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35 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 12: 35-66 JUN. 1999 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 12, jun. 1999, p. 35-66 BRASILEIROS NA GUERRA CIVIL ESPANHOLA: COMBATENTES NA LUTA CONTRA O FASCISMO Paulo Roberto de Almeida Ministério das Relações Exteriores - Brasil Este artigo analisa a participação de brasileiros, majoritariamente pertencentes ao Partido Comunista, na guerra civil espanhola e o contexto político-diplomático do conflito espanhol. Baseado em pesquisa original feita em fontes primárias, sobretudo em entrevistas e questionários com ex-combatentes e seus familiares, e em consulta às fontes secundárias disponíveis sobre o assunto, o trabalho constitui um dos primeiros levantamentos sobre o envolvimento de combatentes voluntários brasileiros nos episódios militares daquela guerra civil, com destaque para sua participação nas Brigadas Internacionais. PALAVRAS-CHAVE: guerra civil espanhola, 1936-1939; Brigadas Internacionais; participação de brasi- leiros voluntários. I. INTRODUÇÃO: BIOGRAFIA DE UMA HIS- TÓRIA A Guerra Civil Espanhola começou em julho de 1936 e terminou em março-abril de 1939: du- rante todo o período do conflito, ambas as partes em luta, os republicanos governamentais de um lado, os monarquistas e direitistas revoltosos de outro, contaram com apoio internacional e soli- dariedade política e material de suas correntes de adesão respectivas; o movimento democrático e comunista internacional os primeiros, as forças organizadas do nazi-fascismo europeu os segun- dos. A ajuda ativa, para ambos os lados, tradu- ziu-se também no envio de contingentes de com- batentes estrangeiros — voluntários e profissio- nais — que foram integrados às diversas forças e exércitos em presença nos campos de batalha, embora desproporcionais em número e em orga- nização e, sobretudo, dispondo de logísticas mili- tares diferenciadas e de suprimentos bélicos de- siguais, quando comparados entre si. Do lado republicano, que é a vertente privile- giada neste ensaio, a solidariedade internacionalista para com o governo legal de Frente Popular ma- nifestou-se pela criação, em quase todo o mun- do, de “comitês de ajuda à Espanha republicana”, em especial pelo afluxo de voluntários estrangei- ros, vários milhares deles, que se agrupariam nas “Brigadas Internacionais”. O Brasil também se fez presente, embora modestamente, nesse movimen- to internacional de solidariedade, através do en- vio irregular e clandestino — pois que coordena- do pelo Partido Comunista, então na ilegalidade — de um pequeno grupo de combatentes experi- mentados que, apesar de dispersos em diferentes unidades militares, distinguiram-se todos pela bra- vura demonstrada nas várias frentes de luta em que estiveram engajados e pela dedicação à causa legalista, que era também identificada, pela maior parte deles, com a luta antifascista e com a causa do socialismo internacional. Este estudo de caráter histórico intenta, pre- cisamente, determinar as circunstâncias políticas, focalizar a amplitude humana — que foi, no con- fronto com a experiência de outros países, relati- vamente modesta, diga-se desde logo — e dis- correr, com base na documentação disponível, sobre as modalidades individuais da participação de voluntários brasileiros na Guerra Civil Espa- nhola, do lado republicano. Trata-se, manifesta- mente, de tema pouco conhecido dos historiado- res brasileiros contemporâneos, insuficientemente desvendado à opinião pública de um modo geral e praticamente ignorado pelas gerações mais no- vas. Buscando constituir um primeiro esforço de recuperação da memória política do movimento comunista brasileiro nesse setor — e por isso

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 12: 35-66 JUN. 1999

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 12, jun. 1999, p. 35-66

BRASILEIROS NA GUERRA CIVIL ESPANHOLA:COMBATENTES

NA LUTA CONTRA O FASCISMO

Paulo Roberto de AlmeidaMinistério das Relações Exteriores - Brasil

Este artigo analisa a participação de brasileiros, majoritariamente pertencentes ao Partido Comunista,na guerra civil espanhola e o contexto político-diplomático do conflito espanhol. Baseado em pesquisaoriginal feita em fontes primárias, sobretudo em entrevistas e questionários com ex-combatentes e seusfamiliares, e em consulta às fontes secundárias disponíveis sobre o assunto, o trabalho constitui um dosprimeiros levantamentos sobre o envolvimento de combatentes voluntários brasileiros nos episódiosmilitares daquela guerra civil, com destaque para sua participação nas Brigadas Internacionais.

PALAVRAS-CHAVE: guerra civil espanhola, 1936-1939; Brigadas Internacionais; participação de brasi-leiros voluntários.

I. INTRODUÇÃO: BIOGRAFIA DE UMA HIS-TÓRIA

A Guerra Civil Espanhola começou em julhode 1936 e terminou em março-abril de 1939: du-rante todo o período do conflito, ambas as partesem luta, os republicanos governamentais de umlado, os monarquistas e direitistas revoltosos deoutro, contaram com apoio internacional e soli-dariedade política e material de suas correntes deadesão respectivas; o movimento democrático ecomunista internacional os primeiros, as forçasorganizadas do nazi-fascismo europeu os segun-dos. A ajuda ativa, para ambos os lados, tradu-ziu-se também no envio de contingentes de com-batentes estrangeiros — voluntários e profissio-nais — que foram integrados às diversas forças eexércitos em presença nos campos de batalha,embora desproporcionais em número e em orga-nização e, sobretudo, dispondo de logísticas mili-tares diferenciadas e de suprimentos bélicos de-siguais, quando comparados entre si.

Do lado republicano, que é a vertente privile-giada neste ensaio, a solidariedade internacionalistapara com o governo legal de Frente Popular ma-nifestou-se pela criação, em quase todo o mun-do, de “comitês de ajuda à Espanha republicana”,em especial pelo afluxo de voluntários estrangei-ros, vários milhares deles, que se agrupariam nas

“Brigadas Internacionais”. O Brasil também se fezpresente, embora modestamente, nesse movimen-to internacional de solidariedade, através do en-vio irregular e clandestino — pois que coordena-do pelo Partido Comunista, então na ilegalidade— de um pequeno grupo de combatentes experi-mentados que, apesar de dispersos em diferentesunidades militares, distinguiram-se todos pela bra-vura demonstrada nas várias frentes de luta emque estiveram engajados e pela dedicação à causalegalista, que era também identificada, pela maiorparte deles, com a luta antifascista e com a causado socialismo internacional.

Este estudo de caráter histórico intenta, pre-cisamente, determinar as circunstâncias políticas,focalizar a amplitude humana — que foi, no con-fronto com a experiência de outros países, relati-vamente modesta, diga-se desde logo — e dis-correr, com base na documentação disponível,sobre as modalidades individuais da participaçãode voluntários brasileiros na Guerra Civil Espa-nhola, do lado republicano. Trata-se, manifesta-mente, de tema pouco conhecido dos historiado-res brasileiros contemporâneos, insuficientementedesvendado à opinião pública de um modo gerale praticamente ignorado pelas gerações mais no-vas. Buscando constituir um primeiro esforço derecuperação da memória política do movimentocomunista brasileiro nesse setor — e por isso

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mesmo introdutório a pesquisas ulteriores —, opresente trabalho pretende ainda prestar umamodesta homenagem a esse punhado de brasilei-ros internacionales que regaram com seu sangueas terras de Espanha na luta contra as forças dofascismo internacional1.

Como todo esforço de pesquisa histórica, estetrabalho também tem a sua própria história, quedeve ser brevemente mencionada. Em outubro de1979, depois de mais de três anos de pesquisa ede coleta de depoimentos orais e escritos junto aex-combatentes brasileiros das Brigadas Interna-cionais e suas respectivas famílias, eu concluía aprimeira versão de um texto cuidadosamenteintitulado “Brasileiros na Espanha: um estudo pre-liminar sobre a participação de brasileiros na guerracivil espanhola”. Tratava-se, como seu subtítuloindicava, de um levantamento, largamente provi-sório, dos brasileiros que tinham participado dotrágico conflito espanhol durante a segunda me-tade dos anos trinta, que tinham sido caracteriza-dos pela ascensão dos fascismos e dos regimesde direita em diversos países da Europa e daAmérica Latina, bem como por tentativas comu-nistas de “subversão da ordem” em várias partesdo mundo, inclusive no Brasil.

Esse envolvimento de brasileiros na guerracivil espanhola, a quase totalidade na qualidadede militares profissionais, constitui, claramente,um capítulo, ou pelo menos um subcapítulo, domovimento comunista brasileiro. Com efeito, amaior parte dos brasileiros que tomou parte naguerra civil, na condição de combatentes volun-tários em favor do governo republicano espanhol,era, como se sabe, egressa do movimento comu-nista e aliancista de 1935, tinha conhecido a pri-

são ou o exílio no período imediatamente posteri-or à tentativa de golpe militar de novembro da-quele ano, em várias capitais do Brasil, e respon-dia, dessa forma, aos apelos de “solidariedadeinternacionalista” lançados pelo movimento co-munista internacional; alguns poucos cederam aimpulsos vagamente românticos, enquanto outrostentavam continuar carreiras militares cortadaspelas desventuras políticas do movimentotenentista no Brasil.

Aquele trabalho de pesquisa histórica,conduzida em plena vigência do regime militaranti-comunista que dominou o Brasil entre 1964e 1985, e que podia ser considerado como a pri-meira investigação seguindo seriamente oscânones da disciplina no Brasil — já que os pou-cos documentos divulgados até então ou os de-poimentos existentes sobre a participação de com-batentes brasileiros eram, et pour cause, inspira-dos politicamente —, permaneceu rigorosamenteinédito durante vários meses, até que, por inicia-tiva de um velho combatente de esquerda, Eduar-do Maffei — ele mesmo autor de uma tetralogiasobre o ciclo do tenentismo e as lutas operáriasnos anos vinte e trinta (v. MAFFEI, 1978, 1979a,1980 e 1982) —, me decidi por sua publicaçãoem revista de penetração nos meios então visa-dos, ou seja a esquerda militante. Naquela con-juntura, de amplas dúvidas sobre o sucesso finalda política de abertura iniciada pelo governo Geisele atabalhoadamente seguida pelo governoFigueiredo — com ameaças e manifestaçõesefetivas de atentados da direita militar e a plenavigência de um aparato de repressão ainda bas-tante eficiente e operacional —, eu decidi nãopublicar o trabalho sob meu próprio nome, umavez que havia recém-iniciado minha carreira noserviço exterior brasileiro e tinha motivos bemfundados para pensar que um trabalho do gênero

1 O autor está consciente das limitações documentais —intrínsecas e extrínsecas — a esta pesquisa e, por essarazão, indica aos estudiosos e pesquisadores engajadosdireta ou indiretamente no estudo dessa questão que muitoainda resta a ser feito no trabalho de levantamento histó-rico, visando uma avaliação a mais completa possível so-bre o grau de participação dos brasileiros na guerra civilespanhola. Investigações mais detalhadas e acuradas se-rão de toda forma necessárias, seja para corrigir eventu-ais erros inseridos nesta abordagem inicial, seja para com-plementar as informações aqui recolhidas e apresentá-lassob novo enfoque, o que depende de um mapeamentoainda mais completo das fontes de história oral — pesso-ais e familiares — e da documentação oficial — diplomáti-

ca, militar, dos partidos políticos envolvidos na questão— relativa à participação estrangeira na guerra civil, emparticular, no que se refere ao enfoque aqui privilegiado,no movimento de solidariedade à Espanha republicana àépoca do conflito. Dispensável dizer que uma consulta àsfontes primárias dos antigos governos, partidos e cor-rentes de orientação comunista e socialista, depositadosna ex-União Soviética ou alhures — e inacessíveis quandoda elaboração desta pesquisa —, afigura-se como essencialpara a elucidação de muitos dos episódios aqui relatadosde maneira perfunctória.

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seria considerado como — como de fato era, emparte — uma “provocação” direta aos herdeirosdas “vítimas” da Intentona de 1935. De fato, otrabalho era em grande medida uma homenagempessoal àquele punhado de “comunistas” e ho-mens de esquerda que tinham pego em armas emterras estrangeiras para combater o fascismo in-ternacional, mas que também tinham tido partici-pação na luta contra o “fascismo” brasileiro, odos anos trinta e o que ainda teimava em se mani-festar na turva conjuntura dos anos setenta e iní-cio dos oitenta.

A primeira versão do trabalho foi entãopublicada sob o título pouco apelativo e vaga-mente críptico de “Brasileiros na Espanha”, sobo pseudônimo que constituía meu alter ego literá-rio e militante desde os anos de auto-exílio naEuropa, entre os anos 1971 e 1977 (RODRIGUES,1980), no periódico Temas de Ciências Huma-nas, então uma revista dos meios marxistas inde-pendentes que era editada em São Paulo. Eu esta-va, então, em meio a uma carreira de “escritormilitante”, centrado em temas políticos e sociais,que se manifestou em vários outros trabalhos tam-bém publicados sob cobertura de pseudônimo,em atenção às circunstâncias da época (RO-DRIGUES, 1973a, 1973b, 1974, 1976, 1978,1979a, 1979b, 1981 e 1987), e cuja paternidadeefetiva pode agora ser finalmente recuperada.

No seguimento imediato de sua publicação,continuei a acumular outros elementos de infor-mação, em fontes primárias e secundárias, tendoinclusive fornecido muito material a esse respeitoao pesquisador norte-americano John W. F.Dulles. O brasilianista da Universidade de Texasem Austin, grande conhecedor do movimentoanarquista e comunista brasileiro, apresentouagradecimentos indiretos a este autor em sua se-gunda obra sobre a história do movimento co-munista no Brasil — “Grande ajuda me foi dadapelo pesquisador Pedro Rodrigues, que muito meensinou sobre a participação dos brasileiros naGuerra Civil espanhola...” —, na qual inseriu umcapítulo, apropriadamente intitulado “Brasileirosnas Forças Republicanas Espanholas (1936-1939)”, na parte VI do utilíssimo e acurado Ocomunismo no Brasil (DULLES, 1985, p. 7, p.174-184 e p. 312-316).

A documentação recolhida, em arquivos bra-sileiros e do exterior, permaneceu contudo devi-damente “arquivada” em meus próprios fundos

documentais, enquanto as poucas “fontes orais”disponíveis naquela época iam, paulatinamente,desaparecendo fisicamente. Muitos pontos, en-tretanto, mantinham-se — e de certa forma aindamantêm-se — obscuros, como aqueles relativosàs relações dos comunistas brasileiros com os“agentes de Moscou” e, mistério dos mistérios, odesaparecimento na Espanha de um desses bra-sileiros de esquerda considerados “traidores”, poisque vinculado, aparentemente, aos “trotsquistas”do POUM2. Uma tentativa do autor de penetrar,ainda durante a era socialista, nos arquivos sovi-éticos e de investigar, precisamente, o destino deAlberto Besouchet, não logrou resultados positi-vos.

Passados mais de vinte anos do período inici-al da pesquisa — e decorridos agora seis décadasdo início do conflito espanhol, com democraciasrestauradas e funcionando plenamente tanto naEspanha como no Brasil —, penso que chegou ahora de retomar aquele velho texto preliminar,completá-lo com algumas outras pesquisas em-preendidas depois de sua redação original eoferecê-lo novamente à publicação, desta vez commeu próprio nome. Uma palavra de reconheci-mento e de desculpas se impõe a todos os ex-combatentes e seus familiares que tão gentilmen-te cederam-me preciosas horas de seu tempo eatenção, nos anos 1976-1979, para registrar de-poimentos orais, responder a intermináveis per-guntas e questionários escritos e que esperavam,naturalmente, que daquele esforço fosse emergirum livro, capaz de realmente prestar-lhes umajusta homenagem e registrar para a história osgestos heróicos do juventude.

Naquela época, nada mais consegui senão umapublicidade semi-clandestina das gestas individu-ais e coletivas das quais eles tinham sido os he-róicos protagonistas quarenta anos antes, muitoembora eu tenha colaborado modestamente paratorná-los um pouco melhor conhecidos de algunspesquisadores e especialistas, entre eles, como

2 O próprio Partido Obrero de Unificación Marxista,liderado por Andrés Nin, recusaria essa qualificação de“trotsquista”, sem dúvida alguma inadequada em vista desuas tomadas de posição independentes e das análises ori-ginais, no conjunto dos esforços críticos das diversas “opo-sições de esquerda”, em relação ao processo de “degenera-ção” do socialismo burocrático na URSS, então em fasede “congelamento” stalinista.

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referido, o brasilianista John W. F. Dulles, comquem colaborei ativamente durante alguns anosem pesquisas sobre os movimentos comunista eoperário, brasileiro e internacional. A revista “mar-xista” de São Paulo tinha escassa penetração forade um círculo restrito de iniciados, o que explicaque esse trabalho — apesar de referência biblio-gráfica em alguns trabalhos posteriores dessesmeios (MENDES DE ALMEIDA, 1981, p. 96)— permaneceu praticamente desconhecido du-rante as duas últimas décadas.

Como forma de resgatar a memória históricadessas épocas pregressas — tanto os anos dechumbo dos fascismos europeus, como os pró-prios anos de chumbo do autoritarismo no Brasil,na era Vargas e durante o período militar do regimede 1964 —, chegou a hora de retomar aquele tex-to, completá-lo com os materiais acumuladosdesde então e publicar um novo trabalho, corrigin-do e ampliando o original onde necessário. O pre-sente artigo não se destina apenas a reconstituir ahistória “verdadeira” do envolvimento de brasi-leiros na guerra civil espanhola — um episódiocarregado de paixões e ódios, essencialmente ex-plorado para fins propagandísticos, políticos eideológicos, por várias correntes de pensamento,e não apenas marxistas, durante muito tempo —,mas busca, também, prestar uma singela home-nagem àqueles homens que souberam arriscarsuas vidas por uma causa que era, então, vistacomo essencial para a defesa da democracia, paraa liberação da exploração do homem pelo homem,para o progresso da humanidade. Poucos desseshomens se encontram ainda vivos, dentre eles trêsentrevistados pelo autor: Apolônio de Carvalho,Delcy Silveira e Homero de Castro Jobim, esteúltimo o que inspirou o escritor gaúcho ÉricoVeríssimo a escrever o romance Saga, cujopersonagem principal vai combater na Espanha,mas que volta desiludido3. A todos eles, meurenovado testemunho de apreço e admiração, soba forma desta nova homenagem historiográfica.

II. QUESTÕES DE MÉTODO E LIMITES DAPESQUISA

A documentação disponível sobre o tema erae permanece paupérrima, quase inexistente, o quelevou este autor a basear-se fundamentalmenteem depoimentos pessoais (orais e escritos) de ex-combatentes, fonte primária ainda não exploradaem toda a sua extensão. No período recente, pes-quisadores acadêmicos voltaram a interessar-sepelo tema, como manifestado em artigo de levan-tamento documental e em livro sobre a guerracivil por professores de São Paulo (v. MEIHY,1996; MEIHY e BERTOLLI, 1996), mas que pa-recem ignorar a publicação daquele texto pionei-ro de “Pedro Rodrigues”, que primeiro procedeua essa avaliação crítica da bibliografia publicada edas fontes existentes.

Os trabalhos escritos, dos próprios voluntári-os ou de diletantes, contam-se nos dedos de umasó mão; podemos alinhá-los cronologicamente.Em 1940, o romancista gaúcho Érico Veríssimopublicava seu romance Saga, primeira manifes-tação da presença de um brasileiro na Guerra Ci-vil Espanhola, exposta em forma literária: apoia-do principalmente nas informações transmitidaspelo ex-combatente Homero de Castro Jobim, aprimeira parte do romance em questão apresen-tava o itinerário de um brasileiro antifascista —sintetizado na personagem Vasco Bruno — quevoluntariamente se alista no corpo de brigadistasinternacionais; essencialmente subjetivo, o roman-ce de Veríssimo é também excessivamente pessi-mista quanto à luta travada pela Espanha republi-cana contra seus inimigos fascistas.

Decretada a anistia em 1945 e iniciado o pro-cesso de redemocratização do país, diversos ex-combatentes da Guerra Civil Espanhola, a maiorparte deles egressa do movimento aliancista de1935 e condenados a longas penas pelo Tribunalde Segurança Nacional, voltam ao Brasil e aquirecomeçam sua militância política. Apenas um,contudo, colocaria no papel sua experiência es-panhola de combatente internacional: o ex-Segun-do Tenente José Gay da Cunha que, em 1946,publicaria pela Editora Globo o único relato pes-soal, circunstanciado e objetivo, sobre oenvolvimento de brasileiros naquele conflito, Umbrasileiro na guerra espanhola. O livro de Gayda Cunha constitui, até hoje, com a possívelexceção parcial das memórias de Apolônio deCarvalho — adiante referidas —, o único depoi-mento original de um ex-combatente brasileiro

3 A indicação de que Homero Jobim colocou suas remi-niscências a serviço da pluma de Érico Veríssimo no ro-mance Saga foi dada por Maurício Rosenblatt, de PortoAlegre, informação repassada ao autor em carta de LuisFernando Veríssimo (1979).

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sobre episódios militares da guerra e apresenta-se, assim, como uma preciosidade documental.Por ocasião do cinqüentenário da Guerra Civilespanhola, o livro foi novamente editado no Bra-sil, sem qualquer modificação em relação ao tex-to original, à exceção de pequeno acréscimo emseu título e de um prefácio encomiástico porEduardo Maffei (GAY DA CUNHA, 1986).

O romancista Jorge Amado, em sua trilogiaOs subterrâneos da liberdade, também aborda otema, embora de forma episódica, através da per-sonagem Apolinário Rodrigues — visivelmentecalcada na figura de Apolônio de Carvalho —,militar perseguido em 1935 e que se torna capi-tão do Batalhão Lincoln e depois major do Exér-cito Republicano, cujo itinerário é, na verdade,uma composição das experiências dos diversoscombatentes brasileiros filiados no PCB. O relatoocasional do combatente brasileiro na Espanha é,na obra de Jorge Amado, algo como o manifestopolítico da maior parte dos voluntários brasilei-ros, quase todos vinculados ao movimento co-munista, e constitui, por assim dizer, a antítesedo enfoque captado em Saga de Veríssimo.

Nas duas décadas seguintes nada mais foipublicado sobre esta questão, salvo esparsas eocasionais referências em discursos ou artigosde militantes e dirigentes comunistas, contendomais invectivas contra o regime franquista do queinformações objetivas sobre a atuação dos brasi-leiros na guerra civil. Em 1975, finalmente,Roberto Morena — líder sindicalista exilado e umdos poucos civis a terem integrado o contingentebrasileiro na Espanha — publicou na revista Étudesbrésiliennes, editada pelo PCB no exterior, trêspequenas páginas sobre o tema. O artigo de Mo-rena, “La solidarité brésilienne avec les luttes desRépublicains Espagnols: souvenirs d’uncombattant”, constitui provavelmente o primeiroe único levantamento sistemático — por um pro-tagonista direto — dos brasileiros que participa-ram das Brigadas Internacionais (MORENA,1975b). Mesmo a biografia de Apolônio de Car-valho, Vale a pena sonhar, a despeito de fazerfreqüentes menções a episódios envolvendo di-versos outros brasileiros engajados na empreita-da, não comporta uma lista sistemática daquelesque foram seus companheiros na luta político-militar em solidariedade à República espanhola(CARVALHO, 1997).

As fontes documentais até o momento da ela-

boração da primeira versão deste trabalho resu-miam-se, assim, a esses poucos trabalhos publi-cados, devendo o pesquisador eventual utilizar-se dos recursos da história oral, com a ajuda dosex-combatentes que estavam ainda disponíveispara depoimento. Para fins do primeiro levanta-mento, o autor contou com a preciosa ajuda deJosé Homem Correia de Sá, ex-Sargento de avia-ção, envolvido no levante da Escola de AviaçãoMilitar de novembro de 1935, e combatente in-corporado à XII Brigada Internacional (BatalhãoGaribaldi), cuja boa vontade e disposição coope-rativa foram indispensáveis à consecução do es-tudo. Deve ser ainda assinalada a colaboração ines-timável de Apolônio de Carvalho, à época da en-trevista exilado em Paris, de Delcy Silveira,Homero Jobim e Nemo Canabarro, estes últimosvivendo no Brasil. Roberto Morena, infelizmentemorto no exílio em setembro de 1978, deixoudepoimentos de uma grande riqueza fatual e hu-mana, alguns recolhidos pelo próprio autor, ou-tros preservados pelo “Archivio Storico del Mo-vimento Operaio Brasiliano”, de Milão. Por fim,o Professor John W. F. Dulles, da Universidadedo Texas em Austin, suplementou a primeira ver-são do trabalho com diversas informações e có-pias de depoimentos realizados por ele com al-guns ex-combatentes, assim como com indica-ções e dados transmitidos por outros estudiososdo assunto.

Posteriormente à elaboração da primeira ver-são da pesquisa — feita inteiramente no Brasil,cabe observar — o autor recolheu ainda infor-mações primárias junto a alguns familiares doscombatentes, junto a arquivos, centros de docu-mentação e associações de ex-combatentes emdiversos países da Europa, bem como compulsoua bibliografia existente no exterior, bastante nu-merosa em títulos e orientações de análise. Ne-nhuma dessas fontes secundárias agregou, en-tretanto, informações relevantes sobre a partici-pação de brasileiros, salvo casos individuais deestrangeiros residentes durante um certo tempono Brasil (vários italianos ou judeus, por exem-plo) e algumas estatísticas indiretas sobre suaparticipação nos conflitos, de resto dificilmenteverificáveis. Estão nesse caso a excelente pes-quisa conduzida contemporaneamente pelo suíçoGerold Baumann, em relação aos hispano-ameri-canos, especialmente os peruanos, que combate-ram na guerra espanhola (BAUMAN, 1979) e oestudo clássico sobre as Brigadas Internacionais

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por um historiador espanhol, cujas fontes para aparticipação brasileira resumem-se, contudo, aolivro de Gay da Cunha (CASTELLS, 1974). Cabemencionar ainda, do ponto de vista documental,“fichas de brasileiros” na Espanha, copiadas dosarquivos do Comintern, disponíveis no ArquivoEdgard Leuenroth, bem como pesquisas em fun-dos diversos empreendidas por historiadores bra-sileiros, às quais no entanto o autor não teve aces-so no momento de concluir este trabalho de sis-tematização4.

Mais recentemente, veio agregar-se à literatu-ra disponível no Brasil o livro autobiográfico deApolônio de Carvalho, no qual o ex-combatentededica um capítulo inteiro — sintomaticamenteintitulado “No pasarán!” — aos episódios de suaaventura espanhola, onde fornece igualmente in-dicações preciosas sobre os destinos de outroscombatentes saídos do Brasil (CARVALHO, 1997).De forma geral, contudo, tanto o testemunhopessoal de Gay da Cunha, escrito poucos anosdepois de seu envolvimento num conflito que aindaestava nas memórias dos contemporâneos, comoas memórias bastante “defasadas”, em termosestritamente cronológicos, de Apolônio de Car-valho constituem dois exemplos de relatos maisimpressionistas do que propriamente objetivossobre os eventos ou processos a que assistiramou de que participaram seus respectivos autores,escapando, portanto, aos cânones “científicos”do trabalho historiográfico enquanto tal; elesconstituem, no entanto, valiosos aportes à pes-quisa histórica e a uma informação “primária”sobre esse capítulo ainda agora pouco conhecidodo movimento comunista brasileiro.

É com base, portanto, numa pluralidade defontes “orais” e no recurso extensivo à documen-

tação escrita disponível que reconstruímos estebreve relato, essencialmente fatual e objetivo, emtorno desse side-chapter internacional do movi-mento de esquerda no Brasil, sobre o qual se pro-curará agora deitar mais luzes. As insuficiênciasdo relato derivam da própria precariedade dasfontes existentes, tal como relatado neste traba-lho, mas é evidente que pesquisas adicionais emarquivos e fundos documentais oficiais — sobre-tudo aqueles vinculados às instituições militares eàs chancelarias dos países envolvidos, bem comoos recursos ainda largamente inexplorados do“movimento comunista internacional”, em primei-ro lugar do PCUS e dos partidos comunistas e deesquerda diretamente vinculados ao conflito es-panhol — poderão suplementar a informação ain-da lacunar aqui oferecida. Trata-se de um traba-lho a ser conduzido doravante por historiadoresprofissionais, e não por um simples “militante debase, pesquisador diletante e amante da História”como este que aqui escreve.

III. A REVOLUÇÃO E A GUERRA DA ESPA-NHA

Em 1930 a Espanha assiste à queda da ditadu-ra de Primo de Rivera, que durante sete anos nadamais fez senão exacerbar os conflitos sociais e osentimento antimonarquista de grandes camadasda população (BRENAN, 1944). Sua queda signi-fica assim a ascensão dos grupos políticos repu-blicanos: colocado em minoria e isolado politica-mente, o rei Alfonso XIII abdica e, imediatamen-te, é proclamada a segunda República. Nas elei-ções para as Cortes, em julho de 1931, os socia-listas (cento e dezesseis cadeiras), mas sobretu-do os republicanos de esquerda (cento e sessentacadeiras) conseguem estabelecer uma maioriapolítica; os republicanos de direita (cento e dez)e a direita, com apenas sessenta cadeiras, ficamem minoria. Apesar da CNT (Confede-raciónNacional del Trabajo) e da FAI (Federación Anar-quista Ibérica) — respectivamente a central sin-dical e o partido político dos anarquistas espa-nhóis, bastante poderosos — terem recomenda-do voto nulo, as massas trabalhadoras apóiam empeso os candidatos republicanos. Segue-se umperíodo de conquistas sociais e econômicas fa-vorecendo o proletariado urbano, avança-se nosentido da concessão de autonomia para as pro-víncias bascas e catalãs e, no campo, começama ser implementadas as primeiras leis de reformaagrária e de expropriação dos latifúndios.

A crise econômica mundial e o período de

4 Sou grato pela menção aos arquivos do Comintern —que serão explorados no momento oportuno — ao Pro-fessor João Quartim de Moraes, do Departamento deFilosofia da UNICAMP e um dos pareceristas deste arti-go, juntamente com o Cel. Geraldo Lesbat CavagnariFilho, do Núcleo de Estudos Estratégicos da mesmaUniversidade, cujas recomendações em prol da melhoriado texto também agradeço. No que se refere, por outrolado, a pesquisas de historiadores brasileiros, menção deveser feita ao Prof. José Carlos Sebe Bom Meihy, da USP, acujos trabalhos, entretanto, a despeito de tentativas, oautor tampouco teve acesso até o fechamento deste arti-go.

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recessão que atinge toda a Europa, trazendodesequilíbrios econômicos igualmente para aEspanha tornam, contudo, difícil o prosseguimen-to da política reformista: greves, atentados políti-cos e repressão oficial causam o descrédito dogoverno. Em novembro-dezembro de 1933 sãodissolvidas as Cortes e convocadas novas elei-ções: a direita, agora reagrupada no CEDA(Confederación Española de Derechas Autóno-mas) de Gil Robles, reconquista a maioria comduzentos e sete cadeiras, seguida pelos republi-canos de direita (cento e sessenta e sete). Os so-cialistas conseguem apenas cinqüenta e nove ca-deiras e os republicanos de esquerda, que haviamliderado o governo anterior, caem ainda mais (qua-renta cadeiras).

Nos dois anos seguintes, 1934 e 1935, o go-verno instalado persegue uma política de anula-ção pura e simples das conquistas sociais e regi-onais alcançadas no período anterior. Em outu-bro de 1934, com o crescente descontentamentopopular e novas exigências da direita, a crise po-lítica se transforma em rebelião aberta: a grevegeral comandada pelos socialistas da Unión Ge-neral de Trabajadores, liderada por LargoCaballero, provoca uma insurreição armada emMadri, Astúrias e Barcelona. Nesta última cida-de, a revolta é rapidamente dominada, pois a CNTse havia recusado a apoiá-la; em Madri, o exérci-to emprega a força bruta e os socialistas não con-seguem obter armas. Apenas nas Astúrias os tra-balhadores conseguem resistir durante um certotempo às investidas das tropas mouras e da Le-gião Estrangeira, comandadas por um oficialmonarquista, do séquito do rei Alfonso XIII e denome Francisco Franco. O relativo sucesso darevolta nas Astúrias se explica também pelo fatode que, pela primeira vez na história política daEspanha contemporânea, a CNT, a UGT e o Par-tido Comunista haviam unido suas forças. Mas,o resultado das rebeliões abortadas é catastrófi-co: de outubro de 1934 até janeiro de 1936, adireita domina sozinha o governo republicano.

Nesse período, a situação internacional tam-bém passa por mudanças significativas: é um pe-ríodo de ascensão dos regimes autoritários e deum recuo concomitante na idéia liberal da repre-sentação democrática. A Liga (ou Sociedade) dasNações era considerada, cada vez mais, um or-ganismo ineficiente: apesar da adesão, em 1934,da URSS — mas no mesmo período dela sairão aAlemanha, a Itália e o Japão —, a SDN se revela

impotente para enfrentar as novas situações polí-ticas derivadas de uma alteração na estrutura dopoder mundial. As mudanças no equilíbrio de for-ças provocadas pela política agressiva das potên-cias fascistas emergentes — invasão daManchúria pelo Japão desde 1931 — colocam osistema mundial em crise: a “Europa de Versalhes”deixava de existir em face do rearmamento na-zista e da agressão de Mussolini à Etiópia (anexãoda Abissínia em 1935 e fracasso das sançõeseconômicas decretadas pela SDN). Alemanha eItália, ademais, lideravam o anticomunismo eu-ropeu; a reação contra a “ameaça bolchevista”toma forma no Pacto Anti-Comintern, assinadoinicialmente pela Alemanha e pelo Japão, rece-bendo um ano mais tarde a adesão da Itália.

O movimento comunista internacional, por suavez, já era, nessa época, um instrumento dócilnas mãos de Stalin, servindo aos objetivos dapolítica exterior soviética: face ao agravamentoda ameaça fascista, abandonou-se a desastrosapolítica de isolamento e de hostilidade em relaçãoàs correntes moderadas de esquerda praticada nosanos vinte — que havia inclusive facilitado a as-censão da direita em alguns países — em favorda colaboração com os movimentos socialistas ecom as forças social-democratas no seio do mo-vimento operário, política ratificada no sétimo, eúltimo, congresso do Comintern (a III Internaci-onal Comunista, criada por Lênin em 1919). Anova tática apresenta resultados imediatos: naFrança, em maio de 1936, o “Front Populaire”ganha as eleições legislativas, instalando-se logoem seguida o governo de Léon Blum.

Na Espanha, o Presidente moderado Alcalá-Zamora dissolve, em janeiro desse ano, o gabine-te e as Cortes, convocando novas eleições para omês seguinte. Os partidos de esquerda, comexceção dos anarquistas, constituem a “FrentePopular” que incluía os socialistas do PSOE (Par-tido Socialista Obrero Español), republicanos deesquerda, a União Republicana (grupo dissidentedos radicais), o partido sindicalista, a Federaçãodas Juventudes Socialistas Unificadas (união dasjuventudes socialista e comunista), o Partido Co-munista e o POUM (de orientação anti-stalinista).Os anarquistas, alertados para o perigo de umgoverno de direita, concedem seu apoio crítico,com o que a Frente Popular conquista duzentos ecinqüenta e seis cadeiras nas eleições, contra oscinqüenta e cinco lugares do centro (republica-nos de direita) e os cento e quarenta e três da

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direita renovada. O desdobramento imediato é aremoção de Alcalá-Zamora da presidência e a ins-talação de Manuel Azaña: nos meses seguintes oambiente político e social se torna extraordinaria-mente tenso, com lutas nas ruas, distúrbios nosprincipais centros econômicos do pais e inquie-tação nas forças armadas, ao mesmo tempo emque Largo Caballero, cortejado pelos comunis-tas, desponta como “herói” socialista.

A revolução social, contudo, não começariaantes de consumada a divisão do país, social emilitarmente, em julho desse ano; até lá, os gabi-netes se sucedem, em meio à crise política e gre-ves esporádicas. Os atentados políticos e ideoló-gicos se multiplicam: na primeira quinzena do mêsde julho de 1936 são assassinados o TenenteCastillo, das forças policiais, e o líder dos monar-quistas Calvo Sotelo. No dia dezessete, finalmen-te, depois de longa maturação das forças direitistase monarquistas, ocorre o levante do Marrocos,seguido no dia seguinte pela revolta direitista queirrompe em Madri e se estende por toda a Espanha.O país e a sociedade se dividem: o dia 18 de julhomarca o começo de uma das mais longas e cruéisguerras civis da história moderna5.

Mas não se tratava de uma “simples” guerracivil, no sentido em que as partes em luta sedigladiavam por questões meramente locais ou sedividiam em função de querelas políticas nacio-nais. A Espanha dos anos trinta foi um grande

laboratório político e militar de todas as rupturasideológicas deste século, em particular a luta en-tre a democracia, o fascismo e o comunismo,como salienta Jackson no prólogo a sua obra(1981, p.17). No mundo inteiro, toda uma gera-ção de militantes de esquerda e de cidadãos pro-gressistas, de modo geral, se sentiu tocada pelodrama que tinha lugar no país que, nas lutas con-tra as tropas napoleônicas, tinha inventado o con-ceito de “liberal”.

De fato, a tragédia espanhola adquiriu imedia-tamente uma dimensão internacional. Se, de umlado, os conspiradores de direita, como escreveuRaymond Carr, tinham planejado um golpe mili-tar quase sem resistência nas guarnições de pro-víncia, seguido de uma marcha triunfal sobreMadri, eles falharam. Se, por sua vez, o governorepublicano reagiu otimisticamente ao que cha-mou de “conspiração absurda”, ele ficou logodesiludido com a extensão da rebelião (1980, p.135). Como afirmou por outro lado o outro Carr,a guerra civil se converteu logo em problema in-ternacional: “O manifesto de Franco em Las Pal-mas, transmitido por rádio na manhã de dezoitode julho de 1936, pode não ter chamado muito aatenção em Paris ou Londres, mas deve ter sidoescutado com satisfação em Berlim e Roma”(CARR, 1986, p. 39). Na vertente propriamenteideológica do conflito, a dimensão internacionalda guerra civil que se iniciava ficou patente tantopara a União Soviética, que no entanto hesitouem engajar-se no apoio direto à República — pre-ferindo integrar o Comitê de Não-Intervenção paranão dificultar seu já complicado relacionamentocom as democracias “burguesas” do Ocidente,num momento de ascensão dos fascismos na

5 A Espanha moderna e a guerra civil espanhola temsido objeto de diversos estudos de grande valor históricoe documental. Algumas obras de referência — que foramutilizadas pelo autor — merecem contudo destaque espe-cial, um vez que cobrem, sob enfoques diferentes, os vá-rios aspectos políticos, sociais e ideológicos daquele con-flito, além dos episódios propriamente militares e de par-ticipação internacional nas frentes de luta. Para uma in-trodução geral aos problemas políticos e sociais de suahistória contemporânea é útil o trabalho de RaymondCarr, Modern Spain (1980). O livro de Hugh Thomas(1977) oferece a maior riqueza de informações numaanálise destituída de paixões e algumas vezes interpretadacomo “conservadora” pela corrente mais identificada coma República. A obra de Pierre Broué e Émile Témime(1961), sem acrescentar muito à precedente, é, por suavez, uma excelente discussão das posições dos diversosgrupos de esquerda, nacionais e internacionais, envolvi-dos no turbilhão espanhol, com, talvez, um ligeiropenchant trotsquista. Uma outra análise isenta, mas nãodestituída de simpatia cordial para com o regime republi-

cano, está consignada em Jackson (1981). O americanoDavid T. Cattell apresenta os meandros da política co-munista — do PCE e do Comintern, ou melhor, da URSS— na condução da guerra civil, em Communism and theSpanish Civil War (1955). A análise definitiva das posi-ções da esquerda em sua luta pelo poder — uma verdadei-ra revolução dentro da guerrra civil — foi feita pelo anti-go correspondente da United Press na guerra civil, BurnettBolloten, primeiro em The Grand Camouflage (1961),depois expandido em The Spanish Revolution (1979).Finalmente, Edward Carr, em The Comintern and theSpanish Civil War (1986), trata das mesmas questõescom uma visão propriamente européia e com um certasensibilidade de esquerda.

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Europa — como para os regimes de direita, emespecial a Alemanha hitlerista, que via num futu-ro regime “irmão” na península uma fonte segurade matérias primas em caso de guerra —, aliás jáantevista e objeto de cuidadosa preparação — eum possível contrapeso a uma eventual guerraem duas frentes (BOLLOTEN, 1979, p. 102-105).

IV. A INSURREIÇÃO ALIANCISTA NO BRA-SIL

A substituição, na direção do Comintern, deManuilski por Dimitrov marca a passagem noâmbito das táticas do movimento comunista in-ternacional, da antiga posição sectária para umapolítica de “frentes populares”. No entrechoquede posições, contudo, a América Latina serviriade teste para ambas as táticas: no Chile se faria aexperiência da unidade eleitoral do movimento demassas sob a forma de uma “frente popular”,enquanto no Brasil seria acelerada a marcha paraa preparação de um levante armado, conformeintenção de Luiz Carlos Prestes e do então secre-tário do PCB, Miranda (DULLES, 1977, p. 418-419)6. A missão da frente popular brasileira,antifascista e antiimperialista, seria criar as con-dições para um levante nacional na base do “pro-grama popular revolucionário”, para o que se uti-lizaria do grande prestígio de Prestes, notada-mente no meio militar7. A Aliança NacionalLibertadora (ANL) congregaria, efetivamente,grande número de oficiais militares, que depoisintegrariam o contingente brasileiro na Espanha,corno por exemplo o Major Carlos da Costa Lei-te, revoltoso dos anos vinte e conhecido como o“Prestes da cidade” (AMADO, 1979, p. 169).

Outro militar de capacidade comprovada, quetambém lutaria mais tarde pela Espanha republi-

cana, integrando a direção da ANL no Rio de Ja-neiro durante sua fase legal, era o Primeiro Te-nente Nemo Canabarro Lucas. Revolucionáriohistórico, o Tenente Canabarro participou de to-das as lutas do período tenentista, incluindo a re-volução constitucionalista de São Paulo, em 1932,e uma atuação voluntária, do lado paraguaio, naGuerra do Chaco, durante quatorze meses, tendosido promovido a capitão do exército (CANA-BARRO LUCAS, 1979b)8. De uma forma geral,todos os militares brasileiros que viriam posteri-ormente a participar da Guerra Civil Espanholamilitaram na ANL durante seu período legal e,grande parte deles, vinculados ou não no PCB,tiveram envolvimento na preparação da insurrei-ção aliancista e seus desdobramentos militares.

A maior parte, também, se encontrava no Riode Janeiro à época da insurreição, apesar de queo governo e as autoridades militares, alertadosquanto às atividades aliancistas de muitos deles,se tenham encarregado, depois da decretação dailegalidade daquela organização, em julho de 1935,de despachá-los para pontos longínquos no inte-rior do país. O Major Costa Leite, para citar umcaso, se encontrava comandando um regimentode artilharia em Bagé (MORENA, 1976), ondetambém estava servindo o jovem tenente Apolôniode Carvalho (CARVALHO, 1979a e 1997, p. 58).Ambos dedicam-se a organizar, mesmo vela-damente, as bases da insurreição da Aliança Na-cional Libertadora do sul do País. No Rio Gran-de do Sul se encontrava igualmente Roberto Mo-rena que, depois de mais de um ano de exílio noUruguai, se dedicava ao trabalho de organizaçãodo Partido Comunista nas cidades da fronteira ena região de Porto Alegre (MORENA, 1976). “De23 a 27 de novembro de 1935, três insurreiçõesisoladas, a partir de unidades militares localizadasem Natal, Recife e Rio de Janeiro, desafiaram aordem estabelecida, em nome da revolução po-pular e da ANL. Todas falharam em ganhar apoiopopular; todas foram subjugadas rapidamente,dando a Vargas um pretexto para suspender aConstituição e instalar o estado de sítio prolonga-do, obscurecendo assim, temporariamente, asdificuldades políticas que tinham atingido seu clí-max em novembro de 1935 [...]” (LEVINE, 1970,p. 104).

6 Prestes se encontrava em Moscou, trabalhando noComitê Executivo do Comintern e, no final de 1934,chegam à capital soviética, para assistir a um CongressoLatino-Americano dos Partidos Comunistas — rapida-mente improvisado em vista do adiamento do 7º Con-gresso do Comintern — os líderes do PCB: “Miranda”(Antonio Maciel Bonfim), Fernando de Lacerda e JoséCaetano Machado.

7 Para um relato circunstanciado da criação e atividadesda ANL ver Levine, 1970, cap. 3: “The Left and theNational Liberation Alliance”, p. 58-80. Referências do-cumentais se encontram em Hélio Silva (1968).

8 De dezembro de 1932 a fevereiro de 1934 NemoCanabarro tinha participado da Guerra do Chaco.

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Em Recife, o movimento se estendeu durantedois dias, vinte e quatro e vinte e cinco, causan-do mais de cem vítimas e levando à derrota totaldos revoltosos: o tenente Alberto Besouchet foium dos poucos que conseguiu escapar (DULLES,1977, p. 425)9. No Rio de Janeiro, a insurreiçãoficou restrita aos quartéis do 3º Regimento deInfantaria, na Praia Vermelha, e da Escola de Avi-ação Militar, no Campo dos Afonsos, levando àprisão mais de 1 100 rebeldes e suspeitos(LEVINE, 1970, p. 119-120). No Rio Grande doSul, Roberto Morena e os demais militantes daANL foram “surpreendidos com a [notícia da]insurreição no Rio Grande do Norte; ninguémesperava”. Acompanhando já os combates emPernambuco, Morena argumentou com seus com-panheiros que qualquer tentativa de se lançar ainsurreição também no Rio Grande do Sul “resul-taria fatalmente num desastre” (MORENA, 1976);contentaram-se, então, em lançar um manifestoapoiando a luta e opondo-se a que qualquer forçaestadual fosse em socorro do governo federal.

A repressão que se seguiu fez com que o PCBdeixasse de existir efetivamente como organiza-ção política, embora sua estrutura organizacionalpermanecesse relativamente intata10. O Tribunalde Segurança Nacional, criado especialmente parajulgar os revoltosos de 1935, funcionou ativamentenos dois anos seguintes. Já em dezembro daque-le ano, o decreto governamental nº 558 determi-nava a perda de patentes e posto de oficiais, semprejuízo de ação judicial, dos militares que havi-am participado do movimento insurrecional nasunidades do Rio de Janeiro, entre os quais se en-contravam futuros voluntários das Brigadas In-ternacionais: o Primeiro-tenente Celso TovarBicudo de Castro e os Segundos-tenentes Joa-quim Silveira dos Santos, Dinarco Reis e JoséGay da Cunha (SILVA, 1970, p. 126). Em abrilde 1936, pelo decreto nº 741, a mesma medida seaplicava ao major Carlos da Costa Leite, ao Pri-meiro-tenente Nemo Canabarro Lucas e aos Se-

gundos-tenentes Apolônio Pinto de Carvalho eAlberto Bomilcar Besouchet (SILVA, 1970, p. 166-167). Este último não chegou a sofrer prisão deespécie alguma e Roberto Morena, por exemplo,só foi preso no final de 1936, quando já se en-contrava no Rio de Janeiro, trabalhando pelareorganização do Partido. Nessa época, alguns dosparticipantes da insurreição no Rio de Janeiro jáse encontravam detidos, como o Aspirante deCavalaria Homero Jobim que permaneceu na Casade Detenção, à Rua Frei Caneca, de dezembro de1935 a maio de 1936 (JOBIM, 1979a, b, c). Amaior parte dos integrantes do futuro contingen-te brasileiro permaneceria, contudo, detida um anomais, até junho de 1937, pelo menos.

Em três de junho desse ano assume o cargode Ministro da Justiça José Carlos de MacedoSoares que, poucos dias depois, determina a sol-tura de todos os prisioneiros políticos ainda nãocondenados, num gesto que ficou conhecidocomo a “macedada”: boa parte dos quadros mili-tares da ANL e do PCB, assim como numerososcivis, foram colocados em liberdade. Nessa oca-sião, “se reuniu clandestinamente o Bureau Polí-tico do PCB, ampliado a alguns camaradas con-vidados examinando a situação política do país, asignificação da luta do povo espanhol e as medi-das a serem tomadas para organizar a solidarie-dade ativa com os combatentes espanhóis. Entreas decisões tomadas no curso dessa reunião, ade enviar um contingente de militares saídos deprisão para se engajar nas fileiras dos combaten-tes das Brigadas Internacionais, foi uma das maisaltas manifestações de solidariedade com aquelesque lutavam pela democracia, pela liberdade e pelosocialismo em seu país” (MORENA, 1975b, p.70).

O Bureau Político do PCB pretendia formarum contingente de aproximadamente cem volun-tários (MORENA, 1975a), mas devido às difí-ceis condições em que se encontrava então oPartido, “bastante arriscadas e em razão da faltade recursos financeiros” (MORENA, 1975b, p.70), não foi possível enviar esse número. Por outrolado, um certo número de militares experientes— como por exemplo Agildo Barata, AglibertoVieira de Azevedo, Gregório Bezerra, Ivan Ra-mos Ribeiro — tinha sido condenado a duras pe-nas de prisão, o que diminuiu ainda mais a quotade voluntários disponíveis para embarque.

V. AS BRIGADAS INTERNACIONAIS NA

9 Alberto Bomilcar Besouchet era o mais moço dos ir-mãos Besouchet que, na época, participavam de uma dis-sidência semi-trotsquista do PCB; foi também, aparente-mente, o primeiro brasileiro a ir combater na Espanha.

10 O período de repressão ao movimento aliancista e aoPCB é objeto de toda a primeira parte do livro de Dulles(1985).

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Uma vez iniciada a rebelião dos generaisdireitistas, grande parte do Exército espanhol sepassou para o lado dos revoltosos; as unidadesque não o fizeram encontravam-se eventualmen-te em regiões de forte influência revolucionária,socialista ou anarquista, tendo sido, portanto,“neutralizada” pelo clima de revolução política quelogo começa a agitar o país. A República perdeimediatamente grandes extensões de território aonorte e a oeste e, já em setembro, numa tentativade cerco e ocupação rápida, as colunas fascistasse aproximam de Madri, provocando pânico nacapital11.

A resistência é, contudo, vigorosa e, à medi-da que a guerra assume características de longaduração, a intervenção estrangeira em favor deFranco — alemã e italiana fundamentalmente —toma grandes proporções: não apenas aviões, tan-ques, navios, armas de artilharia e de infantariasão fornecidos em grandes quantidades aos ge-nerais direitistas, mas igualmente divisões intei-ras de combatentes profissionais. Em abril de1937, Mussolini já dispunha de mais de setentamil homens combatendo sob as ordens de Fran-co (COVERDALE, 1975, p. 396); a contribuiçãode Hitler compreendia não apenas a LegiãoCondor, com centenas de pilotos, mas tambémcompanhias de tanquistas e, pelo menos, duzen-tos instrutores servindo as tropas franquistas(CATTELL, 1955, p. 82)12. Os nacionalistas dis-punham ainda de uma fonte inesgotável de tropasestrangeiras “voluntárias” — os “cipaios espa-nhóis” — que eram as forças marroquinas, in-corporadas compulsoriamente ou à custa de di-nheiro nas fileiras do exército de Franco: pelomenos setenta e cinco mil mouros combateramcontra a República, sobretudo no período inicial

da guerra civil (THOMAS, 1977, p. 980).

A dimensão internacional do conflito espanholse revelou desde cedo, interessando a todas asforças e movimentos antifascistas engajados nocombate contra as forças ascendentes da direita.No começo, a República buscou dispensar oapoio estrangeiro, além do fornecimento legal dearmas, chegando mesmo a denunciar, por vezesem forma anônima, os aspectos mais graves daviolação da soberania espanhola pelos governosda Alemanha, da Itália e de Portugal(HISPANICUS, 1937). Mas a agravação da situ-ação militar que, em alguns casos, se traduziamesmo pela completa desagregação das tropasde combate, forçou-a a aceitar a ajuda externa,nem sempre destituída de interesses políticos. OExército republicano, ou o que restou dele, esta-va praticamente desmantelado e, às tarefas pro-priamente militares se sobrepunham as de admi-nistrar amplas regiões em verdadeira revoluçãosocial, providenciar o abastecimento dos gran-des centros urbanos, conduzir a expropriação defábricas e latifúndios e, tarefa mais ingrata, man-ter o equilíbrio político entre as diversas corren-tes que compunham a Frente Popular.

Desde o começo do conflito, a opinião pro-gressista mundial se viu atraída pelos, manifesta-mente, princípios exemplares da revolução e daguerra da Espanha: a luta pela liberdade, pela jus-tiça social, pelo socialismo. Já em agosto de 1936,diversos estrangeiros, de iniciativa própria, co-meçam a lutar ao lado das forças governamen-tais, como André Malraux que organiza sua pre-cária “escuadrilla España”. Os italianosantifascistas, muitos deles no exílio, são os pri-meiros a aderir à causa republicana, sob a con-signa: “oggi in Spagna, domani in Italia”(PACCIARDI, 1972, p. 165).

Outros aderiam a suas correntes ideológicasrespectivas ou às milícias de maior apelo local:“os estrangeiros em Barcelona juntaram-se aoPOUM, na suposição romântica de que eleencarnaria uma magnífica aspiração utópica”(THOMAS, 1977, p. 302). Mas esta fase de ade-são espontânea de voluntários estrangeiros àsmilícias revolucionárias deveria ser rapidamentesuperada em função do estabelecimento de umaorganização mais séria de defesa da República,menos romântica e militarmente mais eficaz.

No começo da guerra, o Secretariado Execu-tivo do Comintern — à época composto por

11 A Embaixada do Brasil em Madri chegou a acolherum certo número de asilados políticos, cerca de setentapessoas em princípios de 1937, mas a “atmosfera inóspi-ta” que ali reinava determinou a saída voluntária de mui-tos deles, com o que apenas restavam menos de quarentano final de 1938 (RUBIO, 1979, p. 32 e p. 74-76).

12 Incluindo civis e instrutores, os alemães que serviamdo lado nacionalista atingiram dezesseis mil homens que,à diferença dos italianos (em grande parte, simples solda-dos rasos pagos para lutarem), possuíam especializaçãomilitar de algum tipo (cf. THOMAS, 1977, p. 977).

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Dimitrov, como secretário-geral, Togliatti,Manuilski, Pieck, Kuusinen, Marty e Gottwald —reúne-se para discutir a organização da solidarie-dade com o governo republicano que, numa faseinicial, deveria ficar a cargo dos sindicatos e dostrabalhadores de todo o mundo. Em Paris, ondefuncionava a sede européia da Internacional Sin-dical Vermelha, organizou-se um comitê para ar-recadar fundos para a República: o “ComitêInternational d’Aide au Peuple Espagnol” que,multiplicando-se brevemente por diversos países,dedicava-se essencialmente à ajuda humanitária.

No final de setembro, reuniram-se em Parisrepresentantes do Comintern — Willi Muezenbergera o responsável pela seção da Europa Ocidental—, dos partidos comunistas da Itália (Togliatti),da França (Maurice Thorez) e o representante doComintern na Espanha (o argentino VitorioCodovilla), decidindo-se efetuar a constituição decolunas internacionais que já vinham sendo es-pontaneamente formadas. Luigi Longo, do Parti-do Comunista Italiano e conhecido na Espanhapela alcunha de “comandante Gallo”, fica sendoo encarregado dos contatos com o governo es-panhol: em outubro se fazem os preparativos fi-nais e o governo republicano aceita a idéia(THOMAS, 1977, p. 452-454). Assim, os estran-geiros que já se encontravam combatendo, pre-cariamente distribuídos em colunas nacionais —os italianos com a coluna “Giustizia e libertà”, osalemães com a centúria “Thaelmann”, os france-ses e belgas na coluna “Commune de Paris” —serão organizados em batalhões e enquadradosnas agora chamadas Brigadas Internacionais(BROUÉ e TÉMIME, 1961, p. 348)13. “A for-mação das brigadas internacionais tornou-se en-tão a principal tarefa do Comintern. Cada partidocomunista foi instruído a enviar um certo núme-ro de voluntários. Em muitos casos, a cifraindicada era superior à capacidade de arregi-mentação de determinados partidos” (THOMAS,1977, p. 454), como parece ter sido o caso doPCB.

No começo de novembro, o General Mola dáinicio ao “ataque final” dos nacionalistas contraMadri, com colunas comandadas por oficiais quehaviam lutado no Rif marroquino e compostas,em sua maior parte, por legionários estrangeirose tropas mouras. O governo republicano abando-na a capital e instala-se em Valência. A primeiraaparição das Brigadas Internacionais se dá nessabatalha: um batalhão de alemães, com uma seçãode metralhadores britânicos (Edgar André), umsegundo batalhão composto de franceses e bel-gas (Commune de Paris) e o terceiro formado depoloneses que viviam na França e na Bélgica(Dombrowski) constituíram a XI Brigada — ou-tras dez brigadas já tinham sido formadas peloExército republicano — , comandada pelo hún-garo Kleber. A XII Brigada, que chega em Madrino dia treze de novembro, compreendia os bata-lhões André Marty, Thaelmann e Garibaldi. Emdezembro, mais duas brigadas internacionais sãoformadas: a XIII, integrada principalmente poreuropeus do leste — provavelmente encaminha-dos por Tito —, alinhada na frente de Teruel, e aXIV, de anglo-saxões, com uma companhia in-teira de britânicos, na frente de Córdoba (BROME,s.d.; BANDE, 1972). No final de 1936 estimava-se que cerca de vinte mil voluntários estrangeirosjá haviam cruzado a fronteira da França(THOMAS, 1977, p. 573). Em fevereiro de 1937,na batalha de Jarama, foi engajada a XV BrigadaInternacional, formada por voluntários de vinte eseis nações: seiscentos ingleses, oitocentosbalcânicos (do batalhão Dimitrov), oitocentosfranco-belgas e quinhentos e cinqüenta america-nos (constituindo o batalhão Lincoln, com umcerto número de combatentes negros) e um pe-queno número de irlandeses, divididos entre osbatalhões americano e britânico. A bravura e aintrepidez das brigadas internacionais, a par deum enorme sacrifício em homens, foram cruciaisem várias batalhas. “Qualquer que seja sua ten-dência política, jornalistas e escritores não deixa-ram de evidenciar a influência da entrada em lutados batalhões internacionais no revigoramento daresistência republicana. Eles constituíram umcorpo de elite engajado até o final de 1938 emtodos os combates importantes. Em sete de no-vembro estão em Madri, no dia treze participamdos combates de Cerro de los Angeles; em de-zembro eles aparecem em Teruel e em Lopera,na frente do Córdoba. Em fevereiro-março de1937 eles combatem na frente de Jarama, em

13 Outros estrangeiros também se engajam nas organi-zações militares dos partidos políticos espanhóis, como oinglês George Orwell — nas milícias do POUM — e aescritora francesa Simone Weil que, durante um certotempo, combate na Coluna Durruti de orientação anar-quista.

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França 13.309 México 414Polônia 4.411 Venezuela 138Itália 4.349 Cuba 136Alemanha 4.294 Argentina 89Estados Unidos 3.262 Brasil 41Bélgica 2.546 Chile 41Checoslováquia 1.579 Peru 32Grã-Bretanha 1.389 Guatemala 25Hungria 1.505 Equador 24Iugoslávia 1.304 Uruguai 22Áustria 1.045 Paraguai 22Holanda 743 República Dominicana 17Bulgária 735 Haiti 15Canadá 660 Bolívia 14Romênia 577 Honduras 14Suécia 557 Nicarágua 12Suíça 516 Jamaica 4Argélia 468 Total da América Latina 1.060Lituânia 358Finlândia 346Judeus de países diversos 326Grécia 216Marrocos 201Estônia 173Dinamarca 172Irlanda 165Letônia 163Portugal 133Albânia 86Ucranianos de países diversos 82

Málaga, em Guadalajara. Serão encontrados maistarde em todas as grandes ofensivas, em Brunete

e em Belchite, em Teruel e, finalmente, na batalhado Ebro, onde eles participam da última ofensivarepublicana” (BROUÉ-TÉMIME, 1961, p. 349).

Voluntários estrangeiros nas Brigadas, por nacionalidade, 1937

Países diversos América Latina

Noruega 81Austrália 55União Soviética 41Turquestão (URSS) 40Montenegro 39Luxemburgo 33Abissínia (Etiópia) 31Chineses dos EUA 30Japoneses dos EUA 20Índia 20

Países diversos (continuação)

Nacionalidades desconhecidas representadas nas Brigadas 578Total de voluntários estrangeiros estimados em julho de 1937 47.804Proporção de latino-americanos no total de voluntários estrangeiros2,22 %

Fonte: CASTELLS, 1974, p. 379-380.

O número de latino-americanos a integrar asbrigadas internacionais foi bastante reduzido: pou-co mais de um milhar durante a duração do con-flito, num total de cerca de sessenta mil voluntá-rios. O maior contingente era constituído de me-xicanos, cujo governo sustentou política e mate-rialmente a causa republicana. Eles eram segui-dos pelos cubanos, cujos vínculos com a Espanhae com os Estados Unidos, ao mesmo tempo, tan-to do ponto de vista nacional como político —comunistas cubanos e americanos colaboravamfreqüentemente — permitiram uma integração

rápida dos voluntários, no batalhão Lincoln ou nopróprio Exército republicano espanhol. Venezuela-nos e argentinos também constituíram uma boafração do contingente latino-americano, que mui-tas vezes foi contado em dobro — como no casode cubanos integrados às unidades de norte-ame-ricanos — ou, inversamente, subestimado, pelofato da incorporação imediata de muitos dessesvoluntários, originais do país ou descendentes deespanhóis, nas próprias fileiras do exército repu-blicano. Assim, muitos latino-americanos viven-do na Espanha ou espanhóis emigrados na Amé-

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rica Latina acorreram voluntariamente em socor-ro da República, cujo número é, por essa razão,difícil de ser precisado.

Uma estatística efetuada em finais de julho de1937, durante a batalha de Brunete, que registroua máxima afluência de voluntários estrangeiros,assinalava, segundo Castells (1974, p. 379), umtotal de quarenta e sete mil, oitocentos e quatrobrigadistas de mais de setenta nacionalidades, dis-tribuídos nas diversas forças mobilizadas. O qua-dro (pág. 47) dá o volume numérico para as na-cionalidades mais representadas nas Brigadas eos números respectivos para aqueles origináriosde países da América Latina.

Em que pese essa estatística algo “inflacionada”apresentada no livro de Castells — proveniente,sem embargo, de fontes militares, mas que deveter incluído um certo número de brasileiros járesidentes na península ibérica — os “brasilei-ros” saídos do próprio Brasil não ultrapassaramtrês dezenas, se tanto, e sua participação apenasse verificou na segunda metade da guerra, inte-grados nos diversos batalhões internacionais —o italiano e o americano sobretudo — e em uni-dades especializadas do Exército republicano; umpequeno número vivendo na Espanha e em Por-tugal também alistou-se nas tropas de voluntári-os, apesar de que, neste último caso, o governosalazarista, aliado de fato das forças fascistas,colocasse inúmeros óbices ao envio de comba-tentes pró-republicanos, que tinham de buscaroutras vias para alcançar a Espanha, já que astropas de Franco dominavam praticamente todaa região da fronteira. Finalmente, não se tem no-tícias de brasileiros que tivessem servido sob asordens de Franco, apesar da simpatia despertadapela revolta nacionalista nos meios direitistas eabertamente fascistas do Brasil.

VI. OS VOLUNTÁRIOS BRASILEIROS

Apesar de algumas referências apontarem aexistência de mais de trinta brasileiros combaten-tes na Espanha republicana (COSTA LEITE,1939)14, o número provável de voluntários saí-dos do Brasil não ultrapassaria vinte e cinco, dos

quais apenas dezessete ou dezoito — segundo osdados aqui disponibilizados e sustentados em maisde uma fonte — foram mobilizados nos cenáriosde guerra e se tornaram efetivamente combaten-tes15. As motivações que presidiram à tomada dedecisão, por parte desse punhado de homens, departicipar da Guerra Civil Espanhola como com-batentes voluntários, foram as mais diversas pos-síveis. Basicamente, podem ser identificadas duasposições: por um lado, o cumprimento de umdever de solidariedade e de internacionalismo pro-letário da parte dos militares vinculados ao PCB;por outro, a colaboração pessoal e direta em de-fesa de convicções políticas — no caso, a lutacontra o fascismo — mas sem injunções partidá-rias, da parte dos voluntários não-comunistas. Emambas as situações tratava-se de uma manifesta-ção concreta de solidariedade fundamentada nacerteza de que os combates nos campos daEspanha constituíam parte de uma mesma lutageral contra as forças do fascismo; o primeirogrupo, contudo, além de ser mais numeroso, eramelhor preparado organicamente e mais motiva-do ideologicamente, mas em ambos seus elemen-tos se distinguiram heroicamente em situaçõespessoais de combate.

O levantamento que intentaremos a seguir,apesar de suficientemente abrangente do pontode vista numérico, não pode ser completo, doponto de vista da determinação da situação pes-soal, profissional ou política de cada um dos vo-luntários brasileiros, seu itinerário espanhol ou suaatuação no conflito; tampouco haverá uma cro-nologia estrita, pois as informações sobre o en-caminhamento dos voluntários são parciais e frag-mentárias, não se tendo notícia da constituiçãoeventual de grupos de voluntários, já que as difí-ceis condições da época tornavam quase impos-sível a organização de contingentes vinculados a

14 A fonte é uma carta do Major Carlos da Costa Leite(Camp de Gurs, 23 de junho de 1939) a Sisson, MotaLima e demais companheiros da ANL, cuja cópia nos foigentilmente cedida pelo Professor Dulles. Nela ele faz

referência a trinta e três brasileiros internados no Cam-po de Gurs, nos Pirineus franceses, número que incluíaprovavelmente antigos residentes em Portugal ouEspanha e refugiados na fase final da guerra.

15 O levantamento quase completo do pessoal brasileirovoluntário está em Gay da Cunha (1946, p. 156). RobertoMorena (1975, p. 70) fornece os mesmos quinze nomesque Gay da Cunha, com exceção do espanhol emigradono Brasil, Ramón Prieto. Muitos outros voluntários quese preparavam para ir à Espanha, diz Morena, “forampresos a caminho ou na fronteira”.

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um movimento político específico. Não se deveesquecer, contudo, que nem todos eram clandes-tinos ou perseguidos políticos; alguns dispunhamde passaporte brasileiro e viajaram a partir deportos brasileiros, se bem que a maior parte dosvoluntários tenha embarcado em Montevidéu ouBuenos Aires. Em sua grande maioria, eram mili-tares de patente, envolvidos em lutas políticas noBrasil contra o regime varguista, quase todos nacasa dos vinte anos. Não se pode, entretanto,generalizar situações, já que motivações, objetivos,experiências e grau de participação foram os maisdiversos possíveis para os voluntários brasileirosda Guerra Civil Espanhola16.

A informação que se conseguiu recolher so-bre o conjunto dos voluntários brasileiros não é,contudo, uniforme a partir de um enfoque indivi-dual, já que nem todos foram diretamentecontatados pelo autor: morte, perseguições polí-ticas e clandestinidade limitaram bastante o esta-belecimento de uma informação proporcional esatisfatória para cada um dos combatentes brasi-leiros. Ainda que a título provisório, pode-se apre-sentar a seguinte relação de voluntários brasilei-ros:

1) Alberto Bomilcar Besouchet. O TenenteBesouchet era o mais novo da família, compostaainda dos irmãos Augusto, Marino e Lídia, mili-tantes e simpatizantes comunistas que, em mea-dos de 1935, se alinham com o jornalista JoãoBarreto Leite Filho e Febus Gikovate na oposiçãoà política tática do PCB, devido à “orientaçãoinsurrecional” dada por este à ANL. Servindo emRecife por ocasião do levante da ANL, o TenenteBesouchet participa da tentativa insurrecional le-vada a efeito em vinte e quatro de novembro, apartir do Quartel do Socorro, nas cercanias dacidade. Conseguindo escapar à repressão que seseguiu ao debelamento da revolta aliancista,Besouchet ganha o exterior e, ao estourar a GuerraCivil Espanhola, é provavelmente o primeiro dosbrasileiros a se fazer voluntário pelo lado republi-cano. No primeiro semestre de 1937, quando amaior parte do futuro contingente brasileiro ain-da se encontrava detrás das grades ou refugiada,o Tenente Besouchet já estaria combatendo nas

fileiras do POUM, de orientação anti-stalinista17.Nessa condição, teria participado das “jornadasde maio” em Barcelona, o enfrentamento armadoentre partidários das “milícias populares” — gros-so modo, os revolucionários do POUM e os anar-quistas da CNT-FAI — e organizadores do “exér-cito popular” — os militantes comunistas — emmaio de 1937 (BESOUCHET, 1979 e 1981). Acu-sados pelos comunistas de estarem liderando um“complô fascista”, os líderes do POUM forampresos em junho desse ano e desmanteladas suascolunas militares18. A morte do Tenente Besou-chet ocorreu em condições até hoje ignoradas:“apesar de que (Andrés) Nin foi o único membroda liderança do POUM a ser morto, um númerode simpatizantes internacionais também morreuem circunstâncias misteriosas” (THOMAS, 1977,p. 706). Tentativas efetuadas pelo autor parareconstituir o itinerário espanhol e as circunstân-cias da morte de Besouchet revelaram-se infrutí-feras, cabendo contudo buscar eventuais infor-mações constantes dos antigos arquivos soviéti-cos, ainda não explorados19 .

2) Apolônio Pinto de Carvalho. Com vinte ecinco anos em 1937, expulso do Exército por sua

17 As informações sobre a atividade militar de Besouchetsão desencontradas, pois ora está lutando nas fileiras doPOUM, ora nas Brigadas Internacionais, ora ainda per-tence aos quadros do exército republicano, e mesmo aoEstado-Maior do general Miaja, como informa um des-pacho da agência Europe, pelo jornalista Richard Bloch,publicada no Diário de Pernambuco (16 de junho de1937), recorte repassado ao autor por sua irmã Lídia, emMadri (12 de março de 1981).

18 Para uma análise da “revolta de Barcelona” ver Cattell(1955, p. 141-149). Um testemunho pessoal é fornecidopor George Orwell em Homage to Catalonia (1967;edição original: 1938).

19 Informa Augusto Besouchet que, tendo partido daArgentina com passaporte espanhol Alberto levava umacarta de Mário Pedrosa a Andrés Nin, o Presidente doPOUM, e que sua entrada na Espanha foi facilitada porCosta Leite, já então na França, que por sua vez estavaem contato com o PCF; nas milícias do POUM, naEspanha, chegou ao posto de Coronel, tendo sido feridoem combate; Questionário (1979). Na informação algoimprecisa de Apolônio, Besouchet teria se integrado àsmilícias do POUM no “início de 1936” [sic] e meses após“torna-se membro do estado-maior do general Miaja”; éfeito “coronel em maio de 37, [...] e logo depois é presocomo militante do partido de Andrés Nin. Fins de 38,

16 Apolônio de Carvalho, em entrevista ao autor (1979b),adverte para o perigo da generalização de situações indi-viduais ao conjunto de combatentes brasileiros.

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militância na ANL, que lhe rendeu um ano e meiode prisão, o Tenente de Artilharia Apolônio deCarvalho é beneficiado pela “macedada”, em ju-nho desse ano, e instala-se por um curto períodona Bahia, onde contata novamente o PCB. Suasaída do Brasil se deu em circunstâncias especi-ais: tendo conseguido um passaporte legal juntoao governo do estado — na época comandadopor Juracy Magalhães — embarca, a partir deSalvador mesmo, no barco brasileiro Bagé, comdestino ao Havre. Para driblar o controle do “Co-mitê de Não-Intervenção” nas fronteiras da Fran-ça, Apolônio ingressa na Espanha como cidadãode Almeria, cidade da Andaluzia, com um legíti-mo passaporte espanhol fornecido pelo consula-do republicano em Paris (CARVALHO, 1997, p.95), expediente largamente utilizado por cente-nas de voluntários internacionais, inclusive diver-sos brasileiros; o outro expediente era cruzar ile-galmente a fronteira dos Pirineus. Pertencente àprimeira leva de brasileiros que chegaram àEspanha, Apolônio foi designado para receberformação em Almansa, pequena cidade entre oporto de Alicante e Albacete, a base de treina-mento das Brigadas Internacionais: “a ‘troika’suprema no comando da base era André Marty,corno comandante, Luigi Longo (‘Gallo’), comoinspetor-geral, e Giuseppe di Vittorio (‘Nicoletti’),como comissário político em chefe” (THOMAS,1977, p. 457)20. Perto dali, em Chinchilla de

Monte Aragón, ficava a escola de artilharia doExército republicano, cujo comandante era o ca-pitão checo Mikeche (THOMAS, 1977, p. 458).Apesar de que, no romance de Jorge Amado, o“Capitão Apolinário Rodrigues” seja apontadocomo combatente do batalhão “Lincoln” da XVBrigada Internacional (1954, p. 183)21, o Tenen-te Apolônio de Carvalho, na verdade, serviu comotenente de Artilharia no Exército do Centro, par-ticipando de combates nas frentes de Extremadurae Andaluzia, sucessivamente nas funções de ca-pitão, major e coronel (CARVALHO, 1979a; 1997,p. 122). Apolônio comandou uma agrupación(bateria de artilharia) na frente Centro Sul (MO-RENA, 1975b, p. 71; CARVALHO, 1997, p. 101-112), participou da batalha de Teruel — dezem-bro de 1937 a fevereiro de 1938 — e, finalmente,da última tentativa defensiva do Exército republi-cano na Catalunha, antes de refugiar-se na Fran-ça com os demais integrantes do contingente bra-sileiro. Apolônio se confessou “surpreendido[pela] quixotesca decisão” do governo republica-no de retirar os combatentes estrangeiros e, jásentindo que a “derrota avultava no horizonte daRepública” (1997, p. 114), foi transportado a Bar-celona às vésperas do Natal de 1938. No iníciode janeiro de 1939, “o rolo compressor fascistapassa por toda a Catalunha deixando um rastrode morte e ruína” (idem, p. 115).

3) Joaquim Silveira dos Santos. Saído numadas primeiras levas de voluntários para a Espanha,o Tenente de Infantaria Joaquim Silveira era umdos envolvidos no levante do 3º Regimento deInfantaria do Rio de Janeiro, em vinte e sete denovembro de 1935; libertado na “macedada”,embarca logo em seguida para a Europa, com trân-sito pelo sul do país e o Uruguai. Designado te-nente do Exército do Centro, “Quincas” Silveirase distingue em diversas frentes de luta, comopor exemplo em Huesca, sendo gravemente feri-do duas vezes num mesmo combate22. Roberto

com os franquistas às portas de Barcelona, Besouchet éassassinado covardemente” (CARVALHO, 1997, p. 123).Na opinião de Barreto Leite Filho — entrevistado peloProfessor Dulles — e de Augusto Besouchet — mencio-nado por Basbaum em suas memórias — Besouchet teriasido fuzilado por ordem dos stalinistas (cf. DULLES,1977, p. 430; BASBAUM, 1976, p. 154), sem precisarquais. José Homem Correia de Sá, em entrevista ao autor(1979), informou que, quando na Espanha, recebeu ainformação do Ministério da Defesa republicano de queBesouchet teria sido fuzilado, mas acrescentou, em caráterpessoal, que essa informação não constitui um julgamen-to político: “Havia muita incompreensão e ser fuziladonão denigre ninguém. Qualquer comandante podia fuzi-lar, sem julgamento”. Gay da Cunha, por sua vez, dizsaber de boa fonte que Besouchet foi “fuzilado por ordemde [André] Marty” (GAY DA CUNHA, 1946, p.156).

20 Os voluntários internacionais, cujo recrutamento cen-tral era coordenado em Paris (na rue de Lafayette), umavez introduzidos na Espanha, por trem, barco ou a pé,eram conduzidos a Albacete para receber instrução eaguardar designação nas unidades militares.

21 Nessa época, aliás, as perdas das Brigadas Internacio-nais foram particularmente pesadas na batalha de Brunete,em julho de 1937: “os batalhões Lincoln e Washingtonperderam um número tão grande de homens que preci-saram ser fundidos em um só” (THOMAS, 1977, p. 715-716).

22 Foi na batalha pela tomada de Huesca que Silveira foiferido duas vezes em seguida, dizendo Correia de Sá queele tinha “o incrível azar de atrair balas”.

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Morena o encontra “convalescendo num hospitalmilitar da província de Alicante” (1975b, p. 71),após o que realiza trabalho político junto à direçãodo PCE em Alicante (CARVALHO, 1997, p. 108).Depois da retirada das Brigadas Internacionais,isolado, juntamente com Apolônio de Carvalho,dos demais brasileiros que se encontravam naCatalunha, o Tenente Silveira ainda cumpre di-versas operações militares antes de ser enviadopara a Catalunha e a França, no começo de 1939(GAY DA CUNHA, 1946, p. 186). Por ironia dodestino, ele e Apolônio, dois comunistas convic-tos, viajam para a França escoltando um colégiode freiras, também em busca de refúgio dos com-bates (CARVALHO, 1997, p. 116).

4) José Homem Correia de Sá. Sargento avia-dor, participante do levante na Escola de AviaçãoMilitar do Rio de Janeiro, Correia de Sá acabavade completar vinte e cinco anos, em julho de 1937,quando partiu para a Espanha, depois de purgarvários meses de prisão. Saído clandestinamentedo País, juntamente com David Capistrano e Jor-ge Eneas de Andrade, o Sargento Correia de Sáembarca em Montevidéu, num barco inglês —Harlander — com passaporte da República espa-nhola, nome espanhol e suposta naturalidade es-panhola. Desembarcando em Cherbourg, na Fran-ça, Correia de Sá contata em Paris o centro deencaminhamento das Brigadas Internacionais quefuncionava na Maison des Syndicats, rua MathurinMoreau; em setembro, finalmente, atravessou afronteira de Port Bou, fez curtas escalas em Bar-celona e em Valência — que continuava comosede do governo republicano, agora dirigido porJuan Negrin, socialista moderado que substituiuLargo Caballero — e de lá seguiu para Albacete.Correia de Sá e o Cabo Eneas foram enviados aum campo de aviação em Los Alcaceres, a vintequilômetros de Cartagena, onde havia aviões detreinamento, de fabricação espanhola, e de com-bate, de fabricação russa e pilotados quase queexclusivamente por russos. Mesmo se Correia deSá, ocasionalmente, desempenhou as funções deinstrutor de tiro aéreo, “os brasileiros especiali-zados em aviação ficaram subtilizados, até queforam mobilizados para a infantaria” (CORREIADE SÁ, 1979). Designado, com outros brasilei-ros para o Batalhão Garibaldi, da XII Brigada,Correia de Sá foi para o serviço especial de co-municações e, mais tarde, para a tropa de com-bate; na condição de soldado, fez a batalha doEbro, de onde conseguiu escapar sem receber

ferimento de gravidade, um fato raro nesse bata-lhão.

5) David Capistrano da Costa. Também Sar-gento aviador e igualmente implicado na insurrei-ção de 1935, David Capistrano saiu da cadeia paraa Espanha. Como para os demais militares vincu-lados ao PCB, o envio se fazia com ajuda exter-na, já que o partido brasileiro atravessava difíceiscondições financeiras: a passagem era paga peloPC dos Estados Unidos, através de um comitêamericano de ajuda à Espanha (SILVEIRA,1979a). Incluído no Batalhão Garibaldi, Capistranoteve brilhante atuação militar, sendo logo promo-vido a tenente. Enviado a diversas frentes,Capistrano comportou-se sempre com bravura,sendo ferido num dos combates do Centro-Sul.Em meados de 1938, comandando uma compa-nhia, Capistrano participa da ofensiva do Ebro;na retirada das forças republicanas, imobilizou astropas inimigas de metralhadora em punho, per-mitindo assim a retirada de seus homens e a reor-ganização dos combatentes republicanos em no-vas linhas de defesa (CANABARRO, 1979a).

6) Eneas Jorge de Andrade. Cabo de aviação eum dos mais jovens militares voluntários, Eneasde Andrade foi a única vítima, do contingentebrasileiro, morto em combate. Integrante da se-gunda leva de voluntários brasileiros, ao contrá-rio dos demais que foram designados quase to-dos para a XII Brigada, o Cabo Eneas “não quiscombater em outra unidade militar que não fossede aviação” (CORREIA DE SÁ, 1979). Quandoestava em sua base de Quintanar de la Republica(antiga Quintanar del Rey, a dezoito quilômetrosde Albacete), Correia de Sá veio a Albacete paravisitar Eneas que, tendo cumprido já algumasações, tinha sido promovido a tenente de avia-ção23; em janeiro de 1938, Correia de Sá recebeucarta dele, acompanhado de foto do sanatório ondese encontrava repousando. Pouco tempo depois,Correia de Sá recebe carta de Roberto Morena,comunicando a morte de Eneas em combate, so-bre Saragoça, retornando de uma missão contraaviões alemães e italianos (CORREIA DE SÁ,1979; MORENA, 1975b, p. 71).

7) Nelson de Souza Alves. Tenente da PolíciaMilitar no Espírito Santo, Nelson Alves partici-

23 No livro de Gay da Cunha, o Cabo Eneas é apresen-tado como Sargento aviador, metralhador (1946, p. 156).

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pou do movimento aliancista e como tal sofreuperseguições e prisão. Vinculado ao PCB, o Te-nente Alves foi enviado à Espanha no segundosemestre de 1937, sendo designado para a XIIBrigada Internacional, onde revela brilhanteatuação. Ferido gravemente na batalha do Ebro,recebe no hospital a notícia de que as brigadasinternacionais estão sendo desmobilizadas (setem-bro de 1938); do Hospital de Moyá é transferidopor caminhão a Barcelona para ser evacuado pelafronteira francesa. Recuperado, volta a assumiro posto de comandante de pelotão numa das uni-dades da XV Brigada, reorganizada quase no fi-nal da guerra por André Marty em pessoa; suaconduta foi exemplar em todas as frentes de com-bate de que participou24.

8) Roberto Morena. Um dos poucos civis a par-ticipar do contingente brasileiro, Morena teve umpapel proeminente em função de sua posiçãocomo líder do PCB. Sindicalista histórico, mar-ceneiro-entalhador de profissão, Roberto More-na tinha já uma longa vocação internacionalista,participante que foi dos primeiros congressos deunificação do movimento trabalhador latino-ame-ricano, no ano de 1929, com a criação da Confe-deração Sindical Latino-Americana em Montevi-déu e sua vinculação à Internacional Sindical Ver-melha, com sede em Moscou (RODRIGUES,1979a, 1979b, 1987; ALMEIDA, 1991). Dirigen-te do PCB em Porto Alegre por ocasião do levan-te aliancista, Morena passa alguns meses em pri-são, no Rio de Janeiro, saindo com a “macedada”,no mês de junho de 1937. Imediatamente, aten-dendo a instruções da liderança do partido, Mo-rena organizou e despachou o maior número pos-sível de voluntários para a Espanha, ele mesmoseguindo viagem em outubro daquele ano. Che-gando na Espanha em novembro, Morena foi ini-cialmente ligado ao Batalhão Garibaldi: sua mis-são “era de ser o responsável pelos quadros bra-sileiros e de (se) incorporar a uma unidade militarcom o cargo de comissário político. Teve poucaparticipação militar porque o secretariado do Par-

tido Comunista Espanhol achou que precisava dealguns quadros no setor administrativo; optarampela região de Alicante, onde fui como instrutordo comitê central do Partido Comunista Espanhol”(MORENA, 1975a).

9) Dinarco Reis. Tendo ingressado na Aviaçãomilitar como soldado, em 1924, Dinarco Reis eraSegundo Tenente e militante do PCB em 1935,quando participou do movimento insurrecional devinte e sete de novembro (REIS, 1981). Daí emdiante, ele seguiu praticamente o mesmo itinerá-rio dos demais companheiros da insurreiçãoaliancista e voluntários da Guerra Civil Espanho-la: prisão em novembro de 1935 e expulsão doExército, libertação condicional em junho de 1937,saída clandestina pelo sul do país e embarque emMontevidéu num navio inglês em direção à Fran-ça (SILVEIRA, 1979c). Em Paris, em março de1938, quando muitos brasileiros já julgavam per-dida a causa da República, Dinarco interveio de-cisivamente para lembrar-lhes o dever de solida-riedade e os compromissos com o Partido (CAR-VALHO, 1997, p. 124). Designado para o segun-do batalhão da XII Brigada, Garibaldi, DinarcoReis serviu sempre na Catalunha, no início comosimples soldado, tendo sido promovido a cabotrês meses depois. Exceção rara na guerra e nocontingente brasileiro, Dinarco Reis não foi feri-do em combate, apesar de ter participado de to-dos os combates na frente do Ebro desde quechegou (REIS, 1981). Ele também exerceu, du-rante um certo tempo, funções não combatentescomo especialista da Força Aérea republicana(CANABARRO, 1967). Participou da ofensiva doEbro e, já na fase final da guerra, foi designadocapitão, tendo sido evacuado pouco depois comos demais membros do contingente brasileiro(REIS, 1981).

10) Delcy Silveira. Natural de Santa Vitória doPalmar, no Rio Grande do Sul, o cadete do últimoano de Aviação Delcy Silveira participou do mo-vimento aliancista e comunista, foi preso e pas-sou mais de um ano na cadeia, onde conheceuRoberto Morena e o escritor Dyonélio Machado(SILVEIRA, 1979c). Libertado na “macedada” de1937, não se sentiu seguro e mergulhou na clan-destinidade; saiu do Brasil, para o Uruguai,por determinação da direção estadual do PCB noRio Grande do Sul, juntamente com Dinarco Reis,seu irmão Eny e Nelson de Souza Alves. EmMontevidéu, partilhou sua casa Hermenegildo deAssis Brasil, antes de seguirem, no navio polonês

24 As informações sobre Nelson de Souza Alves, que nãopode ser contatado diretamente pelo autor, estão disper-sas nas várias fontes citadas até aqui: entrevista com Cor-reia de Sá, depoimento de Nemo Canabarro ao ProfessorDulles, artigo de Roberto Morena e livro de Gay da Cu-nha.

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Pulaski, para a França e depois Espanha(SILVEIRA, 1979b, 1980). Atendendo a convitede um dos comandantes italianos, RandolfoPacciardi, Delcy, integrante da terceira leva devoluntários brasileiros, juntamente com seu irmãoEny, foi incorporado ao Batalhão Garibaldi nocomeço de 1938, entrando imediatamente emação. Em julho de 1938, os republicanos atraves-sam o Ebro e estabelecem uma cabeça de pontede mais de trinta quilômetros na margem direitado rio, pouco depois dos nacionalistas terem di-vidido a zona republicana ao meio ao conquistarVillaroz, no Mediterrâneo. A batalha do Ebromobilizou todas as unidades das brigadas inter-nacionais, nela tomando parte ativa o já TenenteDelcy Silveira: ele foi ferido duas vezes nessaofensiva. Ele só foi ser oficial na fase final daguerra, passando a comandar um pelotão em umacompanhia de metralhadoras pesadas (SILVEIRA,1979c).

11) Eny Antonio Silveira. Irmão de Delcy,Eny, “à época do conflito espanhol era estudanteginasial, sendo o mais jovem combatente brasi-leiro na guerra da Espanha e, também, o únicocivil do grupo e, por isto, teve que custear suaida para a Espanha, o que não aconteceu com osdemais, todos militares [...]. Combateu na XIIBrigada Internacional, [Batalhão] Garibaldi. Foidelegado político de pelotão, tendo o posto deTenente. Era possuidor de grande coragem pes-soal, tendo sido ferido durante a batalha do Ebro,em combate noturno, ao assaltar uma trincheirafascista, num corpo a corpo, em que seu pelotãode vinte e seis homens, após algumas horas deluta, ficou reduzido a seis combatentes, pois osdemais estavam fora de combate, mortos ou fe-ridos” (SILVEIRA, 1979a). Em setembro de1938, juntamente com seu irmão, Homero Jobime Nelson de Souza Alves, se encontrava hospita-lizado por ferimentos recebidos nessa batalha e,até pouco antes da evacuação, participou de tare-fas militares no âmbito das brigadas internacio-nais (GAY DA CUNHA, 1946, p. 156).

12) Nemo Canabarro Lucas. Originário do RioGrande do Sul, o Capitão de Cavalaria NemoCanabarro tinha vinte e nove anos quando aban-dona seu exílio no Uruguai (onde figurava noEstado Maior do oposicionista Flores da Cunha)e viaja para a Espanha, via França, no final de1937, com passaporte fornecido pelas autorida-des espanholas de Montevidéu. Sem vinculações

com o PCB, Nemo Canabarro declinou a ofertade alistar-se nas Brigadas Internacionais, prefe-rindo servir no Exército republicano espanhol.Mobilizado para a Agrupação do Exército daCatalunha, Nemo Canabarro foi designado oficialde Estado Maior na 218ª Brigada Mista da 34ªDivisão de Infantaria que integrava o 10º Corpodo Exército do Leste. Como comandante da seçãode operações da Brigada, Canabarro dedicou-se àinspeção de batalhões localizados à margem dorio Noguera-Pallaresa, nos Pirineus, contribuin-do para o aperfeiçoamento da posição das armaspesadas (metralhadoras e bateria de reserva de75 mm). Na Divisão, Canabarro, logo promovidoa Capitão e comandante do Estado Maior de suaBrigada, nos últimos meses, travou contato comoo Capitão Dimitri, conselheiro soviético de poucaexperiência militar; participou igualmente em ope-rações defensivas e ofensivas nos setores de Sor-te, das quais resultaram, contra suas observaçõesnão acatadas, grande número de mortos e feri-dos. Canabarro esteve ainda em ação em Seo deUrgel e na contra-ofensiva de Segre, área deBalaguer, em apoio do exército do Leste ao exér-cito do Ebro, durante a fase final da batalha doEbro. Durante a evacuação, voltou a encontrar-se com os demais brasileiros, reagrupados naCatalunha e alinhou-se entre os participantes naproteção à retirada dos exércitos do Ebro e doLeste, para a fronteira franco-espanhola(CANABARRO LUCAS, 1967, 1979a, 1979b,1979c).

13) José Gay da Cunha. Também de Porto Ale-gre, Gay da Cunha foi ajudante de ordens deOswaldo Aranha, enquanto ministro da Fazenda,em 1932, voltando logo depois para a Escola Mi-litar. Formado tenente de aviação, toma parte nainsurreição, consegue escapar, mas se apresentapoucos dias após. Depois de vários meses de pri-são, inclusive num navio ancorado na baía daGuanabara, Gay da Cunha refugiou-se no Uru-guai e viajou para a França, com documentosespanhóis forjados, em companhia de Assis Bra-sil, no navio francês Belle Isle. Ao embarcar paraPerpignan, em princípios de 1938, são acompa-nhados pelo Major Costa Leite, atravessando afronteira clandestinamente, a pé, na altura de PortBou (GAY DA CUNHA, 1979a e 1979b). Em abrilé incorporado ao Batalhão 569 da 143ª BrigadaMista do Exército republicano, integrada por suavez à 24ª Divisão da Agrupação Norte do Exérci-

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to da Catalunha. Nomeado comandante da Pri-meira Companhia, o Tenente Gay da Cunha parti-cipa de diversas operações no vale do rioNoguera-Pallaresa, dominando posições fascistasnaquela área. Em meados do ano, já integrado ao24º Batalhão de Metralhadoras Motorizado, Gayda Cunha participa da ofensiva do Ebro, onde éferido gravemente; internado durante mais de ummês em hospitais militares, volta, no final do ano,ao corpo de voluntários da XV Brigada Internaci-onal, na qual, designado pelo próprio André Marty,exerceria funções de comando (GAY DA CUNHA,1946, p. 156).

14) Hermenegildo de Assis Brasil. De tradici-onal família gaúcha, o Cabo de aviação Assis Bra-sil figurava entre os mais jovens voluntários bra-sileiros, dentre os quais se distinguiu por extraor-dinária bravura em combate nas frentes deEspanha. Designado como comandante de pelo-tão de uma unidade integrando a 31ª Divisão doX Corpo de Exército, nos Pirineus, Assis Brasilparticipou de violentos combates em meados doano. “No combate de Piedras de Aolo, no setorde Sorte, o Tenente Hermenegildo de Assis Bra-sil, em operação noturna que começou ao cre-púsculo e terminou ao alvorecer do dia, repeliuquatro assaltos consecutivos das unidadesfranquistas, ao nível de companhia ou batalhão.Nesse combate, Hermenegildo lutou entre seushomens, atuando ao mesmo tempo como coman-dante da companhia e como simples soldado. Umfato é característico de sua ação: ele pessoalmen-te lançou mais de cem granadas de mão. Carre-gou nas costas vários de seus homens feridospara o posto de primeiros socorros” (CANABAR-RO LUCAS, 1967). Na fase final da guerra e pra-ticamente na retirada para a França através dosPirineus, Assis Brasil ainda chegou a dirigir umacompanhia, tendo sido designados comandantesde pelotão Capistrano e Nelson Alves: “essa uni-dade, muito bem armada, esteve cercada pelosfascistas e, após duros combates, rompeu o cer-co, juntando-se à Brigada já na fronteira com aFrança” (SILVEIRA, 1980). Assis Brasil saiu vivoda Espanha, mas veio a morrer na França, poucodepois.

15) Carlos da Costa Leite. O mais graduado e omais idoso do grupo de voluntários brasileiros, oMajor de Artilharia Costa Leite era um revolucio-nário histórico e um dos mais brilhantes líderesda ANL no Rio de Janeiro, antes de ser despa-

chado para o comando de uma unidade de arti-lharia em Bagé, onde também serviu o jovem Te-nente Apolônio de Carvalho. Na Espanha, CostaLeite serviu inicialmente como instrutor do Cen-tro de Organização e Preparação número dois,localizado numa cidade da Catalunha. Em mea-dos do ano já era, contudo, comandante de umaunidade de artilharia do Exército do Ebro, numbatalhão que participou da última ofensiva dasforças republicanas naquela região (MORENA,1975b, p. 71; GAY DA CUNHA, 1946, p. 156).

16) Homero de Castro Jobim. Gaúcho de nas-cimento, Homero Jobim não havia ainda atingidoa maioridade quando foi excluído do Exército,como aspirante de Cavalaria, em dezembro de1935, após haver concluído o curso da EscolaMilitar do Realengo. Um mês antes ele havia to-mado parte em reuniões preparatórias da insur-reição aliancista, o que lhe valeu seis meses deprisão na Casa da Detenção do Rio de Janeiro.Depois de alguns meses em Porto Alegre, ele sesente ameaçado de prisão, com a intervenção deVargas no governo local e se refugia em Monte-vidéu e Buenos Aires, onde já se encontravamdiversos outros companheiros25. Em fevereiro de1938, embarca em Montevidéu com destino àEuropa, no Olympic, munido de passaporte bra-sileiro obtido no Consulado brasileiro daquela ca-pital; depois de trânsito pela Inglaterra, Bélgica eFrança, penetra na Espanha, pela fronteira deCerbere-Port Bou, no final de março. Em abril écomissionado no posto de tenente do BatalhãoGaribaldi da XII Brigada, seguindo imediatamen-te para a frente do Ebro. Ferido diversas vezesnessa frente, Homero Jobim exerce o comandode uma companhia de infantaria durante a fasemais aguda dos combates. No mês de setembro,ferido gravemente no pulmão por granada de ar-tilharia, é hospitalizado durante dois meses, emVallarca e no Hospital de Mataró, em Barcelona.Ele seria ainda ferido duas vezes mais em outroscombates na mesma região. Mesmo depois daretirada dos voluntários estrangeiros das frentesde combate, participa de diversas ações militaresem localidades da Catalunha, no quadro da XV

25 Numa travessia de lancha, no Prata, Jobim, Delcy,Eny, Gay da Cunha, Nelson Alves e Dinarte da Silveirasão presos como “contrabandistas”, sendo soltos depoisde alguns dias.

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Brigada, desta vez no Batalhão Lincoln, aindacomo Tenente (JOBIM, 1979a, 1979b e 1979c)26.

A esse conjunto de combatentes brasileirosdeve ser acrescentado alguns nomes de oficiaisvoluntários que não chegaram contudo a pegarem armas pela Espanha republicana; são eles: oMajor Alcedo Cavalcanti, ex-professor do Esta-do-Maior do Exército brasileiro e provisoriamen-te exilado no Uruguai, os oficiais Celso TovarBicudo de Castro e Paulo Machado Carrión e oTenente aviador Carlos Brunswick França, todosparticipantes do movimento aliancista. Os trêsprimeiros não chegaram a ir para a Espanha: emParis, desentenderam-se com as autoridades es-panholas e voltaram para o Uruguai; o TenenteFrança foi à Espanha, mas não chegou a comba-ter, pois as autoridades militares já estavam reti-rando os pilotos estrangeiros (CORREIA DE SÁ,1979; CANABARRO LUCAS, 1979a).

Em contrapartida, poderiam ser arrolados aogrupo de voluntários saídos do Brasil, diversosoutros combatentes estrangeiros que, na maiorparte, eram ou tinham sido imigrantes ou resi-dentes, numa ou noutra época, no Brasil. Caberiacitar, em primeiro lugar, os combatentes da pri-meira hora que foram os italianos antifascistas e,como menção especial, os militantes comunistasou progressistas de origem judaica, duas catego-rias que engajaram-se decisivamente na lutaantifascista espanhola, para eles parte do comba-te mundial contra as ditaduras nazi-fascistas que,na mesma época, estavam massacrando militan-tes comunistas e socialistas e, particularmente,judeus alemães.

17) Ramón Prieto Bernié. Espanhol residenteno Brasil, onde exercia a profissão de jornalista,foi um dos participantes do movimento aliancistae, como tal, teve de sair do Brasil. Integrado numaunidade do Exército republicano, a 100ª Brigadado V Corpo do Exército, Prieto serviu em segui-da como comissário da XII Brigada dessa força:segundo Apolônio, ele foi “cinco vezes ferido,cinco vezes de volta ao front” (CARVALHO, 1997,

p. 125)27. Também integrado como combatenteao batalhão Garibaldi, na batalha do Ebro, Prietoatuou como comandante de uma companhia demetralhadoras, refugiando-se, depois da guerra,na Argentina (PRIETO, 1966).

18) Libero Battistelli . Republicano, advogado eescritor, pertencente ao movimento socialistaGiustizia e Libertà, militante da causa antifascistaque, para escapar à polícia de Mussolini, tinhaemigrado para o Brasil, onde se tornou agricul-tor28 , mas aqui desenvolveu, também, atividadeseditoriais e jornalísticas. “Acorreu à Espanha, coma mulher, em setembro de 1936. Depois de terfeito parte do [batalhão] ‘Rosselli’ e comandadoum grupo de artilharia, na formação Ascaso [lí-der anarquista], vem à Garibaldi, em abril de 1937,assumindo o comando do 1º batalhão” (CALAN-DRONE, 1967, p. 616). O major Battistelli foigolpeado quando comandava um ataque seu ba-talhão num ataque sem apoio aéreo ou de artilha-ria na região de Huesca, onde pouco antes tinhasido atingido por um canhonaço fascista o famo-so comandante bolchevique de origem húngaraLukács29 . Segundo o comandante italianoPacciardi, que coordenava as operações, “Battis-telli è della teoria che un comandante non devemai abbassarsi, un comandante non deve mairipararsi. Armato di una bonaria filosofia fata-lista, agitando la cannetta come se andasse avedere il racolto della sua ‘fazenda’ brasiliana,Battistelli va incontro alla morte” (PACCIARDI,1938, p. 237).

19) Francesco Leone. Também italiano, masnascido em 1899, em São Paulo, onde seus paiseram trabalhadores agrícolas, o revolucionário

26 O itinerário espanhol de Jobim é praticamente o mes-mo seguido pelo “voluntário Vasco Bruno”, tal comoreconstituído no romance de Érico Veríssimo, Saga(1960).

27 A informação sobre Ramón Prieto é bastante escassa;ver também “Nota” de Eduardo Maffei ao ProfessorDulles (datilografada, s.d.) e a pequena referência no li-vro de Gay da Cunha (1946, p. 156).

28 Segundo informação oral de Eduardo Maffei ao Pro-fessor Dulles (São Paulo, 11 de novembro de 1968), Libe-ro Battistelli tinha um sítio em Jacarepaguá, onde escon-deu-se Carlos Lacerda em 1935/1936, para fugir da re-pressão varguista, tendo ali, para ganhar algum dinheiro,traduzido Les caractères de La Bruyère; Carta de Dullesao autor (1980).

29 Tratava-se do famoso oficial do exército austro-hún-garo Mate Zalka, convertido ao bolchevismo na Primei-ra Guerra Mundial, escritor revolucionário no intervalo

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profissional Francesco Leone foi criado na Itália,aderiu ao PCI desde sua constituição, recebeuformação militar na União Soviética, militou in-tensamente na clandestinidade, até ser preso pelapolícia de Mussolini e condenado a sete anos. Em1934, desfrutando da dupla nacionalidade,retornou ao Brasil, aqui envolvendo-se igualmen-te nas atividades do PCB e da ANL; fugindo àrepressão varguista, Leone viaja para a França,começando a trabalhar para a organização huma-nitária de vinculação comunista, Secours RougeInternational, que o envia à Espanha assim queexplode a guerra civil (LEONE, 1944;ANDREUCCI e DETTI, 1966, III, p. 92-93). Jáem agosto de 1936, ele encontrava-se em Madri,servindo como comissário político na centúriaGastone Sozzi (que tinha sido seu colega emMoscou), antes mesmo que o governo republica-no autorizasse a formação das Brigadas Interna-cionais (CALANDRONE, 1967, p. 602-604)30.

20) Ernest Yosk. Judeu alemão, militante socia-lista, tinha emigrado ao Brasil no final dos anos20, envolvendo-se com a agitação comunista demeados da década seguinte: preso em São Paulo,deportado para a Alemanha pela polícia de Vargas,aliás no mesmo barco em que viajava Apolônio, oBagé, ele consegue escapar no porto do Havre,rumando logo em seguida para a Espanha ondese integra às Brigadas (CARVALHO, 1997, p. 86-87 e p. 131). Já quarentão, Yosk foi internadocom os demais brigadistas nos campos de Argelèse de Gurs; mais tarde, ele vem a fugir, mas per-maneceu na França, onde se incorporou aos gru-pos de resistência anti-nazista; segundo certasinformações, ele veio a morrer num campo deconcentração alemão, em circunstâncias não

elucidadas31.

21) Wolf Reutberg. Outro judeu, de origem ro-mena, trabalhou na Light and Power de São Pau-lo, enquanto esteve emigrado no Brasil e militouna ANL ainda muito jovem. Expulso do Brasil,também se dirige à Espanha, participando doscombates nas fileiras das Brigadas (DULLES,1985, p. 38 e p. 174). Internado nos campos fran-ceses, ele foge com os demais brasileiros duran-te o caos gerado pela invasão da França. Partici-pou das primeiras organizações de resistência e,em 1942, estava nas fileiras dos Franc-Tireurs etPartisans, seção MOI (mão-de-obra imigrada).Segundo Apolônio, ele foi preso quase no finaldo conflito, tendo sido sumariamente fuzilado(DIAMANT, 1979, p. 371; CARVALHO, 1997,p. 167).

Outros combatentes na Espanha tiveram, nummomento ou noutro de suas vidas, vínculos como Brasil, como o comunista italiano Nino Nanetti,aqui nascido mas criado na Itália, onde teve in-tensa militância comunista; um dos voluntáriositalianos da primeiríssima hora, já em agosto de1936 ele participava dos primeiros combates noAragão (DELPERRIE DE BAYAC, 1968, p. 48),vindo a morrer, em abril de 1937, despedaçadonum bombardeio aéreo (LONGO, 1956, p. 337).Desde 1923 no Brasil, o suíço Otto Brunner tinhatrabalhado no Mato Grosso, entrando em contatocom a Coluna Prestes, quando ela se interna naBolívia, mas já em 1927 ele se encontrava de vol-ta à Suíça, de onde sai para a Espanha numa dasprimeiras levas de combatentes voluntários(ZSCHOKKE, 1976, p. 93). Na vertente“surrealista”, pode ser citado Benjamin Peret,companheiro de André Breton, e que viveu noBrasil entre 1928 e 1932, tendo um filho brasilei-ro; retornado à França, foi um dos primeiros aseguir para a Espanha, em grande medida porimpulso romântico-revolucionário de colaborarcom as atividades do POUM; ele saiu depois dasjornadas de maio de 1937 em Barcelona, que as-sistem à repressão à oposição de esquerda(NAVILLE, 1981). Finalmente, consta que OresteRistori, velho militante anarquista de ascendência

e um dos primeiros comandantes das Brigadas Internaci-onais na Espanha; ver a interessante novela de Tijomirov(1962).

30 O autor entrevistou-se pessoalmente com FrancescoLeone, já Senador da República pelo PCI, em 1981, emsua residência de Vercelli, no norte da Itália, acompanha-do do historiador José Luis Del Roio, do Archivio Storicode l Movimento Operaio Brasi l iano , em Milão. Leone,depois de internado na França, chegou a participar daresistência francesa à ocupação nazista, foi preso e depor-tado para a Itália, onde passou algum tempo nas prisõesfascistas, de onde fugiu a tempo de participar da lutapartigiana na fase final da luta na península itálica.

31 Segundo Correa de Sá, em carta ao autor, Yosk teriasido internado num hospital parisiense. Durante a ocu-pação, ele teria sido fuzilado pelos nazistas.

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italiana e pioneiro das lutas classistas do proleta-riado brasileiro, se teria alistado como voluntárionas Brigadas Internacionais, depois de ter sidoexpulso pela última vez do Brasil, em abril de 1936(DULLES, 1977, p. 41 e p. 427), mas não háevidências positivas nesse sentido. EduardoMaffei, aliás, indica a pouca consistência do su-posto “episódio espanhol” na vida do grande mi-litante anarquista Ristori (MAFFEI, 1979b, p. 119-120).

VII. OS BRASILEIROS NA GUERRA CIVIL

Nas Brigadas Internacionais estavam represen-tados cinqüenta e três países: a quinzena de vo-luntários brasileiros ali integrados constituiu amodesta porém decidida ação de solidariedadeinternacionalista por parte do movimentoantifascista do Brasil em relação à República es-panhola. O pequeno número de brasileiros, assimcomo a diversidade de suas especializações mili-tares não permitiram que se constituísse umaunidade homogênea; ademais, o grande espaçode tempo entre uma chegada e outra — do iníciode 1937 a março de 1938 — dificultou a concen-tração do grupo brasileiro numa única unidade,acrescido ao fato da grande mobilidadeorganizacional dos diversos batalhões internacio-nais, permanentemente submetidos a grandes dre-nagens humanas, necessitando assim recompo-sições rápidas, sem distinção de nacionalidade (cf.BROUÉ-TÉMIME, 1961, p. 357-358; BROME,s.d., p. 191). A partir de uma determinada faseda guerra, aliás, existiam mais espanhóis que es-trangeiros nas brigadas internacionais: “A medi-da que o fluxo de voluntários diminuía, pelo queos batalhões ameaçavam ficar reduzidos nas suasforças, eram transferidos espanhóis do seu pró-prio exército ainda em crescimento e cada vezmais disciplinado” (BROME, s.d., p. 293)32.

Os voluntários brasileiros, tendo chegado àEspanha a partir de meados de 1937, com aexceção precoce do Tenente Besouchet, comba-teram nos dois terços finais da guerra civil, per-manecendo em território espanhol até os últimosmomentos do esforço republicano: de julho de1937 a janeiro de 1939, os brasileiros estiveram

representados em todas as frentes de combate— de Belchite a Teruel, de Lerida ao Ebro, pas-sando por Huesca e pelas campanhas de Aragãoe das Astúrias e, finalmente, pela da Catalunha —, nas diversas armas militares engajadas na luta— artilharia, infantaria, cavalaria blindada e avia-ção militar — e também como comissários polí-ticos de unidades específicas.

Nesse período, apesar de efêmeros sucessosgovernamentais — a captura de Belchite, o ata-que a Teruel, a ofensiva do Ebro — as tropasrebeldes estiveram constantemente em avanço ea situação das forças republicanas e internacio-nais não deixou de ser crítica, mesmo se a me-lhor organização destas últimas, a partir de mea-dos de 1937, conseguiu prolongar o conflito epostergar a derrota militar do governo republica-no. Mas, mesmo na ofensiva do Ebro, o destinoda República estava selado. Delcy Silveira traduzsua própria experiência nessa fase: “A tática dosfascistas era escolher dois quilômetros de frentee concentrar todo o peso da aviação e da artilha-ria durante o dia e depois avançar com tanques ehomens. Uma vez quebrada a frente, não se con-seguia mais deter o avanço do inimigo: levavamde roldão o que restava das forças republicanas.A concentração de fogo durante esses ataqueslocalizados era impressionante: a topografia doterreno chegava a mudar” (SILVEIRA, 1979c).

Não há dúvida que a derrota foi antes militardo que política, a despeito das acirradas divisõesideológicas entre as forças que compunham aFrente Popular, e mesmo essa derrota militar deveser avaliada levando-se em conta os recursosmateriais e humanos postos à disposição de cadaum dos adversários. A mobilização dos fascis-mos em favor de Franco foi, nesse caso, decisi-va: em primeiro de dezembro de 1936, a Alema-nha e a Itália tinham encaminhado cerca de tre-zentos aviões e quase cem tanques, além de cen-tenas de peças de artilharia e de metralhadoras,dezenas de milhares de granadas de mão e tone-ladas de munição para armas automáticas(COVERDALE, 1975, p. 115). O esforço redo-braria nas grandes batalhas do ano seguinte.

A mesma desproporção gritante se revelou nos“recursos humanos”: em janeiro de 1937, quan-do não se tinha conseguido ainda juntar dez milvoluntários internacionais ao lado das forças re-publicanas, já havia trinta mil italianos de Mussolinicombatendo por Franco (BROME, s.d., p. 191).

32 Em meados de 1937, aliás, a “proporção de espanhóis[já] aumentara até serem 35% no Garibaldi, 35% noDombrowsky, 45% no Rakosi e 85% no Thaelmann”(BROME, 1965, p. 191).

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Essa constatação de uma “luta dura e desigual”corresponde à percepção dos próprios brigadistasque combateram pela República: Dinarco Reis,por exemplo, que condena o atendimento pelogoverno republicano da solicitação da Liga dasNações de retirada de “todos” os corpos estran-geiros, é eloqüente nesse aspecto: “O governo daRepública aceitou e cumpriu à risca esse com-promisso; o mesmo não se deu do lado franquista.[...] A ajuda de toda a natureza recebida pelosfranquistas era imensamente maior e sem limites.[...] A derrota militar das forças armadas espa-nholas da maneira rápida como ocorreu foi devi-da, entre outros fatores, pela falta de recursosmateriais para prolongar a resistência. Era geral acarência não só de armamentos e recursos béli-cos como de elementos vitais para a populaçãoda retaguarda” (REIS, 1981).

Portanto, se a intervenção estrangeira do ladorepublicano não foi decisiva — em termos dehomens ou armas — para o desempenho efetivode guerra, mesmo se ela assumiu uma grandeimportância em determinados momentos da con-dução do conflito, já a ajuda das potências fas-cistas foi essencial para a vitória militar de Fran-co: sem ela, dificilmente o golpe militar de julhode 1936 teria se transformado em guerra civil eesta assumido as proporções que teve no decor-rer dos três anos seguintes. Os ex-combatentesbrasileiros entrevistados são unânimes em reco-nhecer a capacidade militar superior das tropasrebeldes como o principal fator da vitóriafranquista, contribuindo inclusive para agravar asdissensões políticas no seio das forças republica-nas. Por outro lado, a capacidade de resistênciada República espanhola, durante os três longosanos de uma cruel guerra civil, foi antes de maisnada a expressão de uma vontade política extre-mamente combativa, que só se poderia explicarpela moral elevada dos soldados e civis empe-nhados naquela resistência33.

Nenhum brasileiro voluntário foi para a

Espanha por espírito de aventura ou como tenta-tiva romântica de se projetar militarmente; todosassumiram conscientemente seu lugar no com-bate antifascista do povo espanhol e contribuí-ram, ainda que modestamente, no esforço de guer-ra republicano. Roberto Morena, responsável quefoi por grande parte dos quadros militares brasi-leiros na Espanha, escreveu que “nas unidadespara as quais os brasileiros foram enviados, seucomportamento sempre mereceu o elogio de seuscomandantes” (MORENA, 1975b, p. 71) e, re-conhecidamente, todos eles foram promovidos,com exceção de Costa Leite que conservou, des-de o início, seu já alto posto de Major do ExércitoRepublicano espanhol. Nemo Canabarro, Gay daCunha, Dinarco Reis, Apolônio de Carvalho eJoaquim Silveira foram promovidos ao posto deCapitão de suas unidades militares respectivas;Assis Brasil (que era apenas cabo no Brasil), Cor-reia de Sá, Capistrano, Delcy, Eny e Homero Jobimatingiram o posto de Tenente; o Cabo Eneas, an-tes de morrer em combate, tinha sido promovidoa Tenente de aviação.

Como informa, aliás, Apolônio de Carvalho,nem todos os brasileiros deslocados voluntaria-mente para a Espanha puderam empregar plena-mente suas qualificações militares. “Metade denosso contingente militar, por exemplo, provinhada Aeronáutica, mas apenas Eneas Jorge deAndrade conseguiu lugar na aviação espanhola[...]. Independentemente de tais vicissitudes, noentanto, ao fim da guerra todos os nossos volun-tários serão promovidos, por merecimento, aoposto de capitão [...]” (CARVALHO, 1997, p. 123).Uma frustração unanimemente partilhada pelosbrasileiros eram as condições inferiores de luta aque estavam submetidas as forças republicanas.Como disse Delcy Silveira, “enquanto os fascis-tas disparavam dez obuses, os republicanos sóripostavam uma vez” (SILVEIRA, 1979c).

VIII. DERROTA E EVACUAÇÃO

Em abril de 1938, o território espanhol aindasob controle do governo republicano é divididoem duas partes, como conseqüência da ofensiva

33 Em julho de 1940, o ex-combatente Delcy Silveiraenviava uma carta ao escritor Érico Veríssimo para refu-tar a visão pessimista expressa no romance Saga, traçan-do, de sua parte, o que considerou um perfil mais confor-me dos “voluntários da liberdade”, engajados de formadesprendida na luta antifascista do povo espanhol; em suaresposta, Veríssimo lamenta não ter podido “dar umaimagem exata das BI”, declara ter “aceito e compreendi-

do” o protesto de Delcy, mas afirma que, com base emsua “experiência de vida”, uma “seleção rigorosa” de tiposhumanos não é possível. Cópias dessas cartas foram gen-tilmente cedidas por Delcy ao autor (v. SILVEIRA, 1940;VERÍSSIMO, s.d.[1940?]).

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fascista no estuário do Ebro e a conquista deVillaroz, no Mediterrâneo: a Catalunha fica isola-da do centro, acrescentando novos problemasestratégicos às já pesadas tarefas do governo deValência. A tentativa de romper o domínio fascis-ta sobre essa frente foi a última ofensiva coorde-nada do lado republicano: de julho a setembro de1938, as forças combinadas republicanas, espa-nholas e internacionais, são concentradas na mar-gem do Ebro, conseguindo estabelecer uma ca-beça-de-ponte de mais de trinta quilômetros nolado direito do rio. As Brigadas Internacionais, jáparcialmente desagregadas nessa época, são to-talmente engajadas nessa frente e nela os volun-tários brasileiros recebem sua mais dura provade combate: praticamente todos recebemferimentos, de maior ou menor gravidade, ao par-ticiparem das ferozes lutas que se travam em tor-no da conquista de poucos palmos de terreno.

A vinte e um de setembro, em Genebra, pe-rante a Sociedade das Nações, o chefe do gabi-nete republicano, Juan Negrin, anuncia a decisãodo governo espanhol de retirar todos os voluntá-rios internacionais das frentes de combate, numacontrovertida tentativa de mostrar que o ladolegalista não precisaria recorrer a forças estran-geiras para enfrentar um conflito interno. Os po-deres fascistas, que nunca se haviam submetidoao controle do “Comitê de Não-Intervenção”,aproveitam-se desse gesto gratuito e unilateral parareforçar ainda mais a ajuda à Franco, esperandoeliminar rapidamente a já debilitada resistênciarepublicana. Os voluntários brasileiros, muitosdeles internados em hospitais da Catalunha, sãoinformados dessa decisão ao mesmo tempo queda notícia do Acordo de Munique, entre Daladier,Chamberlain e Hitler, consubstanciando a entre-ga da Checoslováquia à Alemanha. Roberto Mo-rena enviou uma carta a todos os brasileiros com-batentes na Espanha: “pela primeira vez Morenafalava na retirada dos quadros brasileiros e na ne-cessidade de preservar sua experiência para aslutas no Brasil” (SILVEIRA, 1979c).

Em quinze de novembro de 1938, jádesmobilizados, os voluntários internacionais par-ticipam da parada de despedida, em Barcelona,saudados por Negrin e La Passionaria e aclama-dos delirantemente pela população34. Em Barce-

lona, se encontravam naquela ocasião todos osvoluntários brasileiros que tinham participado ul-timamente de operações militares no âmbito doExército do Leste: Gay da Cunha, Dinarco Reis,Homero Jobim, Correia de Sá, Delcy Silveira,Nelson de Souza Alves, David Capistrano, NemoCanabarro, Costa Leite, Assis Brasil e Eny Silveira.Os demais, Joaquim Silveira, Apolônio de Carva-lho e Roberto Morena ainda estavam no Centro,agora isolado dos Pirineus, e apenas os dois pri-meiros conseguiram chegar à Catalunha nos doismeses seguintes.

A desmobilização é, contudo, parcial, já quenem todos os combatentes internacionais poderi-am sonhar em voltar a suas pátrias. Os voluntári-os de países democráticos — franceses, ingle-ses, americanos e alguns latino-americanos comomexicanos e cubanos — foram retirados semmaiores problemas, mas os combatentes de paí-ses fascistas ou antidemocráticos não tinham paraonde ir. Em dezembro, o governo mexicano per-mitiu a ida de seis mil e seiscentos voluntáriosinternacionais que esperavam repatriação: foramfretados cinco vapores que deveriam atracar emBordéus e oferecidos passaportes aos que con-seguissem obter visto de trânsito do governo fran-cês (CORREIA DE SÁ, 1979; GAY DA CUNHA,1946, p. 187). Os voluntários recebem o passede saída do governo republicano e se colocamem marcha para a fronteira: são milhares de com-batentes de todas as nacionalidades, agora desar-mados e combalidos, fazendo dezenas dequilômetros a pé, sob neve e frio. Contudo, quandose apresentam na fronteira francesa, a seis de ja-neiro de 1939, não lhes é permitida a entrada,sendo obrigados a voltar para os centros dedesmobilização, organizados precariamente.

Entrementes, Franco dá início à campanha daCatalunha, região que no espaço de dois mesescairia sob seu controle: em dezembro oito divi-sões blindadas — italianas em sua maior parte —irrompem na Catalunha. Surpreendentemente,Barcelona cairia em menos de dois dias de luta,resultado sem dúvida da ação da quinta coluna no

34 Em dezessete de outubro, as Brigadas Internacionais

já haviam desfilado nas ruas da Albacete, sua base de trei-namento mais importante (cf. BROME, 1965, p. 331-335). Delcy Silveira, imobilizado num hospital daCatalunha, não pôde participar do desfile de Barcelona,que, segundo ele, “foi uma apoteose” (SILVEIRA, 1979c).

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interior da cidade (THOMAS, 1977, p. 870-873;GAY DA CUNHA, 1946, p. 189). André Martyreconvoca os voluntários disponíveis para lutar,mas apenas para efetuar ações de retardamento:a XV Brigada é reorganizada rapidamente e osbrasileiros se apresentam para pegar em armasnovamente. Designado comandante de Estado-Maior da Brigada, Gay da Cunha começa a orga-nizar uma companhia, apontando os oficiais As-sis Brasil, Nelson Alves e David Capistrano paracomandantes de pelotão. No mesmo grupo figu-ravam ainda Dinarco Reis, Nemo Canabarro,Homero Jobim, Correia de Sá, Delcy e EnySilveira, cuja tarefa era fundamentalmente orga-nizar a retaguarda da coluna de retirada e mantera ordem nos comboios de refugiados.

No final do mês de janeiro, mais de duzentasmil pessoas se acotovelam na fronteira francesa.Os anarquistas da FAI, que já há algum tempoantes se tinham retirado da Frente Popular e que,mesmo depois de abandonar as frentes de luta,tentam ainda conservar suas armas, provocamalguns incidentes, rapidamente debelados pelasforças organizadas dos voluntários internacionais(cf. GAY DA CUNHA, 1946, p. 189). No dia novede fevereiro, finalmente, na presença do Presi-dente do Conselho Juan Negrin, do Secretário-Geral da Defesa Coronel Antonio Cordón e deAndré Marty, os voluntários atravessam a fron-teira. Era o final das Brigadas Internacionais, queatravessam a fronteira “num cenário de êxodobíblico”, segundo as palavras de seu comandan-te, Luigi Longo (1956, p. xix). Nessa altura, oregime de Vargas, cada vez mais pró-fascista, játinha-se decidido a reconhecer o governo de Fran-co, um dos primeiros no mundo a fazê-lo, junta-mente com a ditadura estadonovista de Salazar.

Quanto a Roberto Morena, ele “havia ficadona província de Alicante, cuja capital sofria bom-bardeios aéreos todos os dias [...]” (1975b, p.71), e ainda se encontrava lá, mesmo depois datraição da junta de capitulação de Casado, Besteiroe Miaja, em princípios de março (THOMAS, 1977,p. 902-903). “No dia 30 de março, os italianos deGambara entravam em Alicante [...]” (idem, p.915); pouco antes, na madrugada desse mesmodia, Roberto Morena pegava o último navio a lar-gar o porto de Alicante — o Stanbroock, barcoespanhol de bandeira inglesa —, “subindo por umacorda porque o navio já se estava retirando [...]”(MORENA, 1975a e 1978). Os que ficaram paratrás foram fuzilados sumariamente. O navio atra-

ca em Oran, na Argélia francesa, e, com milha-res de outros refugiados, Morena é internado numcampo de concentração em Boghar, no interiordo país. Em meados do ano, depois de duas ten-tativas de fuga, Morena embarca para a UniãoSoviética, que estava recebendo um certo núme-ro de refugiados espanhóis; lá, Roberto Morenadeveria permanecer durante cerca de um ano —trabalhando numa fábrica de tratores deTcheliabinsk, entre outras atividades — antes devoltar à América do Sul pelo Pacífico.

“Para todos os refugiados começa então a ter-rível provação do exílio. Na África do Norte ouna França, eles são internados em campos ondeenfrentam condições materiais e morais muitoduras, esperando o acolhimento por um país es-trangeiro ou a autorização para permanecer naFrança” (BROUÉ-TÉMIME, 1961, p. 498). Comexceção de Morena, todos os demais brasileirossão encaminhados aos campos de Argelès-sur-mer ou de Saint-Cyprien — mais tarde ao de Gurs,nos Pirineus orientais — com dezenas de milha-res de outros refugiados. Correia de Sá, que foiencaminhado ao de Argelès, diz que “os france-ses nos encurralaram na praia, vinte quilômetrosde mar, cercaram com arame farpado e nos dei-xaram lá, ao ar livre, na chuva, em pleno inverno,um vento terrível que levantava a areia; nos for-neciam comida, aos tachos, mas nada de habita-ção” (CORREIA DE SÁ, 1979).

A Garde Mobile, responsável pela vigilânciados refugiados, delegava o trabalho deenquadramento aos Tirailleurs Sénégalais, o quenão contribuía em nada para facilitar os contatoscom as autoridades francesas. No romance Saga,o escritor Érico Veríssimo, com base nos depoi-mentos de Homero Jobim e de um espanhol refu-giado, Jesus Corona, reconstituiu o clima pavo-roso do campo de Argelès-sur-mer: “[...] somoscerca de cento e oitenta mil homens encurrala-dos como animais entre o mar e uma cerca dearames farpados, guardados por tropas senegale-sas [...] a disenteria faz dezenas de vitimas. Nãotemos recursos para os medicar. Há homens quecaem e se entregam” (1960, p. 179 e p. 181)35.

35 Esses campos de “concentração” chegaram a “abri-gar” duzentos e cinqüenta mil combatentes, do total demeio milhão de refugiados entrados pelas fronteiras dosPirineus. Sobre as condições terríveis do gulag francês,ver GRANDO; QUERALT; FEBRÉS (1981).

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Delcy diz que esse campo logo se transformou“num mar de merda”, mas depois foram organi-zados precários banheiros coletivos; “um burroque ocasionalmente havia aparecido no campo foi,em questão de segundos, devidamenteesquartejado e posto no caldeirão [...]” (SIL-VEIRA, 1979c).

Em abril, os ex-voluntários brasileiros são vi-sitados no campo pelo Conselheiro Carlos daSilveira Martins Ramos, encarregado de negóci-os junto ao governo republicano espanhol, que sehavia retirado com o Presidente do Conselho,Negrin, então já desligado da representação elotado em Paris. Ele oferece passaportes aos quedesejassem voltar ao Brasil, além de facilitar avida dos demais, conseguindo cobertores e ali-mentos. Aqueles que não tinham condenação noBrasil aceitaram a repatriação. O diplomata, querelatou a Delcy ter ele próprio recomendado aogoverno brasileiro o reconhecimento do governofranquista, forneceu algum dinheiro e documen-tos de viagem aos brasileiros (SILVEIRA, 1979c).No mesmo mês, Nemo Canabarro, Homero Jobim,Nelson Alves e os irmãos Silveira receberam ospassaportes e tomam um barco em Marselha, ovapor “Mendoza”, com destino à América do Sul.

Na volta ao Brasil, ficaram alguns dias deti-dos na Polícia do Rio de Janeiro e depois de in-terrogados ganham a liberdade. Os demais, isto éa maioria, permaneceriam ainda em campos deconcentração durante vários meses, pelo menosaté o começo da guerra, no mês de setembro.Com a construção do campo de Gurs — “os fran-ceses instalaram barracas enormes nos Pirineusorientais e nos transportaram todos” — são trans-feridos para lá: Costa Leite, Assis Brasil, JoaquimSilveira, Gay da Cunha, Dinarco Reis, Correia deSá, David Capistrano, Apolônio de Carvalho eNelson Alves (CORREIA DE SÁ, 1979)36.

Quando se iniciou a guerra, em setembro, asautoridades militares francesas fizeram pressãopara que os ex-combatentes internacionais e es-

panhóis se alistassem na Legião Estrangeira paralutar contra os alemães. “Inclusive, o GeneralGamelin, que tinha sido o Chefe da missão militarfrancesa no Brasil [e, nessa condição, professorde Costa Leite], foi ao campo e nos convida paraintegrar a Legião Estrangeira, com os mesmospostos que tínhamos na Espanha. Nós concorda-mos com a manutenção das patentes, mas não noquadro da Legião Estrangeira, que era uma forçade repressão colonial, e sim no Exército francês,mas eles não aceitaram” (CORREIA DE SÁ,1979,).

Pouco tempo depois, mesmo condenados noBrasil, Gay da Cunha e Correia de Sá conseguem,através da representação brasileira em Paris —onde trabalhava um sobrinho do ex-Ministro dasRelações Exteriores, Pimentel Brandão —, pas-saportes de repatriados, concedidos pelo Consu-lado em Marselha; no começo de 1940, antes queos alemães rompessem a frente francesa, embar-cam separadamente para a América do Sul37.

Os demais permanecem no campo algunsmeses mais, enfrentando em seguida destinos di-versos. Apolônio de Carvalho, Capistrano eDinarco Reis fogem de Gurs, “aproveitando ocaos reinante”, em meados de 1940 e vivem, le-gal ou clandestinamente, na França de Vichy, emregiões diversas e com ocupações diferentes.Dinarco Reis conta que “Hermenegildo, eu, Joa-quim [Silveira] e Wolf [Reutberg] conseguimosatingir Paris quando esta era ocupada pelos ale-mães. Costa Leite, Apolônio e outros foram paraMarselha. Correia de Sá escapou para Portugal eCapistrano caiu preso pelos alemães sendo, po-rém, libertado e voltado a Marselha um ano de-pois” (REIS, 1981).

Correia de Sá, condenado no Brasil, vive al-guns meses, clandestinamente, em Portugal, ondetenta alistar-se no Exército de Chiang Kai-chek

37 No começo dos anos trinta, Gay da Cunha tinha sidooficial de gabinete de Oswaldo Aranha, anteriormenteMinistro da Justiça e Negócios Interiores e, a partir demarço de 1930, Ministro das Relações Exteriores, segun-do informação de Correia de Sá. O sobrinho do ex-Mi-nistro das Relações Exteriores, Mário de PimentelBrandão, a que se refere Correia de Sá, era o auxiliarcontratado pelo Consulado Geral do Brasil em Paris,Alfredo de Pimentel Brandão.

36 Na citada carta do Major Costa Leite, de junho de1939, é feita referência a trinta e três brasileiros interna-dos no Campo de Gurs, mas o autor não conseguiu muitainformação sobre o destino dos demais, à exceção do ale-mão Yosk e do romeno Reutberg.

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para combater os japoneses que haviam invadidoa China, mas não obteve ajuda da Embaixada chi-nesa em Lisboa. Detido no segundo semestre de1940 pelas autoridades portuguesas, passa algumtempo no Forte de Caxias, onde também se en-contrava Álvaro Cunhal, com quem trava conhe-cimento. Expulso do país, com a ajuda do Côn-sul brasileiro que lhe consegue o repatriamento,consegue entrar clandestinamente no Brasil, ondepermanece alguns meses antes de juntar-se aosdemais exilados em Buenos Aires (CORREIA DESÁ, 1979).

Em julho de 1941, Joaquim Silveira e Dinarcoviajam para Marselha, onde já se encontravaApolônio, de onde passam a Portugal en fins de1941, juntamente com Capistrano. Este últimoviaja ao Uruguai, Silveira foi para o México eDinarco entrou clandestinamente na Venezuela,onde passou quatro meses, viajando então ao Riode Janeiro, onde permanece na ilegalidade, masretomando os contatos com o PCB (REIS, 1981).Quanto a Assis Brasil, ainda no Campo de Gurs,ele foi mobilizado compulsoriamente para as fren-tes de trabalho nos primeiros meses da guerra,sendo obrigado a reforçar a linha Maginot na fron-teira franco-belgo-luxemburguesa. Depois da ofen-siva alemã, Hermenegildo, Reutberg e outros qua-tro brasileiros ficam no mesmo campo de prisio-neiros, de onde conseguem escapar, sob fogo demetralhadoras. Em 28 de junho de 1940, eles con-seguem chegar a Paris, depois de cento e vintequilômetros de marcha noturna. Novamente acaminho da liberdade, Assis Brasil vem a morreracidentalmente de septicemia durante uma exte-nuante jornada para a França de Vichy (BARATA,1950, p. 127).

Apolônio de Carvalho, por sua vez, tendo fei-to contatos com militantes comunistas brasilei-ros, consegue estabelecer-se em Marselha, pri-meiro dando aulas de francês a judeus refugiadosdesejosos de emigrar ao Brasil, depois trabalhan-

do no próprio Consulado, como auxiliar local(CARVALHO, 1997, p. 138-139). Em 1941, jáencontram-se reunidos em Marselha Costa Leite,Dinarco, Joaquim Silveira e Capistrano. Quandodo rompimento de relações entre o Brasil e a Ale-manha e da invasão por esta última da “zona li-vre” francesa, Apolônio deixa o serviço no Con-sulado e ingressa na resistência ao ocupante na-zista, participando desde as primeiras horas daorganização de grupos de partisans (CARVALHO,1979a, 1979b, 1997, p. 144-145). Ele só retornaao Brasil, depois de tantos combates, no final de1946.

Costa Leite, Joaquim Silveira e Nelson Alvesconseguem, de várias maneiras, alcançar a Amé-rica do Sul, refugiando-se em Buenos Aires, ondetambém chegaria, em meados de 1941, vindo daUnião Soviética, Roberto Morena, acompanhadodo líder do PCB Fernando de Lacerda. Com aintensificação da campanha pela entrada do Bra-sil na guerra, ao lado dos aliados, vários do exila-dos brasileiros em Buenos Aires operam uma en-trada em massa no Brasil, com a intenção de seoferecerem voluntários para o eventual corpo ex-pedicionário que se constituiria dessa ação: NemoCanabarro, no Brasil, lança a idéia de formaçãode um “Exército de Voluntários Americanos” paracombater nos campos da Europa o totalitarismofascista, tentando forçar, sem resultados nessafase, uma mudança na orientação pró-Eixo dogoverno Vargas. Os exilados brasileiros não con-seguem, contudo, maior repercussão com seucontrovertido ato: são todos presos à sua entradana fronteira e enviados para a ilha-prisão de IlhaGrande no Rio de Janeiro, entre eles Correia deSá. Ironicamente, o diretor da Penitenciária eraum tio do escritor Érico Veríssimo, o tambémgaúcho Nestor Veríssimo (CORREIA DE SÁ,1979; VERÍSSIMO, 1973).

Recebido para publicação em julho de 1998.

Paulo Roberto de Almeida ([email protected]) é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade deBruxelas, Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia e diplomata de carreiradesde 1977. Ocupa atualmente o cargo de Diretor-Geral do Instituto Brasileiro de Relações Internaci-onais, é Editor do Boletim de Diplomacia Econômica (do Ministério das Relações Exteriores) e Editor-Adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional (http://members.tripod.com/rbpi).

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ABSTRACTS RsocP vol. 12 1999

THE CONCEPT OF POLITICS UNDER THE SCRUTINY OF MONDIALIZATION

Catherine Colliot-Thélène (Ecole Normale Supérieure de Fontenay/Saint-Cloud)

This article characterizes the modern concept of politics in the light of the phenomena that have been designated by the term "globalization". It will be analized how the modern State has consolidated its capacity for domination as it has been able to formulate in structural and symbolic terms a colective identity, expressed through the idea of cityzenship. It is argued that the diversification of decision arenas and the transfer of economic, juridical and military competences to supranational, regional or transnational instances, question State sovereignty and at the same time begin to redefine a new the political sphere, given that power relations, in this new context, cease to be paralleled by processes of colective identification, that have, until now, been assured by the decision capacity of the State.

KEY WORDS: politics; State; sovereignty; collective identification; mondialization; globalization.

FORMS OF NGOs INFLUENCE IN CONTEMPORARY INTERNATIONAL POLITICS

Rafael A. Duarte Villa (Universidade Federal do Paraná)

This article analyses the growing importance that transnational, non-state actors are aquiring for international relations theory. More specifically, the author explores three facets of this phenomenon: firstly, the proposition of the category of influence as a political means of transnational NGOs performance; secondly, the insertion of these NGOs in global social processes - such as ecological instabilities, human rights, consumption; and finally, the methods of building consensus around social problems of planetary order. The author concludes that NGOs performance affects interstate, supranational and transnational orders.

KEY WORDS: transnacional actor; NGOs; influence; inter-State actor; supranational actor; consensus; decentralization.

BRAZILIANS IN SPANISH CIVIL WAR: COMBATANTS IN THE FIGHT AGAINST FASCISM

Paulo Roberto de Almeida (Ministério das Relações Exteriores - Brazil)

This article analyses the participation of Brazilians in Spanish Civil War, most of whom belonged to the Communist Party. The article also analyses the political and diplomatic context of the Spanish conflict. It is based in an original research on primary sources, specially questionnaires and interviews with ex-combatants and their relatives as well as on available secondary sources. This research constitutes one of the first surveys of voluntary involvement of Brazilian combatants in the military episodes of the Spanish Civil War, with emphasis given to their participation in the International Brigades.

KEY WORDS: Spanish Civil War, (1936-1939); International Brigades; voluntary participation of Brazilians.

THE UNITED STATES, THE CUBAN REVOLUTION AND THE CONTRA-INSURRECTION

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA N0 12: 195-197 JUN. 1999

RESUMES

Versão dos resumos para o francês: Maria Esther Reis

LE CONCEPT DE POLITIQUE À L’ÉPREUVE DE LA MONDIALISATION

Catherine Colliot-Thélène (Université de Rennes/Ecole Normale Supérieure de Fontenay-Saint-Cloud/CNRS)

Cet article vise à caracterizar le concept moderne de politique en face des phénomènes designés para le terme “mondialisation”. On discute la consolidation de l’Etat en ce Qui concerne as capacité de domination dans la mesure où il se révèle apte à structurer symboliquement une identité collective particulière, traduite par l’idée de citoyenneté. On soutient que la diversification des champs de décision et le transfert des compétences économiques, juridiques et militaires aux instances supranationales, régionales ou bien transnationales, met en question la souveraineté d’Etat et commence à redéfir en même temps le champ de la politique de façon inouïe, puisque les relations de pouvoir dans ce nouveau contexte ne sont plus accompagnées des processus d’identification collective, jusqu’à présent assurés par la capacité de décision de l’Etat.

MOTS-CLES: politique; état; souveraineté; identification collective; mondialisation; globalisation.

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INFLUENCE DE L’ONGS SUR LA POLITIQUE INTERNATIONAL CONTEMPORAINE

Rafael A. Duarte Villa (Universidade Federal do Paraná)

Cet article analyse l’importance croissante des acteurs non-étatiques transnationaux dans la théorie des relations internationales. L’auteur traite plus particulièrement trois aspects: d’abord la proposition de la catégorie de influence comme moyen d’action politique de l’ONGs transnationale; puis l’implication de cette même ONGs dans le processus sociaux et globaux comme tels que le déséquilibre écologique, le droit de l’homme, la consommation; et enfin les méthodes de création d’un consensus au sujet des problèmes sociaux d’ordre planétaire. L’auteur conclu que l’action des ONGs atteint des niveaux internationaux, supranationaux et transnationaux.

MOTS-CLES: acteur transnational; ONGs; influence; acteur inter-étatique; acteur supranational; consensus; décentralisation.

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LES BRÉSILIENS DANS LA GUERRE CIVILE ESPAGNOLE: IMPLIQUÉS DANS LA LUTTE CONTRE LE FASCISME

Paulo Roberto de Almeida (Ministério das Relações Exteriores – Brasil)

Cet article analyse la participation des brésiliens, membres, pour la plupart, du Parti Communiste dans la guerre civile espagnole et le contexte politico-diplomatique du conflit espagnol. Fondé sur des recherches originales faites à partir des sources primaires constituées essentiellement d’interviews et de questionnaires réalisés auprès des anciens combattants et de leurs parents ainsi que sur la consultation des sources secondaires disponibles sur le sujet, ce travail représente une des premières études sur l’engagement de combattants brésiliens volontaires dans les épisodes militaires de cette guerre civile. Il accorde une place particulière à la participation de ces brésiliens dans les Brigades Internationales.

MOTS-CLES: guerre civile espagnole, 1936-1939; brigades internationales; participation de brésiliens volontaires.

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