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8/13/2019 “Brincar, Jogar Bola, mulher” - a desigualdade racial no Brasil e a etnografia das masculinidades no Recôncavo da… http://slidepdf.com/reader/full/brincar-jogar-bola-mulher-a-desigualdade-racial-no-brasil-e-a-etnografia 1/17 OSMUNDO PINHO* * Professor adjunto no Centro de Artes, Humanidades e Le- tras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, campus  de Cachoeira e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da mes- ma universidade. Visiting Scholar no African & Afri- can Diaspora Department Studies da Universidade do Texas em Austin (CAPES). “BRINCAR, JOGAR BOLA, MULHER” - A DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL E A ETNOGRAFIA DAS MASCULINI - DADES NO RECÔNCAVO DA BAHIA 1 Resumo:   Este artigo re   ete e discute resultados  parciais de uma investigação exploratória re- alizada nas cidades irmãs de Cachoeira e São  Félix, no estado brasileiro da Bahia. O projeto em Cachoeira/São Félix foi desenvolvido como um projeto piloto no qual equipe que coorde- namos entrevistou 12 pares intergeracionais, interrogando sobre experiências e perspectivas ligadas a educação, discriminação, preconceito e cotidiano/desempenho escolar. Em virtude de nosso interesse particular em questões de gênero e masculinidade, demos determinada in   exão a análise que salientasse justamente a conexão de nossos dados e a discussão desses temas. Palavras-chave:   Desigualdade racial espaço es- colar masculinidades Recôncavo da Bahia.  Abstract:  This article re   ects and discusses pre- liminary results of an exploratory investigation in Cachoeira and São Félix, twin cities in Bahia, a Brazilian state. The project in Cachoeira/Sao  Felix was developed as a pilot project in which we coordinate intergenerational interviews with 12  parent/children pairs, asking about experiences and perspectives related to education, discrimina- tion, prejudice and everyday school performance. 1 Esse artigo está baseado em apresentação realizada no Simpósio “Cuestiones Raciales En La Era Del Multiculturalismo. Perspectivas Desde Colombia  Y América Latina”, ocorrido durante o XIV Congreso de Antropologia em Medellín, Colômbia. Agradecemos aos coordenadores Mara Viveros  Vigoya e Sergio Lesmes Espinel a acolhida e os comentários. Discutimos anteriormente o mesmo trabalho no Seminário “Os Signi cados da Edu- cação entre Duas Gerações: Gênero, Raça, Desigualdades e Expectativas”, ocorrido na cidade de Cachoeira, Brasil, agradecemos os comentários dos colegas presentes, notadamente Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães, Rosana Heringer, Luiz Flávio Godinho e Georgina Gonçalves.

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OSMUNDO PINHO

Professor adjunto no Centrode Artes Humanidades e Le-tras da Universidade Federaldo Recocircncavo da Bahiacampus de Cachoeira e noPrograma de Poacutes-Graduaccedilatildeoem Ciecircncias Sociais da mes-ma universidade VisitingScholar no African amp Afri-can Diaspora DepartmentStudies da Universidade doTexas em Austin (CAPES)

ldquoBRINCAR JOGAR BOLA MULHERrdquo - A DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL E A ETNOGRAFIA DAS MASCULINI-

DADES NO RECOcircNCAVO DA BAHIA 1

Resumo Este artigo re 1047298 ete e discute resultados parciais de uma investigaccedilatildeo exploratoacuteria re- alizada nas cidades irmatildes de Cachoeira e Satildeo

Feacutelix no estado brasileiro da Bahia O projeto

em CachoeiraSatildeo Feacutelix foi desenvolvido comoum projeto piloto no qual equipe que coorde- namos entrevistou 12 pares intergeracionaisinterrogando sobre experiecircncias e perspectivasligadas a educaccedilatildeo discriminaccedilatildeo preconceitoe cotidianodesempenho escolar Em virtude denosso interesse particular em questotildees de gecircneroe masculinidade demos determinada in 1047298 exatildeo aanaacutelise que salientasse justamente a conexatildeo de

nossos dados e a discussatildeo desses temasPalavras-chave Desigualdade racial espaccedilo es- colar masculinidades Recocircncavo da Bahia

Abstract This article re 1047298 ects and discusses pre- liminary results of an exploratory investigationin Cachoeira and Satildeo Feacutelix twin cities in Bahiaa Brazilian state The project in CachoeiraSao

Felix was developed as a pilot project in which wecoordinate intergenerational interviews with 12

parentchildren pairs asking about experiencesand perspectives related to education discrimina - tion prejudice and everyday school performance

1 Esse artigo estaacute baseado em apresentaccedilatildeo realizada no Simpoacutesio ldquoCuestionesRaciales En La Era Del Multiculturalismo Perspectivas Desde Colombia

Y Ameacuterica Latinardquo ocorrido durante o XIV Congreso de Antropologiaem Medelliacuten Colocircmbia Agradecemos aos coordenadores Mara Viveros

Vigoya e Sergio Lesmes Espinel a acolhida e os comentaacuterios Discutimosanteriormente o mesmo trabalho no Seminaacuterio ldquoOs Signi1047297cados da Edu-

caccedilatildeo entre Duas Geraccedilotildees Gecircnero Raccedila Desigualdades e Expectativasrdquoocorrido na cidade de Cachoeira Brasil agradecemos os comentaacuterios doscolegas presentes notadamente Carlos Augusto SantrsquoAnna GuimaratildeesRosana Heringer Luiz Flaacutevio Godinho e Georgina Gonccedilalves

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Because of our particular interest in issues of gender and masculinity we stressdetermined in 1047298 ection that precisely emphasized the connection of our data togender and masculinities issuesKey words Racial inequality school space masculinities Reconcavo

of Bahia

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INTRODUCcedilAtildeOEste artigo reflete e discute resultados parciais de uma investigaccedilatildeo explo-ratoacuteria realizada nas cidades irmatildes de Cachoeira e Satildeo Feacutelix no estado

brasileiro da Bahia Tal exploraccedilatildeo fez parte de um esforccedilo multicecircntricode pesquisa coordenado pela Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco (FUNDAJ) oacutergatildeofederal de pesquisa sediado no Recife em Pernambuco Brasil2 O projetode pesquisa ldquoTransmissibilidade Intergeracional Pobreza e DesigualdadeRacial visotildees e percepccedilotildeesrdquo coordenado pela FUNDAJ visava explorar emseis estados do Nordeste brasileiro (a regiatildeo mais pobre e mais negra dopaiacutes) de uma perspectiva qualitativa atenta aos significados socialmenteproduzidos variaccedilotildees e modulaccedilotildees das expectativas sobre a educaccedilatildeopara pais e filhos controlando-se raccedilacor Coube a noacutes realizar a etapa

piloto para o estado da BahiaO projeto em Cachoeira Satildeo Feacutelix foi desenvolvido como um pro-

jeto piloto no qual a equipe que coordenamos entrevistou 12 paresintergeracionais3 interrogando sobre experiecircncias e perspectivas ligadasa educaccedilatildeo discriminaccedilatildeo preconceito e cotidianodesempenho esco-lar De modo que o que aqui brevemente discutimos estaacute referido a esseuniverso empiacuterico Em virtude de nosso interesse particular em questotildeesde gecircnero e masculinidade demos determinada inflexatildeo a anaacutelise que

salientasse justamente a conexatildeo de nossos dados e a discussatildeo dessestemas Os resultados para os outros estados ainda estatildeo sendo analisadose logo seratildeo divulgados pela equipe responsaacutevel na FUNDAJ

A seguir iremos apresentar brevemente dados sobre desigualdades raciaisna sociedade brasileira e no campo da educaccedilatildeo buscando dar ecircnfase nasintersecccedilotildees com desigualdades de gecircnero de modo a pocircr relevo em deter-minadas caracteriacutesticas peculiares do universo masculino nesse contextoFaremos raacutepida discussatildeo conceitual sobre desigualdade de gecircnero assimcomo sobre os significados socialmente construiacutedos para a masculinidadeno Brasil para ao final discutir algo de nossos dados para Cachoeira e SatildeoFeacutelix O nosso trabalho sobre masculinidade raccedila e educaccedilatildeo em Cachoeirae Satildeo Feacutelix deve continuar e necessita aprofundamento mas jaacute nos parececlaro que dimensotildees de gecircnero devem ser consideradas seriamente parainterrogar a formaccedilatildeo das identidades raciais em contextos populares eprincipalmente a correlaccedilatildeo com a formaccedilatildeo dessas identidades e a relaccedilatildeodos jovens com a escola como esperamos poder indicar

2 Agradecemos a generosidade e parceria de Carlos Augusto SantrsquoAnna Guimaratildees um dos coordenadores doprojeto na FUNDAJ e nosso principal interlocutor nesse processo

3 Agradecemos o excelente trabalho dos estudantes da equipe Alane Reis Fred Igor Santiago e Tainara Silva Assim como a Reitoria da UFRB que nos garantiu as condiccedilotildees para a realizaccedilatildeo da pesquisa

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DESIGUALDADE E CULTURA

Como ponto de partida criacutetico mais geral levamos em consideraccedilatildeo de-terminada dualidade ou inconsistecircncia entre o que poderiacuteamos qualificar

como a sociologia da desigualdade racial e a etnografia da cultura negraReconheceriacuteamos como se consolidou certa divisatildeo acadecircmica do trabalhonesse campo Se notadamente com o Ciclo da UNESCO e o convecircnioColumbiaEstado da Bahia nos anos 1950 a sociologia brasileira dedi-cou-se a flagrar com recursos metodoloacutegicos especiacuteficos como o uso deestatiacutesticas e dados agregados padrotildees impessoais de desigualdade que sedescreveriam como de base racial a antropologia caudataacuteria da tradiccedilatildeodos estudos afro-brasileiros dedicou-se nos anos heroicos de formaccedilatildeoda disciplina e ateacute bem pouco tempo atraacutes agrave documentaccedilatildeo de aspectosculturais ndash ou seja estruturas simboacutelicas performa das ndash justamente aquiloque se instituiu canonicamente como Cultura Negra nos anos 30 (Maio1999 Pinho 2007ordf Pinho 2008)

Ora assim enquanto de um ponto de vista quantitativo ou interessadoem grandes estruturas sociais defrontamos-nos com uma sociedadepraticamente dividida em duas pela ldquolinha de corrdquo socioeconocircmica doponto de vista dos estudos antropoloacutegicos ou qualitativos observamos aconfirmaccedilatildeo da perspectiva ecircmica qual seja a prevalecircncia da miscigenaccedilatildeo

como dissolvente de tensotildees sociorraciais a convivecircncia paciacutefica entre ossujeitos racializados e padrotildees flexiacuteveis de relaccedilotildees raciais interpessoaisfavorecidos pelo continuum de cor

Tudo se passa como se a constituiccedilatildeo da ldquodiferenccedilardquo negra como diferenccedilacultural natildeo estivesse implicada na localizaccedilatildeo dos sujeitos sociais negrosconcretos num espaccedilo de lutas e de desigualdade que eacute efetivamente es-truturado Como se a cultura fosse essa entidade eteacuterea ldquoliketheairwebreath rdquo(Foucault citado em Dreyfus and Rabinow 198249) coleccedilatildeo arbitraacuteria de

itens arrolados pelos que se arrogam especialistas culturais (e nesse casopoderiacuteamos incluir natildeo soacute antropoacutelogos mas artistas jornalistas e intelec-tuais num sentido amplo) Como se a oposiccedilatildeo entre cultura e sociedadeou estrutura e praacutetica fosse absoluta e natildeo devedora de determinadaacomodaccedilatildeo epistemoloacutegica corolaacuterio das distinccedilotildees ocidentais da culturacomo malfadadas dicotomias reificadas na divisatildeo do objeto antropoloacutegico

Como aponta Sahlins (1990) no campo da antropologia tais oposiccedilotildeesparecem bem estabelecidas no duplo legado do funcionalismo e do estru-

turalismo que nos faz esquecer da verdadeira natureza da accedilatildeo simboacutelicana qual o conjunto duplo do passado inescapaacutevel e do presente irredutiacutevelmolda as condiccedilotildees pormeio das quais os signos conceitos e categorias satildeo

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atuados praticamente e nas quais os agentes satildeo autores de seus proacutepriosconceitos Sahlins propotildee dessa forma que levemos em conta o que elechama de ldquoestrutura da conjuntura rdquo como uma sociologia de situaccedilatildeo dascategorias culturais que nos permitiria descrever os modos praacuteticos de atu-

accedilatildeo cultural que potildeem em movimento aestrutura social Tal reconciliaccedilatildeofavoreceria uma visatildeo da cultura que influenciada pelos Estudos Culturais(Clarke e Hall 1975) detestados por Sahlins natildeo veria a cultura como odestino inexoraacutevel dos sujeitos mas como o territoacuterio de convergecircncias elutas pondo em relevo seus aspectos histoacutericos e poliacuteticos em oposiccedilatildeo auma visatildeo digamos miacutetica da cultura que a concebe como um conjun-to de elementos a-histoacutericos ordenados segundo princiacutepios estruturaisabstratos Entretanto como diria Paul Gilroy ldquothe terrain of meaning andaction is also a field of historical development trough struggle rdquo (Gilroy 1987 17)

Tal visatildeo miacutetica certamente favorece que releguemos ao negro o papel demero portador da cultura e natildeo de um ser histoacuterico presente nas lutassociais (e culturais) inclusive naquelas que conformam o mesmo campoacadecircmico que o elegeu como objeto Assim tal disposiccedilatildeo criacutetica aindaque eventualmente eivada de imprecisatildeo e voluntarismo aponta um ca-minho para contestaccedilatildeo da referida dualidade

Mas eacute para a referida incongruecircncia ou ponto cego entre a sociologia dasdesigualdades educacionaisraciais e a produccedilatildeo da masculinidade como

accedilatildeo significativa praacutetica que voltamos nosso interesse criacutetico nesse tra-balho para justamente discutir o que chamariacuteamos de enigma masculinono desempenho educacional

ARTICULACcedilOtildeES CONTRADITOacuteRIAS DE RACcedilA E GEcircNERO

Num artigo jaacute claacutessico Fuacutelvia Rosemberg aponta e discute determinadaarticulaccedilotildees contraditoacuterias de raccedila e gecircnero que nos permitem lanccedilarluz sobre as dicotomias apresentadas anteriormente e que nos forccedilam abuscar modelos alternativos para compreensatildeo da reproduccedilatildeo de desi-gualdades sociais flagradas em termos estatiacutesticos mas pouco claras emtermos microssocioloacutegicos

A pergunta de Rosemberg eacute clara e nos serve de guia e provocaccedilatildeo ldquoComo ashierarquias de gecircnero interagem com as de raccedila e classe para produzir um sis-tema educacionaltatildeo excludente como o brasileirordquo (Rosemberg 2001 518)

As respostas disponiacuteveis parecem insuficientes por uma seacuterie de motivosManejam em primeiro lugar o modelo essencialista da ldquodupla desvanta-gemrdquo (ldquoter nascido pobre e mulherrdquo) configurando de modo algo fata-lista e automaacutetico a correlaccedilatildeo entre as desigualdades e notadamente a

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desigualdade educacional e o gecircnero a partir de indicadores que pecampor seu caraacuteter excessivamente geral ou global ou inversamente por suafragmentaccedilatildeo A unilineariedade das anaacutelises baliza aadoccedilatildeo de metasuniformes para poliacuteticas educacionais sem consideraccedilatildeo de variaacuteveis locais

regionais raciais de gecircnero de classe e outras fazendo da dominaccedilatildeo degecircnero taacutebula rasa intransparente a outros determinantes da vida social

Rosemberg insiste ao perguntar a dominaccedilatildeo de gecircnero assume contornosequivalentes em todas as instituiccedilotildees sociais Em todas as fases da vidaSignifica sempre discriminaccedilatildeo contra as mulheres

Devemos incorporar de modo significativo na anaacutelise sem duacutevida a di-ferenccedila registrada de renda entre os grupos de raccedilagecircnero Que como

veremospreserva e revela a persistecircncia de uma distacircncia muito grande

entre a renda dos homens brancos e a dos demais grupos Assim vemosque em 1996 os homens brancos recebiam em meacutedia 176 vezes a maisque as mulheres brancas Em relaccedilatildeo aos homens negros os homens bran-cos recebiam 221 vezes mais A mulher negra apresentava renda meacutedia370 vezes menor que a do homem branco Como podemos ver a seguir4

Tabela 1 - Meacutedia da renda da ocupaccedilatildeo principal1 por sexo segundo corraccedila Brasil 1996 - 2007

CorRaccedila

MASCULINO1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Branca 13261 13393 13159 12115 12122 11775 11185 10961 11392 12384 12783Negra1 5999 5942 5862 5512 5660 5654 5146 5402 5699 6117 6490FEMININO

Branca 7533 7509 7599 7143 7328 7248 6664 6739 7176 7783 7971Negra1 3579 3434 3535 3307 3567 3551 3361 3487 3642 4021 4365

NOTA1 - A popolaccedilatildeo negra eacute composta de pretos e pardosOBS - (1) A PNAD natildeo foi realizada em 2000(2) Em 2004 a PNAD passa a contemplar a populaccedilatildeo rural de Rondocircnia Acre Amazonas Roraima Paraacute e Amapaacute

Como parece claro levando-se em conta os dados natildeo haveria uma correla-ccedilatildeo linear e como os estudos de interseccionalidade apontam (Creenshaw

1995) a articulaccedilatildeo concreta e historicamente consolidada entre raccedila egecircnero natildeo segue um modelo uacutenico cumulativo de desigualdades masapresenta padrotildees diferenciais resultantes da interaccedilatildeo de fatores comple-xos como Rosemberg aponta As mulheres em sociedades multirraciaiscomo a nossa marcadas pelo racismo e pela desigualdade estruturantesatildeo dentre outras coisas membros de grupos sociais racializados e suasrealizaccedilotildees educacionais refletem esses condicionamentos estruturais demodo diferenciais Mas ora e o que se passa com os homens

O que aparece convencionado na literatura como a defasagem dos rapazes

nos indica um padratildeo desigual de desempenho educacional dos homens

4 As tabelas apresentadas foram encontradas em Rosemberg 2001 IPEA 2008 2009

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vis-agrave-vis as mulheres As razotildees para esses resultados configuram a partesocioloacutegica digamos assim do enigma masculino que buscamos interrogarNo que se refere a anos meacutedios de estudos temos observado nas uacuteltimasdeacutecadas um crescimento em geral da taxa para a populaccedilatildeo com um todo

entretanto a partir dos anos 1990 o crescimento masculino perde forccedila e velocidade como vemos na tabela a seguir

Tabela 1 - Anos meacutedios de estudos na populaccedilatildeo de 5 anos e mais por ano e sexo BrasilSexo Ano

1960 1970 1980 1989 1996Masculino 24 25 33 51 57Feminino 19 24 32 49 60TOTAL 24 33 50 59

FONTES Sensos demograacute1047297cos 1970 e 1980 PNADs 1990 e 1996 (apud IPEAPNUD)

Observamos nos anos 1990 periacuteodo do decreacutescimo de crescimento dataxamasculina de anos de estudos uma distribuiccedilatildeo desigual dos sexos cul-minando com uma diferenccedila de quase dois pontos percentuais em 1999o que em tese agregaria maiores possibilidade de renda como vemos naproacutexima tabela

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo de estudantes de 5 anos e mais pelos niacuteveis de ensino e sexo BrasilSEXO ANO

HOMENS MULHERESNiacuteveis de ensino 1992 1999 1992 1999Preacute-escolar 119 94 108 86Fundamental 752 706 730 668

1 a 4 486 397 446 3481 a 8 259 296 275 303Meacutedio 91 150 120 183Superior 37 49 41 64Total 1000 1000 1000 1000

FONTES PNADs 1992 e 1999Incluiacutedos os sem informaccedilatildeo sobre o niacutevel escolar

Os dados da PNAD 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios) nosmostram um retrato mais preciso focado justamente noque chamamos de

defasagem dos rapazes A proporccedilatildeo de defasados na faixa mais elevada deidade nos mostra uma diferenccedila de mais de dez pontos percentuais Ou sejana faixa de 14 anos mais de seis dentre cada dez rapazes estaria defasadona correlaccedilatildeo idadeanos de estudo contra pouco mais de cinco mulheres

Tabela 1 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e idade (10 a 14 anos)DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR FAIXA ETAacuteRIA PARA CADA SEXO ()

IDADE HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES10 ANOS 16 15 414 3311 ANOS 18 176 462 36612 ANOS 21 201 537 41313 ANOS 216 223 582 46714 ANOS 234 242 637 53Total 1000 1000 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

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Tabela 2 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e raccedila (10 a 14 anos)

DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR RACcedilA PARA CADA SEXO ()

RACcedilA HOMENS MULHERES HOMENS MULHERESBranco 332 347 397 324Negro 668 653 625 493TOTAL 100 100 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

Um sem nuacutemero de explicaccedilotildees tem sido arrolado para enfrentar essadificuldade Alguns autores sugerem que no caso haacute o fato de que paispobres insistem mais na educaccedilatildeo dos meninos produzindo maior repe-tecircncia e continuidade do atraso evitando assim a evasatildeo Outros indicam

a entrada precoce no mercado de trabalho das crianccedilas e adolescentes dosexo masculino um argumento muito disseminado e que encontra eco naspercepccedilotildees do senso comum Por razotildees de gecircnero os rapazes precisamdividir o tempo da escola com o tempo do trabalho porque os homensprecisariam constituir-se como provedores e tecircm para o salaacuterio destinaccedilatildeomais urgente que as mulheres que podem em funccedilatildeo dos ideais de gecirc-nero depender economicamente de seu pai ou marido De todo mododiria Rosemberg e outros seguimos lidando com dados pobres diluiacutedos epequena retaguarda de produccedilatildeo acadecircmica confrontando um vale-tudo

de interpretaccedilotildees associadas a percepccedilotildees do senso comum

JUVENTUDE DESIGUAL E TRABALHO DOMEacuteSTICOSegundo dados publicados pelo IPEA no ldquoComunicado da Presidecircncianordm 36 - PNAD 2008 Primeiras Anaacutelises ‐ Juventude ‐ Desigualdade racialrdquo(2009) o jovem adolescente brasileiro (15 a 17 anos) tem diminuiacutedo suaparticipaccedilatildeo no mercado de trabalho Nos uacuteltimos dez anos a taxa de

participaccedilatildeo no mercado de trabalho caiu de 45 em 1998 para 37em 2008 Os homens geralmente mais que as mulheres sofreriam grandepressatildeo para entrarem precocemente no mundo do trabalho Situaccedilatildeo

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

Graacute1047297co 8 - Mulheres - Condiccedilatildeo de Estudo e Trabalho das Jovens de 18 a 24 anos ()

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

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Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

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ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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Because of our particular interest in issues of gender and masculinity we stressdetermined in 1047298 ection that precisely emphasized the connection of our data togender and masculinities issuesKey words Racial inequality school space masculinities Reconcavo

of Bahia

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INTRODUCcedilAtildeOEste artigo reflete e discute resultados parciais de uma investigaccedilatildeo explo-ratoacuteria realizada nas cidades irmatildes de Cachoeira e Satildeo Feacutelix no estado

brasileiro da Bahia Tal exploraccedilatildeo fez parte de um esforccedilo multicecircntricode pesquisa coordenado pela Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco (FUNDAJ) oacutergatildeofederal de pesquisa sediado no Recife em Pernambuco Brasil2 O projetode pesquisa ldquoTransmissibilidade Intergeracional Pobreza e DesigualdadeRacial visotildees e percepccedilotildeesrdquo coordenado pela FUNDAJ visava explorar emseis estados do Nordeste brasileiro (a regiatildeo mais pobre e mais negra dopaiacutes) de uma perspectiva qualitativa atenta aos significados socialmenteproduzidos variaccedilotildees e modulaccedilotildees das expectativas sobre a educaccedilatildeopara pais e filhos controlando-se raccedilacor Coube a noacutes realizar a etapa

piloto para o estado da BahiaO projeto em Cachoeira Satildeo Feacutelix foi desenvolvido como um pro-

jeto piloto no qual a equipe que coordenamos entrevistou 12 paresintergeracionais3 interrogando sobre experiecircncias e perspectivas ligadasa educaccedilatildeo discriminaccedilatildeo preconceito e cotidianodesempenho esco-lar De modo que o que aqui brevemente discutimos estaacute referido a esseuniverso empiacuterico Em virtude de nosso interesse particular em questotildeesde gecircnero e masculinidade demos determinada inflexatildeo a anaacutelise que

salientasse justamente a conexatildeo de nossos dados e a discussatildeo dessestemas Os resultados para os outros estados ainda estatildeo sendo analisadose logo seratildeo divulgados pela equipe responsaacutevel na FUNDAJ

A seguir iremos apresentar brevemente dados sobre desigualdades raciaisna sociedade brasileira e no campo da educaccedilatildeo buscando dar ecircnfase nasintersecccedilotildees com desigualdades de gecircnero de modo a pocircr relevo em deter-minadas caracteriacutesticas peculiares do universo masculino nesse contextoFaremos raacutepida discussatildeo conceitual sobre desigualdade de gecircnero assimcomo sobre os significados socialmente construiacutedos para a masculinidadeno Brasil para ao final discutir algo de nossos dados para Cachoeira e SatildeoFeacutelix O nosso trabalho sobre masculinidade raccedila e educaccedilatildeo em Cachoeirae Satildeo Feacutelix deve continuar e necessita aprofundamento mas jaacute nos parececlaro que dimensotildees de gecircnero devem ser consideradas seriamente parainterrogar a formaccedilatildeo das identidades raciais em contextos populares eprincipalmente a correlaccedilatildeo com a formaccedilatildeo dessas identidades e a relaccedilatildeodos jovens com a escola como esperamos poder indicar

2 Agradecemos a generosidade e parceria de Carlos Augusto SantrsquoAnna Guimaratildees um dos coordenadores doprojeto na FUNDAJ e nosso principal interlocutor nesse processo

3 Agradecemos o excelente trabalho dos estudantes da equipe Alane Reis Fred Igor Santiago e Tainara Silva Assim como a Reitoria da UFRB que nos garantiu as condiccedilotildees para a realizaccedilatildeo da pesquisa

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DESIGUALDADE E CULTURA

Como ponto de partida criacutetico mais geral levamos em consideraccedilatildeo de-terminada dualidade ou inconsistecircncia entre o que poderiacuteamos qualificar

como a sociologia da desigualdade racial e a etnografia da cultura negraReconheceriacuteamos como se consolidou certa divisatildeo acadecircmica do trabalhonesse campo Se notadamente com o Ciclo da UNESCO e o convecircnioColumbiaEstado da Bahia nos anos 1950 a sociologia brasileira dedi-cou-se a flagrar com recursos metodoloacutegicos especiacuteficos como o uso deestatiacutesticas e dados agregados padrotildees impessoais de desigualdade que sedescreveriam como de base racial a antropologia caudataacuteria da tradiccedilatildeodos estudos afro-brasileiros dedicou-se nos anos heroicos de formaccedilatildeoda disciplina e ateacute bem pouco tempo atraacutes agrave documentaccedilatildeo de aspectosculturais ndash ou seja estruturas simboacutelicas performa das ndash justamente aquiloque se instituiu canonicamente como Cultura Negra nos anos 30 (Maio1999 Pinho 2007ordf Pinho 2008)

Ora assim enquanto de um ponto de vista quantitativo ou interessadoem grandes estruturas sociais defrontamos-nos com uma sociedadepraticamente dividida em duas pela ldquolinha de corrdquo socioeconocircmica doponto de vista dos estudos antropoloacutegicos ou qualitativos observamos aconfirmaccedilatildeo da perspectiva ecircmica qual seja a prevalecircncia da miscigenaccedilatildeo

como dissolvente de tensotildees sociorraciais a convivecircncia paciacutefica entre ossujeitos racializados e padrotildees flexiacuteveis de relaccedilotildees raciais interpessoaisfavorecidos pelo continuum de cor

Tudo se passa como se a constituiccedilatildeo da ldquodiferenccedilardquo negra como diferenccedilacultural natildeo estivesse implicada na localizaccedilatildeo dos sujeitos sociais negrosconcretos num espaccedilo de lutas e de desigualdade que eacute efetivamente es-truturado Como se a cultura fosse essa entidade eteacuterea ldquoliketheairwebreath rdquo(Foucault citado em Dreyfus and Rabinow 198249) coleccedilatildeo arbitraacuteria de

itens arrolados pelos que se arrogam especialistas culturais (e nesse casopoderiacuteamos incluir natildeo soacute antropoacutelogos mas artistas jornalistas e intelec-tuais num sentido amplo) Como se a oposiccedilatildeo entre cultura e sociedadeou estrutura e praacutetica fosse absoluta e natildeo devedora de determinadaacomodaccedilatildeo epistemoloacutegica corolaacuterio das distinccedilotildees ocidentais da culturacomo malfadadas dicotomias reificadas na divisatildeo do objeto antropoloacutegico

Como aponta Sahlins (1990) no campo da antropologia tais oposiccedilotildeesparecem bem estabelecidas no duplo legado do funcionalismo e do estru-

turalismo que nos faz esquecer da verdadeira natureza da accedilatildeo simboacutelicana qual o conjunto duplo do passado inescapaacutevel e do presente irredutiacutevelmolda as condiccedilotildees pormeio das quais os signos conceitos e categorias satildeo

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atuados praticamente e nas quais os agentes satildeo autores de seus proacutepriosconceitos Sahlins propotildee dessa forma que levemos em conta o que elechama de ldquoestrutura da conjuntura rdquo como uma sociologia de situaccedilatildeo dascategorias culturais que nos permitiria descrever os modos praacuteticos de atu-

accedilatildeo cultural que potildeem em movimento aestrutura social Tal reconciliaccedilatildeofavoreceria uma visatildeo da cultura que influenciada pelos Estudos Culturais(Clarke e Hall 1975) detestados por Sahlins natildeo veria a cultura como odestino inexoraacutevel dos sujeitos mas como o territoacuterio de convergecircncias elutas pondo em relevo seus aspectos histoacutericos e poliacuteticos em oposiccedilatildeo auma visatildeo digamos miacutetica da cultura que a concebe como um conjun-to de elementos a-histoacutericos ordenados segundo princiacutepios estruturaisabstratos Entretanto como diria Paul Gilroy ldquothe terrain of meaning andaction is also a field of historical development trough struggle rdquo (Gilroy 1987 17)

Tal visatildeo miacutetica certamente favorece que releguemos ao negro o papel demero portador da cultura e natildeo de um ser histoacuterico presente nas lutassociais (e culturais) inclusive naquelas que conformam o mesmo campoacadecircmico que o elegeu como objeto Assim tal disposiccedilatildeo criacutetica aindaque eventualmente eivada de imprecisatildeo e voluntarismo aponta um ca-minho para contestaccedilatildeo da referida dualidade

Mas eacute para a referida incongruecircncia ou ponto cego entre a sociologia dasdesigualdades educacionaisraciais e a produccedilatildeo da masculinidade como

accedilatildeo significativa praacutetica que voltamos nosso interesse criacutetico nesse tra-balho para justamente discutir o que chamariacuteamos de enigma masculinono desempenho educacional

ARTICULACcedilOtildeES CONTRADITOacuteRIAS DE RACcedilA E GEcircNERO

Num artigo jaacute claacutessico Fuacutelvia Rosemberg aponta e discute determinadaarticulaccedilotildees contraditoacuterias de raccedila e gecircnero que nos permitem lanccedilarluz sobre as dicotomias apresentadas anteriormente e que nos forccedilam abuscar modelos alternativos para compreensatildeo da reproduccedilatildeo de desi-gualdades sociais flagradas em termos estatiacutesticos mas pouco claras emtermos microssocioloacutegicos

A pergunta de Rosemberg eacute clara e nos serve de guia e provocaccedilatildeo ldquoComo ashierarquias de gecircnero interagem com as de raccedila e classe para produzir um sis-tema educacionaltatildeo excludente como o brasileirordquo (Rosemberg 2001 518)

As respostas disponiacuteveis parecem insuficientes por uma seacuterie de motivosManejam em primeiro lugar o modelo essencialista da ldquodupla desvanta-gemrdquo (ldquoter nascido pobre e mulherrdquo) configurando de modo algo fata-lista e automaacutetico a correlaccedilatildeo entre as desigualdades e notadamente a

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desigualdade educacional e o gecircnero a partir de indicadores que pecampor seu caraacuteter excessivamente geral ou global ou inversamente por suafragmentaccedilatildeo A unilineariedade das anaacutelises baliza aadoccedilatildeo de metasuniformes para poliacuteticas educacionais sem consideraccedilatildeo de variaacuteveis locais

regionais raciais de gecircnero de classe e outras fazendo da dominaccedilatildeo degecircnero taacutebula rasa intransparente a outros determinantes da vida social

Rosemberg insiste ao perguntar a dominaccedilatildeo de gecircnero assume contornosequivalentes em todas as instituiccedilotildees sociais Em todas as fases da vidaSignifica sempre discriminaccedilatildeo contra as mulheres

Devemos incorporar de modo significativo na anaacutelise sem duacutevida a di-ferenccedila registrada de renda entre os grupos de raccedilagecircnero Que como

veremospreserva e revela a persistecircncia de uma distacircncia muito grande

entre a renda dos homens brancos e a dos demais grupos Assim vemosque em 1996 os homens brancos recebiam em meacutedia 176 vezes a maisque as mulheres brancas Em relaccedilatildeo aos homens negros os homens bran-cos recebiam 221 vezes mais A mulher negra apresentava renda meacutedia370 vezes menor que a do homem branco Como podemos ver a seguir4

Tabela 1 - Meacutedia da renda da ocupaccedilatildeo principal1 por sexo segundo corraccedila Brasil 1996 - 2007

CorRaccedila

MASCULINO1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Branca 13261 13393 13159 12115 12122 11775 11185 10961 11392 12384 12783Negra1 5999 5942 5862 5512 5660 5654 5146 5402 5699 6117 6490FEMININO

Branca 7533 7509 7599 7143 7328 7248 6664 6739 7176 7783 7971Negra1 3579 3434 3535 3307 3567 3551 3361 3487 3642 4021 4365

NOTA1 - A popolaccedilatildeo negra eacute composta de pretos e pardosOBS - (1) A PNAD natildeo foi realizada em 2000(2) Em 2004 a PNAD passa a contemplar a populaccedilatildeo rural de Rondocircnia Acre Amazonas Roraima Paraacute e Amapaacute

Como parece claro levando-se em conta os dados natildeo haveria uma correla-ccedilatildeo linear e como os estudos de interseccionalidade apontam (Creenshaw

1995) a articulaccedilatildeo concreta e historicamente consolidada entre raccedila egecircnero natildeo segue um modelo uacutenico cumulativo de desigualdades masapresenta padrotildees diferenciais resultantes da interaccedilatildeo de fatores comple-xos como Rosemberg aponta As mulheres em sociedades multirraciaiscomo a nossa marcadas pelo racismo e pela desigualdade estruturantesatildeo dentre outras coisas membros de grupos sociais racializados e suasrealizaccedilotildees educacionais refletem esses condicionamentos estruturais demodo diferenciais Mas ora e o que se passa com os homens

O que aparece convencionado na literatura como a defasagem dos rapazes

nos indica um padratildeo desigual de desempenho educacional dos homens

4 As tabelas apresentadas foram encontradas em Rosemberg 2001 IPEA 2008 2009

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vis-agrave-vis as mulheres As razotildees para esses resultados configuram a partesocioloacutegica digamos assim do enigma masculino que buscamos interrogarNo que se refere a anos meacutedios de estudos temos observado nas uacuteltimasdeacutecadas um crescimento em geral da taxa para a populaccedilatildeo com um todo

entretanto a partir dos anos 1990 o crescimento masculino perde forccedila e velocidade como vemos na tabela a seguir

Tabela 1 - Anos meacutedios de estudos na populaccedilatildeo de 5 anos e mais por ano e sexo BrasilSexo Ano

1960 1970 1980 1989 1996Masculino 24 25 33 51 57Feminino 19 24 32 49 60TOTAL 24 33 50 59

FONTES Sensos demograacute1047297cos 1970 e 1980 PNADs 1990 e 1996 (apud IPEAPNUD)

Observamos nos anos 1990 periacuteodo do decreacutescimo de crescimento dataxamasculina de anos de estudos uma distribuiccedilatildeo desigual dos sexos cul-minando com uma diferenccedila de quase dois pontos percentuais em 1999o que em tese agregaria maiores possibilidade de renda como vemos naproacutexima tabela

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo de estudantes de 5 anos e mais pelos niacuteveis de ensino e sexo BrasilSEXO ANO

HOMENS MULHERESNiacuteveis de ensino 1992 1999 1992 1999Preacute-escolar 119 94 108 86Fundamental 752 706 730 668

1 a 4 486 397 446 3481 a 8 259 296 275 303Meacutedio 91 150 120 183Superior 37 49 41 64Total 1000 1000 1000 1000

FONTES PNADs 1992 e 1999Incluiacutedos os sem informaccedilatildeo sobre o niacutevel escolar

Os dados da PNAD 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios) nosmostram um retrato mais preciso focado justamente noque chamamos de

defasagem dos rapazes A proporccedilatildeo de defasados na faixa mais elevada deidade nos mostra uma diferenccedila de mais de dez pontos percentuais Ou sejana faixa de 14 anos mais de seis dentre cada dez rapazes estaria defasadona correlaccedilatildeo idadeanos de estudo contra pouco mais de cinco mulheres

Tabela 1 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e idade (10 a 14 anos)DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR FAIXA ETAacuteRIA PARA CADA SEXO ()

IDADE HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES10 ANOS 16 15 414 3311 ANOS 18 176 462 36612 ANOS 21 201 537 41313 ANOS 216 223 582 46714 ANOS 234 242 637 53Total 1000 1000 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

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$amp$()$+ - 0 amp1(21 3 4546 $73$8$0amp$5 9)4$3$01 $30$30$ 4 5$4 4 734 01 -4lt)=gt - 143A39)3amp 143 (30 4amp+ 48 41 amp3 4 BCD 03amp 1)644 (30E 9)4 -443amp1 )1 $3$0 4gt -3amp 1434E

- 143 347 48741 2 (41 1$E - 0 4gt 143347E 1$ 4 4$ 4amp$1 48E 439)3amp 9)4 1)644 34F7 -443amp1 48741 -GH$1 IDE )-4$E 43amp4amp3amp J9)464303amp 43amp4 143 (30 K4 81E 1)644 (30-443amp1 143 =3$04 4 48741E 4 143 347E -$A 038$7)+ 4061 - $3amp4-4amp4 1$ 48$3 9)4 40-41 )3$6$34$44 4 )amp1amp$1 43)30$ - L41(47

Tabela 2 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e raccedila (10 a 14 anos)

DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR RACcedilA PARA CADA SEXO ()

RACcedilA HOMENS MULHERES HOMENS MULHERESBranco 332 347 397 324Negro 668 653 625 493TOTAL 100 100 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

Um sem nuacutemero de explicaccedilotildees tem sido arrolado para enfrentar essadificuldade Alguns autores sugerem que no caso haacute o fato de que paispobres insistem mais na educaccedilatildeo dos meninos produzindo maior repe-tecircncia e continuidade do atraso evitando assim a evasatildeo Outros indicam

a entrada precoce no mercado de trabalho das crianccedilas e adolescentes dosexo masculino um argumento muito disseminado e que encontra eco naspercepccedilotildees do senso comum Por razotildees de gecircnero os rapazes precisamdividir o tempo da escola com o tempo do trabalho porque os homensprecisariam constituir-se como provedores e tecircm para o salaacuterio destinaccedilatildeomais urgente que as mulheres que podem em funccedilatildeo dos ideais de gecirc-nero depender economicamente de seu pai ou marido De todo mododiria Rosemberg e outros seguimos lidando com dados pobres diluiacutedos epequena retaguarda de produccedilatildeo acadecircmica confrontando um vale-tudo

de interpretaccedilotildees associadas a percepccedilotildees do senso comum

JUVENTUDE DESIGUAL E TRABALHO DOMEacuteSTICOSegundo dados publicados pelo IPEA no ldquoComunicado da Presidecircncianordm 36 - PNAD 2008 Primeiras Anaacutelises ‐ Juventude ‐ Desigualdade racialrdquo(2009) o jovem adolescente brasileiro (15 a 17 anos) tem diminuiacutedo suaparticipaccedilatildeo no mercado de trabalho Nos uacuteltimos dez anos a taxa de

participaccedilatildeo no mercado de trabalho caiu de 45 em 1998 para 37em 2008 Os homens geralmente mais que as mulheres sofreriam grandepressatildeo para entrarem precocemente no mundo do trabalho Situaccedilatildeo

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

Graacute1047297co 8 - Mulheres - Condiccedilatildeo de Estudo e Trabalho das Jovens de 18 a 24 anos ()

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

5

Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

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Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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INTRODUCcedilAtildeOEste artigo reflete e discute resultados parciais de uma investigaccedilatildeo explo-ratoacuteria realizada nas cidades irmatildes de Cachoeira e Satildeo Feacutelix no estado

brasileiro da Bahia Tal exploraccedilatildeo fez parte de um esforccedilo multicecircntricode pesquisa coordenado pela Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco (FUNDAJ) oacutergatildeofederal de pesquisa sediado no Recife em Pernambuco Brasil2 O projetode pesquisa ldquoTransmissibilidade Intergeracional Pobreza e DesigualdadeRacial visotildees e percepccedilotildeesrdquo coordenado pela FUNDAJ visava explorar emseis estados do Nordeste brasileiro (a regiatildeo mais pobre e mais negra dopaiacutes) de uma perspectiva qualitativa atenta aos significados socialmenteproduzidos variaccedilotildees e modulaccedilotildees das expectativas sobre a educaccedilatildeopara pais e filhos controlando-se raccedilacor Coube a noacutes realizar a etapa

piloto para o estado da BahiaO projeto em Cachoeira Satildeo Feacutelix foi desenvolvido como um pro-

jeto piloto no qual a equipe que coordenamos entrevistou 12 paresintergeracionais3 interrogando sobre experiecircncias e perspectivas ligadasa educaccedilatildeo discriminaccedilatildeo preconceito e cotidianodesempenho esco-lar De modo que o que aqui brevemente discutimos estaacute referido a esseuniverso empiacuterico Em virtude de nosso interesse particular em questotildeesde gecircnero e masculinidade demos determinada inflexatildeo a anaacutelise que

salientasse justamente a conexatildeo de nossos dados e a discussatildeo dessestemas Os resultados para os outros estados ainda estatildeo sendo analisadose logo seratildeo divulgados pela equipe responsaacutevel na FUNDAJ

A seguir iremos apresentar brevemente dados sobre desigualdades raciaisna sociedade brasileira e no campo da educaccedilatildeo buscando dar ecircnfase nasintersecccedilotildees com desigualdades de gecircnero de modo a pocircr relevo em deter-minadas caracteriacutesticas peculiares do universo masculino nesse contextoFaremos raacutepida discussatildeo conceitual sobre desigualdade de gecircnero assimcomo sobre os significados socialmente construiacutedos para a masculinidadeno Brasil para ao final discutir algo de nossos dados para Cachoeira e SatildeoFeacutelix O nosso trabalho sobre masculinidade raccedila e educaccedilatildeo em Cachoeirae Satildeo Feacutelix deve continuar e necessita aprofundamento mas jaacute nos parececlaro que dimensotildees de gecircnero devem ser consideradas seriamente parainterrogar a formaccedilatildeo das identidades raciais em contextos populares eprincipalmente a correlaccedilatildeo com a formaccedilatildeo dessas identidades e a relaccedilatildeodos jovens com a escola como esperamos poder indicar

2 Agradecemos a generosidade e parceria de Carlos Augusto SantrsquoAnna Guimaratildees um dos coordenadores doprojeto na FUNDAJ e nosso principal interlocutor nesse processo

3 Agradecemos o excelente trabalho dos estudantes da equipe Alane Reis Fred Igor Santiago e Tainara Silva Assim como a Reitoria da UFRB que nos garantiu as condiccedilotildees para a realizaccedilatildeo da pesquisa

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DESIGUALDADE E CULTURA

Como ponto de partida criacutetico mais geral levamos em consideraccedilatildeo de-terminada dualidade ou inconsistecircncia entre o que poderiacuteamos qualificar

como a sociologia da desigualdade racial e a etnografia da cultura negraReconheceriacuteamos como se consolidou certa divisatildeo acadecircmica do trabalhonesse campo Se notadamente com o Ciclo da UNESCO e o convecircnioColumbiaEstado da Bahia nos anos 1950 a sociologia brasileira dedi-cou-se a flagrar com recursos metodoloacutegicos especiacuteficos como o uso deestatiacutesticas e dados agregados padrotildees impessoais de desigualdade que sedescreveriam como de base racial a antropologia caudataacuteria da tradiccedilatildeodos estudos afro-brasileiros dedicou-se nos anos heroicos de formaccedilatildeoda disciplina e ateacute bem pouco tempo atraacutes agrave documentaccedilatildeo de aspectosculturais ndash ou seja estruturas simboacutelicas performa das ndash justamente aquiloque se instituiu canonicamente como Cultura Negra nos anos 30 (Maio1999 Pinho 2007ordf Pinho 2008)

Ora assim enquanto de um ponto de vista quantitativo ou interessadoem grandes estruturas sociais defrontamos-nos com uma sociedadepraticamente dividida em duas pela ldquolinha de corrdquo socioeconocircmica doponto de vista dos estudos antropoloacutegicos ou qualitativos observamos aconfirmaccedilatildeo da perspectiva ecircmica qual seja a prevalecircncia da miscigenaccedilatildeo

como dissolvente de tensotildees sociorraciais a convivecircncia paciacutefica entre ossujeitos racializados e padrotildees flexiacuteveis de relaccedilotildees raciais interpessoaisfavorecidos pelo continuum de cor

Tudo se passa como se a constituiccedilatildeo da ldquodiferenccedilardquo negra como diferenccedilacultural natildeo estivesse implicada na localizaccedilatildeo dos sujeitos sociais negrosconcretos num espaccedilo de lutas e de desigualdade que eacute efetivamente es-truturado Como se a cultura fosse essa entidade eteacuterea ldquoliketheairwebreath rdquo(Foucault citado em Dreyfus and Rabinow 198249) coleccedilatildeo arbitraacuteria de

itens arrolados pelos que se arrogam especialistas culturais (e nesse casopoderiacuteamos incluir natildeo soacute antropoacutelogos mas artistas jornalistas e intelec-tuais num sentido amplo) Como se a oposiccedilatildeo entre cultura e sociedadeou estrutura e praacutetica fosse absoluta e natildeo devedora de determinadaacomodaccedilatildeo epistemoloacutegica corolaacuterio das distinccedilotildees ocidentais da culturacomo malfadadas dicotomias reificadas na divisatildeo do objeto antropoloacutegico

Como aponta Sahlins (1990) no campo da antropologia tais oposiccedilotildeesparecem bem estabelecidas no duplo legado do funcionalismo e do estru-

turalismo que nos faz esquecer da verdadeira natureza da accedilatildeo simboacutelicana qual o conjunto duplo do passado inescapaacutevel e do presente irredutiacutevelmolda as condiccedilotildees pormeio das quais os signos conceitos e categorias satildeo

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atuados praticamente e nas quais os agentes satildeo autores de seus proacutepriosconceitos Sahlins propotildee dessa forma que levemos em conta o que elechama de ldquoestrutura da conjuntura rdquo como uma sociologia de situaccedilatildeo dascategorias culturais que nos permitiria descrever os modos praacuteticos de atu-

accedilatildeo cultural que potildeem em movimento aestrutura social Tal reconciliaccedilatildeofavoreceria uma visatildeo da cultura que influenciada pelos Estudos Culturais(Clarke e Hall 1975) detestados por Sahlins natildeo veria a cultura como odestino inexoraacutevel dos sujeitos mas como o territoacuterio de convergecircncias elutas pondo em relevo seus aspectos histoacutericos e poliacuteticos em oposiccedilatildeo auma visatildeo digamos miacutetica da cultura que a concebe como um conjun-to de elementos a-histoacutericos ordenados segundo princiacutepios estruturaisabstratos Entretanto como diria Paul Gilroy ldquothe terrain of meaning andaction is also a field of historical development trough struggle rdquo (Gilroy 1987 17)

Tal visatildeo miacutetica certamente favorece que releguemos ao negro o papel demero portador da cultura e natildeo de um ser histoacuterico presente nas lutassociais (e culturais) inclusive naquelas que conformam o mesmo campoacadecircmico que o elegeu como objeto Assim tal disposiccedilatildeo criacutetica aindaque eventualmente eivada de imprecisatildeo e voluntarismo aponta um ca-minho para contestaccedilatildeo da referida dualidade

Mas eacute para a referida incongruecircncia ou ponto cego entre a sociologia dasdesigualdades educacionaisraciais e a produccedilatildeo da masculinidade como

accedilatildeo significativa praacutetica que voltamos nosso interesse criacutetico nesse tra-balho para justamente discutir o que chamariacuteamos de enigma masculinono desempenho educacional

ARTICULACcedilOtildeES CONTRADITOacuteRIAS DE RACcedilA E GEcircNERO

Num artigo jaacute claacutessico Fuacutelvia Rosemberg aponta e discute determinadaarticulaccedilotildees contraditoacuterias de raccedila e gecircnero que nos permitem lanccedilarluz sobre as dicotomias apresentadas anteriormente e que nos forccedilam abuscar modelos alternativos para compreensatildeo da reproduccedilatildeo de desi-gualdades sociais flagradas em termos estatiacutesticos mas pouco claras emtermos microssocioloacutegicos

A pergunta de Rosemberg eacute clara e nos serve de guia e provocaccedilatildeo ldquoComo ashierarquias de gecircnero interagem com as de raccedila e classe para produzir um sis-tema educacionaltatildeo excludente como o brasileirordquo (Rosemberg 2001 518)

As respostas disponiacuteveis parecem insuficientes por uma seacuterie de motivosManejam em primeiro lugar o modelo essencialista da ldquodupla desvanta-gemrdquo (ldquoter nascido pobre e mulherrdquo) configurando de modo algo fata-lista e automaacutetico a correlaccedilatildeo entre as desigualdades e notadamente a

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desigualdade educacional e o gecircnero a partir de indicadores que pecampor seu caraacuteter excessivamente geral ou global ou inversamente por suafragmentaccedilatildeo A unilineariedade das anaacutelises baliza aadoccedilatildeo de metasuniformes para poliacuteticas educacionais sem consideraccedilatildeo de variaacuteveis locais

regionais raciais de gecircnero de classe e outras fazendo da dominaccedilatildeo degecircnero taacutebula rasa intransparente a outros determinantes da vida social

Rosemberg insiste ao perguntar a dominaccedilatildeo de gecircnero assume contornosequivalentes em todas as instituiccedilotildees sociais Em todas as fases da vidaSignifica sempre discriminaccedilatildeo contra as mulheres

Devemos incorporar de modo significativo na anaacutelise sem duacutevida a di-ferenccedila registrada de renda entre os grupos de raccedilagecircnero Que como

veremospreserva e revela a persistecircncia de uma distacircncia muito grande

entre a renda dos homens brancos e a dos demais grupos Assim vemosque em 1996 os homens brancos recebiam em meacutedia 176 vezes a maisque as mulheres brancas Em relaccedilatildeo aos homens negros os homens bran-cos recebiam 221 vezes mais A mulher negra apresentava renda meacutedia370 vezes menor que a do homem branco Como podemos ver a seguir4

Tabela 1 - Meacutedia da renda da ocupaccedilatildeo principal1 por sexo segundo corraccedila Brasil 1996 - 2007

CorRaccedila

MASCULINO1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Branca 13261 13393 13159 12115 12122 11775 11185 10961 11392 12384 12783Negra1 5999 5942 5862 5512 5660 5654 5146 5402 5699 6117 6490FEMININO

Branca 7533 7509 7599 7143 7328 7248 6664 6739 7176 7783 7971Negra1 3579 3434 3535 3307 3567 3551 3361 3487 3642 4021 4365

NOTA1 - A popolaccedilatildeo negra eacute composta de pretos e pardosOBS - (1) A PNAD natildeo foi realizada em 2000(2) Em 2004 a PNAD passa a contemplar a populaccedilatildeo rural de Rondocircnia Acre Amazonas Roraima Paraacute e Amapaacute

Como parece claro levando-se em conta os dados natildeo haveria uma correla-ccedilatildeo linear e como os estudos de interseccionalidade apontam (Creenshaw

1995) a articulaccedilatildeo concreta e historicamente consolidada entre raccedila egecircnero natildeo segue um modelo uacutenico cumulativo de desigualdades masapresenta padrotildees diferenciais resultantes da interaccedilatildeo de fatores comple-xos como Rosemberg aponta As mulheres em sociedades multirraciaiscomo a nossa marcadas pelo racismo e pela desigualdade estruturantesatildeo dentre outras coisas membros de grupos sociais racializados e suasrealizaccedilotildees educacionais refletem esses condicionamentos estruturais demodo diferenciais Mas ora e o que se passa com os homens

O que aparece convencionado na literatura como a defasagem dos rapazes

nos indica um padratildeo desigual de desempenho educacional dos homens

4 As tabelas apresentadas foram encontradas em Rosemberg 2001 IPEA 2008 2009

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vis-agrave-vis as mulheres As razotildees para esses resultados configuram a partesocioloacutegica digamos assim do enigma masculino que buscamos interrogarNo que se refere a anos meacutedios de estudos temos observado nas uacuteltimasdeacutecadas um crescimento em geral da taxa para a populaccedilatildeo com um todo

entretanto a partir dos anos 1990 o crescimento masculino perde forccedila e velocidade como vemos na tabela a seguir

Tabela 1 - Anos meacutedios de estudos na populaccedilatildeo de 5 anos e mais por ano e sexo BrasilSexo Ano

1960 1970 1980 1989 1996Masculino 24 25 33 51 57Feminino 19 24 32 49 60TOTAL 24 33 50 59

FONTES Sensos demograacute1047297cos 1970 e 1980 PNADs 1990 e 1996 (apud IPEAPNUD)

Observamos nos anos 1990 periacuteodo do decreacutescimo de crescimento dataxamasculina de anos de estudos uma distribuiccedilatildeo desigual dos sexos cul-minando com uma diferenccedila de quase dois pontos percentuais em 1999o que em tese agregaria maiores possibilidade de renda como vemos naproacutexima tabela

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo de estudantes de 5 anos e mais pelos niacuteveis de ensino e sexo BrasilSEXO ANO

HOMENS MULHERESNiacuteveis de ensino 1992 1999 1992 1999Preacute-escolar 119 94 108 86Fundamental 752 706 730 668

1 a 4 486 397 446 3481 a 8 259 296 275 303Meacutedio 91 150 120 183Superior 37 49 41 64Total 1000 1000 1000 1000

FONTES PNADs 1992 e 1999Incluiacutedos os sem informaccedilatildeo sobre o niacutevel escolar

Os dados da PNAD 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios) nosmostram um retrato mais preciso focado justamente noque chamamos de

defasagem dos rapazes A proporccedilatildeo de defasados na faixa mais elevada deidade nos mostra uma diferenccedila de mais de dez pontos percentuais Ou sejana faixa de 14 anos mais de seis dentre cada dez rapazes estaria defasadona correlaccedilatildeo idadeanos de estudo contra pouco mais de cinco mulheres

Tabela 1 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e idade (10 a 14 anos)DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR FAIXA ETAacuteRIA PARA CADA SEXO ()

IDADE HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES10 ANOS 16 15 414 3311 ANOS 18 176 462 36612 ANOS 21 201 537 41313 ANOS 216 223 582 46714 ANOS 234 242 637 53Total 1000 1000 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

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Tabela 2 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e raccedila (10 a 14 anos)

DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR RACcedilA PARA CADA SEXO ()

RACcedilA HOMENS MULHERES HOMENS MULHERESBranco 332 347 397 324Negro 668 653 625 493TOTAL 100 100 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

Um sem nuacutemero de explicaccedilotildees tem sido arrolado para enfrentar essadificuldade Alguns autores sugerem que no caso haacute o fato de que paispobres insistem mais na educaccedilatildeo dos meninos produzindo maior repe-tecircncia e continuidade do atraso evitando assim a evasatildeo Outros indicam

a entrada precoce no mercado de trabalho das crianccedilas e adolescentes dosexo masculino um argumento muito disseminado e que encontra eco naspercepccedilotildees do senso comum Por razotildees de gecircnero os rapazes precisamdividir o tempo da escola com o tempo do trabalho porque os homensprecisariam constituir-se como provedores e tecircm para o salaacuterio destinaccedilatildeomais urgente que as mulheres que podem em funccedilatildeo dos ideais de gecirc-nero depender economicamente de seu pai ou marido De todo mododiria Rosemberg e outros seguimos lidando com dados pobres diluiacutedos epequena retaguarda de produccedilatildeo acadecircmica confrontando um vale-tudo

de interpretaccedilotildees associadas a percepccedilotildees do senso comum

JUVENTUDE DESIGUAL E TRABALHO DOMEacuteSTICOSegundo dados publicados pelo IPEA no ldquoComunicado da Presidecircncianordm 36 - PNAD 2008 Primeiras Anaacutelises ‐ Juventude ‐ Desigualdade racialrdquo(2009) o jovem adolescente brasileiro (15 a 17 anos) tem diminuiacutedo suaparticipaccedilatildeo no mercado de trabalho Nos uacuteltimos dez anos a taxa de

participaccedilatildeo no mercado de trabalho caiu de 45 em 1998 para 37em 2008 Os homens geralmente mais que as mulheres sofreriam grandepressatildeo para entrarem precocemente no mundo do trabalho Situaccedilatildeo

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

Graacute1047297co 8 - Mulheres - Condiccedilatildeo de Estudo e Trabalho das Jovens de 18 a 24 anos ()

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

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Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

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SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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DESIGUALDADE E CULTURA

Como ponto de partida criacutetico mais geral levamos em consideraccedilatildeo de-terminada dualidade ou inconsistecircncia entre o que poderiacuteamos qualificar

como a sociologia da desigualdade racial e a etnografia da cultura negraReconheceriacuteamos como se consolidou certa divisatildeo acadecircmica do trabalhonesse campo Se notadamente com o Ciclo da UNESCO e o convecircnioColumbiaEstado da Bahia nos anos 1950 a sociologia brasileira dedi-cou-se a flagrar com recursos metodoloacutegicos especiacuteficos como o uso deestatiacutesticas e dados agregados padrotildees impessoais de desigualdade que sedescreveriam como de base racial a antropologia caudataacuteria da tradiccedilatildeodos estudos afro-brasileiros dedicou-se nos anos heroicos de formaccedilatildeoda disciplina e ateacute bem pouco tempo atraacutes agrave documentaccedilatildeo de aspectosculturais ndash ou seja estruturas simboacutelicas performa das ndash justamente aquiloque se instituiu canonicamente como Cultura Negra nos anos 30 (Maio1999 Pinho 2007ordf Pinho 2008)

Ora assim enquanto de um ponto de vista quantitativo ou interessadoem grandes estruturas sociais defrontamos-nos com uma sociedadepraticamente dividida em duas pela ldquolinha de corrdquo socioeconocircmica doponto de vista dos estudos antropoloacutegicos ou qualitativos observamos aconfirmaccedilatildeo da perspectiva ecircmica qual seja a prevalecircncia da miscigenaccedilatildeo

como dissolvente de tensotildees sociorraciais a convivecircncia paciacutefica entre ossujeitos racializados e padrotildees flexiacuteveis de relaccedilotildees raciais interpessoaisfavorecidos pelo continuum de cor

Tudo se passa como se a constituiccedilatildeo da ldquodiferenccedilardquo negra como diferenccedilacultural natildeo estivesse implicada na localizaccedilatildeo dos sujeitos sociais negrosconcretos num espaccedilo de lutas e de desigualdade que eacute efetivamente es-truturado Como se a cultura fosse essa entidade eteacuterea ldquoliketheairwebreath rdquo(Foucault citado em Dreyfus and Rabinow 198249) coleccedilatildeo arbitraacuteria de

itens arrolados pelos que se arrogam especialistas culturais (e nesse casopoderiacuteamos incluir natildeo soacute antropoacutelogos mas artistas jornalistas e intelec-tuais num sentido amplo) Como se a oposiccedilatildeo entre cultura e sociedadeou estrutura e praacutetica fosse absoluta e natildeo devedora de determinadaacomodaccedilatildeo epistemoloacutegica corolaacuterio das distinccedilotildees ocidentais da culturacomo malfadadas dicotomias reificadas na divisatildeo do objeto antropoloacutegico

Como aponta Sahlins (1990) no campo da antropologia tais oposiccedilotildeesparecem bem estabelecidas no duplo legado do funcionalismo e do estru-

turalismo que nos faz esquecer da verdadeira natureza da accedilatildeo simboacutelicana qual o conjunto duplo do passado inescapaacutevel e do presente irredutiacutevelmolda as condiccedilotildees pormeio das quais os signos conceitos e categorias satildeo

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atuados praticamente e nas quais os agentes satildeo autores de seus proacutepriosconceitos Sahlins propotildee dessa forma que levemos em conta o que elechama de ldquoestrutura da conjuntura rdquo como uma sociologia de situaccedilatildeo dascategorias culturais que nos permitiria descrever os modos praacuteticos de atu-

accedilatildeo cultural que potildeem em movimento aestrutura social Tal reconciliaccedilatildeofavoreceria uma visatildeo da cultura que influenciada pelos Estudos Culturais(Clarke e Hall 1975) detestados por Sahlins natildeo veria a cultura como odestino inexoraacutevel dos sujeitos mas como o territoacuterio de convergecircncias elutas pondo em relevo seus aspectos histoacutericos e poliacuteticos em oposiccedilatildeo auma visatildeo digamos miacutetica da cultura que a concebe como um conjun-to de elementos a-histoacutericos ordenados segundo princiacutepios estruturaisabstratos Entretanto como diria Paul Gilroy ldquothe terrain of meaning andaction is also a field of historical development trough struggle rdquo (Gilroy 1987 17)

Tal visatildeo miacutetica certamente favorece que releguemos ao negro o papel demero portador da cultura e natildeo de um ser histoacuterico presente nas lutassociais (e culturais) inclusive naquelas que conformam o mesmo campoacadecircmico que o elegeu como objeto Assim tal disposiccedilatildeo criacutetica aindaque eventualmente eivada de imprecisatildeo e voluntarismo aponta um ca-minho para contestaccedilatildeo da referida dualidade

Mas eacute para a referida incongruecircncia ou ponto cego entre a sociologia dasdesigualdades educacionaisraciais e a produccedilatildeo da masculinidade como

accedilatildeo significativa praacutetica que voltamos nosso interesse criacutetico nesse tra-balho para justamente discutir o que chamariacuteamos de enigma masculinono desempenho educacional

ARTICULACcedilOtildeES CONTRADITOacuteRIAS DE RACcedilA E GEcircNERO

Num artigo jaacute claacutessico Fuacutelvia Rosemberg aponta e discute determinadaarticulaccedilotildees contraditoacuterias de raccedila e gecircnero que nos permitem lanccedilarluz sobre as dicotomias apresentadas anteriormente e que nos forccedilam abuscar modelos alternativos para compreensatildeo da reproduccedilatildeo de desi-gualdades sociais flagradas em termos estatiacutesticos mas pouco claras emtermos microssocioloacutegicos

A pergunta de Rosemberg eacute clara e nos serve de guia e provocaccedilatildeo ldquoComo ashierarquias de gecircnero interagem com as de raccedila e classe para produzir um sis-tema educacionaltatildeo excludente como o brasileirordquo (Rosemberg 2001 518)

As respostas disponiacuteveis parecem insuficientes por uma seacuterie de motivosManejam em primeiro lugar o modelo essencialista da ldquodupla desvanta-gemrdquo (ldquoter nascido pobre e mulherrdquo) configurando de modo algo fata-lista e automaacutetico a correlaccedilatildeo entre as desigualdades e notadamente a

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desigualdade educacional e o gecircnero a partir de indicadores que pecampor seu caraacuteter excessivamente geral ou global ou inversamente por suafragmentaccedilatildeo A unilineariedade das anaacutelises baliza aadoccedilatildeo de metasuniformes para poliacuteticas educacionais sem consideraccedilatildeo de variaacuteveis locais

regionais raciais de gecircnero de classe e outras fazendo da dominaccedilatildeo degecircnero taacutebula rasa intransparente a outros determinantes da vida social

Rosemberg insiste ao perguntar a dominaccedilatildeo de gecircnero assume contornosequivalentes em todas as instituiccedilotildees sociais Em todas as fases da vidaSignifica sempre discriminaccedilatildeo contra as mulheres

Devemos incorporar de modo significativo na anaacutelise sem duacutevida a di-ferenccedila registrada de renda entre os grupos de raccedilagecircnero Que como

veremospreserva e revela a persistecircncia de uma distacircncia muito grande

entre a renda dos homens brancos e a dos demais grupos Assim vemosque em 1996 os homens brancos recebiam em meacutedia 176 vezes a maisque as mulheres brancas Em relaccedilatildeo aos homens negros os homens bran-cos recebiam 221 vezes mais A mulher negra apresentava renda meacutedia370 vezes menor que a do homem branco Como podemos ver a seguir4

Tabela 1 - Meacutedia da renda da ocupaccedilatildeo principal1 por sexo segundo corraccedila Brasil 1996 - 2007

CorRaccedila

MASCULINO1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Branca 13261 13393 13159 12115 12122 11775 11185 10961 11392 12384 12783Negra1 5999 5942 5862 5512 5660 5654 5146 5402 5699 6117 6490FEMININO

Branca 7533 7509 7599 7143 7328 7248 6664 6739 7176 7783 7971Negra1 3579 3434 3535 3307 3567 3551 3361 3487 3642 4021 4365

NOTA1 - A popolaccedilatildeo negra eacute composta de pretos e pardosOBS - (1) A PNAD natildeo foi realizada em 2000(2) Em 2004 a PNAD passa a contemplar a populaccedilatildeo rural de Rondocircnia Acre Amazonas Roraima Paraacute e Amapaacute

Como parece claro levando-se em conta os dados natildeo haveria uma correla-ccedilatildeo linear e como os estudos de interseccionalidade apontam (Creenshaw

1995) a articulaccedilatildeo concreta e historicamente consolidada entre raccedila egecircnero natildeo segue um modelo uacutenico cumulativo de desigualdades masapresenta padrotildees diferenciais resultantes da interaccedilatildeo de fatores comple-xos como Rosemberg aponta As mulheres em sociedades multirraciaiscomo a nossa marcadas pelo racismo e pela desigualdade estruturantesatildeo dentre outras coisas membros de grupos sociais racializados e suasrealizaccedilotildees educacionais refletem esses condicionamentos estruturais demodo diferenciais Mas ora e o que se passa com os homens

O que aparece convencionado na literatura como a defasagem dos rapazes

nos indica um padratildeo desigual de desempenho educacional dos homens

4 As tabelas apresentadas foram encontradas em Rosemberg 2001 IPEA 2008 2009

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vis-agrave-vis as mulheres As razotildees para esses resultados configuram a partesocioloacutegica digamos assim do enigma masculino que buscamos interrogarNo que se refere a anos meacutedios de estudos temos observado nas uacuteltimasdeacutecadas um crescimento em geral da taxa para a populaccedilatildeo com um todo

entretanto a partir dos anos 1990 o crescimento masculino perde forccedila e velocidade como vemos na tabela a seguir

Tabela 1 - Anos meacutedios de estudos na populaccedilatildeo de 5 anos e mais por ano e sexo BrasilSexo Ano

1960 1970 1980 1989 1996Masculino 24 25 33 51 57Feminino 19 24 32 49 60TOTAL 24 33 50 59

FONTES Sensos demograacute1047297cos 1970 e 1980 PNADs 1990 e 1996 (apud IPEAPNUD)

Observamos nos anos 1990 periacuteodo do decreacutescimo de crescimento dataxamasculina de anos de estudos uma distribuiccedilatildeo desigual dos sexos cul-minando com uma diferenccedila de quase dois pontos percentuais em 1999o que em tese agregaria maiores possibilidade de renda como vemos naproacutexima tabela

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo de estudantes de 5 anos e mais pelos niacuteveis de ensino e sexo BrasilSEXO ANO

HOMENS MULHERESNiacuteveis de ensino 1992 1999 1992 1999Preacute-escolar 119 94 108 86Fundamental 752 706 730 668

1 a 4 486 397 446 3481 a 8 259 296 275 303Meacutedio 91 150 120 183Superior 37 49 41 64Total 1000 1000 1000 1000

FONTES PNADs 1992 e 1999Incluiacutedos os sem informaccedilatildeo sobre o niacutevel escolar

Os dados da PNAD 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios) nosmostram um retrato mais preciso focado justamente noque chamamos de

defasagem dos rapazes A proporccedilatildeo de defasados na faixa mais elevada deidade nos mostra uma diferenccedila de mais de dez pontos percentuais Ou sejana faixa de 14 anos mais de seis dentre cada dez rapazes estaria defasadona correlaccedilatildeo idadeanos de estudo contra pouco mais de cinco mulheres

Tabela 1 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e idade (10 a 14 anos)DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR FAIXA ETAacuteRIA PARA CADA SEXO ()

IDADE HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES10 ANOS 16 15 414 3311 ANOS 18 176 462 36612 ANOS 21 201 537 41313 ANOS 216 223 582 46714 ANOS 234 242 637 53Total 1000 1000 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

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$amp$()$+ - 0 amp1(21 3 4546 $73$8$0amp$5 9)4$3$01 $30$30$ 4 5$4 4 734 01 -4lt)=gt - 143A39)3amp 143 (30 4amp+ 48 41 amp3 4 BCD 03amp 1)644 (30E 9)4 -443amp1 )1 $3$0 4gt -3amp 1434E

- 143 347 48741 2 (41 1$E - 0 4gt 143347E 1$ 4 4$ 4amp$1 48E 439)3amp 9)4 1)644 34F7 -443amp1 48741 -GH$1 IDE )-4$E 43amp4amp3amp J9)464303amp 43amp4 143 (30 K4 81E 1)644 (30-443amp1 143 =3$04 4 48741E 4 143 347E -$A 038$7)+ 4061 - $3amp4-4amp4 1$ 48$3 9)4 40-41 )3$6$34$44 4 )amp1amp$1 43)30$ - L41(47

Tabela 2 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e raccedila (10 a 14 anos)

DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR RACcedilA PARA CADA SEXO ()

RACcedilA HOMENS MULHERES HOMENS MULHERESBranco 332 347 397 324Negro 668 653 625 493TOTAL 100 100 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

Um sem nuacutemero de explicaccedilotildees tem sido arrolado para enfrentar essadificuldade Alguns autores sugerem que no caso haacute o fato de que paispobres insistem mais na educaccedilatildeo dos meninos produzindo maior repe-tecircncia e continuidade do atraso evitando assim a evasatildeo Outros indicam

a entrada precoce no mercado de trabalho das crianccedilas e adolescentes dosexo masculino um argumento muito disseminado e que encontra eco naspercepccedilotildees do senso comum Por razotildees de gecircnero os rapazes precisamdividir o tempo da escola com o tempo do trabalho porque os homensprecisariam constituir-se como provedores e tecircm para o salaacuterio destinaccedilatildeomais urgente que as mulheres que podem em funccedilatildeo dos ideais de gecirc-nero depender economicamente de seu pai ou marido De todo mododiria Rosemberg e outros seguimos lidando com dados pobres diluiacutedos epequena retaguarda de produccedilatildeo acadecircmica confrontando um vale-tudo

de interpretaccedilotildees associadas a percepccedilotildees do senso comum

JUVENTUDE DESIGUAL E TRABALHO DOMEacuteSTICOSegundo dados publicados pelo IPEA no ldquoComunicado da Presidecircncianordm 36 - PNAD 2008 Primeiras Anaacutelises ‐ Juventude ‐ Desigualdade racialrdquo(2009) o jovem adolescente brasileiro (15 a 17 anos) tem diminuiacutedo suaparticipaccedilatildeo no mercado de trabalho Nos uacuteltimos dez anos a taxa de

participaccedilatildeo no mercado de trabalho caiu de 45 em 1998 para 37em 2008 Os homens geralmente mais que as mulheres sofreriam grandepressatildeo para entrarem precocemente no mundo do trabalho Situaccedilatildeo

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

Graacute1047297co 8 - Mulheres - Condiccedilatildeo de Estudo e Trabalho das Jovens de 18 a 24 anos ()

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

5

Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

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SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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atuados praticamente e nas quais os agentes satildeo autores de seus proacutepriosconceitos Sahlins propotildee dessa forma que levemos em conta o que elechama de ldquoestrutura da conjuntura rdquo como uma sociologia de situaccedilatildeo dascategorias culturais que nos permitiria descrever os modos praacuteticos de atu-

accedilatildeo cultural que potildeem em movimento aestrutura social Tal reconciliaccedilatildeofavoreceria uma visatildeo da cultura que influenciada pelos Estudos Culturais(Clarke e Hall 1975) detestados por Sahlins natildeo veria a cultura como odestino inexoraacutevel dos sujeitos mas como o territoacuterio de convergecircncias elutas pondo em relevo seus aspectos histoacutericos e poliacuteticos em oposiccedilatildeo auma visatildeo digamos miacutetica da cultura que a concebe como um conjun-to de elementos a-histoacutericos ordenados segundo princiacutepios estruturaisabstratos Entretanto como diria Paul Gilroy ldquothe terrain of meaning andaction is also a field of historical development trough struggle rdquo (Gilroy 1987 17)

Tal visatildeo miacutetica certamente favorece que releguemos ao negro o papel demero portador da cultura e natildeo de um ser histoacuterico presente nas lutassociais (e culturais) inclusive naquelas que conformam o mesmo campoacadecircmico que o elegeu como objeto Assim tal disposiccedilatildeo criacutetica aindaque eventualmente eivada de imprecisatildeo e voluntarismo aponta um ca-minho para contestaccedilatildeo da referida dualidade

Mas eacute para a referida incongruecircncia ou ponto cego entre a sociologia dasdesigualdades educacionaisraciais e a produccedilatildeo da masculinidade como

accedilatildeo significativa praacutetica que voltamos nosso interesse criacutetico nesse tra-balho para justamente discutir o que chamariacuteamos de enigma masculinono desempenho educacional

ARTICULACcedilOtildeES CONTRADITOacuteRIAS DE RACcedilA E GEcircNERO

Num artigo jaacute claacutessico Fuacutelvia Rosemberg aponta e discute determinadaarticulaccedilotildees contraditoacuterias de raccedila e gecircnero que nos permitem lanccedilarluz sobre as dicotomias apresentadas anteriormente e que nos forccedilam abuscar modelos alternativos para compreensatildeo da reproduccedilatildeo de desi-gualdades sociais flagradas em termos estatiacutesticos mas pouco claras emtermos microssocioloacutegicos

A pergunta de Rosemberg eacute clara e nos serve de guia e provocaccedilatildeo ldquoComo ashierarquias de gecircnero interagem com as de raccedila e classe para produzir um sis-tema educacionaltatildeo excludente como o brasileirordquo (Rosemberg 2001 518)

As respostas disponiacuteveis parecem insuficientes por uma seacuterie de motivosManejam em primeiro lugar o modelo essencialista da ldquodupla desvanta-gemrdquo (ldquoter nascido pobre e mulherrdquo) configurando de modo algo fata-lista e automaacutetico a correlaccedilatildeo entre as desigualdades e notadamente a

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desigualdade educacional e o gecircnero a partir de indicadores que pecampor seu caraacuteter excessivamente geral ou global ou inversamente por suafragmentaccedilatildeo A unilineariedade das anaacutelises baliza aadoccedilatildeo de metasuniformes para poliacuteticas educacionais sem consideraccedilatildeo de variaacuteveis locais

regionais raciais de gecircnero de classe e outras fazendo da dominaccedilatildeo degecircnero taacutebula rasa intransparente a outros determinantes da vida social

Rosemberg insiste ao perguntar a dominaccedilatildeo de gecircnero assume contornosequivalentes em todas as instituiccedilotildees sociais Em todas as fases da vidaSignifica sempre discriminaccedilatildeo contra as mulheres

Devemos incorporar de modo significativo na anaacutelise sem duacutevida a di-ferenccedila registrada de renda entre os grupos de raccedilagecircnero Que como

veremospreserva e revela a persistecircncia de uma distacircncia muito grande

entre a renda dos homens brancos e a dos demais grupos Assim vemosque em 1996 os homens brancos recebiam em meacutedia 176 vezes a maisque as mulheres brancas Em relaccedilatildeo aos homens negros os homens bran-cos recebiam 221 vezes mais A mulher negra apresentava renda meacutedia370 vezes menor que a do homem branco Como podemos ver a seguir4

Tabela 1 - Meacutedia da renda da ocupaccedilatildeo principal1 por sexo segundo corraccedila Brasil 1996 - 2007

CorRaccedila

MASCULINO1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Branca 13261 13393 13159 12115 12122 11775 11185 10961 11392 12384 12783Negra1 5999 5942 5862 5512 5660 5654 5146 5402 5699 6117 6490FEMININO

Branca 7533 7509 7599 7143 7328 7248 6664 6739 7176 7783 7971Negra1 3579 3434 3535 3307 3567 3551 3361 3487 3642 4021 4365

NOTA1 - A popolaccedilatildeo negra eacute composta de pretos e pardosOBS - (1) A PNAD natildeo foi realizada em 2000(2) Em 2004 a PNAD passa a contemplar a populaccedilatildeo rural de Rondocircnia Acre Amazonas Roraima Paraacute e Amapaacute

Como parece claro levando-se em conta os dados natildeo haveria uma correla-ccedilatildeo linear e como os estudos de interseccionalidade apontam (Creenshaw

1995) a articulaccedilatildeo concreta e historicamente consolidada entre raccedila egecircnero natildeo segue um modelo uacutenico cumulativo de desigualdades masapresenta padrotildees diferenciais resultantes da interaccedilatildeo de fatores comple-xos como Rosemberg aponta As mulheres em sociedades multirraciaiscomo a nossa marcadas pelo racismo e pela desigualdade estruturantesatildeo dentre outras coisas membros de grupos sociais racializados e suasrealizaccedilotildees educacionais refletem esses condicionamentos estruturais demodo diferenciais Mas ora e o que se passa com os homens

O que aparece convencionado na literatura como a defasagem dos rapazes

nos indica um padratildeo desigual de desempenho educacional dos homens

4 As tabelas apresentadas foram encontradas em Rosemberg 2001 IPEA 2008 2009

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vis-agrave-vis as mulheres As razotildees para esses resultados configuram a partesocioloacutegica digamos assim do enigma masculino que buscamos interrogarNo que se refere a anos meacutedios de estudos temos observado nas uacuteltimasdeacutecadas um crescimento em geral da taxa para a populaccedilatildeo com um todo

entretanto a partir dos anos 1990 o crescimento masculino perde forccedila e velocidade como vemos na tabela a seguir

Tabela 1 - Anos meacutedios de estudos na populaccedilatildeo de 5 anos e mais por ano e sexo BrasilSexo Ano

1960 1970 1980 1989 1996Masculino 24 25 33 51 57Feminino 19 24 32 49 60TOTAL 24 33 50 59

FONTES Sensos demograacute1047297cos 1970 e 1980 PNADs 1990 e 1996 (apud IPEAPNUD)

Observamos nos anos 1990 periacuteodo do decreacutescimo de crescimento dataxamasculina de anos de estudos uma distribuiccedilatildeo desigual dos sexos cul-minando com uma diferenccedila de quase dois pontos percentuais em 1999o que em tese agregaria maiores possibilidade de renda como vemos naproacutexima tabela

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo de estudantes de 5 anos e mais pelos niacuteveis de ensino e sexo BrasilSEXO ANO

HOMENS MULHERESNiacuteveis de ensino 1992 1999 1992 1999Preacute-escolar 119 94 108 86Fundamental 752 706 730 668

1 a 4 486 397 446 3481 a 8 259 296 275 303Meacutedio 91 150 120 183Superior 37 49 41 64Total 1000 1000 1000 1000

FONTES PNADs 1992 e 1999Incluiacutedos os sem informaccedilatildeo sobre o niacutevel escolar

Os dados da PNAD 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios) nosmostram um retrato mais preciso focado justamente noque chamamos de

defasagem dos rapazes A proporccedilatildeo de defasados na faixa mais elevada deidade nos mostra uma diferenccedila de mais de dez pontos percentuais Ou sejana faixa de 14 anos mais de seis dentre cada dez rapazes estaria defasadona correlaccedilatildeo idadeanos de estudo contra pouco mais de cinco mulheres

Tabela 1 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e idade (10 a 14 anos)DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR FAIXA ETAacuteRIA PARA CADA SEXO ()

IDADE HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES10 ANOS 16 15 414 3311 ANOS 18 176 462 36612 ANOS 21 201 537 41313 ANOS 216 223 582 46714 ANOS 234 242 637 53Total 1000 1000 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

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Tabela 2 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e raccedila (10 a 14 anos)

DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR RACcedilA PARA CADA SEXO ()

RACcedilA HOMENS MULHERES HOMENS MULHERESBranco 332 347 397 324Negro 668 653 625 493TOTAL 100 100 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

Um sem nuacutemero de explicaccedilotildees tem sido arrolado para enfrentar essadificuldade Alguns autores sugerem que no caso haacute o fato de que paispobres insistem mais na educaccedilatildeo dos meninos produzindo maior repe-tecircncia e continuidade do atraso evitando assim a evasatildeo Outros indicam

a entrada precoce no mercado de trabalho das crianccedilas e adolescentes dosexo masculino um argumento muito disseminado e que encontra eco naspercepccedilotildees do senso comum Por razotildees de gecircnero os rapazes precisamdividir o tempo da escola com o tempo do trabalho porque os homensprecisariam constituir-se como provedores e tecircm para o salaacuterio destinaccedilatildeomais urgente que as mulheres que podem em funccedilatildeo dos ideais de gecirc-nero depender economicamente de seu pai ou marido De todo mododiria Rosemberg e outros seguimos lidando com dados pobres diluiacutedos epequena retaguarda de produccedilatildeo acadecircmica confrontando um vale-tudo

de interpretaccedilotildees associadas a percepccedilotildees do senso comum

JUVENTUDE DESIGUAL E TRABALHO DOMEacuteSTICOSegundo dados publicados pelo IPEA no ldquoComunicado da Presidecircncianordm 36 - PNAD 2008 Primeiras Anaacutelises ‐ Juventude ‐ Desigualdade racialrdquo(2009) o jovem adolescente brasileiro (15 a 17 anos) tem diminuiacutedo suaparticipaccedilatildeo no mercado de trabalho Nos uacuteltimos dez anos a taxa de

participaccedilatildeo no mercado de trabalho caiu de 45 em 1998 para 37em 2008 Os homens geralmente mais que as mulheres sofreriam grandepressatildeo para entrarem precocemente no mundo do trabalho Situaccedilatildeo

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

Graacute1047297co 8 - Mulheres - Condiccedilatildeo de Estudo e Trabalho das Jovens de 18 a 24 anos ()

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

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Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

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ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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desigualdade educacional e o gecircnero a partir de indicadores que pecampor seu caraacuteter excessivamente geral ou global ou inversamente por suafragmentaccedilatildeo A unilineariedade das anaacutelises baliza aadoccedilatildeo de metasuniformes para poliacuteticas educacionais sem consideraccedilatildeo de variaacuteveis locais

regionais raciais de gecircnero de classe e outras fazendo da dominaccedilatildeo degecircnero taacutebula rasa intransparente a outros determinantes da vida social

Rosemberg insiste ao perguntar a dominaccedilatildeo de gecircnero assume contornosequivalentes em todas as instituiccedilotildees sociais Em todas as fases da vidaSignifica sempre discriminaccedilatildeo contra as mulheres

Devemos incorporar de modo significativo na anaacutelise sem duacutevida a di-ferenccedila registrada de renda entre os grupos de raccedilagecircnero Que como

veremospreserva e revela a persistecircncia de uma distacircncia muito grande

entre a renda dos homens brancos e a dos demais grupos Assim vemosque em 1996 os homens brancos recebiam em meacutedia 176 vezes a maisque as mulheres brancas Em relaccedilatildeo aos homens negros os homens bran-cos recebiam 221 vezes mais A mulher negra apresentava renda meacutedia370 vezes menor que a do homem branco Como podemos ver a seguir4

Tabela 1 - Meacutedia da renda da ocupaccedilatildeo principal1 por sexo segundo corraccedila Brasil 1996 - 2007

CorRaccedila

MASCULINO1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Branca 13261 13393 13159 12115 12122 11775 11185 10961 11392 12384 12783Negra1 5999 5942 5862 5512 5660 5654 5146 5402 5699 6117 6490FEMININO

Branca 7533 7509 7599 7143 7328 7248 6664 6739 7176 7783 7971Negra1 3579 3434 3535 3307 3567 3551 3361 3487 3642 4021 4365

NOTA1 - A popolaccedilatildeo negra eacute composta de pretos e pardosOBS - (1) A PNAD natildeo foi realizada em 2000(2) Em 2004 a PNAD passa a contemplar a populaccedilatildeo rural de Rondocircnia Acre Amazonas Roraima Paraacute e Amapaacute

Como parece claro levando-se em conta os dados natildeo haveria uma correla-ccedilatildeo linear e como os estudos de interseccionalidade apontam (Creenshaw

1995) a articulaccedilatildeo concreta e historicamente consolidada entre raccedila egecircnero natildeo segue um modelo uacutenico cumulativo de desigualdades masapresenta padrotildees diferenciais resultantes da interaccedilatildeo de fatores comple-xos como Rosemberg aponta As mulheres em sociedades multirraciaiscomo a nossa marcadas pelo racismo e pela desigualdade estruturantesatildeo dentre outras coisas membros de grupos sociais racializados e suasrealizaccedilotildees educacionais refletem esses condicionamentos estruturais demodo diferenciais Mas ora e o que se passa com os homens

O que aparece convencionado na literatura como a defasagem dos rapazes

nos indica um padratildeo desigual de desempenho educacional dos homens

4 As tabelas apresentadas foram encontradas em Rosemberg 2001 IPEA 2008 2009

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vis-agrave-vis as mulheres As razotildees para esses resultados configuram a partesocioloacutegica digamos assim do enigma masculino que buscamos interrogarNo que se refere a anos meacutedios de estudos temos observado nas uacuteltimasdeacutecadas um crescimento em geral da taxa para a populaccedilatildeo com um todo

entretanto a partir dos anos 1990 o crescimento masculino perde forccedila e velocidade como vemos na tabela a seguir

Tabela 1 - Anos meacutedios de estudos na populaccedilatildeo de 5 anos e mais por ano e sexo BrasilSexo Ano

1960 1970 1980 1989 1996Masculino 24 25 33 51 57Feminino 19 24 32 49 60TOTAL 24 33 50 59

FONTES Sensos demograacute1047297cos 1970 e 1980 PNADs 1990 e 1996 (apud IPEAPNUD)

Observamos nos anos 1990 periacuteodo do decreacutescimo de crescimento dataxamasculina de anos de estudos uma distribuiccedilatildeo desigual dos sexos cul-minando com uma diferenccedila de quase dois pontos percentuais em 1999o que em tese agregaria maiores possibilidade de renda como vemos naproacutexima tabela

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo de estudantes de 5 anos e mais pelos niacuteveis de ensino e sexo BrasilSEXO ANO

HOMENS MULHERESNiacuteveis de ensino 1992 1999 1992 1999Preacute-escolar 119 94 108 86Fundamental 752 706 730 668

1 a 4 486 397 446 3481 a 8 259 296 275 303Meacutedio 91 150 120 183Superior 37 49 41 64Total 1000 1000 1000 1000

FONTES PNADs 1992 e 1999Incluiacutedos os sem informaccedilatildeo sobre o niacutevel escolar

Os dados da PNAD 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios) nosmostram um retrato mais preciso focado justamente noque chamamos de

defasagem dos rapazes A proporccedilatildeo de defasados na faixa mais elevada deidade nos mostra uma diferenccedila de mais de dez pontos percentuais Ou sejana faixa de 14 anos mais de seis dentre cada dez rapazes estaria defasadona correlaccedilatildeo idadeanos de estudo contra pouco mais de cinco mulheres

Tabela 1 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e idade (10 a 14 anos)DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR FAIXA ETAacuteRIA PARA CADA SEXO ()

IDADE HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES10 ANOS 16 15 414 3311 ANOS 18 176 462 36612 ANOS 21 201 537 41313 ANOS 216 223 582 46714 ANOS 234 242 637 53Total 1000 1000 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

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$amp$()$+ - 0 amp1(21 3 4546 $73$8$0amp$5 9)4$3$01 $30$30$ 4 5$4 4 734 01 -4lt)=gt - 143A39)3amp 143 (30 4amp+ 48 41 amp3 4 BCD 03amp 1)644 (30E 9)4 -443amp1 )1 $3$0 4gt -3amp 1434E

- 143 347 48741 2 (41 1$E - 0 4gt 143347E 1$ 4 4$ 4amp$1 48E 439)3amp 9)4 1)644 34F7 -443amp1 48741 -GH$1 IDE )-4$E 43amp4amp3amp J9)464303amp 43amp4 143 (30 K4 81E 1)644 (30-443amp1 143 =3$04 4 48741E 4 143 347E -$A 038$7)+ 4061 - $3amp4-4amp4 1$ 48$3 9)4 40-41 )3$6$34$44 4 )amp1amp$1 43)30$ - L41(47

Tabela 2 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e raccedila (10 a 14 anos)

DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR RACcedilA PARA CADA SEXO ()

RACcedilA HOMENS MULHERES HOMENS MULHERESBranco 332 347 397 324Negro 668 653 625 493TOTAL 100 100 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

Um sem nuacutemero de explicaccedilotildees tem sido arrolado para enfrentar essadificuldade Alguns autores sugerem que no caso haacute o fato de que paispobres insistem mais na educaccedilatildeo dos meninos produzindo maior repe-tecircncia e continuidade do atraso evitando assim a evasatildeo Outros indicam

a entrada precoce no mercado de trabalho das crianccedilas e adolescentes dosexo masculino um argumento muito disseminado e que encontra eco naspercepccedilotildees do senso comum Por razotildees de gecircnero os rapazes precisamdividir o tempo da escola com o tempo do trabalho porque os homensprecisariam constituir-se como provedores e tecircm para o salaacuterio destinaccedilatildeomais urgente que as mulheres que podem em funccedilatildeo dos ideais de gecirc-nero depender economicamente de seu pai ou marido De todo mododiria Rosemberg e outros seguimos lidando com dados pobres diluiacutedos epequena retaguarda de produccedilatildeo acadecircmica confrontando um vale-tudo

de interpretaccedilotildees associadas a percepccedilotildees do senso comum

JUVENTUDE DESIGUAL E TRABALHO DOMEacuteSTICOSegundo dados publicados pelo IPEA no ldquoComunicado da Presidecircncianordm 36 - PNAD 2008 Primeiras Anaacutelises ‐ Juventude ‐ Desigualdade racialrdquo(2009) o jovem adolescente brasileiro (15 a 17 anos) tem diminuiacutedo suaparticipaccedilatildeo no mercado de trabalho Nos uacuteltimos dez anos a taxa de

participaccedilatildeo no mercado de trabalho caiu de 45 em 1998 para 37em 2008 Os homens geralmente mais que as mulheres sofreriam grandepressatildeo para entrarem precocemente no mundo do trabalho Situaccedilatildeo

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

Graacute1047297co 8 - Mulheres - Condiccedilatildeo de Estudo e Trabalho das Jovens de 18 a 24 anos ()

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

5

Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

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CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

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ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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vis-agrave-vis as mulheres As razotildees para esses resultados configuram a partesocioloacutegica digamos assim do enigma masculino que buscamos interrogarNo que se refere a anos meacutedios de estudos temos observado nas uacuteltimasdeacutecadas um crescimento em geral da taxa para a populaccedilatildeo com um todo

entretanto a partir dos anos 1990 o crescimento masculino perde forccedila e velocidade como vemos na tabela a seguir

Tabela 1 - Anos meacutedios de estudos na populaccedilatildeo de 5 anos e mais por ano e sexo BrasilSexo Ano

1960 1970 1980 1989 1996Masculino 24 25 33 51 57Feminino 19 24 32 49 60TOTAL 24 33 50 59

FONTES Sensos demograacute1047297cos 1970 e 1980 PNADs 1990 e 1996 (apud IPEAPNUD)

Observamos nos anos 1990 periacuteodo do decreacutescimo de crescimento dataxamasculina de anos de estudos uma distribuiccedilatildeo desigual dos sexos cul-minando com uma diferenccedila de quase dois pontos percentuais em 1999o que em tese agregaria maiores possibilidade de renda como vemos naproacutexima tabela

Tabela 2 - Distribuiccedilatildeo de estudantes de 5 anos e mais pelos niacuteveis de ensino e sexo BrasilSEXO ANO

HOMENS MULHERESNiacuteveis de ensino 1992 1999 1992 1999Preacute-escolar 119 94 108 86Fundamental 752 706 730 668

1 a 4 486 397 446 3481 a 8 259 296 275 303Meacutedio 91 150 120 183Superior 37 49 41 64Total 1000 1000 1000 1000

FONTES PNADs 1992 e 1999Incluiacutedos os sem informaccedilatildeo sobre o niacutevel escolar

Os dados da PNAD 2006 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios) nosmostram um retrato mais preciso focado justamente noque chamamos de

defasagem dos rapazes A proporccedilatildeo de defasados na faixa mais elevada deidade nos mostra uma diferenccedila de mais de dez pontos percentuais Ou sejana faixa de 14 anos mais de seis dentre cada dez rapazes estaria defasadona correlaccedilatildeo idadeanos de estudo contra pouco mais de cinco mulheres

Tabela 1 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e idade (10 a 14 anos)DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR FAIXA ETAacuteRIA PARA CADA SEXO ()

IDADE HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES10 ANOS 16 15 414 3311 ANOS 18 176 462 36612 ANOS 21 201 537 41313 ANOS 216 223 582 46714 ANOS 234 242 637 53Total 1000 1000 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

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$amp$()$+ - 0 amp1(21 3 4546 $73$8$0amp$5 9)4$3$01 $30$30$ 4 5$4 4 734 01 -4lt)=gt - 143A39)3amp 143 (30 4amp+ 48 41 amp3 4 BCD 03amp 1)644 (30E 9)4 -443amp1 )1 $3$0 4gt -3amp 1434E

- 143 347 48741 2 (41 1$E - 0 4gt 143347E 1$ 4 4$ 4amp$1 48E 439)3amp 9)4 1)644 34F7 -443amp1 48741 -GH$1 IDE )-4$E 43amp4amp3amp J9)464303amp 43amp4 143 (30 K4 81E 1)644 (30-443amp1 143 =3$04 4 48741E 4 143 347E -$A 038$7)+ 4061 - $3amp4-4amp4 1$ 48$3 9)4 40-41 )3$6$34$44 4 )amp1amp$1 43)30$ - L41(47

Tabela 2 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e raccedila (10 a 14 anos)

DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR RACcedilA PARA CADA SEXO ()

RACcedilA HOMENS MULHERES HOMENS MULHERESBranco 332 347 397 324Negro 668 653 625 493TOTAL 100 100 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

Um sem nuacutemero de explicaccedilotildees tem sido arrolado para enfrentar essadificuldade Alguns autores sugerem que no caso haacute o fato de que paispobres insistem mais na educaccedilatildeo dos meninos produzindo maior repe-tecircncia e continuidade do atraso evitando assim a evasatildeo Outros indicam

a entrada precoce no mercado de trabalho das crianccedilas e adolescentes dosexo masculino um argumento muito disseminado e que encontra eco naspercepccedilotildees do senso comum Por razotildees de gecircnero os rapazes precisamdividir o tempo da escola com o tempo do trabalho porque os homensprecisariam constituir-se como provedores e tecircm para o salaacuterio destinaccedilatildeomais urgente que as mulheres que podem em funccedilatildeo dos ideais de gecirc-nero depender economicamente de seu pai ou marido De todo mododiria Rosemberg e outros seguimos lidando com dados pobres diluiacutedos epequena retaguarda de produccedilatildeo acadecircmica confrontando um vale-tudo

de interpretaccedilotildees associadas a percepccedilotildees do senso comum

JUVENTUDE DESIGUAL E TRABALHO DOMEacuteSTICOSegundo dados publicados pelo IPEA no ldquoComunicado da Presidecircncianordm 36 - PNAD 2008 Primeiras Anaacutelises ‐ Juventude ‐ Desigualdade racialrdquo(2009) o jovem adolescente brasileiro (15 a 17 anos) tem diminuiacutedo suaparticipaccedilatildeo no mercado de trabalho Nos uacuteltimos dez anos a taxa de

participaccedilatildeo no mercado de trabalho caiu de 45 em 1998 para 37em 2008 Os homens geralmente mais que as mulheres sofreriam grandepressatildeo para entrarem precocemente no mundo do trabalho Situaccedilatildeo

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

Graacute1047297co 8 - Mulheres - Condiccedilatildeo de Estudo e Trabalho das Jovens de 18 a 24 anos ()

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

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Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

ALVITO Marcos Homens e Meninos In ______ As Cores de Acari UmaFavela Carioca Rio de Janeiro Editora FGV 2001 p 219-260

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CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

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KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

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ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

Page 8: “Brincar, Jogar Bola, mulher” - a desigualdade racial no Brasil e a etnografia das masculinidades no Recôncavo da Bahia

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Tabela 2 - Defasagem idadeanos de estudo por sexo e raccedila (10 a 14 anos)

DISTRIBUICcedilAtildeO DE DEFASADOS POR SEXO () PROPORCcedilAtildeO DE DEFASADOS POR RACcedilA PARA CADA SEXO ()

RACcedilA HOMENS MULHERES HOMENS MULHERESBranco 332 347 397 324Negro 668 653 625 493TOTAL 100 100 525 417

FONTES Microdados PNAD 2006

Um sem nuacutemero de explicaccedilotildees tem sido arrolado para enfrentar essadificuldade Alguns autores sugerem que no caso haacute o fato de que paispobres insistem mais na educaccedilatildeo dos meninos produzindo maior repe-tecircncia e continuidade do atraso evitando assim a evasatildeo Outros indicam

a entrada precoce no mercado de trabalho das crianccedilas e adolescentes dosexo masculino um argumento muito disseminado e que encontra eco naspercepccedilotildees do senso comum Por razotildees de gecircnero os rapazes precisamdividir o tempo da escola com o tempo do trabalho porque os homensprecisariam constituir-se como provedores e tecircm para o salaacuterio destinaccedilatildeomais urgente que as mulheres que podem em funccedilatildeo dos ideais de gecirc-nero depender economicamente de seu pai ou marido De todo mododiria Rosemberg e outros seguimos lidando com dados pobres diluiacutedos epequena retaguarda de produccedilatildeo acadecircmica confrontando um vale-tudo

de interpretaccedilotildees associadas a percepccedilotildees do senso comum

JUVENTUDE DESIGUAL E TRABALHO DOMEacuteSTICOSegundo dados publicados pelo IPEA no ldquoComunicado da Presidecircncianordm 36 - PNAD 2008 Primeiras Anaacutelises ‐ Juventude ‐ Desigualdade racialrdquo(2009) o jovem adolescente brasileiro (15 a 17 anos) tem diminuiacutedo suaparticipaccedilatildeo no mercado de trabalho Nos uacuteltimos dez anos a taxa de

participaccedilatildeo no mercado de trabalho caiu de 45 em 1998 para 37em 2008 Os homens geralmente mais que as mulheres sofreriam grandepressatildeo para entrarem precocemente no mundo do trabalho Situaccedilatildeo

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

Graacute1047297co 8 - Mulheres - Condiccedilatildeo de Estudo e Trabalho das Jovens de 18 a 24 anos ()

8132019 ldquoBrincar Jogar Bola mulherrdquo - a desigualdade racial no Brasil e a etnografia das masculinidades no Recocircncavo dahellip

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

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Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

ALVITO Marcos Homens e Meninos In ______ As Cores de Acari UmaFavela Carioca Rio de Janeiro Editora FGV 2001 p 219-260

ARTES Ameacutelia Cristina Abreu CARVALHO Mariacutelia Pinto de O trabalhocomo fator determinante da defasagem escolar dos meninos no Brasilmito ou realidade Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010 p 41-74

BRASIL PNUD - Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimentoe pelo Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) Atlas deDesenvolvimento 2003

CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

IPEA Comunicado da Presidecircncia n 36 PNUD 2008 Primeiras Anaacutelises Juventude Desigualdade Racial Brasiacutelia Ipea 2009

KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

e Sauacutede UFRGS n 9 1998 p 103-118

PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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ROSEMBERG Fuacutelvia Educaccedilatildeo Formal Mulher e Gecircnero no BrasilContemporacircneo Estudos Feministas a 9 2 sem 2001

SAHLINS Marshall Estrutura e Histoacuteria In ______ Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 p 172-194

SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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retratada no graacutefico a seguir onde vemos que em dez anos o percentualdos homens jovens que soacute trabalham permaneceu entre 55 pontos per-centuais Dentre todos os jovens dessa categoria os que apenas estudamrepresentam entretanto aproximadamente apenas 10 para todo o

periacuteodo A situaccedilatildeo das mulheres eacute bem diferente Oscila entre 20 e 15o nuacutemero de meninas que apenas estuda e natildeo trabalha

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

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Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

ALVITO Marcos Homens e Meninos In ______ As Cores de Acari UmaFavela Carioca Rio de Janeiro Editora FGV 2001 p 219-260

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BRASIL PNUD - Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimentoe pelo Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) Atlas deDesenvolvimento 2003

CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

IPEA Comunicado da Presidecircncia n 36 PNUD 2008 Primeiras Anaacutelises Juventude Desigualdade Racial Brasiacutelia Ipea 2009

KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

e Sauacutede UFRGS n 9 1998 p 103-118

PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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ROSEMBERG Fuacutelvia Educaccedilatildeo Formal Mulher e Gecircnero no BrasilContemporacircneo Estudos Feministas a 9 2 sem 2001

SAHLINS Marshall Estrutura e Histoacuteria In ______ Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 p 172-194

SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

Page 10: “Brincar, Jogar Bola, mulher” - a desigualdade racial no Brasil e a etnografia das masculinidades no Recôncavo da Bahia

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A tabela nos mostra um quadro de contrates entre a inserccedilatildeo masculinae feminina para jovens entre 18 e 24 anos que conformaria a hipoacutetesede que os rapazes tecircm pior desempenho escolar porque estariam sendopuxados precocemente pelo mercado de trabalho

Se introduzirmos entretanto o trabalho domeacutestico na equaccedilatildeo as coisastornam-se mais complexas o que nos permitiria ressaltar a importacircnciado trabalho domeacutestico para definiccedilatildeo de lugares estruturais da diferenccedilapara o gecircnero na sociedade brasileira

Segundo estudo de Ameacutelia Cristina Abreu Artes e Mariacutelia Pinto de Carva-lho no Brasil em 2007 899 das mulheres com 16 anos ou mais afirma-

vam cuidar de afazeres domeacutesticos e somente 507 dos homens o faziamEnquanto as mulheres dedicavam em meacutedia 272 horas por semana a

essas atividades os homens dedicavam 106 horas Na faixa etaacuteria dos 10aos 14 anos as meninas gastavam aproximadamente 14 horas semanaisem afazeres domeacutesticos enquanto os meninos disponibilizavam menos de9 horas Do mesmo modo comentam as autoras a frequecircncia agrave escola eacutemais presente no universo feminino e diminui com a idade Enquanto aos10 anos 991 das meninas e 984 dos meninos frequentam a escola esteiacutendice diminui para 941 e 936 respectivamente aos 14 anos Umatendecircncia como essa verificada aqui uma vez generalizada explicaria aausecircncia das meninas na escola na faixa de idade entre 18 aos 24 anosobservados anteriormente

Entretanto e significativamente uma parcela importante dos jovens quenatildeo estudam tambeacutem estaacute fora do mundo do trabalho 287 dos meni-nos e 117 das meninas Se o trabalho eacute apresentado como a principal

justificativa para o abandono escolar como explicar entatildeo que nesseestudo mais de 76 mil rapazes natildeo frequentam a escola e natildeo trabalham

Assim quanto mais incorporamos elementos na anaacutelise mais complicada

fica o nosso enigma masculino e mais claro torna-se a imbricaccedilatildeo funda-mental entre os padrotildees de reproduccedilatildeo social da sociedade e a catego-rizaccedilatildeo racializada de gecircnero conformando efetivamente dispositivos dearticulaccedilatildeo das trajetoacuterias individuais a padrotildees estruturais mais geraisPoderiacuteamos considerar e essa eacute efetivamente a nossa perspectiva que aproduccedilatildeo e sustentaccedilatildeo de significados socialmente definidos para mascu-linidade jogaria peso importante na reproduccedilatildeo estrutural do sistema Ouseja seria para a articulaccedilatildeo que engendrao viacutenculo entre a cultura (redede categorias e sentido) e a estrutura social como padrotildees persistentes

que voltariacuteamos o nosso olhar

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

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Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

ALVITO Marcos Homens e Meninos In ______ As Cores de Acari UmaFavela Carioca Rio de Janeiro Editora FGV 2001 p 219-260

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CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

IPEA Comunicado da Presidecircncia n 36 PNUD 2008 Primeiras Anaacutelises Juventude Desigualdade Racial Brasiacutelia Ipea 2009

KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

e Sauacutede UFRGS n 9 1998 p 103-118

PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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ROSEMBERG Fuacutelvia Educaccedilatildeo Formal Mulher e Gecircnero no BrasilContemporacircneo Estudos Feministas a 9 2 sem 2001

SAHLINS Marshall Estrutura e Histoacuteria In ______ Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 p 172-194

SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

Page 11: “Brincar, Jogar Bola, mulher” - a desigualdade racial no Brasil e a etnografia das masculinidades no Recôncavo da Bahia

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SIGNIFICADOS DA MASCULINIDADE EM CACHOEIRA E SAtildeO FEacuteLIXLevando em conta o visto anteriormente interrogariacuteamos de que formaos significados associados agrave masculinidade satildeo construiacutedos no Brasil de

um modo em geral e nos contextos em questatildeo Mas especificamente emconformidade com trabalhos como os citados discutirmos como formasde masculinidade satildeo construiacutedas internamente agrave sala de aula Ou ditode outro modo como a sala de aula e a escola satildeo arena ou contextosocialmente estruturado para a performaccedilatildeo de identidade de gecircnero esua efetiva construccedilatildeo intersubjetiva De que maneira para os meninos erapazes a escola a sala de aula o paacutetio e o seu entorno seriam loacutecus deprocessos de subjetivaccedilatildeo de gecircnero independente ou mesmo para aleacutemdos processos educativos institucionais

O significado praacutetico de ldquoser homem rdquo e a forma socialmente estruturada deconstituir e objetificar os valores e ideais de masculinidade estatildeo definidospela interaccedilatildeo dos atores com as inuacutemeras agecircncias por meio das quais satildeoadquiridosproduzidostransformados determinados significados haacutebitose praacuteticas atribuiacutedas agrave conduta masculina Seria assim na famiacutelia na igrejanas brincadeiras de crianccedilas no jogo de futebol no grupo de amigos queos sujeitos aprendem a dissociar homens e mulheres E tambeacutem eacute oacutebvio naescola e talvez mesmo de modo privilegiado considerando a importacircncia

da escola como espaccedilo para construccedilatildeo de grupos de pares Onde os rapa-zes tem a chance de pocircr agrave prova sua masculinidade e de comparaacute-la a deoutros rapazes competindo em ambiente restrito pela posiccedilatildeo adequadaou desejada no interior das hierarquias de gecircneros (e raciaissexuais) Natildeopodemos descurar aleacutem do mais do papel da famiacutelia ou melhor dizendodos pais e a interaccedilatildeo do universo familiar com o universo da escola emrelaccedilatildeo particularmente e de modo especiacutefico para o nosso caso para asdiferentes expectativas para meninos e meninas

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

5

Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

ALVITO Marcos Homens e Meninos In ______ As Cores de Acari UmaFavela Carioca Rio de Janeiro Editora FGV 2001 p 219-260

ARTES Ameacutelia Cristina Abreu CARVALHO Mariacutelia Pinto de O trabalhocomo fator determinante da defasagem escolar dos meninos no Brasilmito ou realidade Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010 p 41-74

BRASIL PNUD - Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimentoe pelo Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) Atlas deDesenvolvimento 2003

CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

IPEA Comunicado da Presidecircncia n 36 PNUD 2008 Primeiras Anaacutelises Juventude Desigualdade Racial Brasiacutelia Ipea 2009

KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

e Sauacutede UFRGS n 9 1998 p 103-118

PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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ANTROPOLIacuteTICA Niteroacutei n 34 p 17-33 1 sem 2013

ROSEMBERG Fuacutelvia Educaccedilatildeo Formal Mulher e Gecircnero no BrasilContemporacircneo Estudos Feministas a 9 2 sem 2001

SAHLINS Marshall Estrutura e Histoacuteria In ______ Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 p 172-194

SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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Cachoeira e Satildeo Feacutelix unidas pela ponte D Pedro II

Como jaacute dissemos os dados que temos para Cachoeira e Satildeo Feacutelix5 satildeoprospectivos e natildeo conclusivos ndash mas indicam uma atitude diferenciadados pais com relaccedilatildeo ao incentivo dos filhos O que poderiacuteamos dizer eacute

que em alguma medida cuidar da educaccedilatildeo das crianccedilas eacutecoisa da mul-her Como observamos no depoimento de um pai sobre o desempenhoescolar da filha

ldquoEla ela primeiro ela estudava aqui no coleacutegio perdeu o ano ela perdeu esse uacuteltimoano agora ela taacute na 7ordf na 8ordf ela perdeu a 7ordf a 6ordf seacuterie aiacute T pegou ela e botouem represaacutelia e mandou estudar laacute no XXX que eacute um bom coleacutegio acho que eacute emSatildeo Feacutelix esse XXX eacute um coleacutegio estadual de fama mas mandou mais porque eacutemais longe pra ela 1047297 car neacute porque ela perdeu o ano aqui no YYY que era pago

5

Em 2008 o IBGE estimou a populaccedilatildeo da cidade de Cachoeira em 32252 habitantes Destes 15724 satildeohomens e 16480 mulheres Estima-se em 2004 que a populaccedilatildeo na faixa etaacuteria de 10 a 19 anos era de 7350pessoas 12527 tinham entre 20 e 49 anos ou seja um terccedilo da populaccedilatildeo de Cachoeira eacute formado de jovensCachoeira depois de Salvador eacute a cidade baiana que reuacutene o mais importante acervo arquitetocircnico no estilobarroco Seu casario suas igrejas seus preacutedios histoacutericos preservam ainda a imagem do Brasil Colonial tempoem que o comeacutercio e a fertilidade do solo 1047297zeram de Cachoeira a vila mais rica populosa e uma das maisimportantes do Brasil durante os seacuteculos XVII e XVIII Os dados do PNUD no Atlas de DesenvolvimentoHumano de 2003 conferem ao municiacutepio uma renda per capita no iniacutecio do segundo milecircnio de R$ 1195O Iacutendice de Desenvolvimento Humano Municipal daquele mesmo periacuteodo eacute da ordem de 0681 colocandoa cidade em 42ordm lugar em relaccedilatildeo a outros municiacutepios do Estado Segundo a Secretaria do Planejamento doEstado da Bahia em 2004 o contingente populacional ocupado no mercado formal de trabalho em Cachoeiranatildeo chegava aos 3 mil contabilizando 2840 pessoas Destes cerca de 1234 tinham o ensino meacutedio completo

No que se refere agrave educaccedilatildeo em 2008 o municiacutepio tinha 5416 alunos matriculados no ensino fundamentalem escolas puacuteblicas e 808 em escolas privadas No ensino meacutedio tinha-se 1596 alunos matriculados destes957 encontravam-se matriculados na uacutenica escola da zona urbana que possui essa modalidade de ensino osdemais estavam distribuiacutedos entre trecircs escolas da zona rural sendo uma delas privada

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

ALVITO Marcos Homens e Meninos In ______ As Cores de Acari UmaFavela Carioca Rio de Janeiro Editora FGV 2001 p 219-260

ARTES Ameacutelia Cristina Abreu CARVALHO Mariacutelia Pinto de O trabalhocomo fator determinante da defasagem escolar dos meninos no Brasilmito ou realidade Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010 p 41-74

BRASIL PNUD - Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimentoe pelo Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) Atlas deDesenvolvimento 2003

CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

IPEA Comunicado da Presidecircncia n 36 PNUD 2008 Primeiras Anaacutelises Juventude Desigualdade Racial Brasiacutelia Ipea 2009

KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

e Sauacutede UFRGS n 9 1998 p 103-118

PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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ROSEMBERG Fuacutelvia Educaccedilatildeo Formal Mulher e Gecircnero no BrasilContemporacircneo Estudos Feministas a 9 2 sem 2001

SAHLINS Marshall Estrutura e Histoacuteria In ______ Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 p 172-194

SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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ela brincou demais o professor deu queixa que ela natildeo queria nada e tal aiacute T noacutes participamos laacute fomos laacute e discutimos o professor eeh porque quem segue eu numdigo eu natildeo participo muito natildeo sei eu natildeo participo muito do curriacuteculo escolar dasmeninas quem mais eacute T minha mulher que segue mais entendeurdquo (R 65 anos)

Perguntariacuteamos quais as circunstacircncias presentes no universo social paradefinir as estrateacutegias de inserccedilatildeo social via educaccedilatildeo e quais os significa-dos diferenciais para a masculinidade haja vista a presumida atraccedilatildeo domercado de trabalho e a percepccedilatildeo de que educaccedilatildeo eacute assunto femininonos lares E principalmente de que ldquobom comportamentordquominus de um modoem geral e mais ainda na escola minus natildeo eacute exatamente ldquocoisa de machordquo

Desse modo podemos citar o depoimento de WLCS sobre sua trajetoacuteriaescolar ateacute o momento

ldquoEu estudei tipo eu nunca estudei num coleacutegio puacuteblico geralmente nunca 1047297 zrecuperaccedilatildeo ateacute o ano retrasado neacute que eu perdi de ano fui expulso do uacuteltimocoleacutegio que eu estudei fui um dos piores alunos do coleacutegio na realidade mas taacutesendo uma trajetoacuteria boa Eu agora esse ano tocirc querendo estudar mudar um

pouquinho meu passado neacute Taacute manchado pra caralhordquo

Como relatado por um dos estagiaacuteriosentrevistadores do projeto o jovemem questatildeo fez questatildeo de enfatizar o seu total desinteresse em estudarsalientando as ocasiotildees em que ldquoperdeu o anordquo as brigas no coleacutegio de

quando matava aula e que a uacutenica coisa boa que se lembrava da escola satildeoas garotas Dando a entender que ele crecirc que seu comportamento trans-gressor e eventualmente desordeiro eacute atrativo para os relacionamentoscom as meninas ldquo Eacute o que eu estava lhe falando eu soacute queria brincar jogar bolamulher nunca me interessei por estudo velho rdquo

Dados de outra pesquisa que realizamos em Satildeo Gonccedilalo no Rio de Janei-ro entre jovens da comunidade popular do Jardim Catarina indicam aimportacircncia do trabalho para a identidade homens jovens em associaccedilatildeo

agrave percepccedilatildeo de que o mesmo trabalho eacute o lugar da opressatildeo $amp( ) (+( - 0 +) )1 ) (+( )22) ( - 34$2 5$-(+2 )22)+6$ 2)7(1(+8$1 90 3) () 642434+)8$ $ amp(3 )7)9) +) )1 $ (22$) lt)) )))37)= gt+8$ ) (+( 2$lt( 6( 642434+)8$ $amp( amp)+6$ ) (+( )3)3) +)3$)6) A 1 -$ )7)9) 6( amp(B A1 2$ -(+6(6$= C(+6(6$ 6( amp( D 7$3 ) (+( ( $ )7)9$ 6) (+( amp)+6$ ) (+( (34+$ $ 2(+6$ )1) (+( $( )02 )37D31 3)2 2E +8$ (3 ($+$= FG= HI )+$2J=

Diferentemente do que Sansone (1996) parece apontar em seu trabalho en-tretanto entre os nossos entrevistados em Satildeo Gonccedilalo a eacutetica do consumoparece conviver com e mesmo pressupor como jaacute sugerimos anteriormente

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

8132019 ldquoBrincar Jogar Bola mulherrdquo - a desigualdade racial no Brasil e a etnografia das masculinidades no Recocircncavo dahellip

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

REFEREcircNCIAS

ALVITO Marcos Homens e Meninos In ______ As Cores de Acari UmaFavela Carioca Rio de Janeiro Editora FGV 2001 p 219-260

ARTES Ameacutelia Cristina Abreu CARVALHO Mariacutelia Pinto de O trabalhocomo fator determinante da defasagem escolar dos meninos no Brasilmito ou realidade Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010 p 41-74

BRASIL PNUD - Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimentoe pelo Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) Atlas deDesenvolvimento 2003

CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

IPEA Comunicado da Presidecircncia n 36 PNUD 2008 Primeiras Anaacutelises Juventude Desigualdade Racial Brasiacutelia Ipea 2009

KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

e Sauacutede UFRGS n 9 1998 p 103-118

PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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ROSEMBERG Fuacutelvia Educaccedilatildeo Formal Mulher e Gecircnero no BrasilContemporacircneo Estudos Feministas a 9 2 sem 2001

SAHLINS Marshall Estrutura e Histoacuteria In ______ Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 p 172-194

SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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a eacutetica do trabalho como um valor central natildeo como um valor em si mascomo um meio de acesso justamente ao mundo do consumo e agrave dignidadepessoal Trabalhar parece algo muito importante para esses jovens e mesmodefinidor de seu lugar no mundo e de suas chances de felicidade

Outro aspecto em que poderiacuteamos traccedilar um paralelo entre os jovensno Jardim Catarina e em Satildeo Feacutelix refere-se agrave percepccedilatildeo do preconceitonotadamente com relaccedilatildeo a homossexuais que aparece com bastante ecircn-fase nos dois casos e que nos sugere a importacircncia da estigmatizaccedilatildeo dehomossexuais como meio de afirmaccedilatildeo da identidade masculina ldquocorretardquoNa verdade a presenccedila de homossexuais no campo em Satildeo Gonccedilalo pare-cia ser uma coisa realmente comum Tivemos oportunidade de identificarem vaacuterias circunstacircncias a presenccedila de homens e mulheres homossexuais

Na escola no barzinho da esquina em festas etc De certo ponto de vistaexistiria uma banalizaccedilatildeo do comportamento homossexual associado aoutras formas de comportamento ldquodesvianterdquo

ldquoPERGUNTA E vocecircs tecircm algum amigo gay Conhecem algum menino por aqui

R Ih um montatildeo

V Conheccedilo dois que moram laacute na rua e um do coleacutegio que tem o cabelo enroladinho- lsquoai gentersquo(imita o menino efeminado) ldquo(Pinho 2011)rdquo

Mas talvez as coisas natildeo sejam assim tatildeo simples e seriacuteamos levianos em

afirmar decididamente algo nesse sentido Porque inclusive existe cla-ramente preconceito e rejeiccedilatildeo mesmo entre os rapazes que convivemhabitualmente com homossexuais

ldquoPERGUNTA Vocecirc conhece algueacutem que seja homossexual Como ele eacute O que vcacha deles

R Se eu conheccedilo Conheccedilo Eacute ele eacute branquinho muito viadinho tem muito poraqui por perto Eu acho uma coisa muito feia uma vez ou outra quando passana rua assim o viadinho 1047297 ca olhando sempre mexe tambeacutem agraves vezes da vontadede voltar e tentar da um soco sacanagem eu acho isso muito feiordquo (R 19 anos)

Ou na opiniatildeo de uma mulher

ldquoPERGUNTA O que vc acha da relaccedilatildeo sexual entre pessoas do mesmo sexo

C O que acho Como assim Viado com viado

PERGUNTA Homem com homem mulher com mulher Vocecirc conhece O quevocecirc acha disso

Crdquo Ah sei laacute Como disse eu natildeo tenho preconceito mas acho que isso natildeo poderiaexistir natildeo

PERGUNTA Por que

C Porque natildeo se Deus fez o homem tem de ser homem se fez a mulher tem de sermulher Natildeo mulher gostar de mulher e homem gostar de homem Eacute muito feiordquo(C 20 anos)

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

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ARTES Ameacutelia Cristina Abreu CARVALHO Mariacutelia Pinto de O trabalhocomo fator determinante da defasagem escolar dos meninos no Brasilmito ou realidade Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010 p 41-74

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CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

IPEA Comunicado da Presidecircncia n 36 PNUD 2008 Primeiras Anaacutelises Juventude Desigualdade Racial Brasiacutelia Ipea 2009

KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

e Sauacutede UFRGS n 9 1998 p 103-118

PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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ROSEMBERG Fuacutelvia Educaccedilatildeo Formal Mulher e Gecircnero no BrasilContemporacircneo Estudos Feministas a 9 2 sem 2001

SAHLINS Marshall Estrutura e Histoacuteria In ______ Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 p 172-194

SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

SOUZA Raquel Rapazes negros e socializaccedilatildeo de gecircnero sentidos esignificados de ldquoser homemrdquo Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010

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Em Cachoeira e em Satildeo Feacutelix onde ainda natildeo tivemos a oportunidadede realizar trabalho de campo na mesma extensatildeo que em Satildeo Gonccedilaloapontariacuteamos preliminarmente que a percepccedilatildeo do preconceito natildeoparece modificar-se por gecircnero a natildeo ser pelo fato de que os meninos

reconheceram com mais clareza situaccedilotildees em que foram agentes de dis-criminaccedilatildeo natildeo soacute contra gays mas tambeacutem contra negros

Jaacute tipo assim sobre gay cheguei quase a agredir tem um tempinho jaacute um gay e ateacutediscriminaccedilatildeo racial velho tambeacutem e eu que sou negro sou quase negro soumoreno Tipo assim eu humilhei um cara porque ele era preto ele fez uma ondaque eu natildeo gostei a gente terminou discutindo velho aiacute saiu isso assim mas foida boca pra fora hoje em dia eu falo com ele ele sabe que natildeo foi maldade foi soacutenum momento de raiva (W 18 anos)

Como jaacute apontamos a pesquisa eacute exploratoacuteria e demanda maior aprofun-damento Estariacuteamos na verdade definindo melhor as nossas questotildees apartir do trabalho de campo piloto questotildees que esperamos poder desen-

volver no seguimento da nossa investigaccedilatildeo Essas questotildees poderiam serdefinidas como Poderiacuteamos considerar variaacuteveis de gecircnero satildeo relevantespara definir as expectativas geracionais com relaccedilatildeo agrave educaccedilatildeo As matildeesde outra forma investiriam mais na educaccedilatildeo dos filhos indistintamentese rapazes ou moccedilas Haveria como de certa forma intuiacutemos a percep-ccedilatildeo de uma crise moral (de autoridade) que oporia as geraccedilotildees Tal crise

assumiria diferenccedilas por gecircnero

Um dos pais entrevistados fala da falta de disciplina dos estudantes dosdias de hoje argumentando que isso eacute reflexo da maacute educaccedilatildeo domeacutesticae responsabilizando as matildees pela indisciplina dos filhos

ldquoOs alunos hoje em dia estatildeo muito mal educados e maltratam os professores inclusivecom palavras de baixo calatildeo natildeo sei porque isso estaacute acontecendo deve ser eu achoque seja porque eles natildeo tenha educaccedilatildeo domeacutestica os alunos hoje naquele tempo nomeu tempo inclusive os professores tinham mais autoridade com os alunos eu achoque eacute isso que ta acontecendo natildeo eacute que os professores esteja mal mal vamo dizerassim mal preparados eles satildeo que minha mulher tem poacutes graduaccedilatildeo de portuguecircstudo e tal poacutes graduaccedilatildeo ainda e mas ela chega reclamando nervosa eacute issoque acontece eu acho que o que mudou realmente foi a educaccedilatildeo das crianccedilas emcasa foi a educaccedilatildeo domeacutestica que os meninos a matildee pra se ver livre manda

pro coleacutegio e quando reclamam a matildee natildeo gosta ainda matildee e voacute eacute isso que ta

acabando com o ensino rdquo (ecircnfase adicional)

O que nos aparece relativamente claro eacute que a escola parece ser um lugardesvalorizado pelos rapazes E apesar de as meninas parecerem ter as

mesmas expectativas profissionais dos rapazes elas satildeo mais exitosas naescola o que natildeo quer dizer como vimos que elas teratildeo no futuro salaacuteriosmelhores Os dados em Cachoeira e Satildeo Felix natildeo permitem indicar uma

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

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ALVITO Marcos Homens e Meninos In ______ As Cores de Acari UmaFavela Carioca Rio de Janeiro Editora FGV 2001 p 219-260

ARTES Ameacutelia Cristina Abreu CARVALHO Mariacutelia Pinto de O trabalhocomo fator determinante da defasagem escolar dos meninos no Brasilmito ou realidade Cadernos Pagu (34) janeiro-junho de 2010 p 41-74

BRASIL PNUD - Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimentoe pelo Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) Atlas deDesenvolvimento 2003

CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

CRENSHAW Kimberleacute Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminaccedilatildeo Racial Relativos ao Gecircnero Estudos Feministas v 10 n 12002 p 171-188

IPEA Comunicado da Presidecircncia n 36 PNUD 2008 Primeiras Anaacutelises Juventude Desigualdade Racial Brasiacutelia Ipea 2009

KIMMEL Michael A Produccedilatildeo Simultacircnea de MasculinidadesHegemocircnicas e Subalternas Horizontes Antropoloacutegicos Corpo Doenccedila

e Sauacutede UFRGS n 9 1998 p 103-118

PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

ROSA Waldemir Homem Preto do Gueto Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Antropologia) Antropologia Universidade de Brasiacutelia Brasiacutelia 2006

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SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

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conexatildeo evidente entre gecircnero e sucesso escolar mas em consonacircncia aosdados para outros contextos esperariacuteamos que assim fosse Como e sobque condiccedilotildees dadas do ponto de vista da desigualdade racial na regiatildeoeacute a questatildeo que precisamos reconhecer nos proacuteprios dados

De um modo ou de outro natildeo temos duacutevida que as variaacuteveis de gecircnerosatildeo fundamentais para interrogar o enigma masculino na educaccedilatildeo e emespecial o enigma dos rapazes negros que como vimos satildeo os uacuteltimosna escala do desempenho escolar com todas as graves consequecircncias econexotildees que esse insucesso parece guardar

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BRASIL PNUD - Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimentoe pelo Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) Atlas deDesenvolvimento 2003

CRENSHAW Kimberleacute W The Intersection of Race and Gender In______ Critical Race Theory The Key Writings that Formed the Movement The New Press New York 357-383 1995

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PINHO OSA Heroacuteis Ultra-Modernos raccedila gecircnero e modernizaccedilatildeo desigualna periferia do Rio de Janeiro In HERINGER Rosana PINHO Osmundo(Org) Afro-Rio Seacuteculo XXI - Modernidade e relaccedilotildees raciais no Rio de

Janeiro Rio de Janeiro Garamond 2010 v 1 p 173-251

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SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

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SAHLINS Marshall Estrutura e Histoacuteria In ______ Ilhas de Histoacuteria Rio de Janeiro Jorge Zahar 1990 p 172-194

SANSONE Liacutevio Nem somente preto ou Negro o sistema de classificaccedilatildeoracial no Brasil que muda Estudos Afro-Asiaacuteticos n23 1996

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