bufão

13

Click here to load reader

Upload: andre-avancini

Post on 29-Sep-2015

214 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

estudo sobre palhaço

TRANSCRIPT

  • Currculo sem Fronteiras, v. 13, n. 2, p. 116-128, Jan./Abr. 2013

    ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 116

    DIDTICA BUFFA: uma crtica interpretao

    numa performance da profanao1

    Gilberto Icle

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil

    Srgio Andres Lulkin

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil

    Resumo

    Este texto problematiza a figura do bufo para pensar a didtica. Discute-se a possibilidade de

    pensar o bufo como figura por intermdio da qual se profanariam as relaes pedaggicas,

    enfatizando o cmico, o riso e a ironia. Este trabalho realiza uma crtica interpretao especialmente na companhia de Hans Ulrich Gumbrecht - quando tomada como nica

    possibilidade de acesso ao mundo e ao conhecimento. Contrape-se, assim, um modo

    interpretativo do mundo possibilidade de pensar uma didtica buffa que ultrapassaria a mera

    interpretao. Ao tomar a ideia de performance, em particular da obra de Richard Schechner,

    este texto enfatiza o corpo, a voz, a palavra como dimenses materiais nas quais a prtica

    pedaggica muitas vezes silenciada encontraria possibilidade de se reinventar. Desenvolve-se, ainda, um tensionamento entre a ideia de didtica da escrita e didtica buffa,

    evidenciando a centralidade da presena em oposio cultura da significao. Prope-se,

    assim, uma didtica buffa para pensar a possibilidade de profanao.

    Palavras-chaves: Educao, Didtica, Bufo, Performance, Presena.

    Abstract

    This text problematizes the figure of the buffoon in order to approach didactics. It discusses

    the possibility of regarding the buffoon as a figure through which pedagogical relations can be

    desecrated, emphasizing the comical, laughter, and irony. This work develops a criticism

    against interpretation basically in the company Hans Ulrich Gumbrecht - when taken as the only possibility of gaining access to the world and to knowledge. Thus, an interpretative kind

    of world is counterposed to the possibility to consider a buffoonish didactics that goes beyond

    mere interpretation. By taking the idea of performance in particular in Richard Schechners work, this text emphasizes the body, the voice, and speech as material dimensions in which the often silenced pedagogical practice could potentially be reinvented. Furthermore, this work develops a tensioning between the idea of a didactics of writing and a buffoonish

    didactics, stressing the centrality of presence in opposition to the culture of meaning. It is

    proposed, therefore, a buffoonish didactics to consider the possibility of desecration.

    Keywords: Education, Didactics, Buffoon, Performance, Presence.

  • Didtica buffa: uma crtica interpretao numa performance da profanao

    117

    Para iniciar a bufonaria

    Este texto pretende mostrar a vinculao entre a figura do bufo, como personagem

    conceitual, e a educao. Para tanto ir focar algumas caractersticas do bufo como

    possibilidade de pensar e, sobretudo, de produzir uma didtica performatizada, valendo-

    se da derriso e da multiplicidade de sentidos que a bufonaria implica.

    Para evitar uma concepo naturalizada de Didtica e na impossibilidade de discutir

    esse conceito de forma aprofundada aqui, vamos apenas nos contentar com uma

    aproximao operatria de Didtica, evitando, de incio, a concepo que a plasma

    como uma adaptao de contedos das cincias, das letras e das artes para a escola.

    Com efeito, o sentido aqui apresentado de Didtica se molda ao mesmo tempo em que a

    traamos em relao bufonaria e, portanto, considerando-a como um movimento,

    antes que como um campo, como uma relao de ensino-aprendizagem, antes que como

    uma aplicao dos saberes gestados em outro lugar. A Didtica , assim,

    provisoriamente, o que se passa entre professor e aluno, a criao de uma relao

    performatizada, tornada corpo.

    Este trabalho resultado de uma pesquisa2 que se ocupa em discutir a possibilidade

    de utilizao de um personagem conceitual3, o bufo, como categoria para intervir na

    dimenso do pensamento, no campo da didtica e da prtica pedaggica. Assim,

    apresenta-se o bufo como figura com a qual o pensamento tornar-se-ia uma peripcia

    filosfica e com quem se produziria um espao de pensamento performatizado,

    autorizando o uso do humor como recursos de linguagem. Como veremos a seguir, a

    figura do bufo implica a profanao, a interveno e a ruptura, a partir de aspectos

    histricos e suas caractersticas: a marginalidade e o grotesco, mas, sobretudo, sua

    possibilidade de divertir e divergir. Para alm disso, o carter bufonesco se articula com

    as disposies polticas e sociais, mostrando como as suas deformidades corporais

    representam um Outro autorizado a falar, a mostrar e a professar a palavra interdita.

    Assim, o bufo tem relao com o cmico, por intermdio do riso e da ironia, e outros

    traos de comportamento que aparecem como possibilidade performtica para recolocar

    o corpo, a voz e a presena no centro da atividade pedaggica. Essa discusso, portanto,

    relaciona argumentos com os quais o leitor levado a suspender, temporariamente, a

    supremacia do significado em prol da materialidade do corpo, de sua potncia

    comunicativa na dimenso da performance. O par significado/presena

    problematizado no intuito de mostrar de que modo a performance do bufo, como

    conceito operacional, implicaria um outro modus operandi para a didtica. Neste texto,

    a didtica aparece como abertura para o inusitado, como jogo de ver e ser visto, no qual

    a presena co-habitada justifica um modo performtico de relao e de fabulao.

    Nesse sentido, tomamos aqui a ideia de performance como possibilidade de

    comunicao e interao de corpos em movimento que se fazem presentes uns aos

    outros no ato mesmo da pedagogia. Tomar a ideia de performance, portanto, no se

    limita simplesmente a tomar uma atuao artstica, mas a uma condio de performance

    na comunicao. Trata-se, assim, de pensar o professor no mais como elemento de

    transmisso de um saber legitimado, mas coloc-lo na berlinda da cena, na situao de

    risco, na incerteza do aqui agora, pois a performance , ao mesmo tempo, um

    comportamento restaurado (Schechner, 2000), uma prtica restituda, re-apresentada, ou

  • GILBERTO ICLE e SRGIO A. LULKIN

    118

    seja, a estreia de algo j visto e, dicotomicamente, um movimento incessante ao

    inusitado, ao imprevisto, uma caminhada tortuosa que constri o prprio caminho na

    medida em que caminha.

    A Educao, na sua relao com o humor, pode ser um encontro de dimenso

    filosfica e, por outro lado, um ato pragmtico da comunicao humana. O encontro do

    humor com a educao se d como parte do aprendizado e da experincia do agir e do

    pensar humanos, por diferentes linguagens, em diferentes contextos histricos e

    culturais.

    Na Revista de pensamiento artstico contemporneo, dedicada ao Acto sobre la

    risa, h um captulo de Miguel Morey (2005) intitulado De la santificacin de la risa, o

    qual indica uma aproximao de alguns textos da literatura de Nietzsche (Zaratustra),

    de Michel Foucault (As palavras e as coisas e outras produes da dcada de 1960) e de

    Georges Bataille (A experincia interior (1989), texto original dos anos 1940), numa

    tentativa de ajudar a imaginar essa nova experincia cognitiva do riso cuja verdade no pode acontecer no interior do discurso, mas somente alm ou aqum do discurso (Morey, 2005, p. 247).

    A experincia para divergir e divertir-se, que pode se tornar posteriormente

    conhecimento, investe contra a servido do homem ao trabalho, contra o emprego do

    tempo de vida como produo. O riso que tenta se desprender do discurso indica um

    espao no qual o sem-sentido (ou ainda por ganhar o seu nome) se impe para alm da

    palavra e da razo, assim como a ausncia de qualquer utilidade. Georges Bataille

    (1989), abordando a experincia que no se traduz totalmente no discurso, no tem

    princpio em atitudes morais e nem busca estados enriquecedores, como uma atitude deliberadamente esttica (Bataille, 1989, p.16). Os momentos de arrebatamento quando

    o riso irrompe sem sentido imediato, contribuem, segundo Bataille, para a celebrao do

    excesso, para o gasto em abundncia. Bataille fala na arte de converter a angstia em delcia (Bataille, 1989, p. 43), por intermdio do riso. No ato da converso, o corpo de um ser humano sensvel que percebe e que traduz em palavras essa impresso, ainda

    que no alcance descrever em sua totalidade a passagem pela experincia.

    Morey e Bataille nos convidam para um mtodo: dramatizar uma trajetria,

    colocar-se na pele do outro, viver um outro muito prximo, em momento de

    singularidade. A figura que se desenha, pouco a pouco, para cumprir tal trajetria, a de

    uma companhia um tanto grotesca. Talvez um bufo, adversrio fictcio que vem

    mobilizar o pensamento, aquele que gosta de estar junto de, aquele que tem prazer de

    comentar e fazer a crtica ao discurso monolgico em forma irnica.

    Nessa perspectiva, este texto procura mostrar como a figura do bufo, por

    intermdio do humor, da ironia e da derriso, pode constituir uma performance possvel,

    uma cena no artstica, um espetculo sem palco, ou seja, uma forma potente de pensar

    e praticar uma didtica bufonesca. O que propomos, ento, se circunscreve em torno da

    questo: pode a performance do bufo constituir uma didtica bufonesca?

    Um argumento para a perspectiva pragmtica do humor na educao, sustentando a

    ideia de um personagem conceitual que leva ao limite do pensamento e da razo, bem

    passional. Trata-se da desolao e do desconforto com a banalizao do trgico e a

    mediocrizao do cmico, em nosso cotidiano, e como isso perceptvel nos discursos

    da disciplina e da violncia presentes nos espaos escolares. Talvez se faam

  • Didtica buffa: uma crtica interpretao numa performance da profanao

    119

    necessrias contrapartidas humoradas para percorrer o circuito das paixes,

    experimentando tanto momentos de alegria, de descontrao, de cumplicidade, quanto

    momentos de suportar os humores mais afiados, mais prximos da ironia, da stira e do

    grotesco. Abandonamos os ensinamentos da retrica e desprezamos os mitos trgicos.

    Ficamos com a catstrofe no lugar da catarse. O que mobiliza a praa a desgraa do

    Outro, feito aos pedaos diante das telas, das fotos, das narrativas.

    Ao nos vermos interessados na potncia dessa articulao performance, didtica e bufonaria damos a ver o conhecimento do humor e do cmico como categorias performticas centrais da figura do bufo, seja como posio esttica e filosfica, seja

    como marca tica e poltica.

    A figura do bufo

    Na recusa desses horrores trgicos, poderia a experimentao teatral no territrio

    do bufo oferecer exemplos singulares para a formao pedaggica, pelas reflexes que

    suscita sobre a condio humana e os enfrentamentos dos poderes, sob a hegemonia da

    racionalidade moderna? Em diferentes literaturas, encontramos o bufo nomeado como

    o louco do Rei, ou bobo da corte (Court Jester), o tolo/bobo (der Narr); em geral trata-se de uma figura mitolgica ou um personagem da dramaturgia que se traduz por

    uma racionalidade incomum, ou melhor, pelo limite da racionalidade quando a sua

    fronteira tangencia o contra-senso ou o derrisrio. O personagem de carter bufnico descrito pelas histrias das Cortes e das Igrejas

    quando ele diverte e diverge (Minois, 2003; Macedo, 2000); nos campos de

    investigao das leis e dos conhecimentos mdicos quando se aproxima da loucura

    (Foucault, 1997) ou do poder da soberania arbitrria (Foucault, 2002); a figura do bufo

    central nas pesquisas sobre a festa e o riso popular, rituais carnavalescos e o realismo

    grotesco que antecede a razo moderna (Bakhtin, 1993) e a fora de um corpo grotesco

    em pleno vigor da cultura do riso (Emerson, 2003; Macedo, 2000). O seu vigor dionisaco

    o princpio orgistico da vitalidade transbordante, da palavra inesgotvel, da

    desforra do corpo sobre o esprito (Falstaff), da derriso carnavalesca do

    pequeno ante o poder dos grandes (Arlequim), da cultura popular ante a

    cultura erudita (Os Picaros espanhis). O bufo, como o louco, um

    marginal. Este estatuto de exterioridade o autoriza a comentar os

    acontecimentos impunemente, ao modo de uma espcie de pardia do coro

    da tragdia. Sua fala, como a do louco, ao mesmo tempo proibida e ouvida

    (Pavis, 1999, p.34-35).

    Uma das propriedades do jogo do bufo a sua potncia para compreendermos

    uma condio de pensar e agir transgressores, derrisrios, cuja histria se constri na

    relao com a razo moderna. Outro aspecto que pode servir para pensar a didtica a

    condio do personagem bufnico como uma mscara de alteridade, como um outro

    reconhecvel e prximo, que problematiza a normalidade por intermdio do seu corpo

    grotesco, tragicmico, e por sua palavra blasfema. Essa condio privilegiada, que

  • GILBERTO ICLE e SRGIO A. LULKIN

    120

    autoriza um desregramento diante das normas sociais, merece uma considerao

    especial pela articulao possvel entre a pedagogia do estilo do bufo e uma didtica

    bufonesca.

    Assim, propomos pensar a partir da observao das prticas do estilo do bufo a

    fim de tecer relaes com a formao do professor em geral, apostando na potncia de

    um personagem ficcional singular (construdo individualmente e jogado em grupo, de

    forma pblica) que pode tornar-se, tambm, um personagem conceitual, incorporando

    um discurso tico e poltico.

    Elisabeth Silva Lopes, em sua tese de doutorado Ainda tempo de bufes (2001),

    faz uma extensa historiografia do povo dos bufes, levando o leitor a localizar esse personagem num tempo de intensos conflitos scio-polticos, morais e religiosos, nos

    transportando, de imediato, aos castelos medievais, seguindo no tempo pelas cortes

    elisabetanas e destacando-se, entre outras literaturas, com as tragdias shakespearianas.

    Para definir melhor a origem do bufo, antes de se tornar uma mscara ou estilo de

    representao, como na formao teatral contempornea, Lopes busca situar as figuras

    cmicas que sempre povoaram a histria da humanidade, desde expresses grficas nas

    cavernas, passando pela realeza egpcia, Grcia clssica e Roma. A figura do cmico,

    provocando o riso e a reflexo, parece ser indissocivel da condio de ser humano,

    diante da dimenso de um destino incerto, povoado de mistrios e desafios, sob a

    ameaa da finitude e da morte.

    A atualidade dessa disputa, de enfrentamento dos discursos hegemnicos pelo

    prazer da criao pelo jogo e pela derriso, tambm tema central na pedagogia de

    Philippe Gaulier. No trabalho orientado por Gaulier, o bufo aborda o mundo

    contemporneo e suas representaes polticas, introduzindo temas polmicos que

    passam por representaes tnicas, movimentos das minorias e at a abordagem dos

    grupos portadores de HIV. Como descreve Gaulier, o bufo

    [...] um aleijado, excludo, um manco, um sem perna, de um brao s, um

    ano, uma puta, um homossexual, uma bruxa, um padre, um louco. Ele no

    foi escolhido pelos deuses. Ele foi perseguido nos lodaais e guetos pelos

    filhos de Deus que tornam oportuno anunciar que o feio fsico do bufo e a

    feira da moral no podem ser obras de seu pai, um artista de fama

    internacional. Ento o pai do bufo o oposto de Deus, o pai dele o

    demnio, Lcifer. O bufo foi eleito o filho de Lcifer e ficou feliz com isto.

    Ele ficou feliz de ser filho da primeira tentao e da primeira mulher

    seduzida: Eva. No workshop de bufo ns aprendemos a ser uma pessoa

    grande que se diverte em ser pequena, com um prazer especial adicionado

    por estas pessoas: a blasfmia (Gaulier, 1999, s/p).

    Lopes (2001) fala dos rituais populares, oriundos dos cultos antigos e encontrados

    durante toda a Idade Mdia. E se aproxima dessa atualidade que Gaulier prope, na sua

    experimentao do bufo, quando faz uma analogia com os rituais brasileiros nos quais

    a figura simblica desse ser marginal ganha seu espao de revelao e catarse, diante de

    uma multido autorizada ao xtase, em alguns (poucos) dias determinados pelo

    calendrio oficial.

  • Didtica buffa: uma crtica interpretao numa performance da profanao

    121

    A caterva de loucos, monstros, feiticeiros que atraa milhares de pessoas em

    comemoraes que consagravam a vida e a morte, lembra o povo que

    compe a ordem dos bufes, parecendo o coro trgico em verso contrria e

    grotesca. Os blocos de carnaval, ou at mesmo as escolas de samba

    brasileiras, podem ser comparados a uma forma pag da sociedade de bufes

    em tempos contemporneos (Lopes, 2001, p. 24).

    Lus Otvio Burnier (1956-1995), tambm descreve uma trajetria pelos estilos,

    traando uma genealogia para os personagens cmicos da cultura popular. Ao localizar

    o bufo como um ancestral do palhao. Burnier diz que as deformaes do corpo

    grotesco seriam representaes das deformaes humanas interiores, das dores da humanidade (Burnier, 2001, p. 215). O carter bufnico do personagem, conforme Burnier, era como uma personalidade dos atores que assim se apresentavam, isto , no

    era um papel simulado, como uma representao ficcional, e sim uma condio de

    pensar e agir fronteiria entre a arte e a vida (Burnier, 2001, p.207). Outra caracterstica marcante do estilo de jogo do bufo, segundo o autor, a vida em grupo,

    pois sua condio marginal o torna presa fcil se estiver sozinho. Esse agrupamento permite criar caractersticas que configuram a sua banda, com linguagem prpria, regras

    bem definidas para cada funo dentro do grupo, uma cultura e uma identidade. Dessa

    forma de organizao surge uma fora do conjunto que reage hostilidade ou aos

    ataques da sociedade.

    Michel Foucault (1997), em seu extenso estudo sobre a histria da loucura, aborda

    essas figuras histricas que so ameaadoras pelo uso da palavra derrisria e que

    trazem, marcadas no corpo, uma diferena que problematiza a condio da normalidade

    e dos poderes institudos para designar quem somos e quem o outro. Em cada momento histrico h diferentes apropriaes do que pode ou no ser dito, o que

    Foucault nomeia como condies de emergncia de um determinado discurso. A fala de carter bufnico, ao longo da histria, se faz presente por sua excentricidade,

    autorizada no dia da festa ou do ritual popular. Como argumenta Foucault, a palavra do

    louco s seria ouvida se tornada visvel no espao da representao teatral, por situar-se

    num lugar fora de qualquer ameaa: [...] a palavra s lhe era dada [ao louco] simbolicamente, no teatro onde ele se apresentava, desarmado e reconciliado, visto que

    representava a o papel da verdade mascarada (Foucault, 1997, p.10-12). Sua

    autorizao temporria, curtssima no tempo e no espao. Ganha uma estatuto de fora

    da razo, est na desrazo, est prximo daquilo que a cincia circunscreve como

    inadequao da conduta e do pensamento, para uma ordem social. No entanto, sua

    palavra reveladora, visionria.

    Como personagem conceitual, o bufo implica esse falar para alm da norma

    ordinria, ele implica um pensamento que difere. Deleuze (2000, p.83), diria que todo mundo tem a possibilidade de pensar, todo mundo quer o verdadeiro e o cogito cartesiano penso logo existo - supe um Eu (penso) prvio ao conceito. Mas no um Eu abandonado, ele tem amigos da sabedoria (philosophia), que o auxiliam nessa tarefa

    inicial de pensar. Portanto, os conceitos tm necessidade de personagens conceituais

    que contribuam para sua definio. Amigo um desses personagens, do qual se diz

    mesmo que ele testemunha a favor de uma origem grega da filosofia: as outras

    civilizaes tinham sbios, mas os gregos apresentam esses amigos que no so

  • GILBERTO ICLE e SRGIO A. LULKIN

    122

    simplesmente sbios mais modestos. Seriam os gregos que teriam sancionado a morte

    do Sbio, e o teriam substitudo pelos filsofos, os amigos da sabedoria, aqueles que

    procuram a sabedoria, mas no a possuem formalmente (Deleuze, 2000, p.10).

    Ser a condio de bufo, em plena prtica de seu estilo, uma ferramenta auxiliar da

    razo? Seria o personagem bufo um auxiliar para a criao de conceitos? Seria o estilo

    do bufo uma forma prtica de entender o mundo? Um personagem conceitual poderia

    propor uma didtica, a partir de sua forma de pensar e inventar conceitos? Isto , pela

    maneira de existir do bufo, poder-se-ia reinventar uma didtica?

    O bufo como crtica interpretao

    A figura do bufo pr-moderna. Historicamente, o bufo assume um lugar

    importante na sociedade europia na Idade Mdia e, embora persistindo nos sculos que

    avanam em direo a modernidade, ele , na acepo aqui apresentada, referncia de

    uma forma de pensar e agir que no encontra, em nosso meio, muitos comparativos.

    Pouco a pouco, a modernidade instaurou a razo instrumental como medida de

    todas as coisas e, sobretudo, como modo de apropriao legtimo do mundo,

    minimizando a importncia de outros aspectos da experincia humana. Ento, tomar

    uma figura pr-moderna como o bufo para pensar nossa ao na atualidade, no outra

    coisa seno report-la ao presente para facilitar uma crtica razo moderna que insiste

    em nos ditar modos de ser professor, maneiras didticas de atuar.

    Antes de nos alongar em uma pormenorizada crtica da racionalidade moderna,

    empresa que este texto no tem condies de realizar mesmo porque amplamente desenvolvida na literatura educacional contempornea de forma competente -, interessa

    aqui pensar a relao da figura do bufo como crtica a um modo de interpretao do

    mundo que lega didtica a tarefa de decodificar tudo, na medida em que a

    interpretao seria o instrumento hegemnico da prtica pedaggica para transmitir aos

    alunos os cdigos culturais constitudos pela humanidade e que dariam oportunidade

    aos jovens de se inserirem nessa cultura. A ideia mesma de didtica se forma, do ponto

    de vista histrico, a partir desse caldo epistmico.

    Uma didtica buffa agiria ampliando as possibilidades e assumindo a tarefa de

    empreender outros modos de apropriao do mundo para alm da interpretao. Da

    mesma forma que o teatro contemporneo produz formas de atuao no interpretativas

    muitas delas inspiradas no teatro medieval -, uma didtica buffa produziria elementos, conceitos e prticas capazes de tomar a superfcie como lcus possvel para o

    conhecimento, ao contrrio da didtica tradicional que pensa sempre a profundidade

    como dimenso na qual se encontram a verdade e o conhecimento.

    A relao entre profundidade e superfcie faz parte de uma grande metfora

    explicativa prpria da modernidade. Nela, haveria algo de profundo e escondido na

    alma humana, ou no texto, que teria, ento, um valor superior quilo que se encontra na

    superfcie, na pele, no papel. Tratar-se-ia da relao entre o saber (profundo) e a

    percepo (superficial), na qual o saber teria maior importncia que a percepo, pois

    sua profundidade lhe proporcionaria um status superior. Portanto, o saber estaria ligado

  • Didtica buffa: uma crtica interpretao numa performance da profanao

    123

    alma, ao esprito, ao escondido, ao sagrado; enquanto a percepo estaria ligada ao

    corpo, matria, superfcie, ao mundano.

    Essa relao entre profundidade e superfcie importante para compreender a

    diferena entre o modo interpretativo de compreender o mundo e um modo inspirado na

    figura do bufo. A interpretao, com efeito, nesse contexto, a atribuio de uma significao (Gumbrecht, 2010, p.45) que est engendrada na profundidade. Essa profundidade faz parte do paradigma segundo o qual corpo e alma seriam opostos, pois

    a alma (ou o esprito, a mente) seria a poro profunda, ao passo em que o corpo (ou o

    texto) seria a superfcie. A interpretao seria necessria para extrair os significados

    escondidos na profundidade da alma e para traz-los superfcie. Para tal

    empreendimento, seria, ainda, conveniente uma boa distncia (Gumbrecht, 2010, p.46) que garantiria, de alguma forma, que ns no pertencemos ao mundo, mas que

    somos observadores. A modernidade sobrevalorizou a profundidade, minimizando a

    participao do corpo e legando a corporeidade ao segundo plano da experincia com o

    mundo. Tudo o que superficial no teria valor para os saberes que a Educao

    pretende veicular.

    O bufo, ao contrrio, pura superfcie. Ele corporeidade e ludicidade. Isso no

    impede a interpretao de seguir o seu curso, de imputar significaes; mas a instncia

    interpretativa no assume, para uma didtica buffa, o nico modo de ao. O bufo

    provm de um pensamento medieval no qual no o homem que atribui significados ao

    mundo, mas Deus ao contrrio da tradio fenomenolgica; portanto, no h ntida separao: o homem faz parte do mundo criado por Deus. A separao cartesiana entre

    razo e emoo e seus pares correlatos, por exemplo, corpo e alma conduz ideia de que o homem um observador do mundo, ele possui uma posio excntrica a ele e,

    assim, o observa, o analisa; posio epistemolgica que tem incio no Renascimento

    (Gumbrecht, 2010).

    Essa posio epistemolgica tem relao com o fato de a didtica ser pensada como

    transmisso de conhecimentos vlidos socialmente. Assim, o corpo, o ldico, a

    expresso e tudo aquilo que superficial est afastado e mesmo proibido para a

    Educao. O bufo recoloca essa posio no centro da ao pedaggica. Pois o bufo

    no transmite contedos, ele brinca com eles; ele no organiza sistematicamente uma

    narrativa, mas descontextualiza suas partes; ele no mantm o bom comportamento

    social, mas reivindica o alargamento de suas fronteiras e tece, com constncia, crticas

    aos poderes institudos.

    Esse percurso histrico entre pr-moderno, moderno e ps-moderno ainda que rpido e meramente explicativo mostra a crtica insuficincia da interpretao que o bufo pode jogar no interior da prtica pedaggica, a partir da crise da representao

    que a interpretao supe.

    por isso que se engana quem pensa numa frmula histrinica para um professor

    animador. No se trata de animar os alunos, despertar-lhes o interesse por intermdio de

    artifcios de atuao, tendo o cmico como recurso atrativo. Isso consistiria numa

    prtica interpretativa por excelncia, numa prtica moderna. O bufo no um

    personagem a ser interpretado pelo professor no sentido que o teatro moderno atribuiu,

    ele e no apenas atua. Na Idade Mdia, no havia propriamente uma separao entre a

    identidade pessoal do ator e o personagem que ele performava. Segundo Lopes (2001)

  • GILBERTO ICLE e SRGIO A. LULKIN

    124

    a identidade de ambos, ator e actante, misturava-se e fundia-se, como uma

    farda que marca a sua funo. Seria o caso de pensar ento, no jogo do

    bufo, em essncia, como o jogo das possveis combinaes de alteridade? A

    duplicidade que caracteriza a natureza do artista, parece ser o instrumental

    para a atuao. Na medida em que o bufo usa o recurso da pardia, desde

    logo, ele parte de uma referncia real, sendo a imagem da derriso o seu

    duplo parceiro (Lopes, 2001, p. 68).

    O bobo no deixava de ser bobo quando se recolhia ao seu mundo privado, pois ele

    no interpretava o personagem do bobo da corte, ele era o bobo da corte.

    Portanto, o bufo o oposto da interpretao, talvez um ir alm da interpretao.

    Ele no se priva de interpretar histria e situaes, mas numa acepo muito mais

    ampla, pois os modos de apropriao do mundo que lhes so prprios contemplam

    outras formas que ultrapassam a mera interpretao, ao dedicar-se, por exemplo, a

    comentar os discursos que atualizam as normas, o que est dentro e fora da suposta

    realidade como algo dado.

    Uma didtica buffa no uma didtica interpretativa, pois no sistematiza

    contedos a serem apreendidos numa relao direta entre emissor e receptor. Uma

    didtica buffa performatiza as relaes entre professor e alunos; integra prticas; inverte

    papis; desfaz mscaras. No se trata de um personagem a ser interpretado pelo

    professor, mas de uma imagem, uma noo, uma prtica bufo. Assim, no apenas um

    professor bufo, mas um aluno bufo, um contedo bufo, uma prtica bufo, uma sala

    de aula bufo, um processo de ensino-aprendizagem bufo.

    Se o bufo pretende reintegrar o corpo na educao, ele pode, da mesma forma,

    circunscrever a palavra, a voz num modus operandis bufo. Como crtica

    interpretao, a um mundo que tudo nomeia, a uma vontade de tudo ordenar e

    classificar, o bufo oferece a possibilidade de por em marcha uma didtica no didtica

    - o seu duplo, o seu possvel -, encarregada de por em jogo a escola e a performance que

    nela se configura: performance que no apenas a atuao do professor, mas o universo

    das relaes que se estabelecem entre os sujeitos. A materialidade do corpo, da voz, dos

    objetos do mundo; outrora esquecidos, reentrariam na escola.

    A ironia (e o humor derrisrio que ela provoca), por exemplo, solicita uma

    comunidade lingustica educada para a dvida, para a suspeita e para a interpretao dos

    enunciados a partir de certo distanciamento. Proximidade da comunidade, distncia do

    enunciado. A necessria cumplicidade ou proximidade entre os integrantes de uma

    comunidade destinatria do cmico, em fala, escuta ou leitura, com os recursos da

    ironia ou da pardia, em geral provocadores da algum tipo de riso, que torna possvel

    o seu efeito operante sobre o pensamento. O movimento entre a lgica e a sua crtica

    solicita ao aluno e ao professor jogarem com o paradoxo de forma rpida: se o sentido

    do cmico no apreendido no ato de sua realizao, do seu acontecimento, ele pode

    ser entendido como mentira, violncia, agresso. O tempo gil, a velocidade de

    compreenso e reao diante do cmico, para que haja efeito didtico, isto , ganhe

    sentido e favorea uma ampliao do pensar sobre a verdade em jogo, solicita um

    interlocutor educado, sensvel para esse movimento. Quer dizer, interlocutores que

  • Didtica buffa: uma crtica interpretao numa performance da profanao

    125

    tenham humor, que mobilizem seus humores, sem o qual o sentido no se estabelecer.

    Humores que deveriam fazer parte de uma educao esttica.

    Para uma didtica buffa

    Uma didtica buffa supe uma palavra qualitativamente distinta da palavra

    professada no cotidiano. Ela se apresenta como palavra performatizada, como palavra e

    como silncio em ato. Zumthor, mostra como a performance tenciona um outro

    entendimento da presena do corpo na leitura, no texto. A escrita abole a presena de

    quem traz a voz; sai do presente cronolgico e apaga as referncias espaciais da voz

    (2007, p.14). Eis a didtica da escrita, uma didtica que cada vez mais desreferencializa

    a ao, abole o corpo e transmuta a materialidade em direo ausncia da coisa. Uma

    didtica bufo poderia, ao contrrio, fazer perceber a palavra na medida em que faz

    perceber pelo ouvido, pela imagem, pelo compartilhar dos corpos. Tratar-se-ia da

    revanche da voz.

    A didtica da escrita que faz referncia ao modo ordinrio como a didtica e a prtica pedaggica operam no seu estatuto hegemnico no qual o corpo sempre e cada

    vez mais minimizado e silenciado -, parafraseando Zumthor, trabalha abolindo seu carter efmero [e assim] abole o que chamo sua tactilidade (2007, p.15). A performance, para ele, reinventa a voz, promove a ressurgncia ou a insurreio das

    energias vocais da humanidade, reprimidas pelo discurso hegemnico da escrita (2007,

    p.15). por isso que uma didtica bufo supe, por conseguinte, uma corporificao da

    palavra, um ato de voz, uma escuta compartilhada. A performance se relaciona ao movimento decisivo em que todos os elementos cristalizam em uma e para uma

    percepo sensorial um engajamento do corpo (2007, p.18). Se o personagem conceitual do bufo nos possibilita pensar performaticamente a

    didtica porque ele supe a centralidade do corpo como lcus da experincia, como

    lugar de um ato que se passa e nos passa no aqui-agora. A esse ato nomeamos,

    juntamente com Gumbrecht (2004), de presena. Mas alm de recolocar a didtica no

    corpo, a performance do bufo nos lembra que a presena qualitativa que envolve a

    performance sempre uma experincia compartilhada, um jogo de relao com a

    alteridade, nunca uma prtica individual. Ela envolve sempre as dimenses do atuante e

    do pblico. O termo presena, portanto, supe uma relao, um jogo, uma experincia

    (do alemo Erfahrung), a partir de uma vivncia (do alemo Erleben), de uma

    experincia vivida de presena compartilhada. Se essa experincia algo que nos passa, nos toca, nos modifica, nos intensifica como seres humanos porque a

    experincia da presena uma experincia ao mesmo tempo potica e esttica, ela

    intensa para o atuante e para o espectador, pois ela s se intensifica numa relao que

    borra as fronteiras desses ltimos, tornando fcil a troca contnua de posio entre quem

    faz e quem assiste.

    Assim, pensar uma didtica buffa poderia significar pensar o corpo em sua

    materialidade no expressiva, ou seja, em sua potncia presencial. Essa presencialidade,

    essa capacidade de se fazer presente autnoma, mas no independente de um significado e de sua interpretao implica uma viso para alm da decodificao com

  • GILBERTO ICLE e SRGIO A. LULKIN

    126

    a qual os estudos literrios, semiticos e hermenuticos nos fizeram acostumar. A

    interpretao personagem central da didtica da escrita toma o significado como dimenso forte da experincia, deixando a presena (caracterstica central da

    performance) margem. A didtica buffa, de outro lado, pensa os significados, mas no

    operando no seio daquilo que Gumbrecht (2004) nomeia como campo hermenutico, mas alm da interpretao, num campo no-hermenutico.

    Seria possvel pensar uma didtica buffa como via de acesso a um campo no qual o

    hermenutico no ditasse as regras com soberania? vlido pensar que esse

    personagem conceitual do bufo pode nos oferecer elementos para imaginar uma

    didtica que oscila entre efeitos de significado e efeitos de presena?

    Para Deleuze, o personagem conceitual no o representante do filsofo, mesmo o contrrio: o filsofo somente o invlucro de seu principal personagem conceitual e

    de todos os outros, que so intercessores, os verdadeiros sujeitos de sua filosofia (2000, p.86). Assim, em sua funo filosfica, como personagem conceitual, restituindo

    o corpo na presencialidade da performance, colocando em suspeita a hegemonia dos

    significados, o bufo cria as suas prprias condies para um ataque aos poderes, contra

    as opresses, contra a verdade nica e sria, contra as mquinas de excluso e morte,

    por intermdio de um pensamento prprio e criativo. No entanto, preciso sublinhar

    que o bufo, esse personagem conceitual autorizado a falar e a agir, no profeta nem

    pregador; um fabulador: o bufo mobiliza o seu criador (ator), como o seu duplo, para

    as possibilidades do pensamento aberto, impensado, paradoxal.

    O jogo bufnico aquele que inventa sua ao pelo contra-senso, rival do siso, da

    circunspeco instituda, demandando um discurso poltico que afronte, tambm,

    conceitos - culturas, religies, filosofias e as prprias artes - mobilizando (com bons ou

    maus humores) as verdades desgastadas, em crise.

    A performance do comentarista quando o bufo ironiza ou parodia insinua-se como um mecanismo interno do discurso: delimitao, excluso, cerceamentos,

    liberdades interpretativas. A habilidade para o comentrio um dos pr-requisitos para

    a fala do bufo: o jogo da ironia e do texto pardico so condies fundamentais para o

    questionamento da racionalidade e dos poderes que ela sustenta. Essa prtica no se

    reduz a uma questo de retrica: o discurso est em jogo nas suas proposies, quando

    os textos religiosos, jurdicos, polticos e histricos so confrontados com distores

    propositais. Com essa potncia, para alm da representao ou uma superao da

    mimesis do jurista, do religioso, do poltico, o bufo opera com o jogo de palavras e

    textos que se reinventam em outras lgicas: quando os bufes abordam uma situao

    eles vo deform-la, vo torc-la, vo coloc-la em jogo de forma no usual. Sobre um texto, eles podero repetir dez vezes a mesma palavra, voltar atrs, por puro prazer. Eles

    bufonearo a situao. Estamos no reino da loucura organizada (Lecoq, 1997, p. 134). Na presencialidade de sua performance o bufo no traz s o riso e a palavra

    blasfema, pardica, derrisria. Ele traz o silncio da sua presena eloquente, traz o seu

    corpo marcado, diferente, excessivo, grotesco, para anunciar uma potica. Ele traz o

    silncio da espera, o silncio de ateno que lhe aproxima do animal; o silncio diante

    do evento, antes que lhe acertem o golpe, seja como blague, seja como punio.

    Silncio atento diante da violncia, fuga gil para despistar a morte.

  • Didtica buffa: uma crtica interpretao numa performance da profanao

    127

    O deformado pria social, personagem da literatura, da dramaturgia e do teatro, se

    protege e circula entre a luz e a penumbra, entre a Igreja e o Palcio, ao redor do trono

    do Papa e do Rei. Uma figura que serve para deslocar, de forma mascarada, o

    pensamento de um possvel outro, que chamado para revelar verdades diante dos

    poderes, conclamado por eles, e o faz diante do povo, da aristocracia ou do clero, por

    intermdio da contra-razo.

    Enfim, uma didtica buffa, um pensamento performatizado por esse personagem

    conceitual, visa a repensar o estatuto do corpo, da voz e da prpria razo no seio da

    prtica pedaggica. Na didtica buffa, tudo faz sentido, a voz, o corpo, a ironia, o texto,

    ainda que nada se reduza ao sgnico, pois a performance justo esse espao no qual a

    palavra no pode se reduzir sua ausncia, a didtica buffa transgride e profana, ento,

    o mundo bem comportado da Educao para divergir num pensamento que faz uma

    reflexo sobre si mesmo.

    Notas

    1. Este texto uma verso ampliada da comunicao de pesquisa intitulada Para uma didtica bufo, performance e

    presena, apresentada pelos autores no painel Performance e Educao, XV Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino, UFMG, Belo Horizonte, 20 a 23/04/2010.

    2. Pesquisa realizada com financiamento do CNPq e da CAPES. 3. Personagem conceitual tomado aqui como uma figura plana, mas plena de potncia para o pensamento. No se

    trata de um personagem psicolgico como na tradio da literatura dramtica, tampouco como uma mscara para

    vestir, mas como uma metfora que traduz em imagem, em corpo, o que pretendemos explicitar por intermdio da

    Didtica Buffa.

    Referncias

    BAKHTIN, Mikhail. Cultura popular na idade mdia e no renascimento: o contexto de Franois

    Rabelais. So Paulo: Hucitec; Braslia: Ed. Universidade de Braslia, 1993.

    BATAILLE, Georges. La experiencia interior. Madrid: Taurus, 1989.

    BURNIER, Lus Otvio. A arte do ator: da tcnica representao. Campinas: Unicamp, 2001.

    DELEUZE, Gilles. O que a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000.

    EMERSON, Caryl. Os 100 primeiros anos de Mikhail Bakhtin. Rio de Janeiro: Difel, 2003.

    FOUCAULT, Michel. A histria da loucura na idade clssica. So Paulo: Perspectiva, 1997.

    FOUCAULT, Michel. Os anormais. So Paulo: Martins Fontes, 2002.

    GAULIER, Philippe. Jornal de divulgao da escola de Philippe Gaulier. Londres, 1999, panfleto.

    GUMBRECHT, Hans George. Production of Presence. What meaning cannot convey. Stanford: Stanford

    University Press, 2004.

    GUMBRECHT, Hans George. loge de la presence: ce qui chappe la signification. Paris: Libella-

    Maren Sell Edition, 2010.

    LECOQ, Jacques. Le corps potique: um enseignement de la cration thtrale. Arles, Frana: Actes Sud,

    1997. Collection Thtre/Education ANRAT, n.10.

    LOPES, Elisabeth Silva. Ainda tempo de bufes. So Paulo: ECA/USP, 2001. Tese de doutorado.

    MACEDO, Jos Rivair de. Riso, cultura e sociedade na Idade Mdia. Porto Alegre: UFRGS/UNESP,

    2000.

    MINOIS, Georges. Histria do Riso e do Escrnio. So Paulo: UNESP, 2003.

  • GILBERTO ICLE e SRGIO A. LULKIN

    128

    MOREY, Miguel. De la santificacin de la risa. Acto sobre la risa. Acto #2/3, Revista de pensamiento

    artstico contemporneo. Santa Cruz de Tenerife: 2005, p. 247-265.

    PAVIS, Patrice. Dicionrio de Teatro. So Paulo: Perspectiva, 1999.

    SCHECHNER, Richard. Performance, teoria & practicas interculturales. Buenos Aires: Libros del

    Rojas, 2000.

    ZUMTHOR, Paul. Performance, recepo, leitura. So Paulo: Cosac Nayfi, 2007.

    Correspondncia

    Gilberto Icle Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil E-mail: [email protected]

    Srgio Andres Lulkin Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil E-mail: [email protected]

    Texto publicado em Currculo sem Fronteiras com autorizao dos autores.