEmergência

deCombateàAidsdoPre-

sidentedosEstadosUnidos

(Pepfar,nasiglaeminglês),

reduziuem10%asmortes

causadaspeladoençaem12

paísesafricanos,aocustode

US$2,7milporvidapoupada.

OPepfarinvestiuUS$15bi-

lhõesdesde2004eem2008

foiautorizadoagastarmaisUS$48milhõesnospróximos

cincoanos.Oprogramaproduziucontrovérsias.Houvequem

criticasseapoucaênfaseemprogramasdeprevenção—

cercade60%dosrecursosforamgastoscomadistribuição

dedrogasretrovirais.Masoquecausoumaispolêmicafoia

destinaçãodosparcosrecursosparaprevenção.Odinheiro

foicanalizadoparaineficientesprogramasquepregavam

aabstinênciasexual,emvezdepromoverhábitoscomoo

usodepreservativos.Arenovaçãodoprograma,definida

em2008,baniuesseviés.

Um

bo

m l

Eg

Ad

o d

E b

US

h

AssistênciaapacientecomAidsnaÁfrica:vidaspoupadas

RitaLevi-Montalcini:avencedoradoNobelfaz100anos

mic

Ha

El

Fr

an

k

Page 26: Buraco negro voraz

26 ■ maio DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 159

Estratégias MUNDO>>

cargos acusados de plágio. Em 2006 o governo chinês já havia criado um esquema para monitorar projetos de pesquisa depois de uma série de acusações envolvendo condutas desonestas. “As medidas buscam criar um mecanismo de prevenção que mantenha o campo acadêmico livre de fraudes”, disse à agência SciDev.Net Xu Mei, a porta-voz do ministério. Para Hou Zinyi, professor de direito da Universidade Nankai, na cidade de Tianjin, as iniciativas do governo são superficiais. Segundo ele, é preciso aliviar a pressão sobre os pesquisadores, principalmente os mais jovens, que se veem obrigados a publicar artigos em grande quantidade e acabam recorrendo a trapaças.

currículos e usar o nome de outros pesquisadores sem pedir permissão poderá dar punição com demissão, suspensão do financiamento de projetos de pesquisa, cassação de prêmios e processos na Justiça. As medidas são uma resposta a um recente escândalo envolvendo a Universidade Zhejiang, na cidade de Hangzhou, onde dois professores de ciências farmacêuticas, He Haibo e Li Lianda, perderam seus

>Omenudas máscondutas

Num esforço para combater fraudes e condutas desonestas no meio acadêmico, o Ministério da Educação da China publicou uma espécie de índex de atos e comportamentos inadequados, assim como estipulou punições para quem praticá-los. De acordo com o documento, cometer plágio, falsificar dados e referências, fraudar

rE

cr

o-n

Et

>Intercâmbio muçulmano

Os 57 países membros da Organização da Conferência Islâmica (OIC, na sigla em inglês) criaram um fórum para compartilhar tecnologias nos campos da engenharia, medicina, agricultura, biotecnologia e energia. Países interessados em tecnologias específicas poderão recorrer ao fórum, que ajudará a contatar institutos de pesquisa e a negociar acordos. “O fórum é um passo importante para incentivar negócios baseados em conhecimentos científicos no mundo muçulmano”, disse à agência SciDev.Net Hassan Moawad Abdel Al, ex-presidente da Cidade Mubarak para Pesquisa Científica e Aplicações Tecnológicas, em Alexandria, Egito.

o Qatar inaugurou oficial-

menteumparquecientífico

etecnológicodeUS$800

milhões,paraatrairempre-

saseinstitutosdepesqui-

sanoscamposdeenergia,

meio ambiente, saúde e

tecnologiadainformação.

InstaladanacapitalDoha,

a iniciativa oferece aos

parceiros internacionais

isençõesfiscaiseoutras

vantagens financeiras e

jáconseguiuatrair15em-

presasestrangeiras,entre

asquaisaExxonMobil,GE,

Microsoft,aRollsRoycee

aShell,quevãotrabalhar

emfrentescomoodesen-

volvimentodetecnologias

ligadasàenergiasolare

empesquisaaeroespacial.

Oespaçodispõedeumcentrodeinovaçãoetransferência

detecnologiacujafunçãoéestimularnovosnegóciosnas

companhiasafiliadaseincubarpequenasempresas.Serão

distribuídasbolsasdeUS$100mileUS$500milparapes-

quisadoresenvolvidosemprojetosinovadores.Umfundode

US$30milhõesvaifomentaraaplicaçãonoprópriopaísdas

tecnologiasdesenvolvidasnopolo,emcujasproximidades

funcionamfiliaisdeuniversidadesnorte-americanascomoa

CarnegieMellon,aCornell,aGeorgetown,aNorthwestern,

aTexasA&MeaVirginiaCommonwealth.

Ino

vA

çã

o n

o d

ES

Er

to

OparqueemDoha:investimentodeUS$800milhões

Page 27: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 ■ maio DE 2009 ■ 27

Estratégias brasil>>

acarretou alguns problemas que o momento exige equacionar. Entre esses problemas está a excessiva

O Instituto Nacional de

Pesquisas Espaciais (Inpe)

vai ajudar o Instituto Na-

cional de Colonização e

Reforma Agrária (Incra) a

acompanhar a ocupação e

uso do solo dos cerca de

8,2 mil assentamentos bra-

sileiros. A parceria foi deli-

neada num encontro entre

os dirigentes das duas ins-

tituições federais no final

de abril. “O Incra terá à dis-

posição as mais recentes

tecnologias desenvolvidas

pelo Inpe para monitora-

mento ambiental e territo-

rial”, disse o diretor-geral

do Inpe, Gilberto Câmara.

“Com essa atuação con-

junta teremos instrumen-

tos para verificar e mostrar

com transparência o modelo de agricultura adotado pelos

assentados”, afirmou Rolf Hackbart, presidente do Incra.

Técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento

similares às utilizadas pelo Inpe desde 2003 para mapear

a área cultivada com cana-de-açúcar serão empregadas

para gerenciar os assentamentos. O primeiro passo da

parceria será o treinamento de servidores do Incra sobre as

ferramentas disponibilizadas pelo Inpe. Inicialmente serão

abertas cinco turmas, cada uma com 12 alunos.

AS

SE

NtA

mE

Nt

OS

mO

NIt

Or

Ad

OS

> Capes tem novo diretor de avaliação

Lívio Amaral, professor titular de física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi nomeado diretor de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O cargo vinha sendo ocupado cumulativamente pelo presidente da Capes, Jorge Guimarães, desde o ano passado, quando o professor de filosofia Renato Janine Ribeiro deixou a função. A Diretoria de Avaliação (DAV) é responsável pelo Sistema de Avaliação da Pós-graduação da Capes, responsável pela classificação e credenciamento dos cursos de mestrado e doutorado stricto sensu do país.

> Costa assume reitoria da Unicamp

O médico hematologista Fernando Ferreira Costa, de 58 anos, tomou posse, no dia 17 de abril, como reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Seu mandato vai até 2013. Professor da Faculdade de Ciências Médicas, pró-reitor de Pesquisa entre 2002 e 2005, Costa substitui José Tadeu Jorge, de quem foi vice-reitor nos últimos quatro anos. Ele havia sido o mais votado numa consulta feita a professores, alunos e funcionários da Unicamp, com 60,97% dos votos ponderados, e seu nome encabeçava a lista tríplice enviada ao governador José Serra, que o nomeou reitor no dia 4 de abril. No discurso de posse, Costa disse que um dos principais desafios da Unicamp nos próximos anos será promover uma análise da estrutura curricular dos cursos de graduação para atualizar conteúdos e racionalizar recursos físicos e humanos. “A história da formação da universidade

inp

E

Tadeu Jorge e Fernando Costa:sucessão

compartimentalização dos cursos e das disciplinas, que impede a otimização dos recursos humanos e materiais e dificulta a implantação de uma perspectiva verdadeiramente universitária, cada vez mais importante para a boa formação científica e cultural dos estudantes”, disse o novo reitor.

Un

ica

mp

Page 28: Buraco negro voraz

28 ■ maio DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 159

Estratégias brasil>>

impacto nos resultados da produção agrícola brasileira, além de ser um importante centro de produção pecuária.” A unidade terá uma equipe de 101 pessoas entre pesquisadores, analistas e assistentes, contratados ao longo de dois anos. O custo de implantação está avaliado em R$ 10 milhões. A Embrapa tem 38 unidades distribuídas em 21 estados e no Distrito Federal. A empresa também planeja criar dois novos centros de pesquisa, um em Tocantins e outro no Maranhão.

> Mistério e destino em Bremen

A mostra Brazilian nature mystery and destiny (Natureza brasileira: mistério e destino), que se baseia em imagens e dados

> Biodiversidade e produção agrícola

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) anunciou a criação de uma nova unidade no estado que concentra mais de 17% das áreas cultivadas no país. A Embrapa Mato Grosso vai funcionar no município de Sinop, a 500 quilômetros de Cuiabá (MT), e se dedicará a pesquisas em sistemas integrados de produção de alimentos, fibras, florestas e agroenergia. “A região tem uma grande riqueza biológica, concentrando as chamadas áreas de transição, onde se encontram os biomas da Amazônia, Cerrado e Pantanal”, justificou o diretor presidente da Embrapa em exercício, Kepler Euclides. “E o estado também tem um forte

ED

Ua

rD

o c

Es

ar O presidente da Academia Brasileira

de Ciências (ABC), o matemático Jacob

Palis, conheceu em profundidade três

programas de pesquisa da FAPESP, o de

Bioenergia (Bioen), o de Mudanças Climáticas Globais e o da biodiversidade

paulista (Biota), em visita à Fundação no dia 28 de abril. Os coordenadores

dos programas expuseram e discutiram com o matemático o escopo de suas

pesquisas. “Gostei muito do que ouvi. Tivemos diálogos enriquecedores”, definiu

o presidente da academia. Na avaliação de Palis, o encontro, embora tivesse

como objetivo apenas aproximar as duas instituições, certamente ajudará a

subsidiar os grupos de estudos da ABC que discutem grandes temas de ciência

nacional e preparam documentos para esclarecer a sociedade e ajudar os for-

muladores de políticas públicas. As conversas envolveram outros temas, como

a necessidade de investir mais em pesquisas em campos como a oceanografia e

a matemática. Palis também discutiu a oportunidade de aproveitar o momento

de crise financeira internacional para atrair ao Brasil pesquisadores de países

desenvolvidos. Ao final do encontro, delineou-se a pauta de uma futura reunião,

na qual a FAPESP exporá os resultados de seus programas de pesquisa nos

campos da neurociência e da tecnologia da informação.

dIálOgOSENrIQUEcEdOrES

rE

pr

oD

ão

Do

liv

ro

flo

ra

br

as

ilie

ns

is D

E v

on

ma

rt

iUs

oriundos de três projetos financiados pela FAPESP, a Flora brasiliensis on-line, a Flora fanerogâmica do estado de São Paulo e o Biota-FAPESP, ficará exposta entre 15 de maio e 12 de julho na Haus der Wissenschaft (Casa da Ciência), na cidade de Bremen, no norte da Alemanha. Os painéis da exposição, que no ano

passado foram apresentados no Museu do Jardim Botânico de Berlim, têm textos explicativos em inglês, pois há a intenção de que a mostra viaje por outros países, mas são acompanhados de um catálogo em alemão. O conteúdo foi compilado com a ajuda de representantes dos três programas de pesquisa.

Imagens da exposição: retratos de ontem... ... e de hoje da biodiversidade brasileira

Jacob Palis: “Gostei muito do que ouvi”

Page 29: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 ■ maio DE 2009 ■ 29

entidade, o prêmio reconhece o papel da FAPESP no financiamento a pesquisas em ciência da computação e no estímulo à inovação no setor privado em tecnologia da informação. A BSA também premiou os pesquisadores João Meidanis e João Setubal, organizadores do projeto do sequenciamento genético da Xylella fastidiosa, patógeno causador da praga do

A FAPESP enviou à

Organização Euro-

peia para a Pesqui-

sa Nuclear (Cern),

sediada na fronteira

entre a França e a

Suíça, um memoran-

do de en tendimento

para formalizar a

participação de pes-

quisadores paulistas

no Worldwide LHC

Computing Grid (WL-

CG), uma colabora-

ção global que reúne

mais de 140 centros

de computação cien-

tífica em 35 países.

O objetivo do WLCG

é fornecer e manter

a infraestrutura de

análise e armazena-

mento de dados de

toda a comunidade de

física de altas ener-

gias que participa

dos experimentos do

Large Hadron Collider (LHC), o maior instrumento científico

já construído. O acordo entre FAPESP e Cern também envolve

a Universidade Estadual Paulista (Unesp). De acordo com

Sérgio Ferraz Novaes, professor do Instituto de Física Teórica

da Unesp e coordenador do Centro Regional de Análise de

São Paulo (Sprace), que participa desde 2006 do WLCG, a

assinatura do memorando é condição necessária para que o

Cern reconheça a colaboração brasileira no processamento

de dados do experimento internacional. “Apesar de já operar

ativamente há pelo menos três anos, a participação do Sprace

não era oficialmente reconhecida pelo Cern por falta desse

memorando”, disse ele à Agência FAPESP.

> Prêmio aos inovadores

O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, foi um dos agraciados com o prêmio Distinguished Innovators, concedido pela Business Software Alliance (BSA), principal associação da indústria de software mundial. Segundo a

LHC: centros de 35 países armazenam dados

cO

lA

BO

rA

çã

O r

Ec

ON

hE

cId

A

amarelinho nos laranjais, que inaugurou o Programa Genoma FAPESP. Foram agraciados, ainda, Claire Feliz Regina, pelos esforços para modernizar o sistema de declaração de imposto de renda; a Câmara de Pagamentos Interbancários, que criou um sistema para a transferência de dinheiro em tempo real; e Bruno Ghizoni, da consultoria de negócios Neos Technology Innovation.Imagens da exposição: retratos de ontem... ... e de hoje da biodiversidade brasileira

ric

ar

Do

zo

rz

Et

to

vo

lk

Er

bit

tr

ich

> Para se aproximar do setor privado

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) criou uma comissão, composta de 22 sociedades científicas, voltada para mapear os principais gargalos da ciência brasileira ante os desafios de inovação das empresas e aproximar a academia do setor privado. A comissão irá produzir um documento, que deve ficar pronto em 2010, com diretrizes para a elaboração de políticas públicas e industriais. Serão analisados e discutidos estudos e pesquisas desenvolvidos por universidades de todo o país. Está prevista, ainda, a realização de uma série de workshops promovidos pela SBPC em conjunto com outras instituições. A proposta é que, num primeiro momento, o documento apresente as contribuições das ciências básicas e das engenharias à inovação tecnológica. A comissão é coordenada pelo professor Roberto Mendonça Faria, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos.

Page 30: Buraco negro voraz

30 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

ENERGIA

Estudo da Embrapa atualiza as vantagens do etanol no combate aosgases causadores do efeito estufa

Aprodução e o consumo do etanol de cana-de-açú-car brasileiro emitem 73% menos dióxido de car-bono (CO2), um dos principais gases causadores do efeito estufa, do que os processos de obtenção e de queima da gasolina comercializada no país. Pesquisadores da Embrapa Agrobiologia, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

instalada em Seropédica (RJ), chegaram a esse resultado ao fazer um balanço atualizado da quantidade de energia fóssil necessária para produzir o álcool combustível, que contemplou novas variáveis, como a substituição do uso do solo e o índice de mecanização da colheita.

“Balanços energéticos são importantes porque dão a medida da sustentabilidade de um combustível”, observa o biólogo e agrônomo Luis Henrique de Barros Soares, da Embrapa Agrobiologia, que assina o estudo juntamente com os pesquisadores Bruno José Rodrigues Alves, Se-gundo Urquiaga e Robert Michael Boddey. “No caso do etanol de cana, evidencia-se uma vantagem significativa em relação à gasolina e ao óleo diesel. Considerando o total de etanol produzido na última safra, o país contribuiu para mitigar 50 milhões de toneladas de CO2, ou 13,4% das emissões totais de gases causadores do efeito estufa derivados do uso de combustíveis fósseis”, diz. O estudo foi desenvolvido com base em dados compilados pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) e em medições de campo. Os pesquisadores levaram em conta as emissões de uma caminhonete modelo S-10, da Chevrolet, motor flex, num percurso de 100 quilômetros – utilizando ora gasolina pura, ora etanol. E repetiram a análise com outra caminhonete do gênero, movida a diesel.

Fabrício Marques

política científica e tecnológica>

ED

ua

rD

o c

Es

ar

sustentávelBalanco

Page 31: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 31

Page 32: Buraco negro voraz

32 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

atualizados e concluiu que a vantagem do etanol para a gasolina era de 8 pa-ra 1 – um resultado compatível tanto com o levantamento de Goldemberg quanto com o da Embrapa.

A questão é que outros estudos chegaram a resultados diversos, a de-pender das variáveis que se levavam em conta na equação. Em 1988, por exemplo, uma pesquisa liderada por David Pimentel, professor de Ecolo-gia da Universidade Cornell, chegou a um resultado 50% inferior, mas levava em conta que a geração de energia nas usinas baseava-se no uso de combustí-veis fósseis. Hoje isso praticamente não acontece no Brasil, pois o bagaço da ca-na é usado pelas usinas para produzir a eletricidade que consomem.

Um questionamento mais recente diz respeito à mudança no uso do solo. Num estudo publicado em fevereiro de 2008 na revista Science, um grupo de pesquisadores liderados por Timothy Searchinger, da Universidade Prince-ton, propôs uma nova metodologia que contempla também os efeitos indiretos no uso do solo causados pelo aumen-to no interesse pelos biocombustíveis, como a ampliação da área do plantio de soja no Mato Grosso atribuída ao crescimento do cultivo de milho pa-ra a produção de etanol nos Estados Unidos, ou o avanço da pecuária na Floresta Amazônica supostamente im-pulsionado pelo crescimento da cana em áreas de criação de gado em São Paulo. “Estudos desse tipo ignoraram as peculiaridades da produção do eta-nol no Brasil e foram claramente usa-dos para desacreditar o combustível”, afirma José Goldemberg.

Conversão de pastagens - De acordo com o modelo de Searchinger, o etanol de milho norte-americano, em vez de promover uma redução de 20% nas emissões, dobraria as emissões de gases em 30 anos e aumentaria as emissões durante 167 anos. Embora admita que o etanol de cana é bem mais produtivo do que o de milho, Searchinger faz uma advertência: se o aumento da área cul-tivada basear-se na conversão de pas-tagens tropicais, as emissões de gases podem ser compensadas em quatro anos. Mas se implicar o desmatamento da floresta tropical, o período de com-pensação subiria para 45 anos.

O caráter sustentável do etanol de cana é conhecido há várias décadas. Além do fato de ser um combustível renovável, o álcool brasileiro leva van-tagens em relação ao etanol extraído de outras plantas, como o milho e a beter-raba, tanto na produtividade quanto na capacidade de gerar eletricidade por meio de seus resíduos. Mas os balan-ços energéticos levam em conta uma miríade de tópicos, como a emissão de gases na produção e aplicação de her-bicidas e fertilizantes, na construção da usina de álcool, na fabricação das máquinas agrícolas, no transporte do combustível até o consumidor final, entre outras.

O trabalho da Embrapa é o mais recente de uma série de balanços ener-géticos do etanol – e seu mérito está em preencher lacunas e em dar respos-

tas a dúvidas levantadas por estudos anteriores. Um dos primeiros estudos do gênero foi publicado pelo físico José Goldemberg, em 1978, na revista Science. Concluiu que, para produzir um litro de etanol, gasta-se aproxima-damente um décimo de litro de com-bustível fóssil. Em reconhecimento a esse estudo pioneiro, Goldemberg foi incluído numa lista feita pela revis-ta Time, no ano passado, dos heróis mundiais do meio ambiente. “O estudo da Embrapa será de grande utilidade, porque é extremamente detalhado e atualizado”, elogia Goldemberg.

Na década de 1990, o professor de engenharia Isaias de Macedo, do Nú-cleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas (Nipe-Unicamp), fez um novo balanço utilizando dados mais

Page 33: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 33

O estudo da Embrapa debruça-se sobre esse questionamento e encontra uma resposta que reitera a vantagem do etanol. Levando em conta a expansão do plantio de cana no território pau-lista, os pesquisadores mostram que ele não se deu sobre a floresta tropical, cuja cobertura permaneceu estável nos últimos 40 anos. No passado recente, o impacto da cana sobre outras cultu-ras foi pequeno. Houve uma pequena redução da área plantada com soja e milho, enquanto os laranjais e os pés de café mantiveram o mesmo espaço no período. A cana avançou sobre a pe-cuária, que, contudo, não sofreu com isso, uma vez que a produtividade das pastagens paulistas aumentou. “Pode-se afirmar que a cana avançou principal-mente sobre áreas degradadas, porque a pastagem, quando bem manejada, é lucrativa”, diz Luis Henrique. Segun-do ele, é razoável transpor esse tipo de mudança do uso da terra para as novas fronteiras do avanço da cana. A região do Cerrado, por exemplo, tem um perfil semelhante, com pecuária extensiva de lucratividade restrita.

Na avaliação do meteorologista Carlos Nobre, coordenador do Pro-grama FAPESP de Pesquisa sobre Mu-danças Climáticas Globais e do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Es-paciais (Inpe), o estudo da Embrapa faz justiça à capacidade do etanol de mitigar efeitos das mudanças climáti-cas. Mas, ele observa, ainda resta um desafio para agregar valor ecológico ao biocombustível brasileiro. “Outras monoculturas, como a do eucalipto, por exemplo, conseguiram resgatar um pouco das funções ecológicas dos ecossistemas que substituíram. Recupe-raram, por exemplo, matas ciliares. Isso ainda não se vê com as plantações de cana”, afirma. “Esse é um déficit que o setor deve ao meio ambiente e à socie-

O trabalho da Embrapa responde a uma dúvida sobre os efeitos

da mudança do uso do solo e mostra que os canaviais substituíram

pastagens, não florestas

dade. Os pesquisadores têm um papel a desempenhar nessa tarefa, ajudan-do a produzir estudos científicos e a encontrar soluções tecnológicas sobre esse assunto. E essa recomposição se-ria altamente benéfica inclusive para o negócio da cana”, diz Nobre.

O agronegócio de cana-de-açúcar movimenta R$ 40 bilhões por ano no país. A safra 2007/2008 colheu cerca de 550 milhões de toneladas de cana-de- -açúcar, 15,2% a mais do que a anterior. Metade dela é destinada à fabricação de etanol, o que faz do Brasil o segun-do maior produtor do combustível no mundo. O primeiro lugar cabe aos Es-tados Unidos, que extraem etanol de milho a poder de pesados subsídios. Dois terços da produção nacional estão no estado de São Paulo.

Mecanização - Segundo o trabalho da Embrapa, um hectare de cana produz por ano 3.244 quilos (kg) de gases es-tufa, em equivalentes de CO2, enquanto as lavouras de soja e milho emitem em média 1.160 kg e as pastagens, 2.840 kg. Mas um hectare de cana substitui 4.500 litros de gasolina, cuja combustão emi-te 16,4 toneladas de CO2 por ano para a atmosfera. O resultado é que a cada hectare de cana transformado em álcool e utilizado em substituição à gasolina produz uma redução de mais de 12 to-neladas nas emissões de CO2 anuais.

Um dado que favoreceu o balan-ço foi a crescente mecanização da co-lheita da cana, que vem substituindo o artifício das queimadas, usadas para limpar o solo, mas que espalham ga-ses estufa, como o CO2 e o metano (CH4) na atmosfera. O metano, aliás, tem um potencial de efeito estufa 21 vezes maior que o gás carbônico. Hoje a mecanização já envolve 60% da área de plantio do estado de São Paulo e, por força de lei, deverá até 2022 atingir qua-se a totalidade das fazendas de cana – a

exceção serão as áreas com declividade superior a 12%, em que só a colheita manual é possível. Segundo o estudo, se a colheita da cana fosse totalmente mecanizada, sem recorrer a queima-das, a vantagem do álcool seria ainda maior: 86% superior à gasolina e 78% em relação ao óleo diesel. “A colheita de cana crua elimina a emissão dos gases metano e óxido nitroso e também re-duz a emissão vinculada ao uso da mão de obra. Em compensação a máquina colhedora de cana consome 40 litros de diesel no mesmo período”, diz Luis Henrique. “Mas a comparação entre as emissões dos dois sistemas do corte deixa muito claro que, apesar do con-sumo pesado da máquina cortadora, a eliminação da queima diminui em quase 80% as emissões totais que ocor-rem na colheita.”

O estudo da Embrapa cita dois es-tudos recentes, um de Robert Boddey e colegas da própria instituição, e ou-tro do grupo de Carlos Cerri, profes-sor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) do campus “Luiz de Queiroz” da USP em Piracicaba, segundo os quais a mudança de uso do solo sob pastagens para lavouras de cana-de-açúcar colhida crua leva a um aumento nos estoques de carbono no solo. O uso de fertilizantes também teve destaque no estudo. Cada quilo de nitrogênio na forma de fertilizante emi-te em sua síntese 4,50 quilos de CO2 para a atmosfera. Mas o Brasil utiliza menos adubo nitrogenado na cana em relação a outros países, graças à capa-cidade da cultura de fixar o nitrogênio do ar através da ação de bactérias. Após comparar o etanol de cana com a gaso-lina e o diesel, a Embrapa Agrobiologia irá preparar estudos com dados do De-partamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda) para comparar a econo-mia de CO2 na produção de etanol de milho norte-americano. nE

Du

ar

Do

cE

sa

r

Page 34: Buraco negro voraz

34 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

A FAPESP e a Companhia de Saneamento Básico do Es-tado de São Paulo (Sabesp) assinam no dia 12 de maio um termo de cooperação para patrocinar projetos de investigação que envolvam

pesquisadores da empresa e das uni-versidades e de institutos de pesquisa paulistas. Está previsto um investimen-to de até R$ 50 milhões ao longo dos próximos cinco anos, sendo a metade proveniente da Fundação e a outra me-tade da Sabesp.

Os projetos deverão vincular-se a temas como o aumento da eficiência nos processos de tratamento de água, o monitoramento da qualidade da água, a redução da quantidade de lodo produ-zido e sua reciclagem, a diminuição do consumo de eletricidade na operação de sistemas de saneamento, o combate à perda de água nas tubulações, além de estudos econômicos sobre o desen-volvimento do setor de saneamento. As chamadas de proposta serão divulgadas por meio de um edital.

A Sabesp investe atualmente R$ 3,5 milhões anuais em pesquisa e desenvol-vimento. Com a parceria, ampliará esse montante anual para R$ 5 milhões, que se somarão a outros R$ 5 milhões fi-nanciados pela Fundação. “Investir em pesquisa e inovar são essenciais para o futuro da Sabesp”, diz Gesner Oliveira, presidente da companhia. “Hoje o mer-cado está mais competitivo, há padrões de exigência ambiental mais rigorosos, somos regulados por uma agência ex-terna e temos de enfrentar o desafio de universalizar os serviços. Precisamos ter capacidade de incorporar novas tecno-logias”, afirma. Com patrimônio de R$ 4 bilhões e 17 mil empregados, a Sabesp é a principal empresa de saneamento do país. O estado de São Paulo controla a empresa, com 50,3% de seu capital, enquanto os demais 49,7% pertencem à iniciativa privada.

Segundo Oliveira, a empresa preci-sou se reposicionar num mercado em que, anteriormente, não havia concor-rência. Hoje, ao contrário, a Sabesp necessita renegociar contratos com as prefeituras, que podem dispensar seus serviços e optar por outros arranjos, como a criação de autarquias munici-pais. “Recentemente, renovamos 160

Desenvolvimento

Cooperação entre Sabesp e FAPESPvai investir em tecnologias para melhorara qualidade dos serviços de saneamento

contratos de concessão”, afirma. Com a ampliação dos investimentos em pes-quisa, a empresa busca atingir metas como reduzir a perda de água nas tubu-lações para 13% até 2019 – atualmente a perda gira em torno dos 28%; a reci-clagem de lodo e a comercialização de novos produtos, como o gás metano proveniente do lixo e a água de reúso para indústrias. “As articulações que já temos com universidades e centros de pesquisa serão potencializadas com o investimento e o crivo da FAPESP na seleção dos projetos”, diz Oliveira.

Para o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, o acor-do sinaliza uma importante estratégia da empresa pública no estado de São Paulo para ampliar e consolidar suas atividades de pesquisa e desenvolvi-mento. “Este é um dos maiores acordos de pesquisa cooperativa estabelecidos pela Fundação e esperamos uma res-posta muito participativa da comu-nidade de pesquisa ao edital que será anunciado”, afirmou. n

>

ED

ua

rD

o c

Es

ar

A a

rquit

etura

da

água

Page 35: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 35

Colaboração

Modeloem expansãoFaPs montam redes para pesquisar a dengue, desenvolver biocosméticos e aumentara segurança nas transfusões de sangue

Está crescendo a articulação entre fun-dações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) em torno de programas con-juntos. Depois do lançamento da Rede Malária, que vai reunir pesquisadores de sete unidades da federação em torno de estudos colaborativos sobre a doen-

ça e de convênios firmados entre a FAPESP e as fundações de Minas Gerais (Fapemig) e do Maranhão (Fapema), pelo menos três novas iniciativas começam a ser articuladas, envol-vendo o desenvolvimento de biocosméticos na Amazônia, a segurança nas transfusões de sangue e a pesquisa sobre a dengue. “Existem temas de interesse que permeiam diversos es-tados e as fundações criaram musculatura para celebrar tais colaborações”, diz Mario Neto Borges, presidente do Conselho Nacional das FAPs (Confap) e da Fapemig.

A iniciativa mais recente foi deflagrada no início de abril, quando o Confap deu os primeiros passos para a formação da Rede Dengue, que deverá envolver FAPs de 15 es-tados, entre as quais a FAPESP. A proposta inicial prevê que as fundações investirão, ao todo, R$ 10 milhões na pesquisa da doença, que deverão somar-se a outros R$ 10 mi-lhões do governo federal, sendo R$ 5 milhões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e outros R$ 5 milhões do Ministério da Saúde. Os editais, que serão discutidos entre os parceiros, de-vem ser lançados ainda neste ano. “O CNPq Fabrício Marques

lançou o desafio para criar essa rede e as fundações aceitaram”, diz Mario Neto Borges.

A Rede Amazônica de Pesquisa em Desenvolvimento de Biocosméticos (Re-deBio) terá seu edital divulgado neste mês. Serão investidos R$ 6,8 milhões, di-vididos entre as FAPs do Amazonas, Pará e Maranhão e os governos do Tocan-tins e do Amapá, no desenvolvimento de produtos derivados de três insumos encontrados na região: a castanha, o ba-baçu e a andiroba. As pesquisas contem-pladas deverão envolver pesquisadores de pelo menos três estados da rede. “A ideia é ampliar os recursos da rede com dinheiro privado. Assim que os projetos forem definidos, vamos procurar em-presas interessadas em investir neles”, diz Odenildo Sena, diretor presidente da FAP do Amazonas (Fapeam).

Já a Rede Brasileira de Pesquisas em Segurança Transfusional, financiada por sete fundações estaduais de amparo à pesquisa e pelo Ministério da Saúde, busca aumentar a segurança dos usuá-rios de bancos de sangue do país. As fundações envolvidas são as de Minas Gerais (Fapemig), Pernambuco (Face-pe), São Paulo (FAPESP), Rio de Janei-ro (Faperj), Santa Catarina (Fapesc), Amazonas (Fapeam) e Distrito Federal (FAP-DF). Os hemocentros de cada es-tado serão responsáveis por desenvolver pesquisas que levem à melhoria da qua-lidade do sangue, por meio de tecno-logias que tornem as transfusões mais seguras. De acordo com a presidente da Fundação Hemominas, Anna Bárbara Proietti, a Rede Brasileira de Segurança Transfusional vai funcionar em sistema cooperativo, com projetos de pesqui-sa multicêntricos. “Vamos investir em diferentes frentes de pesquisa capazes de aumentar a segurança das transfu-sões”, diz Anna Bárbara. Segundo ela, os esforços deverão envolver desde a busca de métodos seguros de captação de doadores até o desenvolvimento de marcadores sorológicos. Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco estão um pas-so à frente, pois já participam do Es-tudo Multicêntrico Internacional em Doadores de Sangue (Reds), financiado pelo Instituto de Pesquisas em Sangue da Califórnia, nos Estados Unidos. n

>r

EP

ro

Du

çã

o B

on

d o

f U

nio

n, m

.C.E

sC

hE

r

Page 36: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 35

Colaboração

Modeloem expansãoFaPs montam redes para pesquisar a dengue, desenvolver biocosméticos e aumentara segurança nas transfusões de sangue

Está crescendo a articulação entre fun-dações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) em torno de programas con-juntos. Depois do lançamento da Rede Malária, que vai reunir pesquisadores de sete unidades da federação em torno de estudos colaborativos sobre a doen-

ça e de convênios firmados entre a FAPESP e as fundações de Minas Gerais (Fapemig) e do Maranhão (Fapema), pelo menos três novas iniciativas começam a ser articuladas, envol-vendo o desenvolvimento de biocosméticos na Amazônia, a segurança nas transfusões de sangue e a pesquisa sobre a dengue. “Existem temas de interesse que permeiam diversos es-tados e as fundações criaram musculatura para celebrar tais colaborações”, diz Mario Neto Borges, presidente do Conselho Nacional das FAPs (Confap) e da Fapemig.

A iniciativa mais recente foi deflagrada no início de abril, quando o Confap deu os primeiros passos para a formação da Rede Dengue, que deverá envolver FAPs de 15 es-tados, entre as quais a FAPESP. A proposta inicial prevê que as fundações investirão, ao todo, R$ 10 milhões na pesquisa da doença, que deverão somar-se a outros R$ 10 mi-lhões do governo federal, sendo R$ 5 milhões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e outros R$ 5 milhões do Ministério da Saúde. Os editais, que serão discutidos entre os parceiros, de-vem ser lançados ainda neste ano. “O CNPq Fabrício Marques

lançou o desafio para criar essa rede e as fundações aceitaram”, diz Mario Neto Borges.

A Rede Amazônica de Pesquisa em Desenvolvimento de Biocosméticos (Re-deBio) terá seu edital divulgado neste mês. Serão investidos R$ 6,8 milhões, di-vididos entre as FAPs do Amazonas, Pará e Maranhão e os governos do Tocan-tins e do Amapá, no desenvolvimento de produtos derivados de três insumos encontrados na região: a castanha, o ba-baçu e a andiroba. As pesquisas contem-pladas deverão envolver pesquisadores de pelo menos três estados da rede. “A ideia é ampliar os recursos da rede com dinheiro privado. Assim que os projetos forem definidos, vamos procurar em-presas interessadas em investir neles”, diz Odenildo Sena, diretor presidente da FAP do Amazonas (Fapeam).

Já a Rede Brasileira de Pesquisas em Segurança Transfusional, financiada por sete fundações estaduais de amparo à pesquisa e pelo Ministério da Saúde, busca aumentar a segurança dos usuá-rios de bancos de sangue do país. As fundações envolvidas são as de Minas Gerais (Fapemig), Pernambuco (Face-pe), São Paulo (FAPESP), Rio de Janei-ro (Faperj), Santa Catarina (Fapesc), Amazonas (Fapeam) e Distrito Federal (FAP-DF). Os hemocentros de cada es-tado serão responsáveis por desenvolver pesquisas que levem à melhoria da qua-lidade do sangue, por meio de tecno-logias que tornem as transfusões mais seguras. De acordo com a presidente da Fundação Hemominas, Anna Bárbara Proietti, a Rede Brasileira de Segurança Transfusional vai funcionar em sistema cooperativo, com projetos de pesqui-sa multicêntricos. “Vamos investir em diferentes frentes de pesquisa capazes de aumentar a segurança das transfu-sões”, diz Anna Bárbara. Segundo ela, os esforços deverão envolver desde a busca de métodos seguros de captação de doadores até o desenvolvimento de marcadores sorológicos. Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco estão um pas-so à frente, pois já participam do Es-tudo Multicêntrico Internacional em Doadores de Sangue (Reds), financiado pelo Instituto de Pesquisas em Sangue da Califórnia, nos Estados Unidos. n

>r

EP

ro

Du

çã

o B

on

d o

f U

nio

n, m

.C.E

sC

hE

r

Page 37: Buraco negro voraz

36 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

O centro da capital paulista ganhou um espaço para di-fusão da ciência e do conhe-cimento. Trata-se do Espaço Catavento, que oferece ao público 250 instalações es-palhadas por uma área de 8

mil metros quadrados. Instalado no Palácio das Indústrias, uma imponente construção erguida na década de 1920 no Parque D. Pedro II, que já abrigou a Assembleia Legislativa, a Secretaria de Segurança e a prefeitura, o museu recorre à interatividade, por meio de vídeos, painéis e maquetes, para apro-ximar as crianças e jovens da ciência e da tecnologia de uma forma lúdica. Fruto de uma parceria entre as secreta-rias de Estado da Cultura e da Educa-

ção, o espaço recebeu um investimento público de R$ 14 milhões e é adminis-trado por uma organização social. “O objetivo é instigar, provocar, criar uma sensação nova para os visitantes”, ex-plica o secretário estadual da Cultura, João Sayad.

Cada uma das quatro seções tem uma entrada independente. Como se trata de uma exposição de grande porte que pode levar até um dia inteiro para ser contemplada em profundidade, a ideia é dividir o passeio em várias vi-sitas, sem que os conteúdos se repitam. Na seção Universo, dezenas de fibras ópticas simulam o céu de uma noite estrelada de inverno em São Paulo. Os visitantes se acomodam em pufes e, com a ajuda de monitores, fazem o reconhecimento das constelações uti-lizando uma carta celeste. Também é possível tocar o fragmento de meteo-rito encontrado na Argentina que caiu na Terra há cerca de 6 mil anos; vis-lumbrar uma maquete de 1,2 metro de diâmetro que mostra detalhes do Sol repleta de rugosidades; ou pisar numa reprodução da primeira pegada do homem na Lua, imortalizada pelo astronauta Neil Armstrong, em 1969. Num exercício que associa astronomia

e geografia, é possível apertar as estre-las que compõem a bandeira do Brasil e saber qual estado elas representam.

Já na seção Vida há aquários de água salgada, anêmonas, corais e peixes carnívoros e venenosos, uma instala-ção com 700 borboletas amazônicas cedidas pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e um espaço em que o visitan-te pode selecionar pássaros em uma tela de computador e ouvir seus can-tos com fones de ouvido. Já na seção Engenho os destaques são o gerador de Van der Graaf, que deixa os cabelos de quem o toca em pé, um balão que levanta do chão e uma sala dedicada a ilusões de ótica. Um prisma mostra a decomposição da luz branca nas sete cores que vemos no arco-íris. Por fim, na seção Sociedade, há o Salão Azul, espaço que foi preservado conforme o projeto de restauro realizado por Lina Bo Bardi, em 1992. Trata-se do pedaço mais interativo do museu, com jogos de perguntas e respostas com temas atuais; o painel Portinari, no qual, com a ajuda de um pincel com sensor infra-vermelho, o visitante pinta a parede, revelando obras do pintor e informa-ções sobre os fatos históri-cos; além da galeria

Difusão

Sementes de conhecimentoSão Paulo ganha museu que divulga a ciência de forma lúdica e interativa

>

Page 38: Buraco negro voraz

forneceu as estruturas do corpo hu-mano em imagens tridimensionais da instalação Homem Virtual. No espaço Nanoaventura, filial da exposição in-terativa de nanociências e nanotecno-logia idealizada por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas e do Laboratório Nacional de Luz Sín-crotron (LNLS), os visitantes realizam uma competição de conhecimento e agilidade a respeito de microrganismos e objetos minúsculos. O museu teve o apoio de outras instituições, como o Instituto de Astronomia da Universi-dade de São Paulo (USP), que forneceu materiais e apoio técnico para toda a área do Universo, a Escola Politécnica da USP criou o Passeio Digital, uma viagem em três dimensões pelas paisa-gens do Rio de Janeiro, ou o Instituto Kaplan, responsável pela instalação

sobre gravidez na adolescência e doen-ças sexualmente transmissíveis.

A exposição é recomendada para crianças a partir dos 6 anos, mas pes-soas de todas as idades podem diver-tir-se e aprender. Apenas a instalação sobre sexualidade, na seção Sociedade, é restrita a maiores de 13 anos. O prin-cipal público-alvo são os 8 milhões de estudantes da rede estadual de ensino. O espaço integra o programa Cultura É Currículo, da Secretaria da Educação, voltado para democratizar o acesso de professores e alunos das escolas públicas a bens culturais e di-versificar situações de aprendizagem. Estima-se que pelo menos 1 milhão de estudantes irá visitar a exposição em seu primeiro ano de existência. “É um número grande, mas a educação sempre tem demandas muito maio-res do que a gente é capaz de atender”, diz o secretário João Sayad. Segundo ele, a inspiração do Catavento veio de espaços como a Cidade das Ciências e da Indústria de Paris La Villette, o maior centro de exposições de ciências naturais do mundo. n

fot

oS

ED

ua

rD

o c

ES

arde personagens históricos, na qual o

visitante escala uma parede e aproxi-ma-se de retratos de personagens co-mo Gengis Khan, Julio Cesar e Gandhi, que contam fatos de suas biografias. “O Catavento é uma verdadeira escola viva, que ajuda a compreender como as coisas funcionam, não só para as crian-ças mas a todos que quiserem entender mais sobre o mundo da ciência”, afirma Sergio Freitas, um dos idealizadores do museu e presidente do conselho de administração da organização cultural Catavento Cultural e Educacional.

Algumas das instalações interati-vas podem ser manipuladas sem ajuda, enquanto outras necessitam de guias. Educadores e monitores organizam jogos, demonstram experimentos de química ou ajudam a manipular as en-genhocas que comprovam as leis da física. Um auditório com 180 lugares está preparado para abrigar palestras e cursos.

A iniciativa aproveita uma série de experiências bem-sucedidas. Um pedaço da Exposição Darwin, exibi-da no Museu de Arte de São Paulo em 2007, foi acondicionada na seção Vida. A Fundação Faculdade de Medicina Fabrício Marques

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 37

Catavento: instalações vão da astronomia à biologia, da história à engenharia

Page 39: Buraco negro voraz

38 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Verde

Plano valoriza vegetação secundária para ampliar área de mata atlântica

Carlos Fioravanti

Matas imperfeitas, antes des-prezadas, ganharam valor ecológico e econômico. A vegetação secundária – as-sim chamada para se dife-renciar da vegetação primá-ria, que guarda a estrutura

e a diversidade de espécies da floresta original – é agora vista como uma das bases para um ambicioso plano de am-pliação da Mata Atlântica. No início de abril, representantes de organizações não governamentais, empresas e uni-versidades anunciaram em São Paulo o Pacto pela Restauração da Mata Atlân-tica, cuja meta é recuperar 15 milhões de hectares de florestas até 2050, uma média de 300 mil a 400 mil hectares por ano (1 hectare equivale a 10 mil metros quadrados, aproximadamen-te a área de um campo de futebol). Se conseguir os US$ 15 bilhões necessários para financiar esse trabalho e a adesão de milhares de proprietários rurais que detêm a maior parte dos fragmentos de Mata Atlântica, esse plano poderá triplicar a área atual de floresta atlân-tica hoje preservada em unidades de conservação ou parques administrados por órgãos públicos.

Hoje os fragmentos de vegetação secundária em diferentes estágios de crescimento – a maioria em proprie-dades particulares – ocupam uma área que corresponde a quase o dobro da de Mata Atlântica primária. Essas áreas, ainda mais facilmente que os pastos abandonados, em geral com vegeta-ção mais empobrecida, poderiam ser enriquecidas com espécies locais e in-terligadas com fragmentos maiores a custos menores que a restauração de terrenos sem nenhuma vegetação, de acordo com a metodologia da equipe da Esalq-USP (ver Pesquisa FAPESP nº 144, fevereiro de 2008). Reconhecida no ano passado com o Prêmio Ford de Conservação Ambiental, essa aborda-gem ajudou a repor 4.600 hectares de matas ciliares (às margens de rios) em empresas de papel e celulose no Rio Grande do Sul, Bahia e Paraná, em fa-zendas de cana-de-açúcar em São Pau-lo, de café em Minas, de soja no Pará e de pecuária em São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Livro e mapa - Se adotada pelos pro-prietários rurais e ampliada para todo o país por meio do pacto, essa técnica poderia dobrar a área com esse tipo de vegetação em Minas Gerais e Espíri-to Santo, aumentar em 50% a de São Paulo e quase quadruplicar a de Ala-goas e Pernambuco, de acordo com o levantamento nacional que embasou a definição das metas do pacto (o livro de 256 páginas com as bases teóricas do pacto e o mapa das áreas de restauração no Brasil encontram-se no site www.pactomataatlantica.org.br).

Apenas o cumprimento da lei po-deria ampliar bastante a Mata Atlân-tica, lembra Calmon. O problema, ele reconhece, é que os proprietários rurais geralmente não gostam de deixar 20% de suas terras com vegetação nativa, a chamada reserva legal, mas resistem menos em preservar ou recompor as matas ciliares, também obrigatórias por lei. “Os produtores rurais sabem que as matas ciliares são importantes”, diz ele, porque preservam rios e evitam a erosão dos solos. Rodrigues acrescenta: “Pou-cos sabem que a reserva legal pode ser

Ecologia>

“Dos 15 milhões de hectares a se-rem restaurados, 8 milhões são pastos de baixa produtividade”, diz Ricardo Rodrigues, coordenador da equipe que elaborou o conjunto de técnicas de restauração a serem adotadas no pacto, com base em seu trabalho à frente do Laboratório de Restauração Florestal (Lerf) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, interior paulista. “Se tirar os bois e incentivar o crescimento das matas, o proprietário rural pode ga-nhar três ou quatro vezes mais do que com a pecuária, ou ainda mais se agre-gar serviços ambientais como créditos de carbono.”

O argumento para ampliar a flores-ta agora é econômico. “Temos de criar a economia florestal da Mata Atlân-tica”, afirma Miguel Calmon, coorde-nador do conselho de coordenação do pacto, já assinado por 50 instituições, incluindo órgãos do governo federal, como o Ministério do Meio Ambiente, e governos do Rio de Janeiro, São Pau-lo e Espírito Santo. “A economia que destruiu a floresta agora vai ajudar a restaurá-la”, acredita Calmon.

multiplicado

Page 40: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 39

utilizada para produzir madeira, mel, frutas e outros produtos da floresta”.

Independentemente dos avanços do pacto, a área de Mata Atlântica cresceu, como resultado do aperfeiçoamento das técnicas de medição, e não se limita mais aos 7% da área coberta por esse tipo de vegetação na época da chegada dos colonizadores europeus. Esse nú-mero foi adotado nos últimos 15 anos e considerava apenas os blocos maiores e mais bem preservados. Agora, depen-dendo dos critérios, pode ir de 17% a 27%. Considerando também fragmen-tos bem preservados de menor porte, a área de Mata Atlântica pode chegar a 17%, de acordo com cálculos de equi-pes do Instituto de Biologia da USP, do Instituto Nacional de Pesquisas Espa-ciais (Inpe) e da SOS Mata Atlântica recém-publicados na revista Biological Conservation.

Somando a vegetação secundária em estágio médio e avançado de cres-cimento e a vegetação primária, o total pode representar 20% da área original, de acordo com um levantamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicado em dezembro de 2006. “Esse valor não quer dizer que temos 20% de biodiversidade da Mata Atlântica con-servada, mas uma cobertura vegetal de 20% em áreas que seriam de floresta e precisam ser acompanhadas e mo-nitoradas”, observa Carla Madureira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que coordenou esse levantamento.

Em escalas mais detalhadas, que considerem também as ilhas – ou en-craves – de caatinga, cerrado, campos de altitude, várzeas, mangues e restin-gas, a área total de Mata Atlântica po-de chegar a 27% do que era em 1500. “Quanto maior a escala, maior o deta-lhamento e mais floresta podemos ver”, comenta Carla. Na Amazônia ocorre o contrário: o detalhamento reduz a área de vegetação nativa, porque aparecem clareiras causadas por povoamentos ou mineração em meio à floresta. “Por-tanto”, diz ela, “antes de entrarmos em uma guerra de números, devemos con-siderar sobre o quanto estamos de fato enxergando”. n

ED

ua

rD

o c

Es

ar

Page 41: Buraco negro voraz

40 ■ maio DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 159

laboratório mundo>>

Rios como o Colorado nos

Estados Unidos, o Amarelo

na China, o Ganges na Índia

e o Nilo no norte da África,

que atravessam algumas das

áreas mais populosas do mun-

do, estão perdendo água, de

acordo com o Centro Nacio-

nal de Pesquisa Atmosférica

(NCAR, na sigla em inglês) dos

Estados Unidos. O estudo, pu-

blicado no Journal of Climate,

considerou o fluxo de água

de 1948 a 2004 e verificou

uma redução de cerca de um

terço no volume de água nos

maiores rios do mundo. Essa

redução pode ter sido causa-

da pela construção de barra-

gens, pelo desvio de água para

uso agrícola ou industrial ou

ainda, em alguns casos, pelo

aquecimento global, que alte-

raria o regime de chuvas que

abastecem os rios. O volume de água em alguns rios, como o

Bramaputra no sul da Ásia e o Yangtze na China, mostrou-se

estável ou mesmo aumentou. Nas próximas décadas, porém,

mesmo esses rios poderão carregar menos água, em conse-

quência do gradual desaparecimento das geleiras do Himalaia

que os abastecem. “Como as mudanças climáticas devem se

intensificar”, disse Kevin Trenberth, pesquisador do NCAR e

coautor do estudo, “veremos impactos ainda maiores nos rios

e nos estoques de água de que as pessoas dependem”.

RIo

S C

om

mE

no

S á

gU

Ahá mais de 5 mil anos. Análises químicas mostraram vestígios de ácido tartárico e tartarato (indícios de um fermentado de uvas), de bálsamo, coentro, menta, sálvia e resina de pinho numa jarra de vinho resgatada da tumba do faraó Scorpion I, 3.150 a.C. Resíduos de resina de pinho e alecrim numa ânfora do sítio de Gebel Adda, no sudeste do Egito, com idade estimada entre os séculos IV e VI d.C. – cerca de 3.500 anos depois da morte do faraó –, indicam que a prática medicinal deve ter sido usada por milênios. A descoberta publicada na

PNAS foi feita pela equipe de Patrick McGovern, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e indica que a civilização que floresceu ao redor do Nilo já usava compostos orgânicos em sua farmacopeia ao menos mil anos antes do que se acreditava. Até se saber do vinho de Scorpion I, a referência mais antiga ao emprego de ervas medicinais pelos egípcios era um papiro de 1.850 a.C.

> O primeiro vinho medicinal

Os antigos egípcios já misturavam ervas e resinas de árvores no vinho e o bebiam com fins medicinais

Rio Amarelo, na China, visto por satélite: vazão prejudicada

> Nutrição precária prejudica filhos

Você é o que sua mãe deixou de comer durante a gravidez. Pesquisadores da Universidade de Utah, Estados Unidos, verificaram que fetos de ratos que receberam nutrição pobre durante a gestação já nasceram mais preparados geneticamente para comer menos. Como resultado dessa adaptação, cresceram

Jarra do faraó para bebida terapêutica

W. p

ra

tt

Na

sa

Page 42: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 ■ maio DE 2009 ■ 41

> Uma gordura saudável

Uma gordura que ajuda a emagrecer existe em adultos, dizem três artigos no New England Journal of Medicine. É a gordura marrom, que se acreditava só existir em crianças. Em vez de armazenar calorias, como a gordura branca, a marrom queima energia para produzir calor. Um experimento mostrou que a 16° C a gordura marrom de homens adultos entra em ação. Com mais calor a atividade cessa, mas a gordura continua a postos. Ela parece ser mais abundante em mulheres e mais escassa em pessoas mais pesadas – resta saber por que a gordura marrom emagrece ou se, ao contrário, pessoas mais gordas não precisam dela para se manter quentes. No futuro, ativar a gordura marrom pode fazer parte do arsenal contra a obesidade.

menos que os alimentados normalmente durante a gestação. Também apresentaram maior risco de, ao longo da vida, contraírem doenças como diabetes e obesidade. Embora o estudo tenha sido com ratos, os genes e os mecanismos celulares são os mesmos que nos humanos (Faseb Journal). Outro estudo, de um grupo da Universidade Rockefeller, foi publicado na Science de 16 de abril e mostrou que um nucleotídeo, o 5-metilcitosina, ou 5mC, participa da regulação do DNA, silenciando genes, de uma maneira que ainda não havia sido descrita. A regulação dos genes, mais do que os próprios genes, explica as diferenças entre vermes, camundongos, macacos e homens, todos com praticamente a mesma quantidade de material genético e a maioria dos genes em comum.

> O que come um elefante

Pelos da cauda de um elefante podem revelar o que ele comeu ou bebeu:

basta medir as formas em que ali se apresentam o carbono, nitrogênio e hidrogênio. Com esse recurso, pesquisadores da Universidade de Utah

GE

ol

oG

ica

l s

ur

vE

yB

rE

tW

oo

D H

iGm

aN

Quando o vulcão Redoubt

do Alasca começou a tre-

mer, em janeiro, pesquisa-

dores do Instituto de Mine-

ração e Tecnologia do Novo

México, Estados Unidos,

correram para lá e instala-

ram uma série de sensores

que medem a eletricidade

e os clarões criados pe-

las plumas vulcânicas – o

magma líquido que vem

das profundezas da Terra e

perfura a crosta. Quando o

vulcão entrou em erupção,

em 22 e 23 de março, os

dispositivos registraram a

variação elétrica e lumino-

sa pela primeira vez desde

antes da erupção. “Com-

parações com as observa-

ções do vulcão Chaiten, no

Chile, no ano passado, nos

contarão muito mais sobre

esses fenômenos”, disse Bradley Smull, diretor da divisão

de ciências atmosféricas da Fundação Nacional de Ciência

(NSF), que financiou a pesquisa. O vulcão ainda não aquie-

tou e, semanas atrás, soltou ainda mais lava e fumaça que

na primeira erupção. O barulho na frequência de rádio foi

tão intenso que as pessoas nas proximidades não conse-

guiram assistir aos habituais programas de TV.

A E

lE

tR

ICId

Ad

E d

E U

m v

Ul

oRedoubt: erupção com sensores

m. k

Ep

Ha

rt

Da tromba à cauda: pelos identificam água

e da Universidade Estadual do Colorado, nos Estados Unidos, e da Universidade de Oxford, no Reino Unido, acompanharam por seis anos a dieta de uma família de elefantes nas reservas nacionais de Samburu e Buffalo Springs, no Quênia (PNAS). Viram que os elefantes comem mais capim duas semanas depois do pico de produtividade das plantas, e três semanas depois as fêmeas têm mais chances de conceber. Comparar esses dados às chuvas e à produtividade das plantas é valioso para entender como os elefantes usam o ambiente, o que pode orientar o manejo desses animais nos parques.

Page 43: Buraco negro voraz

42 ■ maio DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 159

laboratório brasil>>

não produzem –, amostras de leite de duas mães impediram a proliferação de um tipo de bactéria em células humanas cultivadas em laboratório, de acordo com um estudo realizado por Patrícia Palmeira, da Universidade de São Paulo (USP), com colegas da Universidade Federal

Quem gosta de uma boa

tigela de açaí com fatias

de banana e cereal talvez

prefira não pensar por on-

de as frutas andaram. Um

estudo liderado por Aglaêr

Nóbrega, do Ministério da

Saúde, mostrou que os co-

quinhos arroxeados podem

transmitir o Trypanosoma

cruzi, parasita causador da

doença de Chagas (Emer-

ging Infectious Diseases).

A doença costuma ser

transmitida pelo inseto

barbeiro e se manifesta

de maneira crônica. Mas

quando por acidente as

fezes infectadas do barbei-

ro são trituradas junto com

os cocos do açaí, entra em

ação a forma aguda, mais

letal, que em 2006 ata-

cou 178 pessoas no Pará.

O grupo coordenado por

Aglaêr analisou o sangue

de 11 pessoas infectadas

no município paraense de

Barcarena durante o surto

de 2006 e verificou que a

contaminação aconteceu

durante uma refeição com açaí. O estudo é um passo no sen-

tido de identificar fontes de infecção e traçar medidas para

evitar que alimentos importantes, como é o caso do açaí na

região amazônica, se tornem um risco. Fora da Amazônia a

polpa já chega congelada, mas ainda é cedo para relaxar: não

se sabe se o congelamento mata os parasitas.

PE

rIg

o n

A t

IgE

lA

de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal do Ceará (UFC). Segundo Magda Carneiro-Sampaio, da Faculdade de Medicina da USP, que coordenou o estudo, a atividade antibacteriana pode ser explicada por outros mecanismos, como o conjunto de células e proteínas de defesa que cada pessoa tem de nascença. O trabalho mostrou também que a placenta pode transmitir para o bebê anticorpos que a mãe recebeu em medicamentos (Pediatric Allergy and Immunology).

> Menos mortes pelo coração

As mortes causadas por doenças cardiovasculares estão se tornando menos frequentes. Cintia Curioni, do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), coordenou um levantamento que verificou que, de 1980 a 2003, em todo o país e todas as faixas de idade, a mortalidade causada por doenças cardiovasculares caiu de 287,3 para 161,9 para cada grupo de 100 mil habitantes (Revista Panamericana de Salud Publica). A taxa de mortes por enfarte foi a que mais caiu, seguida de doenças coronarianas. Nas próximas décadas, porém, a perspectiva é de que o número de mortes por doenças cardiovasculares volte a crescer, já que a magnitude do declínio registrado nesses 24 anos varia de acordo com as diferenças socioeconômicas regionais.

> Óleo na Amazônia

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, anunciou no mês passado que as plantações de dendê poderão ocupar 10 milhões de hectares na Amazônia, uma área equivalente à do estado de Pernambuco. Se por um lado existe a possibilidade de geração de empregos, da ordem de 100 mil para cada 1 milhão de

> Leite para proteger bebês

Mães com males como a imunodeficiência comum variável, doença genética que acomete uma em cada 25 mil pessoas, devem amamentar, porque o leite protegerá os bebês. Embora sem anticorpos – que elas

Barbeiros: vetores da doença de Chagas

ma

no

El

DE

ca

st

ro

sil

va

Page 44: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 ■ maio DE 2009 ■ 43

dos itomiíneos, que com a coloração típica anunciam sua toxicidade a potenciais predadores. Em busca de entender a origem e história da diversificação dessas borboletas comuns no Brasil, a francesa Marianne Elias, do Imperial College de Londres, reavaliou a classificação desses belos insetos voadores. Publicado em abril na Molecular Ecology, o trabalho contou com a colaboração de André Freitas e Karina Silva-Brandão, da Unicamp. Os resultados mostram que as borboletas dos gêneros Ithomia e Napeogenes surgiram nos Andes e começaram a se diversificar há cerca de 15 milhões de anos, quando a

hectares plantados, por outro a possibilidade de impactos ambientais também parece clara, como resultado da rápida expansão das plantações de dendê na Amazônia. Rhett Butler, da organização ecologista Mongabay.com, e William Laurance, do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, avisam que as plantações de dendê são ecologicamente pobres, com pouca diversidade biológica, e poderão avançar sobre florestas primárias, já que os lucros obtidos com a venda de madeira ajudariam os proprietários rurais a atravessar os anos em que os dendezeiros ainda não geram renda (Tropical Conservation Science). Uma mudança no Código Florestal permitiria que os dendezeiros ocupassem apenas áreas já desmatadas. A lei proíbe o cultivo de plantas que não sejam nativas da região.

> Voos nas alturas

Quem passeia por florestas andinas facilmente vê voejarem asas transparentes com manchas vermelhas e desenhos pretos. São as borboletas da subfamília

Quando as mãos de

uma pessoa são am-

putadas, o cérebro se

reorganiza para ajus-

tar sensibilidades e

movimentos ao que

realmente existe. As

representações cere-

brais dos nervos que

chegam aos múscu-

los preservados se

expandem e invadem

partes do córtex mo-

tor primário antes de-

dicadas às mãos. Um

grupo da Universidade

de Lyon, na França, es-

tudou dois pacientes

que receberam trans-

plante das duas mãos

e verificou que pode

demorar mais de dois

anos, mas aos poucos

o córtex motor se re-

programa para recupe-

rar movimentos finos.

A neurofisiologista

Claudia Vargas, da

Universidade Federal do Rio

de Janeiro, participou do tra-

balho junto com a doutoranda

Erika Rodrigues (PNAS). Com

um aparelho de estimulação

magnética transcraniana, os

pesquisadores examinaram a

atividade do cérebro de um

dos pacientes, de 20 anos,

11 meses antes do implante e

quatro vezes até 26 meses de-

pois. O segundo, de 42 anos,

só foi testado pouco mais de

quatro anos após a cirurgia.

No mapa: cérebro reconhece mãos

Napeogenes sylphis: origens desvendadas

nE

rv

oS

rE

or

dE

nA

do

S

Dendê: plantações ameaçam floresta

ma

ria

nn

E E

lia

s

fl

or

a b

ra

sil

iEn

sis

cordilheira já tinha passado dos mil metros (entre 30% e 50% da elevação atual). À medida que as montanhas se ergueram, surgiram novos ambientes e populações de borboletas ficaram isoladas umas das outras: um cenário propício para a diversificação. E não ficaram por ali. Nos últimos 7 milhões de anos as borboletas transparentes chegaram à Mata Atlântica. Hoje mais de 360 espécies delas povoam boa parte dos trópicos sul-americanos.

mig

uE

l b

oy

ay

an

Page 45: Buraco negro voraz

44 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Genética

Herança fora da famíliaTroca de genes entre espécies diferentes é fonte de debate de evolucionistas

Cada vez mais estudos mostram que características genéticas não são transmitidas só de pais para filhos, como supõem os princípios da hereditariedade, mas circulam até entre espé-cies distintas. Não é novidade

que bactérias podem adquirir genes que as tornam mais infecciosas ou que lhes permitem sobreviver em condições adversas. Agora o grupo do biólogo mo-lecular Carlos Menck, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), mostrou que parte do metabolismo de bactérias Xan-thomonas, causadoras do cancro cítrico que ataca laranjeiras e limoeiros, é dife-rente da maioria das outras bactérias. A diferença vem da possibilidade de troca de genes entre espécies, conhecida co-mo transferência lateral, que chega a levar alguns pesquisadores a defender que Charles Darwin estava errado ao usar, 150 anos atrás, as ramificações de uma árvore para descrever a evolução da diversidade biológica.

As descobertas de Menck partiram de observações fortuitas em meio aos primeiros projetos brasileiros de se-quenciamento de genomas. Enquanto contribuía para desvendar o material genético das bactérias Xylella e Xan-thomonas, de grande importância eco-nômica devido às doenças que causam em plantações, ele percebeu que muitos dos genes pareciam não ser transmiti-dos ao longo de linhagens de bactérias. Surgiu daí o doutorado de Wanessa Li-

Maria Guimarães

ma. Ela detectou diversos ca-sos de transferência lateral de genes nessas bactérias, como relatou em 2008 nas revistas Journal of Molecular Evolution e FEMS Microbiology Letters.

Eram ainda genes acessórios, que não abalavam a premissa de que fun-ções essenciais à vida não podem ser copiadas de outros organismos. Agora isso mudou: Wanessa descobriu que bactérias das ordens Xanthomonadales e Flavobacteriales fabricam um com-posto essencial para gerar energia (o dinucleotídeo de nicotinamida e ade-nina – NAD) usando uma sequência de reações bioquímicas até agora co-nhecida só em eucariotos, organismos em que o material genético está em-pacotado dentro do núcleo. Eucario-tos podem ser simples como fungos

Genes de reparo de DNA: análise funcional e evolução

modAlIdAdE

Projeto Temático

Co or dE nA dor

Carlos FrederiCo Martins MenCk – ICB-USP

InvEStImEnto

R$ 1.453.233,23

O PrOjetO>

compostos por células independentes ou mais complexos e multicelulares, como uma pessoa. Já as bactérias são procariotos: na grande maioria das vezes unicelulares e desprovidas de núcleo, em geral com uma molécula circular de DNA.

O resultado, publicado em feverei-ro na Molecular Biology and Evolution, contribui para entender a evolução das bactérias por ser o primeiro caso des-crito de uma função vital cujos genes foram substituídos. “O mais provável é que esses genes tenham sido trocados entre um eucarioto e uma bactéria an-cestrais e mais tarde se espalhado por especiação em Xanthomonas ou Flavo-bacteriales”, imagina a pesquisadora. Com base em buscas por genes seme-lhantes em um banco internacional de sequências genéticas, Menck aposta nesse doador eucarioto ancestral como um fungo que convivia com a bactéria, num hospedeiro, em simbiose ou no solo, provavelmente pouco depois da separação entre Xanthomonas e Xylella,

>ciência

Page 46: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 45

Scientist. Na árvore, as espécies atuais estariam na ponta de cada ramo, e os pontos de bifurcação representariam ancestrais comuns. Mas em artigo pu-blicado na revista Nucleic Acids Resear-ch, o biólogo molecular Eugene Koonin, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), defende que o patrimônio genético das bactérias está inteiramente interligado, como um mar de genes sem nada que os separe. Isso, a seu ver, invalida o conceito de árvore da vida: “Esses achados dão corpo a uma nova e dinâmica visão do mundo pro-carioto que é mais bem representado como uma rede complexa de elementos genéticos, que trocam genes em taxas muito variáveis”, escreve.

A polêmica promete ir longe. Pa-ra John Wilkins, filósofo da ciência da Universidade de Queensland, na Austrália, a visão da evolução como rede está errada. “Se uma espécie fos-se formada por transferência genéti-ca generalizada”, diz ele, “de maneira que não fosse possível dizer o que é herdado e o que não é, acho que seria difícil chamá-la de espécie”. Mas ele acredita que a probabilidade de isso acontecer é ínfima. Menck completa: pode haver uma mistura genética entre espécies, mas os genes em si seguem linhagens conforme prevê a teoria evo-lutiva de Darwin. As trocas dificultam o trabalho de quem busca reconstruir as genealogias bacterianas, mas o pes-quisador da USP ressalta que, além de 80% dos genes procariotos serem

transferidos por descendência, alguns nunca se habilitam a ser transferidos. É essa porção fixa do material gené-tico que permite reconstruir as rela-ções de parentesco entre as bactérias. “A rede seria mais como uma fina teia de aranha envolvendo a árvore, e não o contrário”, conclui.

De acordo com Menck, a polêmica é positiva e leva os pesquisadores a aprenderem cada vez mais sobre os processos evolutivos. Desse ponto de vista, a conclusão do artigo de Koonin pode ser estimulante: “A complexida-de emergente do mundo procarioto está atualmente além do nosso alcan-ce. Não temos linguagem adequada, em termos de teorias e ferramentas, para descrever o funcionamento e as histórias da rede genômica. Desenvol-ver tal linguagem é o maior desafio para a próxima etapa na evolução da genômica de procariotos”. n

há cerca de 15 milhões de anos. De al-guma maneira ainda não elucidada, essa proximidade teria permitido que trechos de DNA passassem de uma es-pécie para outra, com ou sem a inter-mediação de vírus.

Controvérsia - O grupo da USP ainda não sabe explicar por que nessas bac-térias a nova forma de fabricar NAD teria substituído a que existia. “A via de eucariotos é mais cara em termos de nutrientes e energia, além de exi-gir mais oxigênio”, conta Wanessa. Ela desconfia que essa nova rota tenha sido mantida em Xanthomonas e flavobac-térias por trazer vantagens diante dos aminoácidos disponíveis ou do teor de oxigênio no ambiente. Para Menck, a seleção natural está provavelmente por trás dessa permanência. O trabalho ain-da não publicado de um de seus alunos, o bioinformata Apuã Paquola, mostra que cerca de 20% dos genomas de bac-térias vêm de transferência lateral entre bactérias de grupos distintos. São os trechos que foram favorecidos pela evo-lução e se estabeleceram. Os indícios são de que a troca de genes entre seres vivos diferentes é constante, mas em geral as novas combinações se perdem durante a evolução.

Mesmo assim, alguns pesquisadores defendem que a transferência lateral de genes torna incorreta a metáfora de ár-vore para descrever a evolução da bio-diversidade – polêmica que em janeiro chegou à capa da revista britânica New

> Artigos científicos

1. LIMA, W. C. et al. NAD biosynthesis evolution in bacteria: lateral gene transfer of kyurenine pathway in Xanthomonadales and Flavobacteriales. Molecular Biology and Evolution. v. 26, n. 2, p. 399-405. fev. 2009.2. KOONIN, E. V. e WOLF, Y. I. Genomics of bacteria and archaea: the emerging dyna-mic view of the prokaryotic world. Nucleic Acids Research. v. 36, n. 21, p. 6.688-6.719. dez. 2008.3. WILKINS, J. S. The concept and causes of microbial species. History and Philosophy of the Life Sciences. v. 28, n. 3, p. 389-407. 2006.

foT

os

El

ioT

kiT

aj

ima

Page 47: Buraco negro voraz

46 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

O Brasil tem uma riqueza privilegia-da de gatos silvestres. Só no gênero Leopardus estão o gato-do-mato- -grande, o gato-do-mato-pequeno, o gato-palheiro, o gato-maracajá e a jaguatirica. O Rio Grande do Sul se destaca, com mais diversidade do

que a Amazônia, em termos de felinos: o gato--do-mato-grande e o gato-palheiro, de origem patagônica, existem ali mas não no norte do país. A destruição dos seus hábitats naturais faz com que essas cinco espécies, com exceção da primeira, sejam consideradas vulneráveis no Livro vermelho das espécies da fauna bra-sileira ameaçadas de extinção, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2008. Para os especialistas, porém, o maior risco que esses animais enfrentam é a falta de conhecimen-to, que impede que se delineiem estratégias eficazes de conservação. É isso que o grupo do biólogo Eduardo Eizirik, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), busca sanar. Com resultados por vezes surpreendentes, como o que Tatiane Trigo revelou no doutorado: 60% dos gatos--do-mato do Rio Grande do Sul são híbridos. E os encontros reprodutivos entre espécies distintas não se restringem àquele estado.

Parte dos resultados, publicados no final do ano passado na Molecular Ecology, dizem respeito à região gaúcha onde o gato-do-ma-to-grande (Leopardus geoffroyi) e o gato-do--mato-pequeno (L. tigrinus) se encontram. São gatos bastante parecidos, manchados e de pequeno porte. Como o nome sugere, o primeiro costuma ser maior e pode chegar a quase 8 quilogramas, com uma pelagem que tende para o cinzento. Já o gato-do-mato-pe-queno não passa de 3,5 quilos, tem um aspecto mais delicado e uma coloração amarelada. A distribuição de cada um no Brasil, porém, é bastante diferente: o gato maior só é encon-

trado no sul do Rio Grande do Sul, enquanto o menor existe em quase todo o território bra-sileiro – exceto no extremo sul gaúcho.

Tatiane conta que a área crucial para os encontros dos felinos é a depressão central do estado, palco de mudanças ecológicas marcantes. Para o norte a paisagem é do-minada pela serra recoberta por Mata de Arau cárias, a versão local da Mata Atlânti-ca, e para o sul se estendem as campanhas do Pampa. É nessa região de transição entre dois ecossistemas, pelas particularidades do relevo uma zona de fácil acesso para seres humanos pelas estradas, que a pesquisadora obteve mais amostras e detectou, com base em estudos genéticos, a preponderância de híbridos. Ao todo, ela examinou 57 amostras do gato-do-mato-pequeno e 41 do grande, recolhidas em vários estados brasileiros: eram animais atropelados nas estradas, abatidos por fazendeiros ou que vivem em zoológicos e têm origem conhecida. Entre eles, pelo menos 14 se revelaram híbridos, um recorde em termos de hibridização até agora observada em carnívoros. A maior parte deles vinha da região central do Rio Grande do Sul. O trabalho incluiu também sete amostras (só duas delas do Brasil) do gato-palheiro, o Leopardus colocolo, e verifi-cou que essa espécie também forma híbridos com tigrinus. “As populações brasileiras do gato-do-mato-pequeno podem ter DNA de três espécies distintas”, afirma Eizirik.

Mesmo assim, as análises não deixam dú-vidas de que as três espécies são geneticamente distintas. Até onde se pôde detectar, porém, os híbridos entre elas são normalmente férteis – nada como os burros, mistura entre cavalos e jumentos, que vivem normalmente mas são incapazes de deixar descendentes. No caso dos gatos, a possibilidade de detectar os híbridos só se tornou realidade com as técnicas atuais

Cruzamento entre gatos-do-mato distintos é mais comum do que se acreditava

EncontrosZoologia>

fot

os

ED

ua

rD

o C

Es

ar

Sem mistura: felinos do zoológico de São Paulo não são frutos de hibridização

furtivos

Page 48: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 47

Page 49: Buraco negro voraz

48 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

para se destrinchar e comparar o mate-rial genético. Em termos de aparência, na maior parte dos casos os híbridos tinham o aspecto de uma das duas es-pécies de que descendiam. A surpresa veio ao examinar o DNA, que guardava alguns trechos característicos da outra espécie. Alguns dos animais, porém, eram obviamente híbridos, com ta-manho e coloração intermediários. É material para pôr fogo nas discussões sobre onde começa e onde termina ca-da espécie.

O grupo observou também uma baixa diversidade genética nos dois gatos-do-mato, que indica uma expan-são populacional recente. Os resultados já levaram os pesquisadores a formu-lar uma hipótese sobre a história de Leopardus tigrinus e geoffroyi. Até que mais estudos tragam outros indícios, a equipe de Eizirik acredita que durante cerca de 1 milhão de anos esses gatos- -do-mato evoluíram em áreas distintas, sem a oportunidade de se encontrar. Só mais recentemente, por volta de 70 mil anos atrás, as duas espécies – ou talvez só tigrinus, o gato-do-mato-pequeno – teriam expandido sua distribuição geográfica, fazendo com que machos e fêmeas das duas espécies se encontras-sem na depressão central gaúcha. Uma hipótese é que os gatos-do-mato-pe-quenos tenham seguido a expansão das florestas, seu ambiente favorito, durante um período de clima mais úmido. “Pre-

cisamos desenvolver mais marcadores genéticos para descobrir se os híbridos começaram a se formar naquela época ou se o fenômeno é mais recente, desde que intervenções humanas começaram a alterar de maneira drástica a ecologia da região”, diz Tatiane.

O estudo publicado na Molecular Ecology é parte do doutorado que a pesquisadora desenvolveu sob orien-tação do geneticista Thales de Freitas na Universidade Federal do Rio Gran-de do Sul (UFRGS) e coorientação de

Eizirik. A tese, que ela defendeu em novembro de 2008, traz atua lizações em relação ao artigo – mais amostras, mais marcadores genéticos e análises mais completas. Os resultados já dão aos pesquisadores mais confiança nas interpretações, embora o trabalho não esteja finalizado. Mesmo concluído o doutorado, Tatiane continua buscando aumentar a amostragem e completar as análises antes de enviar mais tra-balhos para publicação. Ao mesmo tempo, outros membros do grupo aju-dam a completar peças dessa história. É o caso de Alexsandra Schneider, que em seu mestrado encerrado este ano desenvolveu mais ferramentas genéti-cas para ajudar a identificar os gatos híbridos e caracterizar esse encontro entre espécies.

Separados pelo estômago - Para des-trinchar os fatores ecológicos que pode-riam estar envolvidos no isolamento – e no encontro – entre geoffroyi e tigrinus, Tatiane investigou os hábitos alimen-tares dos gatos das duas espécies. Em princípio, esses dois gatos-do-mato têm preferência por ambientes distintos, o primeiro vive em áreas de vegetação aberta como os Pampas gaúchos, en-quanto o segundo busca as florestas úmidas, como as áreas mais fechadas da Mata Atlântica e do Cerrado. A di-ferença nos ambientes que frequentam poderia ser responsável por evitar en-

Mecanisnononn de nononono monar na nonono nonononono

modAlIdAdE

Nonon a Pesquinn – Nonononono

Co or dE nA dor

NoNoNoNoNo – XX/XXX

InvEStImEnto

r$ 000.000,00 (NoNoNoNo)

O PrOjetO>

Palheiro: um dos mais raros entre os gatos silvestres brasileiros

gato-do-mato-pequeno: na natureza, DNa de três espécies

Page 50: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 49

contros entre as duas espécies, mesmo dentro de uma mesma região. Mas apa-rentemente não é o que acontece, in-clusive porque o gato-do-mato-grande é às vezes visto em mata fechada e sua contrapartida pequena também pode passear entre os arbustos espinhentos da Caatinga e pela vegetação esparsa que caracteriza parte do Cerrado.

Em busca de caracterizar a ecologia desses animais que dificilmente são ob-servados na natureza, a pesquisadora examinou o conteúdo dos estômagos de 13 Leopardus tigrinus e 17 geoffroyi que foram encontrados mortos nas es-tradas do Rio Grande do Sul. Ao identi-ficar os animais que servem de refeição aos gatos-do-mato, ela verificou que 50% da dieta coincide entre as duas espécies. A outra metade da dieta dá força às preferências dos gatos por hábi-tats diferentes. Os roedores encontrados unicamente nos estômagos do gato-do- -mato-pequeno são em geral típicos de florestas. Já os animais que viraram al-moço do gato-do-mato-grande, como o preá e o lagarto da espécie Mabuya dorsivittata, costumam ser mais asso-ciados a áreas abertas. Os resultados são promissores, mas Tatiane ainda os considera muito preliminares. Além da dificuldade em obter uma amostragem adequada, ela conta que, de maneira geral, a ecologia dos roedores é ainda menos conhecida que a dos gatos, o que dificulta as associações ecológicas.

Até agora os resultados da pesquisa contam que o gato-do-mato-grande e o pequeno vieram de lugares dife-rentes e, quando se encontraram, des-

> Artigo científico

TRIGO, T. C. et al. Inter-species hybridization among Neotropical cats of the genus Leopardus, and evidence for an introgressive hybrid zone between L. geoffroyi and L. tigrinus in southern Brazil. Molecular Ecology. v. 17, n. 19, p. 4.317-4.333. out. 2008.

cobriram afinidades reprodutivas. A história do gato-palheiro ainda está para ser contada, mas os indícios re-colhidos por Tatiane indicam um en-redo bem diferente. Grandes dúvidas cercam inclusive a classificação dessa espécie, que, com seus 4 quilos, chega a se parecer com um gato doméstico amarronzado de patas listradas e cauda curta. Conhecido por muito tempo co-mo Leopardus colocolo, hoje alguns pes-quisadores defendem que na verdade esse gato se divide em três espécies, e o nome colocolo estaria reservado à espé-cie chilena. Conforme essa corrente, os gatos-palheiros do Brasil ficariam bati-zados como L. braccatus. A questão não é central para o grupo gaúcho, mais interessado em entender a história e a ecologia desses gatos.

Tatiane conta que teve dificuldades em obter amostras do gato-palheiro, não só por ele ser o mais raro entre os três felinos que ela examinou em seu trabalho, mas também porque foi preci-so negociar colaborações para ter acesso a animais que vivem na parte norte da distribuição da espécie, no Mato Grosso e em Goiás. Agora um acordo firmado com outros pesquisadores permiti-rá obter um número muito maior de amostras e, quem sabe, ter uma história mais completa para contar nos próxi-mos anos. Por enquanto, os dados su-gerem que na região central do Brasil há uma zona, ainda indefinida, onde o gato-do-mato-pequeno e o palheiro se encontram e produzem híbridos. “Acre-ditamos que essa hibridação aconteceu no passado, entre fêmeas colocolo e ma-

chos tigrinus”, diz Eizirik, se referindo a diferenças entre o que seu grupo obser-vou entre o cromossomo Y, transmitido de pai para filho, e o resto do material genético.

Já o gato-do-mato-grande não se mistura com o palheiro, embora não lhes faltem oportunidades para encon-tros. As duas espécies surgiram na Pata-gônia e convivem no mesmo ambiente. O grupo de geneticistas gaúchos acre-dita que a explicação para a ausência de hibridização está na longa história compartilhada. Tendo evoluído juntas, algum mecanismo ainda desconhecido certamente teria impedido que essas duas espécies gerassem híbridos, o que impediria que se firmassem como es-pécies distintas.

Criaturas de índole discreta, os fe-linos não entregam seus segredos facil-mente. Eizirik ainda tem muito traba-lho pela frente, mas considera que os resultados que seu grupo já obteve são essenciais não só para conhecer melhor os gatos brasileiros, mas também para proteger essas espécies. n

gato-do-mato-grande: encontro com espécie menor gera híbridos viáveis

Maria Guimarães

Page 51: Buraco negro voraz

InformaçõesruminadasSequenciamento do DNA bovino abre caminho para compreensão e melhoramento das raças

fot

oS

mic

hA

el

mA

cN

eil

/uS

DA

Domesticados há cerca de 10 mil anos, bois e vacas são fonte de alimento, na forma de leite e carne, para mais de 6 bilhões de pessoas no mundo todo. Agora o conheci-mento científico sobre esse animal acaba de dar um salto, com o sequenciamento de seu material genético. O feito, do qual par-

ticiparam mais de 300 pesquisadores de 25 países, foi anunciado em abril na capa da revista Science. Coordenado nos Estados Unidos, o projeto teve participação de brasileiros da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), dos campi de Araçatuba e de Assis da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (USP-RP).

“Compilamos uma lista telefônica com nome e endereço de todos os genes, agora falta descobrir a profissão deles”, compara o veterinário José Fernando Garcia, da Unesp de Araçatuba. O artigo da Science mostra que os bois têm cerca de 22 mil genes em cada célula, número semelhante ao de outros mamíferos. A comparação desses resultados com os de outros genomas – cão, ser humano, camundongo, rato, mar-supial e ornitorrinco – permitiu aos geneticistas uma primeira avaliação da evolução de cada um desses grupos. No caso bovino, as alterações genéticas mais importantes aconteceram em genes ligados a repro-dução, imunidade, lactação e digestão. “O ruminante tem uma grande quantidade de microrganismos no seu estômago”, exemplifica Garcia. “É possível que as alterações genéticas lhes permitam manter esses microrganismos como flora intestinal e não cau-sadores de doenças”, explica, ressaltando que essas interpretações são ainda especulativas. “Geramos o inventário, agora vai começar a exploração.”

O trabalho de laboratório em si foi centralizado nos Estados Unidos e obteve a sequência de 92% do DNA da vaca Dominette, da raça Hereford. Lá, um programa de computador delimitou os genes des-vendados. Esses dados depois foram reanalisados por pesquisadores do mundo todo, no processo chamado anotação. Foram 13 grupos que dividiram o material genético conforme a função fisiológica para verifi-car, gene por gene, se a previsão automática estava correta. Mas não para todos os genes sequenciados. “Foi uma amostragem, cada grupo examinou os genes que lhes interessavam mais”, diz o geneticis-ta Alexandre Rodrigues Caetano, da Embrapa, que coordenou a anotação dos genes relacionados com reprodução, desenvolvimento embrionário e sistema hormonal. Mesmo que só uma parte dos genes tenha sido anotada, em sua estimativa entre 10% e 20%, o pesquisador celebra a aquisição de uma visão global

Genômica>

50 n mAio De 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Fama genética: Dominette (acima) é 93% idêntica ao pai, na página ao lado

Page 52: Buraco negro voraz

da obtenção de animais mansos, com alta produtividade e resistência a doen-ças, sem dúvida contribuiu muito pa-ra a evolução das vacas, favorecendo a conservação de genes responsáveis por essas características. Nessas estra-tégias de melhoramento poucos ani-mais contribuem para o patrimônio genético dos rebanhos, e o resultado está no DNA: a diversidade genética dos rebanhos está cada vez mais reduzida. Ainda não é grave, do contrário defeitos genéticos seriam uma fonte importan-te de mortalidade nos rebanhos. Vem exatamente daí parte da importância de se avaliar a diversidade genética de cada raça: usar a informação para fazer a manutenção da variabilidade.

Caetano ressalta que o genoma e o mapa da diversidade são ferramentas importantes agora à disposição dos pes-quisadores e criadores. “Minha função na Embrapa é ajudar pesquisadores a dese-nhar e executar experimentos usando as melhores tecnologias para cada projeto”, conta. Num único chip de DNA, agora é possível, de uma só vez, examinar 60 mil marcadores genéticos em cada animal. É uma ferramenta que torna muito mais rá-pido, simples e barato fazer uma avaliação genética e selecionar vacas que tenham melhor resistência a doenças ou parasitas, que produzam prole mais leiteira ou com car-ne mais macia. É uma econo-mia imensa de tempo para os criadores. “Em vez de cruzar um touro e esperar até que suas filhas se reproduzam e comecem a amamen-tar para avaliar sua produtividade, po-deremos selecionar os touros antes mesmo que cheguem à idade repro-dutiva”, conta o geneticista.

Será preciso esperar para aplicar esse conhecimento, visto que a maior parte dos genes ainda não foi desvendada. Os próximos anos devem trazer um avanço rápido no conhecimento dos marcadores genéticos de interesse econômico. A novi-dade não só acelera a seleção, mas permite

melhorar as raças de maneira mais con-trolada. “Até agora só se podia selecionar animais olhando por fora”, conta Garcia, “atualmente vamos conseguir olhar por dentro também”. O Brasil tem 200 mi-lhões de cabeças de gado bovino, o maior rebanho comercial do mundo. É o país que mais exporta, mas não o que mais lucra. Segundo o pesquisador, isso acon-tece porque as raças brasileiras não têm algumas das qualidades apresentadas, por exemplo, pelo gado argentino.

O pesquisador da Unesp prevê tam-bém que, quando for possível usar essas ferramentas para obter algo como uma certificação genética, os animais brasi-leiros podem se tornar atraentes para estabelecer raças em outros países. “É um gado que resiste ao calor, a doenças e ao alimento de má qualidade, carac-terísticas que podem ser muito valiosas em outros países tropicais”, imagina. n

Maria Guimarães

do genoma, que permite saber como os genes se relacionam uns com os outros. O grupo coordenado por Garcia, de Araçatuba, ficou responsável por genes relacionados à pele e ao sangue.

Diversidade - Segundo o veterinário da Unesp, o projeto do genoma bovino, que começou em 2003, foi construído levando em consideração os sucessos e as limitações do Projeto Genoma Humano encerrado em 2002. “Os pesquisadores perceberam que não bastava conhecer o genoma, era preciso explorar a va-riabilidade entre os indivíduos”, afirma Garcia. “Nas vacas existem mais de 800 raças criadas e mantidas pelo homem, e o trabalho de melhoramento se baseia nas particularidades que se deseja de-senvolver”, conta. Por isso, em paralelo ao sequenciamento do genoma, outro consórcio internacional trabalhou em traçar o mapa da diversidade genética entre raças bovinas. Os resultados estão em um segundo artigo publicado na mesma edição da Science, que compara o genoma de Dominette a trechos do DNA de 19 outras raças. Caetano, da Embrapa, coordenou o trabalho para inclusão de amostras de gado Gir e Nelore, as prin-cipais raças do rebanho brasileiro – o maior do mundo – no trabalho. Garcia participou dessa fase do trabalho diri-gindo a coleta na Etiópia de amostras da raça Sheko, resistente à doença do sono transmitida pela mosca tsé-tsé.

O mapa da variação genética cor-roborou o que já se sabia sobre a do-mesticação do gado bovino: entre 8 e 10 mil anos atrás, a domesticação original aconteceu em dois centros. Da Índia saí-ram os zebuínos, as vacas com cupim, como as principais raças brasileiras, e do Oriente Médio surgiram os taurinos, grupo de que faz parte a raça Hereford. Os resultados mostram que a população inicial de zebuínos era maior do que a que deu origem aos taurinos, que por isso já partiram de uma diversidade ge-nética menor.

A seleção artificial clássica, em que criadores escolhem somente alguns animais como reprodutores em busca

PESQUISA FAPESP 159 n mAio De 2009 n 51

Page 53: Buraco negro voraz

52 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Pequenas proteínas, antes consideradas resíduos, ajudam a regular as células

Carlos Fioravanti

Duas variedades de uma pequena pro-teína chamada hemopressina podem estimular a fome e as sensações de pra-zer do mesmo modo que os compo-nentes de plantas entorpecentes como a maconha, enquanto outra variedade de hemopressina tem o efeito oposto.

Pesquisas realizadas em São Paulo e em Nova York mostraram que essas microproteínas, co-nhecidas como peptídios, podem fazer muito mais, são bastante variadas e, diferentemente do que até mesmo os especialistas pensavam, não são resíduos sem função no interior dos trilhões de células do organismo.

Em apenas um tipo de célula extraída de rim humano as equipes dos farmacologistas Emer Ferro na Universidade de São Paulo (USP), Lloyd Fricker na Escola de Medicina Albert Einstein e Lakshmi Devi na Escola de Medicina Monte Sinai, ambas em Nova York, identificaram e sequenciaram 116 micropro-teínas que ajudam a regular o funcionamento celular e facilitam a interação de proteínas – o grupo de hemopressinas, produzidas nos neurônios, é por enquanto o mais intensa-mente estudado.

“Além de regularem o funcionamento in-terno da célula, esses peptídios podem modular estímulos extracelulares”, diz Emer, com base em estudos publicados no ano passado e neste ano na revista Journal of Biological Chemistry. Como desde 1983 havia apenas relatos isola-dos de peptídios intracelulares com funções biológicas, essa é possivelmente a primeira vez

que essas moléculas aparecem em variedade tão grande e são analisadas em conjunto. Em vista do que podem fazer – e aparentemente devem fazer muito mais em outras células –, essas moléculas indicam que o funcionamen-to das células e do organismo não depende só de moléculas gigantes como o DNA, o RNA e as proteínas, mas também dessa multidão de intermediários antes anônimos, quase 50 vezes menores que uma proteína como a hemoglobi-na, que transporta oxigênio às células.

Por que ninguém antes deu atenção a es-ses peptídios, se são muitos e abundantes no interior da célula? Por duas razões, segundo o pesquisador da USP. A primeira é que os espectrômetros de massa, os equipamentos que identificam os peptídios, são relativa-mente recentes, além de caros. A segunda é que ninguém os levava a sério. Emer conta que ele próprio, em 2006, teve de convencer Fricker de que as cerca de mil moléculas que ele, Fricker, tinha extraído do cérebro de ratos não eram os chamados artefatos – uma palavra elegante usada no meio científico para desig-nar qualquer tipo de erro – nem pedaços de outras moléculas. Produzidas continuamen-te no interior das células como resultado da fragmentação de proteínas, elas eram, sim, moléculas completas que ajudavam outras – e o organismo – a funcionar.

Emer entrou nessa linha de pesquisa em 1989 ao ver que enzimas chamadas oligopepti-dases concentravam-se no interior das células, mas os peptídios sobre os quais agiam estavam

ação na

Biologia celular>

Page 54: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 53

binding protein, que abraçava o DNA em pontos específicos, como se fosse uma sela sobre um cavalo, regulando outras proteínas que interagem com o DNA. Para ele, esse tipo de encaixe mostrou não só mais um refinamento do fun-cionamento do DNA, mas também que moléculas pequenas como os peptídios poderiam apresentar uma mobilidade muito maior que as proteínas ou que o próprio DNA e ajudar a regular o fun-cionamento celular.

Finalmente, as respostas - Em 2003, dez anos depois, Vanessa Rioli, bióloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que participava da equipe de Emer, identificou um desses peptídios, a hemopressina (ver Pesquisa FAPESP nº 84, de fevereiro de 2003). De imediato eles viram que a hemopressina atuava sobre proteínas que controlavam a pres-são arterial e, mais tarde, com a ajuda de outra bióloga, Andrea Heimann (ver Pesquisa FAPESP nº143, de janeiro de 2008) sobre as proteínas que regulavam a fome e o prazer. “A hemopressina era uma prova de que peptídios produzidos no interior da célula não estavam à toa dentro das células”, celebra Emer.

Na época seu grupo já havia encon-trado cerca de 30 peptídios do mesmo porte que a hemopressina, com 5 a 17 aminoácidos, e funções que ainda ti-nham de ser demonstradas. Dúvidas antigas – como a que havia surgido 20 anos antes, sobre as oligopeptidases, uma enzima que parecia distante do suposto alvo – ganhavam respostas. “Tudo come-çou a se encaixar”, diz ele. “A enzima e os peptídios sobre os quais agia estão no interior da célula, não mais separados, um dentro e outro fora.”

Estudos mais recentes mostraram que a hemopressina não é uma, mas pelo menos quatro e com funções até mesmo opostas – duas dessas variações podem aumentar e uma reduzir a atividade das proteínas sobre as quais atua o princípio ativo da maconha (as funções da quarta forma de hemopressina ainda não foram estudadas). Uma dúvida sobre essa mo-lécula que persistiu durante anos: como a hemopressina pode ser gerada em neu-rônios a partir de fragmentos de outra molécula, a hemoglobina, produzida nas células vermelhas do sangue? A resposta chegou este ano, por meio de um estudo feito na Universidade da Califórnia em

Los Angeles (Ucla) mostrando que neu-rônios poderiam fabricar as cadeias alfa e beta, dois dos blocos que formam a he-moglobina. Assim, nos neurônios esses blocos formariam a hemopressina e nas células do sangue, a hemoglobina.

Os peptídios intracelulares têm ti-do boa acolhida. Desde o ano passado, quando começaram a sair os artigos que os descreviam, Emer apresentou- -os aos colegas do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, onde trabalha, e a outros pesquisadores em congressos na Holanda, no Japão e em Israel. Neste mês de maio ele vai falar em um semi-nário nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos, ao lado de Fricker e Lakshmi, os coordenadores dos outros grupos com quem investiga os peptídios intracelulares. O título da apresentação de Fricker – Non-classical bioactive peptides and microproteins: are they the next big small thing? (Micropro-teínas e peptídios bioativos não clássicos: são eles a próxima pequena grande coisa?) – sugere que essas pequenas moléculas ainda darão muito o que falar. n

Lo

rE

Ku

ts

ch

Er

a/w

iKim

ED

ia

raiz de maconha (Cannabis sativa)

no lado de fora. Nessa época já era co-nhecido um dos mecanismos de limpeza das células, o proteossomo, que conti-nuamente tritura proteínas com defeitos ou velhas demais para funcionar direito. Uma proteína com 700 aminoácidos, os blocos que formam essas moléculas, pode ser desfeita em pelo menos 35 partes. Emer não se conformava com a possibilidade de 34 dessas partes serem matéria-prima inerte, à espera de outras proteínas de que pudessem participar, e só uma das partes ter uma função e aderir à superfície das células, evitando que o organismo identifique a proteína daquele tipo específico como algo que deva ser destruído. “Não fazia sentido”, pensou. Para ele, a célula não desperdi-çaria peptídios; só não tinha ainda como provar o que estava pensando.

Em 1993 Emer assistiu a um seminá-rio na Escola de Medicina Monte Sinai em que um especialista em reconhe-cimento de proteínas, Stephen Burley, apresentava uma proteína, a Tata box

Biologia molecular celular de oligopeptidases

modAlIdAdE

Projeto temático

Co or dE nA dor

EmEr FErro – ICB/USP

InvEStImEnto

us$ 271.000,00 e r$ 270.000,00 (FaPEsP)

Os PrOjetOs>

> Artigos científicos

1. BERTI, D. A. et al. Analysis of intracellular substrates and products of Thimet oligopepti-dase (EC 3.4.24.15) in human embryonic kid-ney 293 cells. Journal of Biological Chemistry. 12 mar. 2009 (on-line). 2. CUNHA, F. M. et al. Intracellular peptides as natural regulators of cell signaling. Journal of Biological Chemistry. 2008, 283 (36), 24.448–59.3. GOMES, I. et al. Novel endogenous pepti-de agonists of cannabinoid receptors. FASEB Journal. 2 abr. 2009 (on-line).

Page 55: Buraco negro voraz

54 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

PERSONALIDADE

Dogma no chãoCrodowaldo Pavan, morto aos 89 anos, derrubou conceito de que a quantidade de DNa era constante em todas as células | Neldson Marcolin

A equipe de pesquisadores que saía de São Paulo em excur-sões rumo ao litoral sul do es-tado para coletar exemplares de drosófila, a mosca-das-fru-tas, encontrou algo diferente naquele verão de 1952. Ao vi-

rar um toco de bananeira, Crodowaldo Pavan, o líder do grupo, achou centenas de larvas emboladas de outro tipo de mosca e decidiu levá-las para analisar no laboratório. Começava ali um estu-do que derrubaria um paradigma da biologia. Até meados dos anos 1950 se acreditava que a quantidade de DNA era constante em todas as células. Ele demonstrou em artigo publicado com Marta Breuer, em 1955, que havia genes que se duplicam constantemente. Mes-mo antes dessa descoberta, Pavan já era um dos pioneiros da pesquisa em gené-tica no Brasil a partir dos estudos com drosófilas. Ele morreu no dia 3 de abril em São Paulo, aos 89 anos, em razão de insuficiência múltipla de órgãos.

cromossomos da larva se multiplicam, num fenômeno chamado de pufe, para depois se condensar. Na época, ele ficou sabendo que o pesquisador belga Jean Brachet usava um método de injetar na larva a substância radioativa timidina tritiada. Em seguida colocava o mate-rial em uma lâmina e a cobria com um filme fotográfico por alguns dias no es-curo. A radiação impressionava o filme, o que permitia ver a imagem fotográ-fica do cromossomo e acompanhar as mudanças do DNA. A pedido de Pavan, Brachet enviou uma assistente, Adrian-ne Ficq, para ensinar o método a ele. “Foi com a ajuda de sua técnica Marta Breuer, uma alemã radicada no Brasil extremamente habilidosa no labora-tório, e de Adrianne que Pavan fez a descoberta que derrubou esse dogma da genética e, de quebra, começou a

>

Ao lado, Pavan, Brito da Cunha

(em pé), Dobzhansky e

sua filha Sophie na Vila Atlântica;

à direita, o geneticista em

seu gabinete. Acima dele, duas

drosófilas, e no alto, uma

Rhynchosciara

ED

ua

rD

o C

Es

ar

“Pavan demonstrou que, em deter-minados momentos, a célula sintetiza DNA”, explica o professor Luiz Edmun-do Magalhães, biólogo que foi aluno do geneticista a partir de 1949 e com quem realizou pesquisas de campo, incluindo as de Vila Atlântica, em Mongaguá, no litoral paulista, onde foram coletadas as larvas da mosca Rhynchosciara an-gelae (hoje chamada de Rhynchosciara americana). Ele também mostrou que em alguns tecidos do organismo certos genes não funcionam, algo que não se sabia. As observações foram feitas so-bre as larvas da Rhynchosciara, mosca que põe todos os ovos de uma só vez e depois morre. “As larvas evoluem jun-tas, de modo sincrônico, o que é ótimo porque se pode acompanhar o desen-volvimento delas até virarem mosca, como se fossem um único indivíduo, dissecando uma delas a cada dia.”

A larva tem um par de glândulas salivares com cromossomos grandes. Pavan observou que alguns trechos dos

ar

qu

ivo

Lu

iz E

Dm

uN

Do

ma

ga

Lh

ãE

s

bio

siv

iEr

o E

ED

so

N r

oC

ha

DE

oL

ivE

ira

aC

Er

vo

Co

mis

o m

Em

ór

ia ib

/us

P

Page 56: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 55

fazer biologia molecular no país ao utilizar o método de Brachet”, diz Ma-galhães. Ficou provado que o número de cromossomos era constante, mas a quantidade de DNA podia variar.

Em entrevista ao jornalista Ricardo Zorzetto para o livro Cientistas do Brasil (SBPC, 1998), Pavan lembrou daquela época: “Demorou oito anos para que minha hipótese – de que poderia haver mudança no número de genes dentro do cromossomo com o desenvolvimen-to do animal – fosse aceita. Durante o período, eu apresentava os dados e diziam, ‘Os seus dados valem. Mas is-so é exceção. É um inseto’”. Mais tarde comprovou-se que o fenômeno era co-mum no homem. “A proposta dele, de que existia replicação do DNA dentro da célula, era algo completamente dife-rente do que se pensava na época”, con-ta o professor Hugo Aguirre Armelin, pesquisador do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).

Embora a Rhynchosciara tenha sido a estrela das principais pesquisas de Pa-van, foi a drosófila que recebeu a maior parte das atenções de sua vida científica. Natural de Campinas, ele ingressou na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em 1938, no curso de história natural. Quando se formou, foi convidado e aceitou ser assistente do então Departamento de Biologia Geral. Seu mentor naquela época foi André Dreyfus, do grupo de notáveis que criou a USP e um dos introdutores dos estudos e ensino de genética e evo-lução no país. Outra enorme influên-cia foi a do ucraniano Theodosius Dobzhansky, geneticista reconhecido em todo o mundo. Harry Miller Jr., da Fundação Rockefeller, admirava o tra-balho de Dreyfus e sugeriu a vinda do cientista ao Brasil, em 1943.

Dobzhansky topou e, em São Pau-lo, ensinou as técnicas de pesquisa com drosófila, que foi por muito tempo mo-delo de estudo na genética e evolução e eram desconhecidas por aqui. “Durante a segunda visita do ucraniano, em 1948 e 1949, Dreyfus e Pavan criaram grupos de estudo com jovens pesquisadores não só de São Paulo como do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e até da Argentina e da Suíça e estabeleceram programas sistemáticos nessa área”, conta Maga-lhães. Não por acaso surgiu uma geração brilhante de geneticistas, como Antonio

Brito da Cunha e o próprio Magalhães, em São Paulo, Newton Freire-Maia, de Minas Gerais, Antonio Rodrigues Cor-deiro, do Rio Grande do Sul, Oswaldo Frota-Pessoa e Chana Malogolowkin, do Rio, entre outros.

Pavan fez seu pós-doutorado no la-boratório de Dobzhansky na Universi-dade Columbia, em Nova York, entre 1945 e 1947. Em 1952, com a morte de Dreyfus, assumiu a cátedra do Depar-tamento de Biologia. Em 1965 foi con-tratado pelo Laboratório de Oak Ridge, nos Estados Unidos, onde fundou e di-rigiu um laboratório de citogenética. De 1968 a 1975 foi professor titular da Universidade do Texas. Depois desse período voltou ao Brasil.

Ação institucional – À parte o intenso trabalho científico, Pavan teve grande participação no âmbito político-ad-ministrativo das instituições de apoio à ciência. Integrou o primeiro conse-lho superior da FAPESP, entre 1961 e 1963, exercendo papel importante pa-ra a consolidação da instituição, que começou a funcionar em 1962. No período 1981-1984 voltou à FAPESP, desta vez como diretor presidente do conselho técnico-administrativo. Pre-sidiu o Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de 1986 a 1990, onde realizou ações marcantes como a criação da Es-

Pavan (escrevendo), com pesquisadores: experiência em Pirassununga, em 1952

ar

qu

ivo

Lu

iz E

Dm

uN

Do

ma

ga

Lh

ãE

s

tação Ciência, em São Paulo, e do La-boratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas.

Por três gestões presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre 1981 e 1986. Tornou-se professor emérito da USP em 1989 e da Universidade Estadual de Campinas em 1991. Quando morreu era pesquisa-dor voluntário do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, coordenador de Divulgação Científica do Núcleo José Reis da Escola de Comunicações e Ar-tes da USP e presidente da Associação Brasileira de Divulgação Científica.

“A FAPESP lamenta o falecimen-to de um grande homem da ciência brasileira e é muito grata pelo legado que ele nos deixou”, disse Celso Lafer, presidente da FAPESP. “É importante destacar o trabalho fundamental que ele realizou no apoio à pesquisa e ao desenvolvimento brasileiros, seja no plano das instituições, como foi na FAPESP e no CNPq, ou no plano da sociedade civil, pelo tempo que esteve à frente da SBPC.” Sergio Rezende, mi-nistro da Ciência e Tecnologia, também lembrou a contribuição do biólogo. “Pavan fica na história da ciência no Brasil como um dos pioneiros da ge-nética e um cientista-educador”, disse. “Poucos cientistas se dedicaram com mais afinco a atrair os jovens para as carreiras da ciência.” n

Page 57: Buraco negro voraz

56 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Coquetel de

Equipe coordenada por brasileiro sugere nova estratégia dedesenvolvimento de vacinas contra o vírus da aids | Ricardo Zorzetto

O imunologista brasileiro Mi-chel Nussenzweig, da Univer-sidade Rockefeller, em Nova York, parece ter encontrado a resposta para uma pergunta que o mundo todo vem fa-zendo aos pesquisadores – e

os próprios pesquisadores vêm se in-dagando – nos últimos anos: quase três décadas após a descoberta da Aids, por que ainda não se chegou a uma vacina capaz de deter com eficiência o vírus que a provoca, o HIV? A explicação para o insucesso é que as dezenas de formulações candidatas a vacina tes-tadas até o momento foram produzi-das com base em uma estratégia válida contra alguns vírus, como o causador da hepatite B, mas não contra o HIV, que a cada ano ainda infecta cerca de 3 milhões de pessoas no mundo.

Esperava-se aniquilar o HIV como os caçadores de lobisomens elimina-vam os homens-lobo nos filmes de ter-ror: cravando-lhes uma bala de prata no coração. No caso do HIV, a bala seria uma proteína (anticorpo) capaz de aderir a um ponto vital do vírus e o impedir de penetrar nas células de defesa do organismo e se multiplicar. Quatro desses superanticorpos já fo-ram identificados, mas nenhum foi capaz de isoladamente deter o vírus. E talvez nem mesmo produzidos em conjunto consigam, uma vez que o HIV se comporta como um vírus-camaleão, que acumula pequenas alterações con-forme se reproduz, tornando inúteis os anticorpos produzidos contra ele.

ImunologIa>

fecção. É que não era possível isolar do sangue as células de defesa produtoras de anticorpos: os linfócitos B, capazes de conservar por meses ou anos a re-ceita de proteínas que neutralizam os microrganismos invasores.

Essa situação só mudou recente-mente com o trabalho do imunologista alemão Johannes Scheid. Pesquisador visitante no laboratório de Nussen-zweig e primeiro autor do artigo na Nature, Scheid concebeu uma forma de separar os linfócitos B do sangue dos portadores do vírus. Com o auxílio de pesquisadores da Alemanha e de outras instituições dos Estados Unidos – en-tre eles, David Ho, um dos precursores do uso do coquetel de medicamentos contra o vírus –, ele coletou centenas de linfócitos B do sangue de seis pessoas que produziam elevados níveis de an-ticorpos contra o HIV. No total, foram identificados 502 anticorpos distintos, dos quais 433 se ligavam a diferentes pontos de uma proteína da cápsula do vírus (a gp140) usada para aderir às células do sistema de defesa.

Por meio de técnicas genéticas, Scheid e Nussenzweig reproduziram os anticorpos e os testaram em laboratório contra o vírus. Constataram que, em se-parado, nenhuma dessas 433 proteínas

tinha o poder de fogo de um dos quatro superanticorpos conhecidos. Mas reunidas em uma espécie de coquetel, con-tendo de 20 a 50 variedades, elas apresentavam ação mais ampla que a dos superanti-

anticorpos

Ante os resultados desapontadores dessa estratégia, Nussenzweig e sua equipe resolveram tentar algo diferen-te. Foram investigar como o organismo de um grupo especial de pessoas que produzem uma ampla variedade de anticorpos contra o HIV – eles corres-pondem a cerca de 10% dos portado-res do vírus – combate naturalmente a infecção. Ao analisar o sangue de seis desses portadores especiais, o grupo da Rockefeller descobriu que o organismo deles adota uma estratégia de combate diferente: em vez de produzir apenas um ou dois tipos de superanticorpos contra o HIV, fabrica concentrações elevadas de dezenas de anticorpos di-ferentes que aderem a pontos distintos do vírus, relataram os pesquisadores em artigo publicado na edição de 2 de abril da revista Nature.

“Esses pacientes produzem níveis elevados de anticorpos distintos que individualmente têm pouco poder de neutralização, mas juntos são muito potentes”, explica Nussenzweig. Desse modo, os controladores de elite man-têm o vírus em concentrações baixís-simas no sangue – inferior a 50 cópias por mililitro – a ponto de evitar o sur-gimento dos sintomas da Aids. Quem desenvolve a doença em geral apresenta milhões de cópias de HIV por mililitro de sangue.

Embora os imunologistas conhecessem os controlado-res de elite havia alguns anos, pouco sabiam sobre como seus corpos enfrentavam a in-

Camaleão: o HIV, em rosa, que infecta 3 milhõesde pessoas a cada ano

Page 58: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 57

Cy

nt

hia

go

lD

sm

ith

/CD

C

Page 59: Buraco negro voraz

58 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

avanço que essa descoberta representa, ainda serão necessários anos de pesqui-sa até que se consiga uma vacina com propriedades semelhantes às do sistema imune de quem controla bem o vírus. Antes será preciso desfazer uma série de dúvidas – não se sabe, por exemplo, qual proporção de cada anticorpo seria necessária para neutralizar o HIV, nem contra quais cepas do vírus essa mistura de anticorpos pode ser eficiente. Nus-senzweig, no entanto, não desanima e aposta em uma nova forma de produção de imunizantes investigada nos últimos anos: a concepção inteligente de vacinas (intelligent vaccine design, em inglês), que se vale de informações genéticas pa-ra estimular a produção de defesas mais eficazes contra vírus, bactérias e outros parasitas, além de células tumorais. “A concepção inteligente de vacinas é a for-ma de se pensar vacinas do século XXI”, comenta o imunologista que nasceu no Brasil, mas vive nos Estados Unidos há quase quatro décadas.

O sucesso dessa nova estratégia de-penderá da habilidade de se con-trolar a atividade de outro tipo de

células do sistema imune – as células dendríticas, acionadoras da cadeia de eventos celulares que culmina na produção de anticorpos –, cujo ciclo evolutivo acaba de ser elucidado pela equipe de Nussenzweig em um artigo que mereceu a capa da edição de 17 de abril da revista Science, ilustrada por uma imagem obtida pelo imunologista brasileiro Gabriel Victora. Chamadas de dendríticas por apresentarem pro-longamentos que lembram os ramos de uma árvore (déndron, em grego), essas células funcionam como senti-nelas do corpo.

Tão logo deparam com vírus, bac-térias ou mesmo células tumorais (que perderam as características que permi-tem identificá-la como sendo do pró-prio organismo), as células dendríticas emitem prolongamentos semelhantes aos braços de um polvo e os envolvem, engolem e destroem. Na sequência desse mecanismo de destruição conhecido como fagocitose, as células dendríticas expõem em sua própria superfície peda-ços do invasor e os apresentam a outro grupo de células de defesa, os linfócitos T, que, por sua vez, acionam os linfóci-tos B, produtores de anticorpos.o mapa: precursoras de células dendríticas (verde) em linfonodo

corpos. “A base molecular dessa ativi-dade ainda não foi determinada, mas pode resultar da combinação de efeitos aditivos dos diferentes anticorpos”, es-creveram os autores do estudo.

Os pesquisadores não excluem a possibilidade de que, no futuro, se en-contre um superanticorpo apto a deter o vírus, mas acreditam que o ataque múltiplo seja mais viável. “Com base nesses resultados”, comenta Nussen-zweig, “parece mais promissor tentar produzir uma vacina com ação mais global que simule o que acontece no organismo dos indivíduos que com-batem o vírus naturalmente”.

Mas nada disso deve se tornar dis-ponível às pessoas tão cedo. Apesar do

ga

br

iEl

viC

to

ra

E t

an

ja

sC

hw

iCk

Er

t/u

niv

Er

siD

aD

E r

oC

kE

fE

ll

Er

Page 60: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 59

Células dendríticas maduras, prontas para induzir a produção de anticorpos, são encontradas em ór-gãos que integram o sistema imu-ne, como o baço e os linfonodos. Também estão presentes na pele e nas membranas que revestem ór-gãos em contato direto ou indireto com o ambiente, como o nariz, os pulmões e os intestinos. Mas há quase quatro décadas se tentava descobrir quais células do sistema de defesa as originavam.

N o laboratório de Nussenzweig, a pesquisadora Kang Liu teve a ideia de usar proteínas encon-

tradas exclusivamente nas células dendríticas maduras para identi-ficar suas precursoras. Da medula óssea de camundongos, ela isolou as candidatas a genitora das célu-las dendríticas marcadas com uma proteína verde fluorescente e as in-jetou em roedores geneticamente idênticos. Com o auxílio de uma técnica avançada que permite ver as cé-lulas do sistema imune em atividade no corpo de animais vivos – a microscopia intravital multifótons –, Kang Liu, Vic-tora e Tanja Schwickert acompanharam o percurso dessas células no corpo dos camundongos e documentaram os es-tágios de desenvolvimento delas.

A equipe da Rockefeller confirmou que as células dendríticas de fato sur-gem no interior dos ossos, assim como as demais células do sistema de defesa, e ainda imaturas chegam à corrente san-guínea e se espalham pelo corpo. Parte delas se aloja no baço e nos linfonodos, onde amadurece até que, cerca de uma semana mais tarde, esteja pronta para identificar os invasores.

Diferentemente do que muitos imunologistas acreditavam, as célu-las dendríticas evoluem a partir de genitores distintos dos que geram os macrófagos, outro grupo de células de defesa especializadas em realizar a fagocitose, mas menos aptas a de-sencadear respostas imunes. Estas são descendentes diretas dos monócitos, enquanto as primeiras são geradas por células que a equipe de Nussenzweig chamou de precursores de células den-dríticas (pre-CDs).

“Conhecer a origem precisa dessas células e todos os passos de seu desen-

volvimento é fundamental para que se saiba como podem ser manipuladas para a obtenção de vacinas”, explica Victora. “A identificação dos órgãos em que se desenvolvem e se localizam deve auxiliar na compreensão das funções que executam”, completa Nussenzweig. Os pesquisadores imaginam que a res-posta imune gerada depende do estágio de desenvolvimento em que as células dendríticas são despertadas pelos pa-tógenos invasores.

A credita-se que também seja pos-sível gerar uma resposta imuno-lógica mais eficiente ao fornecer

diretamente às células dendríticas moléculas que elas reconheçam como sendo de microrganismos invasores. A forma tradicional de produção de va-cinas baseia-se na injeção de grandes pedaços ou formas inativas de vírus ou bactérias, dos quais apenas parte che-ga às células dendríticas, acionando a produção de uma variedade restrita de anticorpos. A ideia do grupo de Nus-senzweig é desenvolver técnicas que permitam direcionar quantidades mui-to menores de proteínas virais ao tipo de célula dendrítica necessário para de-sencadear a resposta imune adequada contra o HIV – estratégia que deve valer para outras enfermidades. Com base

o parto: cópias do vírus da aids (verde) recém-criadas em linfócito (salmão)

> Artigos científicos

1. SCHEID, J. F. et al. Broad diversity of neutralizing antibodies isolated from memory B cells in HIV-infected individuals. Nature. v. 458, p. 636-640. 2 abr. 2009.2. LIU, K.; VICTORA, G. et al. In vivo analysis of dendritic cell development and homeostasis. Science. v. 324, p. 392-397. 17 abr. 2009.

nesse princípio, Michel Nussenzweig trabalha em parceria com seus pais, Ru-th e Victor, imunologistas de renome mundial que atuam na Universidade de Nova York, no desenvolvimento de uma candidata a vacina contra a ma-lária produzida a partir da estimulação das células dendríticas.

Tanto a produção de vacinas a partir da estimulação das células dendríticas como a criação de uma nova leva de imunizantes contra o HIV, porém, são promessas que devem levar anos para se concretizar. Afinal, como lembra Mi-chel Nussenzweig, apenas recentemen-te sua equipe conseguiu desenvolver as ferramentas necessárias para isolar os linfócitos B e para acompanhar o desen-volvimento das células dendríticas em animais vivos. “Quatro ou cinco anos atrás”, diz o pesquisador, “esse trabalho era impossível”. n

Cy

nt

hia

go

lD

sm

ith

/CD

C

Page 61: Buraco negro voraz

60 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

arqueologia

Arte rupestre no

semiárido Primeiras escavações na serra das Confusões revelam um padrão singular de pinturas pré-históricas

Marcos Pivetta

Os primeiros trabalhos explo-ratórios no Parque Nacional da Serra das Confusões, no sudoeste do Piauí, sugerem que essa porção de 526 mil hectares de semiárido pode ter uma riqueza arqueológica tão

grande quanto a do seu famoso vizinho, o Parque Nacional da Serra da Capivara, onde mais de 1.300 sítios pré-históricos foram localizados desde os anos 1970. Pesquisadores da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) rea-lizaram escavações em dois dos 150 sí-tios pré-históricos recém-descobertos na serra das Confusões e encontraram pinturas rupestres e sepulturas huma-nas, algumas com idade estimada de 6 mil anos, com características distintas das comumente achadas na serra da Ca-pivara. “São resultados extraordinários”, diz a arqueóloga Niède Guidon, que atua

sobre os povos pré-históricos que ha-bitaram a região. Na Toca do Enoque, um dos sítios explorados na serra das Confusões, os pesquisadores localizaram duas sepulturas, uma individual, com apenas um esqueleto humano, e outra coletiva. Na cova comunitária foram resgatadas 13 ossadas. Os esqueletos de adultos encontravam-se na parte alta da fossa funerária e as crianças estavam mais abaixo. “Quase todos os esqueletos exibiam muitos adornos, como colares e conchas, e tinham o tórax pintado com ocre”, afirma a arqueóloga Fátima Luz, que, desde o final do ano passado, faz escavações na Toca do Enoque. “Nunca vi um padrão de enterramento parecido com esse na Capivara.” Não foi possível fazer a datação dos resquícios humanos pelo método do carbono 14, pois nas ossadas não havia muito colágeno, pro-teína indispensável para a realização do exame. No entanto, a datação de carvões próximos ao sepultamento individual apontou uma idade aproximada de 6.200 anos, indício de que os esqueletos também podem ser dessa época.

Em outro sítio, na Toca do Alto do Capim, os trabalhos se concentram num paredão de arenito que tem um vão formado pela erosão cerca de 5 metros acima do nível do chão. Com o auxílio de uma escada, é possível en-trar nesse espaço e ter acesso a uma sala com cerca de 12 metros de comprimen-to por 5 metros de largura. Próximo à abertura do paredão, o compartimento é mais ou menos da altura de uma pes-soa e, perto do fundo, vai se tornando mais baixo e estreito. Suas paredes e o teto são cobertos por pinturas, a maio-ria composta de grafismos puros, feitos

>

há mais de três décadas no Piauí e é pre-sidente da Fumdham. “Há trabalho na serra das Confusões para pelo menos duas gerações de pesquisadores, mas temos de correr contra o tempo. Mui-tos sítios são destruídos antes mesmo de serem descobertos.” Entidade cien-tífica, sem fins lucrativos, com sede no município piauiense de São Raimun-do Nonato, a Fumdham é responsável pela preservação e proteção dos sítios arqueo lógicos da unidade de conserva-ção na serra da Capivara, enquanto a da serra das Confusões é mantida di-retamente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Apesar de a distância entre os dois parques ser relativamente pequena, cer-ca de 80 quilômetros, a nova frente de pesquisa parece ter potencial para re-velar detalhes até agora desconhecidos

Serra das Confusões: 150 novos sítios pré-históricos

Page 62: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 61

e depois na serra das Confusões”, opina Niède Guidon, que no passado tentou unificar, sem sucesso, a área dos dois parques. Mas são necessários mais da-dos para que as arqueólogas possam formular uma hipótese consistente. Por ora, não é possível afirmar com certeza nem mesmo se o povo pré-histórico que se estabeleceu numa serra era o mesmo da outra. As informações obti-das nos dois primeiros sítios explorados na serra das Confusões sugerem que ali havia aspectos culturais distintos dos usualmente encontrados na serra da Capivara. No entanto, essas especifici-dades não são suficientes para provar a existência de dois povos distintos no passado remoto da região. Afinal, pes-soas de uma mesma cultura também podem fazer desenhos e enterros com características totalmente díspares.

Chegada às Américas - Embora po-lêmicos, os estudos de Niède Guidon no semiárido nordestino defendem a ideia de que o homem pré-histórico fincou pé no Brasil há algumas deze-nas de milhares de anos, talvez 100 mil anos atrás. A pesquisadora acredita que o H. sapiens deixou a África e desem-

barcou no Piauí por via oceânica, tendo atravessado o Atlântico num momen-to histórico em que uma grande seca naquele continente levou-o ao mar em busca de comida. Como o nível do oceano estava 140 metros abaixo do atual, havia mais ilhas e a distância entre os dois continentes era menor, diz a arqueóloga. Essa conjunção de fatores teria possibilitado a travessia. Sem dúvida a tese da pesquisadora é controversa, mas, se um dia vier a ser comprovada, mudará toda a história da colonização das Américas. “Esses dados sempre foram aceitos pelos europeus e por alguns norte-americanos”, comenta Niède. “Hoje, com os resultados obtidos no México por uma equipe inglesa, o povoamento mais antigo das Américas está mais do que comprovado.” Mas a visão tradicional, ainda amparada por muitos pesquisadores norte-america-nos, sustenta a hipótese de que a chega-da do homem às Américas ocorreu há cerca de 13 mil anos, vindo da Ásia via estreito de Bering. Como se vê, o tema gera acaloradas discussões entre os pes-quisadores – e os sítios pré-históricos na serra das Confusões são novas peças desse quebra-cabeça arqueológico. n

sobretudo com linhas retas e, em alguns casos, apresentando formas circulares. “Cerca de 80% das pinturas são geomé-tricas e 20% envolvem figuras humanas e de animais”, comenta a arqueóloga Gisele Daltrini, que escava a Toca do Alto do Capim. “O padrão desses de-senhos é justamente o oposto do que encontramos em sítios da serra da Ca-pivara.” Numa camada de sedimentos com espessura de pouco mais de um metro, formada pela areia que cai do descamamento do teto, os pesquisado-res acharam também restos de foguei-ras (carvões), pedaços de ossos huma-nos e de animais e artefatos de pedra. A datação dos carvões encontrados na parte mais profunda dos sedimentos, que também continha fragmentos de ossos humanos e um bloco com gra-vuras, atingiu 6.210 anos.

Se essa estimativa inicial for con-firmada por mais achados, é possível especular que a ocupação humana na serra das Confusões tenha se dado posteriormente à chegada do Homo sapiens na serra da Capivara, onde há registros mais antigos da presença humana. “Aparentemente, o homem chegou primeiro na serra da Capivara

Pintura na Toca do alto do Capim: predomínio de formas geométricas

fot

os

ar

qu

ivo

fu

mD

ha

m

Page 63: Buraco negro voraz

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Notícias

62 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

n Células-tronco

Doenças respiratórias

As células-tronco têm uma infinidade de implicações clínicas no pulmão. O artigo “Stem cells and respiratory diseases”, de Soraia Carvalho Abreu, Tatiana Maron-Gu-tierrez, Cristiane Sousa Nascimento Baez Garcia, Marcelo Marcos Morales e Patricia Rieken Macedo Rocco, da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro, é uma revisão crítica que inclui estudos clínicos e experimentais advindos do banco de dados do Medline e SciELO nos últimos dez anos, onde foram destacados os efeitos da terapia celular na síndrome do desconforto respiratório agudo ou doenças mais crônicas, como fibrose pulmonar e enfisema. Apesar de muitos estudos demonstrarem os efeitos benéficos das células-tronco no desenvolvimento, reparo e remodela-mento pulmonar, algumas questões ainda precisam ser respondidas para um melhor entendimento dos meca-nismos que controlam a divisão celular e diferenciação, permitindo o uso da terapia nas doenças respiratórias.

Brazilian Archives of Biology and Technology – v. 51 – n.spe – Curitiba – dez. 2008

n Nutrição foliar

Lodo como fertilizante

No Brasil, diversos municípios estão construindo es-tações de tratamento de esgoto (ETEs) e, futuramente, serão produzidos anualmente milhares de toneladas de lodo para os quais deverá ser dada destinação adequada. O lodo de esgoto tratado (biossólido) é o resíduo resul-tante do tratamento do esgoto urbano, e sua disposição final precisa ser bem planejada em razão das implicações sanitárias, ambientais, econômicas e sociais. Ele apresenta elevado teor de matéria orgânica e de nutrientes e poderia ser utilizado como fertilizante em plantios florestais. Esta pesquisa foi realizada na Estação de Ciências Florestais de Itatinga, com o objetivo de avaliar o efeito da adição de três doses dos lodos de esgoto úmido (torta) e seco (granulado), complementados com K e B e aplicados ao solo nas linhas de plantio em parcelas experimentais de Eucalyptus grandis e resultou no artigo “Volume de madeira e concentração foliar de nutrientes em parcelas experimentais de Eucalyptus grandis fertilizadas com lo-dos de esgoto úmido e seco”, de Paulo Henrique Muller

da Silva, do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais, e Fábio Poggiani, José Leonardo de Moraes Gonçalves e José Luiz Stape, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo. Dezoito me-ses após a implantação das mudas no campo, o volume dos troncos demonstrou aumento significativo (ao re-dor de 130%) no tocante ao crescimento dos eucaliptos tratados com os biossólidos úmido e seco em relação à testemunha sem aplicação de fertilizante, bem como teve resultado semelhante ao do tratamento com adubo mi-neral. Entretanto, não houve diferença significativa entre os tratamentos com a aplicação dos biossólidos úmido e seco. Com relação à nutrição mineral, foi observado aumento da concentração dos elementos P, Ca e Zn nas folhas com as maiores doses dos biossólidos e verificou-se efeito inverso de Mn. As concentrações foliares de todos os nutrientes nos eucaliptos tratados com os biossólidos mantiveram-se dentro dos limites observados usualmente nas plantações comerciais, não havendo sinais de dese-quilíbrio nutricional.

Revista Árvore – v. 32 – nº 5 – Viçosa – set./out. 2008

n Ciências da religião

Budismo de cor amarela

Pesquisas empí-ricas indicam que o chamado “budismo de cor amarela”, so-bretudo associado ao da imigração japone-sa, está em um declí-nio constante no que diz respeito a adeptos explícitos. Depois de algumas considera-ções metodológicas, o texto “Declínio do budismo ‘amarelo’ no Brasil”, de Frank Usarski, da Pontifícia Universidade Católica de São Pau-lo, aborda os dados estatísticos relevantes. Na parte final são discutidas possíveis razões da dinâmica negativa, em conformidade com três níveis de explicação: motivos rela-cionados com instituições budistas, constelações dadas na comunidade étnica e fatores no âmbito do indivíduo.

Tempo Social – v. 20 – nº 2 – São Paulo – nov. 2008

rE

pr

oD

ão

Page 64: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 63

n Sociologia

o público e o privado

No artigo “Gênero, o público e o privado”, Susan Moller Okin, da Universidade Stanford (Estados Unidos), discute as configurações históricas da dicotomia público/privado, analisando seus significados a partir de uma perspectiva de gênero. A ausência de reflexão sobre o gênero – especial-mente sob duas formas, a negligência à realidade política das relações familiares e a linguagem “neutra” – tem levado muitos teóricos, do passado e do presente, a reafirmar essa dicotomia sem levar em conta sua natureza patriarcal. Para Susan Okin, os domínios da vida doméstica (pessoal) e da vida não doméstica (pública) não podem ser interpretados isoladamente, o que demanda uma revisão profunda dos fundamentos de grande parte da teoria política liberal. A autora aborda problemas importantes, como o valor da privacidade.

Revista Estudos Feministas – v. 16 – nº 2 – Florianó-polis – mai/ago 2008

n Cinema

Função da crítica

Com base em proposições da teoria da recepção, no cam-po da sociologia da cultura, o artigo “Olhares da recepção, a crítica cinematográfica em dois tempos”, de Eliska Altmann, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, discute o papel da crítica cinematográfica a partir de duas posições: a que defende o “cinema de autor” e a que se enquadra em um suposto “fim” da função crítica. O persistente debate a opor cinema de arte ou de autor ao industrial e massivo parece tão antigo quanto o próprio cinema e acaba por reduzi--lo à mera oposição “arte versus indústria”. Essa, por sua vez, parece ainda hoje um argumento medular no campo da crítica. A complexidade do pensar cinematográfico e artístico implica um deslocamento de sua recepção e, por conseguinte, de sua sociologia. Nesse sentido, pretende-se debater as possíveis relocalizações de conceitos, como os que circunscrevem o cinema em termos de “alto” versus “baixo” e “educado” versus “vulgar”.

Caderno CRH – vol. 21 – nº 54 – Salvador – set./dez. 2008

n Educação

Estudantes índios

O artigo “‘Conhecimento tradicional’ e currículo mul-ticultural: notas com base em uma experiência com estu-dantes indígenas kaiowá/guarani”, de Maria Aparecida de Souza Perrelli, da Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande, situa-se no campo dos estudos culturais que compreendem o currículo escolar como lugar de dis-puta pela legitimidade de expressão do conhecimento de

distintas culturas. Nessa compreensão, o texto em questão destina-se a conhecer as especificidades dos saberes das sociedades tradicionais e a levantar questões pertinentes à pesquisa e à inserção desse conhecimento no currículo escolar. Os dados foram obtidos com base em levantamen-to bibliográfico e por meio de depoimentos de estudantes do Curso de Formação de Professores Indígenas Kaiowá/Guarani de Mato Grosso do Sul. O texto traz uma breve apresentação desse povo indígena e da sua luta pela escola específica e intercultural. Caracteriza o conhecimento tra-dicional (formas de aquisição, distribuição e transmissão) e remete a discussões que argumentam a favor de um currículo escolar aberto aos conhecimentos de culturas historicamente silenciadas.

Ciência & Educação (Bauru) – v. 14 – nº 3 – Bauru – 2008

n Tecnologia de alimentos

aguardente envelhecida

Avaliou-se por um período de 390 dias o perfil da composição química da aguardente sob envelhecimento em tonéis de carvalho de 20 litros. O envelhecimento da aguardente em tonéis de madeira melhora a qualidade sensorial do destilado. As aguardentes envelhecidas foram analisadas aos 0, 76, 147, 228, 314 e 390 dias de armazena-mento quanto às concentrações de etanol, acidez volátil,

ésteres, aldeídos, furfu-ral, álcoois superiores (n-propílico, isobutílico e isoamílicos), metanol, cobre, extrato seco, ta-ninos e cor. Após os 390 dias de armazenamento, a aguardente apresentou maiores concentrações de acidez volátil, ésteres, aldeídos, furfural, álcoois superiores, congêneres,

extrato seco e tanino. Sua coloração tornou-se amarelada. As concentrações de etanol e de metanol não se alteraram, e o teor de cobre apresentou ligeiro declínio. O envelheci-mento da aguardente por 390 dias em tonéis de carvalho alterou a sua composição química, porém ela se manteve dentro de todos os padrões de qualidade estabelecidos pela legislação nacional em vigor. O trabalho está descrito no artigo “Perfil físico-químico de aguardente durante enve-lhecimento em tonéis de carvalho”, de Mariana Branco de Miranda, Nilo Gustavo Souza Martins, André Eduardo de Souza Belluco, Jorge Horii e André Ricardo Alcarde, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Uni-versidade de São Paulo.

Ciência e Tecnologia de Alimentos – v. 28 – supl. 0 – Campinas – dez. 2008

> o link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dis po­níveis no site de Pesquisa FaPesP, www.revistapesquisa.fapesp.br

ED

ua

rD

o c

Es

ar

Page 65: Buraco negro voraz

64 ■ maio DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 159

lINHA DE PRODUÇÃO mUNDO>>

servindo de alimento para outros seres marinhos. Os pesquisadores aproveitaram a carapaça dessas algas que é muita pequena e muito rígida, além de ser capaz de aprisionar os fótons de luz. Na montagem da célula solar, o material orgânico da alga é removido e a carapaça é preenchida com nanopartículas de dióxido de titânio, material usado num tipo de painel solar chamado de dye-sensitized solar cells, ou célula solar sensibilizada com corante.

As opções de transporte se

multiplicam e a última novida­

de, em forma de protótipo, é o

projeto Puma, sigla em inglês

de Mobilidade e Acessibilida­

de Pessoal Urbana, uma par­

ceria das empresas Segway

e General Motors (GM). É um

veículo de dois assentos e

duas rodas dotado de bateria

e motor elétrico. Ele se baseia

no Transportador Pessoal

(TP) da Segway lançado em

2001, uma espécie de pati­

nete eletrônico e silencioso

que se desloca com a pessoa

em pé. A estabilidade tanto

no TP como no Puma, em que

as pessoas viajam sentadas, é

feita por sensores e giroscó­

pios que indicam e corrigem

o posicionamento em relação

ao solo e não deixam o veículo

tombar. Mais avançado, o Puma possui ainda um sistema que

se baseia em uma rede sem fio que detecta outros veículos ao

redor e evita colisões, além de encontrar lugares para estacio­

nar. É possível também se conectar à internet e acessar redes

de relacionamento e de negócios. As baterias de íons de lítio

permitem velocidades de até 56 km/h e autonomia de iguais

56 km. Ainda não há previsão de lançamento comercial.

VE

ícU

lo

do

EQ

UIl

íbr

Iocapta as imagens, com a ajuda de diodos emissores de luz (LEDs), de amostras de sangue e saliva. Os dados coletados são enviados por uma ligação telefônica para um hospital que fará o diagnóstico e devolverá o resultado via celular. O Cellscope é um celular que possui um pequeno microscópio acoplado capaz de monitorar doenças infecciosas por meio de captação e envio de imagens de células sanguineas e lesões. Os aparelhos já ganharam vários prêmios. O último foi da Fundação Vodafone Americas, em abril, de uma empresa de telecomunicações. Foram US$ 700 mil que serão usados, conforme divulgou Ozcan no site Scidev, para testes em hospitais da África, América do Sul e Ásia.

> Algas em painel solar

Usar algas marinhas microscópicas em painéis solares pode ser uma maneira mais eficiente de produzir energia elétrica a partir da energia do sol. A novidade é de um grupo de engenheiros das universidades estaduais de Oregon e de Portland, nos Estados Unidos. Eles utilizaram algas da família das diatomáceas que são unicelulares e fazem parte do plâncton dos oceanos,

> Celulares da saúde

Duas inovações baseadas em telefones celulares comuns vão trazer mais opções de diagnóstico de doenças a distância como HIV, malária, tuberculose, entre outras, além de realizar exames de sangue e urina, principalmente em áreas distantes dos centros hospitalares, como acontece em países em desenvolvimento. Chamadas de Cellophone e Cellscope, elas foram criadas por um grupo de pesquisadores liderados pelo professor Aydogan Ozcan, do Instituto de Nanossistemas da Califórnia, que faz parte da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. O primeiro aparelho é uma plataforma instalada num celular que

Minicarro com duas rodas baseado em patinete eletrônico

SE

gw

ay

Page 66: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 ■ maio DE 2009 ■ 65

O uso da alga pode potencializar em até três vezes a produção de energia elétrica e tornar a célula do tipo dye um pouco mais cara.

> Holografia nos discos

Um disco das dimensões de um DVD capaz de armazenar 500 gigabytes (GB) de dados, diante de 4,7 GB dos convencionais ou 25 GB dos DVDs blu-ray atuais, foi apresentado em abril pela empresa norte-americana GE. Ele abre caminho para a utilização comercial da micro-holografia como técnica de estocagem de dados. A holografia é um padrão de gravação e leitura em três dimensões e por meio dessa técnica os pesquisadores da GE conseguiram gravar as informações (bits) no volume do disco e não apenas na superfície como nas gravações ópticas dos discos usados atualmente.

A maneira de reproduzir é similar aos DVDs e CDs atuais e a empresa anuncia que esses produtos poderão ser acessados num futuro aparelho de reprodução de discos micro- -holografados. Inicialmente, a GE vai direcionar essa inovação para o mercado de estocagem de dados comerciais.

> Gás nocivo vira álcool

Eliminar o dióxido de carbono (CO2), o gás mais importante no aquecimento do planeta, é uma tarefa que merece muitos estudos e soluções. O mais recente vem de Cingapura, onde pesquisadores do Instituto de Bioengenharia e Nanotecnologia desenvolveram um processo que transforma o CO2 em metanol, um tipo de álcool com amplo uso industrial. O trabalho, coordenado por Yugen Zhang, foi apresentado na revista científica Angewandte (20 de abril) e demonstra a utilização no processo de uma substância catalisadora orgânica, chamada N-heterocíclico, mais silano, um composto que possui hidrogênio e é derivado do silício. A utilização desse catalisador, segundo os pesquisadores, torna o processo de produção de metanol mais barato que outros existentes, como o que utiliza gás natural. A solução poderá também ter outro uso no futuro. Será na reforma (quebra das moléculas) de combustíveis fósseis ou de etanol para produzir hidrogênio para a geração de eletricidade.

No futuro, o mundo poderá ser povoado de robôs dotados

de músculos fortes como o aço, leves como o ar e flexíveis

como a borracha. Um importante passo para tornar realidade

essas máquinas foi dado por um grupo de pesquisadores do

Instituto Alan MacDiarmind de Nanotecnologia da Universi­

dade do Texas em Dallas, nos Estados Unidos, que conseguiu

chegar a um material com essas propriedades, mesclando

nanotubos de carbono com aerogel, um novo material sólido

e extremamente leve baseado no silício. O segredo

da composição é o alinhamento vertical dos nanotu­

bos, em uma estrutura parecida com uma floresta de

bambus. Quando uma tensão elétrica é aplicada no

conjunto, ele se contrai e se expande numa velocidade

incrível – movimento similar ao dos músculos natu­

rais. “O lado fascinante desse fenômeno está ligado

às propriedades dessas folhas de nanotubos. Além

de ser bastante leve, com densidade semelhante à

do ar, esse material é condutor e suas propriedades

elásticas permitem que o fenômeno ocorra em situa­

ções de temperaturas extremas, entre –193 e 1.500

graus Celsius”, afirma o físico brasileiro Alexandre

da Fonseca, um dos pesquisadores responsáveis pela

descoberta, formado pela Universidade de São Pau­

lo (USP). A primeira aplicação do músculo artificial,

capaz de expandir­se a uma taxa mil vezes maior do

que um músculo natural, será na confecção de células

solares mais eficientes. Outro brasileiro, o engenheiro

de materiais Márcio Dias Lima, também participou do

desenvolvimento e assinou junto um artigo na revista

Science (20 de março). Mú

Sc

Ul

oS

Fo

rt

ES

co

Mo

o A

ço

Diatomácea: carapaçaaprisiona os fótons

la

ur

ab

Ea

tr

iz

un

ivE

rS

iDa

DE

DE

or

Eg

on

Page 67: Buraco negro voraz

66 ■ maio DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 159

lINHA DE PRODUÇÃO bRAsIl>>

Entre as várias tecno-

logias de agricultura de

precisão utilizadas pe-

la indústria sucroalcoo-

leira do estado de São

Paulo, a imagem de sa-

télite predomina, como

mostra o trabalho reali-

zado por Claudia Brito

Silva, apresentado no

programa de pós-gra-

duação em economia

aplicada da Escola Su-

perior de Agricultura

Luiz de Queiroz (Esalq)

da Universidade de São

Paulo. A pesquisa que

apontou a mudança no

gerenciamento da pro-

dução como o principal

benefício na utilização

dessas técnicas incluiu as 205

usinas e destilarias cadastra-

das pela União dos Produtores

de Bioenergia. Um questionário

foi aplicado para identificar os

motivos pelos quais as unida-

des de produção de açúcar e

álcool não adotaram, até o fi-

nal de 2008, ferramentas de

agricultura de precisão. Quanto

às empresas que já as utilizam,

as perguntas versaram sobre

as dificuldades ou obstáculos

para sua implementação. Um

total de 56% das empresas que

responderam ao questionário

já adota essas tecnologias. As

mais utilizadas são, além da

imagem de satélite com 76%,

piloto automático (39%), foto-

grafias aéreas (33%) e amos-

tragem de solo com GPS (31%),

o sistema global de posiciona-

mento por satélite. Os altos

custos foram apontados como

obstáculo tanto por aqueles

que já adotaram a tecnologia

como pelos que ainda não têm

acesso a ela.

Ag

rIc

Ult

Ur

A d

E P

rE

cIS

ão

As doenças são apresentadas com fotografias detalhadas das plantas, mostrando folhas, raízes ou caules atingidos. Os agentes causais, os sintomas e as características de cada patologia também são

identificados. A publicação teve a colaboração de um grupo de pesquisadores ligados ao Laboratório de Patologia Florestal da FCA, sob a coordenação do professor Edson Luiz Furtado.

> Diagnóstico no campo

Um manual para ajudar na identificação preliminar dos sintomas das doenças que afetam as várias espécies vegetais do gênero Eucalyptus foi lançado com o título Doenças do eucalipto no Brasil, no mês de abril, pela Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, no interior paulista. A publicação em formato de livro de bolso, de fácil consulta e interpretação para possibilitar a pré-diagnose das patologias durante as visitas de campo, teve origem no Projeto de Manejo Integrado de Doenças da FCA.

ja

ns

lE

ro

ch

a/u

nic

am

p

Fca

/un

Es

p

Do avião, imagem com câmera especial mostra a composição do solo

Mancha bacteriana na muda de eucalipto

Page 68: Buraco negro voraz

> Aprendizado divertido

Abordar os conceitos de objetos geométricos de maneira lúdica, aproximando-os dos objetos do mundo real, é o objetivo de um jogo eletrônico educacional desenvolvido na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).Chamado de Toth, o jogo funciona como complemento para o ensino de matemática no ensino fundamental. O jogo criado por Yuri Corrêa, Thiago de Almeida e Edson Teramoto, do curso de engenharia de computação da Poli, acontece em um ambiente 3D. Um outro jogo para reabilitação de crianças com dislexia, transtorno de aprendizagem caracterizado pela dificuldade de ler e escrever, foi desenvolvido pela fonoaudióloga Cristina Murphy, da Faculdade de Medicina da USP. São dois jogos, com estímulos não verbais e verbais, para treinamento auditivo. O jogo não verbal incentiva a percepção de sons agudos e graves e o verbal estimula a fala pela diferenciação de sílabas.

> Alerta de patentes Cinco levantamentos de tecnologias editados recentemente em todo o mundo na forma de patentes, em assuntos estratégicos para o país, foram divulgados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em estudos chamados de “Alerta tecnológico”. Já foram publicados estudos sobre patentes de processos e produtos para pessoas com deficiência auditiva, biodiesel, células-tronco e nanotecnologia. O último tratou das células a combustível, equipamento que utiliza hidrogênio para produzir energia elétrica em geradores ou veículos automotores. O trabalho traz uma listagem e faz um monitoramento das patentes relativas ao tema nos países e nas empresas por tipo de tecnologia. Por exemplo, o Japão lidera com 2.463 patentes sobre células a combustível, bem à frente dos Estados Unidos, em segundo lugar, com 598. Entre as

empresas, a japonesa Toyota lidera com 671 pedidos de patente e, em seguida, vem a Honda, com 132. O maior número de pedidos se refere à fabricação geral de células a combustível, com 4.106 patentes, depois aparecem os eletrodos com 810. Mais informações no site www.inpi.gov.br.

> Plásticos mais limpos

Um aditivo especial antimicrobiano para plásticos foi desenvolvido em parceria entre a Nanox,

empresa de nanotecnologia de São Carlos, no interior paulista, e a Resimax Plásticos, de Vargem Grande Paulista. Fabricado com base na tecnologia NanoxClean, o produto que combate a proliferação de bactérias e fungos foi certificado pelo Ministério da Saúde e pode ser usado em contato com alimentos ou com a pele. A função bactericida da tecnologia é propiciada pela incorporação de nanopartículas de dióxido de titânio, depositadas nos materiais como uma camada fina e transparente.

sa

E B

ra

sil

ED

ua

rD

o c

Es

ar

Aeromodelo da Keep Flying da USP: madeira, alumínio e conceitos da Nasa

Estudantes brasileiros conquis-

taram vários prêmios em competi-

ção de design e de construção de

aeromodelos disputada nos Estados

Unidos e promovida pela SAE Internacional, a Sociedade de Enge-

nheiros da Mobilidade. A Classe Aberta foi conquistada pela equipe

EESC USP Open, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universi-

dade de São Paulo (USP). Na Regular a vencedora foi a equipe Keep

Flying da Escola Politécnica (Poli-USP). Em segundo ficou a equipe

Uai Sô Fly, da Universidade Federal de Minas Gerais. Elas ficaram à

frente de equipes dos Estados Unidos, Polônia, Canadá, Alemanha

e México. A Keep Flying também conquistou o prêmio especial de

sistemas de engenharia da agência espacial norte-americana, a

Nasa. O prêmio foi conquistado porque a equipe brasileira seguiu os

conceitos de engenharia da agência no projeto e no desenvolvimento

da aeronave construída em madeira e alumínio.

conQUIStAS dE clASSE

Célula a combustível: 4.106 patentes

Page 69: Buraco negro voraz

68 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Sensor subcutâneo monitora pressão intracraniana em casos de acidentes e doenças | Dinorah Ereno

A experiência de ter uma doen-ça rara e de difícil diagnósti-co, chamada hidrocefalia de pressão normal, levou o pro-fessor Sérgio Mascarenhas, coordenador do Instituto de Estudos Avançados de São

Carlos da Universidade de São Paulo (USP), a desenvolver um equipamen-to simples e minimamente invasivo para monitorar a pressão interna do cérebro, que consiste de um minúsculo sensor colocado logo abaixo da pele da cabeça do paciente e de um monitor externo especial para recepção e aná-lise das informações. O aparelho avalia o volume do líquido cefalorraquidiano,

ou líquor, substância que reveste e pro-tege o sistema nervoso central contra impactos, e também a concentração de sangue e a massa cerebral, entre outros fatores de risco para o aumen-to da pressão. Batizado de monitor de pressão intracraniana, o equipamen-to, que já foi patenteado, simplifica e torna acessível o acompanhamento do quadro clínico de portadores de hidro-cefalia e vítimas de traumas cranioen-cefálicos decorrentes de acidentes de moto, carro e quedas.

Atualmente esse exame é feito por um sensor colocado dentro do cérebro, por meio de um procedimento cirúrgi-co invasivo, sujeito a infecções. “Como

tecnologia>

pesquisador, não me conformei que fosse preciso furar a cabeça para medir a pressão”, diz Mascarenhas, professor aposentado do Instituto de Física da USP de São Carlos, explicando a moti-vação para, dois anos atrás, dar início a mais uma pesquisa aos 79 anos, quando ainda se recuperava da cirurgia que fez para implantar uma válvula no cérebro capaz de controlar o excesso de líquido produzido por um defeito no ventrí-culo cerebral. O acúmulo de líquido comprime o tecido nervoso contra a caixa craniana, causando sintomas como tonturas, problemas de coorde-nação motora e incontinência urinária. “O aumento da pressão intracraniana

Cérebro vigiadoENGENHARIA BIOMÉDICA

Page 70: Buraco negro voraz

Sim

oN

FR

aS

ER

/SC

iEN

CE

PH

oT

o L

iBR

aR

Y começa a comprimir os neurônios e, com isso, altera suas funcionalidades”, diz Mascarenhas. Como a doença atin-ge principalmente pessoas acima de 60 anos, os sintomas costumam ser con-fundidos com os do mal de Parkinson, dificultando o diagnóstico.

Deformação medida - A inspiração para o desenvolvimento do sensor sub-cutâneo, que mede a pressão intracra-niana pela deformação que o excesso de líquido produz no crânio, veio de um equipamento usado pelos enge-nheiros para monitorar a presença de rachaduras em paredes e o movimento das vigas, chamado strain gage (sensor

Tumor encontrado no cerebelo,

hemangioblastoma comprime

área que controla coordenação

e equilíbrio

Page 71: Buraco negro voraz

70 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

de deformação). Os primeiros experi­mentos foram feitos em uma bancada doméstica, na casa do pesquisador, com um crânio emprestado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Pe­guei o aparelho que usam para medir a deformação das vigas no laboratório de estruturas da USP e colei no crânio por fora”, relata o professor que, entre mui­tas outras atividades, fundou e dirigiu a Embrapa Instrumentação Agropecuá­ria, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária de São Carlos, e participou da criação da UFSCar e do curso de engenharia de materiais (ver entrevista com o pesquisador em Pesqui­sa FAPESP nº 137). Como o crânio é cheio de buracos, Mascarenhas tinha que preenchê­lo para simular a pressão intracraniana. Usou então um balão co­lorido de borracha esquecido pelo seu neto, que foi colocado dentro do crânio e inflado. Mascarenhas queria simular a pressão sobre o osso e a deformação que causaria. Para completar a expe­

riência caseira, desmontou um aparelho para medir a pressão arterial e usou o medidor de pressão em milímetros de mercúrio para fazer a leitura. O experi­mento consistia em comparar o sensor externo com o usado atualmente dentro da caixa craniana e, ao mesmo tempo, provocar variação de pressão para mos­trar que ele era sensível às mudanças induzidas. Os resultados mostraram que ele estava no caminho certo.

Depois de vários experimentos rea­lizados com ratos, coelhos e ovelhas, em que foram feitas comparações entre o método invasivo e o sensor subcu­tâneo, o equipamento começará a ser testado em 30 pacientes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, em colabo­ração com o chefe da neurocirurgia, professor Benedicto Oscar Colli. “Os pacientes com traumas que chegarem ao hospital vão receber o sensor tradi­cional e o nosso, para fazer a compara­ção”, diz Mascarenhas. O aparelho, que

inicialmente foi pensado para atender pacientes de hidrocefalia, poderá ser usado por qualquer paciente com risco de aumento na pressão intracraniana decorrente de hemorragias, edemas, tumores e infecções.

Vítimas de acidentes de trânsito com pancadas na cabeça e região cer­vical também serão beneficiários do monitoramento, já que o alto custo do exame atual é um obstáculo ao seu uso em grande escala. “O sensor tradicional, descartável, colocado dentro do cérebro custa em torno de R$ 5.000,00 o im­portado, da marca Codman Johnson, e R$ 2.500,00 o nacional do fabricante Ventura”, relata o pesquisador. “O preço do monitor para o hospital é de cerca de R$ 30.000,00.” Uma diferença de preços muito grande em relação ao aparelho desenvolvido por Mascarenhas. “O sen­sor, também descartável, custará cerca de R$ 350,00, com impostos previstos inclusos, enquanto o monitor ficará em R$ 3.200,00”, compara.

FoT

oS

ED

ua

RD

o C

ES

aR

Sensor subcutâneo (no detalhe, acima)

testado inicialmente em

um crânio

Equipamento começará a ser testado em 30 pacientes

do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto

Page 72: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 71

A medida da pressão intracraniana é feita em milímetros de mercúrio, co­mo na pressão arterial. Em condições normais, a pressão intracraniana tem flutuações determinadas pelos ciclos respiratório e cardíaco e mede de 5 a 15 milímetros de mercúrio (mmHg2). Entre 20 e 30 enquadra­se na hiper­tensão intracraniana causada por trau­mas ou doenças. Acima desse limite, o paciente pode entrar em coma. Nos casos de acidentes com traumatismo craniano, por exemplo, a pressão po­deria ser constantemente monitorada no hospital com o novo aparelho, evi­tando muitas mortes. Atualmente isso não é feito porque o sensor tradicional não está disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS) devido ao alto custo, e a grande maioria dos acidentados não tem como pagar pelo procedimento. É esse público que Mascarenhas quer atingir. “Eu me recuso a ser um aca­dêmico que se esquece de que o co­nhecimento é para estar a serviço da sociedade”, diz.

O traumatismo cranioencefálico é uma das causas mais frequentes de aumento da pressão intracraniana no Brasil. Dados do SUS mostram que só em 2007 foram notificados 98.945 casos de traumatismos intracranianos, 12.800 de neoplasias malignas do encéfalo e 12.630 de hidrocefalias, totalizando 124.375 ocorrências com potencial pa­ra serem monitoradas. “Esses números não correspondem à realidade, porque muitos pacientes morrem sem diagnós­tico”, diz Mascarenhas. A tendência é que os traumatismos aumentem ainda mais, já que diariamente mais carros e motos entram em circulação no país. “São 430 mil acidentes de carro por ano, dos quais 35 mil resultam em morte.” Foi pensando nesse grande número de pacientes que não têm acesso ao mo­nitoramento da pressão intracraniana que o professor decidiu transformar o sensor subcutâneo em um produto,

Desenvolvimento de um equipamento para monitoramento minimamente invasivo da pressão intracraniana

moDAlIDADE

Pesquisa inovativa em Pequenas Empresas (Pipe)

Co or DE nA Dor

Sérgio MaScarenhaS – Sapra

InvEStImEnto

R$ 203.010,88 (FaPESP)

o Projeto>

apoiado pela FAPESP na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Em­presas (Pipe). A empresa associada ao projeto é a Sapra, de São Carlos, que atua na área de tecnologia da saúde e foi criada pelo pesquisador em 1979. Hoje quem está à frente da empresa é a sua filha Yvone Mascarenhas, doutora em física.

Os testes para avaliar a biocompa­tibilidade do sensor foram feitos pelo doutorando Gustavo Frigieri, formado em farmácia e bioquímica e orientado pelo professor Mascarenhas no Insti­tuto de Física da USP. Após o 21º dia de implantação do sensor na cabeça da ovelha, foram colhidas amostras de tecido no local e feitos exames citológicos e microbiológicos para avaliar riscos de alergia, inflamação ou infecção. “Nenhum dos três riscos foi observado”, diz Frigieri. Mascare­nhas ressalta que esse é um aspecto importante a ser observado, porque no caso do sensor tradicional o risco de infecção faz com que ele tenha que ser retirado em poucos dias.

O sensor subcutâneo ficou durante 21 dias na cabeça da ovelha, sem ne­nhuma alteração na normalidade dos parâmetros avaliados. Na ovelha, a

variação da pressão intracraniana foi induzida por alterações posturais, co­mo levantar e abaixar a cabeça, e pela compressão das jugulares. Nos ratos, Mascarenhas avaliou também as va­riações de pressão durante um ata­que epiléptico. Os testes foram feitos com uma cepa de ratos audiogênicos – em que a epilepsia é induzida pelo som – criados pelo professor Norber­to Garcia­Cairasco, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. “Durante a crise, quando o rato levanta a cabeça, ele joga o líquor para a coluna e a pressão interna do cérebro abaixa”, diz Mascarenhas. “Quando ele abaixa a cabeça, o líquor vai para o cérebro e a pressão aumenta.”

novas avaliações - Ao mesmo tempo que novos experimentos estão sendo feitos para testar as várias aplicações do sensor, Mascarenhas e a sua equipe, da qual também faz parte o doutorando Wilson Seluque, estão trabalhando em outros métodos ainda mais avançados para medição da pressão intracraniana. Um deles consiste de um capacete que, ao entrar em contato com o osso, fun­ciona como um sensor. Dessa forma, não será preciso nem raspar o couro cabeludo para a colocação do sensor. “Um dos nossos focos de estudo é saber como se comporta a pressão intracra­niana durante uma crise de enxaqueca”, diz o pesquisador. Ou avaliar a resposta de um tumor cerebral à quimiotera­pia. “Se o tumor diminuir, a pressão intracraniana vai abaixar”, diz, acres­centando que o acompanhamento da evolução da doença pode ser feito sem necessidade de exames caros. A ideia é transformar, futuramente, o monitor de pressão intracraniana em um ins­trumento doméstico, como o termô­metro e o medidor de pressão arterial, para possibilitar a prestação de socorro rápido em caso de elevação da pressão intracraniana. n

Page 73: Buraco negro voraz

72 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

BIOTECNOLOGIA

Carapaça versátil

mig

uE

l b

oy

ay

an

Duas matérias-primas encontradas em gran-de quantidade no Rio Grande do Sul, a quito-sana, um biopolímero preparado a partir da carapaça do camarão,

e o poliol, obtido do óleo do grão da soja, são os principais componentes de uma nova substância para incorporação de partículas ou princípios ativos utilizados no preparo de gel para cabelo ou para ultrassonografia, além de entrar na composição de repelente de insetos. Regis-trado com o nome comercial de Quiol-gel, ele apresenta viscosi-dade semelhante às substâncias utilizadas atualmente em vários produtos farmacêuticos e cos-méticos e fabricadas a partir de polímeros petroquímicos, com a vantagem de ser biocompatível e biodegradável.

“O produto tem uma com-posição específica que permite a aplicação do material direta-mente na pele após a incorpo-ração de ingredientes cosméticos ou ativos”, diz a professora Ná-dya Pesce da Silveira, do Institu-to de Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora da pesquisa. Uma das principais características do Quiol-gel é a possibilidade de variar a visco-sidade da formulação. É possível obter tanto um gel, como uma pomada, um fluido ou até um spray. Para isso, basta modificar as condições de preparação das macromoléculas de quitosana associadas às moléculas meno-res do poliol, adequando o pH desejado.

Os estudos que derivaram na formulação do gel começa-ram com o desenvolvimento de uma nanopartícula de origem biológica, que recebeu o nome de quitossoma, resultado da incorporação da quitosana ao

>

Page 74: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 73

biopolímero obtido do camarão pode ser usado em vacinas e cosméticos

tossoma, mas que foi possível observar nos experimentos com camundongos maior produção de anticorpos.

A pesquisadora ressaltou que o mé-todo de incorporar as quitosanas nos lipossomas desenvolvido pelo grupo da professora Nádya é inovador. “A quitosana é colocada internamente e externamente nos lipídios”, diz. É como se fosse um sanduíche, que melhora a resistência das partículas. Pelos outros métodos já conhecidos a quitosana é colocada apenas externamente. “Como as nanopartículas aderem ao tecido e liberam lentamente a substância encap-sulada, há um aumento na eficácia da vacina ou do medicamento encapsula-

do porque o contato com o corpo é mais prolongado”, explica Nádya. Isso sig-nifica economia das substâncias ativas e menores efeitos colaterais. Um novo estudo conduzido atualmente por Ma-ria Helena utiliza o quitossoma como modelo para vacina oral contra difteria e contra veneno de abelha. “Ele induz também a resposta da mucosa, que é um grande problema da vacina oral”, diz a pesquisadora.

Radiação solar - O quitossoma também foi testado em associação com a mela-tonina, uma substância produzida no cérebro pela glândula pineal e presente em pequenas quantidades em frutos, ve-getais, cereais e plantas aromáticas, para avaliar como a formulação responde ao envelhecimento cutâneo produzido pela

radiação solar. O experimento foi feito pela mestranda Manuela França Gon-çalves, orientada pela professora Silvia Guterres, do Departamento de Produção e Controle de Medicamentos da Facul-dade de Farmácia da UFRGS e coorde-nadora da Rede Nanocosméticos, criada e financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. A professora Nádya foi coorientadora na parte da caracterização do quitossoma.

A melatonina associada ao quitos-soma foi comparada com a melatonina incorporada a um hidrogel. As duas for-mulações foram passadas no dorso de camundongos submetidos à radiação ultravioleta. “A melatonina tem efeito

antioxidante, protege contra o envelhecimento cutâneo e a radiação UVA do sol, que pro-move danos a longo prazo”, diz Manuela. O quitossoma ajuda a transportar a melatonina e pode ser um sistema promissor na incorporação de aplicações cutâneas, como protetores sola-res, porque vai ajudar na pro-teção da pele contra os efeitos da radiação UVA. Isso significa que o quitossoma poderia ser associado a filtros físicos e quí-micos em protetores solares que já são utilizados para aumentar a eficácia dos produtos.

No Instituto de Ciências e Tecnolo-gia de Alimentos da UFRGS o quitos-soma tem sido avaliado em associação com algumas enzimas pelo grupo do professor Adriano Bradelli. “Eles podem fazer com que, por exemplo, o queijo permaneça mais tempo estável”, diz Ná-dya. São várias linhas de estudo com aplicações diversas que ultrapassam as fronteiras da cosmética, área em que as pesquisas tiveram início. n

Dinorah Ereno

Quitossomas vistos por microscopia eletrônica

lipossoma, uma nanoestrutura seme-lhante a pequenas esferas de gordura considerada um excelente sistema de liberação controlada de medicamentos ou substâncias biologicamente ativas. “O diferencial desse sistema para ou-tros similares é o método de prepara-ção, que faz com que a estabilidade da partícula melhore muito”, diz Nádya. Lipídios extraídos da lecitina de soja, um subproduto da produção do óleo de soja, foram associados à quitosana, molécula natural com propriedade antifúngica, para que o sistema ficasse mais estável. “O quitossoma se man-tém estável durante um mês em tem-peratura ambiente sem criar fungos”, diz Nádya. Essa propriedade, aliada ao fato de ser biodegra-dável e biocompatível, faz dessa nanopartícula um veículo com grande potencial para encapsu-lar ativos biológicos. “Dentro do quitossoma posso colocar uma vacina, um antioxidante, um protetor solar ou até mes-mo medicamentos”, explica.

“Algumas possibilidades de aplicação já foram testa-das. Quitossomas preparados na UFRGS foram utilizados como adjuvantes (veículos de transporte de substâncias) em vacinas contra a difteria, uma doença bacteriana que afeta a garganta e pode causar sérias complicações. O experimento foi feito por pesquisadores do Instituto Butantan coordenados pe-la pesquisadora Maria Helena Bueno da Costa, do Laboratório de Microesferas e Lipossomas do Centro de Biotecno-logia, em parceria com pesquisadores da Universidade de Havana, em Cuba. Três formulações diferentes de toxoi-de diftérico, a toxina atenuada, foram testadas e comparadas. Uma delas era composta do toxoide associado ao qui-tossoma, outra do toxoide veiculado com lipossoma normal e a terceira ape-nas o toxoide sem nenhum adjuvante extra. “A resposta do quitossoma como adjuvante foi superior”, diz Maria He-lena. Ela diz que ainda não se sabe o mecanismo da ação adjuvante do qui-

> Artigo científico

MARÓN, L. B., et al. LUVs recovered with chitosan: a new preparation for vaccine delivery. Journal of Liposome Research. v. 17, ed. 3&4, p. 155-163, jul. 2007.

uf

rg

S

Page 75: Buraco negro voraz

74 n MAIO DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Petróleo

Desafio

A exploração de petróleo nas profundezas dos oceanos engloba um obstáculo pouco conhecido e capaz de trazer muitas dificuldades para as empresas petrolíferas: é a pre-sença de microrganismos que

degradam o óleo. Eles representam um desafio a ser superado, além das forças da natureza como as correntes maríti-mas e a pressão no fundo do mar que impõem o uso de tecnologias de ponta para a instalação de plataformas. Tanto nos reservatórios como na água exis-tente dentro dos poços de petróleo vi-vem várias espécies de bactérias que se alimentam e degradam o óleo e ainda secretam biofilmes, estruturas molecu-lares usadas por elas para se proteger de agentes tóxicos e se fixar natural-mente em rochas e sedimentos.

Com o início da produção submari-na, os biofilmes, que também podem ser formados pela aglutinação das próprias bactérias, começam a se fixar em plás-ticos e metais. Essas estruturas de ta-manhos micrométricos se acumulam e atingem espessuras de até 4 milímetros (mm). “O problema é que esses biofil-mes prejudicam a exploração petrolífe-ra porque eles grudam no interior das tubulações e corroem os dutos que são equipamentos de difícil limpeza”, diz a professora Anita Marsaioli, do Insti-tuto de Química (IQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que participa de vários projetos em conjun-

to com a Petrobras na identificação e estudo dessas bactérias e das enzimas que elas produzem.

Na degradação, uma parte do pe-tróleo com grande valor comercial é destruída parcial ou totalmente, redu-zindo assim o seu valor comercial. “As bactérias transformam os hidrocar-bonetos em ácidos graxos tornando o óleo mais pesado e com qualidade infe-rior”, diz Anita. O melhor conhecimen-to dessa população de bactérias e das condições que lhes são favoráveis vai contribuir para a elaboração de estra-tégias para a empresa reduzir o risco na exploração e agir de forma a detectar e antecipar os problemas na produção. Existe também um imenso potencial para o uso futuro de alguns desses mi-crorganismos para limpar, por meio de técnicas de biotecnologia, o petróleo derramado de oleodutos, plataformas e navios de transporte. “Sabemos da existência de bactérias, por exemplo, que produzem biossurfactantes com dupla função, para inibir o crescimen-to de outras espécies de bactérias, o que é bom, e ao mesmo tempo dissolver o petróleo.” Os biossurfactantes são moléculas produzidas pelas bactérias que reduzem a tensão superficial da área fronteiriça entre água e óleo nos reservatórios facilitando a mistura des-ses líquidos e a posterior degradação do petróleo.

Os estudos realizados na Unicamp em parceria com o Centro de Pesquisas

>

no fundo do mar

Page 76: Buraco negro voraz

Petrobras e Unicamp estudam bactérias de poços de petróleo que degradam o óleo | Marcos de Oliveira

nos laboratórios aqui em Campinas, fazemos o cultivo dessas bactérias em vários meios”, conta Anita.

Entre as razões científicas de es-tudo dessas bactérias está o de saber se elas são aeróbias ou anaeróbias. As primeiras precisam de oxigênio para viver enquanto as segundas não. Isso é fundamental para entender a formação dessas bactérias e os meios de lidar com elas no ambiente de exploração petro-lífera. “O reservatório de petróleo é um ambiente anaeróbio, mas acreditamos que possa existir microambientes onde o oxigênio é produzido principalmente pela penetração de água no interior das jazidas ou por reações químicas”, diz Anita. No trabalho realizado pelo grupo, que inclui o geólogo Eugênio dos Santos Neto, da Petrobras, já foram identificadas e avaliadas 29 bactérias dos dois tipos e grande parte delas mostrou tendência à biodegradação do petróleo. Os estudos até aqui mostram que as linhagens de bactérias com boa produção de biofilmes, do grupo das aeróbias, não degradam o petróleo.

Os pesquisadores trabalham com a hipótese de que as relações de con-vivência entre as bactérias aeróbias e anaeróbias, como, por exemplo, biofil-mes sendo produzidos pelas primeiras podem servir como uma “esponja” de oxigênio e agir para aumentar ou di-minuir a atividade degradadora das outras. Toda a coleção de bactérias encontradas nos poços e analisadas,

muitas ainda desconhecidas da ciência, faz parte de uma coleção da Petrobras manti-da pela Unicamp.

As atividades do grupo de pesquisa incluem a parti-cipação dos professores Luzia Koike e Francisco Machado Reis, do IQ da Unicamp, e a professora Valéria Maia de Oliveira, do Centro de Pesqui-sas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPBQA), da mesma universidade. Desde 2003, o grupo já obteve mais de R$ 10 milhões para pesquisas, em recursos do Fundo Setorial do Petróleo (CTPetro) e da Rede Temática de Geo-química, uma das redes tecnológicas da Petrobras, mantidas com recursos da própria empresa equivalentes a 0,5% da produção de petróleo em campos de alta produtividade que, por lei federal, devem ser destinados às pesquisas em parcerias com as universidades. n

nO

nO

nO

nO

nO

nO

nO

n

e Desenvolvimento (Cenpes) da Petro-bras são feitos com a água e o petróleo extraídos da bacia de Campos. As bac-térias vivem tanto na área entre o óleo e a água existente nos poços como em separado em cada um desses ambien-tes, em profundidades de 2.800 metros de profundidade a partir da lâmina d’água, conforme já estudado até aqui, em temperaturas próximas a 80° Cel-sius, como no Campo Pampo, posicio-nado a quase 100 quilômetros da costa do Rio de Janeiro. “Para estudar esses materiais nós recebemos direto das pla-taformas amostras de água e óleo em recipientes de vidro lacrados e depois,

1. Ampliação das infraestruturas analíticas em química, metagenômica e biocatalítica do grupo de geoquímica orgânica do Instituto de Química e da Divisão de Recursos Microbianos do CPQBA da Universidade Estadual de Campinas2. Estudo multidisciplinar de biodegradação

modAlIdAdE

1 e 2 rede temática

Co or dE nA dor

1 e 2 Francisco Machado reis – Unicamp

InvEStImEnto

1. r$ 3.504.189,57 (Petrobras)2. r$ 3.101.932,51 (Petrobras)

Os PrOjetOs>

> Artigo científico

CRUz, Georgiana F. da; SANTOS NETO, E.V.; MARSAIOLI, A.J. Petroleum degrada-tion by aerobic microbiota from the Pampo Sul Oil Field, Campos Basin, Brazil. Organic Geochemistry. v. 39 p. 1.204-1.209, 2008.

PESQUISA FAPESP 159 n MAIO DE 2009 n 75

MO

Page 77: Buraco negro voraz

76 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Sisal, já utilizado em polímeros, poderá ser usado na produção de etanol

Yuri Vasconcelos

Page 78: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 77

Fibra de futuro

fab

io c

ol

om

bin

i

Sisal: fibras possuem cerca de 90% de açúcares para uso na produção de etanol

Líder mundial no segmento de biocombustíveis, com a produção de bilhões de litros de etanol da cana-de-açúcar e biodiesel, o Brasil terá uma possível opção, dentro de alguns anos, de produzir etanol a partir do sisal, uma fibra vegetal abundante no país, muito resistente e usada para confecção de cordas, tapetes e peças artesanais. Além disso, móveis, estantes, peças para barcos e componentes auto-

motivos, como painéis e revestimentos internos, podem utilizar como matéria-prima essa mesma fibra. Estudos nesse sentido são conduzidos pela química Elisabete Frollini, professora do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), no interior paulista. A equipe que ela coordena desen-volve placas poliméricas com fibras vegetais e está conquistando bons resultados na hidrólise do sisal, processo relativo à primeira etapa da produção de etanol, quando a glicose e outros açúcares fermentáveis usados na fabricação de álcool são obtidos a partir da celulose e de outros componentes das fibras vegetais.

O trabalho da pesquisadora está centrado na valorização das chamadas fibras lignocelulósicas e de seus três principais macrocomponentes: lignina, celulose e hemicelulose. Sisal e cana- -de-açúcar são exemplos desse tipo de fibra. O interesse pelo sisal, segundo a pesquisadora, se deu porque o Brasil é o maior produtor e exportador global da fibra. Em 2007, a produção mundial atingiu 240,7 mil toneladas, das quais quase metade (113,3 mil toneladas) foi cultivada no país, que pode facilmente dobrar sua produção em curto espaço de tempo. Originária do México, o sisal (Agave sisalana) é uma planta cultivada em países em desenvolvimento e no Brasil as plantações estão concentradas nos estados da Paraíba e da Bahia. Depois de beneficiado, o sisal é exportado principalmente pa-ra os Estados Unidos, Canadá, Europa, Irã e países do Leste Europeu. China e México são os principais compradores da fibra virgem. A cultura do si-sal tem uma área plantada de 154 mil hectares no país, com produtividade próxima a 800 quilos por hectare.

Outros dois aspectos van-tajosos da fibra do sisal são o fato de ela não ser usada como fonte de alimento e, ao mesmo tempo, apresentar alto teor de celulose, cerca de 10% a mais do que o bagaço de cana. Con-siderando também a hemice-lulose, a fibra de sisal tem cerca de 90% de material gerador de açúcares fermentáveis, que

NOVOS MATERIAIS>

ED

ua

rD

o c

Es

ar

Page 79: Buraco negro voraz

78 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

formam etanol a partir do processo de fermentação. “Esses açúcares são gera-dos a partir da hidrólise, que de forma simplificada pode ser considerada co-mo uma reação em que são rompidas as ligações que unem muitas unidades de glicose na celulose e também unidades de outros açúcares na hemicelulose”, explica Elisabete. “No Brasil, os pro-cessos de hidrólise visando à produção de etanol estão centrados na utilização de cana-de-açúcar. Nosso trabalho está demonstrando que é possível usar o si-sal para esse fim. Queremos contribuir para que o Brasil continue se destacan-do no setor de biocombustíveis e acre-ditamos que o sisal possa ser também uma matéria-prima importante.”

Iniciadas em 2007, as pesquisas do Instituto de Química de São Carlos pa-ra produção de etanol a partir do sisal ganharão, em breve, a cooperação de pesquisadores da Unidade de Ciências da Madeira e de Biopolímeros (Unité des Sciences du Bois et des Biopolymè-res) da Universidade de Bordeaux I, na França. A parceria tem como finalidade melhorar as condições do processo de hidrólise da celulose do sisal, aumen-tando sua eficiência, e estudar novos métodos para extração da lignina da fibra de sisal. No trabalho desenvolvi-do em São Carlos é utilizado o proces-so chamado de hidrólise ácida para a

obtenção da glicose a partir das fibras do sisal. Na parceria com os franceses será explorada a hidrólise enzimática em que, no lugar do ácido, se utilizam enzimas para efetuar a quebra das liga-ções de glicose para possíveis aplicações desse processo pelas biorrefinarias. “A hidrólise ácida ainda tem menor custo, mas muito tem sido investido na hidró-lise enzimática, visando à diminuição de custos e ao aumento na eficiência do processo. Um dos inconvenientes da hidrólise ácida corresponde à corrosão que pode provocar nos equipamentos das refinarias, quando utilizadas em lar-ga escala”, explica Elisabete. O projeto

cooperativo com a universidade france-sa também contempla o estudo da palha de milho para a produção de biocom-bustíveis. A palha é um resíduo ligno-celulósico abundante no sul da França e no Brasil e, por isso, existe interesse dos pesquisadores de ambos os países em desenvolver estudos objetivando seu aproveitamento. Brasil e França ocuparam, ao final de 2007, o terceiro e o quinto lugares, respectivamente, na produção mundial de milho.

Placas poliméricas - Uma importante vertente do trabalho da equipe da USP é o emprego de fibras vegetais para produção de compósitos poliméricos, nome dado a polímeros reforçados com outros materiais. Um dos objetivos da pesquisa é usar o sisal, o bagaço da cana-de-açúcar – resíduo produzido em maior escala na agroindústria brasileira – e outras fibras vegetais naturais como agente de reforço de polímeros fenólicos para melhorar as propriedades mecânicas do compósito, como sua resistência a impactos. Outra vantagem da mistura é a redução de custo do material, porque o reforço fibroso tem preço menor do que o polímero em si. “O grande desafio consiste em combinar fibras e matrizes poliméricas de forma a produzir um material eficiente para determinada aplicação”, diz a pesquisadora. Até o

fot

os

ED

ua

rD

o c

Es

ar

Fibras e macromoléculas naturais: estudos visando a aplicações diversificadas

modAlIdAdE

auxílio regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dorA

ElisabEtE Frollini – usP

InvEStImEnto

r$ 143.971,22 e us$ 23.574,47 (faPEsP)

O PrOjetO>

Bagaço de cana: extração de lignina resulta em resinas para produção de polímeros

Page 80: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 79

> Artigos científicos

MEgIAttO JúNIOr, J. D.; SILvA, C. g.; rOSA, D. S.; FrOLLINI, E. Sisal chemically modified with lignins: correlation between fibers and phenolic composites properties. Polymer degration and Stability. v. 93, p. 1.109-1.121, 2008.

ros sintéticos é o fato de esse polímero natural ser obtido principalmente a partir da madeira, que tem um ciclo de reposição lento em função do ritmo de crescimento das árvores. Por isso, a pes-quisadora e sua equipe têm investido no estudo de fontes ricas em celulose, mas com curto ciclo de crescimento, como sisal e cana-de-açúcar.

Patente do tanino – Nos últimos se-te anos, os estudos conduzidos pela pesquisadora com as fibras vegetais já produziram cinco teses de doutorado, seis dissertações de mestrado e vários projetos de iniciação científica. também já renderam uma patente, que tem a FAPESP como um de seus depositantes, e a publicação de cerca de 30 artigos científicos em periódicos internacio-nais indexados. A patente demonstra a possibilidade de desenvolvimento de compósitos poliméricos a partir de taninos, substâncias extraídas de certas árvores, como a acácia-negra (Acacia mearnsii) e também encontradas em frutas e no vinho tinto. Elas são em-pregadas na indústria de couro e usadas como agente floculante ou coagulante em tratamento de águas.

Nessa patente, o tanino foi utiliza-do como reagente na preparação da matriz polimérica – mesma função desempenhada pela lignina em outros

estudos da equipe. Fibras obtidas da casca da acácia-negra, uma legumi-nosa cultivada principalmente no rio grande do Sul para extração de tanino, foram usadas como agente de reforço do compósito. “Dessa forma, estrutu-ras típicas do tanino fazem parte da composição da matriz polimérica e do material de reforço, porque também estão presentes na fibra da casca da árvore”, ressalta Elisabete, confiante em que os compósitos obtidos de polí-meros preparados a partir de matéria- -prima oriunda de fonte renovável e fibras naturais corresponderão a novos materiais promissores nos próximos anos. “Essa tendência, iniciada nas últimas décadas do século XX, deverá colocar gradativamente esses materiais em patamares de mercado próximos aos de polímeros sintéticos”, diz. “O desenvolvimento de pesquisa e forma-ção de recursos humanos nessa área é importante para essa meta ser atingida mais rapidamente.” n

momento já foram produzidas com sucesso nos laboratórios da USP placas poliméricas reforçadas com fibra de sisal, bagaço de cana, fibra de curauá, encontrado na região amazônica, além de fibras de juta, coco e bananeira.

Entre os projetos da pesquisadora também está a utilização da lignina e de celulose e seus derivados para pre-paração ou obtenção de polímeros. No primeiro caso, a lignina é extraída do bagaço de cana e usada como reagente na preparação de resinas fenólicas. Es-sas resinas, sob temperatura e pressão controladas, são transformadas em polímeros e compósitos poliméricos. “A utilização da lignina na formulação da resina aumenta a compatibilidade entre as fibras lignocelulósicas, como o próprio bagaço, e a matriz poliméri-ca, uma vez que ela estará presente em ambas”, explica.

A celulose retirada do sisal e de ou-tras fibras, por sua vez, é utilizada para preparação de bioplásticos, um tipo de plástico preparado a partir de um polí-mero natural que pode ser usado para a fabricação de embalagens de alimentos. “Nossa meta é produzir esse material reforçado em escala nanométrica”, diz ela. Esses materiais ganharam o nome de bionanocompósitos. Um dos as-pectos que dificulta a competição da celulose e seus derivados com políme-

Placas de polímeros reforçadas com fibras de sisal: maior resistência a impactos

Page 81: Buraco negro voraz

80 n MAIO DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Sociologia

O elo perdido tropicalBrasil foi fundamental para Darwin criar suas teorias, que retornaram ao país, mais tarde, e moldaram nossa nação | Carlos Haag

>humanidades

rE

pr

OD

ãO

Page 82: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n MAIO DE 2009 n 81

Charles Darwin (1809-1882) passou quatro meses no Brasil, em 1832, durante a sua célebre viagem a bordo do Beagle. Voltou impressionado com o que viu: “Delícia é um termo insuficiente para exprimir as emoções sentidas por um naturalis-ta a sós com a natureza no seio de uma floresta brasileira”, escreveu em seu diário científico. O

Brasil, porém, aparece de forma bem menos idílica em seus escritos pessoais: “Espero nunca mais voltar a um país escravagista. O estado da enorme população escrava deve preocupar todos que chegam ao Brasil. Os senhores de escravos querem ver o negro como outra espécie, mas temos todos a mesma origem num ancestral comum. O meu sangue ferve ao pensar nos ingleses e americanos, com seus ‘gritos’ por liberdade, tão culpados de tudo isso”. Numa casa em que ficou hospedado no Rio sofreu ao presenciar, “diariamente e a toda hora”, um mulato ser espancado com tal violência que “seria suficiente para quebrar o espírito do mais baixo animal”. Em vez do gorjeio do sabiá, o que ficou no ouvido de Darwin, ao voltar para a Inglaterra, foi um som terrível que o acompanhou por toda a vida: “Até hoje, se eu ouço um grito ao longe, lembro-me, com dolorosa e clara memória, de quando passei numa casa em Pernambuco e ouvi os urros mais terríveis. Logo entendi que era algum pobre escravo que estava sendo torturado. Eu me senti impotente como uma criança diante daquilo, incapaz de fazer a mínima objeção”.

“Para Darwin, a viagem do Beagle foi menos importante pelos espécimes coletados do que pela experiência de teste-munhar os horrores da escravidão no Brasil. De certa forma, ele escolheu focar na descendência comum do homem jus-tamente para mostrar que todas as raças eram iguais e, dessa forma, enfim, objetar àqueles que insistiam em chamar os negros de espécies diferentes e inferiores aos brancos”, explica o biólogo Adrian Desmond, da University College London, que, ao lado de James Moore, acaba de lançar Darwin’s sa-cred cause: race, slavery and the quest for human origins, um estudo que mostra uma inusitada paixão abolicionista do cientista, revelada a partir da redescoberta de diários e cartas pessoais. “A grande revelação desses escritos é que a maior parte das pesquisas de Darwin, por muitos anos, foi sobre raça. Para ele, não havia diferença entre ‘raça’ e ‘espécie’ e sua pesquisa sobre a origem das espécies é também sobre a origem das raças, incluindo-se os humanos. A extensão de seu interesse explícito no combate à ciência de cunho racista é surpreendente, e pudemos detectar um ímpeto moral por trás de seu trabalho sobre a evolução humana, uma crença numa ‘irmandade’ racial que tinha raízes em seu ódio ao escravismo que o levou, junto com outros fatores, a pensar numa descendência comum. Sua ciência não era ‘neutra’, como se acreditava, mas impulsionada por paixão moral e preocupações humanitárias”, observa.

A conhecida reticência do naturalista em publicar sua obra (foram três décadas de indecisão), nota o autor, pode

ser também explicada por essa sua visão nada baconiana da ciência, o que igualmente jogaria luzes sobre as razões que levaram um jovem com uma carreira promissora em vista a arriscar seu futuro afrontando a sociedade cristã, à qual ele pertencia, com uma teoria “homem-macaco”. “Em função de sua herança antiescravista e por causa de sua experiência com a escravidão brasileira, Darwin, ao voltar à Europa, em 1836, concebeu a imagem do ancestral comum. Seus cader-nos de notas entre 1837 e 1838 mostram seu pensamento se movendo cada vez em direção a uma irmandade racial, ideias que ele desenvolveu num tempo em que havia grande euforia abolicionista”, analisa Desmond.

A análise dos documentos revela um jovem Darwin que merece ser mais conhecido. “Os diários fechados escritos imediatamente após a viagem do Beagle mostram um ho-mem muito diferente daquele ‘homem de ciências’ sério que apresentou a Origem das espécies como uma acumulação paciente de fatos que praticamente o forçaram a conclu-sões evolucionárias. Claro que não pretendemos explicar toda a sua obra em função de sua paixão pela abolição, mas acreditamos que foi sua obsessão pela unidade racial que o levou a tocar nesse assunto intocável e traiçoeiro, a despeito de todos os problemas que surgiriam”, afirma. A curiosidade dos pesquisadores foi aguçada há dez anos quando reliam A descendência do homem e a seleção em relação ao sexo. “Em dois terços de um livro supostamente sobre a evolução humana só se falava de abelhas, pássaros e borboletas. Por quê? Bem, Darwin queria provar a sua teoria da ‘seleção sexual’. Mas por que isso era tão importante? Porque era a prova central do ancestral comum racial, já que essa seleção era a responsável pelas diferenças de aparência entre as raças de animais e humanos, e não, como queriam os pró-escravistas, porque as espécies foram criadas sepa-radamente. O fato de que boa parte de suas ideias foram gestadas quando os EUA se preparavam para uma guerra civil, por causa da escravidão, eleva a dimensão moral de sua pesquisa.” Darwin, apesar de discreto em seu engaja-mento, como apropriado a um cavalheiro vitoriano, era um antiescravista que crescera numa família profundamente envolvida na causa abolicionista: os Wedgwood, família de sua mãe e de sua futura esposa. Seu avô paterno Erasmus também era um defensor da “causa sagrada”.

Foi em Edimburgo, onde tentou sem sucesso estudar me-dicina, que conheceu pela primeira vez um negro, um liberto da Guiana que o ensinou a empalhar aves. “Tornaram-se grandes amigos e Darwin não aceitava, é claro, argumentos racistas de que os negros ‘não podiam ser civilizados’. Chegou a ficar furioso quando o colega Charles Lyell voltou dos EUA encantado com escravistas que o recepcionaram e o avisou de que era preciso ir além das armadilhas polidas da socie-dade sulista e ver a realidade cruel em que esta se baseava. Mesmo a sua profunda antipatia pelo naturalista e detrator do evolucionismo, Louis Agassiz, pode ser entendida, agora, pela defesa que aquele fazia do poligenismo em Harvard.”

Page 83: Buraco negro voraz

82 n MAIO DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Como não poderia deixar de ser, se a teoria darwinista, de certa forma, surgiu de uma epifania política do na-turalista no Brasil, ao retornar ao país, em 1870, o então chamado “darwinis-mo” foi recebido por uma geração que planejava mudanças políticas na nação. “Aquele era um momento em que não se via mais a pujança da terra como singularidade local, mas os homens com sua composição racial. Médicos, juristas, historiadores e naturalistas sentiam-se responsáveis pela criação de novas identidades para a mesma nação e a questão da raça se torna uma obses-são, já que seria a linguagem pela qual seria possível dar conta das desigual-dades existentes e atingir certa unidade nacional”, observa a antropóloga Lilia Schwarcz, da USP.

A reunião de discurso racial e proje-to nacionalista deu oportunidade de se pensar uma nação a partir de critérios biológicos. “Aos olhos desses intelectuais somente a ‘doutrina’ evolucionista per-mitiria a criação de uma representação do Brasil como unidade em formação. O evolucionismo é quem propicia a ‘convicção científica’ de que as nações jovens, presas pela fatalidade do colo-nialismo, poderiam se aproximar das nações civilizadas metropolitanas, já que, pelas teorias, era da natureza dos seres transformarem-se ao longo do tempo”, analisa o sociólogo Carlos Al-berto Dória, autor do doutorado Ca-dências e decadências do Brasil: o futuro da nação à sombra de Darwin, Haeckel e Spencer, defendida na Unicamp. “Ao adotar o jargão evolucionista e racial, as elites letradas, em especial os médi-cos e os juristas, acabaram assumindo

uma espécie de consciência do atraso, encontrando respaldo para redimen-sionar uma discussão sobre igualdade entre os homens e, assim, sobre critérios de cidadania”, nota Lilia. Mas ao mes-mo tempo que a adoção dos modelos darwinistas sociais dava às elites a sen-sação de proximidade com o mundo europeu e de confiança no progresso e na civilização, trazia certo mal-estar, quando da aplicação dessas teorias às questões raciais brasileiras, já que era preciso ficar cara a cara com a realidade da miscigenação tão avançada no país.

Ainda assim a recepção do darwi-nismo no Brasil foi uma das menos problemáticas entre as Américas. “Em sociedades onde as elites estão desuni-das todas as ideias, inclusive as cientí-ficas, são apropriadas como armas. O darwinismo é um bom exemplo, já que foi facilmente convertido em símbolo do secularismo”, avalia o historiador Thomas Glick, da Universidade de Boston. O problema racial estimulou o discurso evolucionista e levou a um movimento para classificar as raças cientificamente; as convicções evolu-cionistas, por sua vez, permitiam uma visão otimista sobre a capacidade de o Brasil superar o atraso.

A ssim, evoluir, no Brasil do século XIX, significava derrubar a mo-narquia, tornar livre o trabalho,

privilegiar a livre concorrência e ree-xaminar a concepção de Estado”, afir-ma a historiadora Regina Gualtieri, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mas o Brasil conheceu um evolucionismo que, embora batizado de “darwinismo”, era a versão que dele

apresentaram o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) e o biólogo ale-mão Ernst Haeckel (1834-1919). “A visão que ambos tinham da evolução ligava-se a um sistema de pensamento integrado ao ultraliberalismo radical do industrialismo vitoriano, ao mesmo tempo que hierarquizador das socieda-des humanas como raças e civilizações”, nota Dória. “Nenhum dos intelectuais evolucionistas (Euclides da Cunha, Ni-na Rodrigues, Sílvio Romero, Manoel Bonfim, Monteiro Lobato) foi conferir diretamente em Darwin o que signifi-cava exatamente ‘evolução’ ou ‘raça’ e como se processavam no reino da na-tureza, preferindo tomá-las de segunda mão de Spencer e Haeckel.”

Spencer foi o pioneiro na divulga-ção para o público não especializado da ideia de evolução e antes mesmo de Darwin já havia postulado a impor-tância de uma teoria de seleção. Mas sua leitura foi responsável por uma considerável confusão sobre o darwi-nismo real: foi Spencer quem redefiniu a seleção natural como “sobrevivência dos mais aptos”, tornando-se o porta- -voz de uma teoria social baseada numa luta brutal pela existência, equivocada-mente batizada de “darwinismo social”, que pregava a guerra de fortes contra fracos, ricos contra pobres, conflitos necessários já que levariam a sociedade humana a um pleno desenvolvimento, purgando-a dos “fracos”. Um darwinis-ta de primeira hora, Haeckel via um paralelo entre o desenvolvimento das raças e o desenvolvimento das espécies e para ele as raças ditas “primitivas” eram uma etapa “infantil” na marcha da humanidade rumo ao progresso,

rE

pr

OD

ãO

Page 84: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n MAIO DE 2009 n 83

cujo ápice era o homem branco. Che-gou a criar uma religião, o “monismo”, em que toda economia, política e ética eram reduzidas à biologia aplicada.

Para um país que estava tentando se transformar política, econômica e socialmente, as ideias evolucionistas, em especial após passarem pelo “filtro” de Spencer e Haeckel, eram muito bem- -vindas e mesmo os debates religiosos não impediram a sua rápida dissemi-nação no Brasil. “Concepções como se-leção natural e luta pela vida poderiam ser usadas para combater, em nome das transformações, a pretensa apatia e incompetência dos opositores. Já a lei biológica de Haeckel, transferida para o mundo social, previa que os povos, durante o seu desenvolvimento, reca-pitulariam a história de outros povos já desenvolvidos e, na interpretação spenceriana, as organizações sociais mais simples e menos evoluídas se transformariam, seguindo os passos das sociedades mais complexas”, analisa Regina Gualtieri.

O Brasil apresentava ainda outras peculiaridades que facilitaram a chega-da do darwinismo, ainda que em sua forma “bastarda”. Na esfera do Estado, o imperador, embora amigo de Agassiz e de outros inimigos do evolucionismo (revelou em carta o seu horror profundo a qualquer aproximação entre homens e macacos), não era de todo contrário a Darwin. As elites católicas estavam igualmente dispostas a certa boa von-tade com as novas ideias, já que perce-biam ter algo a ganhar ao aceitar um evolucionismo poligenista que dava base científica para legitimar a manutenção da supremacia branca. Por fim, em todos os principais museus, institutos e facul-dades importantes, como a de Medicina, na Bahia, e a de Direito, no Recife, havia simpatizantes do darwinismo. “Na au-sência, porém, de biólogos e naturalistas em quantidade, os principais darwinis-tas brasileiros eram médicos ou teóricos sociais”, lembra Glick. Um detalhe no-tável nessa recepção era a evidência da decadência entre os letrados nacionais da cultura francesa, até então base do positivismo, naquele momento na mira da geração materialista.

“O darwinismo à brasileira foi fil-trado por uma visão cultural alemã, ca-racterística do impacto da ‘crise alemã do pensamento francês’, cuja expressão

maior se deu no germanismo da escola do Recife”, avalia Dória. “O projeto des-sa geração modernizadora, que passa a questionar a cultura francesa, utilizando fontes alemãs, vai se corporificando num discurso consistente sobre a raça como principal suporte da elaboração do ser nacional. A raça será, para os nossos evo-lucionistas, a própria comunidade.”

A inda segundo Dória, isso deu ao evolucionismo nacional um aspec-to contraditório, já que ele se viu

transformado em base de sustentação teórica para práticas de cunho conser-vador, apesar do sentido revolucionário das descobertas de Darwin. “O evolucio-nismo, em especial no seu formato hae-ckeliano, acabou se tornando uma ideo-logia, já que foi usado para confirmar uma convicção das elites de que havia

diferenças qualitativas entre os grupos humanos que permitiam classificá-los como inferiores e superiores. O social, o cultural e o biológico se fundiram para formar uma teoria de organização so-cial: enquanto alguns afirmavam que os resultados atávicos da miscigenação podiam ser revertidos pelo mecanismo de importar europeus para ‘branquear’ as raças inferiores, o mesmo efeito po-deria ser obtido na imposição da cul-tura europeia, que seria suficiente para ‘branquear’ um mulato”, observa Glick. É importante ressaltar que essa ideologia forjada a partir do darwinismo ultrapas-sou o circuito fechado das instituições de saber e ensino e se propagou pela sociedade por meio de conferências e sua consequente divulgação e debate na imprensa da época. O exemplo mais no-tável foram as Conferências Populares

rE

pr

OD

ãO

Darwin: cena de tortura no Brasil marcou muito o naturalista

Page 85: Buraco negro voraz

84 n MAIO DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

da Glória, preleções públicas realizadas no Rio de Janeiro, criadas em 1873 para divulgar as artes e as ciências. Se o pú-blico estava restrito a uma elite letrada, nem por isso as conferências deixaram de ganhar força política, seja legitiman-do as ideias em debate, seja fazendo-se repercutir na imprensa, que colaborava na disseminação e cristalização de novas ideias, como quando do ciclo de confe-rências sobre o darwinismo em 1875. Ficou célebre a proferida pelo médico Miranda Azevedo, o principal respon-sável pela divulgação do “darwinismo social” no país, em especial pela sua de-fesa da “luta pela existência”. “Para ele, o darwinismo forneceria o instrumental para se pensar e resolver os problemas da sociedade brasileira, como quan-do ataca o sistema de convocação dos militares, que, afirmava, retirava da so-ciedade os indivíduos mais saudáveis e fortes, deixando os ‘fracos’ como fonte de reprodução e constituição da família e sociedade brasileiras”, lembra a histo-riadora Karoline Carula.

“São precisamente os débeis que hão de constituir famílias e assim transmitir a seus filhos os germes desse raquitismo, dessa degeneração que todos os estadis-tas proclamam?”, perguntou o médico à sua plateia, para em seguida, partindo desse raciocínio, atacar a monarquia pe-la sua incapacidade em atuar segundo as “leis” de Darwin, encerrando com o grito de guerra: “Prefiro descender de um macaco aperfeiçoado do que de um Adão degenerado”. Essas discussões igualmente foram importantes para preparar o público leitor de romances naturalistas, como os de Aluísio Aze-vedo (O mulato, de 1881, e O cortiço, de 1890), permeados, nota Carula, “da teoria de Darwin”, o que revelaria “como

o darwinismo já havia adquirido outra categoria de difusão no início da déca-da de 1880, mostrando que a opinião pública já o aceitava na literatura. “No naturalismo, personagens e enredos são submetidos ao determinismo cego das ‘leis naturais’ que a ciência da época jul-gava ter codificado. Entre essas havia as oriundas do darwinismo e outros tipos de evolucionismo, como o darwinismo social de Spencer. Claro que Azevedo não queria aplicar conceitos. Mas no episódio naturalista há farta aplicação da ‘luta pela sobrevivência’, da ‘sobre-vivência dos mais aptos’, da ‘evolução moral’ etc.”, acredita o biólogo Ricardo Waizbort, da Fiocruz.

C uriosamente, em meio a todo esse debate ideológico, pouca atenção se deu a um verdadeiro darwinis-

ta no Brasil: Fritz Muller (1822-1897). “Ele foi com certeza o biólogo darwinis-ta mais importante do século XIX de-pois do próprio Darwin”, avalia Glick. Tendo emigrado da Alemanha para o Brasil em 1892, Muller viveu discre-tamente como um modesto professor lecionando no Sul do país, enfrentan-do a influên cia poderosa da religião no sistema educacional. Em 1863 escreveu Für Darwin, um estudo sobre crustáceos que foi fundamental, e pioneiro, para a confirmação empírica dos mecanismos da seleção natural. Darwin, entusiasma-do, quis que ele fosse traduzido para o inglês e os dois se corresponderam por longos anos. Como professor, em Des-terro, influenciou, com seu darwinismo, o poeta Cruz e Souza, ridicularizado pe-los colegas que viam no pai do escritor o “elo perdido”, que ainda mantinha o humor e versejava sobre sua condição de negro: “Tu vens exata e diretamente

de Darwin. Posso detectar em tua face as protuberâncias cranianas do oran-gotango, o gesto lascivo, o ar animal e predador do símio”. “Muller assim como o imigrante alemão Carl von Koseritz eram os correspondentes de Haeckel no Brasil e, ao lado do suíço Emílio Goeldi, “evolucionistas de primeira mão” que, no entanto, não constavam da biblioteca de evolucionistas como Tobias Barreto ou Sílvio Romero, revelando o caráter ideológico que as ideias biológicas de Darwin ganharam no Brasil.

Fecha-se, assim, o ciclo da mistura entre Darwin, nação e raça num forma-to tropical. “O tipo de discussão evolu-cionista que ocorreu no país atenuou os aspectos da hereditariedade, enfatizan-do aqueles mais ligados aos problemas de adaptação, o que provocou uma ate-nuação dos argumentos racistas como discurso na esfera pública, aos moldes daquele encontrado no darwinismo so-cial”, observa Dória. “A miscigenação passou a ser vista como uma forma di-luente de seleção, cuja mistura se deu na esfera privada, comandada por cada um. Se a nação era criação coletiva, o selecionismo é uma questão individual e privada, como uma eugenia surda, já aparecendo resolvido na sociedade pelo ‘fato’ da miscigenação.”

Apenas a melhoria da adaptação das raças que constituíam a nacionalidade ganhou o palco da esfera pública: a “he-rança” foi colocada por trás dos panos da privacidade. “Isso deu ao nosso racis-mo uma feição mais atenuada e condi-zente com o mito da ‘democracia racial’, longe de eugenismos de tipo apartheid e, ao mesmo tempo, extremamente to-lerante com os processos privados de discriminação. Na base de tudo estava o adiamento do reconhecimento da ci-

Page 86: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n MAIO DE 2009 n 85

dadania do negro, projetado para um futuro diluído e diluidor, segundo as leis biológicas que levariam ao bran-queamento nacional. Nisso o desejo de ser brasileiro implicaria a abdicação do desejo de ser negro.” Na contramão, continua Dória, estava o programa de melhoria do povo da biocracia brasileira (o Estado passa a ser o personagem que dirige o organismo social no sentido desejado, o que tira o caráter natural da evolução), o higienismo, cujos represen-tantes mais importantes foram Lobato e Oswaldo Cruz, essencialmente não ge-neticista, voltado para corrigir a vida das populações saídas da escravidão e abandonadas na pobreza. Mas as pala-vras de Lobato não nos fazem esquecer da força-motriz oculta: “O nosso dilema é este: ou doença ou incapacidade racial. É preferível optarmos pela doença”.

“O evolucionismo desempenhou, para o Brasil, o papel de único guia se-guro ao longo do processo de discus-são sobre a formação da nação. Assim, o que os brasileiros entenderam por ‘darwinismo’ foi parâmetro de discus-sões mais próximas da filosofia social do que da biologia, mostrando como nos apropriamos daquela teoria”, resu-me Dória. Mas, nota Lilia, no Brasil, o evolucionismo combina com darwinis-mo social, como se fosse possível falar em ‘evolução humana’ porém diferen-ciando as raças; negar a civilização aos negros e mestiços, sem citar os efeitos da miscigenação já avançada; expulsar a “parte gangrenada” e garantir que o futuro da nação era “branco e ocidental”. O próprio Darwin, em especial a partir da publicação de A ascendência do ho-mem, em 1871, também passou a aceitar,

como um bom vitoriano, a ideia de uma “escada” racial e cultural, com os bran-cos no topo e os negros na base. “Não é certo afirmar que a culpa pelos efeitos daninhos do ‘darwinismo social’ sejam exclusivos da leitura feita por Spencer, o álibi ideal para Darwin, como se ele ape-nas fosse o cientista puro e isento. Para Darwin não era possível um darwinismo não social, pois o social era parte inte-gral do seu sistema de entendimento da natureza. Nesse sentido, consciente, ele foi matriz do colonialismo e de outras barbáries cometidas em seu nome. Daí a importância, nesse aniversário de 200 anos, de voltarmos a olhar para o jovem Darwin, capaz de colocar paixão na ciên-cia e levá-la ao caminho humanitário”, lembra Adrian Desmond. Tempos em que a “causa sagrada” não se confundia com o “fardo do homem branco”. n

rE

pr

OD

õE

s D

O l

Ivr

O r

io d

e j

an

eir

o -

cid

ad

e m

es

tiç

a

Page 87: Buraco negro voraz
Page 88: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 87

Saúde mental

interpretação da anorexia como parte da identidade amplia possibilidades de tratamento

Elas passam horas em frente a confeitarias e se orgulham em mostrar para si mesmas e para os outros que resistem ao desejo de comer e até mesmo à fome. Quando emagrecem a ponto de perder a capacidade de se mover, vão à revelia para o pronto-socorro, mas não abdicam do direito de não comer. Se aceitam meia pera por insistência da equipe do hospital, podem depois passar horas pulando no quarto para queimar

as calorias indesejadas e mostrar que elas é que mandam. Não é fácil tratar quem tem anorexia, distúrbio alimentar carac-

terizado pela obsessão em perder peso e pela aversão ao alimento. O ganho de peso obtido depois de semanas de internação se esvai rapidamente. Um psiquiatra e uma psicóloga da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) encontraram uma das razões que explicam por que as pessoas com esse problema resistem tanto à possibilidade de serem cuidadas: a anorexia pode fazer parte da identidade dessas pessoas, na maioria adolescentes e mulheres adultas jovens. No Brasil, cerca de 1,1 milhão de mulheres e 120 mil homens com mais de 15 anos pesam bem menos do que o mínimo recomendado para a idade e altura e jejuam para emagrecer ainda mais.

“Alimentar-se, que poderia ser a solução para a perda excessiva de peso, pode soar para essas pessoas como uma ameaça à própria identidade”, diz Sérgio Blay, professor da Unifesp. Blay e Cybele Espíndola verificaram que quem teve anorexia reconhece que deixar de comer é prejudicial e conduz à solidão e ao isolamento social, mas também oferece controle sobre o corpo, poder, beleza e um sentimento de ser diferente, até mesmo superior às outras pessoas. Com base nesses achados, eles criaram uma proposta de tratamento, em fase de amadurecimento, que considera a anorexia como um dos pilares da identidade e, a partir daí, procura ampliar os interesses dos pacientes para além da alimentação e fazer com que esse problema seja assumido por quem o tem. Normalmente os portadores de anorexia se recusam a admitir que emagreceram demais e pensam muito apenas em como fugir da fome. “Diferentemente de outros transtornos psíquicos, esse é um universo singular, em que a doença possui um caráter simbólico marcante”, comenta Cybele.

Carlos Fioravanti | ilustrações Marcos Garuti

>

A insustentável

leveza

Page 89: Buraco negro voraz

88 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Com o mesmo propósito de enten-der a dimensão simbólica da anorexia, Rúbia Carla Giordani acompanhou durante quase todo o ano de 2003 oi-to adolescentes e mulheres de 16 a 25 anos com esse problema que estavam ou estiveram em tratamento em hospi-tais de Curitiba – o tratamento consiste essencialmente de dietas de ganho de peso, acompanhamento psicológico e uso de medicamentos psicotrópicos, geralmente antidepressivos. As entre-vistas, cujas transcrições ocuparam quase 400 páginas, as observações do dia a dia dessas pessoas e as conversas com médicos, psicólogas e enfermeiras que as tratavam levaram a conclusões semelhantes.

“Essas mulheres se orgulhavam de sentir fome e não se alimentar”, diz Rúbia, que leciona nutrição e integra o grupo de pesquisa em sociologia da saúde na Universidade Federal do Pa-raná (UFPR). Ela descobriu que essas portadoras de anorexia passavam ho-ras em supermercados lendo rótulos de alimentos para memorizar quantas calorias têm um copo de leite ou um biscoito. “As meninas com anorexia têm um medo mórbido de engordar e se dedicam de forma obsessiva ao controle da imagem corporal”, diz. “O corpo ocupa uma posição central na vida de quem tem anorexia e funciona como um alicerce para qualquer tipo de experiência social.”

Por meio desse estudo, publicado em 2006 na revista Psicologia & Socie-dade e detalhado em um dos capítulos do livro Olhares e questões sobre a saúde, a doença e a morte (José Rasia e Rú-bia Carla Giordani, Editora da UFPR, 2007), Rúbia verificou que a anorexia era um problema que pode se estender para além das classes sociais mais altas e acometer também os mais pobres: a renda das famílias de suas entrevistadas variava de 1 a 33 salários mínimos.

Ouvindo essas mulheres, a pesquisa-dora da UFPR conheceu os três estágios de desenvolvimento desse transtorno alimentar. O primeiro é marcado pela discrição e nem os familiares percebem que alguém na família está cultivando a anorexia. Segundo Rúbia, esse distúrbio alimentar pode começar com uma dieta que elimina doces, gorduras e alimen-tos mais calóricos em geral. Pode depois evoluir para comportamentos bizarros

e ritualísticos, expressos por meio de opção por cores, formas geométricas e combinação de alimentos – tudo ainda muito discreto.

Nesse início, essas pessoas fazem o possível para exibir uma vida normal, mesmo que já estejam emagrecendo bastante, como resultado do jejum e do excesso de exercícios. “Os pais e amigos ainda não detectam qualquer compor-tamento anormal”, diz a pesquisadora da UFPR. A etapa seguinte consiste de uma seleção e restrição ainda maior de alimentos: as pessoas com anore-xia podem induzir o vômito ou tomar laxantes ou diuréticos. Trancam-se no banheiro para se livrarem em segredo do que tiveram de comer, mas com o tempo acabam descobertas.

A terceira etapa é a da hostilidade. “Meninas educadas e bem-comporta-das, até então com boas notas na escola, começam a mostrar rebeldia e a enfren-tar a equipe médica e os nutricionistas”, diz Rúbia. “Um aspecto central da ano-rexia é a negação da própria doença, por mais grave que esteja.”

Em dois artigos recém-publicados, um na revista Psychopathology e outro na Annals of Clinical Psychiatry, Blay e Cybelle argumentam que o reconhe-cimento da doença, a reconciliação do portador de anorexia consigo mesmo e a reconstrução da identidade pode-riam contribuir no tratamento. “A re-construção das relações familiares e o contato com amigos tornam-se agora muito importantes como parte do tra-tamento”, diz Cybele. Blay acrescenta

Revisão sistemática e metassíntese dos estudos qualitativos em transtornos alimentares

modAlIdAdE

Bolsa de Doutorado Direto – FapEsp

Co or dE nA dorES

Cybele RibeiRo espíndola e seRgio luis blay – Unifesp

InvEStImEnto

R$ 74.998,17

O PrOjetO>

Page 90: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 89

“Até mesmo a espiritualidade ou os cui-dados com animais domésticos podem ampliar o universo de atividades e criar situações que não estejam mais centra-das no alimento.”

Os estudos de São Paulo e de Curi-tiba conferem um perfil particular à anorexia nervosa entre os distúrbios mentais e ampliam as possibilidades de tratamento de um problema que não é atual nem restrito a adolescentes, mo-delos e bailarinas. Freud escreveu em 1893 sobre uma mulher que desenvol-vera anorexia depois do nascimento do primeiro filho e dois anos depois sobre outra, a quem insistiu para tomar água (ela tomava só leite) e parar de jogar a comida pela janela. Ela antecipou-lhe o fracasso da recomendação ao respon-der: “Eu o farei porque o senhor está mandando, mas eu posso desde já lhe dizer que isso vai acabar mal, porque é contrário à minha natureza e meu pai era como eu”. Para Freud e outros psi-canalistas, a ausência de menstruação por três meses seguidos, um dos sinais da anorexia, pode representar a negação da feminilidade e a fome constante, uma forma de sentir prazer com o corpo.

Sedução e mentiras – “O principal inimigo do tratamento contra a ano-rexia é o próprio paciente, que se vale de todos os meios possíveis para bur-lar o tratamento”, diz o psiquiatra Táki Cordás, coordenador do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulim) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universida-de de São Paulo (USP). Ele ainda se lem-bra de uma carta que recebeu anos atrás de uma mulher com anorexia que ele tratara e deixava o hospital. “Ela tinha escrito algo assim: ‘Não caia na nossa sedução, não acredite no que dizemos. Nós estamos mentindo. Você precisa aprender a ser rígido’”, ele rememo-rou. “Ela se suicidou meses depois e eu aprendi que não podemos ser flexíveis e atender a solicitações de pacientes que não estão preparados para se cuidarem, embora se sintam onipotentes.”

Ao deixar o hospital, uma mulher que teve anorexia escreveu para

o médico: “Não acredite no que dizemos. Você precisa ser rígido”

> Artigos científicos

1. ESPÍNDOLA, C. R. e BLAY, S.L. Anorexia nervosa treatment from the patient perspec-tive: a metasynthesis of qualitative studies. Ann Clin Psychiatry. 2009 21(1), p. 38-482. ESPÍNDOLA, C. R. e BLAY, S. L. Anorexia nervosa’s meaning to patients: a qualitative synthesis. Psychopathology. 2009; 42(2), p. 69-80.3. GIORDANI, R. C. F. A autoimagem cor-poral na anorexia nervosa: uma abordagem sociológica. Psicologia & Sociedade, 2006, 18 (2): p. 81-88.

Casos mais graves de anorexia po-dem ser fatais, como o de uma modelo de 21 anos, 1,74 metro de altura e 40 quilos que morreu em novembro de 2006 por causa de complicações renais causadas pela anorexia. A necessida-de de serem magras para destacar as roupas com que desfilam faz com que as modelos tenham de 10% a 15% de gordura no corpo; o nível considerado saudável varia de 22% a 26%.

Situações extremas, alerta Blay, exi-gem medidas enérgicas como interna-ção hospitalar, ênfase na recuperação de peso e acompanhamento de uma equipe multidisciplar, com médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Muitas vezes o tratamento é bastante difícil porque com frequên-cia a anorexia está associada a outros problemas como depressão, transtor-no obsessivo-compulsivo, transtorno bipolar do humor, estados paranoides e fobias sociais.

Sob a orientação de Blay, durante os dois primeiros anos do doutorado Cybele examinou 3.415 artigos cientí-ficos sobre anorexia publicados de 1990 a 2005. Ela organizou o conhecimento nessa área e selecionou os estudos que davam voz às portadoras de anorexia por meio de uma técnica chamada me-tassíntese, que reúne dados qualitativos como depoimentos de entrevistados, di-ferentemente da abordagem mais ado-tada, a meta-análise, empregada para agrupar dados quantitativos como a eficácia dos tratamentos. Seu trabalho prossegue agora com um levantamento em ambulatórios de hospitais, consultó-rios privados e academias de ginástica de Fortaleza, sua cidade natal, e de São Pau-lo. Ela pretende entrevistar 30 pessoas que apresentaram anorexia, foram tra-tadas e não exibem mais sintomas desse distúrbio alimentar há pelo menos cinco anos. Não teve de procurar muito. Em janeiro deste ano, Cybele perguntou a uma professora de educação física em uma academia se ela conhecia alguém que tinha tido anorexia e espantou-se com a resposta: “Eu já tive”.

As 14 entrevistas feitas até agora indicaram que os sintomas podem ter desaparecido, mas a preocupação em ter um corpo idealizado e geralmente esquálido persiste, muitas vezes tem-perada com ansiedade e depressão. “Parece ser bem difícil desprender-se totalmente da dependência dos lados positivos da doença, como poder e se-gurança”, diz ela. Uma das mulheres que entrevistou contou que fazia exercícios físicos todo dia para manter o peso e ainda se pesava todo dia. Outra reco-nheceu que a anorexia pela qual tinha passado resultava de sérios problemas pessoais: “Não tem como sua vida ir bem e você ter esse problema, precisa algo não estar certo”.

Esses trabalhos elucidam os signi-ficados, mas não as causas dessa doen-ça, que podem ter origem genética ou orgânica, além, claro, de conflitos pes-soais. Cordás inquieta-se ao ver mais pessoas – principalmente entre os gru-pos antes isentos de riscos, como crian-ças, homens e mulheres com mais de 40 anos – com o que chama de “cabeça de anoréxicos”, preocupados em perder peso a ponto de exagerarem na dieta ou nos laxantes. Programas de televisão e revistas, especialmente as dirigidas para adolecentes, reforçam a pressão pela busca de corpos mais finos que os da Barbie. “Para quem tem anore-xia”, observa Blay, “a TV traz de volta as piores sensações possíveis, porque lembra que elas ainda não chegaram aonde queriam chegar”. n

Page 91: Buraco negro voraz

90 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Page 92: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 91

artes plásticas

Talento da almaTese polêmica de Geraldo Souza Dias sobre mira Schendel ganha edição luxuosa

Gonçalo Junior

ima

GE

nS

Div

ul

Ga

çã

o c

oS

ac

na

ify

>

Uma guerra muda a cabeça das pessoas para sempre e em todos os sentidos. Não há novidade nessa afirmação, claro. Para a artista plástica suíça Mira Schendel ou Myrrha Dagmar Dub (1919-1988), radicada no Brasil, o impacto da brutalidade do evento levou-a a passar por aquilo que no existen-cialismo é denominado “experiência-limite”, capaz

de produzir grandes transformações, segundo palavras do arquiteto, pintor e teórico de arte Geraldo Souza Dias. Ela acabaria por se unir a refugiados – casou-se com Jossip Har-gesheimer, um croata de ascendência austríaca. Com o fim do conflito, todos aqueles que tinham sido deslocados de seu antigo hábitat em função da nova divisão política do conti-nente passaram a ser chamados de displaced persons. Mira se identificou com esse gigantesco contingente de despatriados e até trabalhou como voluntária no escritório romano de uma organização que visava resolver as questões básicas para esses indivíduos – trabalho, moradia, cidadania.

Foi nesse período que ela se familiarizou com a buro-cracia dos processos de emigração, um esforço inicialmente buscado apenas pelo marido. Até que Mira decidiu deixar a Europa. Suas cartas do período citam Estados Unidos e Venezuela como possíveis destinos. Mas a resposta definitiva e mais rápida veio do governo brasileiro. Ela desembarcou no maior país da América Latina em 1949. Mais precisamen-te em Porto Alegre. Veio de Roma, onde viveu por muito tempo. Ali, na década anterior, havia estudado filosofia na Universidade Católica e, a partir de 1936, frequentou uma escola de arte – não concluiu nenhum dos dois cursos por causa da guerra. No Brasil, rapidamente, sua vida deu uma guinada. Passou a pintar e a trabalhar com cerâmica. Voltou a estudar, publicou poesias e deu também aulas de pintura. Aceita como participante da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, quando expressou sua visão de mundo transformada pela guerra, teve contato com experiências internacionais e viu seu nome se projetar nacionalmente. Mais ainda quando se mudou para a capital paulista, dois anos depois – nessa época adotou o sobrenome Schendel.

Mira morreu consagrada como artista plástica em 1988. Desde então seu reconhecimento só cresceu. Exposições apre-sentaram sua obra no Brasil e no exterior. Em 1994, na 22ª Bienal Internacional de São Paulo, ganhou uma sala espe-cial. Cinco anos depois tornou-se tema de doutorado, Mira Schendel – Do espiritual à corporeidade, de Geraldo Souza

Page 93: Buraco negro voraz

92 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

Dias, uma surpreendente e corajosa análise do teor espiritual e religioso da obra da artista embasada nas teorias da arte abstrata que não se limitam ape-nas às questões formais, mas também àquelas ligadas à “significação”. O texto revisto sai agora num luxuoso volume pela editora Cosac Naify – com o mesmo título. Em entrevista à Pesquisa FaPeSP, Dias explica que o diferencial de seu es-tudo é que tenta recuperar o binômio vida/obra para a compreensão da arte. E faz isso com o suporte de documentos, cartas e entrevistas conduzidas. Além da personalidade artística de Mira, a tese destaca a condição de imigrada da ar-tista, que oscila entre os alinhados ao judaísmo nos tempos do nazifascismo e os incluídos no catolicismo da época montiniana.

Para o pesquisador, seu trabalho difere das posições anteriores da crí-tica porque não inclui a obra de Mira Schendel em algum formalismo, por considerá-la vinculada ao pensamen-to filosófico-religioso, do qual a artista nunca se separou. “Estabelecendo cen-sura entre uma aproximação formalista e a existencial, defendida pelo trabalho, a arte de Mira não cai sob a incidência do significante, pois se elabora como signo cultivado na trama do pensamen-to filosófico-religioso que a sustém.” Assim, relacionando-se com o pensa-mento de Tartaglia em seus inícios de intelectual, logo Mira se abriu para a filosofia de fundo cristão em sentido amplo de Kierkegaard, Jaspers, Mou-nier, “de que se seguem outras posições,

nas quais se expõem debates com obras de filósofos ou outros teóricos”. Entre estes, Gebser, Houédard, Bense, Wal-ther, Schmitz, Jung, entre os internacio-nais, e Vilém Flusser, Mário Schenberg, Haroldo de Campos e Theon Spanudis, entre os nacionais.

M uito seguro em relação a eventuais discordâncias, Dias defende com afinco seu estudo. Na tese origi-

nal, observa ele, publicada em alemão pela editora Galda + Wilch, Glienicke há um capítulo intitulado “A recepção póstuma da obra”, onde critica tanto a abordagem eminentemente formalista de importantes pensadores – críticos, curadores, agentes culturais – das ar-tes visuais no Brasil, como também a tendência observada em nível interna-cional de açambarcar-se à chamada arte dos países periféricos através de grandes mostras temáticas (arte de mulheres, arte da resistência, arte da modernidade “diferente” etc.) que cultuam o exotismo em relação aos modelos hegemônicos e submergem as obras em abordagens que, na maioria das vezes, não respei-tam suas prerrogativas. “Por diversos motivos, inclusive para que o livro não ficasse demasiadamente extenso e para que fossem incluídas mais imagens – afinal, é um livro de arte –, essa parte foi suprimida da edição brasileira.”

Entretanto, acrescenta ele, a atua-lidade dessa discussão fica patente na mostra organizada recentemente pelo Museum of Modern Art, de Nova York, que procurou forçar uma relação entre

o trabalho de Mira e o de León Ferrari – “um grande artista, sem dúvida, mas cujo trabalho está muito mais próximo de fenômenos epidérmicos da cultu-ra e da denúncia política”. Para Dias, sua tese cumpre o papel no sentido de apontar para a correta leitura de uma obra tão única no cenário artístico da segunda metade do século XX, ainda que as instituições artísticas, tanto em nível nacional como principalmente internacional, são mais rígidas e me-nos propensas a grandes reformulações. Nesse sentido, ele discute as visões da artista sobre arte, teologia, filosofia e cultura a partir de conceitos da feno-menologia e da teoria da comunicação e acaba por jogar luz em seu trabalho tanto em relação à filosofia da arte quanto da psicologia. Ele explora, por exemplo, os interesses da artista no I Ching, o pensamento de Jung e suas relações com os dominicanos.

A relação do pesquisador com a obra de Mira começou em 1972, quan-do ele viu uma exposição da artista na USP com letras decalcadas e coladas em papel. “Eu me preparava para o vesti-bular da Faculdade de Arquitetura e achei interessante perceber como as letras também possuem um desenho e poderiam ser elementos de trabalhos de arte.” Na década de 1980, ele morou fora de São Paulo – um curto tempo em Florianópolis e, a seguir, em Nova York. Por isso, somente em 1989 – no ano seguinte à morte da artista –, de volta ao Brasil, retomou o contato com a obra de Mira, graças a uma grande retrospectiva organizada pelo Museu de Arte Contemporânea da USP, na Cidade Universitária. “Naquela oca-sião pude constatar certas afinidades eletivas entre alguns de seus trabalhos e alguns dos meus.”

O estudo da obra Mira começou entre 1993 e 1995, quando Dias se en-contrava na Alemanha como bolsista. “Frequentei os estúdios da Universität der Künste Berlin, em estreito contato com o pintor Karl-Horst Hödicke, e esse período considero como o preâmbulo do trabalho.” Ele preparava uma série de pinturas que seria o corpus prático de sua pesquisa de doutoramento, iniciado dois anos antes na USP, sob orientação de Ana Maria Belluzzo. A parte teórica do projeto tratava da questão da espi-ritualidade na arte e tentava resgatar

Page 94: Buraco negro voraz

uma visão humanista, antimaterialista, presente nos pioneiros da arte abstrata do século XX – Mondrian, Malewitsch, Kandinsky – e de sua aproximação com as visões de mundo de doutrinas relati-vamente populares no começo do século tais como a teosofia e a antroposofia. “Este tema, que era tratado com muitas reservas no Brasil, era objeto de sérias pesquisas por parte de curadores, mu-seus e mesmo instituições de ensino na Alemanha, o que me levou a optar por reiniciar o doutoramento, nos moldes propostos pela universidade alemã, ago-ra sob a orientação do professor Andreas Haus, que assina o prefácio do livro.”

Por sugestão do professor, ele deci-diu vincular essa discussão com artistas brasileiros. “Numa viagem ao Brasil em 1995, visitei o Projeto HO – que depois se tornaria o Centro Hélio Oiticica, ar-quivos do IEB-USP, a biblioteca da Fun-dação Bienal de São Paulo – e comecei a fechar a questão em torno do nome de Mira Schendel, principalmente após contato com o arquivo organizado por sua família, em São Paulo.” O pesqui-sador conseguiu ter acesso aos docu-mentos pessoais da artista através de Ada Clara Schendel, filha única e res-ponsável pela manutenção do arquivo de documentos, cartas, diário etc., e que também iniciara a catalogação da ex-tensa obra da mãe. Com sua permissão, reproduziu grande parte do arquivo para poder estudá-lo com calma em Berlim. “Nas minhas visitas ao Brasil procurava principalmente ver e estu-dar os trabalhos artísticos e aproveitava também para entrevistar as pessoas ci-tadas nos diários e nas cartas.”

O pesquisador destaca de relevante e revelador no material pesquisado e incluso no livro trechos de depoimen-tos gravados, excertos de suas cartas, passagens de seus diários, capítulos de livros assinalados e extraídos pa-ra discutir com os amigos, tudo isso sempre cotejado com seus trabalhos artísticos contribuía para a recons-trução de uma personalidade artística muito singular. “Familiarizei-me com sua caligrafia, com seu modo peculiar de transitar entre o alemão, o italiano e o português, com suas incoerências gramaticais, mas principalmente com sua agudez perceptiva diante dos pro-blemas do mundo, com o refinamento de suas ‘soluções’ visuais.”

Ao ser questionado sobre como resumiria a tônica do trabalho de Mi-ra, Dias diz que reescreveria o último parágrafo do livro, que tenta dar conta

em poucas palavras do que a obra de Mira significa para ele: “Mira Schendel foi uma artista que conseguiu, com o mínimo de material, evocar o máximo de emoções. Sua obra nos toca justa-mente por causa dessa economia de elementos, mesmo quando trata de questões tradicionais da arte, como a natureza-morta ou a pintura de paisa-gem. A tônica de seus trabalhos pode ser considerada como a experiência de um eu no mundo enquanto metáfo-ra da condição humana que a artista assumiu existencialmente, é verdade, sempre porém mediada por um prin-cípio divino”. n

Sem título, 1965 (página ao lado); Sarrafo, 1987; e (abaixo) Droguinha

Page 95: Buraco negro voraz

94 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

resenha

....

D ifícil não emergir da leitura de Assassinato de mulheres e direitos humanos com

uma sensação intensa de mal- -estar – uma quase-angústia. E esclareça-se desde já que não são palavras de um libelo de ativista, mas abundantes dados empíricos de pesquisa socio-lógica, trabalhados com rigor metodológico, que vão condu-zindo pouco a pouco o leitor para uma zona de desconforto em que, junto com a autora, Eva Alterman Blay, ele certamente concluirá que há sim, ainda em pleno vigor hoje, “uma cultura da violência contra a mulher inscrita em nossa história (e não só na nossa)”. O esclarecimen-to parece-me importante face a uma certa tendência atual, em alguns círculos bem-pensantes, de situar o movimento femi-nista em termos ideológicos numa era pré-Homo sapiens, ali por tempos remotos em que ainda circulava pela Terra exemplares da espécie neander-tal. Ora, enquanto a cultura da subordinação nas relações so-ciais de gênero não for efetiva e profundamente modificada, em cada um de seus muitos traços, a pecha de anacrônicas disparada contra lutas feministas sempre soará mais como fruto de má-fé ideológica do que como resul-tado de verdadeira análise do movimento.

Lançado no final do ano passado pela Editora 34 em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), o livro de Eva Blay é re-

sultado de extensa pesquisa que se valeu de três tipos de fonte: mídia, boletins de ocorrência e processos criminais. Afora a riqueza analítica que advém do tratamento cruzado dessas fontes documentais, vale destacar, como o faz Sér-gio Adorno na orelha do livro, a originalidade do esforço teórico-metodológico que o move, qual seja, a abordagem dos assassinatos de mulheres para além do domínio exclu-sivo da chamada violência doméstica. Não é só o espaço da casa, mas também a rua, o local de trabalho e outros que aparecem como cenários de uma violência extrema contra as mulheres unificados pelas mesmas raízes culturais em que se fundamentam.

Para detalhar um pouco mais o empreendimento de investigação sobre o qual o livro se assenta, é importante ressaltar que em relação à mídia foram coletadas todas as notícias sobre tentativas e assassinatos efetivados de pessoas do sexo feminino ocorridos no Brasil e publicados nos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Diá-rio Popular dos anos de 1991 e 2000. A pesquisa coletou também notícias dos casos em que a autora do crime era mulher e, ainda, referências a crimes no exterior, com vítimas brasileiras ou estrangeiras, para examinar o que nesses casos chamava a atenção da imprensa brasileira. Esse material se completou com uma investigação não sistemática de notícias de rádio, televisão e internet. Já em relação aos boletins de ocorrência (os BOs), em que nem sempre se torna claro o sexo da vítima ou do autor do crime, a equipe de pesquisa coordenada por Eva Blay, em colaboração com pesquisadores do Núcleo de Estu-dos da Violência da USP, que na época trabalhavam nos mesmos arquivos, manuseou milhares desses documentos nas delegacias de polícia da capital paulista até chegar a um conjunto seguro de documentos. Foram selecionados todos os BOs em que comprovadamente se tinha vítimas do sexo feminino. Trata-se de um universo de 669 BOs de 1998, dos quais 285 referentes a homicídios e 384 a tentativas de homicídio. Ao lado dos muitos quadros es-tatísticos que propiciaram (o livro todo tem quase meia centena de tabelas), os relatos de alguns desses boletins impressionam.

Mais impressionantes, entretanto, são os resumos de processos criminais que aparecem no livro, com alguns trechos citados ipsis litteris, porque é da própria trama narrativa de cada processo, digamos assim – estrutura-da pelas falas dos réus, das testemunhas, de promotores, advogados de defesa, juízes e os votos dos jurados –, que

Uma arraigada cultura de violênciaEva Blay joga luz sobre dados silenciados de homicídios de mulheres

Assassinato de mulheres e direitos humanos

Eva alterman Blay

Editora 34

248 páginas R$ 36,00

Mariluce Moura

Page 96: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 95

livros

....

vai se tornando mais aparente a face da cultura de violência contra a mulher que Eva Blay se propõe desvendar e cada vez mais visíveis as entranhas das relações sociais de gênero urdi-das no interior dessa cultura. O levantamento dos processos criminais de 1997 em que as mulheres eram vítimas, em cinco tribunais do júri da cidade de São Paulo, exigiu dois anos de trabalho nos livros de registro. Levantados 8.805 processos, foi sorteada uma amostra quantitativamente representativa, detalhada num anexo do livro.

O exaustivo trabalho de pesquisa, que não se furtou inclusive a examinar dados em que é a mulher a agente da violência, permite que nas conclusões a autora invista contra alguns dog-mas, como por exemplo a lentidão da Justiça, nesse âmbito: “... não foi isso que constatamos. Ele [o Judiciário] age com relativa rapidez, le-vando cerca de dois anos para concluir todo um processo judicial”. Eva Blay constata tam-bém que a Justiça vem punindo mais e mais os assassinatos de mulheres, assim como a mídia se mostra cada vez mais crítica a esses crimes. Entretanto, com a violência contra a mulher sendo “produzida e reproduzida socialmente”, com as relações sociais de gênero ainda hie-rarquizadas, “correspondendo à população masculina o exercício da dominação pela força física ou psicológica” e com a vigência ainda do “machismo cultural que considera a mulher uma propriedade do homem”, fenômeno que, aliás, se manifesta em todas as classes sociais, a levar em conta os crimes estudados, só políticas públicas transversais e com a total participação da sociedade civil podem representar, segundo a autora, “um caminho para alterar a violência em geral e a violência contra as mulheres em particular”.

Vale citar um trecho da orelha de Sérgio Adorno para encerrar: “Os crimes contra as mulheres são construções sociais que dizem respeito ao modo como a sociedade moderna e, em particular, a sociedade brasileira equa-cionam as relações entre poder, dominação e gênero”.

Emílio Goeldi (1859–1917): a ventura de um naturalista entre a Europa e o BrasilNelson Sanjad Empresa de Marketing Cultural – EMC 232 páginas, R$ 60,00

Através de uma biografia intelectual, Nelson Sanjad nos apresenta o percurso traçado pelo naturalista Emílio Goeldi em solo brasileiro, que nos permite reconstruir significativos passos do desenvolvimen-to cultural e do estudo da fauna no país. Acompa-nhado de belas ilustrações, o livro é dividido em duas partes, a primeira sobre a trajetória do cien-tista entre a Suíça e o Brasil, e a segunda sobre a divulgação científica e histórica de sua obra.

EmC Ediçõeswww.foxvideo.com.br

Proprietários, concentração e continuidadeMarcio Pochman e outros (orgs.) Cortez Editora 208 páginas, R$ 24,00

A série Atlas da nova estratificação social no Brasil retoma o estudo deste tema na tentativa de com-preender o novo perfil de nossa sociedade. Os or-ganizadores deste terceiro volume dividem-no em seis capítulos abordando tópicos que vão desde os proprietários na história do capitalismo e sua con-dição de reprodução ao longo tempo, passando pelo contexto específico brasileiro, até a identificação desses proprietários, seu consumo e sua renda.

Cortez Editora (11) 3864-0111 www.cortezeditora.com.br

Ética, jornalismo e nova mídiaCaio Túlio Costa Jorge Zahar Editor 288 páginas, R$ 39,90

Caio Costa destaca as contradições e os desa-fios do jornalismo no século XXI e as relações estabelecidas com as novas mídias do ponto de vista ético. Seu trabalho levanta temas como o jornalismo enquanto negócio e, ao mesmo tempo, uma atividade de interesse público, além da busca pela precisão num cotidiano ditado pela urgência. Assim, o autor debate a manutenção da identi-dade jornalística diante de uma rede saturada de informações.

Jorge Zahar Editor (21) 2108-0808www.zahar.com.brfo

to

s E

Du

aR

Do

CE

sa

R

Page 97: Buraco negro voraz

96 n maio DE 2009 n PESQUISA FAPESP 159

ficção...

Relato de uma pesquisa

E ra a primeira vez que eu me aproximava de um homem, tão perto, de carne e osso. No início, senti certo medo, um friozinho correu nas costas e os pelos ficaram em

alerta. Meu cheiro exalava forte. Da sua pele, conseguia ver apenas a mão esquerda, estendida ao longo da calçada. E o rosto, em perfil, sugerindo uma expressão quieta, quase congelada. O corpo estava vestido em terno cinza, talvez preparado para alguma cerimônia. Agora estava ali, deitado na calçada, ao meu dispor.

Cutuquei-lhe a mão, e nada. Nem um tique de reação. Outra vez, e mais nada. Continuava inerte. Já na terceira vez, ferrei as minhas unhas direitas no punho dele. Resposta alguma. Bom sinal, pois assim eu poderia seguir adiante. Mas preferi não correr riscos. Voltei a furar a mão no mesmo ponto, até saírem algumas gotas de sangue. Nenhum dos dedos se mexeu.

O curioso, porém, é que o corpo respirava normalmente. Estaria dormindo em sono profundo? Teve algum ataque do coração ou coisa assim? E o que fazia naquela rua, deitado? Não eram perguntas que me interessavam. A resposta estava ali, imóvel. Não ia desperdiçar oportunidade tão rara com as premissas do receio. O acaso me oferecia uma oportu-nidade única.

Aproximei-me dos sapatos, em couro fino, e subi pela barra da calça. Facilmente me instalei na parte de cima da perna. Bem devagar, com cautela, para ficar atento a qualquer movimento dos músculos. Parados. Devia ser alguém bem posto na vida, a se julgar pela qualidade do tecido do terno. Parecia linho. Simples de enfiar as unhas, e ter a primeira impressão daquela carne que pulsava por baixo do pano.

Segui pela canela e subi para o joelho. Parei. Confesso que ainda sentia por dentro uma pequenina bolha de temor. Sentimento inexplicável naquelas circunstâncias, eu sei, mas que fugia ao controle. Tinha de escolher alguma ação, eu

bem sabia. Mas, em algum canto da minha cabeça, ainda me perguntava: qual será o nome dele? Quantos anos? Para onde caminhava? Questões sem importância, que só atra-palham o raciocínio.

Minha curiosidade maior era conhecer aquela pele es-condida, vestida quase por completo. Ali podia fazer a pri-meira experiência. Por que não? Decidido. Enfiei os dentes e puxei com as unhas até rasgar a calça um bocado. Coloquei mais força, fiz um rasgo maior e apareceu um recorte de pele clara, com poucos pelos. Aproximei-me do joelho e vi a carne enrugada, feia, seguida pela brancura e maciez da coxa.

Era um fim de tarde. Últimos raios de sol. A rua deserta. E o corpo continuava respirando, imóvel como uma estátua. Desacordado por causa desconhecida, ou algo assim. Pouco interessa. A ponta de receio que ainda resistisse dentro de mim, que estourasse de vez. Sem vacilo.

Para me certificar de que a situação era realmente favo-rável, deliberei que tinha de pôr à prova aquela epiderme aparentemente inocente. Preparei as unhas, apertei-as com força contra a carne debaixo, pus mais força e assim foi. Nem esperei o sangue aparecer, preferi correr para a ponta da gravata. Nenhum gesto. Resistência alguma.

Sem pensar muito, enfiei-me por debaixo do paletó, farejei as primeiras pegadas e avancei. Felizmente, havia folga para deslizar sob o tecido. Pude perceber um aroma cítrico, mistura de suor e perfume, e avancei sobre a camisa branca com algum gosto.

Logo notei uma marcação contínua que só confirmaria as evidências: o coração batia. Normalmente. Meus pres-sentimentos estavam certos, portanto. Aquele homem ainda respirava e continuava com vida. Mas... súbito interrompi qualquer sinal de dúvida. Pelo contrário. Era melhor que assim fosse, pois desse modo a empreitada se tornava ainda mais auspiciosa.

Fernando Paixão

Page 98: Buraco negro voraz

PESQUISA FAPESP 159 n maio DE 2009 n 97

Fui para o lado esquerdo do paletó, abotoado que es-tava, e deparei com o bolso da camisa. Um tanto grande, aliás, a ponto de eu poder enfiar a ponta da cabeça. Num dos cantos havia uma caneta e um bloquinho de papel, com alguma coisa escrita. Fucei mais um pouco naquele ninho involuntário, senti calor. Bem que gostaria de ficar ali por algum tempo, pensei.

Virei de lado, buscando o conforto, e foi então que li a provocação rabiscada no papel. Simplesmente uma pa-lavra: “metáfora”. Nada mais. Senti um choque inespera-do. Ora, que coisa mais irritante. Depois de chegar a esse ponto, fazer todo o esforço, superar as cargas do medo e tal, era isso que eu tinha como recompensa? Tamanha desfeita e ironia?

Não, não me venham dizer que isso aconteceu por acaso, coincidências involuntárias, pois isso nada tem a ver com o espírito lógico. Palavras são palavras, têm o seu peso. Aquela mensagem estava diretamente direcionada para mim. Fiquei furioso, por certo. Sufocado. O que fazer? Sem resposta na cabeça, saí por cima do paletó e deparei com o pescoço. O rosto era a última parte que faltava explorar.

Apoiei-me no queixo para dar uma espiada. Via-se bem o corte dos lábios finos e os vastos cabelos grisalhos. O nariz formava a parte mais alta, por onde entrava e saía o ar, em ritmo compassado. Eu podia sentir aquela brisa também. Quanto aos olhos, escapavam à primeira vista, recolhidos num pequeno vale do rosto. Escalei o queixo e subi. Pisei nas bochechas fartas e movimentei-me em volta do nariz, com cuidado. O melhor que faria era me assentar sobre a testa, pouco espaçosa. Qualquer descuido me levaria ao chão.

Finalmente deparei com os olhos. Estavam abertos e ab-solutamente calmos. Castanhos e vivos. Isso mesmo. Porque era certo que as duas pupilas se movimentavam lá dentro,

atentas, como se estivessem me observando. Será possível? Sim, aquele olhar estava me analisando. Prova material e definitiva. Aproximei-me e vi a minha imagem refletida. Eles seguiam-me, curiosos e vigilantes. E novamente senti o calor alarmante me corroendo a carne.

Estaria esse homem, então, me considerando uma sim-ples metáfora? Queria o confronto? A prova dos nove? Está bem. Confesso que tive um primeiro impulso de fugir, tão insuportável era a sensação de estar sendo espiado, estuda-do. Mas não, permaneci observando as imagens refletidas na pupila. Que profissão teria? Resvalou ainda a questão, enquanto crescia o furor dentro de mim.

O absurdo estava tão próximo, inevitável, quem sabe pedisse uma doce conclusão. Mas não foi possível: tomado de impulso súbito, pus-me a roer aqueles olhos castanhos e suas pálpebras. Rápido e voraz. Tinha de ser assim. Devorar aquilo, até que o último resíduo do olhar desaparecesse por inteiro. Curiosamente, nenhuma gota de sangue saiu das estrias da carne — nem um pingo de vermelho. Roí tudo, sem deixar nada no fundo. Parecia mesmo que a falta dos glóbulos se tornara natural.

Cego, ele já não perturbaria mais ninguém. A ironia es-tampada em sua boca tornara-se grotesca com os buracos na cara. Dentro de mim, a agitação e o receio transformaram--se num coágulo transparente e leve. Sumiu no ar. Voltei a ficar tranquilo.

O último detalhe que me lembro foi ter pulado do rosto para o chão. E me enfiei no bueiro mais próximo.

az

Eit

E D

El

Eo

s

Fernando Paixão é escritor e, a partir do segundo semestre, assume o cargo de professor de literatura do IEB-USP. Dentre vários livros publicados, o mais recente é A parte da tarde (Ateliê Editora, 2005).

Page 99: Buraco negro voraz

CLASSIFICADOS

REVISÃOTRADUÇÃO & INTERPRETAÇÃOTRADUÇÃO JURAMENTADA

Laerte J. Silva+ artigos+ resumos+ patentes+ documentos

(3 I) 3498-60209992-8118

[email protected]

Afiliado à ATA -American Translators Assoclatlcn ·-7 Equipe de revisores nativos

DEPARTAMENTO DE RECURSOS HUMANOS IISS}JCONCURSOS I PROFESSORES

Os dados abaixo destinam-se exclusivamente à divulgação, nãoconstituindo texto oficial, o qual se encontra publicado no DiárioOficial do Estado indicado.Informações detalhadas poderão ser obtidas nos e-mails descritos.

Escola de Artes, Ciências e Humanidades - [email protected]

02 Professores Titulares, referência MS-6, em RDIDP (dedicaçãoexclusiva), na área de conhecimento Artes, Ciências e Humanidades.Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, no período de 16.02 a14.08.2009. Diário Oficial de 13.02.2009.Edital 006/2009

Faculdade de Direito - [email protected]

01 Professor Titular, referência MS-6, em RTC (24 horas), junto aoDepartamento de Direito Internacional e Comparado.Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, no período de 30.03 a25.09.2009. Diário Oficial de 14.02.2009.Edital 010/2009

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - [email protected]

01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação ex-clusiva), junto ao Departamento de Geografia, área de Geografia.Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, a partir da publicação.Diário Oficial de 14.03.2009.Edital 004/2009

01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclu-siva), junto ao Departamento de Sociologia, área de Sociologia daCultura.Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, a partir da publicação.Diário Oficial de 14.03.2009.Edital 008/2009

98 • MAIODE2009 • PESQUISA FAPESP159

unesp~· UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA~ÚUO OE MESQUITA FILHO'

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS

CONCURSO PARA CONTRATAÇÃO DE PROFESSORASSISTENTE DOUTOR UNESP - RIO CLARO

Estão abertas, de 22.04 a 21.05.09, no IGCE-UNESP - Campusde Rio Claro, as inscrições aos Concursos Públicos paraempregos públicos de Professor Assistente Doutor, em RDIDP.

Departamento de Matemática1 VAGA "Estruturas Algébricas, Teoria dos Corpos,

Teoria dos Conjuntos e Lógica Matemática"1 VAGA "Cálculo Avançado e Equações Diferenciais e

Funções de Variáveis Complexas"1 VAGA "Espaços Topológicos, Espaços Métricos e Geometria

Diferencial"1 VAGA "Fundamentos da Matemática Elementar, Introdução

à Álgebra Linear e Cálculo Diferencial e Integral"

Departamento de Estatística, Matemática Aplicadae Computação2 VAGAS "Estrutura de Dados I e li"1 VAGA "Análise Numérica" e "Métodos Matemáticos

para a Física"

Departamento de Planejamento Territorial eGeoprocessamento1VAGA "Cartografia", "Cartografia e Topografia" e

"Geoproeessarnento e Sistemas Ambientais"

EDITAIS NA íNTEGRA http://www.rc.unesp.br/concursos/index.phpINFORMAÇÕES Rua 10, nO2527 - Rio Claro (SP)FONES Oxx 19 3526-2207/3526-2222E-MAIL [email protected]

"Compared to ..." or "Compared with ..."?

...not sure?We are.

PRECISE editing.rEDITING OF TEXTS IN ENGLlSH .rTRANSLATION TO ENGLlSH

We specialize in preparing manuscripts for publication in the best scientific journals.

Jeff Boyles, Chief Editor.CNPJ: 07.107.658/0001-46 [email protected] .Tel: (11) 30812627

Page 100: Buraco negro voraz

QUEM GOSTA DE CINEMA PRECISA TER.TODO DOMINGO NAS BANCAS.

Uma coleção completacom os filmes quemarcaram a históriado cinema mundial.

sÃO 20 LIVROS-OVOSINCRIVEIS

I?

Assinante Folha tem condições especiais de pagamento.Ligue (11) 3224 3090 (Grande São Paulo).

0800 775 8080 (outras localidades) ou acesseWWW.FOLHA.COM.BRlCLASSICOSDOCINEMA

FOLHA~

Patrocínio:

Page 101: Buraco negro voraz