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Rev Med Minas Gerais. 2005;15(2):119-25 119

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BREVE HISTÓRIA DA PSICOSSOMÁTICA: DA PRÉ-HISTÓRIA À ERA ROMÂNTICA

PSYCHOSOMATIC BRIEF HISTORY: FROM PREHISTORIC TO ROMANTIC ERA

JOSÉ LORENZATO DE MENDONÇA*

RESUMO

O artigo descreve passagens históricas da construção do conhe-cimento biológico e psicológico em busca da compreensão dasinter-relações entre mente, corpo e ambiente, na saúde e nadoença. Sugere que esse processo vem descrevendo um movi-mento oscilatório do idealismo ao materialismo, que se anula erenasce no materialismo da história, construindo os conceitos dapsicossomática contemporânea.

Palavras-chave: Medicina Psicossomática/história;História da Medicina

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios, a humanidade vem acumulando

evidências de que a saúde é decorrente das boas condições

do corpo, da alma e do ambiente. Inicialmente partindo

de crenças mágico-religiosas, exímios e corajosos estudio-

sos foram lentamente observando e conquistando conhe-

cimentos sobre a natureza das enfermidades. Alguns estu-

daram com profundidade um ou outro de seus aspectos,

isoladamente, enquanto outros tentavam compreender a

inter-relação dos fatores desencadeantes de forma integra-

da (não-dissociada). Os conhecimentos obtidos pela ciên-

cia ao longo dos séculos foram construindo três disciplinas

fundamentais no estudo da natureza das doenças: a biolo-

gia, a psicologia e a sociologia. Apesar da crença na exis-

tência de inter-relações entre a mente e o corpo ser tão

antiga quanto a história da humanidade, a palavra psicos-somática (em grego, psique=mente e somático=corpo) só

foi surgir em 18181,2. No século XX, embora prescinda da

referência social, o termo passou a ser utilizado para desig-

nar uma assistência biológica, psicológica e social da saúde

e da doença, uma área de estudo trans-disciplinar (inters-

ticial), em que a expressão “sociopsicossomática” teria sido

mais adequada.

Veremos uma sinopse histórica do esforço humano

para compreender as inter-relações entre a mente e o

* Professor Assistente do Departamento de Saúde Mental Faculdade de Medicina Universidade

Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência:

Faculdade de Medicina / Departamento de Saúde Mental

Av. Alfredo Balena, 190 sala 4.050

telefone: 3248-9785

30.130-100 Belo Horizonte

Minas Gerais

e-mail: [email protected]

Data de Submissão:

17/03/04

Data de Aprovação:

08/03/05

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BREVE HISTÓRIA DA PSICOSSOMÁTICA: DA PRÉ-HISTÓRIA À ERA ROMÂNTICA

corpo na saúde e na doença – a psicossomática. Portanto,não será abordada a dimensão social, embora sejam feitasalusões ao tema. Assim, para o estudo dos determinantessociais das enfermidades, das condições materiais desobrevivência e bem-estar, sugerimos ao leitor buscar ostextos de sociologia ou economia que tratam da produ-ção, controle e distribuição do dinheiro no planeta, o ter-ceiro co-determinante essencial da saúde e da doença.Infelizmente, cumpre registrar aqui nossa dificuldade emencontrar estudos sobre o dinheiro na literatura científi-ca de sociologia médica (medicina social).

PRÉ-HISTÓRIA

Há cerca de 10 milhões de anos, parece ter existido naterra um ancestral comum dos chimpanzés, gorilas e sereshumanos, devido às grandes semelhanças anatômicas,básicas e genéticas que apresentam. Entre cinco e oitomilhões de anos, possivelmente premidos na luta pelasobrevivência e sujeitos às mudanças ambientais e genéti-cas, desse tronco comum surgiram ramos evolutivos dis-tintos, que deram origem aos humanos e aos grandessímios. Estudos com chimpanzés sugerem que eles seriamcapazes de criar conhecimento e tecnologia, faculdadeque se acreditava exclusiva do ser humano, ilustrando acomplexidade de se precisar a origem dos mecanismosque possibilitaram o surgimento da alma (mente) huma-na no planeta. Embora existam muitas incertezas sobre aorigem do homem, estima-se que, há quatro milhões deanos, ele é capaz de andar ereto e que os primeiros huma-nos surgiram, provavelmente, há 2,5 milhões de anos.Eles não tinham condições de articular palavras comonós, falavam de uma maneira vagarosa e enrolada, prova-velmente, uma linguagem de gestos e sons muito poucoarticulados. Alguns autores chamam a atenção para trêscaracterísticas básicas do homem que parecem relaciona-das: a capacidade de falar, a divisão do cérebro em duasmetades e o uso preferencial de uma das mãos, esta últi-ma presente nos diversos primatas. Entretanto, se o Homoheidelbergensis dominou o fogo, o Homo sapiens sapiensdominou a palavra; o desenvolvimento pleno da lingua-gem oral e, com ela, a invenção da escrita possibilitaramo surgimento das primeiras civilizações no planeta. Se osurgimento do pensamento humano foi uma das formasde sobrevivência encontrada por essa espécie animal, adoença sempre foi uma das maiores ameaças à sua existên-cia e a insanidade, uma de suas faces.

O crescente processamento de informações no cére-bro destes primatas foi permitindo-lhes, gradualmente,identificar e evitar os perigos (como a fome, o raio, asede, a inundação, outros animais etc.) como tambémbuscar, com mais eficiência, a satisfação de suas necessi-dades. Embora o pensamento pareça ter surgido na sele-ção natural das espécies como mais uma forma de sobre-vivência, trouxe também consigo uma nova fonte de

sofrimento – cada humano foi-se tornando, para simesmo e para o outro, um animal muito especial, poissua proximidade freqüentemente trazia prazer ou morte.Construíam e eram construídos pelo surgimento da lin-guagem e do pensamento, intercambiavam representa-ções mentais e bens materiais. Entre os povos primitivos,essas trocas de bens materiais se davam na forma deescambo (troca de um produto por outro, sem utilizaçãode moeda), que funcionava bem enquanto não se neces-sitava de ampla variedade de produtos. Mas, como opensamento ampliava cada vez mais o horizonte dosdesejos, aos poucos as pessoas começaram a aceitar certosobjetos em troca de determinado produto, a simbolizar,a convencionar a respeito de objetos valorizados pelas tri-bos, surgindo a primeira forma de dinheiro (peles, gado,peixe, cereais, sal, anzóis, enxadas, panelas, anéis).

ANTIGÜIDADE

Na História da Psiquiatria de Alexander e Selesnick3,que utilizaremos como roteiro e fonte histórica principal,observa-se que um dos registros mais antigos do esforçohumano para compreender as inter-relações entre ocorpo e a mente foi escrito na Mesopotâmia, região entreos rios Tigre e Eufrates (hoje corresponde ao Iraque). Aliviveu Hamurabi, entre 1850 e 1750 a.C., um dos maio-res reis da Babilônia, que organizou o Código deHamurabi, uma das primeiras coleções de leis da históriada humanidade. O princípio geral do código era “o fortenão prejudicará o fraco” e a causa da doença mental eraatribuída aos demônios, propondo o tratamento mágico-religioso para se obter a cura das doenças. Nos Papiros deEbers e Smith (1550 a.C.), o tratamento mágico-religio-so dos egípcios incorporou a indicação de passeios, con-certos, danças, pintura e recreações para os doentes. Paraos hebreus, a causa da loucura era demoníaca e o trata-mento deveria ser religioso; no Talmude (1000 a.C),encontram-se frases curiosas: os homens bons têmsonhos maus... o paciente deve falar de suas preocupa-ções... a loucura é punição pelos pecados.

No livro sagrado dos persas (Zendavesta, 1000 a.C.),também a causa da insanidade era demoníaca e o trata-mento religioso; encontra-se nesse livro uma sugestãosingular: quando os doutores da faca, das ervas e da pala-vra competem, busque o da palavra. Os Vedas (1000a.C.) partilhavam da crença na causa demoníaca e no tra-tamento religioso: a bondade está no cérebro, a paixão nopeito, a ignorância no abdômen. Cerca de 500 a.C., naregião do Nepal, surgiu Buda, um príncipe hindu quedesenvolveu uma técnica “psicológica” de meditação paraalcançar o nirvana (estado tranqüilo, sem esforço ou pai-xão), uma forma de meditação em quatro estágios (jha-nas): desprezo pelo mundo, amor a si próprio, apatia,completo vazio livre de emoção.

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ERA CLÁSSICA

Nos grandes filósofos da Grécia antiga podem seridentificadas as raízes da psicologia, pois eles formulavamperguntas fundamentais sobre a vida mental: o que é aconsciência? O que é o sonho? Existe o livre arbítrio? Ascapacidades humanas são inatas ou adquiridas? A concep-ção nativista afirmava que os seres humanos vêm aomundo com um suprimento inato de conhecimento eentendimento da realidade, enquanto a empirista argu-mentava que o conhecimento é adquirido pelas experiên-cias e interações com o mundo.

Homero (1000 a.C.) reconheceu a insanidade como umcastigo dos deuses e menciona Asclépio (Esculápio, para osromanos), que mais tarde se tornou o deus da medicina,como mortal. Os seguidores de Asclépio usavam o sono dotemplo para curar e a serpente como símbolo do poder (umfenômeno e um símbolo que se tornarão objetos de investi-gações futuras). Para Pitágoras (500 a.C.), o cérebro era oórgão do intelecto e a sede da doença mental; para Sócrates(470 a.C.), o conhecimento viria da indagação.

Hipócrates (460 a.C.) é considerado o pai daMedicina por ter encarado as doenças em suas bases natu-rais, afirmando que a epilepsia não era sagrada, mas umadoença. Em Corpus Hippocraticum, reuniu suas observa-ções como o poder curativo da natureza (medicatrix natu-rae), os conceitos de homeostase e de síndrome, a impor-tância de os médicos publicarem seus insucessos e o prin-cípio geral de nunca agravar o estado de saúde do pacien-te (primum non nocere). Elaborou a primeira classificaçãodas doenças mentais: epilepsia, mania, melancolia e para-nóia; dividiu as personalidades em coléricas, fleumáticas,sangüíneas e melancólicas. Além de verificar as condiçõesmateriais de sobrevivência do enfermo, buscava uma his-tória detalhada da vida dos pacientes e estudava a relaçãoentre o médico e o paciente (tema central da psicologiamédica contemporânea).

Para o filósofo Platão (427 a.C.), as idéias eram abso-lutas, imutáveis e perfeitas, enquanto o mundo é mutávele imperfeito, introduzindo assim a realidade psicológica –a existência dentro de todos nós de uma alma racional euma alma irracional em luta. Em sua República, anteci-pou-se à teoria do sonho de Freud. Já o famoso filósofoAristóteles (384 a.C.), um dos primeiros cientistas danatureza, fundou várias ciências e descreveu a consciência,a percepção, os estados afetivos e a memória; consideravao pensamento um esforço para eliminação da dor eobtenção do prazer. Cícero (106-43 a.C.), embora fossesenador e filósofo, dizia não entender por que existia aarte médica para o tratamento do corpo e não existia umaarte para o tratamento da alma. Apesar de não ser médi-co, declarou que as doenças corporais podiam ser resulta-do também de fatores emocionais; por esse motivo, segun-do Alexander e Selesnick3, talvez Cícero mereça o títulode primeiro “psicossomata” da história.

IDADE MÉDIA E RENASCENÇA

Santo Agostinho (354-430) foi um dos precursores dafenomenologia, do existencialismo e da psicanálise – acre-ditava que a fonte do genuíno conhecimento psicológicoera a introspecção. Com intransigente veracidade consigomesmo, desnudou sua alma quase sem reservas; não acre-ditou na inocência angelical das crianças, chamando dehipocrisia a negação de nossas motivações inconfessáveis.Rhazes (865-925) chegou a combinar métodos psicológi-cos e fisiológicos, usou o termo psicoterapia, criticou asexplicações demonológicas, tendo sido condenado a sergolpeado com seu livro na cabeça até a cegueira. Pareciasuspeitar de alguma relação entre as doenças físicas e asemoções. Nessa época, muitas mulheres foram culpadasda licenciosidade dos religiosos, sendo consideradas, por-tanto, transmissoras do demônio: caça às feiticeiras! Osalemães Kraemer e Sprenger publicaram, em 1484, oManual da Inquisição, com apoio do Papa Inocêncio VIII,do rei de Roma e da Universidade de Colônia. Em 1487,organizaram a caçada com o livro Malleus Maleficarum,onde propuseram a destruição sumária dos dissidentes,cismáticos e doentes mentais.

Ao período medieval seguiu-se o renascimento do res-peito aos escritos originais dos romanos e gregos, o despre-zo pelo escolasticismo medieval, mas sob o princípio de quea ciência não podia depender de autoridade como fonte deconhecimento. Enquanto os professores de medicina prefe-riam assistir de cátedra as dissecações feitas pelos funcioná-rios, Andréas Vesalius (1514-1564), que violava túmulospara estudar anatomia nos cadáveres, demonstrou os errosde anatomia cometidos por Galeno (200), que se baseava nadissecação de animais, uma vez que era proibida a disseca-ção de corpos humanos no Império Romano.

A observação começava a substituir a teoria. O huma-nismo floresceu buscando ajudar o homem a encontrarum melhor modo de vida – todos os homens têm digni-dade e valor. Mirandola (1463-1494) afirmou que todohomem é livre para determinar seu destino, que deve seratingido através da educação; educação era sinônimo depsicologia aplicada. Para Luís Vives (1492-1540), é aexperiência emocional e não a razão abstrata que desem-penha papel primordial nos processos mentais, anteci-pando-se à psicanálise. Niccolo Maquiavel (1469-1527),primeiro psicólogo social, tentou descrever os sereshumanos sem julgamento moral. Nessa época, doismédicos se notabilizaram na luta contra os caçadores defeiticeiras: Paracelso (1493-1541) e Weyer (1515-1588).Para eles, muitas “feiticeiras” eram doentes mentais e,portanto, deveriam ser confiadas aos médicos e não aosreligiosos para serem conduzidas ao castigo ou à morte.Weyer descreveu várias doenças mentais, publicou AIlusão do Demônio, lutou para provar que as doençasmentais não eram sobrenaturais ou sagradas, tendo sidochamado de louco.

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BREVE HISTÓRIA DA PSICOSSOMÁTICA: DA PRÉ-HISTÓRIA À ERA ROMÂNTICA

ERA DA RAZÃO

A antiga celeuma entre nativismo e empirismo (atual-mente, natureza e experiência) foi protagonizada peloracionalista radical René Descartes (1596-1650), umnativista que acreditava ser o homem composto de umasubstância pensante (alma) e uma substância extensa(matéria), que se conjugavam na glândula pineal.Estabeleceu uma dicotomia entre o corpo e a alma, con-siderando a consciência o maior atributo do homem eafirmando que a alma não deixaria de ser o que é, aindaque não houvesse corpo: “penso, logo existo” (cogito ergosum). Este é um dos temas centrais da psicossomática,tendo molestado uma série de autores ao longo da histó-ria, como a Damásio4, recentemente, para quem o pontode partida da ciência e da filosofia deveria ser anticartesia-no: existo (e sinto), logo penso.

A concepção empirista teve em John Locke (1632-1704) seu defensor, segundo o qual a mente humana éum papel em branco (tabula rasa) onde a experiência“escreve” o conhecimento à medida que o indivíduo ama-durece. Esta perspectiva deu origem à psicologia associacio-nista – a mente era repleta de idéias que chegavam pelossentidos e depois se associavam umas às outras por simi-laridade e contraste5.

Thomas Sydenham (1624-1689), médico inglês, intri-gado com o papel da mente na produção das doenças, foium exemplo de intransigência empírica, combinada comobservação clínica afinada. Notou a importância de seobter a história de cada doença, destituída de qualquerintromissão filosófica, moral ou religiosa do médico; acre-ditava apenas no que podia ver à beira da cama dos pacien-tes e sempre desconfiou dos livros. Embora soubesse que apalavra histeria em grego significasse útero, observou queindivíduos do sexo masculino também sofriam dessadoença e que fatores psicológicos participavam da origeme evolução das doenças.

Baruch Spinoza (1632-1677), talvez o mais famosopré-freudiano, veio trazer rudimentos epistemológicospara a psicossomática contemporânea – substituiu o dua-lismo cartesiano e o empirismo lockiano pelo paralelismopsicofisiológico3. Afirmava que a mente e o corpo sãoinseparáveis porque são idênticos, que a psicologia e afisiologia são dois aspectos da mesma coisa (ordo rerum etidearum idem est). Para Spinoza, Deus é natureza, é o pró-prio universo, é extenso e corporal. Os acontecimentospsicológicos são determinados da mesma forma que osacontecimentos físicos, cujo princípio fundamental é aperpetuação do ser – comparável ao princípio da estabili-dade (homeostase) de Fechner, Freud, Claude Bernard eCânon. Aproximou-se do conceito de inconsciente quesurgiria com Freud – a psicanálise estava prestes a brotar.

Na literatura, Miguel Cervantes (1547-1616) eWilliam Shakespeare (1564-1616) demonstraram, pela

primeira vez na história, incrível insight das profundezasinconscientes da mente humana.

Cullen (1712-1790) foi o primeiro autor a empregar otermo neurose para doenças sem febre ou afecção localizada.Na época, o tratamento era dieta, sangria, vomitório, cho-ques, coação, ameaças e camisa de força. Para Rousseau(1712), o homem nasce livre, mas em toda parte os homensestão acorrentados, a sociedade os corrompe.

Os povos antigos já praticavam alguma forma de hipno-se em seus rituais religiosos e as pessoas em transe hipnóticoeram tidas como portadoras de poderes extraordinários,emanados dos deuses. Documentos históricos mostramsacerdotes do antigo Egito induzindo um estado semelhan-te ao da hipnose numa cerimônia religiosa denominada sonodo templo. Eles faziam sugestões curativas às pessoas doentesem nome de seus deuses, possivelmente durante estadossimultâneos de auto-hipnose. O poder aparente de umapessoa sobre a outra durante a hipnose foi condenado pelocristianismo como atividade demoníaca e associado a bruxa-ria e magia negra até o século XIX.

O médico austríaco Franz Mesmer (1734-1815) acredi-tou que os corpos celestes e os corpos animados se achavamimpregnados de um fluido universal e contínuo, capaz detransmitir influências mútuas. Desenvolveu sua teoria do“magnetismo animal” (mesmerismo), segundo a qual essefluido permitiria a uma pessoa exercer sobre a outra umapoderosa influência “magnética”, inclusive curar distúrbiosnervosos. No início, usava imãs nos tratamentos, convenci-do de que eles concentravam o fluido mágico; depois passoua usar qualquer objeto que entrava em contato com sua pes-soa, afirmando, mais tarde, que um gesto de suas mãos erasuficiente para fazer os pacientes receberem sua força mag-nética. Admirado por seus pacientes, mas considerado char-latão pela comissão de inquérito composta pelo cientistaFranklin, o astrônomo Bailly, o botânico Jussieu, o químicoLavoisier e o médico Guillotin, foi obrigado a deixar Viena,em 17783. Sobre a teoria de Franz Mesmer, escreveu Jussieu:sua teoria é inexata, mas às vezes parece que cura. Logo come-çaram a surgir suspeitas de que o magnetismo animal e osfluidos invisíveis não existiam, mas que era a fé nos poderesque pareciam produzir resultados (a fé – objeto de estudo dapsicologia cognitiva). James Braid (1795-1860), cirurgiãoescocês, afirmou nada haver de mágico nos estados de tran-se, que eram causados simplesmente pelo cansaço, depois deprolongado período de concentração. Acreditava que osujeito encontrava-se em uma espécie de sono (em grego,hypnos=sono), criando, em 1840, o termo hipnose.

REAÇÃO ROMÂNTICA

Período da redescoberta da irracionalidade da psique,do reconhecimento do instinto e da paixão – a vidamelhor, prometida pelo racionalismo, é ilusória! Ohomem e seu mundo interior, seus casos de amor, suasamizades e intrigas tornaram-se mais fascinantes – a psi-

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BREVE HISTÓRIA DA PSICOSSOMÁTICA: DA PRÉ-HISTÓRIA À ERA ROMÂNTICA

que surgia de novo. A psicoterapia surge como um novoinstrumento capaz de corrigir algumas doenças corporais– os pensamentos e as emoções podem corrigir disfunçõesno cérebro. O avanço da compreensão psicológica encon-tra em Moreau de Tours (1804) significativo impulso,com afirmações do tipo: a base do entendimento psicoló-gico é a introspecção, os sonhos são a pista para o conhe-cimento das perturbações, sonhar é a psicopatologia tran-sitória da pessoa normal.

Em 1803, o médico alemão Johann Christian Reil(1759-1813) publicou o primeiro tratado sistemático depsicoterapia, afirmando que a psicologia podia oferecer aomédico um novo recurso terapêutico capaz de influenciaraté mesmo a evolução de doenças corporais. Para ele, adoença mental era um fenômeno psicológico, cuja causaexige métodos psicológicos de tratamento. Afirmou queexistia uma interação entre os fenômenos psicológicos efisiológicos no organismo e que era necessário entender apersonalidade sadia para que a alma doente pudesse sercompreendida. Chegou a afirmar que a psicologia era tãofundamental à medicina quanto a farmacologia porque ohomem só existe numa interação mútua entre aconteci-mentos psicológicos e fisiológicos. Segundo ele, o médicopode exercer influências psíquicas sobre o paciente, por-tanto os sentimentos e as idéias (emoção e cognição)podem ser os meios pelos quais algumas perturbações docérebro podem ser corrigidas. Enfim, apesar de especialis-ta em anatomia cerebral, foi um pioneiro da psiquiatriaao propor a cura de algumas doenças mentais com a inter-venção psicológica. Embora filho de ministro religioso,foi um cientista natural que reconheceu o papel da exci-tação sexual em algumas perturbações mentais e acreditouque seria possível aplicar ao estudo dos fenômenos psíqui-cos o mesmo método científico dos estudos do cérebro.

Johann Christian Heinroth (1773-1843) foi um médi-co alemão que se tornou famoso pela compreensão intui-tiva do conflito interior. Nascido dentro da tradição lute-rana, escrevia suas idéias sobre o assunto em linguagemreligiosa, considerava a “consciência individual” um novoprincípio religioso, um representante interior de Deus.Heinroth considerou os processos psicológicos divididosem três níveis de funcionamento: o mais baixo, das forçasinstintivas e sentimentos em busca de prazer; o segundo,que chamou de ego, que funciona sob orientação do inte-lecto; e o mais elevado nível de funcionamento mental,que chamou de consciência (supernós). Segundo ele, oobjetivo do ego é a segurança em relação ao mundo exte-rior e a consciência se desenvolveria por uma diferenciaçãodentro do ego. Para ele, o corpo e a psique não são senãodois aspectos da mesma coisa, que aparece exteriormenteno espaço como corpo e interiormente como psique. Suatese principal era que esses dois aspectos do eu não seriamdivisíveis. Em 1818, o termo psicossomático foi usadopela primeira vez na literatura médica por Heinroth, ao

descrever um caso de insônia sem explicação orgânica apa-rente. Assim, ele exprimiu sua convicção quanto à influên-cia das paixões sexuais também na epilepsia, na tuberculo-se e no câncer, embora sustentasse que a causa fundamen-tal da perturbação mental era o pecado, para ele equivalen-te ao egoísmo, tema recentemente abordado porSteinberg6. Quiçá fosse mais famoso se não tivesse seexpressado numa linguagem religiosa-moralista, visto queum dos conceitos centrais da psicologia moderna estavasendo formulado – o de conflito interior. Talvez, se tivesseempregado a expressão “sentimento de culpa” em lugar de“pecado”, teria sido mais prontamente reconhecido comoprecursor da psicanálise. Foi um verdadeiro filho da eraromântica, acreditava que a individualidade de cadapaciente devia ser o guia fundamental na escolha da tera-pia. Considerava indispensável adequar a atitude do médi-co com a personalidade singular do paciente, merecendoalguns mais calor e bondade e outros mais firmeza e força,em direção a uma psicoterapia individualizada.

Alexander Haindorf (1782-1862) tentou explicar asorigens fisiológicas dos impulsos humanos e suas relaçõescom o raciocínio e as partes do cérebro. Friedrich Gross(1768-1852) tentou combinar conceitos filosóficos comreações fisiológicas e propôs que o homem é influenciadopor forças fisiológicas das quais não tem consciência, quedeterminam também suas reações. Mais tarde, autoresmodernos iriam afirmar que, se os impulsos instintivosnão forem adequadamente satisfeitos ou sublimados,ocorrerá uma neurose ou uma condição psicossomática.Friedrich Beneke (1798-1854) acrescentou que as idéiaspodiam ser simbolizadas e expressadas em reações fisioló-gicas, admitindo uma ação do pensamento na produçãode doenças físicas. Ernst von Feuchtersleben (1806-1894)criticou o dualismo filosófico que mantinha a dicotomiamente-corpo e que considerava a mente e o corpo comoduas realidades de naturezas distintas e interagentes.Afirmava que a doença mental era resultado de perturba-ção da personalidade, que o corpo e a mente eram umúnico fenômeno. Defendeu a importância do tratamentopsicoterápico para essas enfermidades – a psicoterapiacomo uma forma de segunda educação. A hipótese de queo pensamento e as emoções exercem funções importantesno funcionamento e equilíbrio da mente e do corpo aospoucos vai tomando forma.

Embora tenham trazido mais abrangência para oconhecimento humano, os românticos renasceram o vita-lismo dos antigos, com a tentativa de reintroduzir na ciên-cia conceitos animistas da existência de uma “energia vital”,independente das leis naturais da química e da física. Umexemplo dessa deficiência nota-se em Karl Carus (1789-1869), um obstetra que toma o conceito de “inconsciente”como eixo central de sua filosofia, antecedendo SigmundFreud – “a chave para a compreensão da essência dos pro-cessos mentais conscientes reside na região do inconscien-

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te”. Mas é um conceito equivalente a uma força vital cria-dora, destituído de coerência científica: “o inconscienteanima todos os processos fisiológicos; portanto, todas asdoenças orgânicas estão enraizadas na mente inconsciente”.

O estilo romântico, que predominou nas artes ocidentaisao longo do séc. XIX, sobrepunha os sentimentos à razão,valorizava a imaginação e a inspiração em vez do pensamen-to lógico e objetivo. Era uma oposição ao estilo classicista,originário da Grécia antiga, que enfatizava a ordem, o equi-líbrio, a simplicidade e a razão. Este confronto, que sempreesteve presente na arte e na ciência, ainda se expressa na evo-lução dos conceitos e práticas da psicossomática contempo-rânea, como entre a psicanálise e a psicologia cognitiva.

No Brasil, o romantismo literário favoreceu a consciên-cia da língua “brasileira”. Por exemplo, José de Alencar(1829-1877), criador do romance histórico, tinha a figurado índio como tema freqüente e uma obra voltada para arealidade do país, sua gente e suas coisas, revelando sensibi-lidade e observação psicológica. O romantismo brasileiroesteve associado à reforma social e econômica, coincidindocom a campanha a favor da abolição da escravatura.Machado de Assis (1839-1908), um dos mais importantesescritores brasileiros, expressou-se em diversos gêneros lite-rários, principalmente nos contos e romances. Nos roman-ces, revelou apurada sensibilidade na descrição dos mean-dros da alma humana – o realismo psicológico, aliado a umpessimismo e uma crítica sarcástica da condição humana,apresentando as paixões e os costumes de seu tempo. Nafase de maior pessimismo, seus temas preferidos passaram aser a fragilidade da existência humana, a incerteza, a angús-tia, a loucura e o tormento sobre a fluidez do tempo e aaproximação da morte7.

Como se perfurasse o classicismo e o romantismo,surge o filósofo alemão Georg Friedrich Hegel (1770-1831), autor da frase “o real é racional e o racional real”.Hegel foi considerado um idealista por declarar que aconsciência (a razão) forma a base de toda a realidade.Acreditava que as leis do raciocínio (dialética) eram reaise não simples convenções humanas, que a verdade é irre-mediavelmente subjetiva, pois todo conhecimento éconhecimento humano. Para ele, não se pode separar umafilosofia ou um pensamento de seu contexto histórico; oespírito do mundo (a soma de todas as manifestaçõeshumanas) progride rumo a uma consciência cada vezmaior de si mesmo. Se os filósofos anteriores buscavamestabelecer critérios eternos para o conhecimento, Hegelachava impossível encontrar tais pressupostos atemporais,posto que é impossível existir um conhecimento desvin-culado de um tempo – o único ponto fixo a que a filoso-fia pode se ater é a própria história. Assim, a história dopensamento (a razão) contém todos os pensamentos for-mulados pelas gerações anteriores, e todos esses pensa-mentos determinam nossa maneira de pensar, do mesmomodo como também o fazem as condições de vida do seu

próprio tempo. Pode-se dizer que ele desenvolveu ummétodo para se entender o curso da história. ConformeHegel, um novo pensamento sempre surge com base nosanteriores. Mas, uma vez formulado um novo pensamen-to, ele será inevitavelmente contradito por outro, surgin-do uma tensão (contradição) entre eles. Essa tensão seráquebrada quando um terceiro pensamento for formulado,dentro do qual se acomoda o que há de melhor nos doispontos de vista precedentes – a evolução da dialética7.

Na sociologia, surge o importante filósofo e cientistasocial Karl Marx (1818-1883), influenciado pela filosofia deHegel e pelas idéias do grupo dos Novos Hegelianos, queaplicavam as idéias de Hegel contra as organizações religio-sas e a autocracia prussiana7. Em 1841, ano de sua formatu-ra em filosofia, foi publicada pelo filósofo Feuerbach a obraA essência do cristianismo, na qual argumentava que Deustinha sido inventado pelos humanos como uma projeção deseus próprios ideais. E mais, que o homem, criando Deus àsua imagem e semelhança, alienava-se de si mesmo, criandoum outro ser em contraste consigo mesmo e reduzindo-se aum mísero pecador original que precisaria tanto das igrejascomo dos governos para guiá-lo e controlá-lo. Acreditavaque, se as religiões fossem abolidas, a humanidade poderiareverter essa alienação. Marx aplicou essa idéia de alienaçãoà propriedade privada, que levaria o homem a trabalhar sópara si mesmo e não para o bem da espécie. Elaborou a idéiade que a alienação tinha uma base econômica, propondouma sociedade comunista para dominar a desumanizaçãoresultante da propriedade privada. Juntamente com seuamigo Friedrich Engels (1820-1895), desenvolveu umaconcepção materialista da história, na qual afirma que opensamento humano é determinado por forças sociais eeconômicas, particularmente aquelas relacionadas aos meiosde produção. Desenvolveram um método de análise quechamaram de Materialismo Dialético, no qual o confrontode forças históricas produz transformações na sociedade. OCapital é considerada sua obra principal, onde expõe a visãodo sistema da livre-empresa cujo maior defeito seria, segun-do ele, a acumulação cada vez maior de riquezas, que resul-taria numa simultânea propagação de miséria humana7.

Como se pode observar, o Romantismo foi um períodoem que as pessoas começaram a se preocupar mais com avida privada; a regra geral era buscar a felicidade na esquinamais próxima, nos pequenos acontecimentos da vida coti-diana. Nessa efervescência dos temas da vida privada, dopequeno burguês em seu pequeno mundo, dos indivíduosem suas aventuras cotidianas, floresceu um interesse renova-do pela psicologia e pela história.

Precursores da Neuropsiquiatria

De certa forma iniciado com Hipócrates e Aristóteles,o conceito biológico da doença encontrou milhares deimportantes estudiosos ao longo dos séculos. Para o italia-no Giambattista Morgani (1682-1771), o pai da anato-

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BREVE HISTÓRIA DA PSICOSSOMÁTICA: DA PRÉ-HISTÓRIA À ERA ROMÂNTICA

mia patológica, a origem das doenças estava nas perturba-ções localizadas nos órgãos corporais. Marie FrançoisBichat (1771-1802), um dos fundadores da histologia,após centenas de autópsias realizadas a olho nu, identifi-cou diferenças entre os tecidos do corpo, propondo umateoria da doença baseada nos tecidos. Johannes Müller(1801-1858) insistia para que os colegas deixassem asbibliotecas e fossem ver os novos microscópios do labora-tório, convencido de que um psicólogo sempre devia sertambém um biologista. Mathias Schleiden (1804-1881) eTheodor Schwann (1810-1882) propuseram que a estru-tura de toda matéria viva era a célula.

Charles Darwin (1809-1882), naturalista britânicofamoso por suas teorias da evolução e da seleção natural,acreditava, como outros cientistas antes dele, que todotipo de vida na terra evoluiu (desenvolveu gradualmente)em milhões de anos a partir de alguns poucos ancestraiscomuns. Rudolf Virchow (1821-1902) demonstrou quecélulas doentes derivavam das células saudáveis de tecidonormal; contudo, não aceitou a teoria de Louis Pasteur(1822-1895) de que as doenças seriam provocadas porgermes. Virchow observou que as doenças se transmitiamnão entre órgãos e tecidos, mas, principalmente, atravésde suas células individuais, e que todas as células provêmde células (omnis cellula e cellula). Camillo Golgi (1843-1926) e Santiago Ramon y Cajal (1852-1934) receberamo Prêmio Nobel em 1906 pelos trabalhos sobre a estrutu-ra do neurônio. Em 1858, Rudolf Virchow publicouPatologia celular baseada em histologia fisiológica e patoló-gica e, logo no ano seguinte, Charles Darwin publicou Aorigem das espécies por meio da seleção natural – marcos his-tóricos do início da medicina moderna3.

CONCLUSÕES

Como vimos, o homem sempre suspeitou do poderda mente na produção das doenças, representado nasfiguras de deuses e demônios. Mesmo nos períodos deavançado racionalismo e civilização, a humanidade tevedificuldades de considerar a “psique” como matéria deinteresse científico. Os avanços em Medicina por vezesnão conseguiam passar das hipóteses sobre desequilíbriodos humores, umidade ou aridez cerebral, falência circu-latória ou degeneração nervosa.

Premidos pelas limitações da linguagem biológica,que não se prestava para explicar fenômenos da mente edo comportamento, inúmeros autores se aventuraram aexplicar a mente com uma linguagem diferente da utili-zada na biologia. Assim, simultaneamente aos progressosdas investigações biológicas sobre o cérebro, a “psique”

reaparecia com toda sua estranheza e singularidade, atin-gindo ápices em Platão (o mundo das idéias), SantoAgostinho (a introspecção dos humanistas), Sydenham(hipótese psicogênica para a histeria), Spinoza (identida-de entre corpo e alma) e Pinel (o tratamento moral).

A secular oposição entre idealismo e materialismo(entre alma e corpo), ainda presente nos dias atuais, pare-ce descrever um movimento oscilatório epistemológico.Quando se toma o pensamento como matéria ou a maté-ria como simples representação na consciência, algo seanula e se refaz (contradição) num movimento dialético,como se o materialismo da história do paciente e do uni-verso fossem correspondentes.

A troca de informações entre biologia, neurobiologia,psicologia cognitiva, psicanálise e sociologia talvez favo-reça o surgimento de uma trans-disciplina para a saúde – a sociopsicossomática. Esse assunto mereceráfuturas publicações.

ABSTRACT

A survey of the construction of the biological, psychologi-cal and sociological knowledge in the search of the rela-tionships between mind, body and environment in healthand disease is presented.

Keywords: Psychosomatic Medicine; History of

Medicine

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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