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Abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação Letramentos sociais TRADUÇÃO MARCOS BAGNO BRIAN V. STREET

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Lingua[gem] 57

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Abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação

Letramentos sociais

t r a d u ç ã o marcos bagno

b r i a n V . s t r e e t

Direitos reservados àParábola EditorialRua Dr. Mário Vicente, 394 - Ipiranga04270-000 São Paulo, SPpabx: [11] 5061-9262 | 2589-9263 | fax: [11] 5061-8075home page: www.parabolaeditorial.com.bre-mail: [email protected]

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isBn: 978-85-7934-078-9

© da edição brasileira: Parábola Editorial, São Paulo, maio de 2014.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S896L

Street, BrianLetramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvol-

vimento, na etnografia e na educação / Brian V. Street ; tradução Marcos Bagno. - 1. ed. - São Paulo : Parábola Editorial, 2014.

240 p. ; 23 cm. (Lingua[gem] ; 57) 

Tradução de: Social literacies: critical approaches to literacy in development, ethnography and education Inclui bibliografia e índice

        ISBn 978-85-7934-078-9

1. Linguagem e línguas. 2. Linguística. I. Título. II. Série.

14-09393 CDD: 469.5 CDU: 811.134.3

IndIcação edItorIal: Clecio Bunzen

capa e projeto gráfIco: Telma Custódio

revIsão: Karina Mota Banco de imagens - 123RF

Título original: Social Literacies: Critical Approaches to Literacy in Development, Ethnography and Education© Longman Group Limited, 1995Edinburgh Gate – Harlow, Essex CM20 2JE, EnglandISBn: 0-582-10221-9

Esta tradução de Social Literacies: Critical Approaches to Literacy in Development, Ethnography and Education, 1ª ed., foi publicada mediante acordo com a Pearson Education Limited.

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Sumário

Sumário

ApresentAção .............................................................................................7

prefácio ....................................................................................................13

introdução ...............................................................................................17

Seção 1 – Letramento, política e mudança socialIntrodução ..................................................................................................29

1. Trazer os letramentos para a agenda política .........................................33

2. Letramento e mudança social: a importância do contexto social no desenvolvimento de programas de letramento ..................................... 43

Seção 2 – A etnografia do letramentoIntrodução ..................................................................................................65

3. Os usos do letramento e da antropologia no Irã ....................................69

4. Oralidade e letramento como construtos ideológicos: alguns problemas em estudos transculturais .........................................89

Seção 3 – O letramento na educaçãoIntrodução ................................................................................................117

5. A escolarização do letramento ............................................................121

6. Implicações dos novos estudos do letramento para a pedagogia .........145

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is Seção 4 – Para um quadro teórico críticoIntrodução ................................................................................................159

7. Um olhar crítico sobre Walter Ong e a “grande divisão” ....................163

8. Práticas letradas e mitos do letramento ...............................................171

Seção 5 – Relações entre políticas, teoria e pesquisa no campo do letramento

Introdução ................................................................................................1919. Relações entre políticas, teoria e pesquisa no campo do letramento ..193

referênciAs bibliográficAs ..................................................................213

Índice de Assuntos e de nomes ...............................................................233

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Apresentação

Apresentação

N os últimos trinta anos, assistimos à construção e à consolidação de um campo de pesquisa sobre as culturas escritas. Por ser um campo complexo e não unificado, como já comentava Gnerre

(1985) em sua obra Linguagem, escrita e poder, diferentes áreas do conheci-mento, com suas categorizações, metodologias e instrumentos de análise, pro-curam compreender as múltiplas facetas da escrita, sua relação com a oralida-de e outras semioses; seus usos em diferentes contextos históricos e sociais; suas funções e suas consequências para grupos ou indivíduos específicos.

A cultura escrita tem sido objeto de interesse de várias disciplinas e, ao mesmo tempo, terra de ninguém. Historiadores, antropólogos, filólogos, psicólogos, sociólogos, pedagogos, linguistas, linguistas aplicados e estu-diosos da literatura, por exemplo, desenvolvem pesquisas sobre letramento em diferentes países e línguas. De forma muito ampla, arriscamos afirmar que as investigações brasileiras no campo da educação e da linguística apli-cada têm firmado um rico diálogo interdisciplinar com os estudos realiza-dos no contexto francês e no anglo-saxão. Dos trabalhos desenvolvidos na França, o maior impacto é o das investigações da sociologia da educação (Pierre Bourdieu e Bernard Lahire) e do campo da “nova história”, que, ao se contrapor aos paradigmas da “história total”, começou a se interessar por toda a atividade humana, inclusive pelos materiais impressos, os livros, os leitores e a leitura em diferentes épocas e contextos. As traduções para o português das obras de Roger Chartier, Anne Marie-Chartier, Jean Hébrard e Philippe Ariès impulsionaram interessantes reflexões sobre a compreen-são das práticas de letramento como construções culturais, sujeitas a varia-ções no tempo e no espaço.

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is As discussões propostas pela linguística sobre as relações entre a “fala” e a “escrita” (cf. Marcuschi, 2001a e 2001b), os diversos questio-namentos sobre a concepção de aprendizagem da escrita como algo essen-cialmente escolar, universal e neutro (Freire, 1975; Soares, 1998; Kleiman, 1995) e as pesquisas sobre como adultos não alfabetizados que convivem em contextos diversos lidam com a escrita na escola ou fora dela (Tfouni, 1988; Kleiman e Signorini, 2000) incitaram novas discussões epistemo-lógicas e metodológicas. Um dos resultados desse contato com os estudos publicados em inglês foi a criação de termos equivalentes a “literacy”, tais como “alfabetismo” e “letramento”1, se contrapondo muitas vezes ao con-ceito também polissêmico de “alfabetização”. Criou-se, assim, um grande desafio para os pesquisadores brasileiros: compreender a escrita não apenas do ponto de vista (psico)linguístico, mas também histórico, antropológico e cultural, levando em consideração as relações de poder.

Do amplo conjunto de estudos realizados por estudiosos anglo-saxões ao longo do século XX, para compreender o impacto sociocognitivo e cul-tural da escrita, assim como o papel da oralidade na história da cultura humana e sua inter-relação com as práticas de letramento, os chamados “novos estudos do letramento” têm colaborado para a ampliação das dis-cussões do ponto de vista teórico e prático, além de expandir o leque para reflexões metodológicas no campo das ciências humanas. Nesse sentido, o livro Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desen-volvimento, na etnografia e na educação constitui um material de extrema importância para o contexto acadêmico brasileiro, uma vez que retoma de forma explícita uma das teses centrais dos novos estudos do letramento, que é compreender o letramento como prática social. Além disso, amplia a possibilidade de diálogo dos leitores em língua portuguesa2 com um dos maiores investigadores dos novos estudos do letramento: Brian Street, pro-fessor do King’s College de Londres.

Uma das principais contribuições dos trabalhos de Brian Street (1984, 1993, 1995) resulta em uma profunda discussão das diversas concepções e modelos interpretativos do letramento utilizados por cientistas, instituições,

1. Em Portugal e em outros países da América Latina, a apropriação do termo “literacy” também se deu de forma específica e diferenciada. Para aprofundar tal questão, sugiro a leitura de Soares (1992), Kleiman (1995), Zavala, Niño-Murcia e Ames (2004) e Dionisio (2007).

2. Vale mencionar que outros textos em português podem ser encontrados em Street (2010, 2012, 2013).

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Apresentação

políticas públicas, profissionais da educação, mídia etc. Em seu livro Literacy in Theory and Practice (1984), o autor critica, com base em discussões ante-riores sobre os efeitos cognitivos do letramento e da visão dicotômica entre fala e escrita, a concepção dominante que reduz o letramento a um conjunto de capacidades cognitivas, que pode ser medida nos sujeitos. Street denomi-nou tal modelo interpretativo de “autônomo”. Expressões comuns como “grau de letramento”, “nível de letramento” ou “baixo letramento” revelam essa concepção autônoma, centrada no sujeito e nas capacidades de usar apenas o texto escrito. As avaliações em rede, as políticas públicas de desenvolvimento da leitura, os concursos públicos e os exames vestibulares são bons exemplos de ações sociais que mobilizam e legitimam tal concepção, uma vez que se baseiam na crença da possibilidade de “avaliação” do letramento dos sujeitos. Em suma, o foco central está na análise das capacidades cognitivas individuais dos sujeitos ao lidar com textos escritos. Ou, como bem expõe Dionisio (2007: 212), uma visão de letramento “como saberes sobre, situados nas pessoas, na cabeça das pessoas, para resolver problemas mediados pela escrita”.

Há quem aposte que o papel da escola moderna e das políticas pú-blicas seria justamente desenvolver esse “letramento” — um conjunto de competências, visto que o sujeito escolarizado teria que possuir capacidade para usá-lo. As instituições, o texto, os sujeitos são tratados de forma ho-mogênea, independentemente do contexto social. O maior esforço, então, consiste em avaliar o que os sujeitos sabem sobre alguns textos escritos, com raras preocupações sobre como as pessoas os usam e o que fazem com eles em diferentes contextos históricos e culturais. No entanto, as discussões propostas por Street (1984: 38-39) mostraram que os sujeitos es-tão imersos em um “armazém de conceitos, convenções e práticas”, ou seja, vivemos práticas sociais concretas em que diversas ideologias e relações de poder atuam em determinadas condições, especialmente se levarmos em consideração as culturas locais, questões de identidade e as relações entre os grupos sociais. Assim, em oposição ao modelo autônomo de letramento, Street defende um “modelo ideológico”, para compreender o letramento em termos de práticas concretas e sociais. Ou seja, as práticas letradas são produtos da cultura, da história e dos discursos3.

3. No cenário brasileiro, esses dois modelos propostos por Street (1984) foram mobilizados e apresentados por Kleiman (1995) em uma coletânea que se propõe discutir “os significados do letra-mento” e “uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita”.

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is As concepções teóricas, conceitos e questões metodológicas do campo da etnografia e da antropologia, apresentados nas obras de Brian Street (1984, 1993 e 1995), influenciaram vários pesquisadores brasileiros nos últimos vinte anos4. A presente tradução de Letramentos sociais impulsionará cer-tamente novos trabalhos, pois traz desafios aos pesquisadores que procuram compreender de forma crítica os múltiplos letramentos. O livro, publicado em inglês na década de 1990 e organizado originalmente em quatro seções, cinco na edição brasileira, propõe um leque de reflexões sobre o letramento que se tornam atuais no contexto político e educacional do Brasil, uma vez que vivemos o forte impacto das políticas públicas internacionais e nacionais de avaliação da compreensão leitora, da aquisição em larga escala de mate-riais didáticos impressos pelos governos federais, estaduais e municipais e no investimento público na formação continuada de professores alfabetizadores e de língua portuguesa. Vale lembrar também que os cursos de Pedagogia e de Letras têm alterado seus currículos; e muitos já possuem disciplinas aca-dêmicas que discutem o conceito de letramento e suas implicações para a prática profissional de professores, autores de materiais didáticos, tradutores, revisores, críticos literários e pedagogos.

Os graduandos em Pedagogia e em Letras, assim como professores e pesquisadores interessados nos novos estudos do letramento, terão a opor-tunidade de refletir sobre:

(a) as relações entre o desenvolvimento de programas de letramento e as possibilidades de mudança social;

(b) a importância de pensar o letramento como um conceito “plural”; (c) os usos do letramento em contextos específicos e situados, com

destaque para aportes da etnografia; (d) o processo de escolarização das práticas de letramentos; (e) as implicações dos novos estudos do letramento para a Pedagogia; (f) perspectivas críticas para a compreensão da “grande divisão” en-

tre fala e escrita postulada por Goody, Olson e Ong. Os diferentes capítulos e os estudos de caso apresentados em cada se-

ção ajudarão os leitores da obra a refinar os conceitos já em circulação, tais como os de “práticas de letramento”, “eventos de letramento” e “mitos do

4. A título de exemplificação, podemos citar Tfouni (1988); Soares (1992); Kleiman (1995); Terzi (1995); Signorini (2001); Rojo (2009); Marinho e Carvalho (2010).

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Apresentação

letramento”. Além disso, a abordagem crítica adotada na obra, perpassando a agenda política sobre desenvolvimento, a etnografia e implicações para o campo educacional, auxiliará no processo de consolidação dos estudos do letramento no Brasil e abrirá novas possibilidades de pesquisas antropo-lógicas sobre as práticas de letramento na América Latina, tais como lemos recentemente em Street (2013) e Kalman e Street (2012).

Clecio BunzenProfessor do Departamento de Educação e da Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de São Paulo; professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em

Linguística da Universidade Federal de São Carlos.

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Prefácio

Prefácio

L etramentos sociais: abordagens críticas do letramento no de-senvolvimento, na etnografia e na educação desenvolve abor-dagens alternativas e críticas à concepção de letramento numa

perspectiva internacional. Representa parte da tendência atual rumo a uma consideração mais ampla do letramento como práticas sociais, fo-calizando a natureza social da leitura e da escrita e o caráter múltiplo das práticas letradas, valendo-se de perspectivas transculturais. Street enfatiza a natureza social do letramento, em oposição ao que denomina perspectiva “autônoma” do letramento, orientada para as habilidades. Re-conhecendo que existem múltiplos letramentos praticados em contextos reais, ele sugere aos leitores que rejeitem a teoria da “grande divisão”, que adota uma visão etnocêntrica e hierárquica, privilegiando uma forma particular de letramento sobre as muitas variedades que a pesquisa ago-ra mostra existirem mundo afora. Em contraposição a essa perspectiva, Street propõe um modelo “ideológico” de letramento, que reconhece que as práticas de leitura e escrita estão sempre inseridas não só em signifi-cados culturais, mas em alegações ideológicas sobre o que conta como “letramento” e nas relações de poder a ele associadas.

O livro se divide em quatro seções, nas quais o argumento se cons-trói a partir de críticas aos postulados anteriores e na direção de traba-lhos conduzidos numa perspectiva mais etnográfica, focalizada particu-larmente na educação, e conclui com uma seção que aborda algumas das implicações decorrentes da adoção de um quadro teórico “crítico”. A se-ção 1, “Letramento, política e mudança social”, se abre com um capítulo intitulado “Trazer os letramentos na agenda política”, seguido de outro

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is sobre “Letramento e mudança social” e termina com “O significado do contexto social no desenvolvimento de programas de letramento”. A se-ção 2 se abre com um capítulo sobre “A etnografia do letramento”, segui-do do relato do trabalho de campo etnográfico do próprio Street durante a década de 1970, “Os usos do letramento e da antropologia no Irã”, para concluir com algumas reflexões sobre os problemas que tal abordagem deve enfrentar: “Oralidade e letramento como construtos ideológicos: alguns problemas em estudos transculturais”. A seção seguinte do livro se dedica às implicações dessas perspectivas teóricas e metodológicas para a análise do letramento em contextos educacionais. A seção 3 inclui o capítulo 5, “A escolarização do letramento”, e o 6, “Implicações dos novos estudos de letramento para a pedagogia”. A seção 4 do livro, “Para um quadro teórico crítico”, resenha a abordagem da “grande divisão”, que talvez ainda domine boa parte da política de letramento, com o ca-pítulo 7 intitulado “Um olhar crítico sobre Walter Ong e a ‘grande divi-são’”, antes de concluir com o capítulo 8 sobre “Práticas letradas e mitos do letramento”, que oferece ao leitor pistas de trabalho com os conceitos desenvolvidos ao longo do livro. Nesta edição brasileira, tem-se a seção 5, “Relações entre políticas, teoria e pesquisa no campo do letramento”.

Referências a este livro no Google (<http://tinyurl.com/social-literacies>) e na Wikipédia, entre outras, sugerem que ele tem sido “altamente in-fluente” ao levar tanto os pesquisadores quanto os que trabalham na prática do letramento, assim como os elaboradores de políticas, a ques-tionar “se o quadro teórico atual em que tais atividades são conduzidas é o mais proveitoso” (p. 24). De fato, o quadro no qual a pesquisa sobre letramento é conduzida ainda está sendo reconfigurado para incorporar questões complexas como poder, identidade e agência. Uma razão im-portante para escolher traduzir este livro em particular, entre os diversos que Brian escreveu, para um público brasileiro é que neste momento no Brasil várias dessas questões estão sendo abordadas — tanto os aspectos teóricos relativos aos múltiplos letramentos quanto as políticas relativas ao tratamento da leitura e da escrita dentro e fora da escola. Justamente na seção 5, Brian desenvolve mais longamente essas ideias, abordando os modos como a política internacional sobre educação e letramento, como a OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e o Desen-volvimento), o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos)

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Prefácio

e o GMR (Relatório Global de Monitoramento) estão construindo “um novo sistema de governança internacional”. No entanto, ele também ob-serva que outros grupos como o Balid (British Association for Literacy in Development) e relatórios como o PIACA (Programa Internacional de Avaliação de Competências Adultas) começam a levar em conta a perspectiva de prática social. É esta permanente complexidade do debate que permite que este livro, embora publicado há uma década, ofereça aos leitores brasileiros atuais uma base e uma trajetória contemporâne-as para o progresso do campo do letramento — no sentido de que sua leitura pode ser vista como um passo no complexo caminho que já está sendo trilhado no país e, assim, visto como parte de um movimento mais amplo na área.

ISBN: 978-85-7934-078-9

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Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação desenvolve abordagens alternativas e críticas à con-cepção de letramento numa perspectiva internacional. Representa parte da tendência atual rumo a uma consideração mais ampla do letramento como práticas sociais, focalizando a natureza social da leitura e da escrita e o caráter múltiplo das práticas letradas, valendo-se de perspectivas transculturais. Street enfatiza a natureza social do letramento, em oposição ao que denomina perspectiva “autônoma” do letramento, orientada para as habilidades. Reconhecendo que existem múltiplos letramentos praticados em contextos reais, sugere aos leitores que rejeitem a teoria da “grande divisão”, que adota uma visão etnocêntrica e hierárquica, privilegiando uma forma particular de letramento sobre as muitas variedades que a pesquisa agora mostra existirem mundo afora. Em contraposição a essa perspectiva, Street propõe um modelo “ideológico” de letramento, segundo o qual as práticas de leitura e escrita estão sempre inseridas não só em significados culturais, mas em posições ideológicas sobre o que conta como “letramento” e nas relações de poder a ele associadas.

O quadro no qual a pesquisa sobre letramento é conduzida ainda está sendo reconfigurado para incorporar questões complexas como poder, identidade e agência. Uma razão importante para escolher traduzir este livro em particular, entre os diversos que Brian escreveu, para um público brasileiro é que neste momento no Brasil várias dessas questões estão sendo abordadas ― tanto os aspectos teóricos relativos aos múltiplos letramentos quanto as políticas relativas ao tratamento da leitura e da escrita dentro e fora da escola.