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BRASIL, O NOVO GOVERNO E O D ESENVOLVIMENTO SOCIAL Claudio Salvadori Dedecca 1 Uma revisão da bibliografia sobre o último grande Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND, realizado na segunda metade dos anos 70, mostra uma clara percepção que o longo ciclo de crescimento da economia brasileira havia se esgotado com o milagre econômico (1967-73). A decisão de, a ferro e a fogo, manter as taxas de crescimento do início da década postergou para o início dos anos 80 a desaceleração, abrupta, da atividade econômica. Grande controvérsia se estabeleceu quanto aos efeitos positivos e negativos deixados como herança pelo 2º PND (Castro et al, 1985; Lessa, 1978) 2 . Não é objeto deste ensaio explorar tal controvérsia. Interessa somente ponderar que o país mergulhou em um movimento de estagnação ou baixo crescimento que lhes castiga continuamente nesses últimos quase 25 anos ou 30 anos. A sinalização econômica mudou de direção radicalmente. De país líder de crescimento, o Brasil passou a apresentar taxas de expansão bastante inferiores às observadas dentre os países em desenvolvimento, com exceção de nossa parceira de Mercosul, a Argentina. A desaceleração do crescimento brasileiro não guarda comparação com nenhum dos outros países. A crise argentina nas últimas década é parte das dificuldades que o país encontrou desde os anos 30 para retomar seu processo de desenvolvimento. Após um baixo desempenho nos anos 80, a economia mexicana voltou a ganhar fôlego no período seguinte. Situação semelhante foi observada para o Chile, que nos anos 90 cresceu 6,4% ao ano. Trilhando uma trajetória bastante distinta, Índia e Coréia mantiveram uma performance invejável durante todo o período da chamada reestruturação produtiva dos países desenvolvidos. O fato mais visível deste desempenho diferenciado do Brasil, frente aos observados para principais países em desenvolvimento, é a perda de seu papel de vedete do crescimento dentre as consideradas economia emergentes. De país que se aproximava da 5ª ou 6ª economia mundial, o Brasil tem perdido sistematicamente posição ao longo 1 Professor do Instituto de Economia da Unicamp ([email protected] ). 2 O II Plano Nacional de Desenvolvimento foi implementado em 1975 com o objetivo de aprofundar o tecido industrial brasileiro, com especial atenção para as indústrias de bens de capital e de bens intermediários.

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BRASIL, O NOVO GOVERNO E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Claudio Salvadori Dedecca1

Uma revisão da bibliografia sobre o último grande Plano Nacional de

Desenvolvimento – II PND, realizado na segunda metade dos anos 70, mostra uma clara

percepção que o longo ciclo de crescimento da economia brasileira havia se esgotado

com o milagre econômico (1967-73). A decisão de, a ferro e a fogo, manter as taxas de

crescimento do início da década postergou para o início dos anos 80 a desaceleração,

abrupta, da atividade econômica. Grande controvérsia se estabeleceu quanto aos efeitos

positivos e negativos deixados como herança pelo 2º PND (Castro et al, 1985; Lessa,

1978)2.

Não é objeto deste ensaio explorar tal controvérsia. Interessa somente ponderar

que o país mergulhou em um movimento de estagnação ou baixo crescimento que lhes

castiga continuamente nesses últimos quase 25 anos ou 30 anos. A sinalização econômica

mudou de direção radicalmente. De país líder de crescimento, o Brasil passou a

apresentar taxas de expansão bastante inferiores às observadas dentre os países em

desenvolvimento, com exceção de nossa parceira de Mercosul, a Argentina.

A desaceleração do crescimento brasileiro não guarda comparação com nenhum

dos outros países. A crise argentina nas últimas década é parte das dificuldades que o país

encontrou desde os anos 30 para retomar seu processo de desenvolvimento. Após um

baixo desempenho nos anos 80, a economia mexicana voltou a ganhar fôlego no período

seguinte. Situação semelhante foi observada para o Chile, que nos anos 90 cresceu 6,4%

ao ano. Trilhando uma trajetória bastante distinta, Índia e Coréia mantiveram uma

performance invejável durante todo o período da chamada reestruturação produtiva dos

países desenvolvidos.

O fato mais visível deste desempenho diferenciado do Brasil, frente aos

observados para principais países em desenvolvimento, é a perda de seu papel de vedete

do crescimento dentre as consideradas economia emergentes. De país que se aproximava

da 5ª ou 6ª economia mundial, o Brasil tem perdido sistematicamente posição ao longo

1 Professor do Instituto de Economia da Unicamp ([email protected]). 2 O II Plano Nacional de Desenvolvimento foi implementado em 1975 com o objetivo de aprofundar o tecido industrial brasileiro, com especial atenção para as indústrias de bens de capital e de bens intermediários.

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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destas últimas duas décadas. Neste início de milênio, Índia e Coréia tiveram taxas de

crescimento próximas a 5 e 6 vezes, respectivamente, à obtida por nosso país.

Abandonadas momentaneamente as controvérsias sobre os determinantes do

baixo desempenho econômico brasileiro, é insustentável ao país continuar a trilhar esta

trajetória nos próximos anos. A ausência de crescimento inviabiliza, por um lado,

maiores alterações no padrão de vida da população brasileira e, por outro, leva que o país

se distancie progressivamente da experiência do grupo de países emergentes.

Quadro 1Taxas Anuais de Crescimento do Produto Interno BrutoPaíses Selecionados, 1951-2002

Argentina Brasil Chile México Índia Coréia1951-1960 3,0 6,5 3,5 6,1 4,1 6,11961-1970 4,3 5,7 4,2 6,5 4,1 8,11971-1980 2,9 8,1 2,5 6,6 3,0 8,31981-1990 -0,9 1,5 2,8 1,6 5,8 9,41991-2000 4,2 2,7 6,4 3,5 5,5 6,22001-2002 -0,5 1,0 0,7 3,1 4,7 6,2Fonte: A.Maddison (1995), Moniyoring the Word Economy, 1820-1992,Paris:OECD; Organização das Nacóes Unidas, Divisão de Estatística(http://unstats.un.org/unsd/snaama/Introduction.asp). Elaboração do autor.

Mantida esta tendência, uma elevada conta econômica e social deverá ser paga

pela população brasileira. O baixo desempenho, mesmo que seja acompanhado por êxitos

expressivos, mas localizados, na indústria e agricultura, imporá uma perfomance da

produtividade fortemente desigual setorial e regionalmente. Não encontra guarida na

teoria econômica a relação entre baixo desempenho e elevado aumento da produt ividade

(Baumol et alli, 1994; Maddison, 1996:73-78; Gordon, 1977). Ganhos de bem-estar

dependem da convergência entre os ganhos de produtividade e aqueles de produto.

Faz muito tempo que a economia brasileira não conhece esta situação. Ao

contrário, se ampliou a divergência entre produto e produtividade no passado recente da

economia brasileira. A possibilidade de incrementos de emprego e de renda depende que

país reconquiste um movimento virtuoso entre produto e produtividade.

Este ensaio explora as condições atuais de geração do produto interno brasileiro e

suas conseqüências para o gasto público e o desenvolvimento social, isto é para o

emprego, a distribuição de renda e o bem-estar social.

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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Ele procura mostrar que o desenvolvimento social brasileira depende da

modificação da dinâmica atual da distribuição de renda conduzida pelo padrão de política

econômica prevalecente no país nesses últimos 14 anos. Esta dinâmica tem provocado

uma recorrente regressão da distribuição de renda e do gasto público, que compromete o

crescimento, o emprego e a renda. Mantida a atual dinâmica da distribuição de renda, as

reformas econômicas e sociais não terão impacto significativo para o crescimento,

independentemente das características que elas venham assumir.

Como tem evoluído o PIB brasileiro?

Como já apontado, o PIB brasileiro tem apresentado um desempenho muito

desfavorável. Esta situação torna-se ainda mais preocupante se considerado o

crescimento populacional. Mesmo com a transição demográfica vivida pelo país nas

décadas de 70 e 80, ainda não é desprezível o crescimento da população brasileira.

Segundo estimativas do IBGE (2004), o aumento populacional será de 1,2% a.a. na

década atual. Quanto a população economicamente ativa, estima-se incrementos de 1,9%

e 1,6% a.a. na primeira e segunda metade da década respectivamente (Celade,2004).

Projeta-se para a próxima década, um crescimento da PEA próximo a 1,2% a.a. Melhoras

na renda per capita e na geração de emprego exigem uma mudança de rota em termos de

crescimento econômico.

Tabela 2 Taxas Anuais de Crescimento do Produto Interno BrutoPaíses Selecionados, 1951-2002

Total (A)

Indústria Serviços Agropecuária

Pib Per Capita

População Economicamente Ativa

(B)

(A)/(B)

1951-1960 7,7 9,7 6,1 4,3 4,2 2,9 2,71961-1970 6,2 7,0 6,3 3,7 3,2 2,6 2,41971-1980 8,6 9,3 9,4 4,7 5,8 3,7 2,31981-1990 1,6 0,3 2,7 2,4 -0,3 3,0 0,51991-2000 2,7 2,1 1,7 3,0 1,2 2,9 0,92001-2003 1,0 0,4 1,1 5,4 0,8 2,0 0,5

Taxas Anuais de Crescimento

Fonte: Contas Nacionais, IBGE e Conjuntura Econômica, FGV.Elaboração do autor.

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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Os dados referentes ao desempenho do PIB brasileiro desde os anos 50 justificam

este argumento. Desde a década de 1980, o produto tem apresentado taxas de crescimento

inferiores à observada para a População Economicamente Ativa. Isto é, o país tem vivido

com uma tendência de declínio do produto por pessoa economicamente ativa, sinalizando

uma tendência de declínio da produtividade média nacional. Com exceção do setor

agrícola, a partir de 1991, as taxas anuais de crescimento do produto setorial têm

apresentado uma tendência de aumento inferior ao observado para a PEA. Isto é, o baixo

desempenho não pode ser imputado a um suposto processo de reorganização industrial,

que reduziria o papel indutor do setor na evolução do produto. O conjutn da estrutura

econômica apresenta fraco desempenho, mesmo considerando o declínio das taxas de

crescimento da PEA desde 1980.

Analisando a década de 1990, nota-se que o desempenho observado tem sido

induzido pelas exportações. Os indicadores internos têm apresentado um comportamento

medíocre. O Consumo do Governo, a Formação Bruta do Capital Fixo e o Consumo das

Famílias mostram um lento incremento.

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2004

PIB a Preços de Mercado Consumo das FamíliasConsumo do Governo Formação Bruta de Capital FixoExportações de bens e serviços Importações de bens e serviços (-)

Índi

ce (1

994

= 10

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Trimestres

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração do autor.

Gráfico 1 - Evolução do Produto Interno Bruto Brasil - 1991-04

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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Na ausência de um bom desempenho no setor externo, o Produto Interno Bruto

teria tido uma evolução ainda menos favorável, em especial se for considerada a

tendência declinante da Formação Bruta do Capital Fixo, que sinaliza um padrão de

investimento inferior à taxa de depreciação da economia nacional.

Desde meados de 2003, nota-se uma recomposição da Formação Bruta do Capital

Fixo, bem como um recrudescimento das importações, sem um movimento

correspondente no Consumo do Governo e das Famílias, sinalizando que tanto o maior

investimento como a maior importação podem ser reflexos da boa performance

exportadora.

Como anda a distribuição funcional da renda?

Este padrão de baixo crescimento econômico associado ao bom desempenho das

exportações tem modificado a composição da demanda final, reduzindo sistematicamente,

desde 1996, a participação do Consumo das Famílias. Entre 1997 e 2003, este decresceu

de 57% para 50% do PIB, variação correspondente ao incremento observado nas

exportações. Nota-se, portanto, que a amplia o papel da demanda externa em detrimento

do mercado interno.

As novas condições de funcionamento da economia nacional, ao não ter como

foco o mercado interno, vêm causando mudanças desfavoráveis na distribuição funcional

da renda. A participação da renda do trabalho decresce, ao mesmo tempo em que se

ampliam as parcelas apropriadas pelo capital e governo.

Entre 1990 e 2002, a renda do trabalho caiu de 43% para 31% do Produto Interno

Bruto. Se considerada somente a participação dos salários, isto é, exclusive os

rendimentos dos autônomos e profissionais liberais, sua redução foi de 36% para 27% no

mesmo período.

Por outro lado, as participações das rendas de capital subiu de 33% para 43%,

entre 1990 e 2002, e do governo de 23% para 25%.

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Consumo da administraçãopúblicaConsumo das famílias

Formação bruta de capitalfixoExportação de bens eServiços

Em

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inal

Gráfico 2 - Evolução da Composição da Demanda FinalBrasil 1991-2002

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração do autor. (*) Dados preliminares.

Foram expressivas as modificações na distribuição funcional da renda durante o

período. Uma clara depreciação da renda do trabalho encontra-se associada às novas

condições de funcionamento da economia brasileira, agora não mais vinculadas à inflação.

Se no início da década de 1990, o processo inflacionário explosivo causava a

corrosão da renda do trabalho, nota-se que, a partir de 1994, essa situação continuou se

reproduzindo mesmo com uma variação significativamente mais baixa dos preços.

Algumas observações devem ser apresentadas em relação a este movimento.

A primeira diz respeito à elevação da participação da renda do governo a partir de

1992. Em face do baixo desempenho econômico, o Governo Federal tem ampliado a

carga tributária bruta como forma de ampliar sua receita.

A segunda refere-se ao aumento da participação da renda de capital em um

contexto de não recuperação da Formação Bruta do Capital Fixo, isto é dos investimentos.

Frente a esta situação, cabe perguntar sobre a dinâmica da renda de capital quando ela

amplia sua participação em um contexto de baixo desempenho econômico.

As informações sobre a dinâmica da renda de capital são sempre muito limitadas.

Em primeiro lugar, porque uma de suas dimensões não pode ser captada nas contas

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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nacionais, pois sua mensuração incorre em dupla contagem: a redistribuição de renda

realizada através da esfera financeira. Apesar deste setor redistribuir o valor adicionado

criado na economia, ele não aparece como um lócus de apropriação. São os agentes

econômicos que se beneficiam do processo, contabilizando-se o resultado da

redistribuição tanto na renda do trabalho como daquela de capital.

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Trabalho

Capital

Governo

Gráfico 3 - Evolução da Distribuição Funcional da Renda

Em

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Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração do autor.

Uma possibilidade de se estimar a redistribuição de renda propiciada pela esfera

financeira é através da decomposição da renda de propriedade, que tem origem nos juros,

dividendos e retiradas, lucros reinvestidos e renda da terra. A metodologia adotada pelo

IBGE permite conhecer a distribuição da renda de propriedade, mesmo que esta

posteriormente seja consolidada na apropriação realizada pelos agentes institucionais

(Estado, Capital e Trabalho) na distribuição funcional da renda. A renda de propriedade

nada mais é que conta intermediária que expressa uma forma de apropriação primária

segundo alguns agentes institucionais.

No Gráfico 4, encontra-se apresentada a evolução da distribuição da renda de

propriedade no período de 1995 a 2004, caracterizado por uma maior estabilidade dos

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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preços e, portanto, com uma menor possibilidade de distorção do processo de apropriação

possível de ser produzido em regimes de inflação exacerbada.

Nota-se que, independentemente das flutuações observadas no período, a parcela

detida pela empresas financeiras nunca foi inferior a 40% da renda total de propriedade.

Após uma fase de certa estabilidade entre 1995 e 1988, a parcela apropriada pelas

empresas financeiras cresceu em 1999, tendo declinado durante o ano de 2000, mas

voltando a se elevar acentuadamente em 2001 e 2002. Neste último ano, a parcela das

empresas financeiras alcançou a cifra de 58% do total.

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Conta doresto domundo

Famílias Administraçãopública

Empresasfinanceiras

Empresasnão-financeiras

Gráfico 4 - Apropriação Primária da Renda de PropriedadeBrasil - 1995-02

Fonte: Contas Nacionais, IBGE. Elaboração do autor.

Em

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enda

de

Pro

prie

dade

Este movimento foi acompanhado de quedas da participação da renda de

propriedade das famílias, a qual possui um peso relativamente baixo no montante total, e,

especialmente, daquelas da empresas não financeiras e do governo. Por se tratar de uma

distribuição relativa, a perda de participação da rendas destes últimos agentes

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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institucionais ocorre no momento de aceleração da participação da renda das empresas

financeiras em 2001 e 2002.

Constata-se, portanto, uma redistribuição da renda de propriedade em favor da

esfera financeira, drenando recursos da economia real de modo a cond icionar tanto os

gastos do governo como das empresas não financeiras. É difícil que, nestas condições,

seja observada uma recuperação mais expressiva dos investimentos.

E como tal desempenho afeta o mercado de trabalho?

Em face das restrições observadas, os efeitos sobre o mercado de trabalho, em

contexto de elevação do PIB, são reduzidos, levando que o país tenha conhecido um

movimento de sistemático crescimento do desemprego e da informalidade. Mas cabe

analisar um pouco o comportamento do emprego formal frente aquela encontrado para o

PIB.

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Emprego Formal (1)

PIB

Fonte: Contas Nacionais, IBGE; Pesquisa Mensal de Emprego, IBGE. Elaboração do autor.(1) Assalariamento com Carteira de Trabalho Assinada em 9 Regiões Metropolitanas.

Gráfico 5 - Evolução do PIB e do Emprego FormalBrasil, 1991-2003

É amplamente reconhecido que durante os anos iniciais do Plano Real, quando a

valorização cambial articulada a um grau elevado de abertura externa, a explosão das

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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importações (Gráfico 1) teve um forte impacto negativo sobre o nível de emprego formal,

como mostra o Gráfico 5.

A crise cambial de janeiro de 1999 provocou uma desvalorização imediata do

Real que, após um período de reversão em 2001, voltou a ocorrer de forma intensa em

2003. A redução do poder de compra da moeda nacional em Dólar limitou fortemente as

importações, bem como estimulou as exportações.

Neste novo contexto, tem se observado uma nacionalização de insumos para o

processo industrial, bem como um menor espaço para o consumo de bens importados,

fato que causou uma dinamização, mesmo que limitada, da base produtiva local.

É visível a reversão da tendência do emprego formal, que desde 1999 vem

apresentando uma trajetória de crescimento, mesmo quando se observa uma estagnação

do produto. A tendência de nacionalização da base produtiva favoreceu o emprego

mesmo nestas circunstâncias.

Os dados apontam ser possível ao país ter uma recuperação do emprego formal,

desde que o desempenho econômico se mostre mais significativo e se valorize a

dimensão produtiva local.

Contudo, a recuperação lenta do emprego expressa a fraca expansão do produto.

Desde 1990, a relação entre a variação anual do emprego em relação àquela do PIB

equivale a 0,95. Somente em 2003, ela foi superior a 1. Os dados sugerem uma certa

estabilidade desta relação, apontando que uma aceleração do crescimento, com

fortalecimento da base produtiva local, poderia influenciar positivamente a inclinação da

curva de emprego formal.

Pode-se apresentar, neste momento, uma primeira observação derivada da análise

realizada. A evolução do PIB brasileiro nestes últimos anos tem sido acompanhada por

um processo de desvalorização das rendas que alimentam diretamente a economia real.

Tanto as famílias como as empresas não financeiras perdem espaço na apropriação da

renda gerada no país.

O baixo desempenho do produto não pode deixar de ser associado a este processo.

Assim, cabe perguntar: como é possível ter um desempenho econômico substantivo se a

renda gerada tem perdido, progressivamente, referência na economia real, isto é aquela

vinculada à produção.

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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Escapa desta situação o setor agrícola simplesmente porque ele tem aproveitado

adequadamente os mercados externos. Contudo, não parece que seu dinamismo tenham

sido suficiente para reverter o quadro desfavorável da distribuição funcional e

institucional da renda.

Ademais, se o desempenho agrícola tem se constituído no único pilar para o

aumento produto, podendo inclusive ter efeitos dinamizadores da atividade interna, tal

situação depende da continuidade das exportações, da existência de capacidade produtiva

local e de um mercado internacional favorável. Portanto, a recuperação econômica

encontra-se, em grande medida, vulnerável ao comportamento da economia internacional.

E, ademais, uma melhora do mercado de trabalho encontra-se dependente de uma

aceleração do aumento do produto nestas condições.

E como se comportou a receita e os gastos públicos?

Entretanto, poderia se argumentar que uma taxa mais baixa de crescimento do

produto poderia ser compensada com um maior gasto público em favor do emprego, em

especial quando se observa uma elevação da participação do setor público na distribuição

funcional da renda.

Forte coro é ainda feito quanto à elevação acentuada da carga tributária bruta no

país que, segundo a Receita Federal, pulou de 29,7% para 35,7% do PIB, entre 1998 e

2003 (Receita Federal, 2004). O aumento de receita deveria favorecer os instrumentos de

gasto público voltados para a ativação da economia, a geração de emprego, o aumento da

renda e a melhor do bem-estar social.

Mas para que se possa avaliar tal possibilidade, é preciso explorar a composição

da despesa do Governo Federal, em especial quando este aponta reiteradamente a

restrições impostas ao seu nível de gasto pelos aumentos dos encargos da política

previdenciária.

No Gráfico 5, pode-se averiguar a evolução da dívida e dos principais itens de

gasto do Governo Federal no período 1995 a 2003. Pode-se observar que, exceção feita

ao incremento dos gastos previdencários no período de 2001 a 2003, a despesa do

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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governo federal manteve-se praticamente estagnada. Ao contrário, a dívida pública

interna e externa conheceu um movimento de explosão que não guarda relação como o

comportamento da despesa. Entre 1998 e 2003, a relação dívida pública interna/PIB mais

que dobrou. Sendo observado comportamento semelhante, mesmo que menos intenso,

para a relação dívida externa/PIB.

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Dívida Pública Interna Dívida Pública Externa Pessoal e Encargos Sociais

Benefícios Previdenciários Investimentos

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Gráfico 6 - Evolução da Despesa e da Dívida do Governo FederalBrasil - 1995-03

Fonte: Receita Federal, Estudos Tributários. Elaboração do autor.

Se analisado somente o gasto com a política social, nota-se que somente o gasto

previdenciário teve crescimento no período. Saúde, Saneamento, Educação, Habitação e

Trabalho mantiveram-se estáveis durante o período, devendo, portanto, ter ocorrido uma

queda do valor per capita gasto com estas políticas (Abrhão de Castro et alli, 2003: 29).

Enquanto estas últimas políticas podem ter sua despesa atrelada à alguma decisão de

gasto do Governo Federal, a política de previdência tem sua despesa atrelada à concessão

de benefícios inscritos em lei.

Por este motivo, o gasto da área social cresceu, aproximadamente, 2 pontos

percentuais no PIB, entre 1985 e 2003. Este aumento não guarda, entretanto, qualquer

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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relação com aquele encontrado tanto para a dívida interna como a externa ao longo do

período.

Ademais, se foi possível no passado recente ao Governo Federal responder à

dinâmica do processo de endividamento através da elevação da carga tributária, não mais

se observa esta brecha fiscal para os próximos anos. A carga tributária elevada constitui

uma restrição per si à sua elevação, exigindo, portanto, que a gestão da dívida nos termos

atuais passe a depender do controle dos gastos efetivos do Governo Federal.

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Assistência e Previdência Saúde e Saneamento Educação e Cultura

Habitação e Urbanismo Trabalho Area Social

Fonte: Receita Federal, Estudos Tributários. Elaboração do autor.

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Gráfico 7 - Evolução do Gasto Social do Governo Federal Brasil - 1995-03

Trabalho recente do IPEA mostra que o peso do Gasto Não financeiro na Despesa

Efetiva do Governo Federal caiu de 60% para 40% e o Gasto Financeiro cresceu de 40%

para 60%, entre 1995 e 2001 (Abrhão de Castro et alli, 2003).

Em face do crescimento acelerado da dívida, alimentado pela remuneração

elevada, e das restrições ao aumento da carga tributária, a política de superávit fiscal se

mostra como única saída possível no quadro da atual política econômica. Um superávit

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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fiscal elevado torna-se o fiel escudeiro da política econômica, levando a uma clara

subordinação da política social. As restrições de gasto na área social tendem a se

avolumar, reduzindo progressivamente a capacidade dos instrumentos de política púbica

em favor do mercado de trabalho e da renda.

Os constrangimentos encontrados se ampliam em um contexto de baixo

crescimento como o conhecido pelo país nestes últimos anos, sendo que a gestão da

política econômica retro-alimenta tais restrições.

E o que teria ocorrido se o PIB tivesse crescido 4% a.a. ?

Dois temas recorrentemente encontrados quando se analisa o baixo dinamismo

econômico do país referem-se aos comportamentos preocupantes da carga tributária e dos

gastos da previdência.

Com o propósito de fazer uma reflexão sobre os efeitos da maior tributação e do

gasto tributário para o crescimento, é apresentada a seguinte pergunta: o que teria

ocorrido com ambos indicadores econômicos se o PIB tivesse crescido a uma taxa média

de 4% a.a desde 1995, quando os dados sobre as contas públicas estão devidamente

consolidados.

Não está se falando de um contexto de crescimento espetacular. Uma taxa de

crescimento de 4% seria bastante inferior àquelas trilhadas pelo país entre 1930 e 1980 e

abaixo daquelas conhecidas pela Índia e a Coréia durante os anos 80 e 90. Mesmo

crescendo 4% ao ano, o Brasil continuaria a se distanciar em relação à performance

realizada por estes países nas duas últimas décadas.

Considerando somente a receita tributária do Governo Federal, exclusive

transferência para Estados e Municípios, constata-se sua estabilidade entre 1995 e 2003

para um crescimento do PIB de 4% a.a.

Evidencia-se, portanto, que a sustentação da receita pública, em um contexto de

baixo desempenho do produto, somente foi possível com a elevação da carga tributária.

Portanto, a gestão da política econômica penalizou duplamente a economia e a população,

ao impor baixo crescimento e ao exigir níveis crescentes de tributação para manter um

aumento dos gastos efetivos abaixo do crescimento populacional.

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Real

Estimado (PIB 4%a.a.)

Gráfico 8 - Evolução da Carga Tributária Bruta do Governo Federal (1)Brasil - 1995-03

em %

do

PIB

Fonte: Receita Federal, Estudos Tributários. Elaboração do autor.(1) Exclusive transferências para Estados e Municípios.

Quanto ao gasto com a previdência, nota-se um movimento contraditório, mas

ambos positivos. Enquanto um crescimento de 4% provocaria a elevação da receita da

seguridade social, constata-se que ele permitiria a estabilidade dos gastos desta função.

É aqui que se percebe a maior perversidade de um baixo desempenho econômico.

Por ter seu gasto associado à dinâmica populacional, a seguridade social vê sua despesa

crescendo em relação ao PIB, ao mesmo tempo em que sua receita não cresce na mesma

proporção. Estabelece deste modo a possibilidade de desequilíbrio do orçamento da

seguridade, explicada pelo efeito perverso do baixo crescimento sobre suas receitas.

Este breve exercício sobre o impacto de um crescimento médio de 4% no período

1995-2003 sobre as receitas e o gasto social é suficiente para mostrar a necessidade de se

enfrentar, de modo mais decidido, o problema do baixo desempenho da economia

brasileira nestas últimas décadas.

Mesmo se considerando uma melhora da eficiência na alocação e no uso dos

recursos públicos, são evidentes os sinais que sua evolução, em especial em um contexto

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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de grande ampliação da despesa financeira do Governo Federal, é insuficiente para

garantir um desenvolvimento que estabeleça um padrão de proteção social adequado para

a população brasileira.

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

União (- Transferências)

Orçamento Seguridade

Gráfico 9 - Evolução da Carga Tributária Bruta e do Orçamento da Seguridade com um Crescimento do PIB de 4% a.a.

Brasil - 1995-03

Fonte: Receita Federal, Estudos Tributários. Elaboração do autor.

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Real

Estimado ( Crescimento do PIB de 4,0% a.a.)

Gráfico 10 - Evolução da Participação do Gasto da Previdência e Assistência Sociais no PIB

Brasil - 1995-03

Fonte: Receita Federal, Estudos Tributários. Elaboração do autor.

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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É fundamental ressaltar que, mesmo em um regime de maior eficiência do gasto,

a evolução da dívida pública no passado recente, caso seja mantida sua gestão atual,

exige a liberação de recursos ponderáveis do orçamento do Governo Federal, levando a

um sistemático constrangimento dos gastos com as políticas sociais.

Retoma-se, portanto, a necessidade de se alterar o quadro de crescimento do

produto. Mesmo levando-se em conta a manutenção da atual gestão da dívida pública,

uma evolução dos gastos sociais superior ao crescimento da população depende de uma

taxa de crescimento do produto mais elevada e sustentada. Se um crescimento de 4% a.a.

pode proteger a receita do orçamento da seguridade e conter a tendência de aumento de

sua despesa, tem que a ampliação desta depende de uma ampliação mais intensiva de sua

receita que necessariamente requer uma expansão do produto superior a 4% a.a.

Um crescimento sustentado e superior a 5% é condição indispensável para o

desenvolvimento social

Este ensaio começou tratando de um assunto pouco valorizado no debate nacional:

nosso baixo desempenho econômico nestes últimos quase 30 anos. Muitas vezes são

encontradas referências sobre o assunto através de uma comparação com o baixo

dinamismo das economias desenvolvidas. Certo que a experiência americana desses

últimos 12 anos tem escapo à regra.

Parecer ser indevida a comparação. Nosso desempenho deve ser confrontado com

aquele observado para países em desenvolvimento, ou usando a expressão atual

emergentes. Se tomados dois ícones deste grupo de países, excluindo o caso mais

complexo chamado China, notamos que o Brasil ficado para trás em termos de

desempenho. Dentre as consideradas maiores economias latino-americanas, o Brasil tem

uma performance superior somente àquela encontrada para a Argentina.

O baixo desempenho tem comprometido a produtividade média da economia. O

crescimento do produto tem ficado abaixo daquele da População Economicamente Ativa,

exigindo-se, portanto, que a absorção de mão de obra ocorra com uma produtividade

média mais baixa ou um desemprego mais elevado. Em ambas as situações o país sofre

Brasil, o Novo Governo e o Desenvolvimento Social - Claudio S. Dedecca

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uma clara restrição em seu nível médio de renda, independentemente da configuração e

dinâmica de sua distribuição de renda.

Analisando a evolução do Produto Interno Bruto, desde 1990, foram apontadas

algumas de suas características problemáticas. Ao baixo desempenho esteve associada

uma deterioração substantiva da distribuição funcional da renda, expressa por uma

intensa corrosão da participação da renda do trabalho, uma ampliação expressiva da

renda do capital e uma elevação da renda do Governo.

Este movimento esteve relacionado a uma tendência de queda do consumo das

famílias na demanda final de 57% para 50% entre 1997 e 2003, que foi compensada pelas

exportações. Nota-se, portanto, que o mercado interno tem sido substituído pelas

exportações na sustentação do produto.

Mesmo assim, não se verificou uma recuperação da Formação Bruta do Capital

Fixo, mesmo nos momentos de melhora da atividade econômica. Segundo as contas

nacionais, as empresas não financeiras, isto é aquelas dependentes do desempenho da

atividade econômica, perderam participação na apropriação básica da renda de

propriedade em favor das empresas financeiras. Ou melhor, os dados das Contas

Nacionais relevam uma outra dimensão da distribuição de renda no país, aquela realizada

entre as frações do capital e que tende a constranger a renda das empresas não financeiras

e, portanto, a disponibilidade ou os custos dos recursos para o investimento3.

Entre 1995 e 1999, o baixo dinamismo, conjugado com a valorização cambial e a

explosão das importações, corroeu mercado de trabalho, seja reduzindo o emprego formal,

seja ampliando o desemprego. Desde então, o reduzido incremento do PIB vem associado

à recuperação da atividade produtiva, induzindo um aumento do emprego formal

insuficiente, entretanto, para conter a tendência de aumento da informalidade e do

desemprego.

É evidente, portanto, que qualquer efeito mais ponderável sobre o emprego, a

renda e a produtividade requere um crescimento mais robusto do Produto Interno Bruto.

Sustentado nas exportações. Mas determinado por uma recomposição do consumo

3 Uma outra dimensão da distribuição de renda não foi tocada neste trabalho: o impacto da carga tributária direta e indireta sobre a renda das famílias. Diversos estudos têm apontado o caráter regressivo do sistema tributário nacional, alertando para os seus efeitos sobre a distribuição de renda. Uma reflexão sobre o tema está muito bem desenvolvida em Vianna et alli, 2000.

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interno que reduza a dependência e o ritmo do crescimento do desempenho e do aumento

das exportações.

O estabelecimento de uma nova lógica de crescimento do produto também

depende da reversão do padrão atual de distribuição funcional de renda. Tanto a

participação da renda trabalho como aquela das empresas não financeiras precisam ser

recuperadas para que sejam observadas elevações do consumo das famílias e do

investimento.

Quanto à renda do Governo, em especial, da esfera federal, expressa no aumento

da carga tributária nesses últimos 10 anos, esteve associada a dois motivos. Em primeiro

lugar, ao baixo crescimento. Uma expansão de 4% do PIB teria mantido estável a carga

tributária bruta durante o período. Em segundo lugar, à gestão da dívida pública que

explodiu seu valor e seus encargos, mesmo em uma situação de baixo crescimento, e

mesmo estabilidade em certos casos, do gasto público efetivo. São evidentes os sinais que

a elevação da carga tributária foi determinada pelo comportamento autônomo do estoque

da dívida induzido pela forma de sua gestão. Mesmo se mantendo um razoável superávit

fiscal e sob garrote os gastos públicos efeitos, se verificará uma elevação do valor da

dívida e de seus encargos, fato que pressionará o Governo Federal a elevar carga

tributária.

Um crescimento mais substantivo ameniza este processo, ao não exigir uma maior

carga tributária. Contudo, não impede que a distribuição da receita do Governo Federal

seja feita em detrimento dos gastos públicos efetivos e em favor dos gastos públicos

financeiros. Isto é, constata-se que a lógica da distribuição dos recursos públicos é

convergente, e mesmo talvez instrumento, daquela observada na partilha da renda de

propriedade no Produto Interno Bruto4.

Como afirma estudo do IPEA, este tipo de evolução está relacionado com o baixo

crescimento econômico e aumento da prioridade fiscal, Além disso, o governo federal

adota a estratégia de utilizar fontes de financiamento do gasto social, como as

Contribuições Social, a fim de enfrentar o desequilíbrio fiscal e financeiro, uma vez que

4 Dois ensaios interessantes sobre este assunto foram realizados para o Estados Unidos, mostrando a relação entre redução da proteção social e o aumento da desigualdade. Ver Moffit et alli, 1996 e Mishel et alli, 1998.

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as arrecadações dessas fontes cresceram bem à frente dos gastos (Abrhão et alli, 2003:

39).

Mantidas as atuais condições de funcionamento da economia e do gasto público

parece não haver dúvida que o desenvolvimento social encontra-se comprometido. Na

dimensão do mercado de trabalho, a lógica distributiva condiciona a atividade produtiva e,

por conseqüência, a criação de emprego e renda. Naquela referente ao gasto público, o

gasto efetivo é objeto de crescente constrangimento criado pela gestão da dívida pública,

reforçando a lógica perversa da distribuição funcional da renda.

A agenda política de reformas econômicas e sociais (Bacha, 2004), mesmo que

realizada, não alterará a dinâmica perversa da distribuição de renda5.

Em suma, é difícil que sob a égide da atual dinâmica da distribuição de renda o

país rompa a longa trajetória de baixo crescimento e seu atraso econômico crescente em

relação aos países emergentes. E, portanto, que o almejado desenvolvimento social seja,

ao menos, iniciado de modo sustentado.

V. 1, 17 de junho de 2004

Bibliografia:

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Baumol, W.; Nelson, R. & Wolf, E. (1994) Convergence of productivity : cross-national studies and historical evidence, Oxford: Oxford University Press.

Castro, A. B. & Souza, F. E. P. de (1985) A economia brasileira em marcha forçada, Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2004) www.ibge.br, Rio de Janeiro: IBGE.

Centro Latinoamericano de Demografia – Celade (2004) www.eclac.cl/celade/proyecciones/intentoBD-2002.htm, Santiago de Chile: Celade, Onu.

Galbraith, J. (2003) What is the American Model Really About? Soft budges and the Keynesian Devolution, Public Policy Brief, 72, Annandale-on-Hudson: Levy Institute.

5 Sobre este tema, ver Galbraith, 2003.

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Gordon, D.M. (1977) From Drive System to Capital-Labor Accord: econometric tests for the transition between productivity Regimes, Industrial Relation, 36(2), Oxford: Blackwell Publishers.

Lessa, C. (1978) A estrategia de desenvolvimento 1974-1976 : sonho e fracasso, Tese de Professor Titular, Rio de Janeiro: UFRJ.

Maddison, A. (1996) Monitoring the World Economy 1820-1992, Paris: OECD.

Receita Federal (2004) Carga Tributária Bruta 2003, Brasília: Receita Federal.

Mishel, L.; Bernstein, J. & Schimitt,J. (1998) Wage inequality in the 1990: measurement and trends, Economic Policy Institute Working Papers, Washington D.C.: EPI.

Moffit, R.; Ribar, D & Wilhelm, M. (1996) The decline of welfares benefits in the U.S.: the role of wage inequality, NBER Working Paper Series, WP 5774, Boston: NBER.

Vianna, S.W.; de Magalhães, L.C.G.; Silveira, F.G. & Tomich, F.A., Carga Tributária Direta e Indierta sobre as Unidades Familiares: avaliação de sua incidência nas grandes regiões urbanas em 1986, IPEA Texto para Discussão, 757, Brasília: IPEA.