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e não compartilhe esse material para que não haja uma distribuição

irregular e ilegal na rede.

Obrigado

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Somente grandes propósitosdespertam grandes energias.

Nelson Mandela

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Este livro é dedicadoà minha mãe, Reasilva,

ao meu pai, João Maria (in memoriam)e aos meus filhos, Luciano, Jossinei,

Jossiane e Júnior.E sou sempre grato a Deus,

que me permitiu chegar até aqui.José Maria Nunes

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Copyright © 2016 by José Maria NunesImpresso no Brasil

Texto e Pesquisa: Ênio PadilhaCoordenação Editorial: João ChiodiniCapa: Design Editora sobre foto de arquivo pessoal de José Maria NunesProjeto Gráfico e Editoração: Márcio SchalinskiRevisão de Texto: Clara PadilhaRevisão Gramatical: Mariane Eggert Figueiredo

[2016]Todos os direitos reservados àDesign Editora Ltda.Caixa Postal 1.310CEP 89.251-400Jaraguá do Sul – SCTel. (47) 3372-3778 [email protected] www.designeditora.com.br

Padilha, ÊnioJosé Maria Nunes : a história de um vencedor no esporte e na vida / Ênio Padilha. – 1. ed. – Jaraguá do Sul : Design Editora, 2016.299 p. : il. ISBN 978-85-8081-074-5

1. Nunes, José Maria – Biografia. 2. Atletas – Brasil – Biografia.3. Atletas – Santa Catarina – Biografia. I. Título.

CDD 927.9642

P123j

CATALOGAÇÃO: Bibliotecária Dirce T. Nunes CRB 14-026

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“Engana-se quem pensa que a história de José Maria Nunes resume-se à sua brilhante passagem pelo atletismo, como um grande campeão durante mais de uma década. Existem outras histórias importantes na vida de José Maria, que acontecem antes, durante e depois da sua passagem pelo atletis-mo. A prática do esporte ocupa cerca de 20 anos da sua história. Os outros 46 anos são, para a maioria das pessoas, uma história desconhecida. Mas eu garanto que são coisas que merecem ser descortinadas.”

Ênio Padilha

Engenheiro, Professor e autor de livros

Atleta (1976 - 1983)

“José Maria Nunes é um exemplo de vida. Saiu do interior do estado, da roça, para triunfar na capital do estado. Tornou-se conhecido em todo o es-tado e no Brasil. Mudou a vida de muita gente, inclusive de todos os seus irmãos, aos quais possibilitou acesso aos estudos, mudando completamente o destino deles. Como todo ser humano, tinha defeitos, porém, suas virtudes superaram em muito os seus defeitos. Tenho por ele muito respeito e um carinho todo especial.”

Otmar Lothar Welsch

Professor de Educação Física

Atleta (1977 a 1992) e treinador de atletismo (1981 a 2005)

“Acho que José Maria Nunes foi quem iniciou o processo de valorização do atleta em Santa Catarina. Brigou muito para que o atleta tivesse o míni-mo de ajuda. Além de ter sido, na nossa época, o atleta que mais divulgou o nome do nosso estado no Brasil, pois estava sempre entre os três principais corredores do país. José Maria Nunes, no meu entendimento, foi quem re-volucionou o atletismo catarinense. E poucos sabem do sofrimento e da luta que o Zé teve de enfrentar para chegar onde chegou.”

Paulo Cezar Zimmer

Professor de Educação Física

Atleta (1969 a 1989)

“Zé Maria teve uma grande influência para que novos atletas de Santa Catarina seguissem a prática das corridas deixando um grande legado de atletas (fundistas) para o estado.”

José dos Santos

Professor de Educação Física

Atleta (1971 a 1977) e treinador de atletismo (1975 a 1986)

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“José Maria Nunes, como atleta, foi excepcional, completamente acima da média. Como treinador fez um excelente trabalho, mas também cometeu grandes equívocos. Como pessoa, nunca me fez mal. Nunca nos entendemos muito bem, por circunstâncias da vida. Mas é uma pessoa que eu respeito e admiro. Merece minhas homenagens.”

Deraldo Oppa

Professor de Educação Física

Dirigente da FCAt e da Fesporte (1979 até os dias atuais)

“A característica mais relevante do Professor Nunes é o fato de ele, ao longo do tempo ter desenvolvido múltiplas habilidades: atleta excepcional, treinador muito bem sucedido, professor em escolas técnicas, gestor na educação e agora, terapeuta com ótimos resultados. Duas qualidades que ele certamente trouxe da sua experiência como atleta são a disciplina e a perseverança. Essas qualidades são muito importantes para qualquer atividade na vida de qualquer pessoa.”

Décio da Silva

Engenheiro Mecânico, Administrador e Empresário

Presidente do Conselho de Administração da WEG SA

“Quando eu tinha 12 anos, meu pai faleceu, e, desde que fui morar com o Nunes em Florianópolis (e depois em Jaraguá do Sul), sentia por ele como se fosse um pai presente, que me ensinou um caminho de honestidade, sinceridade, humildade, vontade de vencer e de fazer o melhor pelo próximo, assim como ele me ajudou. De amigo e treinador, somos hoje compadres (ele é padrinho de batismo do meu primeiro filho, Pedro Henrique). Agradeço a ele pelo que tenho e pelo que eu sou.”

João Laurindo

Professor de Educação Física e Agente de Polícia Civil

Atleta (1992 - 1997)

“O maior legado do Nunes foi dar uma seriedade ao atletismo de Santa Catarina. Uma certa profissionalização. O principal defeito dele era a ingenuidade. Era bom demais. Tinha coração demais. É um grande amigo, companheiro nos bons e nos maus momentos. Mais do que treinamento, ele me deu um caminho, uma orientação. E me deu conselhos preciosos que eu me orgulho de ter seguido.”

Evaldo Rosa da Silva

Professor de Educação Física

Treinador de Atletismo e Atleta Olímpico (1984)

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“Podemos resumir José Maria Nunes numa frase: ‘Bom exemplo que produz bons exemplos!’ Sim, o atleta, o treinador e o cidadão são faces que — através do professor — ampliam seu efeito multiplicador, alcançando um número muito maior de pessoas estimuladas para o bem, numa sociedade em que os vícios, especialmente aqueles veiculados pelas drogas, afligem largas porções da nossa população.”

Esperidião Amin

Administrador e Bacharel em Direito

Ex-governador de Santa Catarina

“Todos conhecem o José Maria Nunes atleta, técnico, professor, quiropata. Eu conheço o pai José Maria que, quando pequeno, sempre esteve fora trabalhando e competindo, mas que sempre deu suporte e educação para todos nós. Que nos sacudiu quando foi preciso, nos ajudou quando necessitamos e que hoje em dia é mais presente em nossas vidas do que nunca. Uma coisa eu tenho certeza que, como pai, ele foi e é um vencedor, maior que em qualquer outra área. Te amo pai.”

Jossinei Nunes

Bacharel em Gastronomia e Empresário

(em nome dos irmãos, Luciano, Jossiane e Júnior)

“O que dizer desta pessoa tão maravilhosa para nós: José Maria, o nosso Zeca, não somente um bom filho, mas sobretudo um segundo pai, para todos os seus irmãos. Ele nos orientou, nos educou e nos abrigou em sua casa e em seu coração. Temos muito orgulho de ti. Só temos que agradecer e pedir a Deus que te ilumine sempre. Te amamos!”

Neuza Aparecida Nunes

Pedagoga

(em nome dos irmãos)

“Reconheço no José Maria Nunes um educador, um grande educador. Mais do que pelos ensinamentos, destaca-se pelos exemplos, os bons exemplos. Estudioso, educado e perseverante, são os atributos que o tem destacado em todas as fases de sua vida pessoal e profissional.”

Vicente Donini

Presidente do Conselho de Administração

Marisol S.A.

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“Conheci a história de vida do Zé Maria através dos relatos dele. O mundo foi a base de família que ele teve. E esse mundo, por ter-lhe sido muitas vezes cruel, poderia tê-lo transformado num homem rude. Mas as adversidades da vida não fizeram com que ele perdesse a ternura. É assim que eu o vejo: guerreiro vencedor. E incansável na luta por uma sociedade mais justa. Um Homem de fé em Deus e grato a esse Deus amoroso que sempre esteve ao seu lado. Um Homem de um coração grandioso, sensível à necessidade do outro e aberto para acolher. Companheiro amoroso, gentil, paciente, sempre presente e muito divertido. Meu querido, conte comigo nessa caminhada e que Deus ilumine seus passos. Amo você.”

Nanci Girolla

Funcionária Pública Aposentada

Jaraguá do Sul

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PREFÁCIO

Um Homem Honrado e Digno de ser apresentado diante de qualquer circunstância.

Filho de Reasilva e João Maria. Natural de Campos Novos, Santa Catarina.

José Maria, o Zeca, corredor inveterado da escola pra casa e da casa pra escola.

Aos 13 anos vai trabalhar em Catanduvas, 85 km de Campos Novos. O trabalho escravo consumiu sua adolescência e o ausentou da escola. Ganhou registro civil no Cartório do Distrito de Espinilho aos 15 anos.

Alistou-se no exército de Joaçaba aos 18 anos. Determinado e com ousadia foi para Porto União – 1968 – agora era o Soldado Nunes, alma de místico em corpo de atleta.

Estava convocado o grande atleta para o seu primeiro Jogos Abertos de Santa Catarina. Criação de um tal Arthur Schösser, em 1960.

Nascia a lenda do Desporto Catarinense “Zé Maria Nunes”. Um grande atleta. Campeão de Santa Catarina. Vitorioso.

Em 1969, transfere-se para Florianópolis. Trabalhador na MODELAR. Estudante no Madureza. Construía-se, desta forma, o Vencedor.

Novamente se torna Campeão dos Jogos Abertos de Santa Catarina em Joinville.

Homem de personalidade firme, volta a reintegrar o exército em Florianópolis. O foco é firme, terminar o Curso de MADUREZA, treinar e treinar... Vida dura, mas com probabilidade de êxito. Da mesma forma, José Maria Nunes, de Santa Catarina, atleta do Instituto Estadual de Educação torna-se campeão da 2ª Corrida da Integração Nacional. Era 1972. A repercussão na imprensa foi intensa.

Nunes, atleta dedicado ao esporte, à sua família, participa com louvores da Corrida Internacional de São Silvestre. Resultados dignos de elogios – 20º lugar, 18º, 15º, 10º. Obstinado por estudar. Vitórias épicas como a dos Jogos Abertos de Florianópolis – 5 mil metros ficaram na memória. Era 1977.

Em 1978, se forma em Educação Física pela UDESC.

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Foram 35 medalhas de Ouro, 4 de Prata e 1 de Bronze.

Quebrou 13 vezes o recorde de algumas provas dos Jogos Abertos de Santa Catarina: 4 vezes nos 1.500m, 11 vezes nos 5 mil metros, 11 vezes nos 10 mil metros. E uma vez no revezamento 4 x 100.

Formou-se em pedagogia pela UDESC. Formou-se em Administração Escolar. Frustrou-se com a política, mas manteve-se altivo.

Diretor do IFSC em Jaraguá do Sul. Além de um grande professor. Pai dedicado, irmão altruísta. Formado em quiropraxia, massoterapia, obstinado, vencedor.

Descrever o Professor José Maria Nunes é emocionar-se. Fui atleta por sete anos. Ele era referência.

Dizia Jean Piaget:

“A principal meta da Educação é criar homens que sejam capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram.

Homens que sejam criadores, inventores, descobridores. E formar mentes com capacidade para criticar e sugerir.”

Eis um grande homem, educador, pai, amigo e o maior atleta de Santa Catarina. Os Jogos Abertos revelaram a obstinação de um homem que foi acolhido pelo exército e gestado pela vontade de vencer e vencer.

Oswaldo José Mabba

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Em 1946 o presidente do Brasil era o General Eurico Gaspar Dutra. Ele tinha sido ministro da guerra no governo de Getúlio Vargas. Era o primeiro presidente da chamada Segunda República. Em Santa Catarina, não havia governador. O estado era comandado por um interventor federal, Udo Deeke. E na pequena cidade de Campos Novos, no interior de Santa Catarina, o prefeito, no final de um mandato de 10 anos, era Gasparino Zorzi.

A região do meio oeste de Santa Catarina, um lugar de morros ondulados colonizada por imigrantes italianos, alemães, austríacos e japoneses era, naquela época, um lugar bem difícil de se viver. As estradas eram muito precárias e quase ninguém tinha energia elétrica em casa, especialmente os que moravam nas regiões agrícolas, onde a grande estrela era o rio Canoas.

Este rio, com seus 570 km, nasce entre a Serra da Anta Gorda e a Serra da Boa Vista e corre para o oeste, banhando os municípios de Urubici, Rio Rufino, Otacílio Costa, Correia Pinto, Ponte Alta, São José do Cerrito, Abdon Batista (um pouco antes do qual recebe as águas de seu afluente, o rio Caveiras), Anita Garibaldi e Celso Ramos (onde recebe as águas do rio Inferno Grande). Depois de passar pelo município de Celso Ramos, o rio Canoas deságua no rio Pelotas e forma o rio Uruguai.

Numa das curvas do Canoas situava-se a localidade conhecida, na época, como Serraria Santos Almeida. Pois foi nessa localidade (Serraria Santos Almeida) e alheia a toda a conjuntura descrita acima, que Reasilva conheceu João Maria.

Reasilva tinha 19 anos. Nascera por ali mesmo, na localidade de Laranjeiras, Costa do Canoas, município de Campos Novos. Era uma cabocla bonita, recatada, filha de João Cordeiro Matoso dos Santos. Na verdade, era uma das muitas filhas e filhos de João Cordeiro. Ele casou-se com Belina Fagundes, no Rio da Várzea. Depois casou-se com Patrocina dos Santos (mãe de Reasilva). Mas teve mais cinco ou seis mulheres e cerca de 25 filhos, a maioria com amantes. Havia uma lenda de que João Cordeiro tinha um anel com uma pedra mágica: “uma pedra de cevar mulher”1. Por causa do anel, as

1946

1 A tal “pedra de cevar mulher” era uma crendice antiga existente em várias regiões. Um pequeno

pedaço de metal que, diziam, dava ao seu proprietário o poder da conquista. A tal pedra (que

nada mais era que um pedaço de imã) necessitava ser alimentada com limalha de ferro ou

minúsculos pedaços de agulhas para não perder o poder. E havia homens que pagavam muito

caro para ter uma dessas. Geralmente homens muito ricos. Por isso a pedra sempre funcionava.

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mulheres eram atraídas para ele. Bobagem! O que ele tinha, certamente, era uma boa conversa e muito, muito dinheiro. Ele tinha muitas terras (era um latifundiário), tinha fazendas de criação de animais; era rico (considerado um Coronel).

Ele não tinha tantos filhos apenas porque gostava de tê-los. Gostava, isso sim, de fazê-los. Uma vez feitos, não se importava mais com eles. Sua relação com os filhos ia da indiferença à violência (o que era muito comum na época e, principalmente, naquela região, onde as trincheiras da Guerra do Contestado ainda soltavam fumaças).

Reasilva nunca estudou. Aos três anos, o pai deu a filha para uma mulher, supostamente uma amante2. Esta mulher, uma tal de Angélica, não queria ter recebido essa missão, mas teve de obedecer. E tirava o descontentamento na criança. Assim, Reasilva sofria violência doméstica por parte do pai, que era muito violento, e da madrasta. Vivia apanhando por qualquer motivo. Como praticamente todas as crianças da redondeza, não recebia roupas nem cuidados. Quando chegou à adolescência, Reasilva só queria uma coisa: fugir daquela vida.

João Maria Nunes tinha 20 anos. Tinha nascido na mesma localidade de Laranjeiras, Costa do Canoas, município de Campos Novos. Filho de João Francisco Nunes (um negro com feições africanas muito bem definidas, neto de escravos) e de Maria Palmira da Trindade. Seu nome (João Maria) era uma homenagem ao monge, fanático religioso, que liderara rebeldes na sangrenta Guerra do Contestado3 que ocorrera naquela região não fazia muito tempo.

João Maria era um homem forte, trabalhador e honesto. Um gigante, na foice, na enxada, no arado, em qualquer lida da roça. Nunca estudou. Viveu e morreu completamente analfabeto, mas sabia fazer contas, conseguia fazer cálculos e se virava como podia nos negócios.

João Francisco era um homem muito austero e violento com os filhos. Por essa razão, João Maria, aos 11 anos, fugiu para a fazenda Estefanes, em Campos Novos, próximo aos rios Inferninho e Inferno Grande. Na época, os fazendeiros recebiam essas crianças fugitivas de olho na mão de obra gratuita que teriam. E João Maria ficou, dos 11 até os 22 anos nessa fazenda.

2 O leitor não se assuste. Isso não era incomum na época e na região.

3 A Guerra do Contestado foi um conflito armado entre a população civil e o Exército, entre 1912 e 1916, no qual estava em disputa (entre o Paraná e Santa Catarina) uma região rica em erva-mate e madeira. Aconteceram inúmeras batalhas, com mais de 8 mil mortos, feridos e desaparecidos.

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Reasilva era amiga das filhas da família Estefanes. Por isso, eventualmente, dormia na casa delas. E foi assim que conheceu João Maria. Achava ele meio “chucro”. Mas era bonitão. E ela queria muito casar e fugir daquela vida.

Por isso, um dia, tomou coragem. Quando ele entrou na cozinha, em busca de uma jarra de água, ela pegou na mão dele e foi bem direta: “Eu quero me casar contigo.” Ele saiu correndo! (ela tinha razão em dizer que ele era “chucro”).

Mas logo se acertaram. Três meses depois já estavam casados. A cerimônia ocorreu em Ponte Canoas4, um distrito de Campos Novos. Foram morar numa casa doada pelo pai de Reasilva. Esta casinha ficava perto do Rio da Vargem, Campos Novos.

Não ficaram muito tempo. João Maria não se entendia bem com o sogro. O pai de Reasilva ofereceu a João Maria algumas terras para que eles fizessem a vida. Mas teria de ser “no nome da Reasilva”. João Maria não aceitou. Anos mais tarde, Reasilva diria que “não aceitou porque era cabeçudo”. Disse que não precisava da ajuda de ninguém.

Foram, então, morar num paiol dos Estefanes e, dali pra frente, passaram a ser praticamente nômades, trabalhando de fazenda em fazenda, sempre como peão agregado, no regime de meeiro5. Fizeram dezenas de mudanças. Voltavam, muitas vezes, para lugares onde já haviam morado antes.

As mudanças eram feitas em carroças puxadas por uma mula. Uma carroça para “as tranqueiras” e outra para os filhos.

O primeiro filho veio logo no ano seguinte ao casamento. Aliás, filha: Maria da Luz nasceu no dia 15 de maio de 1947. Era uma criança linda e, como o próprio nome indicava, veio iluminar a casa.

Logo Maria da Luz ganharia muitos irmãos. A família de João Maria e Reasilva estava apenas começando.

4 A igreja onde foi realizado o casamento não existe mais.

5 Meeiro é o agricultor que planta em terra alheia e divide os resultados com o dono.

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1949Três anos depois de casados, e dois anos depois do nascimento de Maria

da Luz, nasceu o segundo filho do casal. Um filho homem! João Maria resolveu dar a ele o nome de um dos monges do Contestado6: “o menino vai se chamar José Maria”, disse ele aos amigos, todo feliz, no armazém de Laranjeiras, enquanto bebia um gole de uma cachaça comemorativa.

O menino logo virou o Zeca. Era uma criança normal, exceto pelo fato de que não engatinhava. Ficava parado no lugar onde era deixado. Não saía do lugar. Num belo dia, um pouco antes de completar um ano de idade, simplesmente levantou-se e começou a andar. Andava meio atrapalhado, segurando-se nos móveis, caindo algumas vezes… mas não engatinhava. Zeca pulou uma etapa e foi direto pra fase seguinte: andar de pé.

A lembrança mais antiga que está registrada na mente de José Maria foi um fato ocorrido quando ele tinha um pouco menos de dois anos. A família morava em uma casa de chão batido. A mãe trouxe do campo alguns ramos de um arbusto chamado de vassoura de mato. Ia fazer uma vassoura. Largou o fardo num canto para cuidar daquilo mais tarde. Curioso, Zequinha foi ver o que era. Do meio do feixe de vassouras saiu uma lagarta escura, conhecida na região como bicha cabeluda. Ele não teve dúvidas: pegou o bicho com a mão, esmagou... e comeu! Ou melhor: tentou comer. Assim que colocou o bicho na boca, as toxinas liberadas pelo animal começaram seu efeito devastador. Foi uma queimadura terrível!

Foi um desespero de todos na casa. Achavam que o menino iria morrer envenenado.

Zeca sempre lembrou deste fato, mas só até o momento em que pôs o bicho na boca e começou a sofrer a queimadura. Daí pra frente, a história é contada por sua mãe. Ela conta que, na verdade, conseguiu ver a bicha cabeluda preta na mão do pequeno. Mas correu e chegou à tempo de tirar o bicho antes de ele morder. “O danado já estava abrindo a boca para comer”. Ela tirou o bicho e passou álcool na mão e na boca do menino. Deve ter ardido muito. Talvez, por isso, ele tem a memória de que colocou o bicho na boca.

6 José Maria de Santo Agostinho

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Numa outra ocasião, conta Reasilva, uma cobra jararaca pulou de um monte de palha de milho. Zeca tinha cinco ou seis anos, mas enfrentou a cobra com um pedaço de madeira e acabou matando a danada.

A essas alturas (por volta de 1955) João Maria, Reasilva e os filhos já estavam morando nas terras de Júlia Baratieri. A propriedade ficava em uma localidade de Costa de Canoas, no município de Abdon Batista, Meio Oeste de Santa Catarina. João Maria não era mais agregado. Era arrendatário. Dava a terça parte de tudo o que produzia (fumo, milho, arroz, trigo).

Zequinha e Maria já tinham outros três irmãozinhos: Sebastião, que nasceu em 1951, Helena, em 1953 e Antônio, em 1955.

Como era comum, na época, depois de cinco ou seis anos, as crianças já eram aproveitadas nos serviços da roça, ajudando a limpar, carregar os sacos com sementes. Na fazenda da dona Júlia, havia a plantação de milho e também os animais: cabras, galinhas, porcos. João Maria fazia canecas com latas de óleo vegetal, e cada filho podia tirar o leite de uma cabra para si próprio. Algumas vezes, desajeitados, não amarravam direito as pernas da cabra… o resultado, e a choradeira, já se pode imaginar.

Em outros lugares onde moraram, nem sempre havia conforto ou comida à vontade. Muitas vezes moravam em um paiol, dividindo espaço com animais, dormindo em camas improvisadas com montes de espigas de milho, cobrindo-se com cobertores velhos. Nesses tempos, a comida era controlada. Menos na época do pinhão. Aí, era uma festa. Todo mundo engordava de tanto comer pinhão.

João Maria gostava de pescar no rio Canoas. Não tinha equipamento especial, apenas um toquinho de rede, uns caniços feitos de bambu e um espinhel improvisado, com 15 anzóis. O rio Canoas era generoso. Certa vez (conta Sebastião), João Maria colocou o espinhel na água e amarrou na beirada. Não se deu conta de que um dos anzóis ficou fora d’água, no barranco. Quando foi retirar, tinha 14 peixes e uma saracura7.

Noutra ocasião, quando tinha seis ou sete anos, Zeca foi pescar com o pai. Geralmente pescavam mandi, cará, jundiá, cascudo, traíra… O rio oferecia um cardápio bem variado. Foram com um bote de madeira, tipo bateira. Quando chegaram no local, João Maria apoitou8 o barco com uma pedra grande, numa profundidade de uns 5 metros. Começaram a pescar, mas começou a entrar água no bote e João Maria mandou Zeca esgotar o barco com uma caneca.

7 Ok… Pode ser uma mentirinha de pescador. Mas Tião jura que é verdade.8 Parar o barco no meio do rio, com poita - um peso metálico com funções semelhantes a uma âncora.

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Fizeram um movimento para inclinar o barco, facilitando para retirar água. O barco inclinou demais e Zeca caiu na água. Não sabia nadar. Nem João Maria. Foi um momento de desespero, mas, num gesto automático, João Maria esticou o braço dentro d’água e agarrou Zeca pelos cabelos, trazendo-o para cima.

João Maria olhou para o céu e agradeceu. Parecia ser um milagre.

O rio Canoas era, no geral, um aliado dos Nunes. Quando dava enchentes, João Maria pegava os filhos e ia fazer espera nos remansos, espaços formados nas margens cheias do rio, onde não havia correnteza e onde, geralmente, as coisas trazidas pelas águas faziam paradas. Vinham móveis, armários, roupas, porcos (João Maria recolhia os porcos para fazer sabão).

Noutra ocasião, houve um episódio envolvendo um dos dois bois utilizados na junta para o arado da fazenda. Mimoso era um boi do tipo Zebu, Gaúcho era um boi normal, porém grande e um pouco mais chucro.

Depois do trabalho, João Maria dava folha de palmeira para os bois comerem e, depois, eles eram soltos. João Maria mandou Zeca soltar os bois. Zeca foi com uma vara cutucando os bois, mas Gaúcho, aparentemente, ainda não tinha acabado o jantar e não gostou de ser convidado a se retirar da mesa. Foi pra cima de Zeca, chifrando. Zeca caiu. O boi caiu também, em cima de Zeca. João Maria gelou de susto. O boi ali, quieto, sem se mexer. Por um segundo, João Maria não sabia o que fazer. Depois, deu um grito, os cachorros pularam no boi e Gaúcho levantou-se. Zeca também, são e salvo. João Maria agradeceu mais uma vez aos céus. Parecia que o filho era um protegido dos deuses.

Quando fez sete anos, Zeca entrou na escola. Estudava em uma escola isolada que ficava a uns quatro quilômetros de onde morava. Ficou um ano, mas não completou a primeira série, por causa das frequentes mudanças da família.

Três anos depois, em 1958, voltou a frequentar a escola numa localidade chamada Espinilho, município de Campos Novos, cuja professora era dona Maria Noêmia Mesterlin. Numa escola da vila, Zeca completou o primeiro ano do primário e fez o segundo. Chegou a frequentar o terceiro, mas não completou.

Enquanto cresciam, Maria, Zeca, Tião, Helena e Tonho ganhavam mais irmãos e irmãs: João Francisco nasceu em 1957, Júlio em 1960, Pedro em 1961 e Sérgio em 1963.

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Em 1961, João Maria foi trabalhar como foguista numa Serraria (Serraria Weiss), que ficava no município de Campos Novos. Ele também cuidava de um Moinho, onde despachava produtos e fazia compras e vendas.

Nessa ocasião, João Maria conheceu um rapaz, que era genro de Leda Weiss, dona da Serraria. Osvaldo Simi (Vadinho) era um descendente de italianos, tinha alguma escolaridade, tinha completado o científico e tinha sido goleiro no Comercial de Joaçaba e do Flamengo de Caxias do Sul9, no Rio Grande do Sul. João Maria e Osvaldo tornaram-se amigos. Tomavam cachaça juntos. E bebiam descontroladamente. Eles sentavam pra conversar e beber. João Maria mandava Zeca ou Tião ir de bicicleta até a venda, que ficava a uns três quilômetros de distância, buscar dois ou três litros de cachaça para eles.

Geralmente bebiam dois litros de cachaça num sábado à tarde. João Maria entrou no alcoolismo, problema do qual somente se livrou muitos anos depois (por volta de 1977).

Quando se casaram, João Maria já bebia, mas Reasilva não sabia. Descobriu depois do casamento. Não foi uma coisa fácil de lidar, mas ela foi acostumando. Naquele período (início dos anos 1960) não havia miséria para a família. João Maria tinha salário. Havia o armazém, e ele ainda trabalhava no moinho, portanto, não faltava a farinha de milho, o feijão e o arroz. E ainda era possível criar uns porcos, galinhas e outros animais de corte.

Nessa época, como a escola ficava longe, algumas vezes Zeca saía atrasado de casa e ia correndo. Dava uns seis quilômetros. Chegava tranquilo. Gostava de correr. Muitas vezes, na volta pra casa, também vinha correndo. E chegava muito à frente dos irmãos.

Outra coisa muito comum, na época, era que crianças, entre 8 e 12 anos, fossem utilizados para cuidar de crianças ainda menores, na casa de outras pessoas, em troca de comida e roupas. Alguns irmãos de Nunes tiveram essa atividade e Nunes também. Quando tinha dez ou onze anos, trabalhou na casa da Família Dresch, no Espinilho, cuidando das crianças, filhas da Dona Carmem. O trabalho durou um ano. Era divertido. E Nunes, obviamente, não tinha noção da responsabilidade que tinha.

Algum tempo depois, quando Zeca estava com 13 anos, Vadinho conversou com João Maria sobre o fato de que o pai dele, Sílvio Simi, tinha uma fazenda em Catanduvas e que precisava de um peão. Um guri pra cuidar

9 Fundado em 1935, hoje Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias.

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dos bichos, plantar umas coisas e ficar com eles lá na fazenda. O fazendeiro daria, como era de costume, comida e casa pra morar. E Vadinho completou: “Eu tava pensando nesse teu mais velho, o Zeca”.

João Maria confiava plenamente em Vadinho. Eram amigos de verdade. Avaliou que Zeca estaria em boas mãos. Conversaram um pouco mais e a doação foi feita. Zeca iria, na semana seguinte, para a Fazenda de Sílvio Simi, em Catanduvas. Esse tipo de “doação” era muito comum em famílias numerosas e pobres. Os pais queriam o melhor para os filhos e queriam ter certeza de que não lhes faltaria comida, roupa e um lugar para viver. João Maria acreditava que seu filho estava indo ficar com uma pessoa boa e que teria trabalho para garantir a vida.

A vida de Zeca estava por sofrer uma mudança bem grande.

Time de futebol do Esporte Clube Comercial de Joaçaba. O goleiro é Osvaldinho

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1963Silvio Simi era um filho de italianos, tinha quase dois metros. Era um

sujeito de poucas palavras e não tratava Zeca como “um filho adotivo”. Era, na verdade, uma relação que, por qualquer parâmetro dos nossos dias seria considerada como trabalho escravo. Zeca ganhava roupas já usadas e tinha apenas uma muda de roupa melhorzinha, pra ir na vila Vera Cruz (que ficava a uns três quilômetros da sede da fazenda) aos domingos, uma vez por mês.

Do Espinilho até Catanduvas é uma viagem de 85 km. Uma distância absurdamente grande para a época. Para se ter uma idéia, nos cinco anos que ficou em Catanduvas, Zeca foi em casa apenas duas vezes. Perdeu totalmente o vínculo com a família. Nasceram irmãos que ele não conhecia.

Por volta de 1965, João Maria mandou outro filho, Tião, quatro anos mais novo que Zeca, para morar nessa fazenda com o irmão.

Tião era um adolescente inconformado (vejam, só!). Já tinha tentado fugir de casa uma vez, aos 12 anos, mas o patrão de João Maria, comovido pelo desespero do pai, mandou um empregado atrás dele. Alcançou Tião na rodoviária de Campos Novos. Iria pegar um ônibus, sabe-se lá para onde. Antes, o homem da serraria foi na delegacia e levou com ele um soldado da polícia. Tião ficou petrificado de medo, claro. E a coisa piorou, porque o delegado, com a maior cara de mau, disse que “da próxima vez, vou te cobrir de borracha! Quero ver você fugir de novo com as costas bem lanhadas.”

Tião voltou pra casa e resolveu que fugir não era uma boa ideia. Pelo menos por enquanto. No ano seguinte foi enviado para a fazenda de Catanduvas, com o irmão, Zeca.

Zeca e Tião entenderam-se, por um tempo. Mas tinham temperamentos diferentes (e eram, ambos, adolescentes). Tinham brigas típicas de irmãos, pois Tião não aceitava a autoridade que Zeca achava que tinha.

Mesmo assim, Tião ficou um pouco mais de um ano na fazenda. Depois voltou pra casa.

O trabalho na fazenda, na verdade, era em regime de escravidão. Não era permitido frequentar escola, não havia nenhum pagamento pelo trabalho, além de uma cama pra dormir e comida para se alimentar. Zeca não ganhava roupas para o trabalho, nem calçados. Vivia descalço.

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Zeca fazia a limpeza da lavoura, com a capinadeira, puxada por um burro. Preparava a terra para a plantação com um arado (puxado pelo mesmo burro). Havia um trator que vinha no tempo certo e gradeava e arava a terra. Aí entravam Zeca e o burro para a plantação. A plantação de grama (capim para servir de alimento aos bois e vacas) era terceirizada, mas Zeca tinha de ajudar nesse trabalho também. Também era terceirizado o trabalho de fazer as cercas. A fazenda chegou a ter 800 cabeças de gado. Tinha também porcos, galinhas.

Zeca aprendeu a dirigir trator na marra. Fazia transporte de porcos para Concórdia. Quinze ou vinte porcos numa Kombi, dirigida pelo próprio Sílvio. Em algumas viagens, quando havia muita chuva, a estrada ficava praticamente intransitável. Era preciso colocar correntes nos pneus da Kombi para seguir viagem.

Silvio ficava muito pouco na fazenda. Permanecia quase o tempo todo em Joaçaba. Zeca passou a ficar praticamente sozinho na fazenda, cuidando de tudo. Mais tarde, em 1965, Sílvio adquiriu outras terras, que emendou às já existentes e sua fazenda encostou na Vila de Vera Cruz, onde já havia energia elétrica. Mudou então a sede da fazenda para lá: a granja dos porcos, a mangueira, o curral e a casa do caseiro.

Nos primeiros dois anos, Zeca só podia ir à Vila de Vera Cruz jogar bola uma vez por mês. Era liberado da uma da tarde até as cinco da tarde. E tinha de ir e voltar a pé — uns três quilômetros.

Até os 16 anos Zeca nunca fazia exigências nem reivindicava direitos ao patrão, Sílvio. Tinha medo de desobedecer ao pai. Isso seria muito grave. Com certeza iria apanhar dele. Naquele tempo e naquela região, a obediência ao pai até os dezoito anos era uma coisa sagrada.

Vera Cruz, em Catanduvas, era uma região de italianos. O terço, que era rezado todas as semanas e a missa, que era realizada a cada três meses, era tudo em italiano.

Zeca jogava bola no Flamengo de Vera Cruz. Já tinha subido do time dos aspirantes para o time dos titulares. E era chamado de Pelé, pois era o único negro no grupo (e o rei Pelé já era um fenômeno de popularidade, naquela época). Zeca liderava a meninada nos jogos e era escalado no time principal, apesar da pouca idade.

Os italianos, a maioria gremista, diziam que Zeca deveria torcer pelo Internacional, que era um time de pretos (na verdade, na época, o único time de Porto Alegre que aceitava negros em sua equipe).

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