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SAúDE 2003-2010 ATENÇÃO PRIMÁRIA EM EXPANSÃO ENTREVISTA Ministro José Temporão avalia a saúde no Governo Lula SBBrasil 2010: Brasil Sorridente leva à inclusão na lista de países com baixa prevalência de cáries 10 anos da PNAN Desnutrição em queda reduz desigualdades ENCARTE Saúde do homem melhora com superação de resistências culturais ARTIGO Tenda do Conto e a proposta de vinculação afetiva para o aprofundamento das ações nas UBS Publicação do Ministério da Saúde - Ano XI - julho a dezembro de 2010 – ISSN 1518-2355

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REVISTABRASILEIRASAÚDEDAFAMÍLIA26

Publicação do Ministério da Saúde - Ano XI - abril a junho de 2010 – ISSN 1518-2355

Saúde 2003-2010

atençãoprimária

em expansão

entreVista Ministro José Temporão avalia a saúde no Governo Lula

sBBrasil 2010: Brasil Sorridente leva à inclusão na lista de países com baixa prevalência de cáries

10 anos da pnandesnutrição em queda reduz desigualdades

enCarteSaúde do homem melhora com superação de resistências culturais

artiGoTenda do Conto e a proposta de vinculação afetiva para o aprofundamento das ações nas UBS

Publicação do Ministério da Saúde - Ano XI - julho a dezembro de 2010 – ISSN 1518-2355

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Revista Brasileira Saúde da FamíliaAno XI, número 27, jul/dez 2010

Coordenação, Distribuição e informaçõesMinistério da SaúdeSecretaria de Atenção à SaúdeDepartamento de Atenção BásicaEdifício Premium SAF Sul – Quadra 2 – Lotes 5/6 Bloco II – SubsoloCEP: 70.070-600, Brasília - DFTelefone: (0xx61) 3306-8044 Home Page: www.saude.gov.br/dab

Diretora do Departamento de Atenção Básica:Claunara Schilling Mendonça

Coordenação Editorial:Edson Soares de AlmeidaElisabeth Susana WartchowMariana Carvalho PinheiroNulvio Lermen JúniorPatricia Sampaio ChueiriPatrícia Tiemi CawahisaVictor Nascimento Fontanive

Equipe de Comunicação:Alisson Fabiano Sbrana Antônio Ferreira Davi de Castro de Magalhães Déborah ProençaFernando Ladeira Kenia Márcia Meira dos SantosMirela Steffen SzekirRadilson Carlos Gomes Renata Ribeiro SampaioPedro Rezende TeixeiraThiago Mares CastellanTiago Grandi ChabudeTiago Santos de Souza

DiagramaçãoArtmix

Jornalista Responsável/ Editor:Fernando Ladeira de Oliveira (MTB 1476/DF)

Revisão Técnica:Núlvio Lermen Júnior

Revisão:Ana Paula Reis

Fotografias:*Radilson Carlos Gomes, Luis Oliveira/MS, Tiago Souza Capa: Radilson Carlos Gomes

Colaboração:Osíris Reis, Paulo Sérgio Rodolfo Nascimento, Cinthia Lociks.

Impresso no Brasil / Printed in BrazilDistribuição gratuitaRevista Brasileira Saúde da Família - Ano XI, n 27 (jul/dez 2010), Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

Trimestral

ISSN: 1518-2355

1. Saúde da Família, I, Brasil, Ministério da Saúde, II, Título.

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SUMário

capa 32 APS 2003-2010: superação e batalhas diárias

Departamento de Atenção Básica – DAB

Edifício Premium -SAF Sul- Quadra 2 –

Lotes 5/6 –Bloco II –Subsolo

Brasília- DF – CEP – 70070-600

Fone: (61) 3306-8044/ 8090

revista Brasileira Saúde da Família Nº 27

07 Proesf II apresenta indicadores positivos

05 Céu de brigadeiro?

04

06 Saúde da Família na mídia

09 José Gomes Temporão

12 PNAN busca maior inserção no SUS

17 SBBrasil 2010: brasileiros apresentam menos cáries

caRREIRa

EdItoRIal

caRtaS

BRaSIl

ENtREVISta

ESF EM Foco

dE olho No daB

20 Maturéia: mudanças no sertão paraibanoEXpERIÊNcIa EXItoSa

27 Mary Jane Holanda: nutricionista

24 População negra busca igualdade no acesso à saúde

aRtIGo

51 Maria Bela das MercêspElo MUNdo

54 A arte e a cultura na produção de saúde

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CarTaS

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com a redação: [email protected]

A Revista Brasileira Saúde da Família reserva-se ao direito de publicar as cartas editadas ou resumidas

conforme espaço disponível.

Revista Brasileira Saúde da Família4

Gostaria de saber como posso usar o dinheiro do recurso mensal de Saúde da Família. tem alguma cartilha ou no próprio site do Ministério, um link ao qual eu possa aces-sar e obter material de apoio? obrigado! Bruno azevedo aguiar - Secretário de Saúde de Santo hipólito - MG

Prezado Secretário

Como se trata de um incentivo, fica a critério do gestor munici-pal a forma de utilização dos recursos transferidos pelo minis-tério da saúde, podendo ser utilizado tanto para a folha de pa-gamento quanto para manutenção das equipes de saúde da família, por meio de compra de materiais.

“Os valores dos componentes do PAB variável para as ESF Modalidades I e II serão definidos em portaria específica publi-cada pelo Ministério da Saúde. Os municípios passarão a fa-zer jus ao recebimento do incentivo após o cadastramento das Equipes de Saúde da Família responsáveis pelo atendimento dessas populações específicas no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB).”

• • •

Sou articuladora de atenção básica do Estado de São paulo e preciso de uma orientação: a portaria nº 648 trata da composição da equipe mínima e quantidade de cada um dos profissionais na Estratégia Saúde da Família (ESF). porém, na Estratégia agentes comunitários de Saúde (EacS), define-se o número máximo de acS por Unidade Básica de Saúde, mas não o mínimo. Existe quan-tidade mínima de acS para se formar uma EacS ou não? Se, por exemplo, com quatro acS, houver cobertura de 100% da população adscrita, poderia se ter uma equipe com apenas quatro agentes? Ednara dos Reis Mançano, por e-mail.

Ednara

Não há limite mínimo de agentes comunitários de saúde por equipe de Saúde da Família, desde que a população por eles atendida esteja dentro do limite máximo estabelecido na Portaria nº 648, de 28 de março de 2006.

Essa Portaria instituiu a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e estabeleceu a redefinição dos princípios gerais da atenção básica, responsabilidades de cada esfera do go-verno, infraestrutura e recursos necessários, características do processo de trabalho, atribuições comuns e específicas dos profissionais e regras de financiamento, incluindo as es-pecificidades da Saúde da Família.

A PNAB traz, na página 24, as especificidades da Estratégia Saúde da Família, no que diz respeito aos itens necessários à implantação das equipes de SF:

I - Existência de equipe multiprofissional responsável por, no máximo, 4.000 habitantes, sendo a média recomendada de 3.000 habitantes, com jornada de trabalho de 40 horas sema-nais para todos os integrantes, e composta por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem ou técnico de en-fermagem e agentes comunitários de saúde;

II - Número de ACS suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família.

• • •

Gostaria de esclarecimento quanto ao acS em desvio de função. É permitido ou não? por favor, esclareça-me o mais breve possível. caso não seja permitido, o que devo fazer? desde já agradeço. c.p.N.

C.P.N.

De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica, fa-zem parte das atribuições do agente comunitário de saúde:

I - desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde e a população adscrita à UBS, consi-derando as características e as finalidades do trabalho de acompanhamento de indivíduos e grupos sociais ou coletividade;

II - trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica definida, a microárea;

III - estar em contato permanente com as famílias desenvol-vendo ações educativas, visando a promoção da saúde e a prevenção das doenças, de acordo com o planejamento da equipe;

IV - cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os cadastros atualizados;

V - orientar famílias quanto à utilização dos serviços de saúde disponíveis;

VI - desenvolver atividades de promoção da saúde, de pre-venção das doenças e de agravos, e de vigilância à saúde, por meio de visitas domiciliares e de ações educativas in-dividuais e coletivas nos domicílios e na comunidade, man-tendo a equipe informada, principalmente a respeito daque-las em situação de risco;

VII - acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as fa-mílias e indivíduos sob sua responsabilidade, de acordo com as necessidades definidas pela equipe; e

VIII - cumprir com as atribuições atualmente definidas para os ACS em relação à prevenção e ao controle da malária e da dengue, conforme a Portaria nº 44/GM, de 3 de janeiro de 2002.

Nota: é permitido ao ACS desenvolver atividades nas Unidades Básicas de Saúde desde que vinculadas às atri-buições acima.

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ediToriaL

céu de brigadeiro?

Em linguagem simplificada, um prisma é como um bastão triangular de vidro ou cristal. Sua função é decompor a luz que o atravessa. Vemos, então, os diversos comprimentos de ondas da luz, do vermelho ao laranja, amarelo, verde, azul, anil e o violeta. Desses, o mais curto é o azul, o que passa com mais facilidade a poeira e componentes da atmosfera da Terra quando aqui chega a luz do Sol. Por isso vemos o céu azul. Em Marte, o céu é cor-de-rosa. Porém, visto a partir do espaço, sem interferência de qualquer atmosfera, o céu é escuro, azul profundo, negro.

O estudo dos fenômenos da luz é feito em Ótica, na Física. E é “sob certa ótica” ou “sob esse ou aquele prisma” que sempre dizemos olhar a vida, atos e fatos. É a partir da atmosfera da Saúde da Família, da Atenção Primária à Saúde, portanto, que realizamos esta edição, com a intenção de fazer uma avaliação dos últimos oito anos de ges-tão. Sem que pareça com um céu de brigadeiro ou cor-de-rosa, mas também sem a negra e fria falta de cor das vi-sões sem compromisso com nossa realidade.

O financiamento da saúde, como reconhece o ministro José Temporão na entrevista, ainda é insuficiente e pre-cisa ser negociado com a sociedade. Porém, o desenvolvimento do país nos últimos anos, com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), e a promoção de ações intersetoriais, entre outros fatores, contribuíram para a redução das desigualdades sociais e a melhoria de situação de vida da população. E a saúde é um desses componentes de qualidade, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), implementado em 1990 sob determinação da Constituição Federal de 88. É sinônimo de divisão de responsabilidades (federal, estadual e municipal), direito de todos os brasi-leiros (universal), sem distinções ou preconceitos para acesso aos serviços (equitário) que são preventivos ou cura-tivos, e com forte participação social nas conferências e conselhos de saúde.

O trabalho dos agentes comunitários de saúde e, em seguida, das equipes de Saúde da Família – iniciados na dé-cada de 90 – se aprofundou na atual década, permitindo e provocando um “boom” de novos serviços e ações para os beneficiados, e trazendo resultados inversamente proporcionais à exclusão que antes havia. A mortalidade infantil e materna em queda, a melhora do padrão de alimentação e nutrição da população, a mudança de perfil epidemio-lógico, a ação intensa da saúde bucal que levou à inclusão do Brasil na lista de países com baixa prevalência de cá-ries. Motivos não faltam para sorrir!

E o assunto não pára aí. Houve o estabelecimento de políticas nacionais: alimentação e nutrição, práticas integra-tivas e complementares, saúde bucal, saúde do homem e acertos federativos como o Pacto pela Saúde. Tudo isso evidencia o aprofundamento e capilaridade a que está chegando o SUS e anuncia o reordenamento que trará às três instâncias de saúde. É preciso, ainda, ressaltar a atitude do Governo em reconhecer o racismo existente na socie-dade, e acolher o Estatuto da Igualdade Social aprovado pelo Congresso Nacional, que favorece o combate ao pre-conceito institucional. Nos serviços de saúde, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra permitirá – ao longo de sua implementação – a melhoria dos indicadores. Afinal, a população negra é mais atingida em sub-nutrição, mortalidade materno-infantil e violência, entre outras causas.

As demandas reprimidas de décadas ou séculos, no entanto, já têm escoamento e mais de 50% da população é atendida pela recente Estratégia Saúde da Família. E ainda há muito por fazer. A Revista Brasileira Saúde da Família apresenta, ainda, além de um balanço destes últimos oito anos, crônicas, um artigo técnico e o encarte do ACS. Esperamos que seja do seu agrado e proveito. Boa leitura!

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Revista Brasileira Saúde da Família6

O quantitativo de vacinas com-pradas para a hepatite B vai ser ampliado em 163%, em 2011. A medida é uma da série divulgada pelo Ministério da Saúde no Dia Mundial do Combate a Hepatites Virais (28 de julho). Atualmente, a faixa etária que recebe a vacina vai até 19 anos e, com a mudança, jovens e adultos de 20 a 24 anos também poderão se imunizar a partir do próximo ano. Em 2012, atingirá também a faixa dos 25 a 29 anos.

Para aumentar a oferta de vaci-nas, nesta primeira etapa serão adquiridas 54 milhões de doses a mais para hepatite B, com-parando com o ano anterior. O quantitativo perfaz um total de 87 milhões de doses a serem utiliza-das em 2011.

Para a redução da transmis-são vertical do vírus da hepatite B, até o próximo ano, também será intensificada a oferta de triagem sorológica a todas as gestantes

que fazem o pré-natal no SUS, e todos os recém-nascidos de mães portadoras da doença receberão profilaxia – vacina e imunoglobu-linas contra a hepatite B.

“Esta data é um momento de mobilização, reflexão e disse-minação de informação entre a sociedade, pesquisadores, pro-fissionais de saúde que lidam com essa questão e o Estado, eviden-temente. Os números de casos confirmados de hepatites no Bra-sil apontam a necessidade de que intensifiquemos ações”, ressaltou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Para fortalecer a atuação da sociedade civil organizada em relação às hepatites virais, publi-cou-se edital em prol de ações de enfrentamento das hepatites, de forma a melhorar a articula-ção do setor com os serviços do SUS, estimular o diagnóstico pre-coce e promover mobilizações comunitárias.

Saúde da famíliana mídiaES

F EM

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Vacinação gratuita contra hepatite Bamplia faixa etária a partir de 2011

Revista Brasileira Saúde da Família

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Cento e 77 municípios com mais de 100 mil habitan-tes, 25 Estados e o Dis-

trito Federal participam da fase 2 do Projeto de Expansão e Con-solidação da Estratégia Saúde da Família (Proesf), que, mediante a transferência de recursos finan-ceiros fundo a fundo, tem apoiado a expansão da cobertura, conso-lidação e qualificação da Estraté-gia Saúde da Família (ESF). Do total de municípios participan-tes (177), sete estão temporaria-mente inelegíveis, em virtude da não observância de alguns crité-rios estabelecidos pelo projeto, e passam por processo de adequa-ção. O Estado de São Paulo ainda não decidiu se efetivará a ade-são. No conjunto, serão benefici-ários das ações 43,89% da popu-lação brasileira e 29,25% (9.271) das equipes de Saúde da Famí-lia (eSF) que atuam nessas áreas.

O Proesf 2 é fruto de emprés-timo realizado pelo Brasil, em setembro de 2009, junto ao Banco Internacional para Reconstru-ção e Desenvolvimento (Bird),

no valor de US$ 83,4 milhões (R$ 140 milhões, aproximada-mente), e apresenta três compo-nentes: municipal (I); estadual (II), incluindo-se o DF; e federal (III). O componente I objetiva a reorgani-zação da rede de serviços à Estra-tégia Saúde da Família, como

eixo ordenador dos sistemas de saúde. O componente II visa o for-talecimento da capacidade téc-nica das Secretarias de Estado da Saúde em ações de monitora-mento e avaliação. Já o compo-nente III tem como objetivo cen-tral o fortalecimento da Estratégia

Saúde da Família, além de con-tribuir para o desenvolvimento da capacidade do gestor federal em empreender ações de suporte técnico a Estados e municípios. Para 2010 e 2011, a previsão de aportes financeiros para os com-ponentes I, II e III é de, respecti-vamente, R$ 49 milhões, R$ 13,8 milhões e R$ 738 mil.

Entre as ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde (MS) em 2010, destaca-se a elaboração do documento “Diretrizes de Acom-panhamento e Apoio Técnico”, cuja finalidade é nortear as ações de assessoria técnica e finan-ceira dos consultores do Depar-tamento de Atenção Básica junto aos Estados, Distrito Federal e municípios na fase 2. Ainda, a rea-lização de eventos para discus-são e aprofundamento, tais como oficinas de capacitação, seminá-rios e encontros que abordam a organização da Atenção Primária à Saúde (APS) nos grandes cen-tros urbanos. O DAB promoveu, em outubro, o evento “Avaliação e Qualidade na Atenção Primária à

“...A consolidação

da ESF nas cidades

com mais de 100

mil habitantes é

importante para a APS

já que concentram

73,36% dos

médicos de família e

comunidade...”

Proesf ii vai beneficiar43,89% da população

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O projeto de expansão e consolidação da EstratégiaSaúde da Família já apresenta indicadores positivos

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Revista Brasileira Saúde da Família8

Saúde: o AMQ e a Estra-tégia Saúde da Famí-l ia nos Grandes Cen-tros Urbanos”. Reflexão sobre os principais desa-fios à consolidação da ESF, por meio da implan-tação do projeto de Ava-liação para Melhoria da Qualidade (AMQ), com base nas fragilidades e problemas enfrentados durante a fase 1.

Outra linha de ação federal é o fortalecimento do processo de educa-ção permanente na Aten-ção Primária à Saúde/Saúde da Família. Em parceria com a Secretaria de Gestão da Educação em Saúde (SGTES), do MS, o DAB financiará bolsas de estudo para a formação de médi-cos de família e comunidade e a qualificação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e da Polí-tica Nacional de Práticas Integrati-vas e Complementares (PNPIC).

Diferencial na cobertura

Dados do Departamento de Atenção Básica sobre a cobertura populacional da Estratégia Saúde da Família indicam expressivo aumento da diferença da cober-tura entre municípios com popu-lações superiores a 100 mil habi-tantes que participam (170) e não participam (113) do Proesf. Em dezembro de 2010, por exemplo, a cobertura estimada da ESF em municípios participantes do pro-jeto foi 11,4% maior do que a dos não participantes (veja o gráfico).

A consolidação da ESF nas cidades com mais de 100 mil habi-tantes é importante para a APS já que concentram 73,36% dos médicos de família e comunidade, 55,90% das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), 59,17% das Farmácias Populares, 42,02% dos Centros de Atenção Psicos-social (CAPs), 38,88% dos Cen-tros de Especialidades Odon-tológicas (CEOs) e 38,18% das equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). Além disso, conforme o Censo 2010, 84% da população brasileira con-centra-se nas áreas urbanas, con-firmando a necessidade de que se trabalhe para ter nelas 100% de cobertura da ESF.

Critérios da fase 2

Da fase 1 do Proesf, encer-rada em junho de 2007, 184 muni-cípios, 26 Estados e o Distrito Federal (DF) participaram e pude-ram se candidatar à fase 2. Os

interessados passaram por ava-liação, segundo os critérios de elegibilidade da Portaria GM nº 3.901/2009. Destes 184, apenas 13 municípios foram declarados temporariamente inelegíveis, em virtude da redução em 10% ou mais do número de equipes de Saúde de Família em relação à situação inicial da fase 1, ou de não terem atingido 75% da meta de cobertura de Saúde da Famí-lia pactuada para o final dessa mesma fase. Entre os municípios candidatos considerados tem-porariamente inelegíveis, ape-nas Rio Branco (AC) decidiu não participar da fase 2. Os demais ganharam o prazo de um ano para alcançar o número de equi-pes de Saúde da Família neces-sárias para o cumprimento do critério de não redução igual ou superior a 10%. A mudança foi dada pela Portaria GM nº 300, de 1º de julho de 2010, que alterou o critério para elegibilidade do Anexo II da Portaria nº 3.901.

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JoSé GoMeS TeMPorão ENTR

EVIS

TA

Pesquisador da Fiocruz desde 1980, José Gomes

Temporão assumiu a liderança do Ministério da Saúde em

março de 2007, após quase dois anos à frente da Secretaria

de Atenção à Saúde. As últimas participações são fruto de

uma vida voltada à saúde pública, participação no movi-

mento sanitarista, que resultou na criação do SUS, e atua-

ções diversas em secretarias do Estado do Rio de Janeiro,

entidades representativas e consultorias a organismos in-

ternacionais. Chegando ao final da gestão no Ministério e

Governo Lula, Temporão avalia, para a Revista Brasileira

Saúde da Família, as ações do governo federal em prol da

saúde dos brasileiros, situa avanços obtidos e aponta algu-

mas contradições.

RBSF: Como avalia sua ges-tão como ministro? Para os ob-jetivos e metas propostos, até onde se conseguiu chegar?

José temporão: Entendo que uma avaliação isenta vai preci-sar de um pouco mais de tempo. Tarefa para a academia e os ana-listas de políticas públicas. Vejo o ministro não apenas como um gestor, mas principalmente como uma liderança intelectual e po-lítica que se propõe a enfrentar os grandes desafios da saúde

contemporânea. Nessa perspec-tiva, avalio que avançamos muito, considerando o planejamento proposto no Mais Saúde.

RBSF: E a atuação da saúde nos oito anos do Governo Lula, como avalia? Quais foram os pontos fortes e quais os fracos?

José temporão: Os relatórios e pesquisas disponíveis demons-tram cabalmente o avanço impor-tante na oferta, acesso e redução de desigualdades. Destaco, em

primeiro lugar, os benefícios para a saúde que o modelo de desen-volvimento econômico e social da Era Lula trouxe para a saúde. Nós, da Reforma Sanitária, considera-mos que a saúde é socialmente determinada. Portanto, a redução da miséria, da fome, a ampliação da renda, a grande mobilidade social, o enfrentamento das injus-tiças e iniquidades, e a ampliação do emprego e do acesso à cultura são saúde! A principal fragilidade adveio da não regulamentação

Por: Fernando Ladeira e Déborah Proença / Fotos: Luis Oliveira-MS

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da EC 29 e da persistência de um subfinanciamento setorial que co-loca em sério risco o projeto de efetiva implantação do SUS.

RBSF: O Ministério é hoje um dos fortes formadores de cida-dãos? Homens e mulheres com consciência de cidadania?

José temporão: Acho que avançamos, sim, nessa questão, mas ainda estamos longe do que Giovanni Berlinguer defende com seu conceito de consciência sa-nitária. Os avanços são lentos e fragmentados. E a construção dessa consciência enfrenta gran-des contradições. Interesses eco-nômicos e corporativos. Um pro-cesso institucional patrocinado

pelas indústrias de alimentos, be-bidas alcoólicas e medicamentos, e veiculado cotidianamente pela grande mídia, é, na prática, um grande e eficaz esforço de dese-ducação em saúde em pleno de-senvolvimento no Brasil.

RBSF: Em que ponto está o desenho, a implantação da Atenção Primária à Saúde? Em que se caminhou e em que se precisa de mais tempo e investi-mentos para sua consolidação?

José temporão: Essa é uma

das grandes conquistas brasilei-ras reconhecidas internacional-mente. A ESF, em sentido am-pliado, como política e estratégia de reorientação setorial, avan-çou bastante. E os resultados já aparecem na redução da morta-lidade e ampliação do acesso às medidas de promoção e preven-ção. A questão dos profissionais de saúde, vínculo, motivação, sa-lários, progressão ainda é o elo mais frágil a ser trabalhado.

RBSF: O sistema de saúde hoje é subfinanciado em, pratica-mente, metade de suas necessi-dades. Tem 3,5% do PIB e preci-saria de, aproximadamente, 6,5%. Quais as soluções possíveis e definitivas para o financiamento? No orçamento do Ministério, a APS ganha um terço dos recur-sos destinados para a média e alta complexidades. Essa dife-rença tende a ser mantida?

José temporão: Considero essa visão de comparar gastos com APS versus média e alta complexidade inadequada. Na realidade, se tomarmos como ano base o ano de 2000, vere-mos que, proporcionalmente, o crescimento dos gastos com APS cresceram muito em rela-ção ao MAC. A meu ver, ambos estão subfinanciados. E o Brasil precisa enfrentar com coragem essa questão. Caminhamos pe-rigosamente para um processo de “americanização” do sis-tema de saúde brasileiro.

RBSF: A PNAD 2008 mos-trou que já se conseguiu atingir

e beneficiar a população pobre do País com serviços de saúde. Quais os desafios que consi-dera existir para a saúde pública chegar à classe média, média alta? As capitais são áreas/nú-cleos de resistência à ESF?

José temporão: Aqui a questão é política e ideológica,

e não técnica. Nas últimas dé-cadas, vendeu-se a ideia de que ascender socialmente implica ter um plano de saúde privado! E as contradições são evidentes. Os trabalhadores sindicalizados na retórica defendem o SUS, mas, na prática, brigam por um plano de saúde melhor. Mesmo os que planejam, formulam e executam as políticas de saúde usufruem os planos privados subsidiados pelos impostos diretos de to-dos os brasileiros. São muitas e complexas as contradições. Se os sanitaristas brasileiros con-quistaram hegemonia nos anos 80 do século passado e conse-guiram aprovar o SUS, o que se viu nos últimos anos foi a perda gradual dessa hegemonia.

RBSF: O brasileiro, atual-mente, tem mais saúde do que há oito anos? Quais as evidên-cias disso?

Revista Brasileira Saúde da Família10

“... Caminhamos

perigosamente para

um processo de

“americanização”

do sistema de saúde

brasileiro...”

“... Nas últimas

décadas, vendeu-se a

ideia de que ascender

socialmente implica

ter um plano de saúde

privado...”

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José temporão: O Brasil hoje passa por um complexo processo de transições. A demográfica e epidemiológica, que apontam para um país de mais idosos, em que as doenças crônicas prevale-cem; a nutricional e alimentar, que projeta uma epidemia de obesi-dade e diabetes tipo 2; a tecnoló-gica, que impõe pressão sobre os custos da assistência; e a cultural, na qual a saúde, como um bem essencial, é cada vez mais valori-zada pela população. Nesse con-texto, houve avanços evidentes, como o aumento da expectativa de vida ao nascer, a redução da mortalidade infantil, a redução da mortalidade por doenças cardio-vasculares, a lei seca, trazendo redução dos óbitos no trânsito, a grande ampliação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), reduzindo muito a presença das doenças imunopreveníveis, a grande redução da mortalidade por malária, a estabilização da epidemia da aids, entre outros.

RBSF: Somente o número de ACS em ação no Brasil é próximo ao contingente das Forças Armadas. O que repre-senta isso sob a ótica da saúde e sob a ótica de acessar, chegar

à população por meio de cida-dãos de nível fundamental ou ní-vel médio?

José temporão: Aqui, a ESF rompeu paradigmas e preconcei-tos e comprovou a supremacia da intersetorialidade e do trabalho interdisciplinar e em equipe, en-volvendo especialistas de vários níveis e complexidades de forma-ção. E outra dimensão pouco va-lorizada: a saúde como dimensão do desenvolvimento, espaço pri-vilegiado de criação de emprego, inovação e riqueza!

RBSF: Em sua gestão é que se desenvolveram a visão e as ações intersetoriais. O que nisso tem havido de impor-tante e que deve permanecer, quais as principais ações inter-setoriais, com o Ministério da Saúde, a seu ver?

José temporão: Aqui é onde temos os maiores desafios, apesar do que já avançamos. Políticas de saúde que impactem, para valer, a qualidade de vida de um povo têm que olhar obrigatoriamente para além do setor saúde. Todo o campo da promoção da saúde é pródigo em exemplos. A interlocu-ção entre vários saberes e aborda-gens é crucial para uma política de saúde que se afaste do populismo sanitário e se aproxime do “pro-cesso civilizatório” de Arouca!

RBSF: Há uma visão se im-pondo, após a redução da mor-talidade, de promoção de estí-mulos às crianças, ao desenvol-vimento delas? É uma ação viável para o Brasil? Em que contexto?

José temporão: A res-posta a essa questão já existe e está neste momento em pleno desenvolvimento no Brasil, por meio da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis, em que a visão ex-posta acima está sendo im-plantada na prática. Saúde, educação, cultura e ação so-cial voltadas para uma vi-são ampliada dos direitos das mães e seus bebês a um de-senvolvimento seguro e de qualidade.

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“... Aqui é onde temos

os maiores desafios,

apesar do que já

avançamos...”

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10 anos da PNaN orienta para maior inserção no SUS

Por: Fernando Ladeira / Fotos: Radilson Carlos Gomes

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Revista Brasileira Saúde da Família12

Uma década intensa de trabalho e criação de novos mecanismos de atuação, gestão e acompanhamento permitiu reduzir a desnutrição em 62%, em crianças de até cinco anos de idade

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Estender a implementa-ção da Política Nacional de Alimentação e Nutri-

ção (PNAN) nos Estados e muni-cípios e buscar garantir a criação das Comissões Intersetoriais de Alimentação e Nutrição nos con-selhos estaduais e municipais de saúde estão entre as 218 propos-tas aprovadas na revisão da PNAN, avaliada nos dez anos de existên-cia. “Este Seminário Nacional de Alimentação e Nutrição é fruto de uma intensa discussão que acon-teceu na 13ª Conferência Nacio-nal de Saúde, em 2007, e já se apontava naquele momento, pelos representantes do controle social, a necessidade de levar os temas da alimentação e nutrição para as diversas esferas do controle social e mais disseminada na Atenção Primária à Saúde, junto aos pró-prios profissionais de saúde da APS”, informou a coordenadora da Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição (CGPAN), Ana Beatriz Vasconcellos.

Para Ana Beatriz e os 250 par-ticipantes do evento, realizado entre 8 e 10 de junho deste ano, no Instituto Israel Pinheiro, em Brasília, as ações realizadas e os resultados obtidos na última década levam à necessidade de aprofundar os princípios do Sis-tema Único de Saúde (SUS) na PNAN. O seminário foi antece-dido por encontros estaduais, promovidos entre março e abril, que reuniram, aproximadamente, dois mil representantes munici-pais que elegeram seus represen-tantes para a fase nacional.

Desnutrição cai 62%

Durante o evento, apresentou--se estudo com base no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutri-cional (SISVAN), do Ministério da Saúde, em que se constatou que a taxa de desnutrição (baixo peso para idade) em crianças meno-res de cinco anos caiu 62%, entre 2003 e 2008, passando de 12,5% para 4,8% no País. As regiões com maiores quedas são Norte e Nordeste, que, respectivamente, tinham índices de 14,7% e 13,4%, em 2003, e reduziram as preva-lências para 7,5% (Norte) e 5,6% (Nordeste), em 2008.

Já o déficit de altura por idade, no mesmo grupo e período, sofreu redução de 21,4% para 14,9% no País. A Região Norte, que regis-trava índice relativo de 29,3% de crianças atingidas, conseguiu redução para 22,9%, entre 2003 e 2008. Para o mesmo período, no Nordeste, houve redução de 22,1% para 17,1% na baixa altura para idade em menores de cinco anos. Entre as diversas medidas responsáveis por esses resultados

adotadas pelo Ministério da Saúde, estão a disponibilização de xarope e comprimidos com sulfato ferroso, comprimidos de ácido fólico e cáp-sulas de vitamina A, em milhões de unidades, a crianças e gestan-tes. São suplementos alimentares importantes no combate à anemia, correta formação do feto e desen-volvimento da visão.

O trabalho tem base no monito-ramento nutricional de 4,5 milhões de crianças, até 10 anos de idade, usuárias do SUS, efetuado por meio do levantamento antropo-métrico (peso e altura), em que se faz a verificação do consumo de alimentos e principais carências nutricionais. A ampliação da Estra-tégia Saúde da Família colaborou, especialmente, para o desenvolvi-mento das diversas ações em prol da população. Ao se aproximar o final de 2010, contabilizaram-se 31 mil equipes de Saúde da Família por todo o País. As Regiões Norte e Nordeste foram especialmente focadas pela Atenção Primária à Saúde e contam, respectivamente, com atendimento de 50,8% e 71,6% de suas populações.

Desde 2008, conta-se com a ação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), que, até maio último, somavam 1.157 no País, com participação de nutri-cionistas em 74,5% desses. Na Região Nordeste, concentram-se 46,6% das equipes, enquanto que na Norte 7,1%, mas com presença de nutricionista em mais de 80% dos Núcleos. A Região Sudeste tem a segunda maior concentra-ção dos NASF, com 30,1% do total.

“...as ações realizadas

e os resultados obtidos

na última década

levam à necessidade

de aprofundar os

princípios do Sistema

Único de Saúde (SUS)

na PNAN...”

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14 Revista Brasileira Saúde da Família

lINha do tEMpo - pNaN

1991 2001 2002 2003 2004

publicação da política Nacional de alimentaçãoe Nutrição – pNaNDéficits nutricionais em crianças menores de 5 anos (Brasil): Baixa estatura para idade = 10,5% / Baixo peso para idade = 5,7%(Fonte: PNDS, 1996)

Instituição do Programa Bolsa Alimentação

Publicação do Guia alimentar para crianças menores de 2 anos Publicação dos Alimentos Regionais Brasileiros.

Instalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA

Brasil assina a Estratégia Global de AlimentaçãoSaudável, Atividade Física e Saúde, durante a 57ª Assembléia Mundial de Saúde.

Unificação dos Programas de Transferênciade Renda.

Realização da 2ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Criação do Programa Bolsa Família, comcondicionalidades da Saúde.

Publicação das orientações básicas para a implementação das Ações de Vigilância Alimentar e Nutricional, nas ações básicas de saúde do SUS.

reforçar nutriçãona aps

Para o secretário-geral da Fede-ração Internacional de Alimentação e Nutrição (FIAN), Flávio Valente - que abriu o seminário com uma palestra sobre perspectivas -, a área alimentar e nutricional, no contexto do SUS, tem papel cen-tral para garantir a realização do direito humano à alimentação ade-quada, em todos os níveis de aten-ção. “E, na atenção primária, para que o Sistema de Segurança Ali-mentar e Nutricional (SISAN) – que congrega órgãos governamentais em todas as esferas e entidades

representativas – detecte distúr-bios nutr ic ionais individuais e coletivos e as equipes de saúde possam agir nos quadros clínicos e na prevenção de novos proble-mas”, afirmou.

Valente exemplifica a impor-tância de obter relevância e reco-nhecimento do trabalho nutricio-nal no SUS e SISAN com os casos de beribéri na Região Norte, há anos sem boa solução. “Exige mais do que a distribuição de vita-mina B1, que, sequer, evita a cro-nificação de sequelas. A presença de profissionais qualificados na APS permitirá a detecção pre-coce e ação articulada com as

secretarias de Agricultura e Exten-são Rural para diversificar a pro-dução alimentar da região, melho-rar o armazenamento, além de esforços dos governos munici-pais, estaduais e federal”, enfatiza o secretário-geral.

Avaliando a implementação da PNAN pelo Ministério da Saúde nos últimos dez anos, Ana Beatriz considera que se evidenciou o inte-resse das pessoas pelo tema da alimentação saudável e a desco-berta das potencialidades da nutri-ção na atenção primária, modifi-cando a vida delas e a qualidade da nutrição no território nacio-nal. Apesar disso, a ocupação do

lINha do tEMpo - pNaN

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espaço hierárquico nas instân-cias federal, estaduais e munici-pais ainda deixa a desejar, pois, às vezes, é representada por ape-nas uma pessoa, o que gera baixa autonomia e força política, dificul-tando o diálogo intersetorial e as negociações externas.

A coordenadora ressalta a tran-sição epidemiológica progressiva

que foi se manifestando pela redu-ção das situações agudas de doen-ças e desnutrição para o aumento crescente de doenças crônicas, obesidade e alimentação inade-quada. Lembra que no período houve a instalação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), no âmbito do Ministério do Desenvolvimento

Social (MDS), além da criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e a implantação do Sistema de Vigi-lância Alimentar e Nutricional em mais de 20 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS).

As pesquisas e o financiamento contínuo da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos, em

2005 2006 2007 2008 2009

Instituição do Programa Nacional de Suplementaçãode Ferro.

Publicação da Política de Promoção da Saúde (Ações de Promoção da AlimentaçãoSaudável).

Realização da 3ª Conferência Nacional de SegurançaAlimentar e Nutricional com aprovação de ações para fortalecimento da PNAN

Criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, com a inclusão de profissional nutricionista.

Manutenção dos indicadores de monitoramento e avaliação do Pacto pela Saúde.

Instituição do Programa Nacional de Suplementaçãode Vitamina A.

Portaria 1010 - Promoção da AlimentaçãoSaudável nas Escolas.

Realização da Chamada Nutricional de Crianças Menores de 5 anos da Região

Norte - 2007

Lançamento do Sisvan-Web, com a inclusão de marcadores de consumo alimentar.

Divulgação oficial dados da ChamadaNutricional de Crianças Menores de 5 anos da Região Norte

Lançamento do Guia Alimentar da PopulaçãoBrasileira.

Criação do Fundo de Alimentação e Nutrição para apoio à implementação das ações da PNAN.

Acordo de Cooperação entre o MS e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA para a melhoria daoferta de produtos alimentícios no Brasil.

Transferência de recursos financeiros para estados e municípios com população acima de200.000 hab.

Divulgação dos dados de Hipovitaminose Ae Anemia em mulheres e crianças - PesquisaNacional de Demografia e Saúde – PNDS

Realização em Brasília da 32ª Sessão do Comitê Permanente de Nutrição da ONU.Reestruturação do Programa Nacional de Prevenção e Controle dos Distúrbios porDeficiência de Iodo - DDI, Pró-Iodo.

Criação do Sistema Nacional de SegurançaAlimentar e Nutricional – SISAN.

Criação do GT Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da ABRASCO

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parceria com o MDS, e a criação do Fundo de Alimentação e Nutri-ção, segundo Ana Beatriz Vas-concellos, viabilizaram até este ano o repasse de quase R$ 40 milhões a Estados e municípios com população superior a 150 mil habitantes. Além disso, implan-tou-se a rede virtual de nutrição - REDENUTRI –, em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde e a Universidade de Bra-sília, que já congrega 1.500 pro-fissionais de saúde e nutrição na discussão de políticas públicas de alimentação e nutrição.

A lista de avanços não para, pois foram reformulados e instituí-dos os programas de suplementa-ção alimentar (iodo, ferro, vitamina A); foi obtida a inclusão de indica-dores de nutrição no Pacto pela Saúde; e o SISVAN segue a deter-minação da Política de Saúde da População Negra, do Ministério da Saúde, em que considera as diver-sas categorias e classificações do quesito raça/cor. Sem falar na revi-são de Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), em publica-ções diversas; as ações em prol da promoção da alimentação saudá-vel nas escolas; o apoio à implan-tação de 700 NASF e outros.

Esses avanços e a necessi-dade de traçar novos caminhos tornaram oportuna a realização

do Seminário para discussão da PNAN. Para a professora da Uni-versidade Federal Fluminense Luciene Burlandy, o Brasil cons-truiu uma noção própria de saúde vinculada à alimentação e nutri-ção, que incorpora os determi-nantes sociais: habitação, trans-porte, emprego, os quais preci-sam ser tratados em conjunto, e provocou a revisão dos modelos de atenção vigentes. A partir da realidade do País, nas reuniões de trabalho, os delegados e gestores apresentaram e discutiram propo-sições para sete blocos temáti-cos: financiamento; instituciona-lidade; controle social; atenção à saúde; intersetorialidade; desen-volvimento científico; e regulação de alimentos.

Das 218 propostas aprova-das para atualização da Política Nacional de Alimentação e Nutri-ção, destaca-se a organização da nutrição na Atenção Primá-ria à Saúde com apoio especiali-zado aos NASF e a ampliação des-ses núcleos, com a consequente expansão das ações de nutrição nos NASF. E, como existe ainda o quadro de desnutrição ao mesmo tempo em que se observa o cres-cimento da obesidade em todas as faixas de renda, pretende-se promover a alimentação saudável

a partir do incentivo ao consumo de alimentos saudáveis, o que influencia outros setores para a produção destes, não apenas o da saúde.

Ana Beatriz considera que as questões vinculadas à produção e consumo de alimentos, como o consumo excessivo de alimentos processados, devem ser enfren-tadas por novas ações interseto-riais, a partir da construção de uma agenda única da nutrição a ser observada em qualquer esfera de governo. Flávio Valente lembra que a ação do nutricionista não é solitária. “Apenas o profissio-nal e o ‘paciente’ juntos, e mais os componentes dos NASF e as equipes de Saúde da Família, não vão eliminar a pobreza, a água contaminada, a falta de comida ou o trabalho escravo, que estão por trás da desnutrição, ou os fatores que levam à obesidade, às frituras, às comidas baratas e ricas em energia e à propaganda perniciosa”, enfatiza.

De acordo com Valente, o nutri-cionista e o “paciente” devem se impacientar e fazer o que estiver ao alcance, individual e coletiva-mente, para superar os proble-mas, seja por mudanças na pró-pria vida, seja por meio de atua-ção técnica, política ou social.

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Após oito anos de trabalho firme e com metas bem definidas, o Brasil sorri

sem medo e comemora a saída da lista dos países com média prevalência de cárie. “Éramos conhecidos como o país dos des-dentados, e hoje estamos na lista de baixa prevalência”, celebra o coordenador-geral de Saúde Bucal, do Departamento de Aten-ção Básica/SAS, Gilberto Pucca. Para estar nesse grupo, o indica-dor CPO (sigla para dentes caria-dos, perdidos e obturados) deve se situar entre 1,2 e 2,6, segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2003, o País apresentava índice de 2,8 e, atualmente, registra 2,1 – melhor do que a média dos

países das Américas. “É um resultado significativo

que expressa a prioridade dada à política. Esse é o grande dife-rencial do trabalho feito, houve decisão política e colocação de uma prioridade, perseguida, e que reverte em benefícios para a população”, disse o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. De 2003 a 2010, portanto, redu-ziu-se em 26% a incidência de cáries em crianças aos 12 anos de idade e obteve-se o aumento de 70% no número de dentes tra-tados em adultos.

Esses dados positivos apre-sentados pelo ministro Tempo-rão e pelo coordenador-geral de Saúde Bucal fazem parte da Pes-quisa Nacional de Saúde Bucal

– Projeto SBBrasil 2010, realizada em moldes semelhantes à pri-meira edição, em 2003, que per-mite, a partir de agora, a constru-ção de uma séria histórica, con-tribuindo para as estratégias de avaliação e planejamento dos ser-viços. A pesquisa foi realizada pelo Ministério da Saúde e Univer-sidade Federal do Rio Grande do Norte em parceria com as Secre-tarias Estaduais e Municipais de Saúde, por meio de exames bucais em todas as 26 capitais mais o Dis-trito federal, além de 30 municí-pios do interior em cada uma das cinco regiões brasileiras, totali-zando 177 municípios. Ao todo, 38 mil pessoas foram entrevistadas e examinadas conforme as faixas etárias recomendadas pela OMS.

Sem vergonha de se mostrar feliz...

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Pesquisa Nacional de Saúde Bucal, a SBBrasil 2010, evidencia que, em menos de umadécada, o programa Brasil Sorridente muda a imagem do País, que hoje sorri sem medo

Por: Tiago Souza / Fotos: Radilson Carlos Gomes

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18 Revista Brasileira Saúde da Família

Os resul tados são ref lexo direto da Polít ica Nacional de Saúde Bucal – Brasil Sorridente, criada em 2004, que funciona de maneira integrada à Estratégia Saúde da Família, levando atendi-mento odontológico às famílias. Até 2003, a maioria dos atendi-mentos odontológicos do Sistema Único de Saúde (SUS) correspon-dia a extrações, restaurações, pequenas cirurgias e aplicações de flúor, e somente 3,3% eram de atendimento especializado. Com o Brasil Sorridente, passou-se a oferecer à população brasileira ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal, entendendo que esta é fundamen-tal para a saúde geral e qualidade de vida da população.

A decisão política de priorizar a saúde bucal, citada pelo ministro José Temporão, levou à amplia-ção de investimentos, que passa-ram de R$ 56 milhões, em 2002, para R$ 600 milhões, em 2010. As equipes de Saúde Bucal (eSB) – compostas por cirurgião-dentista, auxiliar e técnico de saúde bucal – passaram de 4,2 mil para 20,3 mil em oito anos, e já atendem em 85% dos municípios do País, con-tra 41%, em 2002.

Desde 2002, o número de dentistas trabalhando no SUS aumentou 49%, pois o que antes representava uma força de traba-lho com 40.205 profissionais, em 2009 são 59.258 em todo o Bra-sil. Trinta por cento dos dentis-tas brasileiros são empregados pelo SUS. “Essa é uma das áreas em que podemos perceber a dinâmica diferenciada da saúde pública, o fato da saúde ser, ao mesmo tempo, política social, fundamental para a melhoria das condições de vida, mas também

área dinâmica do ponto de vista da criação de emprego, desen-volvimento, inovação e riqueza. Com essa política, criamos mais de 20 mil empregos diretos”, afir-mou o ministro.

A SBBrasil 2010 aponta queda, comparada a 2003, de 26% no indicador CPO de crianças aos 12 anos – idade usada como referên-cia pela OMS, pois reflete o ata-que de cárie logo no começo da dentição permanente. Outro dado relevante é que 44% das crianças de 12 anos estão livres de cáries. Isso significa que 1,4 milhão delas não têm nenhum dente cariado na boca, uma melhora de 30% em relação a 2003.

“O Ministério da Saúde está incorporando o levantamento epidemiológico como instru-mento de gestão. As frentes do

Ministério da Saúde são basea-das em estudos, portanto, nós podemos otimizar os recursos públicos do SUS. Agora, sabe-mos onde invest ir, e invest ir bem!”, avalia Gilberto Pucca.

O s dados ap re sen t ados demonstram o impacto do pro-grama Brasil Sorridente na popu-lação e evidenciam que, na faixa etária dos 15 aos 19 anos, a queda do CPO foi ainda maior, pas-sando de 6,1, em 2003, para 4,2 este ano – redução de 30%. Com-parando com 2003, a redução

no componente “cariado” foi de quase 40% (de 2,8 dentes em 2003 para 1,7 em 2010). Em ter-mos absolutos, significa que mais de 18 milhões de dentes foram poupados do ataque de cárie em adolescentes. E o número dos que sofreram algum tipo de perda dentária caiu 50%. Na população com idade entre 35 e 44 anos, o CPO caiu 19%, passando de 20,1 para 16,3 em oito anos. Compa-rando os números de 2003 e 2010, temos redução de 30% no número de dentes cariados, queda de 45% no número de dentes perdidos por cárie, além do aumento de 70% no número de dentes tratados. Isso significa que a população adulta está tendo maior acesso ao tra-tamento da cárie e menos dentes estão sendo extraídos por conse-quência da doença. “São quase 17,5 milhões de pessoas no Bra-sil que nunca tinham sentado na cadeira de um dentista e que pas-saram a ter essa experiência. São dados bastante impressionantes num curto espaço de tempo”, res-salta Pucca.

Os avanços nestes oitos anos de Brasil Sorridente vão além do investimento em infraestrutura e pessoal. “Houve aumento da cobertura da fluoretação de água do abastecimento público. Nós temos uma experiência no Brasil sem paralelo no mundo. A cada dia, 15 mil novas pessoas rece-bem água com cloro e flúor. Não existe, hoje, país no mundo que aumente a cobertura da fluore-tação nessa velocidade”, ressal-tou o coordenador. O Ministério da Saúde financiou 600 sistemas de fluoretação de águas de abas-tecimento público, que já atingem 5 milhões de pessoas em diversos municípios do País.

“...Éramos conhecidos

como o país dos

desdentados, e hoje

estamos na lista de baixa

prevalência...”

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As equipes de Saúde Bucal vinculadas à Estratégia Saúde da Família são responsáveis pelo atendimento primário (educação e prevenção, distribuição de kits de higiene, tratamento de cáries, aplicação de flúor, extração e res-taurações). Elas encaminham os pacientes que necessitam de pro-cedimentos especializados para os Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), onde con-tam com tratamentos de canal, gengiva, cirurgias orais meno-res, exames para detectar cân-cer bucal, além do atendimento a pacientes com necessidades especiais. Esses procedimen-tos permitem a salvação de mui-tos dentes que antes seriam extra-ídos. Ao todo, o Brasil conta com 853 CEOs, sendo que mais de 60% deles estão em cidades com até cem mil habitantes. O proce-dimento especializado cresceu mais de 300% desde 2002, che-gando a 25 milhões de pacientes no ano passado.

As medidas de reabilitação são feitas por meio dos Laborató-rios Regionais de Prótese Dentá-ria (LRPD), que fornecem os pro-dutos para os CEOs. Atualmente, 664 laboratórios recebem verbas

para a confecção de próteses den-tárias totais e parciais removíveis, com estrutura metálica, e produ-zem 500 mil próteses/ano.

José Temporão lembra que isso é resultado de décadas de abandono e descaso, sem quais-quer políticas favoráveis a essas populações, o que vem sendo revertido e corrigido de poucos anos para cá. De acordo com o ministro, para essa demanda, o MS tem incentivado as prefeitu-ras a credenciar com laboratórios privados para a produção de pró-teses voltadas aos idosos. “Esta-mos dando condições para que o Brasil sorria melhor”, enfatiza.

Unidade odontológica móvel

Com a ampliação do atendi-mento à população, um desa-fio a ser vencido é o tamanho do País. Para atender populações mais isoladas e que nunca tive-ram acesso a tratamento dentá-rio, novo conceito de cobertura foi criado, são os consultórios ambulantes. Veículos equipa-dos com consultórios odontoló-gicos levam saúde bucal a comu-nidades de áreas isoladas. São 51

Unidades Odontológicas Móveis (UOM) do Programa Brasil Sor-ridente para 51 municípios que integram os Territórios da Cida-dania. Os veículos, equipados com consultório odontológico completo, ampliam o acesso ao tratamento dentário de popula-ções localizadas em áreas rurais isoladas e com grande extensão geográfica.

“Por determinação do pre-sidente Lula, para que o Brasil Sorridente chegue da maneira mais capilarizada possível onde as necessidades se colocam com mais clareza, as unidades móveis estão sendo disponibili-zadas, levando prevenção e tra-tamento”, disse o ministro Tem-porão. Somente nos 80 Territó-rios da Cidadania (locais com baixo Índice de Desenvolvimento Humano – IDH – e menor dina-mismo econômico), são mais de sete mil equipes de Saúde Bucal dedicadas a cuidar da saúde de 29 milhões de pessoas, com capacidade para atender uma média de 350 pacientes por mês. O objetivo é distribuir as UOMs de forma equilibrada geografica-mente, considerando as peculia-ridades regionais.

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Céu aberto, calor de 22 graus, grama verde e popu lação em (boa )

forma. Foi assim que Maturéia recebeu a equipe de reportagem da Revista Brasileira Saúde da Família. Porém o clima ameno e a paisagem do sertão paraibano não são as únicas peculiaridades dessa cidade de pouco mais de seis mil habitantes. As pessoas, em Maturéia, estão, verdadeiramente, em busca da boa forma. Isso gra-ças à ação rápida da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que vislumbrou um mercado valioso de consumidores de saúde.

As chuvas e a localização do município no sopé do Pico do Jabre, no cume do Planalto da Borborema – Maturéia é o município mais alto da Paraíba, a 1.197 metros acima

do nível do mar –, favorecem o velho ditado “em se plantando, tudo dá”, como diz o secretário munici-pal de saúde, Paulo Sérgio Rodolfo do Nascimento. “Aqui [a economia] é agricultura e por ser uma região fria, no alto da serra, a terra é muito fértil. Em pleno sertão do Estado, tudo que se planta dá. Por ser uma região em que as pessoas sobre-vivem disso, tem-se que trabalhar. Quando chove aqui é uma beleza, uma riqueza”.

O município é atendido exclu-sivamente pelas duas únicas Uni-dades Básicas de Saúde (UBS), que cobrem 100% da população, ambas mistas (rural e urbana), com equipes de Saúde da Família (eSF) e Saúde Bucal (eSB). Pensando na promoção da saúde e conside-rando as características naturais,

econômicas e os indicadores de saúde do município, a secretaria municipal elaborou um projeto de incentivo à alimentação saudável há cerca de cinco anos.

Iniciou com a contratação de uma nutr ic ionista – paga com recursos do Fundo Municipal de Saúde. “Só o médico e o enfer-meiro não resolviam o problema. É preciso entender o problema da alimentação. Foi uma necessidade da comunidade ter um profissional inserido na Saúde da Família para lidar com esses problemas, ajudar na promoção da saúde e acompa-nhar as crianças desnutridas, ges-tantes, idosos, hipertensos, diabé-ticos”, observa Paulo Sérgio.

Hoje, tanto a nutr ic ionista quanto a fisioterapeuta (outra pro-fissional contratada para atender

Maturéia: exemplo de mudançaEXPE

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Revista Brasileira Saúde da Família2020 Revista Brasileira Saúde da Família

Por: Déborah Proença

Fotos: Radilson Carlos Gomes

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a população de Maturéia) fazem parte da equipe do Centro de Apoio à Saúde da Família, que foi criado com recursos da prefeitura para complementar o trabalho rea-lizado pelas equipes de saúde do município. “No início, não tinha essa equipe de apoio. A prefeitura pagava a nutricionista e a fisiote-rapeuta. Agora a gente criou essa equipe de apoio e está batalhando para regularizar isso”, explica a nutricionista Elaine Silva da Penha.

Ela conta que, antes, tudo era mais difícil. As pessoas não sabiam como lidar com o alimento nem tinham conhecimentos sobre ali-mentação saudável. “Não teve uma preparação da população [para a inserção da nutricionista]. Os pro-fissionais da saúde sentiam muito essa necessidade, porque é o nutri-cionista que é preparado para orien-tar sobre alimentação e nutrição. Às vezes, uma dislipidemia [aumento dos lipídios – a gordura – no san-gue, principalmente do colesterol e dos triglicerídeos] ou outros pro-blemas deixavam-nos de mãos ata-das”, relata a nutricionista.

Hoje, as pessoas são atendi-das por meio de agendamento nas

UBS ou na própria comunidade por meio dos agentes comunitários de saúde (ACS). O acompanhamento é mensal e a nutricionista também realiza visitas domiciliares.

“Atendo semanalmente em torno de 30 pessoas na Unidade de Saúde da Família I e II. Reali-zamos atendimento domiciliar nos casos mais graves e em comuni-dades de difícil acesso. Atende-mos também os usuários do [Pro-grama] Bolsa Família no município para acompanhamento de peso, altura, calendário vacinal e cres-cimento e desenvolvimento infan-til. Prestamos assistência às ges-tantes, hipertensos, diabéticos e trabalhos de educação nutricio-nal nas escolas e comunidades rurais”, conta Elaine.

“Hoje, nós temos resultados satisfatórios. Houve estímulo à ali-mentação adequada, caminhadas, o pessoal faz dieta com a nutricio-nista. Mesmo morando no sertão, com o Bolsa Família, o pessoal faz dieta. Foi um projeto inovador tra-balhar com essa profissional na comunidade”, salienta o secretá-rio Paulo Sérgio.

Elaine também traz a sua visão

sobre a inserção do profissional de nutrição na ESF. “A possibilidade de trabalhar de maneira mais próxima da comunidade, conhecendo a sua realidade, estreitando relações, foi o que me levou para a Saúde da Famí-lia. Em alguns casos, posso afir-mar que não sou considerada ape-nas como nutricionista, sou amiga, confidente, conselheira... Esse tipo de relação com o usuário só com a Saúde da Família temos a possibili-dade de conseguir”.

o projeto em números

Em 2001, Maturéia apresentava 24,5% dos bebês nascidos vivos com baixo peso. Em 2005, a taxa era de 17,6%. Já em 2006, depois de apenas um ano de implantação do projeto de alimentação saudá-vel, a taxa diminuiu para 7% e pas-sou a se manter em uma média de 10% até os dias atuais.

A porcentagem de óbitos infan-tis também diminuiu. Em 2002, era de 18,9% por nascidos vivos e, em 2008, reduziu-se para 12,1% – que, em termos numéricos, significam dois óbitos infantis no ano. “Em 2007, Maturéia foi considerada no Estado a pior cidade para se morar, em termos de mortalidade infantil. Em um ano, cinco crianças morre-ram. O que pensamos? Sentamos com os ACS, planejamos isso e realmente começamos a valorizar o pré-natal. Em 2008, morreram duas crianças. Em 2009, uma. E, até junho de 2010, nenhuma criança havia morrido. Nós assumimos a gestante e fazemos até o enxoval dela, porque o Bolsa Família é para comer, e não para comprar roupi-nhas”, pondera o secretário.

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Uma das maiores preocupa-ções da gestão municipal, o aleita-mento materno exclusivo, também apresenta resultados positivos. Em 2009, alcançou 74% das puérpe-ras. “A gente ainda enfrenta resis-tência na cultura local para o alei-tamento materno. Além da ques-tão estética, tem também as mães adolescentes que não querem abrir mão da liberdade e o mito de que o mingau de araruta [um tipo de raiz que produz uma farinha branca] alimenta mais que o leite materno”, ressalta Elaine.

A prevalência de desnutrição infantil que, em 2004, era de 7,2%, após a inserção da profissional de nutrição, caiu para 4,6%, em 2006, e encerrou 2009 com 3,4%, a menor dos últimos cinco anos.

o Bolsa Família

Vários pequenos produtores contribuem com o projeto. Reú-nem-se entre si e também com o conselho municipal de saúde para discutir políticas públicas para o município. É a atuação – na prá-tica, não só na teoria – de diferen-tes setores, não apenas o da saúde, na promoção da alimentação sau-dável. Além disso, a população

matureense conta com o apoio do Programa Bolsa Família, em parce-ria direta com a ESF.

“A maior parte da comunidade carente recebe o Bolsa Família e nós dizemos qual alimento eles devem priorizar [em virtude do valor recebido]”, conta Elizandra Silva da Penha, coordenadora municipal da Atenção Primária à Saúde.

O Programa Bolsa Família já existe no município há muitos anos, desde antes da entrada da nutricionista. Em Maturéia, a

Casa da Família (uma associa-ção municipal) acompanha, prio-ritariamente, as famílias benefi-ciadas pelo programa com ofere-cimento de cursos (de culinária, artesanato e outros), oficinas para

geração de renda etc. “O governo federal prega que o Bolsa Família deve ser acompanhado pela Edu-cação, na presença na escola, pela Assistência Social e pela Saúde. A gente deve acompanhar o pro-grama vendo se a mãe está acom-panhando as condicionalidades. Qualquer problema, se a mãe não cumpre [as condicionalidades], nós avisamos o sistema [em refe-rência ao Sistema de Vigilância Ali-mentar e Nutricional – SISVAN] e já vem uma advertência. Quando entrei, uma das nossas preocupa-ções era como estava esse acom-panhamento. A partir daí, come-çamos a acompanhar e estamos fazendo direitinho, alimentando o sistema, e, graças a Deus, não temos muitas dificuldades com isso. Os casos que têm problema, a gente vai atrás”, afirma Eliana.

Ela afirma, também, que não houve nenhum caso de perda do benefício em função do não cum-primento das condicionalidades por parte das famílias das crianças. “Quando recebem a primeira carta de advertência, elas correm direta-mente para a unidade de saúde”.

alimentação diversificada

O curso de alimentação sau-dável foi feito em várias etapas, de acordo com o que é produzido em cada região. “Em Monte Belo [comunidade em que o projeto de alimentação foi iniciado] plantam muito. Não em quantidade, mas em diversidade”, observa a coordena-dora municipal da APS, Elizandra. Ela explica a origem do curso. “Nós tivemos a ideia de fazê-lo porque,

“... Em pleno sertão

do Estado, tudo que

se planta dá. Por ser

uma região em que as

pessoas sobrevivem

disso, tem-se que

trabalhar. Quando

chove aqui é uma

beleza...”

22 Revista Brasileira Saúde da Família

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aqui em Maturéia, existe o hábito de plantar. Eles cultivam hortali-ças e frutas e não sabem aprovei-tar muito bem. A ideia do curso era ensiná-los a aproveitar melhor os próprios recursos”.

As turmas tinham atividades divi-didas em duas etapas: a primeira, com a participação dos homens, que relatavam o que era produ-zido por eles. As mulheres partici-pavam da segunda etapa, na qual eram ensinadas receitas possíveis com os alimentos cultivados. “Nós convocamos os produtores para saber o que produziam mais. A par-tir disso, elaboramos as receitas, entregamos os livrinhos e ensina-mos a fazer. Foi bem legal. É dife-rente ter uma hortaliça que você só sabe lavar e picar do que inseri-la na receita”, ressalta Elizandra.

Quanto a resultados, Elaine recorda que foram acompanha-das, na UBS, algumas mulheres do Sítio Monte Belo, principalmente, as que tinham excesso de peso ou colesterol alto. “De muitas delas tivemos boa resposta. Inclusive, até demos receitas de alimentação para as crianças, de como as mães

poderiam fazer a transição do alei-tamento materno exclusivo para a introdução da alimentação comple-tar. Até nas crianças nós vemos um hábito bem melhor”.

As t rog i lda Bezer ra Frade, moradora da zona rural de Matu-réia e uma das primeiras partici-pantes do curso, conta que já fez vários cursos sobre alimentação natural e agricultura familiar pro-movidos pela SMS.

“Foi um conhecimento extraor-dinário. Aprendemos a fazer coi-sas que a gente não sabia: bolo do bagaço do milho verde, suco do milho verde, bolo da casca de laranja. A minha feira, hoje, é o mínimo, porque eu planto em casa, consumo de casa. Mudou muito [depois do curso]. Minhas amigas que deixei em Patos, inclusive, me dizem: ‘Astrogilda, eu te admiro muito, porque, geral-mente, quem vai pro sítio regride e você progrediu!’. Você vê a gente querendo progresso, em todo lugar a gente consegue...”, afirma dona Astrogilda.

Ela afirma, ainda, que os vizi-nhos comentam muito sobre os

cursos e que algumas pessoas dizem que colocam mesmo em prática os conhecimentos que aprenderam. Ela conta, também, a guerra pessoal com sua inimiga número um. “Eu não me alimen-tava muito bem. Inclusive teve época que eu tomava insulina. Depois dos cursos de alimenta-ção natural, comecei a me ali -mentar melhor e agora só tomo o comprimido mesmo, não preciso mais da insulina. E minha glicose está controlada.

Antes eu não conseguia con-trolar minha diabetes e agora sei como controlar”.

Se a população de Maturéia, há pouco mais de cinco anos, preci-sava do apoio de uma nutricionista para ensiná-la a se alimentar mais e melhor e, com isso, viver mais e melhor, agora, com a experiência e a prática realizada, percebe que precisa continuar o caminho de viver melhor a partir do que se põe para dentro do organismo. “Matu-réia, talvez, não queira ficar mais sem nutricionista de apoio para a ESF. Foi um avanço, realmente”, acredita Elizandra.

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Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2008, 45% dos entrevistados se autodefiniram como brancos e 0,88% como ama-relos e indígenas. Em compara-ção com os dados do Censo 2000, quando 54% se autodefiniram

como brancos, os resultados apon-tam que a maioria da população brasileira, atualmente, é formada por pardos (47%) e negros (7,3%), que somam 54,3%. Apesar dessa alteração no quadro racial no perí-odo avaliado, que indica possivel-mente o efeito de mudanças polí-ticas e sociais sobre o aumento da identidade negra, os resultados de

saúde ainda apresentam desigual-dades importantes.

De acordo com a Diretora Subs-tituta do Departamento de Apoio à Gestão Participativa (DAGEP/SGEP/MS) Jacinta de Fát ima Senna da Silva, mestre em saúde pública,“na última década, melho-raram alguns determinantes de saúde, tais como renda, trabalho

a luta pela inclusãoe pela igualdadePor: Ferando Ladeira / Fotos: Radilson Carlos Gomes

Revista Brasileira Saúde da Família24B

RAS

IL

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e educação, fazendo o cidadão negro se sentir um sujeito de direi-tos e ajustar sua autodeclaração de raça para o Censo. Na saúde, no entanto, apesar de os indica-dores terem melhorado, ainda há diferença nos dados epidemiológi-cos referentes à população negra quando comparada à branca”.

A partir de 2004, com a ins-tituição do Brasil Quilombola – enquanto política de Estado –, o governo brasileiro iniciou processo de reconhecimento do racismo enraizado na sociedade por meio de definição de ações ministeriais e intersetoriais em prol da popula-ção negra. Entre as que couberam ao Ministério da Saúde, ressalta-se o financiamento diferenciado (50% a mais dos valores tradicionais) de equipes de Saúde da Família em municípios com comunidades remanescentes de negros resisten-tes ao escravagismo, os quilom-bos. Em 22 Estados, portanto, 347 municípios acolheram esse atendi-mento diferenciado, com a contra-tação de 504 equipes de SF.

A expansão de cobertura da ESF foi quase duas vezes maior nos municípios com maior pro-porção de população negra (74% ou mais) do que naqueles com menor participação desse grupo racial (44%), colaborando para a redução de desigualdades étnico--raciais de acesso a ações bási-cas como pré-natal e saúde nutri-cional.No total de casos de tuber-culose diagnosticados entre 2001 e 2008, conforme dados do Data-sus-SINAN, enquanto a população branca registrou redução de 40,5% para 37,8% na participação do total de registros, a população negra

apresentou aumento de 8,5%, pas-sando de 54,9%, em 2001, para 59,5%, em 2008. Da mesma forma a hanseníase, em que se consta-tou o aumento da participação da população negra, de 59,6% para

65,3%, no total de casos entre 2001 e 2008, enquanto que houve queda na notificação de casos referentes à população branca,

passando de 38,4% para 32,8%.A introdução do quesito raça/

cor nos sistemas nacionais de informação de saúde tem permitido o monitoramento dessas desigual-dades étnico-raciais, que foram analisadas por dois técnicos do Departamento de Atenção Básica (DAB/SAS/MS), Cinthia Lociks de Araújo e Robson Xavier da Silva, no documento “Monitoramento das desigualdades étnico-raciais em saúde no Brasil”, que foi apresen-tado no IV Congresso da Associa-ção Latino-Americana de Popula-ção, em Havana, entre 16 e 19 de novembro de 2010.

Cinthia e Robson apontam que o problema de acesso ao sistema de saúde não se restringe à Aten-ção Primária à Saúde. Citam a “lei dos cuidados inversos”, de Tudor Hart, segundo a qual as pessoas

“... A introdução do

quesito raça/cor nos

sistemas nacionais

de informação de

saúde tem permitido o

monitoramento dessas

desigualdades étnico-

raciais...”

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com maiores necessidades de cui-dados de saúde são as que têm menos acesso a eles. “O acesso é um dos problemas, pois não é próximo de onde moram os que precisam ou é disponibilizado em horários não compatíveis com aqueles que o trabalhador pode dar atenção à saúde. Além da questão da equidade nos servi-ços, pois ainda há diferenças no atendimento”, cita Jacinta Senna.

Jacinta lembra, no entanto, que as ações em prol da popula-ção negra são muito representa-tivas, com forte participação do movimento negro. Assim foi para a construção da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que seguiu todos os passos formalizadores: discussão

bastante participativa em todo o País, depois no Conselho Nacio-nal de Saúde até o acolhimento da proposta pelo Ministério da Saúde, que, em 2009, publicou a portaria nº 992 de instituição da Política.

Em seguida, obteve-se a pactu-ação do plano operativo da política junto à Comissão Intergestores Tri-partite (CIT), composta por repre-sentantes dos governos federal, estaduais e municipais, que define ações, estratégias de operacionali-zação, recursos financeiros, indica-dores e metas ano a ano. “Estamos, ainda, no processo de sensibiliza-ção de técnicos e gestores para a implementação da política nas três esferas”, situa Jacinta Senna.

Para ela, no entanto, o Brasil Quilombola e a PNSIPN, somados

ao Estatuto de Igualdade Racial, sancionado no últ imo mês de julho pelo presidente Lula, repre-sentam a “década de visibilidade dos direitos daqueles que estão em situação de vulnerabilidade, os quais passam a ter acesso aos bens e serviços, e as polí-ticas públicas que reconhecem seus direitos sociais”.

Revista Brasileira Saúde da Família26

“... as ações em prol da

população negra são

muito representativas,

com forte participação

do movimento negro....”

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Mary Jane Holanda

a amazonense Mary Jane Holanda seria assis-tente social ou psicóloga se não tivesse descoberto outra forma de alimentar a fome e sede de conheci-mentos. Tornou profissão o que mudou sua vida e lhe trouxe melhorias significativas na saúde, a Nutrição. Formou-se em 2004, pela Universidade Nilton Lins, e em 2005 fez especialização em Saúde da Família, pela Universidade Federal do amazonas (UFaM). o curso concluído somou-se à experiência de viajar e conhecer quase metade dos 62 municípios do estado do amazonas, em barcos que cruzaram rios, igapós e igarapés, em proximidade arriscada de jacarés, insetos e outros animais. e, principalmente, ter contato com o povo acolhedor e sofrido da região.

essa é a soma simplificada de situações que desa-fiaram a nutricionista Mary Jane a participar da estratégia Saúde da Família (eSF). Casada e mãe de dois adolescentes, desde agosto de 2009 atua em um dos dois Núcleos de apoio à Saúde da Família (NaSF) de Nova olinda do Norte (aM), na qual atende em dois postos de saúde desse município, com 28 mil habitantes. em sua área de atuação, Mary é coordena-dora dos programas Bolsa-Família e de alimentação Saudável, além de tutora da estratégia Nacional de Promoção da alimentação Complementar Saudável (eNPaCS). a nutricionista conta suas experiências para a revista Brasileira Saúde da Família.

RBSF: como e quando foi

que descobriu sua vocação

profissional?

Mary Jane: Terminei o ensino médio com 16 anos e passei no vestibular para Assistência Social, mas não fiz o curso. Devido a do-enças que sofria, comecei a estu-dar mais alimentação saudável e a gostar dessa área. Mudei hábitos

alimentares e, em consequência, passei a me sentir bem melhor. Isso fez com que eu me preocu-passe com outras pessoas e estu-dasse melhor os alimentos, espe-cialmente os da nossa região, que são ricos em vitamina A. Não ter-minei a outra faculdade e, quando teve início o curso de Nutrição, na federal, em 2000, eu o fiz.

RBSF: E como é a recepção

das pessoas na região à sua

especialização?

Mary Jane: No início nos viam como cozinheiros que trabalhavam no preparo de alimentos. Depois de uns anos, com a divulgação nos meios de comunicação, passa-ram a nos respeitar e nos ver como profissionais necessários não só

Por: Fernando Ladeira

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28 Revista Brasileira Saúde da Família

em Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN) – como são chama-dos alguns restaurantes aqui na re-gião –, mas também na saúde pú-blica, clínicas, meios esportivos e outros segmentos. Já há reconheci-mento do trabalho, temos uma luta constante em mostrar a necessida-de da nutrição para dar mais saúde às pessoas. A Amazônia tem gran-de biodiversidade em alimentos que podem nutrir melhor a popu-lação. E há muitas crianças desnu-tridas devido ao desconhecimento do valor desses alimentos e à per-da de hábitos alimentares tradicio-nais – substituídos pelos industria-lizados – e não transmissão de co-nhecimentos da cultura alimentar da região para as novas gerações.

RBSF: Falta de educação

formal?

Mary Jane: Perdeu-se quali-dade com a expansão dos alimen-tos industrializados. E as pesso-as não se detêm à importância

da agricultura familiar devido à geografia, clima e distâncias do Estado do Amazonas. Não per-cebem que a desnutrição das crianças não tem causa só na perda da transmissão de conhe-cimentos, mas também no desâ-nimo do produtor de áreas ribei-rinhas em seguir na luta, pois vê seu trabalho desaparecer com a enchente. Faltam acesso e finan-ciamento correto a esses produ-tores, que se agravam com a dis-tância das localidades.

RBSF: Fale um pouco sobre

seu ambiente de trabalho e a

prática realizada.

Mary Jane: O Estado é gran-de, com poucas habitações e população dispersa. O trans-porte é difícil, feito por meio de barco, em rios, igapós e igara-pés, o que dificulta o acesso a algumas comunidades do mu-nicípio. Para chegar a elas, te-mos que levar balança e outros

equipamentos. Não temos sala própria para o trabalho e utiliza-mos a sala do enfermeiro ou do médico – quando está em visita domiciliar. Isso causa transtorno para um trabalho mais efetivo. Faltam materiais e, algumas ve-zes, equipamentos. E no Estado só temos a linha de financiamen-to para as necessidades da aten-ção primária, o que dificulta a in-clusão de novos profissionais e a ampliação de locais de trabalho.

RBSF: de que forma são supe-

radas as dificuldades dos pro-

cessos de trabalho (acesso,

falta de materiais e de estrutura

física) para a promoção da ali-

mentação saudável?

Mary Jane: Por meio de par-cerias com outras secretarias do município, com as lideranças co-munitárias e com a rádio comuni-tária. Algumas vezes produzimos o nosso material de trabalho, im-provisamos quando necessário.

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RBSF: Especificamente, a

equipe em que você atua é for-

mada por quem?

Mary Jane: O município tem dois NASF. A equipe em que atuo, além do nutricionista, tem um fisio-terapeuta, um psicólogo, um edu-cador físico e um farmacêutico.

RBSF: E a forma de atuação?

Que ações são desenvolvidas?

Mary Jane: A equipe faz visita domiciliar duas vezes na semana, por unidade de saúde. Atendemos em duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e no hospital do mu-nicípio, em que há necessidade de nutricionista. Nas UBS atende-mos algumas situações que ne-cessitam consultas ambulatoriais. Fazemos palestras em escolas para alunos e professores, e ca-pacitações para merendeiras, e também para os agentes comuni-tários de saúde (ACS), para qua-lificar mais a atuação desses pro-fissionais no atendimento à popu-lação. Estamos desenvolvendo o projeto “Alimentação saudável e segura em suas mãos”, em Nova Olinda do Norte, que envolve os ACS, escolas, secretarias munici-pais, vigilância sanitária, comércio local e outros atores sociais para

a educação e orientação nutricio-nal, com manipulação e armaze-namento adequados dos alimen-tos. Temos proposta de parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC) “Programa Mesa Brasil” para desenvolvermos cozinhas co-munitárias rotativas que ensinem o aproveitamento integral e reapro-veitamento de alimentos regionais. Além disso, eu e a outra nutricionis-ta de NASF (Talita) trabalhamos um outro projeto de avaliação nutricio-nal e reeducação alimentar para os profissionais das equipes de Saúde da Família (eSF) – que tem o objeti-vo de melhorar a saúde dos profis-sionais de saúde –, que é aliado ao acompanhamento médico e odon-tológico na UBS. Também apoia-mos os alunos da Universidade do Estado do Amazonas quando estão no município para o estágio rural, participando de atividades educativas, tais como mutirões e feiras de saúde, teatro de fanto-ches, para a população.

RBSF: Quais as demandas mais

frequentes da comunidade

em termos de alimentação e

nutrição?

Mary Jane: Nas crianças, des-nutrição e parasitoses. Nos adul-tos e idosos, obesidade e sobrepe-so, hipertensão e diabetes. Nas re-sidências, feiras e lanchonetes há necessidade de orientações quan-to à higiene e manipulação dos ali-mentos, e buscamos, com crian-ças, jovens e mães em período de amamentação incentivar hábitos alimentares saudáveis.

RBSF: o que a levou até a Saúde

da Família?

Mary Jane: A base de toda a sociedade é a família, e a edu-cação alimentar começa no seio dela. Quando uma mãe está grá-vida, ela tem que pensar não ape-nas na criança que está gerando, mas também em si própria, que precisa de alimentação saudável para transmitir isso ao filho duran-te a gestação. Com isso, a família deixa de adquirir hábitos alimenta-res inadequados. Se ela tem boa alimentação, variada, adequada e na quantidade correta, e um viver com qualidade, certamente vai di-minuir o risco e a gravidade a vá-rias doenças crônicas. Uma boa alimentação e qualidade de vida ajudam muito uma família, e isso perpassa para toda a sociedade.

RBSF: como foi sua entrada na

Estratégia?

Mary Jane: Tinha viajado por, mais ou menos, 30 municí-pios [dos 62] do Estado, e já co-meçado a trabalhar há um bom tempo na Secretaria de Saúde do Estado, além de um ano e meio no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), trabalhando em uma pesquisa sobre segurança ali-mentar no Amazonas. Fui adquirin-do conhecimentos e fazendo con-tatos e, por meio deles, fui convi-dada a trabalhar em Nova Olinda. Os municípios do Amazonas so-frem com a falta de profissionais que queiram permanecer, dar con-tribuições e promover melhorias.

RBSF: Mora em Nova olinda do

Norte?

Mary Jane: Sim, durante a se-mana. Duas vezes por mês, nos fins de semanas, sou liberada para ver

“...comecei a gostar da área de alimentação, devido a doenças que eu sofria, e comecei a estudar mais alimentação saudável, a

mudar hábitos alimentares e fui curada de muitas

doenças...”

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minha família, em Manaus. Viajo de voadeira [pequeno barco expres-so], ônibus e depois micro-ônibus. É quase uma aventura ir até Manaus, mas dessa forma dá para chegar em três horas e meia, pois em embarca-ção comum seria uma viagem de, aproximadamente, 17 horas.

RBSF: a decisão em participar

da Saúde da Família foi racio-

nal, emocional, ou ambas?

Mary Jane: Envolve emoção com racionalismo. Quando traba-lhamos na saúde pública, ficamos mais emotivos devido à situação e necessidades das pessoas que encontramos, que não são exclu-sivas do Estado, mas são uma re-alidade do Brasil e que lembram imagens que vemos de miséria na África. Embora as pessoas de fora amem a Amazônia, deslumbrados com a beleza natural, esquecem-se de que tem que ser vista com olhar de ser humano, pois os que moram nela são muito acessíveis, recebem os de fora com calor, mas têm ne-cessidades de cuidados em saúde e uma série de outras, desconhecidas dos que não são daqui. Só quem co-nhece sabe as dificuldades.

RBSF: como vê a prática da

ESF no Brasil, na Região Norte,

e você participando dela?

Mary Jane: A Estratégia Saúde da Família iniciou como um progra-ma para melhorar o atendimento da saúde pública pela atenção primá-ria. O que eu observo é que muitas pessoas ainda não vêem essa ne-cessidade de melhorias por meio de uma equipe. Sempre olham para o médico como se ele fosse a

única solução, e a Estratégia é uma equipe que trabalha por melhorias na saúde de toda a comunidade. Enquanto não houver consciência da necessidade de se trabalhar em uma equipe multiprofissional e mul-tidisciplinar, a situação não vai ala-vancar muito, mas a sociedade es-pera que isso aconteça. Se uma pessoa passa por determinada pa-tologia e busca atenção e cuidado em uma UBS, é porque ela quer, muitas vezes, tratamento melhor, sem ser vista só com racionalida-de, mas com o coração.

RBSF: E nisso o trabalho em

equipe ajuda, pela discussão

de casos que promove?

Mary Jane: Pode-se chegar a uma conclusão e um diagnós-tico mais precisos, num traba-lho em equipe em que cada pro-fissional respeita os outros po-sicionamentos profissionais, de forma a que se consiga diminuir a situação e o agravo de doen-ças, evitando a ida do paciente à atenção secundária, além dos gastos com medicamentos.

30 Revista Brasileira Saúde da Família

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raio X:

1-tRÊS MotIVoS paRa SER pRoFISSIoNal da SaÚdE da FaMÍlIa... O amor pela profis-são, a necessidade de avançar e derrubar barrei-ras, e atingir o alvo da qualidade de vida da po-pulação brasileira.

2- paRa SER BoM, MEU tRaBalho pREcISa dE? Profissional responsável

3-FUNdaMENtal NESSa pRoFISSÃo É? Aprender a ouvir e aprender com a experiên-cia dos outros que já passaram pela mesma situação.

4-

UM pacIENtE, UM atENdIMENto, UM MoMENto MaRcaNtE... Dona Cristóva, que cuidei quando estava no estágio e que, infeliz-mente, faleceu devido a um câncer no cérebro, em 2003, com 34 anos, e deixou uma filhinha de oito anos.

5-UM IdEal... Ajudar meu Estado no desenvolvi-mento de políticas para reduzir a desnutrição da população.

6-UM lEMa... Ser boa mãe e saber levar quali-dade de vida para minha família, para que ela seja exemplo e os outros vejam que trabalhar com alimentação saudável vale a pena.

7-UM dESaFIo... Vários desafios, mas o maior é criar meus filhos com dignidade e dar oportuni-dades para que possam alcançar tudo que eu não pude, como uma cidadã brasileira, em ter-mos de educação, por vir de uma família pobre.

8-paRa SER FElIZ... É preciso chorar, aprender a ser poeta e a contar as estrelas, e não o dinheiro. E minha maior estrela e meu maior exemplo é Jesus Cristo.

9-SE NÃo FoSSE NUtRIcIoNISta... Seria psicó-loga, que foi meu sonho de infância, mas a maior profissão de todas é ser mãe.

10-UM atENdIMENto ESpEcIal NEcESSIta... De atenção, um olhar diferenciado, um olhar de ser humano.

11- UM SoNho REalIZado... Concluir o curso de Nutrição, que não foi fácil.

12-tRÊS coISaS ESSENcIaIS... Deus, que é e tem sido minha força; o amor, pois sem ele não conseguimos superar muitas coisas desta vida; e a alegria, pois junto ao sorriso traz saúde ao corpo e aos ossos.

13-UMa INSpIRaÇÃo, UMa MotIVaÇÃo... Minha inspiração maior são os profissionais dignos e que fazem a diferença, como o prof. Malaquias, Josué de Castro, Ester Mourão, dra. Lucia (INPA) e a nutróloga Silvana Bezencry.

14-UMa alEGRIa pRoFISSIoNal... Quando nós atendemos, prescrevemos uma dieta, trabalha-mos com uma pessoa, vemos o resultado es-tampado na face e ainda ouvimos: “Está dando certo”.

15- UMa chatEaÇÃo... Mais de uma: a hipocrisia, a arrogância e a falsidade.

16-UM oBStÁcUlo... Encontramos vários na vida, mas o maior é quando você não é humilde o su-ficiente para reconhecer seu erro.

17- daQUI a dEZ aNoS VoU EStaR... Trabalhando, se Deus permitir, na Nutrição.

18- o MElhoR da pRoFISSÃo É... Obter conheci-mentos; quanto mais melhor.

19- SaÚdE da FaMÍlIa É... Um marco na minha vida.

20-alGUM coNSElho QUE QUEIRa daR... Que os profissionais respeitem os demais em sua respectiva área, e aprendam que aprendemos quando ensinamos.

31

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aPS 2003-2010: superação e batalhas diárias

CAP

A

Fotos: Radilson Carlos Gomes

Por: Déborah Proença e Mirela Szekir

32 Revista Brasileira Saúde da Família

Durante déca da s , no século passado, apenas os 40% de trabalhado-

res que compõem o mercado formal de mão-de-obra tinham direito aos serviços do sistema de saúde em vigor. Os outros

60%, a maioria, tinham a saúde drenada como em um buraco negro. A luz surgiu, como um novo big-bang, com a Cons-tituição Federal de 1988, que determinou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), reunindo

as químicas e leis físicas da uni-versalidade, da integralidade e da equidade.

Depois de formal izado o SUS, em 90, timidamente, foi se formando uma galáxia: o pro-grama de agentes comunitários

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de saúde, que levou à criação da Saúde da Família, e depois se transformou em Estratégias. Novas estrelas e cometas surgi-ram, então, para somar e origi-nar, valorizar vidas: políticas e programas de nutrição, de aten-ção materno-infantil, de saúde bucal, práticas integrativas, in-serção e equidade racial, valori-zação profissional e muito mais.

Neste século, na última déca-da, as ações se objetivaram e di-recionaram para que a Atenção Primária à Saúde se torne a co-ordenadora da atenção à saú-de para a população. Mais dina-mismo, mais recursos orçamen-tários e serviços do universo da

saúde têm se desenvolvido e ex-pandido para atender aos objeti-vos da criação: o atendimento e respeito a direitos fundamentais e o bem-estar de cada cidadão.

Em órbita, uma galáxia in-teira, com diversos programas, projetos, iniciativas e ações in-tersetoriais vem fortalecer os t rabalhos real izados no n í -vel local por profissionais da equipe de SF e pela gestão: Programa Saúde na Escola (PSE), Programa Bolsa Família, Telessaúde, Pet-Saúde, UnA-SUS, Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC-2), Unidade Odonto-lógica Móvel (UOM), Unidades

Básicas de Saúde (UBS) Flu-viais, entre outros.

É quase um big-bang da Saúde. Muita energia concen-trada em um único núcleo, con-tinuamente em crescimento, faz com que a massa não compor-te mais tanta informação e ex-ploda em pequenos pedaços, que orbitam o núcleo central. É mais ou menos o que acontece com a APS no Brasil. Os progra-mas que antes eram pequenas propostas cresceram de tal for-ma que ganharam vida própria e necessitam de elementos fun-damentais para continuar a evo-lução – como o monitoramento e controle social, por exemplo.

paCs

A primeira vez em que verdadeiramente se con-tou com o trabalho de um profissional especiali-zado em levar informações sobre saúde à popu-lação foi em São Paulo, com o chamado “Plano Metropolitano de Saúde”, no fim dos anos 70. Hoje, a profissão de agente comunitário de saú-de (ACS) é muito estudada pelos centros acadê-micos do País, pelo fato de os ACS transitarem nos espaços do governo e da comunidade, e in-termediarem a interlocução. Os ACS são respon-sáveis, segundo o Manual do Agente Comunitário de Saúde, publicado em 2009 pelo Ministério da Saúde, por identificar áreas e situações de ris-co individual e coletivo; encaminhar as pessoas aos serviços de saúde sempre que necessário; orientá-las, de acordo com as instruções da equi-pe de saúde; e acompanhar a situação de saúde delas, para ajudar a conseguir bons resultados. O ACS também tem papel importante no acolhi-mento, pois é membro da equipe que faz parte da comunidade, o que permite a criação de vín-culos mais facilmente, propiciando o contato dire-to com a equipe. É preciso ser mais que dedica-do para ser um bom ACS, é preciso ser humano.A necessidade do trabalho desempenhado pelos agentes é histórica. Alguns Estados brasileiros e o Distrito Federal (DF), com os “auxiliares de saú-de”, já trabalhavam isoladamente nessa direção

desde antes da implantação do programa. Os au-xiliares de saúde, capacitados por médicos e en-fermeiras, dirigiram as ações às mães e crianças, que passaram a freqüentar regularmente os ser-viços de pré-natal e puericultura, gerando queda na mortalidade infantil e nos atendimentos nas emergências hospitalares. Hoje, essa legião de trabalhadores mantém uma rede organizada de quase 242 mil profissionais (em 2003, eram 184,3 mil), com 83% desses pro-fissionais vinculados à ESF.Uma avaliação normativa amostral das equipes de SF encomendada pelo Ministério da Saúde em 2008 mostrou que:• 70% das equipes de SF têm entre quatro e

cinco ACS;• 63% dos ACS estão há mais de dois anos nas

equipes de SF;• 27% há mais de cinco anos nas equipes;• 56% dos AC S realizaram curso de formação;• 77% realizaram pelo menos um curso de

atualização;• 52% realizaram de cinco a sete cursos de atu-

alização; e• 85% dos enfermeiros realizam treinamentos

para os ACS.

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34 Revista Brasileira Saúde da Família

Busca de soluções

No fim da década de 80, co-mo mais tarde se atestaria, e à frente da realidade do res-to do País, algumas áreas do Nordeste (e outras localidades como o Distrito Federal e São Paulo) desenvolveram estraté-gias para melhorar as condições de saúde das comunidades, ins-tituindo nova categoria de tra-balhadores para atuar na saúde dessas localidades como parte delas próprias. Essas ações em-basaram o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), do governo federal, formalmen-te criado em 1991.

Em 1994, nasce o então Programa Saúde da Famíl ia (PSF), que, mais tarde, em 2006, diante da melhoria que promoveu nos indicadores de saúde, passa a ser denomina-do Estratégia Saúde da Família (ESF), polít ica de Estado tal qual o PACS, que se configura, hoje, em Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde (EACS).

Desenvolvimento do sUs e da atenção primária

A década de 90 promove o início da criação do universo da APS brasileira. Além do surgi-mento formal de dois grandes

programas federais (PACS e PSF), inúmeras medidas são to-madas para fortalecer a nova es-tratégia de organização do SUS, com a APS enquanto o primei-ro contato da população com o sistema de saúde. Aprovam-se as leis de criação do Sistema (8.080/90) e do controle social (8.142/90), que, aos poucos, vão sendo implementadas e or-ganizadas em todo o Brasil. A representação e o controle so-cial exercidos pelos conselhos municipais, estaduais e federal de saúde tornam-se marca no formato brasileiro.

São criadas regras para o fi-nanciamento da atenção primá-ria (a Norma Operacional Básica – NOB – 01/96 – e a Portaria nº 1.882/97, que instituem o Piso de Atenção Básica – PAB); pu-blicadas as normas de funcio-namento do PACS e PSF na Portaria nº 1.886/97; é lançado o ReforSUS – projeto de financia-mento para qualificação de pro-fissionais da Saúde da Família; iniciado o modelo de transfe-rência de incentivos financeiros fundo a fundo; definido o orça-mento próprio para o PSF pelo Plano Plurianual, em 1998; é fei-ta a concessão de incentivos ao PSF por cobertura populacional; e, por fim, realizado o primei-ro Pacto da Atenção Básica e a I Mostra Nacional de Produção em Saúde da Família, além de veiculada, em 1999, a primei-ra edição da Revista Brasileira Saúde da Família.

Já a década de 2000 traz no-vos elementos para fortalecer a

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APS brasileira. Especialmente, a criação, no Ministério da Saúde, em 2000, do Departamento de Atenção Básica (DAB), que for-mula e difunde todas as diretri-zes, projetos, programas para o primeiro nível de atenção à saú-de – em âmbito federal –, além de apoiar o trabalho nas outras esferas de governo.

É bom lembrar que o Brasil perdeu significativo número da população em epidemias nos séculos XIX e XX (cólera, 1855: 200 mil mortos; varíola, 1904, no Rio de Janeiro; gripe espanhola, 1918, 65% da população doente e mais de 16 mil mortes; difteria, 1953), e a preocupação cres-cente com as condições de saú-de transformou a realidade sani-tária (e de vida) do País. Com o SUS e o crescimento da impor-tância dada à atenção primária, com a assistência a um núme-ro cada vez maior de pessoas, o Brasil passa, hoje, a apresentar

maiores índices de morbidade, invalidez e morte ligados a do-enças crônicas e causas exter-nas, e não mais a doenças epi-dêmicas – característica típica

de países desenvolvidos em que os óbitos estão mais relaciona-dos aos hábitos de vida. Essa transição epidemiológica traz características peculiares à saú-de brasileira, que agora conta

com carga tripla de doenças--infectocontagiosas, crônicas e violência/causas externas.

“O Brasil está vivendo tran-sição. Ele tinha um perfil epide-miológico, ou seja, de principais causas de doenças e mortes das pessoas, e está mudando pa-ra outro perfil, aproximando-se dos países de primeiro mundo. No entanto estamos no meio do caminho, o que significa que te-mos que dar conta do que acon-tece no terceiro mundo e no pri-meiro mundo. Esse é o nosso maior desafio”, conta Patrícia Sampaio Chueiri , médica de Família e Comunidade e con-sultora do DAB.

Patrícia cita que o País ain-da tem resquícios importantes das doenças infectocontagiosas (como hanseníase e tuberculo-se), tal como em países subde-senvolvidos, e que, pela exten-são territorial, em algumas ci-dades brasileiras, a realidade é

A partir de 2004, uma análise da situação de saúde do País passa a ser publicada, anualmen-te, pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) por meio do relatório Saúde Brasil. Por ele, descrevem-se os fatores determinantes e condicionantes do processo saúde–doença, evolução da mortalidade, entre outros. Encontram-se, ainda, análise dos dados de mortalidade de 2001 e análise de séries temporais de causas de morte selecionadas (neoplasias, violência e causas ex-ternas). Em 2006, entra em funcionamento o sistema Vigitel – Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, com pesquisa anual em todas as ca-pitais brasileiras, apresentando os resultados com análise e evolução de dados. Acesse publi-cações da área no site http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/area.cfm?id_area=1693.

Em 2007, Daisy de Abreu, Cibele Comini César e Elisabeth França, pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicaram artigo sobre a relação entre as causas de morte evi-táveis por atenção à saúde e a implementação do SUS no Brasil (http://journal.paho.org/uploa-ds/1184094844.pdf). Segundo as autoras, “os resultados sugerem que, no Brasil, o declínio da mortalidade por causas evitáveis entre 1983 e 2002 deveu-se, em parte, às mudanças na oferta e no acesso aos serviços de saúde, impulsionadas pela reorganização do sistema de saúde a par-tir da década de 1990”.

transição epidemiológica brasileira

“...a década de 2000 traz

novos elementos para

fortalecer a APS brasileira.

Especialmente, a criação,

no Ministério da Saúde, em

2000, do Departamento de

Atenção Básica (DAB), que

formula e difunde todas

as diretrizes, projetos,

programas para o primeiro

nível de atenção à saúde...”

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36 Revista Brasileira Saúde da Família

1994 – 1,1 milhão de habitantes atendidos pelo PSF ;1995 – 2,5 milhões de habitantes atendidos pelo PSF ;1996 – 2,9 milhões de habitantes atendidos pelo PSF e publicação da NOB 01/96;1997 – 5,6 milhões de habitantes atendidos pelo PSF e publicação do PAB e das diretrizes dosPACS e PSF;1998 – 10,6 milhões de habitantes atendidos pelo PSF e criação do Sistema de Informação daAtenção Básica (SIAB);1999 – 14,7 milhões de habitantes atendidos pelo PSF e publicação da Política Nacional deAlimentação e Nutrição;2000 – 29,7 milhões de habitantes atendidos pelo PSF, publicação do Manual de Organização daAtenção Básica, do Pacto de Indicadores da Atenção Básica e realização da I Mostra de Produção em Saúde da Família;2001 – 43,83 milhões de habitantes atendidos pelo PSF, inserção da Saúde Bucal na Saúde daFamília e 1ª A valiação Normativa da SF;2002 – 53,93 milhões de habitantes atendidos pelo PSF;2003 – 63,34 milhões de habitantes atendidos pelo PSF e início da implantação do Proesf;2004 – 69,10 milhões de habitantes atendidos pelo PSF e II Mostra de Produção em Saúde daFamília;2005 – 72,62 milhões de habitantes atendidos pelo PSF, início do acompanhamento das condi-cionalidades do Bolsa Família, realização do 1º Seminário Internacional de APS e lançamento daAvaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúde da Família (AMQ);2006 – 85,73 milhões de habitantes atendidos pelo PSF, regulamentação da profissão de ACS, pu-blicação da Política Nacional de Atenção Básica e realização do 2º Seminário Internacional da APS;2007 – 87,75 milhões de habitantes atendidos pelo PSF, realização do 3º Seminário Internacional da APS e criação do Programa Saúde na Escola (PSE);2008 – 93,18 milhões de habitantes atendidos pelo PSF, criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e realização da III Mostra de Produção em SF;2009 – 96,14 milhões de habitantes atendidos pelo PSF;2010 – 99,10 milhões de habitantes atendidos pelo PSF em 5.275 municípios, 95% de todo oBrasil, publicação das portarias que regulamentam o trabalho do microscopista, as UnidadesOdontológicas Móveis e as Unidades Básicas de Saúde Fluviais – essas últimas destinadas às populações ribeirinhas.

principais marcos da esF

“...O Brasil está vivendo

transição. Ele tinha perfil

epidemiológico, ou seja, de

principais causas de doenças

e mortes das pessoas, e ele

está mudando para outro

perfil, aproximando-se dos

países de primeiro mundo...”

muito similar a de países desen-volvidos. Já os grandes centros urbanos apresentam essa tripla carga de doenças, uma vez que as periferias contam com condi-ções socioambientais muito ruins e as áreas nobres têm melhor in-fraestrutura, educação e renda.

Apesar do trabalho triplicado e em diferentes direções, a médica

é otimista. “Essa transição epide-miológica indica que estamos no rumo certo. As causas de saúde e adoecimento também têm a ver com renda, moradia, escolarida-de. Então, de certa forma, o País, como um todo, caminha para a melhoria das condições de vida em geral, e isso tem impacto na saúde”, afirma.

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saúde da Família

Adib Jatene, ex-min is t ro da Saúde e diretor-geral do Hospital do Coração em São Paulo, relata, na apresentação do livro Memórias da Saúde da Família no Brasil, publicado em 2010 pelo Ministério da Saúde, a história da Estratégia desde o começo. Ele relembra o início do programa e a cautelosa im-plantação. Cita dados do Estado de São Paulo que apresentaram significante alteração após o tra-balho dos agentes comunitários de saúde. Enquanto a Secretaria Estadual de Saúde havia cadas-trado sete casos de tuberculose, os ACS descobriram 62, quase nove vezes o número oficial di-vulgado pela Secretaria.

De 1994 para cá, podemos acompanhar, no gráfico 1, o crescimento da cobertura popu-lacional (em milhões) e conhe-cer (Box) os principais marcos da Estratégia, desde o início.

Segundo o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem a população estimada em 190,7 milhões, em um territó-rio de 8,5 milhões de quilôme-tros quadrados. É quase um continente inteiro. Metade da população está coberta pela ESF – e a utiliza frequentemen-te – em um país onde mais de 20% dela possui plano de saú-de pr ivado (segundo dados de setembro de 2010 publica-dos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar), mas que

não deixa de vacinar os filhos na rede pública de saúde ou acionar os serviços de urgên-cia e emergência. E a tendên-cia é que esses números con-tinuem crescendo.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domic í l ios (PNAD) de 2008, mais de 95% das pessoas que procuraram os serviços de saúde (público ou privado) foram atendidas na primeira tentativa. Destas, 85% consideraram o atendimento “bom” ou “muito bom”. Outro dado interessante é o aumen-to, em 25%, do total de mulhe-res que já haviam feito preven-tivo para câncer no colo do úte-ro, em especial nas classes de rendimento mais baixo, em que a ESF tem maior cobertura.

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Financiamento

Desde o surgimento do pro-grama, a atenção primária conta com gradativo aumento de recur-sos destinados à ampliação e fo-mento das ações. Especialmente após 2000, com a aprovação da Emenda Constitucional 29, que tornou obrigatórios os investi-mentos em saúde pelos Estados (mínimo de 12%) e municípios (mínimo de 15%), além dos re-cursos federais, aplicados anu-almente conforme o crescimento do Produto Interno Bruto. A EC 29 depende ainda de regulamen-tação por lei federal, cuja aprova-ção pelo Congresso Nacional não foi obtida na década que termina.

De qualquer forma, segun-do dados do Fundo Nacional de Saúde, o valor repassado para o Piso de Atenção Básica (PAB fi-xo e variável) mais que dobrou, como mostra o tabela 1, a se-guir. O PAB surge na publicação da Norma Operacional Básica 1, de 1996, quando a gestão da APS vincula-se à Secretaria de Atenção à Saúde (SAS/MS) pa-ra modificar as regras de finan-ciamento, que antes eram fir-madas por meio de convênios entre a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e as Secretarias Es tadua is e Munic ipa is de Saúde. Era lançada a base pa-ra um novo modelo de gestão, introduzindo a modalidade per

capita e os incentivos financei-ros ao PSF e PACS em detri-mento da modalidade por pro-dução – situação contraditória ao processo de trabalho que deveria estar centrado na pro-dução de saúde, como afirma Heloísa Machado de Souza, en-fermeira e ex-diretora do DAB, em seu texto “Saúde da Família: uma Proposta que Conquistou o Brasil”, publicado no l ivro Memórias da Saúde da Família no Brasil, em 2010.

No texto, Heloísa lembra as dificuldades em se implantar a ESF nos grandes centros urba-nos. Cidades com infraestrutura de saúde já montadas nos mol-des tradicionais, sem vínculos com a Atenção Primária à Saúde, e forte presença de mão de obra contratada formalmente e atua-ção sensível de planos de saúde privados. Daí terem sido inseri-dos incentivos diferenciados por porte populacional, e o aporte de recursos adicionais por meio de acordos de empréstimos para o planejamento, reordenamento de sistema e controle de gestão adequados do sistema de saúde nesses municípios.

Foi celebrado, em 2002, o P ro je to de Expansão e Consol idação da Saúde da Família (PROESF), acordo com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (B IRD) , a f im de apo iar a

expansão da cobertura do PSF nos municípios de médio e gran-de porte, com populações acima de 100 mil habitantes.

Em 2006, mais uma inovação: o Pacto pela Saúde, criado para facilitar as transferências e dimi-nuir as centenas de rubricas de financiamento orçamentário, por meio do repasse fundo a fundo – do Fundo Nacional de Saúde di-retamente aos Fundos Estaduais e Municipais de Saúde.

No entanto, o aumento nos re-passes, com o crescimento eco-

nômico sentido a partir de 2003, e a mudança nas formas de finan-ciamento não se mostraram sufi-cientes para melhorar a infraes-trutura das Unidades Básicas de Saúde (UBS), os salários, com-prar equipamentos etc. Eram ne-cessários outros incentivos. A oportunidade surgiu a partir de 2007, quando o governo federal lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a fim de promover os investimentos em

Tabela 1 – Histórico de repasses do PAB Fixo e Variável de 2000 a 2008.

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*

Variável 664,76 927,76 1.414,09 1.746,81 2.318,97 2.862,05 3.479,87 3.971,93 4.540,60

Fixo 1.763 1.801,67 1.816,87 1.928,30 2.129,30 2.330,98 2.570,50 2.829,00 3.050,00

(x R$ 1.000.000,00) (*) Orçamento FONTE: Fundo Nacional de Saúde / SE / MS.

“...Em 2006, mais uma

inovação: o Pacto pela

Saúde, criado para

facilitar as transferências

e diminuir as centenas de

rubricas de financiamento

orçamentário, por meio do

repasse fundo a fundo...”

38 Revista Brasileira Saúde da Família

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infraestrutura (energia, comuni-cações, transportes), estimulan-do os setores produtivos a inves-tirem nas áreas que formavam os gargalos impeditivos de maior de-senvolvimento do País. Ao mes-mo tempo, levando benefícios so-ciais a todas as regiões.

A primeira edição do PAC priorizou a infraestrutura básica, mas em 2009 foi lançada a se-gunda edição, o PAC 2, que pas-sou a dirigir investimentos para áreas sociais, entre as quais a habitação e saúde. O Ministério da Saúde aproveitou a oportuni-dade e conseguiu subsídio pa-ra a construção das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e das Unidades Básicas de Saúde.

Os recursos disponibilizados para o PAC 2 estão dividos em três grupos, com critérios de seleção específicos. No grupo I, o recurso é disponibilizado para 1.296 UBS, capazes de abrigar 2.572 equipes de Saúde da Família (eSF), no to-tal de R$ 386,8 milhões. O grupo

II disponibiliza R$ 36,4 milhões a 166 UBS, capazes de abrigar 200 eSF. E, por fim, o grupo III desti-na R$ 141,8 milhões em recur-sos a 709 UBS, que comportam, no mínimo, uma eSF nova (40% das propostas apresentadas em 2009 são para implantação de novas equipes, segundo Sílvio Roberto Araújo de Medeiros, con-sultor técnico do DAB).

O grupo I destina-se às po-pulações acima de 70 mil ha-bitantes nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste; po-pulações acima de 100 mil no Sul e Sudeste; e municípios das 11 Regiões Metropolitanas – RM (Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Santos, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Reci fe, Forta leza, Salvador, Belém) e da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE/DF) pactuadas no PAC.

O grupo II contempla popula-ções entre 50 e 70 mil habitantes

no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e populações entre 50 e 100 mil habitantes no Sul e Sudeste. E o grupo III abrange as populações abaixo de 50 mil habitantes, exceto os municípios das 11 RMs e RIDE/DF.

É preciso, no entanto, cum-prir alguns requisitos para ser contemplado no programa: am-pliar o número de equipes de SF ou ter alta cobertura de SF; ter disponibilidade de terreno, com condições de acesso e ca-racterísticas geotécnicas e to-pográficas adequadas para a construção das UBS; apresen-tar compromisso do município com a manutenção das equi-pes de SF, funcionamento e a manutenção da UBS; e apre-sentar CNPJ próprio do Fundo Munic ipal de Saúde (FMS). Além disso, não são aceitas propostas de reformas ou am-pliação de UBS já existentes ou mesmo incompatíveis com os planos municipais de saúde.

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40 Revista Brasileira Saúde da Família

Até 2013, a meta é implantar 8.694 novas Unidades Básicas de Saúde. As metas segundo re-gião são as seguintes:

REGIÃO Nº UBS

Centro-oeste 656Norte 701Sul 1.012Sudeste 2.506Nordeste 3.819

Estima-se a geração de mais de 100 mil empregos diretor e indiretos com a construção das UBS previstas no PAC 2, em pré--avaliação solicitada pelo DAB à Coordenação-Geral de Custos e Invest imentos em Saúde (CGCIS) , do Depar tamento de Economia da Saúde e Desenvolv imento/Secretar ia Executiva/Ministério da Saúde. Marcio Borsio, coordenador de Investimentos em Saúde, salien-ta, porém, que os dados são estimados, sendo necessárias maiores pesquisas em fontes

especializadas neste tipo de estudo.

saúde Bucal

As décadas de 70 e 80 fo-ram marcadas por intensos de-bates entre governo, universi-dade, movimentos sindicais e populares acerca da trágica si-tuação da saúde bucal dos bra-sileiros. Neste contexto, a SB foi discutida pela primeira vez na 7ª Conferência Nacional de Saúde, em 1980, além de ser tema prin-cipal de diversos eventos.

Seis anos após seu surgimen-to nos debates nacionais, a SB volta a aparecer na Conferência Nacional de Saúde, agora a 8ª, e tem sua primeira Conferência Nacional de Saúde Bucal. Já em 1989, é publicada a Portaria nº 613, que aprova a Política Nacional de Saúde Bucal – reo-rientada por meio do Programa Brasil Sorridente, em 2004.

Nos anos 90 trabalhou-se incansavelmente pela criação de uma infraestrutura básica da saúde bucal, que subsidia-ria um trabalho posterior e de prevenção, como a fluoretação da água para combate à cárie e a própria entrada da SB na Estratégia Saúde da Família – cujas primeiras equipes das mo-dalidades I e II foram implanta-das em 2001. Um ano depois haviam 3819 equipes da moda-lidade I implantadas em todo o Brasil e outras 442 equipes da modalidade II.

Em 2003, o Ministério da

“...o crescimento econômico

sentido a partir de 2003,

e a mudança nas formas

de financiamento não se

mostraram suficientes para

melhorar a infraestrutura

das Unidades Básicas de

Saúde (UBS)...”

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Saúde (MS) publicou o maior estudo já realizado de inquérito de saúde bucal – Levantamento Epidemiológico Nacional de Saúde Bucal, que produziu in-formações acerca das condi-ções de saúde bucal da popula-ção brasileira, a fim de subsidiar o planejamento e avaliação de ações nessa área nos diferentes níveis de gestão do SUS. Os re-sultados desse estudo mostra-ram que 13% dos adolescentes nunca haviam ido ao dentista, 20% da população brasileira já tinha perdido todos os dentes e 45% dos brasileiros não possu-íam acesso regular a escova de dente. Frente a essa realidade, criou-se, em março de 2004, o Programa Brasil Sorridente, que, em menos de 10 anos, transfor-mou a imagem do País. Com o aumento de 360% no número de eSB implantadas entre 2002 e maio de 2010 e equipes de Saúde Bucal (eSB) distribuídas por 4.767 municípios (85% do total nacional), o Brasil passou a integrar a lista de países com baixa prevalência de cáries (ver matéria na página 17).

nasF

2008 é o ano de novo reforço na Estratégia Saúde da Família. Com o intuito de apoiar a inser-ção da ESF na rede de serviços, ampliar a abrangência e o esco-po das ações da atenção primá-ria, e aumentar a resolutividade, reforçando os processos de ter-ritorialização e regionalização em saúde, foram criados e im-plantados os Núcleos de Apoio

à Saúde da Família (NASF). Eles têm característica multiprofis-sional e podem contar com a participação de 13 categorias profissionais distintas: psicó-

logo, fisioterapeuta, assistente social, educador físico, farma-cêutico, fonoaudiólogo, nutricio-nista, terapeuta ocupacional, gi-necologista, homeopata, pedia-tra, acupunturista e psiquiatra. Muito embora todas as catego-rias sejam de suma importância, destas, segundo Rosani Pagani, consultora do Departamento de Atenção Básica, são dos psicó-logos, nutricionistas e assisten-tes sociais as maiores presen-ças no NASF, porém os municí-pios fazem a opção de formação dos Núcleos conforme as neces-sidades da população.

Dividido em duas modali-dades de atuação, o NASF po-de apresentar a formação míni-ma de cinco categorias diferen-tes de profissionais vinculados a, pelo menos, oito equipes de Saúde da Família (e, no máxi-mo, 20) – NASF 1 – ou ser com-posto por, no mínimo, três pro-fissionais de formações distin-tas, vinculados a, no mínimo, três eSF – NASF 2. As normas

para implantação de equipes NASF podem ser consultadas na Portaria nº 154, de 2008.

Atuando por intermédio da troca de saberes com as equi-pes de Saúde da Família (eSF), uma das principais diretrizes dos NASF é a integralidade, que pode ser compreendida em três sentidos distintos: a abordagem integral do indivíduo com garan-tia de cuidado longitudinal, con-siderando o contexto social, fa-miliar e cultural; as práticas de saúde organizadas a partir da integração das ações de pro-moção, prevenção, reabilitação e cura; e a organização do sis-tema de saúde a fim de garantir

“...A implantação dos NASF

começou com apenas três

equipes, em abril de 2008,

e saltou para 395 no fim do

mesmo ano. Hoje, são 1.277

equipes – entre NASF 1 e

2 – apoiando outras 10.700

eSF, pelo menos...”

41

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42 Revista Brasileira Saúde da Família

o acesso às redes de atenção, conforme as necessidades da comunidade.

Foram estabelecidas as dire-trizes e princípios nacionais para o NASF (publicadas no Caderno de Atenção Básica nº 27) e, des-de maio de 2010, foram desen-volvidas oficinas para os 17 Estados prioritários no Pacto da Redução da Mortal idade Infantil, com o objetivo de qua-lificar as equipes NASF em rela-ção à atenção à saúde da ges-tante e da criança. Ao todo, já foram realizadas 44 oficinas em 13 Estados, com 1.794 partici-pantes, englobando 157 muni-cípios prioritários.

A implantação dos NASF co-meçou com apenas três equipes,

em abril de 2008, e saltou para 395 no fim do mesmo ano. Hoje, são 1.277 equipes – entre NASF 1 e 2 – apoiando outras 10.700 eSF, pelo menos. Número bem acima da expectativa inicial, con-siderando que os Núcleos exis-tem há apenas dois anos, que evidencia a aceitação do mo-delo por parte das Secretarias Municipais de Saúde.

Hoje, os NASF são tema de constantes debates entre dife-rentes profissionais de todos os cantos do Brasil. O trabalho do Ministério da Saúde (MS), jun-tamente com os parceiros e os conselhos das categorias profis-sionais, é incansável. Segundo Rosani, tamanha visibilidade se deve ao próprio objetivo pelo

qual os NASF foram criados, bem como ao espaço criado dentro do próprio MS de atua-ção junto a outros programas, como o DSTAIDS. “Acho que a visibilidade do NASF se deve a vários fatores. Por exemplo, a necessidade que a atenção pri-mária tem de ampliar as ações levando a questão da inserção de outras categorias profissio-nais. Também, devido ao forta-lecimento e à importância que a Saúde da Família vem obten-do dentro do sistema de saúde, pois demonstrou que, para além das ações que vêm sendo rea-lizadas, é preciso ampliar ainda mais a resolutividade dentro da APS, e o NASF vem para con-cretizar isso”.

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43

e a intersetorialidade?

Nesse meio tempo, enquan-to o MS avançava nas ações e difundia resultados positivos, outros ministérios também atu-avam no desenvolvimento de programas.

Percebendo que “uma ando-rinha só não faz verão” e que todas as ações, de certa forma, perpassam várias áreas para obterem resultados efetivos, as instituições uniram forças e de-senvolveram programas em co-mum, como o Programa Bolsa Família, implantado em 2003 pe-lo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (em parceria com o MS e o Ministério da Educação) e o Programa Saúde na Escola (PSE), cola-boração entre os Ministérios da Saúde e Educação. Outra ação realizada em articulação com outros órgãos federais é o trabalho com as Unidade Odontológicas Móveis, vans adaptadas que levam equipes de Saúde Bucal para o aten-dimento das populações dos Territórios de Cidadania, progra-ma coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário junto a comunidades rurais com difícil acesso aos serviços urbanos.

Bolsa Família e o pse

O programa Bolsa Família consiste na unificação de outros programas não contributivos, co-mo o Bolsa Alimentação, o Bolsa Escola, o Cartão Alimentação e o Auxílio-Gás, todos criados no

período de 2001 a 2003. É um mecanismo de transferência de renda cujos beneficiários são to-das as famílias com renda me-nor que R$ 140,00 per capita.

O Ministério da Saúde contri-bui no monitoramento do Bolsa Família, nas chamadas condi-cionalidades, que são o cum-primento dos cuidados básicos com a saúde, constituídas pelo atendimento ao calendário bá-sico de vacinação das crianças até sete anos e o acompanha-mento do seu crescimento, além do acompanhamento pré e pós--natal para gestantes e mães em período de amamentação.

“A condicionalidade, no caso da saúde, é para a mulher ges-tante e crianças até sete anos. No caso da educação, são crian-ças e adolescentes, em idade escolar. Se você olhar para o programa, é como se a saúde as acompanhasse até os se-te anos e a educação a partir desta idade, pois, geralmen-te, é quando entram na esco-la. Em termos de programa, co-mo um todo, você tem atenção

geral para a família. Em nenhum momento da vida ela está dei-xando de ser vista, pelo menos nos momentos críticos”, expli-

ca Kathleen Souza Oliveira, con-sultora da Coordenação Geral de Al imentação e Nutr ição, do Departamento de Atenção Básica (DAB).

Para ter uma pequena idéia do que o Bolsa Família pode ge-rar em um município, leia a re-portagem sobre o município de Maturéia (página 20), no sertão paraibano. O programa modifi-cou a realidade de vida de to-da a população do município e

“...No caso da educação, são

crianças e adolescentes, em

idade escolar. Se você olhar

para o programa, é como se

a saúde as acompanhasse

até os sete anos e a educação

a partir desta idade, pois,

geralmente, é quando

entram na escola...”

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44 Revista Brasileira Saúde da Família

incentivou a inclusão de outras ações, como a inserção do nu-tricionista nas duas equipes de Saúde da Família.

Já o Programa Saúde na Escola (PSE) é mais recen-te, de 2007, e está em vias de ter as ações ampliadas, confor-me informam Alexsandro Dias e Rosangela Franzese, consul-tores do DAB. “A parceria é fei-ta entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. É im-portante, no programa, o diálo-go intersetorial, que o ator im-portante ao contexto seja inse-rido no grupo, como é o caso dos Ministérios da Cultura, do Meio Ambiente, para que tam-bém possam aportar ações des-ses temas. Porém nossas equi-pes têm dado conta de abranger esses temas enquanto outros mi-nistérios ainda não participam do programa”, afirma Alexsandro.

Devido ao espaço tomado pe-lo PSE, possivelmente as metas

pactuadas de 2007 até 2010 não serão finalizadas com o término de 2010. “Ele foi lançado em 2007 e a meta era alcançar um núme-ro determinado de escolares e ações, mas estamos com ações

na rua, com ampliação de núme-ro de municípios”, diz Rosangela, para quem o programa não pode ser visto como ação pontual, pro-grama de governo.

Seu trabalho se dá sob a ótica da atenção integral (prevenção, promoção e atenção) à saúde de

crianças, adolescentes e jovens da rede básica de ensino públi-co e os territórios de responsa-bilidade são definidos conjunta-mente entre as escolas e as equi-pes de Saúde da Família.

O PSE também possui cri-térios. A adesão é gradativa e vem sendo organizada em torno do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e a porcentagem de cobertura de Saúde da Família (SF). Até ho-je foram publicadas três por-tarias de adesão: a primeira, em 2008, com o IDEB de 2,69 e 100% de cobertura de SF – os municípios deveriam aten-der a ambos os critérios; a se-gunda, em 2009, teve o IDEB em 3,1 e 70% de cobertura; e a terceira, em 2010, com o crité-rio de 4,5 do IDEB e novamen-te 70% de cobertura. Além dis-so, os municípios que integram o Programa Mais Educação – que prevê a educação integral

“...O PSE também possui

critérios. A adesão é

gradativa e vem sendo

organizada em torno do

Índice de Desenvolvimento

da Educação Básica (IDEB) e

a porcentagem de cobertura

de Saúde da Família (SF)...”

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EDUCAÇÃOPERMANENTE

45

com currículo diferenciado e ex-tensão da carga horária – tam-bém podem integrar o PSE se tiverem, pelo menos, uma equi-pe de SF implantada. Na última portaria, 1.913 municípios en-traram em processo de adesão.

Qualificação e educação permanente, umcapítulo à parte

Com a cobertura de mais de 50% da população brasilei-ra, um dos grandes desafios da Estratégia Saúde da Família (ESF) é, e continua sendo, a qua-lificação profissional. Para tanto, o Ministério da Saúde, por inter-médio da Secretaria da Gestão no Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES), disponibilizou programas como o Programa Nac iona l de Reo r i en tação d a F o r m a ç ã o P r o f i s s i o n a l em Saúde (Pró- Saúde) , o Telessaúde Brasil, o Programa de Educação pelo Trabalho

para a Saúde (PETSaúde), a Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UnA-SUS), além do Programa Nacional d e A p o i o à F o rm ação d e Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas e do Programa N a c i o n a l d e B o l s a s p a r a Residência Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde (Pró-Residências).

O PET-Saúde e Pró-Saúde são direcionados para a gradu-ação; o Pró-Residências para a pós-graduação; a UnA-SUS e o Telessaúde Brasil são fun-damentados na educação per-manente dos profissionais de saúde. Apesar das diferentes linhas de trabalho, os progra-mas estão focados no fortaleci-mento da qualificação do pro-fissional, integrando o proces-so ensino/serviço/comunidade.

O processo também inclui a educação profissional para os trabalhadores do SUS com escolar idade fundamental e

PromulgaçãoCF

1988

Criação SUS e Controle

Social

1990

Criaçãodo PACS

1991

Criaçãodo PSF

1994

NOB 01/96

1996

Portaria1882 (PAB)

1997

• Criação Sistema de

Informações Atenção Básica – SIAB/Datasus

• Iníciotransferências fundo a fundo

1998

média, que representam, apro-ximadamente, 60% dessa cate-goria. A oferta de programas e projetos de educação profis-sional técnica é uma resposta dos três níveis de gestão do SUS, responsáveis pela art i -culação entre a educação e os serviços de saúde, envolven-do também a Rede de Escolas Técnicas do SUS (RETSUS) na execução das ações. Dentro desse contexto, a SGTES pas-sou a implementar o Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde (Profaps), que prevê a real i-zação de cursos técnicos em áreas estratégicas, a lém de aperfeiçoamento na área de saúde do idoso para as equi-pes de Saúde da Família e a formação de agentes comuni-tários de saúde.

1988 1990 1991 1994 1996

Criação Pólos de Formação, Capacitação e Educação Permanente

em Saúde da Família

1997 1998

LinHa Do tempo – sUs / educação permanente

SUS

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SUS

46 Revista Brasileira Saúde da Família

o exemplo do Brasil

Há mais de uma década o Brasil tem aumentado o prota-gonismo na Atenção Primária à Saúde (APS), com os resulta-dos que vêm alcançando e o re-conhecimento que tem se ma-nifestado para além do territó-rio nacional – “(...) a Saúde da Família não conhece fronteiras”, como afirma Luis Pisco, médico de Família e Comunidade e ex--coordenador da Missão para os Cuidados Primários, de Portugal – país com o qual o Brasil man-tém constante troca de experi-ências em saúde.

A diretora do Departamento de Atenção Básica, Claunara Schilling, no entanto, reconhe-ce que a exigência pelo bom atendimento de saúde torna os brasileiros os maiores críticos do sistema em funcionamento e desenvolvimento. No entanto,

nossa experiência em APS serve como modelo para países como Paraguai, Peru e Angola, cujas diferentes situações de saúde requerem soluções semelhantes à Estratégia Saúde da Família.

Em 2007 e 2008, diante do sucesso da Estratégia Agentes Comunitários de Saúde (EACS), Angola decidiu-se pela implan-tação da Estratégia na capi-tal, Luanda, com a colabora-ção do Dr. Antônio Carlile Lavor (Fiocruz) e da assistente so-cial Miria Lavor. Em fevereiro de 2009, 491 agentes concluíram o curso de formação em educação comunitária e, até o fim do ano, três mil novos agentes estavam previstos para outras capacita-ções. Em 2010, a governadora de Luanda, Francisca do Espírito Santo, apontou a necessidade de se ampliar o projeto com a contratação de novos agentes, pois, nos últimos anos, houve

avanços significativos nos indi-cadores de saúde, na redução da mortalidade materna, no acesso à escola e, até mesmo, nas ques-tões de cidadania.

Nossos vizinhos sul-ame-ricanos Peru e Paraguai tam-bém estreitaram relações com o País. Ambos reestruturaram as redes de atenção primá-ria com base na nossa Política Nacional de Atenção Básica. Tivemos a oportunidade de co-nhecer o andamento dessas reformas no últ imo encontro da Rede Ibero-Americana de Saúde, que aconteceu na sede da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em Brasília, no mês agosto deste ano.

A Rede Ibero-Americana é patrocinada pelo Departamento de Atenção Básica/Ministério da Saúde em parceria com a OPAS e está em consonância com a Rede de Pesquisa em Atenção Primária

1ª ediçãoRevista Brasileira Saúde da Família

1999

• Criação Depto. de Atenção Básica

• Aprovação EC-29

2000

• Programa Saúde Bucal

• Política Nacional de Alimentação e

Nutrição

2001

PROESF I

2002 2003

Programa Brasil

Sorridente

2004

LinHa Do tempo – sUs / educação permanente

EDUCAÇÃOPERMANENTE

1999 2000 2001

Medicina Geral e Comunitária pas-sa a se chamar

Medicina de Família e Comunidade

2002 2003

Nova política de educação perma-nente para profis-sionais do SUS - Portaria nº 198

2004

• Extintos os Polos de Saúde da Família

• Criação Secretaria de Gestão do Trabalho e da

Educação na Saúde (SGTES)

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47

à Saúde, que reúne pesquisado-res, gestores e profissionais de saúde, em diferentes níveis de atuação, a fim de discutir os avan-ços e as dificuldades a serem su-peradas na atenção primária.

Com Portugal , a re lação vem desde a organização do 15 º Congresso Mundial da Associação Mundial de Médicos de Família (WONCA), em junho de 1998, na cidade de Dublin, Irlanda. A partir daí, a curiosi-dade no funcionamento da APS em cada país, como o próprio Dr. Pisco se refere, só cresce e em via de mão dupla.

O professor de Saúde Pública e de Atenção Primária à Saúde e diretor da London School of Hygiene and Tropical Medicine,

Andy Haines, é categórico ao afir-mar que o Brasil, possivelmente, é “o exemplo mais importante da rápida expansão de um progra-ma de cuidados primários em to-

do o mundo nos últimos 20 anos”.O professor Haines salienta

que é importante, contudo, que as conquistas alcançadas com

a Saúde da Família não sejam subestimadas, pois elas são re-ferência não só para o governo brasileiro, como também para os outros países.

“Agora, é um bom momento não só de olhar para trás e com-preender como a ESF foi capaz de prosperar e crescer, mas tam-bém de olhar para frente procu-rando desenvolver o pleno poten-cial”, afirma Haines.

Para Claunara Schilling Men-donça, diretora do Departamento de Atenção Básica e médica de Famíl ia e Comunidade, uma “atenção primária resolutiva é capaz de conduzir a sociedade na definição das necessidades e direitos, incorporando o concei-to de empoderamento e capital

Avaliaçãopara Melhoria

da Qualidade da Estratégia Saúde da Família (AMQ)

2005

• Pacto pela Saúde

• Regulamentação profissão ACS

• Política Nacional de Atenção Básica

• Política Nacional de Práticas

Integrativas e Complementares

ao SUS

2006 2007

Núcleos de Apoio à Saúde da

Família

2008 2009

Regulamentação:

• da atuação do microscopista

• das Unidades Odontológicas Móveis

• das Unidades Básicas de Saúde

Fluviais

2010

PROESF II

2005

Início Programa Telessaúde Brasil

2006 2007

• PET-Saúde

• Universidade Aberta do SUS (UnA-SUS)

• Prog. Formação Profissionais Nível Médio

para Saúde (Profaps)

2008 2009 2010

• Prog. Nacional Apoio Formação de Médicos Especialistas em Áreas

Estratégicas

• Prog. Nacional Bolsas Residência Multiprofissional Área Profissional da Saúde

(Pró-Residências)

“...Nossos vizinhos sul-

americanos Peru e Paraguai

também estreitaram

relações com o País. Ambos

reestruturaram as redes de

atenção primária com base

na nossa Política Nacional

de Atenção Básica...”

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48 Revista Brasileira Saúde da Família

social. Os cidadãos satisfeitos com os serviços que recebem defenderão o modelo público e aprovarão o financiamento ne-cessário para a manutenção da maior política brasileira de inclu-são social, o SUS, agora, mais do que nunca, orientado pela Saúde da Família”.

Se a comparação inicial com o big-bang pode ser mantida pa-ra a história da APS e atuação da Saúde da Família brasileira,

certamente esse momento de ex-plosão aconteceu entre 1988 e 1990. Não havia, antes, vácuo, mas necessidades não atendi-das, demanda reprimida, que encontraram vazão num sistema igualitário, com equidade, parti-cipação das diversas esferas go-vernamentais e com controle da sociedade. Universo que se cria pela formação de novas políticas, programas e serviços, tal como as galáxias foram sendo criadas,

ou os berços de formação de es-trelas tão observados atualmente e que dependem da presença de gases, velocidade, temperatura. No caso do SUS e da Estratégia Saúde da Família, essa expansão e contínua criação dependem dos homens e mulheres que formam a atual história da saúde nacional, com a presença mais atuante da sociedade, provocando reflexos e benefícios que não se restringem ao território brasileiro.

Inúmeras epidemias – varíola, tuberculo-se, febre amarela, hanseníase – assolavam o Brasil no início do século passado. A rápida di-fusão de notícias sobre a frágil condição sani-tária das praias brasileiras afastou os navios

imigrantes (italianos, alemães e portugueses de Açores), repletos de mão de obra que “em-branqueceria” a nação – cuja assistência mé-dica estaria disponível apenas nos hospitais fi-lantrópicos mantidos pela igreja.

Um pouquinho de uma movimentada história

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O medo da elite era de que, com a falta de saneamento, os imigrantes se recusassem a vir para o Brasil e houvesse escassez de trabalha-dores nos cafezais – que não podiam mais con-tar com o trabalho tipicamente escravo em vir-tude da mais nova lei aprovada no Congresso, a Lei Áurea. Existia a ilusão e a desinformação de que os cortiços e os pobres eram os res-ponsáveis pela disseminação das epidemias de varíola, cólera, hanseníase, entre outras.

O governo passou a movimentar-se para combater as epidemias e melhorar as condi-ções de saúde a fim de manter o interesse na emigração para o Brasil. As greves proletaria-das e as revoltas contra as imposições do go-verno (como a Revolta da Vacina, em 1904, em que o governo determinou como obrigatória a vacina contra a varíola, contra a vontade po-pular) também marcaram época.

1923 é um ano importante para a saúde pú-blica no Brasil. Diante das doenças e das pa-ral isações, Eloy Chaves, deputado paulista,

apresentou o Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 (a famosa Lei Eloy Chaves, considerada o marco da Previdência Social, ba-se do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS), que regulamenta as caixas de aposen-tadorias e pensões que serão financiadas pe-las empresas, trabalhadores e União. É a pri-meira vez que se fala em assistência médica para a população pobre trabalhadora no País.

Em seguida, o médico sanitarista Geraldo Horácio Paula Souza retorna de um curso na Universidade John Hopkins, os Estados Unidos, para a cidade de São Paulo e plan-ta a semente dos centros de saúde. Iniciativa que traria à luz a questão educativa e social na saúde em contraponto à violência e impo-sição do Estado, sendo as ações centradas na instituição social da família. Era o embrião da Atenção Primária à Saúde acontecendo em plena década de 1920.

Com salto temporal que passa pelas cam-panhas sanitárias de Oswaldo Cruz, pela era

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50 Revista Brasileira Saúde da Família

do ditador Getulio Vargas , chegamos a mea-dos da década de 40 e os centros de saúde do Dr. Paula Souza começaram a ser questiona-dos pelos médicos especialistas, influenciados pela visão americana hospitalocêntrica, levan-do o Brasil a adotar o mesmo modelo de aten-ção à saúde norte-americano.

Em 1953, agora como presidente, Getulio cria o Ministério da Saúde, alegando que o crescimento das ações de saúde em seu gover-no foi tão acentuado que exi-gia estrutura própria para for-talecer as ações de saúde pú-blica. À época, existiam várias correntes que divergiam em suas opiniões quanto à atua-ção médica na saúde pública. Pode-se dizer, basicamente, que havia os médicos espe-cialistas e os que crit icavam esse modelo. Vários estudio-sos e profissionais defendiam o modelo dos centros de saú-de, maior aproximação da me-dicina com as condições so-ciais do povo. Profissionais como o professor Samuel Pessoa, o Dr. Josué de Castro e o Dr. Mário Magalhães da Silveira, do Ministério da Saúde, propunham a criação de sistema de saúde público para todos em redes locais, com visão municipalista.

Avançando à década de 70, no auge da di-tadura militar, em algumas periferias grupos de mulheres, sanitaristas, estudantes e pessoas

das próprias comunidades discutem a questão da saúde. Nascem os Movimentos Populares de Saúde, centrados na forma de atenção pri-mária, ao buscar alternativa à assistência hos-pitalar, reivindicando, entre outros tópicos, a (re)criação de centros comunitários de saúde e conquistando cada vez mais adeptos.

Em setembro de 1978, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) organizam a primei-

ra Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, no Kazaquistão, que dá origem à famosa Declaração de Alma-Ata, que viria a fun-damentar todo o modelo de atenção primária brasileira. É, também, no mesmo ano cria-do o slogan “Saúde para to-dos no ano 2000”, enfatizando a Atenção Primária à Saúde, predominando-se à atenção hospitalar.

Na década seguinte, já sob governo civil, o movimento ci-

vil organizado obteve, pela primeira vez, parti-cipação na 8ª Conferência Nacional de Saúde, que resultou na criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, com vínculos no INAMPS (Previdência Social). O chamado “con-trole social” deu, ainda, subsídios para as con-quistas obtidas na Constituição Federal de 88. Entre as quais, a criação do SUS, e é aí que co-meça a história moderna da saúde brasileira.

“...os centros de saúde

do Dr. Paula Souza

começaram a ser

questionados pelos médicos

especialistas, influenciados

pela visão americana

hospitalocêntrica, levando

o Brasil a adotar o mesmo

modelo de atenção à saúde

norte-americano...”

mortaLiDaDe inFantiLNo primeiro parágrafo da página 30, da edição 26, referente à matéria de capa “Mortalidade infantil – A determina-ção por promover a vida no Brasil”, onde se lê: “‘As pesquisas mostram que a cada 10% de ampliação de cober-tura, reduz-se 4,6% a mortalidade infantil, independente de saneamento e escolaridade materna, fatores que mais influenciam nos óbitos neonatais’ diz por sua vez Natali Pimentel Minóia, consultora técnica do Departamento de Atenção Básica.”, LEIA-SE:

“’Uma avaliação de Macinko e outros autores, publicada em 2006, sobre o impacto da Estratégia Saúde da Família na mortalidade infantil no Brasil evidenciou que, no período de 1990-2002, a cada 10% de aumento da cobertura de Saúde da Família nos estados observa-se uma redução de 4,6% na mortalidade infantil, um impacto mais significativo do que outras intervenções, como a ampliação do acesso à água cuja redução é de 2,9% ou ampliação de leitos hospitalares, que é de 1,3%’, diz por sua vez Natali Pimentel Minóia, consultora técnica do Departamento de Atenção Básica ”.

E R R A T A

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Acordei tão cedo pela an-siedade que não sei nem se cheguei a dormir. Meu

marido, com o qual me casei ainda criança, aos 13 anos, es-taria muito feliz se aquela ferida na boca não o tivesse matado. Ainda sinto o cheiro do seu fu-mo de rolo entranhado na casa e, vendo a marca que seu cor-po fixou no colchão, penso que ele não foi embora e permane-ce invisível, dormindo ao meu la-do, preso a uma rotina que ele não conseguiu se desvencilhar – ou seria amor? Às vezes, sei lá, me bate uma ternura que pa-rece loucura; e, às vezes, tam-bém me vêm certas palavras que nem sequer sabia que conhecia. Porém hoje é um dia especial.

Aprumo o pequeno espelho de moldura laranja preso à pa-rede e passo as mãos no ca-belo. Sempre me achei uma velha com uma cara engraça-da. Começo a rir. A cara enru-gada, a boca sem dentes e o queixo tão próximo do nariz, que, se quiser, consigo tocar um no outro, deixam-me ainda

mais engraçada. Não consigo me controlar e o riso torna-se irrefreável. Cada vez o sorriso me traz mais alegria. Lembro-me do dentista. “Vou conseguir uma dentadura pra senhora, dona Bela, um sorriso brilhan-te como o seu não pode fal-tar dentes.” Só não ficava ver-melha porque os anos de ro-çado queimaram tanto minha pele que meu sangue parece que secou. “Mais bonito que o sorriso de uma criança, dona Bela, é o sorriso de um idoso.” Talvez se ele tivesse chegado alguns anos antes, o Amaro ainda estava comigo.

Acho que é mui to cedo. Parece que choveu à noite. Saio e dou uma olhada pela porta: o barro está molhado. Calço uma bota sete léguas com sola-do amarelo que ganhei do dono da quitanda, e vou para o lado de fora da casa passar o tempo. O céu está claro. Melhor, pois a chuva não impediria, mas atra-palharia. Vou à cacimba, pego um balde d’água e caminho pa-ra o lado da casa onde fica a

Maria Beladas Mercês*

Bruno Cézar Campos Farias Pereira**

PELO

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parede do meu quarto. Molho as mãos e começo a alisar o barro da parede. Em alguns lugares o barro seco estava solto. Pego o barro do chão molhado pela chuva e começo a fazer os re-paros. Hoje é sábado, será que eles vêm mesmo?

Lembro quando o médico chegou e Mazé, a agente de saú-de, veio até minha casa informar que o posto ia ter médico novo. “Ele chega amanhã, dona Bela, vai ser apresentado à comunida-de na associação, às duas ho-ras. Apareça por lá.” Também me lembro de seu rosto sereno na apresentação, parecia triste. Não falou nada, apenas ouvia o Armindo, presidente da associa-ção, dizer dos problemas da co-munidade. Em nenhum momen-to escondeu seu sorriso discre-to. Ainda hoje, após dois anos, não consigo imaginar seu rosto sem aquele sorriso que sempre me pareceu sincero.

Alguns dias depois, enquan-to fazia café na cozinha, escu-tei Mazé me chamando. “Dona Bela, trouxe o médico para lhe fazer uma visita.” Foi a primei-ra entre tantas. Ele sempre vi-nha. Às vezes sozinho, às ve-zes com Mazé, noutras trazia a doutora enfermeira. Gostava de vir pela manhã. Pedia para que eu não passasse o café antes de ele chegar, gostava de que-brar no pilão a semente tosta-da com açúcar. “Essas coisas a gente não encontra mais, dona Bela.” Conversava comigo, tira-va minha pressão e perguntava como eu me sentia. Começou a me contar sobre sua vida, sua

mulher e uma filha que perdeu ainda criança. “Às vezes, sinto como se o médico é quem se trata na consulta.”

O sol começa a aparecer, já consigo ver o riacho lá embai-xo no vale. Apesar de ter cho-vido, a água não está barrenta; um pouco escura, melhor pa-ra pescar. Lavo as mãos com água limpa da cacimba, pego uma banana e a enxada e vou descendo a encosta em dire-ção ao riacho. Começo a ca-var à procura de minhocas. O barro molhado facilita meu tra-balho. Para uma velha de 68 anos, até que tenho me saído bem. Mazé sempre me pede para caminhar, cuidar da casa

e tomar cuidado com o que eu como. As duas primeiras até que tenho feito, já a comida pa-ra mim é mais difícil. Gosto de tempero e adoro um charque. Tento compensar caminhando todos os dias e deixando a ca-sa sempre limpa. Ela diz que tenho que ser at iva: não sei muito o que significa, mas acho que tenho sido. Pego a meta-de de garrafa pet que sempre deixo encostada num ingazei-ro e coloco as minhocas dentro com um pouco de barro.

Volto para casa e vou até a cozinha. Esqueci onde colo-quei o saco com os grãos de

café. Procurando na memória o local onde o guardei ontem à noite, lembro de que não tomei os remédios. Meus remédios... Mazé deixa todos separados pa-ra mim. Ela me presenteou com duas caixinhas. Numa desenhou o sol; noutra, a lua. “Os remé-dios que a senhora tem que to-mar de manhã estão na caixi-nha com o sol, tome um de ca-da cor. Os que são para tomar à noite estão na caixinha da lua, basta tomar o branco.” Gosto da Mazé, ela cuida de mim mais do que meus filhos. Ela sempre guarda alguns na bolsa no ca-so de faltar a medicação no pos-to. “Guardo para os mais ido-sos, dona Bela.” Encho um copo com água do filtro de barro e to-mo meus comprimidos. Não me lembro onde deixei o café. Às vezes, esqueço-me das coisas. Abro a geladeira e encontro o saco com as compras de ontem. Dentro encontro o café e um pe-daço de charque. Acho melhor esconder a carne. “Comendo sal, dona Bela, a senhora sabe que não pode!”

Disseram que foi um tumor que levou o Amaro. Contei a história ao dentista e ele me dis-se que o fumo é traiçoeiro. “O cigarro é um amigo que um dia nos trai, dona Bela.” Perguntou se eu fumava, respondi que não. “Sempre que puder, ve-nha aqui, esse tempo ao lado de um fumante pode trazer al-gum problema.” Ensinou-me a examinar a boca. Não achei di-fícil. “Vão inaugurar uma clíni-ca de prótese, assim que esti-ver disponível, vou marcar para

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trata na consulta...”

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a senhora.” Quando tiver com meus dentes, vai ser melhor pa-ra comer uma carninha.

Coloco o café na frigideira e pego o açúcar. Deixo tudo sepa-rado sobre o fogão e saio nova-mente para organizar a tralha. Tenho uma armadilha para pe-gar piabas no quintal: basta o rio, o peixe e um pouco de fari-nha. Pego as piabas para usá--las como isca. Coloco-as ain-da vivas no anzol. Pego o cani-ço maior que o Amaro deixou e abandono na água esperando para ver o que acontece. Às ve-zes, bate uma traíra, um tucu-naré, já peguei até um camurim com mais de quilo. O sol já saiu por inteiro, não vai chover.

Vejo alguém vindo na estra-da, é a Anunciada, uma velhinha

do nosso grupo. Traz nas mãos uma sacola e a vara de pescar. “Bom dia, Bela.” “Bom dia, vou organizar o café, pode sentar aqui na sombra.” Enquanto ia falando, chegaram mais dois. Um viúvo que a Mazé vive pe-dindo para que eu case e seu vi-zinho, o Caetano. Os dois tam-bém trouxeram vara de pesca. “Vão sentando que vou passar o café.” Entro na casa e olho o re-lógio na parede. São quase sete da manhã. Ligo o fogo para tos-tar os grãos e coloco o açúcar. Quando ele derrete, derramo a

calda com o café no balcão pa-ra deixar esfriar. Alguém grita lá de fora. Da porta aberta, avisto a Carmencita e a dona Florinda, esposa do dono da quitanda. As duas vêm acompanhadas de um garoto com um carro de mão. Dentro, frutas: melancia, ma-mão, melão, duas pencas de ba-nana e algumas laranjas-cravo. Vou até o armário e pego uma toalha de mesa antiga que com-prei num bazar: uma pechincha. Volto até as duas e começamos a arrumar a mesa do quintal que dá para o riacho. Dona Florinda se dirige a mim. “Não sou mui-to de pescar.” “Vai aprender ho-je.” Será que eles vêm mesmo?

Organizo a mesa e volto para dentro da casa. Antes de entrar, escuto uma voz ainda distan-te. “Quem mata o café no pau sou eu, dona Bela.” São eles. Uma alegria acelera meu peito. Quando me volto, reconheço o doutor, a doutora enfermeira, o dentista, a Mazé e mais duas agentes. Cada um traz uma sa-cola com frutas, com exceção do doutor, que vem segurando as varas de pesca na mão. Hoje vai ser um dia feliz.

*4º lugar (júri técnico) no I Concurso de Contos Saúde da Família, realizado du-rante o 10º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade. **Bruno Cézar Campos Farias Pereira é dentista, gerente de Atenção Primária à Saúde e coordenador da Estratégia Saúde da Família em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco.

“... Às vezes, sinto como

se o médico é quem se

trata na consulta...”

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Para relatar a experiência da tenda do conto, faz-se necessário contar a sua

história e, este, sem nenhuma dúvida, é um momento no qual me entrego ao prazer de revi-sitar lugares, sons, palavras e imagens que vão surgindo e se somando na missão de puxar os

fios das lembranças para recom-por partes, cerzi-las como a reta-lhos coloridos à espera de trans-mutarem-se em algo que é deleite aos olhos e calor para a alma.

a unidade de saúde vista por fora, as casas olhadas por dentro...

Sob as intensas chuvas de maio de 2007, buscávamos nos domicílios do Panatis respostas para as questões que norteariam a pesquisa “Beirando a vida, dri-blando os problemas: estraté-gias de bem viver”: como aquelas famílias, vivendo em condições tão desfavoráveis, enfrentavam

Maria Jacqueline Abrantes Gadelha

Maria de Lourdes F. de Oliveira Freitas

ARTI

GO

“As chaves do futuro e de utopia estão escondidas, quem sabe, na memóriadas lutas, nas histórias dos simples, nas lembranças dos velhos”. Bosi, 2004

a história da tenda do conto

a arte e a cultura na produção de saúde

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os inúmeros problemas do coti-diano? Que lugar a ESF ocu-pava na vida dessas pessoas? Subíamos e descíamos as ruas com essas interrogações que se somavam a outras, desalinhada-mente, tais quais as pedras dos caminhos, o lixo levado pela cor-renteza das águas e as casas nas tortuosas ruas.

Os pés encharcados na água nos lembravam a todo instante de que caminhar para cruzar a porta em direção à saída da uni-dade de saúde transformara-se em árdua batalha. As inúmeras demandas provocam a sensação de que nada é capaz de modificar o cenário de dores, doenças e sin-tomas diversos. O dia na unidade começa com pedidos de ajuda, logo na porta de entrada. Na sala dos agentes de saúde, nos corre-dores, nas calçadas, sempre tem alguém com alguma demanda. É difícil chegar a algum lugar pre-determinado sem ser intercep-tado no percurso: exames, remé-dios, informações, vaga no pro-grama do leite, encaminhamen-tos para consultas especializadas e as mais diversas solicitações que requerem tempo, habilidade e atenção.

Comentávamos a passos inseguros que as pessoas voltam sempre com as mesmas queixas e nós seguimos nos apertando nos estreitos espaços da impo-tência, desestimulados, cansa-dos de tantos afazeres e da incô-moda sensação de que nada foi feito. Integralidade, equidade, acolhimento, escuta, palavras por meio das quais buscamos acertar

os passos no conturbado coti-diano do trabalho em saúde.

Conhecer os espaços e aden-trá-los constituiu-se num insti-gante percurso que exigia pas-sos lentos e cuidadosos. As diver-sas e surpreendentes formas de superação dos problemas rela-tadas, a disposição dos objetos, as imagens dos santos dependu-radas nas paredes, as fotografias de família, a panela sobre o fogão exalando o cheiro de comida, os olhares curiosos das crianças que nos cercavam, o aparelho de som cuidadosamente coberto, as roupas estendidas no varal e as vozes vindas da rua, aos poucos foram desencadeando uma inti-midade que, dissipando os estra-nhamentos iniciais, transformava--os em encontros.

À medida que colhíamos frag-mentos de histórias de vida das famílias do nosso estudo em seus domicílios, observávamos o quanto a escuta modificava nos-sos olhares. Ao término das entre-vistas, surpreendia-nos a grati-dão expressada, o carinho dis-pensado, os abraços espontâ-neos de despedida.

Certa vez, no retorno à uni-dade de saúde, a agente de saúde que me acompanhava

naquele dia se mostrou indignada com o próprio trabalho ao consta-tar que visitava aquela família há

dois anos e nunca lhe tinha sido revelado que na casa não existia banheiro.

As visitas domiciliares, mui-tas vezes, acompanham a lógica utilizada nos consultórios médi-cos e nos fluxos dos programas: a busca por hipertensos, diabéti-cos, idosos acamados, gestan-tes e crianças de forma compar-timentalizada, desconectada do todo.

As leituras, no decorrer do estudo, iam sendo compartilha-das com os agentes de saúde que me acompanhavam nes-sas andanças. Falamos sobre Lancetti (2006), sobre a poten-cialidade terapêutica do agente de saúde e as possíveis redes sociais que podem ser tecidas ali, no domicílio, “onde só a Rede Globo consegue entrar”; sobre a reflexão de Valla (2006) e Luz (2006) acerca do sofr imento difuso e da fragilidade social, a busca por cuidado e atenção, as tantas histórias que se escondem nas queixas.

A escuta dessas histórias seguia apontando-nos direções.

“... Conhecer os

espaços e adentrá-los

constituiu-se num

instigante percurso que

exigia passos lentos e

cuidadosos...”

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Percebíamos que uma diversi-dade de demandas sociais e afe-tivas presentes nos serviços de saúde é, muitas vezes, tradu-zida como doenças, constituindo um cenário onde prevalece a medicalização. A esse respeito, Valla (2006) afirma que as dife-rentes formas de sentir e perce-ber o mundo são reconstruídas a partir das experiências viven-ciadas registradas na memória e nos alertam que, embora cada pessoa possua o modo próprio de perceber e reagir às adversi-dades, é por meio da interação com os outros que o sujeito con-segue expressar as emoções e sentimentos.

A realidade das famílias se mostrava mais nítida ao mesmo tempo em que nos despíamos dos aparatos que delas nos distanciavam.

o vídeo como meio decompartilhar histórias...

Durante a reunião do grupo de hipertensos e diabéticos, pedimos que cada um falasse um pouco sobre si mesmo para que pudéssemos melhor intera-gir. Apesar de a grande maioria

demonst ra r es t ranhamento diante da proposta, uma das par-ticipantes do nosso estudo que ali estava disse que sua vida daria um bom filme. Marcamos uma fil-magem (artesanal) para a reunião posterior, selecionando aqueles que, espontaneamente, se dis-punham a participar do desafio.

O vídeo “Sobre anjos, borbo-letas e beija-flores: na aurora do envelhecer”, exibido no Dia Inter-nacional do Idoso com um grande número de atentos e empolga-dos expectadores, mostrava dona Maria (hoje falecida), com 92 anos, entoando uma canção de amor; seu Olívio, um poeta de 85 anos, contando sua histó-ria em versos; dona Rosário rela-tando sobre “a falta de um lugar para pousar” na sua difícil infân-cia, o enfrentamento das priva-ções vividas e suas superações, entre outras histórias.

Percebemos que tínhamos nas mãos algo que, de algum modo, se somava às tantas lei-turas e reflexões feitas anterior-mente, apontando para o início de algumas transformações referen-tes à adoção de práticas voltadas para a inclusão, a autonomia e o protagonismo dos sujeitos.

metodologia

a tenda do conto: um espaço aberto para a sua história.

Na entrada, o lampião simbo-liza os fachos de luz que surgem durante os percursos das cami-nhadas de Adélia; o porta-retra-tos sobre a mesa exibe a foto de família, lembrando a saudade descrita por Florbela; os discos de vinil trazem as canções de Sandra.

No o ra tó r i o , San ta R i t a de Cássia representa a fé de Severina no impossível; o rádio antigo remete-nos à história de Geraldo: quilômetros a pé para ouvir Luiz Gonzaga na casa do compadre Antonio, que, naquele tempo, era o único a ter um rádio nas redondezas. Tempo vivo cul-tivado também na memória de Dalva, que ensina às netas a arte de bordar transmitida pela mãe e nos conta como era Panatis no passado.

Na mala, lembranças do que foi guardado ou escondido, do não dito ou de todas as viagens, para longe ou para perto, idas e vindas ou idas sem retornos.

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A cadeira de balanço é pausa no cansaço; embala o corpo, acende a chama da memória e eleva o olhar para um espaço aberto no horizonte; faz do lugar alpendre ou calçada tranquila em que todos são conhecidos; um lugar sem portas onde a inti-midade sai de casa para namo-rar o mundo ao som de poesias e canções.

na simplicidade dos objetos, histórias guar-dadas dos sujeitos.

A casa, as ruas, o bairro, o passado, a unidade de saúde, partes de cada lugar foram tra-zidas para a tenda, assim como retalhos das histórias de vida dos trabalhadores de saúde.

A tenda do conto acontece mensalmente no Panatis e em Soledade I, unidade vizinha que se tornou parceira. Os agentes de saúde levam previamente os convites sempre orientando que os convidados devem levar algo que represente algum fato ou história vivida. Assim, um sim-ples convite já mobiliza a famí-lia em torno da procura desse objeto, algo que desencadeia diálogos acerca de experiên-cias passadas esquecidas ou não compartilhadas. Retalhos de diferentes cores e texturas, cada um a seu modo, seguem compondo a tenda do conto.

No aparelho de som, Patativa do Assaré nos convida a escu-tar: “Seu doutô, me dê licença pra minha história contar...” Tra-balhadores e usuários come-çam a arrumar a “tenda”, que

é, na verdade, a simulação de uma sala de estar à moda antiga montada no galpão da unidade de saúde. Uma mesa exibe foto-grafias antigas, poemas, cartas, caixas de madeira, vasos, livros e muitos outros objetos trazidos pelos usuários. Uma colcha de retalhos confeccionada pelos agentes comunitários de saúde conta fragmentos de suas histó-rias; os discos de vinil decoram as paredes da sala e, no centro deles, estão registradas algu-mas frases ditas – pérolas deli-cadamente colhidas nos encon-tros anteriores. As cadeiras são postas em roda, mas uma delas, à frente da mesa, seduz mais intensamente os convidados: uma cadeira de balanço cui-dadosamente coberta por uma manta que aquecerá os conta-dores de histórias daquele dia; aqueles que são narradores e autores de sua própria história.

Seu Olívio trouxe um livro: aos 48 anos, aprendeu a ler e, hoje, aos 86, está lançando o seu primeiro livro – sua vida con-tada em versos; dona Cleide pôs na mesa uma foto de quando fazia quimioterapia – relata que, graças aos amigos e ao sis-tema de saúde pública, venceu

o câncer de útero; Lúcia fala dos preconceitos e dificuldades que enfrenta por ter uma filha com síndrome de Down; dona Luzia trouxe uma cesta de vime. Na adolescência, enquanto as amigas se divertiam na praci-nha, ela saía de porta em porta com sua cesta de sonhos. A venda dos doces era a alter-nativa encontrada para ajudar sua mãe a “criar” os irmãos; seu Paulo trouxe as abotoaduras usadas no dia do casamento e declama um poema para a com-panheira, que se foi...

No final, avaliação do encon-tro e sugestões para o próximo. Entre abraços e aplausos nos despedimos ao som do violão, conscientes de que outra história está apenas começando.

Seguimos desfrutando as companhias. É Walter Benjamin quem nos diz que “quem escuta uma história está em compa-nhia do narrador”; nesse espaço aberto de contação de histó-rias, o investimento na saída do isolamento, a aposta no pro-tagonismo; na resistência da cultura popular, nas revelações que surgem no encontro entre gerações, na influência da gru-palidade sobre o indivíduo, na

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comunicação entre as sin-gu la r idades . A tenda do conto nos surpreende sem-pre. Impossível prever o que vai acontecer no decorrer de cada encontro. A construção é ali e agora – “trabalho vivo em ato”. Cada história traz consigo o poder de nos religar ao universo da alma humana.

As equipes da unidade de saúde do Panatis e de Sole-dade I, região norte de Natal, ini-ciaram esse trabalho nas reuni-ões com os idosos, mas, diante da presença de pessoas mais jovens, a tenda transformou-se em espaço aberto para todos e agora se faz itinerante visitando outras unidades do município e universidades.

Hoje, eu procuro ouvir de cada um. (Lucinava, aCs)

No início, para realizarmos a tenda, contávamos apenas com a ajuda de alguns agentes de

saúde. Posteriormente, o con-tato com a RHS foi provocando encantamento pela PNH, impul-sionou a construção da roda de conversa, estudos e reflexões, o que ocasionou uma participa-ção significativa da equipe. Atual-mente, muitas das histórias ouvi-das na tenda são levadas para as rodas de estudos e subsidiam as discussões dos textos lidos.

Considerações finais

Percebemos que a tenda do conto vem constituindo um dis-positivo junto aos trabalhadores que frequentemente se repor-tam às histórias das pessoas

denotando que há outra dinâ-mica no momento das visitas domiciliares e dos atendimentos na unidade; há uma tentativa de desvencilhar-se do que imobiliza, uma desaprendizagem que esti-mula a formulação de novos pro-blemas e oportunidades de saí-das dos espaços tradicionais.

Como novos retalhos na velha colcha, a produção de novas possibilidades, conexões, apro-ximações à cultura popular, à dinâmica familiar e às dificulda-des; um mergulho na geografia dos afetos, como nos descreve Rolnik (1999), ao mesmo tempo em que são inventadas pontes de linguagem para essa travessia.

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referências

BOSI, E. O tempo vivo da memória. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.LANCETTI, A. Clínica peripatética. São Paulo: Hucitec, 2006. (Saúde e Loucura, nº. 20).LUZ, M.T. Fragilidade social e busca de cuidado na sociedade civil de hoje. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Orgs.).Cuidado: as fronteiras da integralidade. Rio de Janeiro: ABRASCO, 2006. p. 9-20.ROLNIK, S. Cartografia sentimental. Transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação liber-dade, 1989.VALLA, V, V. A vida religiosa como estratégia das classes populares na América Latina de superação da situ-ação do impasse que marca suas vidas. In: VASCONCELOS, E. M. (Org.). A espiritualidade no trabalho em saúde. São Paulo: Hucitec, 2006.

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• Participe das capacitações promovidas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde;• Aplique os protocolos de manejo clínico de forma rápida e adequada. No site www.saude.gov.br/svs consulte a publicação

Diretrizes Nacionais para prevenção e controle de epidemias de Dengue;• Identifi que a doença precocemente;• Dedique atenção especial a idosos e crianças, que são mais vulneráveis à doença;• Notifi que os casos de dengue para as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde;• Oriente os pacientes sobre os sintomas e sinais de alerta;• Esclareça que a automedicação pode agravar o quadro.

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Manual de usode MarcaSaúde da Família

2009

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Homem em focoBrasil, Austrália e Irlanda foram pioneiros, no mundo, na decisão de criar políticas específicas para cuidar da saúde do homem. Afinal, os homens tendem a só procurar atendimento médico quando já exis-tem problemas e, em geral, em estágio avançado de evolução. Eles representam menos da metade da população (93,39 milhões contra 97,34 milhões de mulheres) e têm hábitos de vida menos saudáveis: são um terço a mais de fumantes, o dobro de não praticantes de qualquer atividade física e vivem, em média, entre sete e oito anos menos do que as mulheres. São, ainda, as maiores vítimas e respon-sáveis da violência e mortes no trânsito (82%) registradas, conforme dados do MS de 2006, no País.

Essas são informações suficientes para o assunto merecer a maté-ria principal do “Saúde com a gente”, que aborda o comportamento masculino frente á saúde. O encarte apresenta a entrevista com a ACS Maria Rodrigues Godinho, que atua na periferia de Goiânia (GO) e vive experiências interessantes junto à população, e a crô-nica “Aos pés do cajueiro”, de Osíris Reis, que aborda a experiência do ACS que se tornou secretário municipal de saúde.

Bom proveito!

Publicação do Ministério da Saúde - Ano XI - julho a dezembro de 2010 - ISSN 1518-2355

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Desde o nascimento, e em todas as faixas de idade, o homem é quem apresen-ta mais fragilidades e quem mais morre. Elas (as meni-nas), já na gestação, são maiores e têm desenvolvi-mento mais rápido e menos complicações e, até à adoles-cência, crescem mais rapida-mente do que os meninos, começam a falar mais cedo e têm melhor desempenho escolar. Esse desenvolvimen-to mais rápido foi uma arma da natureza para garantir a permanência da espécie,

pois mesmo quando geram nova vida, mais vulnerável, elas são mais resistentes.

No começo da idade adulta, em que os homens se tornam fisicamente mais fortes, é quando começam as mortes violentas (trânsito, homicídios) e, nesses casos, a maioria envolvida faz parte da população masculina. De cada cinco pessoas entre 20 e 30 anos que morrem, qua-tro são homens. Eles vivem em média 7,6 anos a menos que as mulheres, em todo o transcurso da vida. Apesar

de todas essas evidências, o homem considera a mulher o sexo frágil e, devido a esse pensamento errado e pre-conceituoso, é que eles são objeto da maior taxa de mor-talidade, seja na vida adulta, seja na terceira idade. As cau-sas para isso são alimentação inadequada, sedentarismo e, principalmente, não realiza-rem ações preventivas, como consultas regulares para ma-nutenção da saúde.

Mulheres, crianças e ido-sos são os que mais utilizam os serviços das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Os profissionais de saúde da atenção primária não estão acostumados a atender o pu-

O sexo FRÁGIL

Por: Tiago Souza

Foto: Radilson Carlos Gomes

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blico masculino, e o fazem de forma inadequada, o que acaba afastando de vez os homens da UBS. Entender a necessidade de realizar um atendimento diferencial é parte fundamental para me-lhorar a saúde do homem e, por consequência, da socie-dade. Existe uma falsa ideia de reduzirem os problemas de saúde do homem ao cân-cer de próstata, mas os mitos em torno da doença e da sua prevenção são abordados no Tome Nota. O importante é lembrar que, durante toda a vida, por razões diversas, eles apresentam taxa de morta-lidade maior do que a das mulheres, seja por fatores biológicos, sociais, seja por preconceitos, por isso toda a rede da atenção primária à saúde tem que estar prepa-rada para lidar com o verda-deiro sexo frágil... o homem.

Muitos problemas de saúde que são partilhados por homens e mulheres, tais como doenças cardiovascula-res e alguns tipos de câncer, tendem a afetá-los mais cedo na vida. Existem certas condi-ções que são exclusivas deles, e incluem-se aí os distúrbios da próstata (HPB, câncer), problemas testiculares e im-potência. Os homens tam-bém estão mais propensos a

lesões, acidentes no trânsito e ao suicídio. Em geral, há mais mortes prematuras do lado do sexo masculino.

Apesar dos desafios para a sua saúde, frequentemen-te divulgados pelos meios de comunicação, os homens tendem a ignorar sinais e sintomas, são menos propen-sos a visitar as UBS e podem ser especialmente relutantes em pedir ajuda quando vi-vem problemas emocionais.

Promoção e saúde

A mudança nos hábitos precisa acontecer em todos. Os profissionais da Estratégia Saúde da Família precisam se preparar melhor para aten-der o homem e promover a saúde dessa população. Pen-sar em um único modo para atender todo o Brasil é im-possível. A diferença na rea-lidade de cada comunidade exige adaptações e sensibili-dade do profissional. Alguns lugares ainda sofrem com a subnutrição, mas o País pre-cisa se preocupar, também, com a má alimentação. O ex-cesso de peso e a obesidade são constatados, com maior frequência, nas Regiões Sul e Sudeste, as de mais eleva-das faixas de renda. De acor-do com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a PNAD 2008, o excesso de peso e a obesidade nos ho-

“... De cada cinco pes-soas entre 20 e 30 anos

que morrem, quatro são homem. Eles vivem

em média 7,6 anos a menos que elas...”

“... Existem, por outro lado, certas condições

que são específicas do sexo masculino, e

incluem-se aí os distúr-bios da próstata, pro-blemas testiculares e

impotência...”

Política de Saúdepara o Homem

A maior vulnerabilidade do homem, em compara-ção com as mulheres, tem se mostrado mais evidente, devido ao maior número de mortes ao longo de todo o período de vida, que, ao fi-nal, é também mais curta em média de 7,6 anos. Para reverter o quadro, organizar uma rede de atenção à saú-de do homem, entre 20 e 59 anos, e qualificar os profis-sionais que nela vão traba-lhar o Ministério da Saúde instituiu, em 27 de agosto de 2009, por meio da portaria GM 1944, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH).

A Política é constituída por nove eixos: Implanta-ção; Promoção; Informação e comunicação; Participa-ção, relações institucionais e controle social; Implanta-ção e expansão do sistema de atenção; Qualificação de profissionais; Insumos, equi-pamentos e recursos huma-nos; Sistemas de informação; e Avaliação do projeto pilo-to. Para o Plano de Ações decorrente desses eixos da política, que tem o período 2009-2011 como referência, estão previstos R$ 613,2 mi-lhões.

Para ler a portaria aces-se o site do Ministério da Saúde pelo link abaixo: (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1944_27_08_2009.html).

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mens têm relação direta com a renda. As mulheres, inde-pendentemente da classe de renda e faixas de renda, têm os níveis de excesso de peso bastante parecidos.

O excesso de peso é maior nos homens entre 35 e 64 anos, com a tendência a di-minuir a partir dessa idade. Já entre as mulheres, o ganho foi notificado a partir dos 45 até os 74 anos. Evitar esse ex-cesso não é questão estética, e sim de saúde, uma vez que está relacionado a infartos, diabetes e maior incidência dos cânceres de próstata, esô-fago, pâncreas e intestino,

que na população masculina se manifestam mais cedo e com mais frequência.

A atenção integral à saú-de do homem passa também pelo planejamento familiar. O SUS disponibiliza gratui-tamente cirurgias como va-

sectomia (que interrompe a fertilidade masculina) nos casos indicados. É também de responsabilidade do ho-mem a decisão quanto a não ter mais filhos. A orientação para melhor atender a todos passa pela qualificação do agente em conseguir atrair quem ainda tem resistência a frequentar as Unidades Básicas de Saúde.

Causas externas

O número de mortes por causas violentas que aconte-cem todos os anos no Brasil equivale a uma guerra. No Vietnã, em 16 anos de guer-ra (1959-1975), morreram 46.370 soldados norte-ame-ricanos. O Brasil perde quase três vezes mais esse número de vidas a cada ano. As cha-madas causas externas – aci-dentes e violência – soma-ram 133.644 óbitos em 2008, que representaram 12% do total de 1.066.842 mortes ocorridas no Brasil.

Os homens são os princi-pais envolvidos e as princi-pais vítimas desses óbitos de causas externas. O número daqueles que perdem a vida é cinco vezes maior do que o

número de mulheres. O sexo masculino representou 83% do total de mortes em aci-dentes e homicídios do País que poderiam ser evitadas.

Segundo o IBGE, a espe-rança de vida do sexo mas-culino atingiu 70 anos em 2009, contra 77 anos das mu-lheres. A diferença é de sete anos a favor delas. Por conta da maior mortalidade dos homens e da maior longevi-dade das mulheres, existe a diferença na proporção de homens em diferentes fai-xas etárias. Até os 24 anos, a pirâmide populacional mostra um superávit de ho-mens. A partir dos 25 anos, passa a existir um superávit crescente de mulheres, e só após os 77 anos, em média, quando iniciam as mortes femininas, as masculinas ficam acima, para os sobre-viventes. O Censo 2010, do IBGE, indicou que, no ge-ral, existem quatro milhões a mais de mulheres do que homens no Brasil e, se elas estivessem reunidas em uma capital brasileira, formariam o terceiro maior município do País, após São Paulo (10,6 milhões/hab.) e Rio de Janei-ro (5,9 milhões/hab.).

“... O excesso de peso é maior nos homens en-tre 35 e 64 anos, sendo que tende a diminuir a partir dessa idade...”

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O profissional de saú-de que integra a equipe de Saúde da Família está mais próximo da comunidade e das pessoas, estimulando uma relação de confiança e gerando vínculo. Essa liga-ção proporciona um diálogo que inclui questões relativas à orientação sexual e iden-tidade de gênero com a fa-mília, na qual a confiança e o respeito mútuo são im-portantes para que esse pro-fissional possa entender as reais necessidades e especifi-cidades do segmento LGBTT.

A sigla LGBTT é a for-ma oficial para se referir aos cidadãos e cidadãs com orientação sexual e identi-dade de gênero diferentes da heterossexual. A nomen-clatura se refere às iniciais de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e trans-gêneros (LGBTT). Tratar essa população pela sigla não é discriminatório; esse é o ter-mo correto e utilizado pelos movimentos sociais que lu-

tam por direitos civis e so-ciais. A utilização do nome social - nome escolhido pelo usuário do SUS - está garan-tida em Portaria (1820/GM - Carta dos Direitos dos Usu-ários de Saúde, de 13/08/09) do Ministério da Saúde.

O tratamento correto a travestis e transexuais está previsto da seguinte forma: “Identificação pelo nome e sobrenome civil, devendo existir, em todo documen-to do usuário e usuária, um campo para registrar o nome social, independentemente do registro civil, sendo as-segurado o uso do nome de preferência, não podendo ser identificado por número, nome ou código da doença ou outras formas desrespei-tosas ou preconceituosas”. O tratamento à pessoa, por-tanto, será pelo nome esco-lhido.

Os profissionais de saúde devem estar atentos para o fato de que o preconceito e a discriminação aos gays,

Atendendoàs diferenças

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lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e ou transgê-neros ocorrem, na maioria das vezes, no interior das famílias. Os atos de violên-cia doméstica praticados pelos próprios familiares terminam, geralmente, na expulsão ou abandono des-ses membros. O rompimento dos laços familiares, por sua vez, pode levar a situações de vulnerabilidade social, abrindo alternativas para a prostituição, o uso abusi-vo de álcool e drogas, bem como o desenvolvimento de problemas de saúde mental como a depressão ou o suicí-dio, entre outros.

Considerando a orien-tação sexual e identidade de gênero, as equipes de Saúde da Família precisam estar atentas ao agrupamen-to dessas pessoas em novas configurações familiares. Por exemplo, as famílias homo-afetivas (pessoas do mesmo sexo) devem ser acolhidas

e abordadas da mesma for-ma como são abordadas as convencionais. Inclusive, ao realizar o cadastramento das famílias na ficha A, os pro-fissionais podem informar em um campo criado se o(a) usuário(a) se autodeclara lés-bica, gay, bissexual, travesti, transexual ou trangênero.

A disponibilização de in-formações confiáveis e segu-ras sobre o tema, desenvol-vendo práticas de educação e comunicação em saúde de maneira participativa, cria-tiva e inovadora, constitui uma das formas de comba-ter a discriminação e o pre-conceito contra o segmento LGBTT, envolvendo outros espaços institucionais e so-ciais, como associações de moradores, grupos de jovens e escolas.

Considerando que as equipes de Saúde da Família atuam em territórios dinâ-micos, as ações para promo-ver a equidade em saúde de LGBTT e seus direitos sexuais e reprodutivos transcendem aquelas realizadas nas uni-dades de saúde e ocupam o espaço coletivo existente. As ações devem ser articuladas e integradas com outras áre-as e práticas de saúde, além de outros setores do gover-no e da sociedade civil que atuam no território promo-vendo a saúde de todos.

“... a confiança e o respeito mútuo são

importantes para que esse profissional pos-sa entender as reais

necessidades e especi-ficidades do segmento

LGBTT...”

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Maria Rodrigues GodinhoMaria Rodrigues Godinho está em Goiânia há 20 anos e, nos últimos 17, mora no Bairro Jardim Conquista, situado no distrito sanitário leste da capital. Nesse local é que construiu sua vida, criando os dois fil-hos – Thatielli, 21, e Thallisson, 12 – e se dedicando a ações comunitárias e aos trabalhos da Pastoral da Criança, entre outros da Igreja Católica, na qual participa como leiga.

Essa mineira, nascida em São José de Safira, há 45 anos, gosta de viajar, mas só o faz quando o bolso permite. Gosta de dançar e quando pode se diverte em bailes da região. Gosta, principalmente, de estar com pessoas cheias de esperança que buscam dias mel-hores, fator que a fez decidir a se candidatar e ser efe-tivada como agente comunitária de saúde, em 2001.

Maria Godinho trabalha na UBS Dom Fernando II, situada no Jardim Dom Fernando II, setor leste de Goiânia, a sete minutos de caminhada de sua residência, e atua junto a 151 famílias da área, em média. Para ela, cada um deve construir a própria biografia pensando não apenas em si, mas também no próximo. Conheça um pouco mais da ACS na en-trevista ao “Saúde com a gente”, abaixo.

RBSF: Por que escolheu essa profissão? Em algum momento se arrependeu?Maria Godinho: Escolhi essa profissão porque me identifico com trabalhos comunitários, além de aprender muito com o que faço. Nunca me arrependi.

RBSF: Você considera a Estratégia Saúde da Família importante? Por quê?Maria Godinho: Sim, eu a considero muita importante. É

por meio dela que a comuni-dade é mais bem assistida, pois proporciona melhor qualidade de vida para os beneficiados e promove uma integração maior entre a população e as ações de saúde que desenvolvemos. A UBS Dom Fernando II é uma unidade-escola, então nós contamos, além da equipe de Saúde da Família, com profis-sionais e estagiários da Univer-sidade Federal de Goiás (médi-co, odontólogo, nutricionista)

e da Universidade Católica (fi-sioterapeuta), que garantem melhor atendimento. E, a partir do próximo ano, vamos contar com uma equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família.

RBSF: Quais as vantagens – para a comunidade – em ter um ACS que vai até a casa da população?Maria Godinho: Como ACS, considero esse trabalho funda-mental, pois traz como vanta-

Por: Fernando Ladeira

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gens alguém que passa infor-mações e orientações de saúde, e que é também um referencial para as famílias onde atua. Acompanhamos alguns dos pacientes em caminhadas, fa-zemos a pesagem de crianças, ajudamos aqueles que precisam controlar melhor o uso de me-dicamentos, orientamos ado-lescentes, e não há mais casos de idas à emergência devido a diarreias. Também houve boa redução no fluxo para as emer-gências de hospitais. Nas áreas descobertas, que não têm aten-dimento da Saúde da Família, a população reclama e cobra a presença dos ACS.

RBSF: Dê exemplos do que você já aprendeu com a comunidade.Maria Godinho: Tenho aprendido muito e tido muitas oportunidades de crescimento pessoal com a comunidade. Muitas vezes me vejo em si-tuações delicadas, de difíceis soluções, e a comunidade me transmite força, coragem, so-lidariedade e, o principal en-quanto ACS, companheirismo.

RBSF: É difícil ser ACS? Por quê? Maria Godinho: Em alguns momentos. Isso porque ser um ACS durante oito horas, uma jornada de trabalho, se-ria até fácil, mas, para ser o tempo todo, fica mais com-plicado, levando-se em conta que o agente de saúde tem que estar bem física e psico-logicamente, enfim, de bem com a vida para lidar com a população. As maiores dificul-dades são o baixo salário (sa-lário mínimo) e a precarieda-de de material adequado para desenvolvimento das tarefas.

RBSF: Para você, quais os principais desafios da profissão? Por quê? Maria Godinho: Para mim são o atendimento à necessidade de qualificação de profissionais com o perfil adequado à ESF, a necessidade de estar mais pre-parado para visitar dependen-tes químicos e outros pacientes com alguns tipos de síndromes e para orientar os adolescentes para resistir ao avanço das dro-gas. Além disso, há os casos dos idosos, que precisam de acompanhamento por viverem abandonados e isolados pela família, e a burocracia que existe para ajudar a resolver alguns problemas que consta-tamos nas famílias.

RBSF: Conte-nos alguma curiosidade que aconteceu no exercício da sua profissão. Maria Godinho: Em 2001, no início do meu trabalho como ACS, conheci a família do se-nhor Antônio. De acordo com sua esposa, ele sempre dormia no mato, pois tinha muito medo de dormir em casa. Isso me cha-

mou a atenção e, preocupada, busquei ajuda na equipe. O mé-dico e a enfermeira o visitaram e eles o encaminharam ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Em consequência do tratamen-to, sempre acompanhado e com apoio de sua esposa, foi levan-tando a autoestima, venceu o medo que tinha, conseguiu emprego, e sua esposa também começou a trabalhar. Enfim, hoje o senhor Antonio acredi-ta e confia no trabalho do ACS e também na equipe de Saú-de da Família, pois foi graças a essa integração que ele vive uma vida normal com a família em seu lar, embora humilde.

RBSF: Algum fato emocionante? Descreva...Maria Godinho: Fazendo as vi-sitas domiciliares a uma família, comecei a observar que uma adolescente que morava com os tios idosos sempre quando me via chegar se escondia no quarto. Em uma das vezes, a tia me pediu ajuda, dizendo que a adolescen-te estava com verme. Ao vê-la, fiquei atordoada, emocionada, nem mesmo sabia que sentimen-tos eu tinha, apenas que preci-sava ajudá-la, pois vi que tinha corpo e mente de criança. Pedi ajuda à medica, e constatou-se que aquela menina, que pare-

”... Acompanhamos alguns dos pacientes em

caminhadas, fazemos a pesagem de crianças, ajudamos aqueles que

precisam controlar melhor o uso de medicamentos,

orientamos adolescentes, e não há mais casos de idas

à emergência devido a diarreias....”

“...a necessidade de estar mais

preparado para visitar dependentes químicos

e outros pacientes com alguns tipos de

síndromes e para orientar os adolescentes para resistir ao avanço

das drogas....”

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cia tão frágil, gerava uma nova vida e até já se podia ouvir os batimentos cardíacos. Não se sa-bia quem era o pai, mas ela era ameaçada pelo tio e dizia que era um colega da escola. A médica que iniciou o atendimento enca-minhou o caso aos órgãos com-

petentes, e o Conselho Tutelar a acompanhou até o nascimento da criança. Como resultado da investigação realizada, o tio, au-tor do crime, ficou preso por três anos, mas já foi solto e convive com a filha em casa. A adoles-cente constituiu outra família.

RBSF: Faça uma breve comparação da comunidade antes e depois da ESF.Maria Godinho: A comuni-dade antes tinha vida precária, com muitas doenças causadas pela falta de higiene e limpeza, desemprego e casos de depres-são. Depois da ESF, a qualidade de vida melhorou e, com a mu-dança de hábitos, houve me-lhoria da higiene, limpeza e ali-mentação. Consequentemente, surgem menos doenças, em geral, e participação ativa nas ações que a envolvem.

RBSF: Dê exemplo de uma rotina fundamental para o exercício da sua profissão (algo que você nunca pode esquecer, pois faz muita falta).Maria Godinho: Algo que para mim é fundamental é a visita domiciliar. Em especial, o que não esqueço e me faz falta é visitar os idosos que necessitam de mais atenção, aqueles que não conseguem separar a própria medicação, como é o caso dos hipertensos, dos diabéticos e dos que usam psicotrópicos. Principalmente os que moram sozinhos e não são alfabetizados. Daí a impor-tância do ACS, que deve estar atento ao que acontece na sua microárea de abrangência, pois as pessoas querem ter saúde e isso é um direito de todos.

RBSF: O que você julga fundamental para o sucesso de uma equipe de Saúde da Família?Maria Godinho: Diálogo, inte-gração de todos, ou seja, falar a mesma linguagem, ter respeito mútuo e união. Isso permite que

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haja liberdade entre os membros para acionar a equipe para aten-der a qualquer caso sempre que tiver necessidade.

RBSF: O que você acha que a comunidade atendida julga fundamental para a melhoria da saúde?Maria Godinho: A comuni-dade aqui reivindicou e conse-guiu, até na frente de outras localidades, a reforma da UBS, mas eu acho que precisam bri-gar mais pelo que consideram importante. Percebo, às vezes, que eles participam das confe-rências municipais de saúde e já acham que estão resolvidos os problemas, quando ainda

precisam continuar lutando por essas soluções.

RBSF: Qual é o maior desafio da profissão?Maria Godinho: Buscar condi-ções para melhorar a qualidade de vida dos ACS, para que pos-sam exercer melhor as atividades profissionais.

RBSF: Mande seu recado para os ACS leitores da Revista Brasileira Saúde da Família.Maria Godinho: Para ser feliz no que se faz, não olhe só para trás, mas para o futuro, com muita esperança, como a encon-trada no olhar de uma criança.

“... Como resultado da investigação realizada, o tio, autor do crime, ficou preso por três anos, mas

já foi solto e convive com a filha em casa. A adolescente constituiu

outra família...”

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TomeNota

OS MITOS DA PRÓSTATA

Próstata

O que é A próstata é uma glândula que se localiza

próxima, exclusivamente, à uretra masculina. Está presente somente nos homens e possui a função de produzir um líquido que se mistura aos espermatozoides, produzidos nos testícu-los, e também a outro líquido que vem das vesículas seminais, para formar o sêmen.

Inflamação Não é incomum a ocorrência de inflama-

ção na próstata, que pode ser aguda ou crô-nica. Nesse quadro, os principais sintomas são mal-estar e descarga uretral.

Alterações A alteração mais frequente que ocorre

na próstata é o aumento crônico de tama-nho (hipertrofia). Esse quadro ocorre mais comumente nos últimos anos de vida e vem acompanhado de dificuldade para urinar e re-tenção de urina. Nos quadros mais graves, é necessário extraí-la por meio de procedimen-to cirúrgico.

CâncerUm problema que pode ocorrer, principal-

mente, nos homens de idade mais avançada é o câncer de próstata. Na maioria das vezes não é agressivo, e o tratamento não invasivo, mas requer cuidados, pois se agressivo pode levar a óbito.

Atender a população masculina repre-senta, hoje, um dos maiores desafios para toda a rede de Atenção Primária à Saúde no Brasil. Os homens têm menor expectati-va de vida, são os que menos procuram as Unidades Básicas de Saúde, devido a hábitos sociais e culturais, e têm mais resistência ao contato com os agentes de saúde. A mani-festação mais evidente dessa resistência, ou reticência, está representada no famoso “exame de toque” da próstata, usado para a detecção de problemas na glândula, mas que é motivo de piadas ou de temor pelo que seriam os maiores beneficiados com um bom diagnóstico, os homens acima de 50 anos de idade. A rede da atenção primária precisa estar preparada para mudar essa re-alidade e saber que o contato com a popu-lação masculina precisa ser diferente, para evitar que os homens se afastem mais ainda da prevenção e manutenção da saúde.

Normalmente nas unidades de saúde, o grande público são as mulheres, crianças e idosos. Há, hoje, tendência a reduzir a saú-de do homem a problemas relacionados à próstata e à potência sexual, mas os dois maiores “vilões” da saúde do gênero Mascu-

lino continuam sendo as mortes por proble-mas cardiovasculares e por causas externas, como violência e acidentes. “As campanhas de prevenção são, normalmente, dirigidas a mulheres. A do câncer de mama virou até marca. Acho que precisa, agora, campanhas

direcionadas aos principais problemas do homem”, acredita Walter Costa, 39, médi-co de Família e Comunidade paraense que atende na UBS do Parque Arariba, no Bairro Campo Limpo, em São Paulo.

Além da resistência natural por se con-siderar “o sexo forte”, a saúde do homem ainda é cercada por desinformação e, quan-do procuram o serviço de saúde, muitas ve-zes, os pacientes chegam com informações

“... A manifestação mais evidente dessa

resistência, ou reticên-cia, está representada no famoso ‘exame de toque” da próstata...”

Por: Tiago Souza

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erradas ou pedem exames desnecessários. “A questão da próstata é cercada de mitos e, socialmente, é tratada como piada, mas é um assunto sério que deve ser discutido seriamente. As UBS têm que fazer grupos educativos da saúde do homem”, defende Walter, que, no dia a dia, lida com a reali-dade de que o que mais mata não é a prós-tata. Os grupos de discussão propostos são para ampliar o cuidado com a saúde como um todo e exercitar nos ho-mens a atenção aos sinais do corpo.

Outra realidade enfren-tada são pessoas que pro-curam as unidades de saúde para solicitar teste sanguíneo como alternativo ao exame de toque. O teste de antígeno prostático es-pecífico (PSA, na sigla em inglês) ainda não tem evidência suficiente para ser realizado como teste de rastreamento, para homens assintomáticos acima de 50 anos. Entre ou-tros problemas, o teste apresenta alta taxa de falso-positivo, superior a 2/3. Se o PSA

está alto, sugere doença prostática, e não, necessariamente, câncer de próstata. Além disso, o teste de PSA não vai, por si só, distin-guir entre tumores agressivos que estejam em fase inicial (e que se desenvolverão rapi-damente) e aqueles que não são agressivos. A realização ou não do exame de toque e/ou do PSA deve ser decidida individualmente,

de acordo com a história e as queixas de cada paciente e de forma compartilhada entre ele e o médico.

Nenhum país do mundo indica exames de rotina na próstata para quem não tem sintoma, é uma preocupação

que pode ser evitada e transferida para os problemas que mais atingem a população masculina. Exercício, alimentação adequada e monitoramento dos níveis de açúcar e gor-dura do organismo são maneiras mais efi-cientes e com resultados diretos na saúde. O Ministério da Saúde brasileiro, baseado nas principais pesquisas realizadas no mundo, faz parte dos países que não recomendam

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Sintomas de problemas na próstata:1. Jato urinário enfraquecido.2. Dificuldade para iniciar o jato.3. Alteração da frequência miccional.4. Urgência (dificuldade para retardar/prender a urina).5. Frequentemente acordar à noite para urinar.6. Jato urinário intermitente (para e recomeça).7. Sangue na urina.8. Dor e queimação para urinar

Obs.: o crescimento benigno da próstata é a causa, na maioria das vezes, para a dificuldade de urinar.

Hiperplasia benigna da próstata (HPB)O aumento de uma próstata saudável acontece de forma lenta e gradativa. Ao crescer muito, a glândula comprime a uretra - canal por onde sai a urina e o esperma - causando a obstrução do jato de urina. O resultado é que a bexiga precisa aumentar o esforço para urinar. A evolução da doença, hiperplasia benigna da próstata, pode causar forte retenção urinária e a perda de urina à noite. Às vezes, acontece retenção urinária importante, e pode ser necessário esvaziar a bexiga com sondas. Podem também decorrer do aumento prostático complicações como pedras na bexiga, infecções urinárias, piora da função renal e perda de sangue pela urina.

A HPB: 1. Não pode ser prevenida e é comum aos homens com mais de 50 anos; 2. Não é câncer; 3. Pode não apresentar sintomas; 4. Pode causar problemas urinários; 5. Pode ocorrer HPB e câncer ao mesmo tempo.

Mais da metade dos homens com mais de 60 anos tem HPB e, aos 80 anos, 80% apresentam a doença. Pouco menos da metade dos homens com HPB apresenta algum sintoma da doença.

“... A questão da prósta-ta é cercada de mitos e, socialmente, é tratada como piada, mas é um

assunto sério...”

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Taxas de mortalidade por câncer de Próstata, brutas e ajustadas por idade, pelas populações mundial e brasileira, por 100.000 homens, Brasil, entre 1979 e 2006.

ANO TAXA PADRÃO ANO TAXA PADRÃO

1979 6,31 1993 8,69

1980 6,63 1994 9,71

1981 6,93 1995 10,08

1982 6,71 1996 9,74

1983 6,9 1997 10,59

1984 7,01 1998 11,28

1985 6,98 1999 11,3

1986 6,97 2000 10,18

1987 7,13 2001 10,8

1988 7,36 2002 11,16

1989 7,62 2003 11,83

1990 7,82 2004 12,52

1991 7,87 2005 13,06

1992 7,97 2006 13,93Fonte: Inca

o exame de próstata periodicamente. É im-portante ficar atento aos sintomas e ao fato de a próstata ser mais um mito que realida-de. Existem ainda fatores genéticos, étnicos e de hábitos alimentares que influenciam na ocorrência do câncer de próstata, o que impede que se crie um padrão. Por isso a importância de ficar atento aos sintomas e ver que a saúde do homem é mais do que apenas a próstata.

A saúde do homem passa, principalmen-te, pela melhoria da qualidade de vida e não se restringe somente à próstata. Comer menos gordura, por exemplo, diminui as chances de infarto, que é a principal causa de morte nos homens brasileiros. Ir, regu-larmente, à Unidade Básica de Saúde e ficar atento a sintomas de doença são maneiras de viver mais e melhor. O preconceito preci-sa acabar e a educação e o vínculo são uma das formas de se conseguir uma sociedade mais saudável.

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CrônicaSaúdeda Aos pés do cajueiro

Paulo Sérgio nasceu em 1972, no que hoje é a zona rural de Maturéia, Paraíba, a 330 km de João Pessoa. Até aí, nada de muito diferente das outras histórias já lidas em revistas. Contudo, acrescente o pai, agricultor e analfabeto. A mãe, semialfabetizada e ne-gra. A pobreza, a casa de taipa, feita em paus e barro. Sonhos da infância... Viajar? Ser mé-dico? Ganhar uma bicicleta? Ser jogador de futebol? Não.

Alimentar-se. Comer direito.Não, esta não é uma histó-

ria comum. Principalmente se soubermos que esse menino, muitos anos depois, tornou-se agente comunitário de saúde e, após dez anos, secretário de saúde do município.

Voltemos à infância. Não era porque o sertão da Paraí-ba, sem eletricidade nem TV, restringia os sonhos que ele não se divertia. Como boa par-te dos meninos brasileiros, ele jogava bola num campinho de

terra. Tinha três irmãos, duas mulheres e um homem. Todos aprenderam a ler e escrever. Concluíram na escola rural o que hoje seria o quinto ano. Porém a mãe queria mais: insis-tiu que continuassem os estu-dos, mesmo que tivessem que ir à cidade todos os dias.

Assim, por volta de 1984, Paulo Sérgio passou a estudar numa escola pública em Teixei-ra, já que na época Maturéia era apenas um distrito. E foi isso que abriu os horizontes desse menino. Além do estudo em si, havia a igreja, com as pastorais, encontros em outras cidades e movimentos sociais. Com os pais, militantes sim-ples desses movimentos, ele já aprendia a gostar de trabalhar com a comunidade. Aprendia o gostinho de ver sua gente humilde construindo a própria vida, a própria história, o bem comum e a cidadania. Tanto que, aos 18 anos, ele presi-dia, no próprio sítio, uma as-sociação de 65 agricultores e agricultoras. Uma vez por mês, aos domingos, sentavam-se ao redor de um cajueiro em seus banquinhos de pau. Discutiam as péssimas estradas, a falta de eletricidade, encaminha-vam abaixo-assinados para a companhia elétrica estadual e tratavam dos problemas da co-munidade.

Em 1991, o pessoal da

Emater de Teixeira foi numa das reuniões e disse que seria feito um concurso para agente comunitário de saúde, “alguém que cuida da comunidade, da saúde do povo”. Colocaram cartazes, estimularam que as pessoas se inscrevessem, e foi isso que Paulo fez. Prestou o concurso, uma prova simples, e passou. Sem ter ainda uma di-mensão do trabalho dos ACS. Até então, quando pensava em melhorias e conquistas para a comunidade, pensava em água, luz, estrada etc. Nunca em saúde.

O treinamento como agen-te comunitário é que trouxe esse novo paradigma. Para isso, ele e os outros aprovados passaram 15 dias em Teixeira. Ele se lembra da experiente en-fermeira, que até hoje é muito sua amiga, começar a questio-nar o grupo: “Do que o povo adoece? Do que o povo mor-re?”. Perguntas simples, mas poderosas, que abriram novas percepções, mapeando as mi-crorregiões.

O trabalho de ACS, em si, era um desafio. Ele tinha 178 famílias, num raio de mais de 20 km. Tudo a pé, já que ha-via áreas da microrregião onde carros não conseguiam (e até hoje não conseguem) chegar. Mais difícil ainda era entrar no terreno dos costumes da comu-nidade e quebrar até a timidez

Osíris Reis*

”... o pai, agricultor e analfabeto. A mãe, semialfabetizada e negra. A pobreza, a

casa de taipa, feita em paus e barro. Sonhos da

infância...”

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interna. Como é que um rapaz tão jovem perguntaria a uma mulher: “A senhora menstruou quando?”. Timidez à parte, numa comunidade com tão pouca informação, em pleno surto de cólera, abraçou a res-ponsabilidade de ensinar sobre higiene, uso de camisinha, pla-nejamento familiar etc.

Durante dez anos, foi agen-te comunitário de saúde. Era gratificante encaminhar ges-tantes para o pré-natal, con-quistar as pessoas no dia a dia, vê-las abrindo as portas das casas para contar sobre seus desafios, seus filhos, suas famí-lias. Foi uma satisfação ver que participavam mais e mais das decisões da comunidade, com seu jeito simples, sem decisões vindas de cima. E o principal, crescer com eles, aprender com eles.

Ele também cresceu muito nas reuniões semanais com os outros agentes, em que avalia-

vam o trabalho feito e apren-diam coisas novas. Sem falar dos congressos de saúde que participou na Paraíba, Mara-nhão e em vários outros Esta-dos do Brasil. Todavia, a vida não era só trabalho: apesar das longas caminhadas entre um domicílio e outro, como agente de saúde, em meio ao matagal, as “peladas” de sexta à tarde e de domingo eram sagradas. Na verdade, ele estava presen-te em todas as atividades da comunidade: futebol, missas, novenas e mutirões.

Em 1995, Maturéia eman-cipou-se e, em 1996, vieram as eleições para prefeito. A pri-meira administração, em 1997, foi desastrosa para a saúde. Ao final da gestão, em 2000, os salários estavam atrasados nove meses, a farmácia quase sem medicamentos e o Progra-ma Saúde da Família desativa-do há cinco meses. Não havia médicos nem enfermeiros, e a

Unidade Básica de Saúde, ape-sar de ainda ter expediente, pouco ou nada podia fazer pela população.

O novo prefeito chamou Paulo, em 2001, para assumir a Secretaria de Saúde do mu-nicípio. Que choque! Passar de ACS, que zelava pela saúde de 178 famílias, para secretário municipal, trabalhando pela saúde, na época, de todos os mais de cinco mil habitantes. Tanto que, para o primeiro dia de trabalho como secretário, Paulo Sérgio Rodolfo do Nas-cimento pediu que três amigos lhe dessem “apoio moral” ao abrir a Secretaria.

Não sabia nem por onde co-meçar, apenas sentia a profun-da responsabilidade diante da-quele caos. A grande pergunta era: “Qual a primeira iniciativa? Qual a primeira estratégia?” A primeira providência foi uma reunião com todos os funcio-nários, levantando necessida-des e, principalmente, buscan-do a reativação das equipes de Saúde da Família. O pedido foi direto e sincero: que voltassem a atender a população em tro-

ca do compromisso de, mesmo sem saber exatamente como, pagar o salário ao fim do mês. E, a partir daí, novas metas fo-ram traçadas: a reativação da farmácia, a obtenção de cloro

“... aos 18 anos, ele presidia, no próprio sítio, uma associação de 65 agricultores e

agricultoras. Uma vez por mês, aos domingos, sentavam-se ao redor

de um cajueiro em seus banquinhos de pau...”

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para o tratamento da água, a recontratação de médicos e en-fermeiros, a reativação da Uni-dade Básica de Saúde, e outras.

A partir desse dia, a saúde em Maturéia mudou, e hoje o município tem os agentes co-munitários de saúde mais bem pagos da região, inclusive com 1/3 adicional de férias e 13º sa-lário. E, devido aos bons resul-tados da gestão da saúde na ci-dade, novas frentes de atuação se abriram dentro do Estado e até em nível nacional. Nesse meio tempo, Paulo graduou-se em Biologia, preocupando-se com a integração entre saúde, educação e preservação am-biental. Aliás, essa é uma ques-tão essencial para ele: a interse-torialidade. Vigilância sanitária, epidemiologia ambiental, saú-de, educação, desenvolvimen-to, meio ambiente. Tanto que está sendo convidado a deixar a Secretaria da Saúde para as-sumir a chefia de Gabinete da Prefeitura, com a missão de articular o funcionamento de todos os setores da Administra-ção, avaliando mensalmente os nós críticos da gestão, e sacu-

dir, otimizar a gestão.Maturéia é uma cidade pe-

quena, mas cresce tanto em população quanto em consci-ência. Para Paulo, nada melhor do que dar às pessoas espaço para pensarem suas vidas, re-fletirem, até para não adoece-rem. É apaixonado pelo SUS, porque é o sistema que mais brasileiros atende. Enquanto isso, enquanto a vida acontece, pratica sua religião, a igreja ca-tólica, visita o pai no sítio, nos fins de semana, e participa das reuniões ao redor do cajueiro. Seu sonho hoje? Ver Maturéia crescer mais e mais, com pes-soas responsáveis, guerreiras, lutando pelo bem comum, pela esperança, pela paz, mas sem perder a simplicidade do povo. Ou seja, tornar-se uma cidade referência, modelo, em que a ci-dadania se fortalece a cada dia.

* Osíris Reis é escritor, graduado em Audiovisual pela Universidade de Brasília.

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“... Que choque! Passar de ACS, que zelava pela saúde de 178 famílias, para secretário munici-pal, trabalhando pela saúde, na época, de

todos os mais de cinco mil habitantes...”