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BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE OS PARADIGMAS DO ESTADO LIBERAL, DO ESTADO SOCIAL E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 1 Adilson Teodoro; Fernanda Lommez Andrade; Geraldo Andrade da Silva; Gislande Silva Jardim; Luciano Monteiro da Silva; Marcelo Ebder dos Santos; Mayaram Máximo Pereira; Rosemeiry dos Santos Barros; Sheilla Cristine Almeida dos Reis, Vinícius Lott Thibau. SUMÁRIO: 1. CONSIDERAÇÃO INICIAL; 2. O PARADIGMA DO ESTADO LIBERAL; 3. O PARADIGMA DO ESTADO SOCIAL; 4. O PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 1. CONSIDERAÇÃO INICIAL Nos últimos séculos, o Direito foi marcado por grandes transformações político-jurídico-econômicas em razão da constante evolução da Sociedade. Com o objetivo de explicitar as principais características que qualificaram os três grandes paradigmas divulgados ao longo da história, o estudo ora apresentado desenvolve- se sobre a atividade estatal, a partir da perspectiva de três marcos teóricos distintos: a do Estado Liberal, a do Estado Social e a do Estado Democrático de Direito. 1 Artigo jurídico elaborado a partir dos primeiros estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa O Processo Constitucional e as Reformas do Código de Processo Civil brasileiro, coordenado por Vinícius Lott Thibau, professor responsável pela organização e pela revisão gramatical, metodológica e de conteúdos teóricos do texto final apresentado pelos autores-pesquisadores.

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BREVES CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE OS PARADIGMAS DO ESTADO

LIBERAL, DO ESTADO SOCIAL E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO1

Adilson Teodoro; Fernanda Lommez Andrade; Geraldo Andrade da Silva; Gislande Silva Jardim; Luciano Monteiro da Silva; Marcelo Ebder dos Santos; Mayaram Máximo Pereira; Rosemeiry dos Santos Barros; Sheilla Cristine Almeida dos Reis, Vinícius Lott Thibau.

SUMÁRIO: 1. CONSIDERAÇÃO INICIAL; 2. O PARADIGMA DO ESTADO LIBERAL; 3. O PARADIGMA DO ESTADO SOCIAL; 4. O PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. CONSIDERAÇÃO INICIAL

Nos últimos séculos, o Direito foi marcado por grandes transformações

político-jurídico-econômicas em razão da constante evolução da Sociedade. Com o

objetivo de explicitar as principais características que qualificaram os três grandes

paradigmas divulgados ao longo da história, o estudo ora apresentado desenvolve-

se sobre a atividade estatal, a partir da perspectiva de três marcos teóricos distintos:

a do Estado Liberal, a do Estado Social e a do Estado Democrático de Direito.

1 Artigo jurídico elaborado a partir dos primeiros estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa O Processo Constitucional e as Reformas do Código de Processo Civil brasileiro, coordenado por Vinícius Lott Thibau, professor responsável pela organização e pela revisão gramatical, metodológica e de conteúdos teóricos do texto final apresentado pelos autores-pesquisadores.

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2. O PARADIGMA DO ESTADO LIBERAL

O Paradigma do Estado Liberal, cujo marco principal foi a Revolução

Francesa levada a efeito pela Burguesia, no ano de 1789, sobrepôs-se ao

Absolutismo e deu início ao denominado Constitucionalismo.

A Sociedade Medieval organizava-se numa rígida divisão de classes baseada

em critérios de hierarquia e o Direito não era considerado um conjunto de normas

abstratas e gerais válido para todos, mas se apresentava, conforme assinala

Menelick de Carvalho Netto, como

“ordenamentos sucessivos e excludentes entre si, consagradores dos privilégios de casta e facção de casta, consubstanciados em normas oriundas da barafunda legislativa imemorial, nas tradições, nos usos e costumes locais (...)”.

2

Com a idéia de uma soberania centralizada nas mãos do monarca, que tinha

o poder de decisão sobre todos os assuntos do Estado, desde a religião até a

economia, sempre com o objetivo de promover o bem-estar e a felicidade dos

súditos, o Absolutismo firma a proposição de que o Estado e o governante não se

distinguem.

Diante deste quadro sócio-político-econômico, a Burguesia via-se tolhida nos

seus objetivos de atuação e, irresignada, utilizou-se dos ideais de Liberdade,

Igualdade e Fraternidade para atingir o seu propósito de convencer e arregimentar,

para sua luta, parte da população que já se encontrava bastante oprimida e

submissa ao Estado. Sustentando a necessidade de limitação dos poderes do

governante, o almejado Estado Liberal adotou como fundamentos principais a

liberdade, a propriedade privada e a igualdade.

Entre os desejos da Burguesia, destacava-se o da consideração do indivíduo

como prioridade frente ao Estado que, com isso, teria sua atuação adstrita aos

assuntos de segurança e de ordem públicas. No Estado Liberal, contudo, a liberdade

do indivíduo não significava mais do que uma liberdade formal e destinada à

Burguesia, conforme elucida Paulo Bonavides: 2 CARVALHO NETTO. Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do estado democrático de direito. In: OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (coord.). Jurisdição e hermenêutica constitucional no estado democrático de direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 30.

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“A burguesia triunfante ao soar esse ensejo histórico, enfeixava todos os poderes e se justificava socialmente como se fora o denominador comum de todas as classes, por cuja liberdade – uma liberdade que de modo concreto, só a ela aproveitava em grande parte – havia terçado armas com despotismo vencido”.

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A Sociedade, no período liberal, foi extremamente individualista; a distinção

entre o público e o privado era bem visível, como também a destinação de seus

objetivos. A esfera pública englobava aspectos relacionados à representação política

e aos assuntos de Estado, enquanto a esfera privada englobava aspectos

relacionados à família e aos negócios.

Assim é que os direitos de propriedade e de contratar eram afetos apenas às

partes, não autorizando a interferência do Estado. A propriedade era plena, podendo

o seu titular dela usar, gozar e dispor da maneira que melhor entendesse; os

contratos, ainda que explicitassem violações à igualdade de negociar, submetiam-se

ao princípio do pacta sunt servanda.

Conforme elucida Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira,

“Sob o paradigma liberal, cabe ao Estado, através do Direito Positivo, garantir a certeza nas relações sociais através da compatibilização dos interesses privados de cada um com o interesse de todos, mas deixa a felicidade ou busca pela felicidade nas mãos de cada indivíduo”.

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E continua,

“(...) o Direito é uma ordem, um sistema fechado de regras, de programas condicionais, que tem por função estabilizar expectativas de comportamento temporal, social e materialmente generalizadas, determinando os limites e ao mesmo tempo garantindo a esfera privada de cada indivíduo”.

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Destarte, no Estado Liberal, há um afastamento do Estado no que tange às

questões privadas. O indivíduo que, no Absolutismo, apresentava-se como súdito do

monarca, coloca-se, no primeiro paradigma do Constitucionalismo, como senhor de

si e de suas terras, submisso apenas a um direito legitimado pela sua formalidade

que atinge a todos, inclusive ao Estado, embora de maneira materialmente desigual.

Nesse sentido, é também o entendimento de André Cordeiro Leal:

3 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 67. 4 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 55. 5 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 57.

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“Tendo como cerne de sua atuação a propriedade privada, o Estado (instrumental) liberal, por via do estabelecimento da tripartição de poderes (...), visava garantir que a esfera privada dos indivíduos fosse protegida das interveniências súbitas e inesperadas dos governantes e também de outros indivíduos. Estes todos estariam adstritos à prática de atos autorizados em leis previamente aprovadas pelos parlamentos”.

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A par do que a Revolução Francesa preconizou nos dizeres célebres,

Liberdade, Igualdade e Fraternidade – repita-se -, vê-se que as duas dessas

primeiras características foram concebidas apenas formalmente, enquanto que a

fraternidade, para muitos, nunca chegou a ser implementada. Ao contrário disso,

sobretudo no momento histórico da Revolução Industrial, restaram identificadas, a

partir do Estado Liberal, a penúria e a miséria – conforme esclarecido por Paulo

Bonavides, ao citar Vierkandt:

“(...) como a igualdade a que se arrimam o liberalismo é apenas formal, e encobre na realidade, sob seu manto de abstração, um mundo de desigualdades de fato – econômicas, sociais, políticas e pessoais – termina “a apregoada liberdade, como Bismark já o notara, numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão somente a liberdade de morrer de fome”.

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Na impossibilidade de materializar a liberdade buscada nos ideais da

Revolução Francesa, bem como a igualdade e a fraternidade, o Estado Liberal

mostrou-se inapto para a consecução dos seus objetivos, aproveitando-se dele

somente a classe burguesa.

3. O PARADIGMA DO ESTADO SOCIAL

A busca pela defesa da autonomia privada, explicitada na interpretação

individualista, abstrata e formal dos direitos de liberdade, de igualdade e de

propriedade, erigiu o Estado Liberal à condição de um Estado de atuação negativa.

A limitação da atuação estatal à garantia da segurança e da ordem públicas,

determinou o surgimento de um capitalismo monopolista, desumano e escravizador,

tornando a liberal-democracia insustentável.

6 LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 26. 7 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 61.

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A situação de crise sócio-político-econômica gerada pela insuficiência do

paradigma do Estado Liberal justificou o surgimento do Estado Social, cujos marcos

iniciais foram a Constituição mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919. O novo

paradigma, mais uma vez, pretendeu reinterpretar o papel do Estado, buscando

soluções para os problemas identificados no paradigma do Estado Liberal.

Para tanto, o paradigma do Estado Social ampliou a atuação do Estado, de

forma a que os deveres negativos do Estado cedessem espaço a uma atuação

positiva. Neste contexto, é a lição de Paulo Bonavides:

“quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou forma deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual Nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social ”.

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Nota-se que, no Estado Social, a autonomia pública prevalece sobre

autonomia privada, assumindo o Estado uma função paternalista e protetiva, “(...)

nitidamente intervencionista no objetivo de também garantir direitos sociais mínimos

aos cidadãos”.9 A referida intervenção, todavia, foi que propiciou o advento de

cidadãos-clientes do Estado, o qual, conforme lição de Marcelo Andrade Cattoni de

Oliveira,

“(...) intervém na economia, através de ações diretas e indiretas; e visa garantir o capitalismo através de uma proposta de bem-estar que implica uma manutenção artificial da livre concorrência e da livre iniciativa, assim como a compensação das desigualdades sociais através da prestação estatal de serviços e da concessão de direitos sociais”.

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8 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 186. 9 THIBAU, Vinícius Lott. As presunções legais relativas e o contraditório no paradigma do estado democrático de direito. 2007. 127f. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) – Faculdade Mineira de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2007, p. 21. 10 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Tutela jurisdicional e estado democrático de direito: por uma compreensão constitucionalmente adequada do mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 40 e 41.

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Com o clientelismo, estabeleceu-se a burocratização das iniciativas públicas,

que, por sua vez, impossibilitou ao cidadão perquirir seus próprios anseios em face

de uma criada “dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que este se acha,

perante fatores alheios à sua vontade, de prover certas necessidades existenciais

mínimas”. 11

4. O PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Com a grande discrepância entre os objetivos pretendidos pelo Estado Social

e a sua implementação, adveio a necessidade de reação diante de um paradigma

que, fundando-se na premissa de um Estado monopolizador, entrou em crise.

Conforme registra Vinícius Lott Thibau, com base em Gisele Cittadino,

“(...) o Estado Democrático de Direito visa corrigir as distorções concernentes à legitimidade do Direito havidas nos paradigmas jurídico-constitucionais do Estado Liberal e do Estado Social, uma vez que esses paradigmas cingem-se a disputar a hegemonia na 'determinação dos pressupostos fáticos para o status de pessoas do direito e seu papel de

destinatárias da ordem jurídica’.” 12

Assim sendo, numa versão procedimental, o paradigma do Estado

Democrático de Direito caracteriza-se por intencionar a união de aspectos positivos

do Estado Liberal e do Estado Social, buscando, desta forma, "'reconstruir’ o

potencial democrata radical já presente, (...) na própria autocompreensão da

modernidade”. 13 Isto porque, na atualidade, a legitimidade do Direito requer a

observância das autonomias pública e privada dos cidadãos, como esclarece Jürgen

Habermas:

“uma ordem jurídica é legítima na medida em que assegura a autonomia privada e a autonomia cidadã de seus membros, pois ambas são co-originárias; ao mesmo tempo, porém, ela deve a sua legitimidade a formas de comunicação nas quais essa autonomia pode manifestar-se e

11 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 200. 12 THIBAU, Vinícius Lott. Os paradigmas jurídico-constitucionais e a interpretação do direito. Meritum: Revista de Direito da FCH/FUMEC, Belo Horizonte, v. 3, p. 340, 2008. 13 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 64.

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comprovar-se. A chave da visão do direito consiste nisso. Uma vez que a garantia da autonomia privada através do direito formal se revelou insuficiente e dado que a regulação social através do direito, ao invés de reconstruir a autonomia privada, se transformou numa ameaça para ela, só resta como saída tematizar o nexo existente entre formas de comunicação que, ao emergirem, garantem a autonomia pública e privada”.

14

Tendo em vista a complexidade da Sociedade contemporânea, a legitimidade

do Direito passa por “um processo democrático através do qual os cidadãos

alcancem um entendimento acerca das normas de seu viver em conjunto”.15 Em

outros termos, a legitimidade do Direito decorre de procedimentos institucionalizados

que permitam ao destinatário da norma se reconhecer como seu próprio autor,

consoante diz André Cordeiro Leal:

“A teoria do discurso sustenta que o êxito da política deliberativa depende não da ação coletiva dos cidadãos, mas da institucionalização dos procedimentos e das condições de comunicação correspondentes. Uma soberania popular procedimentalizada e um sistema político ligado às redes periféricas da esfera público-política andam de mãos dadas com a imagem

de uma sociedade descentrada”. 16

Daí, o que se vê é que o paradigma do Estado Democrático de Direito

“não antecipa mais um determinado ideal de sociedade, nem uma determinada visão de vida boa ou de uma determinada opção política. Pois ele é formal no sentido de que apenas formula as condições necessárias segundo as quais os sujeitos do direito podem, enquanto cidadãos, entender-se entre si para descobrir os seus problemas e o modo de solucioná-los. Evidentemente, o paradigma procedimental do direito nutre a expectativa de poder influenciar, não somente a autocompreensão das elites que operam o direito na qualidade de especialistas, mas também a de todos os atingidos. E tal expectativa da teoria do discurso, ao contrário do que se afirma muitas vezes, não visa à doutrinação, nem é totalitária. Pois o novo paradigma submete-se às condições da discussão contínua (...)”.

17

14 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia – entre facticidade e validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 147. v. II. 15 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 66. 16 LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 14. 17 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia – entre facticidade e validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 190. v. II.

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5. CONCLUSÃO

É possível afirmar que o Absolutismo vigia fundamentado na pessoa do

monarca, que se confundia com o Estado e que atribuía aos indivíduos a condição

de súditos. A Revolução Francesa liderada pela Burguesia, dentre outros objetivos,

intencionou o afastamento da subserviência dos súditos em relação ao rei, a partir

da reivindicação dos direitos de liberdade, de igualdade e de propriedade privada.

No paradigma do Estado Liberal, somente era autorizada a intervenção do

Estado quando a ordem e a segurança públicas fossem abaladas. O Liberalismo

sustentava um Estado de cunho não intervencionista, a fim de se preservar a

liberdade dos cidadãos; tornava-se clara a predominância dos interesses privados

sobre o interesse público.

A ausência de intervenção estatal nas relações privadas, contudo, foi que

colocou o paradigma do Estado Liberal em xeque. A Revolução Industrial, com os

seus hoje notórios movimentos grevistas e de quebra dos maquinários, anunciou

não só uma situação de miséria de cidadãos excluídos da possibilidade de exercer

os direitos individuais reivindicados, como também importou em fundamento para

intervenção estatal.

Foi nesse contexto histórico que o Estado Social se originou. Baseado na

prevalência do público sobre o privado, neste paradigma, ao Estado cabia

estabelecer o que era bom para todos, monopolizar atividades e assumir posições

paternalistas. O Estado Social acabou por determinar o afastamento da autonomia

privada do cidadão.

O paradigma do Estado Democrático de Direito, numa versão proposta por

Jürgen Habermas, propõe a conjugação dos pontos benéficos dos paradigmas do

Estado Liberal e do Estado Social, a partir da pretensão de que os destinatários da

norma se reconheçam co-autores desta. Os direitos de participação e de fiscalização

apresentam-se como condições para uma almejada co-autoria na produção

normativa decorrente da observância das autonomias pública e privada, que não se

excluem, como se dá nos paradigmas do Estado Liberal e do Estado Social.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 8º ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

CARVALHO NETTO. Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do estado democrático de direito. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (coord.). Jurisdição e hermenêutica constitucional no estado democrático de direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Tutela jurisdicional e estado democrático de direito: por uma compreensão constitucionalmente adequada do mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia – entre facticidade e validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. v. II. LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

THIBAU, Vinícius Lott. Os paradigmas jurídico-constitucionais e a interpretação do direito. Meritum: Revista de Direito da FCH/FUMEC, Belo Horizonte, v. 3, 2008. THIBAU, Vinícius Lott. As presunções legais relativas e o contraditório no paradigma do estado democrático de direito. 2007. 127f. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) – Faculdade Mineira de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2007.