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Breve parecer histórico sobre Comunidade Maciel1
“Ai minha Nêga, nos ajudem, ninguém
quer sair daqui. Com essa nossa idade,
ninguém quer sair daqui...”2
A fala citada acima é de Ione Tavares da Silva, moradora há 45 (quarenta e cinco) anos na
Comunidade Maciel e, apesar do receio em falar, seu comentário demonstra o desassossego desta
mulher que implora aos representantes do Ministério Público que intervenham para que sua vida
permaneça onde está.
Todas as informações contidas nesse parecer histórico estão baseadas em entrevistas com
integrantes da comunidade de pescadores artesanais e reuniões com representantes de instituições
como o Ministério Público - MPPR e Instituto Ambiental do Paraná – IAP3.
Pelos relatos, concluiu-se que moradores com mais de oitenta anos nasceram ali e
relembram de histórias contatadas pelos seus pais e avós que já habitavam esse mesmo lugar, com a
mesma atividade: viviam e vivem da pesca.
Destaca-se que os moradores estão receosos e sentem medo com a chegada de estranhos na
comunidade. Relatam que sentem saudades do tempo em que havia festas, almoços e quando as
práticas religiosas eram mais constantes.
Localizada no litoral paranaense, a Comunidade Maciel, também conhecida como “Ilha do
Maciel” está no continente, e pertence ao município Pontal do Paraná, porém, a única forma de
acesso é pelo oceano. Na ponta da Ilha do Maciel, está a baia de Paranaguá e a foz do rio Maciel. A
principal atividade desenvolvida pelos moradores da Ilha Maciel é a pesca artesanal.
Localização da comunidade de pescadores artesanais:
1 Texto produzido por Claudia Cristina Hoffmann, historiadora, mestre em Sociedade, Cultura e Fronteiras pelaUniversidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, pesquisadora do Núcleo Povos e ComunidadesTradicionais que pertence ao CAOPDH/MPPR - Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Promoção aosDireitos Humanos do Ministério Público do Paraná.
2 Entrevista concedida à autora, por Ione Tavares da Silva, em 01.04.2016.3 Com base em análise de documentos e entrevistas feitas durante visita à Comunidade Maciel em 01 de Abril de
2016 junto com a outros integrantes da equipe do Centro Operacional de Apoio às Promotorias de Proteção aosDireitos Humanos do Ministério Público do Estado do Paraná (CAOP/Direitos Humanos/MPPR), Keity Cruz(Assistente Social) e Ana Carolina Brolo de Almeida ( Assessora Jurídica).
Sobre a legalização jurídica do território surgiram várias histórias contadas pelos moradores,
a primeira foi sobre um documento que chegou até a liderança dos pescadores Moacir Cordeiro, que
diz respeito ao Decreto Municipal 5532/2016 de 23.02.2016, do Município de Pontal do Paraná,
referente à expropriação desta terra4. Trata-se da determinação municipal – sem consulta aos
integrantes da comunidade - de desapropriação dos moradores e deslocamento destes para casas
na cidade, em curto prazo de tempo.
A ameaça de desapropriação pela possibilidade de construção do Porto Pontal5, o qual
causaria impacto direto ao meio-ambiente e modo de vida deles, na atividade pesqueira e na cultura
da região, extinguiria, a priori, o cotidiano tradicional dos aproximadamente 200 (duzentos)
moradores da Ilha Maciel.
4 Documento segue em anexo.5 CORREIO DO LITORAL. COM : “Governo Federal Declara utilidade pública do Porto Pontal : site
”http://correiodolitoral.com/12723/noticias/noticiario/pontal-do-parana/governo-federal-declara-utilidade-publica-do-porto-pontal. Acesso em 13.05.2016.
Conforme documentação analisada e relato de uma moradora: “ninguém veio falar com a
gente, só chegou o documento, de repente...”6, a moradora refere-se ao documento de realocação
das famílias para outro lugar e percebe-se aqui a falta da consulta prévia às comunidades quanto ao
encaminhamento do processo de desapropriação e falta de informações aos moradores.
O projeto de construção do Porto Pontal não incluiu, até o presente momento, consulta à
comunidade de pescadores artesanais nem das comunidades indígenas da região, as quais também
correm riscos de alteração no modo de vida. Segue em ritmo acelerado, conforme consta em
documento em anexo7, o trâmite para a construção do Porto.
Outra informação confusa para os moradores é de que o território pertence à União e que em
2005 foi ocupado por militares da aeronáutica, os quais deram um prazo para a saída dos
pescadores, já que o mesmo território pertenceria à Aeronáutica e serviria para a construção de um
ponto de pouso.
Elzo Lopes8, de 84 (oitenta e quatro) anos, conta que quando aqueles 50 (cinquenta) homens
da Aeronáutica chegaram com armamento pesado, ele mesmo telefonou para um canal de televisão,
RPC, e a equipe de reportagem chegou, assustando os militares, que foram embora. Relembra o
episódio da Aeronáutica: “Sou garrado por esse lugar aqui, daqui só saio morto9”.
Elzo afirma que sua mãe nasceu na ilha e que João Carlos Ribeiro ofereceu um terreno para
ele e sua família em Pontal do Paraná, mas que não aceitou. E que seus vizinhos já aceitaram e
venderam, em um dos casos receberam apenas a quantia de 2.000,00 (dois mil) reais pela terra,
valor não compatível com o terreno, sendo bem abaixo do esperado.
Ainda, que o território pertence ao empresário João Carlos Ribeiro, e este mantém um
vigilante na ilha, conhecido como “espião”, “capanga” ou “Baixinho” e que este mora há alguns
anos ali, só para vigiar, para saber de toda movimentação, já que comprou terrenos de moradores
que foram embora.
Segundo matéria jornalística10 da época, os então aproximadamente 400 (quatrocentos)
moradores teriam que deixar suas casas em até 20 (vinte) dias, porque os militares armados traziam
a notificação da expropriação. Na mesma notícia, o informativo afirma que a área pertencia à
Imobiliária Pontal, que em 1976 cedeu ao Ministério da Aeronáutica para a construção de uma base
e uma pista de pouso. Como a construção não ocorreu, a escritura prevê a devolução da área ao
doador. Mas a imobiliária queria de volta o terreno limpo, sem moradores.
Na contramão, o presidente da Federação das Colônias de Pescadores do Paraná, Edmir
Manuel Fernandes11, afirma que os pescadores estão presentes na ilha há muito mais tempo do que o
contrato de cessão.
6 Entrevista concedida à autora, por Ione Tavares da Silva, em 01.04.2016.7 Comprovante da licença para a construção do Porto Pontal, com aval do governo estadual.8 Entrevista concedida à autora, por Elzo Lopes, em 01.04.2016.9 Entrevista concedida à autora, por Elzo Lopes, em 01.04.2016.10 A Tribuna de 26/11/2005 site: http://www.parana-online.com.br/editoria/pais/news/151088/ Acesso em 12.05.2016.11 http://www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/151088/ Acesso em 11.05.2016
A igreja do vilarejo tem mais de 170 (cento e setenta) anos e existe gente que mora na ilha
há mais de 80 (oitenta) anos. Na matéria o presidente relata ainda que os moradores, quase todos de
baixa renda, são descendentes de índios e que dependem da pesca artesanal para sobreviver, e estão
assustados pela forma como a ação ocorreu. Todos estão sem compreender direito o que se passou.
Ainda que tenha terminado o dia de forma pacífica, os relatos são de que de vez em quando há tiros
disparados a fim de assustar os pescadores.
Atualmente os moradores da Ilha continuam vivenciando situações em que ouvem tiros,
helicópteros sobrevoando próximo às suas moradias e embarcações que se aproximam da ilha de
forma hostil, deixando-os amedrontados. Sentem-se cotidianamente ameaçados por esse contexto e
não conseguem, com as informações que tem, explicar o porquê de tudo isso. Alguns citam João
Carlos Ribeiro como responsável pelas ameaças.
Uma das casas na ilha que pertencia a Dauzira da Silva Neves, de 72 (setenta e dois) anos de
idade, foi desmanchada depois que foram comunicados de que aquele espaço era “Uso- Capião” e
supostamente pertence a Francisco Miranda das Neves, o qual colocou placa informativa no local e
cercou, conforme pode-se visualizar na fotografia abaixo:
Dauzira afirma que mora na ilha há pelo menos cinquenta anos e que seus sogros sempre
pescaram e plantaram ali. A moradora está assustada com tudo o que tem acontecido. Relata que
antigamente era tranquila a vida na ilha.
Sobre os moradores que foram embora, segundo os relatos foi porque não suportaram a
sucessiva e gradual retirada de serviços básicos da Ilha e a baixa na renda da atividade pesqueira.
Atualmente a comunidade lá localizada conta com aproximadamente 16 (dezesseis) famílias, a
maioria pescadores que vem ao longo dos últimos anos com um sistemático corte de benefícios:
1. Retirada da Escola – conforme a foto abaixo, só restam os destroços da antiga edificação), 12
Antigamente havia uma escola na ilha, mas faz 8 (oito) anos que o Prefeito de Pontal do
Paraná retirou ela da Comunidade e desde então, todas as crianças da Comunidade, atualmente
cerca de 35 (trinta e cinco) se deslocam de barco para a cidade para estudar. Foi visível a
precariedade do barco e a forma como as crianças são transportadas, pois o barco não tem cobertura
fixa, somente um plástico por cima de suas cabeças. No relato de Janaína, menina de 9 (nove) anos,
quando chove e faz frio, ela fica molhada desde a saída da manhã até seu retorno, o que significa,
das cinco e meia da manhã, até treze horas da tarde.
Ainda é possível ver as pedras que se tornaram ruínas, vestígios da antigo construção onde
funcionava a escola.
Na imagem que segue, é notória a precariedade da embarcação, principalmente em dias frios
e chuvosos.
Não há trapiche na hora do desembarque dessas crianças que chegam no município de
Pontal do Paraná para estudar, então, todos os dias, elas molham seus pés e pernas, e assim
12 Retirada da Escola, Retirada do Posto de Saúde, aumento dos valores de conta de energia elétrica, etc.
permanecem durante toda a manhã, até o retorno para suas casas.
O Posto de Saúde é outro serviço retirado da comunidade, os moradores mais jovens nem se
lembram da existência deste, considerando que faz mais de 20 (vinte) anos que esse benefício lhes
foi usurpado.
Ainda, conforme documento Plano Diretor do município de Pontal do Paraná, a
Comunidade Maciel foi simplesmente suprimida do mapa, como se não existisse.
A visita até a comunidade resulta na comprovação de que a vida desses moradores da ilha
está sendo afetada de forma violenta.
Claudia Cristina Hoffmann
Historiadora
CAOP/MPPR