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Brasil Colônia Brasil Colônia A pós o desembarque da esquadra de Cabral, a colônia se viu relegada, por três décadas, ao quase completo des- caso de Portugal. A política mercantilista da monar- quia portuguesa concentrava-se no lucrativo comér- cio com as Índias. A expedição de Vasco da Gama, em 1498, rendeu aos cofres de Portugal expressivo percentual de lucro na venda das especiarias. A expe- dição de Cabral que partiu em 1500 foi planejada na intenção de explorar o lucrativo comércio com o Ori- ente e tiveram como retorno as caravelas que regres- saram a Portugal abarrotadas de mercadorias. As primeiras investidas no litoral brasileiro re- sultaram em fracasso, frustrando a esperança de en- contrar metais preciosos. A expectativa de encontrá- los em áreas interiores esbarrava nas terríveis condi- ções de acesso e na muralha representada pela densa mata Atlântica. Restava então o consolo de se virar com a madeira do pau-brasil que existia em grande quantidade. A primeira atividade econômica foi a explora- ção do pau-brasil. Na Europa a madeira era utilizada para o fabrico de um pigmento avermelhado, muito útil na tintura de tecidos. Inicialmente delegou-se a Fernando de Noronha – comerciante de Portugal, muito íntimo da corte – o direito de exploração da madeira. Pelo contrato provi- sório de arrendamento, a metrópole desistia de impor- tar a madeira das praças asiáticas, prometendo adquirir a madeira da colônia. Por sua parte, o arrendatário prometia proteger o litoral das incursões estrangeiras e pagar o imposto de 1/5 do valor arrecadado. A combinação teve curta duração porque os navios estrangeiros freqüentemente desembarcavam no litoral brasileiro. Na Europa a ma- deira era cobiçada pelos países que produziam tecidos, como é o caso de França e Holanda. A sonhada prote- ção do território esbarrava nas enormes dimensões lito- râneas, cerceando uma defesa mais efetiva. A partir de 1511, a própria corte de Portugal assumiria as rédeas da exploração do pau-brasil apesar dos lucros não se- rem muito compensadores. Na extração da madeira utilizou-se mão-de-obra indígena, encarregada da árdua tarefa de cortar o pau- brasil no interior da mata, derrubar árvores de 15 metros de altura, para em seguida carregá-las até os navios. Pelo trabalho os índios não ganhavam absolutamente nada. “Já não tinhamos mais nem pão para comer, mas apenas polvo impregnado de morcegos, que tinham lhe devorado toda a substância, e que tinham um fe- dor insuportável por estar empa- pado em urina de rato”. Diário de Bordo. Navio português. 1545 A lei que eles hão de dar é defender-lhes (de) comer carne humana e guerrear sem licença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois têm algodão, ao menos depois de cristãos, tirar-hes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com esses padres da Companhia para os doutrinar. Novas Cartas Jesuíticas Desembarque de Cabral em Porto Seguro

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Brasil ColôniaBrasil Colônia

Após o desembarque da esquadra deCabral, a colônia se viu relegada, portrês décadas, ao quase completo des-

caso de Portugal. A política mercantilista da monar-quia portuguesa concentrava-se no lucrativo comér-cio com as Índias. A expedição de Vasco da Gama, em1498, rendeu aos cofres de Portugal expressivopercentual de lucro na venda das especiarias. A expe-dição de Cabral que partiu em 1500 foi planejada naintenção de explorar o lucrativo comércio com o Ori-ente e tiveram como retorno as caravelas que regres-saram a Portugal abarrotadas de mercadorias.

As primeiras investidas no litoral brasileiro re-sultaram em fracasso, frustrando a esperança de en-contrar metais preciosos. A expectativa de encontrá-los em áreas interiores esbarrava nas terríveis condi-ções de acesso e na muralha representada pela densamata Atlântica. Restava então o consolo de se virarcom a madeira do pau-brasil que existia em grandequantidade.

A primeira atividade econômica foi a explora-ção do pau-brasil. Na Europa a madeira era utilizadapara o fabrico de um pigmento avermelhado, muitoútil na tintura de tecidos.

Inicialmente delegou-se a Fernando de Noronha– comerciante de Portugal, muito íntimo da corte – odireito de exploração da madeira. Pelo contrato provi-sório de arrendamento, a metrópole desistia de impor-tar a madeira das praças asiáticas, prometendo adquirira madeira da colônia.

Por sua parte, o arrendatário prometia protegero litoral das incursões estrangeiras e pagar o impostode 1/5 do valor arrecadado. A combinação teve curtaduração porque os navios estrangeiros freqüentementedesembarcavam no litoral brasileiro. Na Europa a ma-deira era cobiçada pelos países que produziam tecidos,como é o caso de França e Holanda. A sonhada prote-ção do território esbarrava nas enormes dimensões lito-râneas, cerceando uma defesa mais efetiva. A partir de1511, a própria corte de Portugal assumiria as rédeasda exploração do pau-brasil apesar dos lucros não se-rem muito compensadores.

Na extração da madeira utilizou-se mão-de-obraindígena, encarregada da árdua tarefa de cortar o pau-brasil no interior da mata, derrubar árvores de 15 metrosde altura, para em seguida carregá-las até os navios.Pelo trabalho os índios não ganhavam absolutamentenada.

“Já não tinhamos mais nempão para comer, mas apenas

polvo impregnado de morcegos,que tinham lhe devorado toda asubstância, e que tinham um fe-

dor insuportável por estar empa-pado em urina de rato”.

Diário de Bordo. Navio português.1545

A lei que eles hão de dar é defender-lhes (de) comer carne humana e guerrear semlicença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois têm algodão, ao

menos depois de cristãos, tirar-hes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para comos cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com esses padres da Companhia

para os doutrinar.Novas Cartas Jesuíticas

Desembarquede Cabral emPorto Seguro

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Ao contrário, eram normalmente iludidos comobjetos de metal, bugigangas e colares, prática anteri-ormente utilizada com os negros africanos. Como osíndios ofereciam resistência os portugueses substituí-ram as quinquilharias por objetos mais sofisticados taiscomo: panelas, espadas, foices e tesouras. De um jeitoou de outro, os índios estavam sempre em desvanta-gem, sujeitos à malandragem dos comerciantes de Por-tugal. A exploração do trabalho indígena através doescambo - sistema de trocas - aumentou os rendimen-tos do comércio do pau-brasil.

Ingenuamente, os índios atribuíam conotaçõesmágicas aos minguados “presentes” portugueses. Eranatural a admiração por essas novidades, pois os índiosnão conheciam o ferro. O uso de facões e objetos simi-lares substituía com vantagens as antigas armas de pe-dra e madeira, que foram trocadas pelos objetos de fer-ro. Quando chegavam os navios, os índios corriam embusca de novas mercadorias. A desigualdade numéricanão impediu os portugueses dominarem as tribos indí-genas.

Os portugueses que se transferiram para o Bra-sil nessa época, em sua maioria, eram homens cum-prindo pena por algum delito. Em Portugal, as Ordena-ções Manuelinas condenavam infratores ao degredo emterras distantes. A pena variava de 5 anos à vida intei-ra, mas habitualmente os condenados acabavam se fi-xando no Brasil. Além dos degredados vieram para cáuns poucos nobres fracassados, artesãos e aventurei-ros. Alguns portugueses terminavam se acasalando comas índias e serviam depois como intérpretes dos recém-chegados. Nos pontos de embarque de madeira funda-ram-se as feitorias, constituídas de poucas habitações euma praça fortificada.

A bem sucedida experiência no li-toral africano fez os portugueses apos-tarem na viabilidade do sistema defeitorias, como forma de garantir a se-gurança da colônia.

FRACASSONASÍNDIAS

Na década de1520, houve importantes mudanças na con-juntura política européia. Portugal e Espanha perde-ram o privilégio de serem os únicos Estados centrali-zados do continente. Consolidavam-se as monarquiasde França, Inglaterra e a república Holandesa. Logoapós a superação das crises internas, as “jovens na-ções” se tornaram grandes concorrentes das naçõesibéricas. Os pioneiros ibéricos já tinham driblado osconcorrentes, dividindo o Novo Mundo em dois trata-dos - Tordesilhas em 1494 e Saragoça em 1529, espé-cie de Tordesilhas do Oriente. Somaram-se a esses pro-blemas o início da Reforma Protestante, minando oapoio que os reinos ibéricos sempre tiveram da fielIgreja Católica.

A nova realidade abriu a brecha para os inimi-gos contestarem as decisões do papa, fiador dos trata-dos que beneficiavam as nações ibéricas. Rejeitandoos favorecimentos a Portugal e Espanha, o rei francêsFrancisco I, contestava Tordesilhas invocando argu-mentos bíblicos na contestação. Outro argumento sebaseava num antigo direito latino – uti-possedis, queassegura a posse a quem efetivamente coloniza, o quenão era o caso de Portugal.

Enquanto isso, em 1525, o comércio com asÍndias se transformara num pesadelo. Na viagem mui-to longa e arriscada, freqüentemente afundavam navi-os. No Oriente, devido a presença de concorrentes deoutras nações, os portugueses foram obrigados a en-carar guerras custosas e inúteis.

“Eram pardos, todos nus,sem coisa alguma que cobrisse

suas vergonhas. Nas mãos trazi-am arcos com suas setas. Vinham

todos rijamente sobre o batel eNicolau Coelho lhes fez sinal quepousassem os arcos e eles pousa-ram.(...) A feição é serem pardos,

maneira de avermelhados, debons rostos e bons narizes bem

feitos”.1

Mesmo sementender nada, ostupiniquinsassistiram àprimeira missarezada no Brasil,em 26 de abril de1500

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Normalmente os desastrados combatentes lu-sitanos eram derrotados por navios melhor equipados.Além disso, os mercadores das praças orientaisfreqüentemente deixavam os portugueses na mão, atra-ídos por melhores ofertas dos recém-chegados.

A teimosia em continuar no páreo, obrigou Por-tugal a contrair empréstimos junto a banqueiros ho-landeses. Iniciou então um caminho sem volta, pois adependência tornou o país refém do capital holandês.O círculo vicioso dos empréstimos deixou os portu-gueses a uma situação irreversível, pois quanto maisse endividavam, mais perdiam o status de nação pode-rosa.

“A descoberta das Índias dera, a princípio, con-sideráveis lucros ao Estado português. As armadas,que faziam o tráfico, pertenciam a ele, ou melhor, aorei que era a sua personificação. A cobrança do quintoe outros tributos e a venda de produtos do Orienteacumularam fortunas em suas mãos, tendo sidoconsumidas na maior parte em gastos suntuários, comona construção de edifícios portentosos, em dádivas ebenefícios, em embaixadas e no fausto da corte. O luxoda corte de D. Manuel era admirado em toda a Euro-pa.

Logo, porém, as exigências relativas a manuten-ção, funcionamento e defesa dos domínios, mormentea construção de novas armadas e o estabelecimento deguarnições militares, vieram reduzir em muito os lucrosdo grande negócio que parecia ser o comércio das Índi-as. A ausência em Portugal de uma burguesia bastanteforte, que dispusesse de capitais e de condições de or-ganização para o comércio que se abria, fez com que oEstado português praticamente internacionalizasse otrato com o Oriente”. 2

O fracasso no Oriente desviou a atenção para oBrasil. Os portugueses sempre tiveram a esperança deencontrar metais preciosos no Brasil. Afinal, se os es-panhóis haviam conseguido encontrar as fabulosas mi-nas de ouro do império asteca, era muito provável quehouvesse ouro no Brasil. Desde o início os explorado-res mostravam objetos de ouro aos índios, na expecta-tiva que surgisse o caminho do Eldorado. Juntam-se aesses aspectos, a dificuldade de garantir a colônia coma escassa população de portugueses. No imenso litoralera freqüente o desembarque de navios estrangeiros embusca do pau-brasil. Em 1529, Portugal mudou as dire-trizes em relação ao Brasil. A mudança de atitude apon-tava na direção da colonização propriamente dita.

A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSODE SOUZA

Para a maioria dos historiadores, a viagem deMartim Afonso de Souza é o ponto de partida da colo-nização das terras brasileiras. A esquadra veio com cin-co navios sob o comando do nobre português, que erapessoa da absoluta confiança do rei D. João III. O co-mandante vinha autorizado a empossar as terras desco-nhecidas, nomear tabeliães, oficiais de justiça e doarsesmarias aos colonos interessados no povoamento dasterras brasileiras.“Essa terra de tal maneira é

graciosa que, querendo aproveitá-la dar-se-á nela tudo por bem das

águas que tem. Mas o melhorfruto que nela se pode fazer, me

parece que será salvar essa gente;e esta deve ser a principal sementeque Vossa alteza deverá lançar”.

Carta de Pero Vaz de Caminha

Diante de Cabral,os índiostupiniquinstentam fazer osportuguesesentender o quefalam, dois diasdepois de osdescobridoresterem atacado asnovas terras.

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Nos arredores do Brasil dividiram a expediçãoem dois grupos, com o objetivo de vasculhar ao mes-mo tempo o norte e o sul à procura de riquezas.

No sul, animaram-se com as notícias de exis-tência de metais preciosos, resolvendo então vasculharas áreas interiores. Após percorrerem alguns quilôme-tros rio acima, encontraram índios hostis que, de umasó vez, eliminaram todos os exploradores. Martim Afon-

so teve melhor desempenho, pois o seu grupoexpulsou navios franceses contraban-

distas de pau-brasil. De quebra,fundaria a vila de São Vicente,distribuindo, em seguida,sesmarias aos interessados. Nolocal seriam plantadas as pri-meiras mudas de cana-de-açú-car. Regressando a Portugal

Martim Afonso animou o rei,face às intenções de exploração nacolônia. O depoimento do coman-dante impressionou o rei D. JoãoIII, levando-o a apostar no sistemade capitanias para administrar o Bra-sil.

CAPITANIASHEREDITÁRIAS

O sistema já havia sido utilizado com êxi-to nos arquipélagos de Açores, Madeira e Cabo

Verde. Por ordem do rei dividiu-se o território bra-sileiro em 15 partes, entregues a doze donatários,

em geral, a pequenos fidalgos da corte. Para osdonatários o investimento na colônia apresentava inú-

meras vantagens do sistema de capitanias, pelo menosé o que parecia.

Pela Carta de Doação o donatário recebia umaextensão de terra, variando de 30 a 100 léguas no sen-tido vertical do território; o limite interior era a linhade Tordesilhas. O documento assegurava o direito he-reditário às capitanias, lembrando no aspecto políticoas tradições feudais. O outro documento - Foral - con-tinha os deveres, tributos e obrigações do donatário,dentre elas; proteger o litoral das incursões estrangei-ras e a doação de sesmarias aos colonos.

O sistema de capitanias foi implantado com aesperança de livrar Portugal do custo de implantaçãodo modelo colonial. Inspiradas nas tradições feudais,as capitanias tiveram no Brasil, uma feição mercantil,a exemplo da produção de açúcar para consumo ex-terno e a utilização em larga escala da mão-de-obraescrava. O vínculo direto com o capital mercantildesvinculou as capitanias de laços maiores com o feu-dalismo. O sistema se apoiava em regras totalmentediferentes das que existiram na ordem feudal. A seme-lhança resumia-se no direito hereditário dos donatáriose na autoridade auferida sobre os colonos. Além domais, doação das capitanias se dava no plano formal,pois o donatário era impedido de vendê-las ou transfe-ri-las.

Entretanto em pouco tempo frustraram-se asesperanças de Portugal. A maioria dos donatários nemsequer vieram ao Brasil. Os poucos que toparam nãotinham recursos para cumprir as metas do acordo como rei. A dificuldade de comunicação entre as capitani-as, tornava mais fácil viajar a Portugal do que o deslo-camento para uma capitania vizinha.

Das capitanias, SãoVicente e Pernambuco destoa-ram das demais, esboçando umpadrão razoável de prosperida-de, vinculado ao plantio da cana-de-açúcar. Os donatários DuarteCoelho e Martim A. Souza con-seguiram dos banqueiros holan-deses a liberação de empréstimospara a construção de engenhosaçucareiros. O colapso do siste-ma de capitanias levou o rei aoptar por um novo esquema ad-ministrativo.

Os tiros de canhãodisparados nãoassustavam ostupinambás,munidos de arco eflecha no combate

aos portugueses

Desde o princípio, mesmodepois de deixar de ser apenasuma boa parada para os navios

com destino à Ásia, Portugaldeixou claro que no Brasil sedesenvolveria uma economia

dominada e, de certa forma, peri-férica.

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Em 1549, desembarcava na Bahia o primeiro governador-geral, Tomé de Souza. A implantação do novo sistema ad-

ministrativo, estava em perfeita sintonia com o mo-mento europeu de consolidação das monarquias abso-lutistas. Apesar do governo-geral, as capitanias conti-nuariam existindo até que a Corte pudesse resgatar asque se mostraram produtivas. A realidade inusitadapermitiu a sobrevivência das capitanias até o séculoXVIII, quando foram extintas pelo Marquês de Pom-bal. Todavia, os donatários continuariam comoautoridade subordinada ao governador-geral.

A presença de uma autoridade com plenos po-deres foi encarada como solução mais viável para

deslanchar a engrenagem da colonização. Esperava-se também que o governo-geral resolvesse o velhoproblema dos ataques estrangeiros, sobretudo dosfranceses. Com esse intuito, em dezembro em 1548,partiu de Lisboa, a esquadra de três navios trazendomais de mil pessoas, chegando no Brasil, em março de1549.

A comitiva era formada por degredados, subal-ternos e contratados, sob o comando de Tomé de Souza

além dos jesuítas, a exemplo do padre Manuel da

Nóbrega.As inúmeras atribuições do governador-geral

estavam expressas num pacote de obrigações, difíceisde viabilizar. Vinculavam-se à necessidade da monar-quia em garantir a sua autoridade na colônia.

Para diminuir um pouco a “pequena” carga detarefas, contaria o governo-geral com o auxílio do pro-vedor-mor, responsável pela parte financeira. A monar-quia tinha a pretensão de controlar efetivamente as con-tas da colônia, impondo uma série de impostos e arreca-dações.

O provedor era tão prestigiado quanto o gover-nador-geral, acompanhando-o em todas as viagens pelacolônia. Havia ainda o ouvidor-mor com a função deaplicar a justiça, segundo os padrões das Ordenações

Manuelinas, espécie de código jurídico do absolutismoportuguês. Poderia eventualmente julgar e decretarpenalidades de acordo com a gravidade dos delitos.Finalmente, o capitão-mor comandava a espinhosa in-cumbência de vigiar o litoral e organizar a defesa contraos invasores.

Apesar da tonelada de atribuições, o governo-geral não conseguir realizar metade do que propunha.Na prática, o governador-geral controlava apenas a ca-pitania da Bahia de Todos os Santos. No restante dacolônia, a distância em relação ao poder central ajudava

a encobrir os atos lesivos aos in-teresses de Portugal.

Governo-Geral

Na gravura aolado: Aorganização deDuarte CoelhotransformouPernambuco nacapitania maisimportante doreino

“Não fazem o menor caso deencobrir ou mostrar suas vergo-nhas; e disso têm tanta inocênciacomo em mostrar o rosto. Ambos

traziam os beiços de baixo furadose metidos neles seus ossos brancose verdadeiros, do comprimento de

uma mão travessa, da grossuradum furador.”

Carta de Pero Vaz de Caminha.

Na fundação deSão Vicente, aprimeira vila doBrasil, MartimAfonso contoucom a ajuda deJoão Ramalho

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iaCom a imensidão do território, houve a disper-

são dos centros de comércio e produção ainda serestringia a poucas capitanias, dificultando as intençõescentralizadoras da monarquia. Para minimizar oproblema, elite colonial e monarquia portuguesaviveram inicialment, em sintonia de interesses,conjugados no mesmo verbo da exploração. A cortelusitana desfrutou, por um bom tempo, a tranqüilidadede conviver na colônia com uma elite fiel e solidária.

OS PRINCIPAIS GOVERNADORES.

Tomé de Souza foi o fundador da cidade deSalvador, escolhendo-a para sediar o governo colonial.Seu grande desafio foi dobrar a resistência de DuarteCoelho, donatário de Pernambuco, que não aceitava ataxação de impostos sobre o açúcar. O impasse foi re-solvido pelo rei, que ordenou a anistia ao prósperodonatário. Não convinha ao rei brigar com o dono dacapitania mais rica da colônia. O episódio fortaleceuDuarte Coelho em detrimento de Tomé de Souza, quefoi impedido de entrar na capitania pernambucana.Diante do vexame, restou ao governador fazer as malase voltar para Portugal.

Em 1553, desembarcou o novo governador-geral, Duarte da Costa, logo se envolvendo em várias

confusões. Com efeito, o governador fez vista grossaaos índios escravizados nas plantações de açúcar.Teoricamente a ecravidão indígenaera proibida pordecreto real

Diziam as más línguas que o filho de Duarte daCosta era envolvido na venda de índios capturados. Ofato provocou veemente protesto dos jesuítas, quehaviam assumido posição contrária à escravidãoindígena. Insatisfeito com o desenrolar da situação, obispo D. Pero F. Sardinha embarcou para Portugal, naintenção de pedir a interferência real. Para azar do bis-po, o navio afundou e os sobreviventes foramdizimados pelos índios canibais. 4

A conjuntura delicada fez o rei destituir Duarteda Costa e trocá-lo por Mem de Sá, em 1558. O novogovernador teve de enfrentar a rebelião indígena da

Confederação dos Tamoios. Os rebeldes se aquartela-ram no Rio de Janeiro, junto aos franceses corsáriosestabelecidos na região. No local os francesesconstruíram o forte de Coligny com a intenção deenfrentar as tropas de Portugal. No total eram 6.000índios e 500 franceses dispostos armados com grandearsenal.

As perspectivas pareciam boas para os fran-ceses. Na França várias pessoas ensejavam a vindapara o Brasil. As guerras de religião deixaram oscalvinistas franceses em desvantagem, levando muitagente ao êxodo para as terras tropicais.

Atribuições do Governador-Geral

tabelar o preço do pau-brasil e garantir o monopólio da mercadoriaperseguir e exterminar os piratas que estivessem pelo litoral da colônia.estabelecer feiras nas vilas e povoados.promover alianças com tribos amigas e conceder terras aos índiosproibir a escravidão dos índios.prestar contas ao rei das terras situadas nas regiões interiores.explorar as terras do sertão, de olho nos metais preciosos.fiscalizar constantemente as diversas capitanias.

Tomé de Souzadesembarca emSalvador

“Os cabelos são corredios. Eandavam tosquiados, de tosquia

alta. E um deles trazia por baixo dasolapa, de fonte a fonte para de

trás, uma espécie de cabeleira depenas de aves amarelas. Porém ecom tudo isso andam muito bem

curados e muito limpos. ” 1

Carta de Pero Vaz de Caminha.

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Em 1556, desembarcou no Rio um grupomissionários franceses, que terminaram provocandouma grande confusão. Os colonos mais antigos nãoaceitavam os hábitos rigorosos que os missionáriosqueriam impor. A briga exigiu a interferência do coman-dante Villegaignon, que ameaçou expulsar osmissionários. O episódio repercutiu na França,cerceando a transferência de mais colonos para oBrasil. Aproveitando-se do desentendimento, Mem deSá enviou uma esquadra para o Rio, sob o comandodo sobrinho Estácio de Sá.

Na baía de Guanabara, Estácio fundou a vila doRio de Janeiro para servir de base nas incursões con-tra os franceses. Em 1568, os portugueses expulsaramo último navio francês e, de quebra, debelaram arebelião indígena. O “final feliz” fez de Mem de Sá, ogovernador-geral mais elogiado pela historiografia por-tuguesa, ostentando, por muito tempo, o carisma depacificador da colônia. Entretanto, a alegadapacificação se deu em prejuízo dos índios, que forammassacrados sem perdão, depois do ataque das tropasportuguesas.

A mudança de atitude em relação aos índios senotava desde a época de Duarte da Costa. O cultivodo açúcar exigiu mão-de-obra abundante, que os por-

tugueses foram buscar nas aldeias indígenas. Reduzi-dos à escravidão e castigados com violência, aos índi-os restava fugir ou reagir. Os que reagiram enfrentarama hostilidade dos mercenários, que destruíam dezenasde aldeias, não perdoando, ao menos, as mulheres ecrianças. As “guerras justas,” como foram chamadas,resultaram no massacre e extermínio de boa parte dapopulação indígena.

“Como se não bastasse, em 1562, junto com aviolência determinada pelas guerras anti-caetés, umaepidemia - segundo parece, de varíola - golpeou, portrês meses, as cercanias de Salvador. Avaliaçõespessimistas estimam que esse surto tenha causado amorte de 30 mil índios. No fim desse ano ou no iníciode 1563, uma segunda epidemia instalava-se em Ilhéus.Trazida por um navio português, ela espalhou-se comrapidez pelo litoral e parte do interior, atingindo tam-bém a capitania da Bahia. As seqüelas das epidemiasentre os lusitanos foram quase nulas.

O Tempo da História

1500 1530

PERÍODO PRÉ-COLONIAL

ESCAMBOPAU-BRASIL

EXPEDIÇÃO DE MARTIM

AFONSO

CAPITANIAS

1538

CHEGAM AO BRASIL OS PRIMEIROS ESCRAVOSAFRICANOS

1548

CRIAÇÃO DOSISTEMA DE GOVERNO-

GERAL 1549

FUNDAÇÃO DE SALVADOR

1555

FRANCESESFUNDAM A

FRANÇA ANTÁRTICA

1567

EXPULSÃO DOS

FRANCESES

No Brasil a cana-de-açúcar foi introduzida porMartim Afonso de Souza,também dono do primeiroengenho erguido no país,em associação com oholandês Johann vanHielst, representante dosSchetz, ricos armadores,comerciantes e banque-iros de Amsterdã.

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iaEntre os índios, mal alimentados, estressados

e debilitados pelas arbitrariedades, foram terríveis.Aterrorizados, famintos, morrendo como moscas, semforças para enterrar os mortos, quanto mais paracaçar e trabalhar nas roças, os sobreviventesofereciam-se como escravos nas povoações e enge-nhos e deixavam-se cativar sem resistência, tudo emtroca de uma farinha de mandioca. Algunsíndios apresentavam-se aos colonos já comos ferros nos braços e nas pernas. Epi-demias de origem européia cri-avam a “extrema necessida-de”, que justificaria, segun-do a legislação portugue-sa, que um índio se vendes-se como escravo” 6

O longo período deMem de Sá foi repleto decomplicações que, ao final,foram resolvidas em bene-fício dos lusitanos. Maisbem organizados, nãopouparam esforços na ex-pulsão dos franceses, que eram chamados de invasores.Em 1572, a Corte portuguesa procurou aperfeiçoar osistema, dividindo a colônia em dois governos-gerais.

AS CÂMARAS MUNICIPAIS

Como já foi visto, a dificuldade de comunicaçãointerna foi um grande obstáculo à consolidação dogoverno-geral. Para suprir a lacuna, surgiram asCâmaras Municipais, instituídas nas vilas maisimportantes da colônia. Com o tempo, tornaram-se ocentro de representação dos interesses locais,resolvendo problemas que afetavam diretamente aelite.

Sempre no dia 8 de dezembro, um garotinho deoito anos colocava a mão na urna e escolhia os noveindicados para a administração dos três anos seguin-tes. Além dos escolhidos, havia o juiz-de-fora indica-do pelo rei. O cargo era de grande prestígio e normal-mente era exercido por juristas letrados. Os juízes or-dinários, em conjunto com o juiz-de-fora, arbitravam

casos pendentes e resolviam litígios. Colocavam ain-da em prática as decisões administrativas do governo-geral.

As eleições para a Câmara eram uma farsa, poissó participavam os homens-bons. A posse de terra eescravos era usada como critério para definição dos

homens que podiam participar das elei-ções. Um cidadão que tivesse riqueza

originada do comércio, estariaexcluído evidenciando o pre-conceito que existia contraesse tipo de atividade. O

elitismo da sociedadeescravista impunha umavisão social em benefíciodos latifundiários, fechan-do as portas a quem nãopossuísse a terra. Todotipo de trabalho manualera considerado indigno einferior, daí o preconceitocontra comerciantes eartesãos.

As Câmaras Municipais desfrutaram de razoá-vel autonomia no que se refere às decisões jurídicas eadministrativas. A distância da colônia em relação aPortugal deixou a brecha, logo aproveitada pela elitecolonial. Há de se considerar que durante muito tempoos interesses da elite colonial e da metrópole eram pra-ticamente os mesmos.

A inexistência de conflitos colocou a corte por-tuguesa e os latifundiários em perfeita sintonia e “can-tores da mesma música” em tom bem afinado. A“oposição” ficava por conta dos comerciantes, quenão deixavam os latifundiários em paz, mas tambémsem produzir resultados práticos.

Vestidos para aguerra, algunsíndioscombateramduramente acolonizaçãoportuguesaprovocando aruína de muitascapitanias “Os nossos brasileiros pintam

muitas vezes o corpo com desenhosde diversas cores e escurecem tan-to as coxas e pernas com o suco de

jenipapo que ao vê-los de longepode-se imaginar estarem vestidos

com calças de padre”.

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Como afirma Antô-nio Mendes Jr: “A mostrade independência quedava aos colonos, reunidosem suas câmaras, não pre-ocupou a Coroa até à se-gunda metade do séculoXVII. Ao contrário, esta atéabonou uns procedimentosnas vezes em que solicitou-se sua intervenção. Nomomento de que nos ocu-pamos, realizavam os colo-nos justamente os interes-ses da Coroa - ocupação e povoamento das terras,busca de pedras e metais preciosos, desenvolvimentodo sistema exportador etc, - não havendo, portanto,razão para tolhê-los em suas iniciativas e muito me-nos para temer qualquer proposição libertária.Apenas após a restauração portuguesa é queveríamos a preocupação clara da Coroa em sujeitaros colonos às autoridades de sua administração, quese ampliava e se afirmava, quando se rompia a iden-tidade de interesses que houvera entre os colonos e aCoroa.” 7

OS PRINCÍPIOS DA COLONIZAÇÃO

A relação econômica de Portugal com as áreasdescobertas teve etapas distintas. Inicialmente limitou-se à circulação de mercadorias no litoral africano atravésdo comércio de pimenta e marfim, e no Brasil à extraçãodo pau-brasil. Em seguida, teve início a produção pro-priamente dita, com a instalação da empresa açucareira.A colonização em seus fundamentos, deve serconsiderada como parte integrante da políticamercantilista do Estado português.

Com efeito, a centralização política do EstadoModerno alterou profundamente as ultrapassadas es-truturas feudais ao unificar o sistema de pesos e medi-das, fortalecer as alfândegas e proteger as manufatu-ras da concorrência estrangeira. A prioridade semprefoi arrecadar o máximo de recursos para os cofres doEstado.

Vista por esse ângulo, a expansão marítima e adescoberta de novas terras foi conseqüência direta doprocesso de renovação da economia européia.

A colonização aparece então como o desdobra-mento dos interesses de enriquecimento do Estado Mo-derno. A montagem da política colonial compreendia aproteção e manutenção das terras ocupadas, a implan-tação de uma estrutura administrativa e fiscal e a manu-tenção do rígido monopólio comercial. “Em torno dapreservação desse privilégio, assumido inteiramentepelo Estado ou reservado à classe mercantil, dametrópole ou parte dela, é que gira toda a política dosistema colonial. E aqui reaparece o caráter de explo-ração mercantil, que a colonização incorporou, daexpansão comercial, da qual foi um desdobramento”8

O açúcar era comprado na colônia por um preçoirrisório em comparação com o valor da mercadoria naspraças européias. A elite colonial conseguia amealharlucros devido a imensa quantidade de açúcar exportado,totalizando no final uma renda significativa. Na Europao produto era vendido aos holandeses, que refinavame vendiam o produto final. Além do mais com aimposição do “exclusivo colonial” a burguesiametropolitana e o Estado aumentavam seus lucros coma venda na colônia das mercadorias manufaturadas.

COLÔNIA METRÓPOLE

EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS E METAIS PRECIOSOS

FORNECIMENTO DE ESCRAVOS E PRODUTOS MANUFATURADOS

“Só deixavam de ser homens-bons os operários, os mecânicos, osdegredados, os judeus e os estran-

geiros. Aqui está: homens-bonseram todos os que exploravam o

trabalho alheio; os que do seuviviam eram livres ou escravos:

nem os primeiros estavam naquelerol”.

Castro Rabelo

Jesuítas notrabalho decatequese dosíndios

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Legalmente a colônia era obrigada ao consumode produtos trazidos exclusivamente pela metrópole. Apirataria e o contrabando eram rigorosamente punidospelos fiscais reais de Portugal.

A colônia era obrigada a desenvolver a produ-ção para o consumo externo, tornando-se mera forne-cedora de gêneros tropicais e matéria-prima. A exis-tência de grandes latifúndios ligava-se diretamente aesses interesses. A implantação do engenho açucareiroexigia um alto investimento, inviabilizando a pequenaprodução.

Por outro lado, a ambição da monarquia portu-guesa contrastava com a debilidade em gerenciar osrecursos financeiros. Os gastos altíssimos da corte e aausência de produção manufatureira tornaram Portu-gal, refém dos países mais ricos do continente euro-peu. Se de um lado sugavam a colônia, eram de outro,submissos à vontade dos banqueiros holandeses. Aburguesia lusitana contentou-se no final com o papelde intermediária, apenas repassando o açúcar aos es-pertos holandeses.

OS ÍNDIOS E A ESCRAVIDÃO

A mão-de-obra era peça chave do esquemade exploração. A necessidade de recrutar trabalho paraa lavoura de cana-de-açúcar levou os colonos a inva-direm aldeias, subjugando pela força milhares de indí-genas. Quem conseguia escapar embrenhava-se pelamata, fugindo para as regiões mais distantes. Os índi-os capturados eram obrigados a aceitar a escravidão.Acuados, entregavam-se aos colonos, escolhendo aescravidão em lugar da morte.

Na Bahia foram apresados centenas de índios,conduzidos em seguida aos engenhos, nas áreas deplantio da cana-de-açúcar. A visão defendida pelahistoriografia tradicional, que alegava a indolênciaindígena, é desmentida pela realidade de várias regi-ões da colônia, que usaram basicamente os índioscomo escravos.

Na região sul durante muito tempo, os índiosescravos foram esmagadora maioria, contrastando como pequeno número de negros. A reduzida produçãode São Vicente não compensava o investimento inicialde aquisição do escravo africano.

“Os homens e as mulheres(de uma tribo do Brasil) são

fortes e bem conformados comonós. Comem algumas vezes carne

humana, porém somente a deseus inimigos. Não os comem nos

campos de batalhas, nemtampouco vivos. Despedaçam o

corpo e repartem entre os vence-dores.”

“Enquanto aPortugal se lançava

pelo mundo em buscade ouro e outros

conversos, a Holandase desenvolvia com

formas alternativas deexploração do

comércio e empréstimode capitais”.

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A falsa idéia de que os índios não se adapta-vam ao trabalho legou uma imagem negativa epreconceituosa do elemento nativo. O ódio irracionalcontra as populações indígenas também encobria asescusas intenções de apropriação das terras embenefício do colonizador.

“Embora seja difícil aferir a extensão do regi-me escravista completo para a mão-de-obra indígenano Brasil (com as características de perpetuidade,transmissão hereditária por via materna e irrestritaalienabilidade) não há dúvida de que não se tratoude casos esporádicos como se poderia pensar, mas dealgo regulamentado pela Coroa portuguesa e queatingiu caráter amplo no espaço e no tempo. Éverdade que a legislação variou bastante,estabelecendo inúmeras restrições à escravidão doíndio, mas os autores encontraram várias circuns-tâncias em que o aprisionamento e a escravidão doíndio brasileiro podiam ser legitimados. As guerrasjustas, por exemplo, eram aquelas que deviam sertravadas - uma vez autorizadas pela Coroa e pelosgovernadores - em legítima defesa contra tribosantropofágicas. Nelas se justificava tomar escravos.”10

O TRAFICO NEGREIRO

O aumento da produção açucareira no Nordestevinculou-se à necessidade de ampliar o contingenteescravo. A obtenção da mão-de-obra indígena era in-constante e irregular. O meio ambiente favorecia osíndios, mais acostumados com os mistérios e perigosdas densas florestas. Ao mesmo tempo em que seesforçavam para aprisionar os índios, os portuguesesresolveram o problema com o tráfico de escravos afri-canos.

No século XVII, desembarcaram 500.000 negrosescravos trazidos em diversos navios tumbeiros. Alémdas dificuldades referentes à captura dos índios,houve também o lucro exorbitante que a tráfico rendiaaos mercadores negreiros. A burguesia de Portugalencontrou no tráfico negreiro o substituto lucrativopara a perda do monopólio do comércio com as Índias.

No continente africano, os portugueses adqui-riam centenas de negros em troca de mercadorias debaixíssimo valor, como cachaça e fumo, obtidos a custo(quase) zero aqui na colônia. A prática do tráfico teveinicio, em 1445, quando os portugueses aceleraram aexploração das feitorias africanas. De lá, eram levadospara a metrópole onde desempenhavam basicamentetarefas domésticas.

No auge dessa ëscravidão portuguesa”, osescravos representavam 10% da população da cidade.Entretanto, apesar desse início, a escravidão nãoemplacou como forma de trabalho no continenteeuropeu pela incompatibilidade com o capitalismo emexpansão. Em compensação, nas colônias seria amaneira mais viável de baratear o custo do açúcar eoutras mercadorias.

A partir do século XVII, o uso de escravos nasAntilhas deu mais impulso ao tráfico negreiro. Osespanhóis tinham dizimado a população local,recorrendo então à compra de escravos das feitoriasportuguesas. As praças de abastecimento eram Guiné,Angola, São Tomé e Príncipe. Esses locais se tornaramas principais praças fornecedoras de escravos. Onegócio era tão lucrativo que os ingleses, franceses eholandeses também entraram no esquema, conquistandolugares fornecedores de escravos.

“De início o tráfico negreiro era feito sob aadministração da Coroa ou mediante venda de licençaa particulares, cobrada segundo uma taxa estipuladapor peça de escravos, ou, ainda, pelo arrendamentode áreas definidas. Porém, a Coroa não se empenhoununca, com seriedade, em tomar para si o encargo detraficar diretamente, de maneira que esse comérciosempre esteve sob a iniciativa de particulares,destacando-se os portugueses de ascendência judáica.(...) A substituição do escravo índio pelo africanoganhou impulso no final do governo de Mem de Sá,por volta de 1570, e já em 1630 tinha se tornado umprocesso irreversível.” 11

Mercado denegros. Pinturade Debret

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iaOs negros capturados eram colocados em de-

pósitos à espera dos navios tumbeiros. O embarqueera preparado com rapidez para evitar possíveis rebeli-ões, preferindo-se os escravos que estavam no localhá muito mais tempo. Os negros eram retirados à forçade seus locais de origem e misturados com negros dasmais variadas etnias. A dificuldade de co-municação e o isolamento em rela-ção ao resto do grupo minimizavama chance de fuga, levando muitos aosuicídio.

A viagem era uma aventuraaterrorizante. Centenas de negros,homens na maioria, amontoavam-senos porões das embarcações. Eramem média 500 a 700 escravos, adepender do porte do navio. Suposta-mente no caminho, deveriam existir três refeições pordia, mas a regra geral, era a escassez de alimentos. Asujeira e a imundície facilitavam a propagação dedoenças na viagem, que durava mais ou menos 45dias.

Cerca de 10% dos escravos morriam no cami-nho. O traficante que pretendia vender 500 escravostransportava uma quantidade maior prevendo a quebrade 10% por conta da mortalidade. Após a venda nosmercados do litoral, eram levados para os engenhos,onde imediatamente eram incorporados ao contingen-te de trabalho.

“A senzala - habitação coletiva de negros es-cravos - eram construções bastante longas sem janelas(ou com janelas gradeadas) dotadas de orifício juntoao teto para efeito de ventilação e iluminação.Edificadas de pau-a-pique e cobertas de sapé, possu-íam divisões internas e um mobiliário que se resumiaa um estrado com esteiras - ou cobertores - e traves-seiros de palha. Às vezes, e se era o caso, havia tam-bém um jirau para o escravo guardar os seus pertences.Em algumas fazendas, nem as divisões internas eramefetuadas. Em outras, as senzalas eram menores. Emquase todas os casais desfrutavam de uma situação

especial, morando em pequenos barracos de pau-a-pique cobertos com folhas de bananeiras. Emboranão houvesse empenho notável em fazendas de re-produção, havia a preocupação em se dar um míni-mo de conforto aos casais para que eles reproduzis-sem força de trabalho para o senhor.” 12

A posse de escravos representavaprestígio e poder. Media-se um homem muitomais pela posse de escravos do que pelaposse da terra. As terras eram doadas comfacilidade pela Coroa, enquanto que osescravos, por serem comprados, eramsímbolo automático de riqueza. O aumentoda escravidão acentuou o costume portu-guês de desprezo pelo trabalho manual,visto como atividade inferior de gente

desclassificada.Na ideologia escravista os negros eram indo-

lentes e libidinosos. Da mesma forma, que se menos-prezava o índio, convinha à sociedade colonial atribuiraos negros a pecha de preguiça, o que justificava osinúmeros castigos e maus tratos. Na senzala, os negros

mais rebeldes eram acorrentados para evitar a possibi-lidade de fuga. Os castigos mais severos variavam dogarrote colocado no pescoço até a morte do escravo.A historiografia oficial descrevia a sociedade colonialde forma idealizada. Creditavam aos brancos a boa con-duta enquanto os negros eram taxados de passivos esubmissos. Essa visão absurda serviu de base para ocomportamento preconceituoso da sociedade que so-brevive até os dias de hoje.

“Ontem a serra-leoa, guerra, a caça ao leão,O sono dormido à toa

sob as tendas da amplidãoHoje o porão negro, fundo,infecto, apertado, imundo,tendo a peste por jaguar...E o sono sempre cortado

pelo arranco de um finadoe o baque de um corpo ao mar...”

Castro Alves - Navio Negreiro

Retrato daescravidão.Quadro deRugendas

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Terra é o que não faltava na colônia. Disponível em grande quantidade, generosa e abundante; foi o estímulo usado

pela Coroa para a vinda de colonos em condições deiniciar a colonização. A doação de sesmarias surtiurazoável efeito, transferindo para o Brasil umcontingente populacional representante dos interessesde Portugal.

O tamanho das sesmarias variava entre 6 e 24quilômetros. Após a posse o sesmeiro tinha um prazode 5 anos para iniciar a produção, caso contrário, per-deria o direito sobre a terra, além de pagar uma pesadamulta. Como se viu anteriormente, o alto custo de mon-tagem do engenho exigiu a produção em larga escala,em terras de grande porte. O engenho numa visão maisampla, compreendia o local de produção do açúcar, acasa-grande, a senzala, o moinho e a capela.

O centro desse imenso complexo soci-al era a casa-grande, que normalmente tinhamuitos quartos e um imenso salão. Além dafamília moravam vários agregados, normal-mente pessoas ligadas ao senhor de enge-nho. Desempenhavam as mais diversasfunções, incluindo acompanhar o senhorquando houvesse uma viagem. A existênciade muitos agregados simbolizava força epoder, como nas antigas famílias romanas comseus inúmeros “clientes”. Para essas pessoashumildes, ficar sob a proteção de um senhorera o melhor negócio do mundo. A durarealidade social estimulava a subserviência ea aceitação dos desmandos por mais cruéisque fossem.

A autoridade era exercida pelo senhorde engenho, dono das terras, da riqueza e davontade das pessoas. Em caso de morte, asterras ficavam para o filho primogênito,cabendo aos outros um papel secundário.Além disso, os filhos e agregados ficariam soba proteção de um parente mais próximo.Consolidou-se então a sociedade patriarcalno seu mais amplo sentido. A tradição deautoridade paterna era uma antiga tradição la-tina, adotada pelos portugueses e transposta para acolônia. O poder patriarcal era tão acentuado, que com-petia ao senhor de engenho julgar delitos envolvendoa família, podendo até decidir pela morte dos acusa-dos.

“Ostentar fidalguia, representar perante osoutros uma condição social mais elevada, através desímbolos, era uma tradição aristocrática, que em Por-tugal atingia mesmo os que não tinham cota d’armas.O desejo luso de ser nobre no Brasil passou a ser

apanágio dos senhoresde engenho. Na ausên-cia de uma aristocra-cia de sangue e detoga, era necessárioostentar vida luxuosa,posse de muitos escra-vos, mesmo que desnecessários para a produção, parafirmar seu status. Queixava-se Jorge Benci, no fim doséculo XVII: que razão pode haver para que os senho-res do Brasil sustentem das portas adentro tão grandenúmero de ociosos e ociosas? Por que não lhes hão demeter nas mãos uma enxada, para que plantem manti-mentos e tenham com que se sustentem os mesmossenhores a si e a quem lhes trabalha?” 14

A riqueza desmedida levava os senhores de en-

genho à compra de conservas e comidas em Portugal.As roupas também eram adquiridas na Corte, normal-mente tecido do melhor linho inglês ou francês. Apesarde toda a riqueza, a fome às vezes batia na porta da elitecolonial. A ocupação da área do engenho com o plantioda cana-de-açúcar, deixou pouco espaço para a agricul-tura de subsistência.

O latifúndio e o engenho

Fonte: NelsonPiletti. Históriado Brasil.Editora Ática.pág 52

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A moral familiar era ditada pelos rígidospadrões católicos, impondo-se à mulheruma torturante disciplina. Relegada e

confinada ao interior da casa, a mulher cuidava dosafazeres domésticos. Entenda-se confinada no sentidoliteral da palavra, porque mesmo com a presença devisitantes, a sinhá não podia estar no ambiente doshomens. As mulheres não tinham autoridade sobre osescravos e, na prática, era mais uma propriedade dosenhor de engenho. A rigidez dos valores sociais levouà supervalorização da virgindade, como forma de ga-rantir a integridade moral das moças na hora do casa-mento.

O casamento, é claro, ocorria de acordo com aconveniência do senhor de engenho, e a escolha domarido, às vezes, se dava antes das meninas nasce-rem.! Entretanto, a moral religiosa não se estendia àssenzalas. Os senhores de engenho e seus filhos, comfreqüência, “visitavam” as escravas, submetendo-as aexóticas práticas sexuais. O fato era aceito (e encober-to) socialmente, integrando-se ao cotidiano dos enge-nhos.

O latifúndio e a monocultura voltados para omercado externo nos deixaram uma triste herança co-lonial. O sistema colonial era espoliativo, predominan-do sempre o interesse da metrópole, de enriquecimen-to a todo custo, independente dos efeitos causadosna colônia. A divisão da terra em favor das elites, con-solidou a perversa distribuição, de poucos possuíremtudo e muitos não terem absolutamente nada.

Ret

rato

s do

eng

enho

“Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho,porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e au-

mentar fazenda nem ter engenho corrente. E do modo com que sehá com eles, depende tê-los bons ou maus para o serviço. Por issoé necessário comprar cada ano algumas peças e reparti-las pelospartidos roças, serrarias e barcas. E porque comumente são denações diversas, e uns mais boçais que outros e de forças muito

diferentes, se há de fazer a repartição com reparo e escolha e nãoàs cegas”. 13

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ATIVIDADES DE SUBSISTÊNCIA

A economia açucareira se completava com umconjunto de atividades subsidiárias, produzidas dentroe fora dos latifúndios. A natureza diferente das produ-ções de subsistência, determinou características opos-tas em relação à cana-de-açúcar.

Nas culturas de subsistência o consumo tinhapor objetivo o mercado interno, fornecendo alimentosà população que vivia nas vilas e latifúndios. As prin-cipais culturas eram mandioca, milho, feijão, arroz, hor-taliças e frutas. A mandioca era a mais importante, aponto de ser considerada pelos portugueses, o trigoda colônia. Os centros produtores de açúcar foram o

chamariz para o desenvolvimento dessas culturas, quese organizavam em algum canto do engenho ou próxi-mas das vilas. Nos engenhos a de mão-de-obra era opróprio escravo, que utilizava o fim de semana paracuidar da roça.

Em geral, esses alimentos eram consumidospelos escravos, porque a elite colonial gostava de os-tentar a riqueza importando alimentos de Portugal. Aexistência da produção de subsistência era condicio-nada ao preço do açúcar no mercado europeu. O au-mento da cotação expulsava as culturas complemen-tares para as áreas externas e o latifúndio era inteira-mente ocupado pela cana-de-açúcar.

A produção de subsistência também se desen-volveu nas vilas e entroncamentos de caminhos empequenas propriedades pertencentes a colonosalijados da produção de açúcar. Obaixo custo da produção, possibilita-va à família e uns poucos agregadoso plantio das culturas em ritmoextensivo. Nesses casos a mão-de-obra escrava era quase inexistente,pois o baixa lucratividade daatividade impossibilitava oinvestimento de compra e sustentodo escravo.

As técnicas de cultivo eramexcessivamente precárias,

condicionando a produtividade à fertilidade do solo.Na região paulista a cultura de subsistência predomi-nou em relação às outras atividades, pelo menos até oséculo XIX, quando teve início a produção cafeeira.

Perto das vilas era inevitável que existisse essetipo de lavoura, pois a maioria da população estavaempenhada na administração colonial e não tinha con-dição de produzir os alimentos necessários à sobrevi-vência. Essa contradição era inerente ao próprio siste-ma, pois a supervalorização do açúcar colocava oabastecimento da população em segundo plano. A fomee a subnutrição foram constantes na colonização, prin-cipalmente quando cresceram os núcleos urbanos. Osalimentos faltavam, até mesmo, para as pessoas de me-lhor condição.

“Os primeiros colonos che-gados tiveram naturalmente queapelar, de início, para os índios afim de satisfazerem suas necessida-des alimentares; ocupados em or-ganizarem suas empresas, não lhessobrava tempo para se dedicarema outras atividades. Os índios, queno seu estado nativo já praticavamalguma agricultura embora rudi-mentar e semi-nômade, encontra-ram neste abastecimento dos colo-nos brancos um meio de obter osobjetos e mercadorias que tantoprezavam. Muitos deles foram-sepor isso fixando em torno dosnúcleos coloniais e adotando uma

vida sedentária. Mestiçando-se depois, aos poucos, eadotando os hábitos e costumes europeus, embora demistura com suas tradições próprias, constituirão oque mais tarde se chamou de caboclos, e formarão oembrião de uma classe média entre os grandesproprietários e os escravos” 16

A PECUÁRIA

Junto com a atividade de subsistência, a pecuá-ria desempenhou papel importante na economia coloni-al. Criava-se gado nos engenhos e nas vilas, que termi-naram sendo o melhor mercado para os pecuaristas. Acompetição desigual com a cana-de-açúcar empurrouos criadores de gado para as áreas interiores, longe dolitoral. Por ordem da Coroa reservou-se a área de 300quilômetros, a partir do litoral, para o plantio exclusivoda cana-de-açúcar.

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iaMesmo considerando que nem sempre a norma

era cumprida, não há como negar que a medida criousérios embaraços para a pecuária levando-a para asregiões interiores da colônia. No Nordeste, o uso docarro de boi para o transporte de cana-de-açúcar incen-tivou a expansão da criação desse tipo de animais.

A implantação da atividade não exigia maioresinvestimentos, situação que estimulou o aparecimentode inúmeras propriedades, de médio a grande porte,nas margens do rio São Francisco e arredores. Com aexpansão da colonização nos séculos XVII e XVIII apecuária alastrou-se pela região de Minas Gerais e sulda colônia. No sul da colônia, a pecuária encontraria nopampa gaúcho a situação ideal de pastagens e clima.

Na pecuária desenvolveu-se uma sociedade comoutras características. A escravidão era incompatívelcom os baixos rendimentos gerados pela atividade; alémdo mais, os peões freqüentemente tinham de se deslo-car por várias regiões tangendo a boiada, exigindo autilização do peão conhecedor do terreno.

Por esses motivos, utilizou-se trabalho livre eremunerado, em geral, de indígenas que se agregavama essas fazendas. A remuneração poderia ser em moedaou pela produção, através de um novilho como paga-mento. Nesse ínterim, o fazendeiro cuidava de alimen-tar o peão e garantir-lhe moradia.

DROGAS DO SERTÃO.

No extremo norte da colônia, desenvolveu-se aatividade extrativa de produtos que eram chamadosdrogas do sertão. Embora já existisse desde o início dacolonização, foi no século XVII, após a ocupação doAmazonas, que a produção se tornou mais intensa,após a extinção dos limites de Tordesilhas.

Na região havia grande quantidade de cravo,canela, cacau, castanha, além de inúmeras plantas me-dicinais. O povoamento era disperso e inconsistente,com predominância para a população indígena em re-lação aos colonos vindos de Portugal.

A distância dos centros importantes da colôniafez a região aproximar-se economicamente de Portu-gal. Os poucos colonos que foram para a Amazôniaaproveitavam-se da falta de vigilância para utilizar osíndios na coleta dessas mercadorias. A presença pos-terior dos jesuítas na região criou um clima de perma-nente tensão, pois os padres, não concordando com aescravidão indígena, usavam a influência junto às au-toridades para coibir a ação dos colonos.

Aproximando-se dos índios, os jesuítas con-seguiam a confiança das tribos que se transferiam paraas missões, onde estavam a salvo da escravidão.Entretanto nos aldeamentos dos jesuítas os índioscontinuariam fazendo o mesmo trabalho, embora nãoestivessem mais sujeitos a escravidão.

“As boiadas que ordinaria-mente vem para a Bahia de cem,cento e cinqüenta, duzentas e tre-zentas cabeças de gado. Os quetrazem são brancos, mulatos e

pretos, e também índios, que comeste trabalho procuram ter algum

lucro”.Antonil

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iaA intimidade da Igreja com a Coroa portuguesa vinha desde as Guerras de Reconquista da península Ibérica, no

século XII. A união com a Igreja levou o Estado asustentá-la no regime de Padroado, que permitia ao reiopinar nos assuntos religiosos. Em contrapartida, oclero também estava presente na Corte, interferindonos assuntos políticos e nas decisões maisimportantes do rei. Nada mais natural, portanto, quena colônia houvesse presença marcante de religiosospara garantir e assegurar o catolicismo entre o gentio.Na visão da Igreja, a imensa população indígena dacolônia deveria, rapidamente, se converter aocatolicismo. Com esse intuito, desembarcaram no Brasil

dezenas se jesuítas, formando o batalhão de choqueda Igreja, imbuídos na tarefa de catequizar os índiosateus e pagãos.

A catequese na América insere-se no contextodas decisões do Concílio de Trento e da Contra-Refor-ma. As monarquias ibéricas, em sintonia com a IgrejaCatólica, franquearam o continente americano para osjesuítas desenvolverem a catequese. Em 1532, veio parao Brasil o primeiro grupo comandado pelos padres Ma-nuel da Nóbrega e José de Anchieta. Tendo como alvoa população indígena, os jesuítas arregaçaram as man-gas para conseguir um contato mais próximo, que lhespermitisse ganhar a confiança dos índios. Porém, logode início apareceram problemas difíceis de contornar.

A língua tupi-guarani era incompreensível paraa maioria dos padres. Os costumes diferentes provo-cavam, às vezes, situações engraçadas, pois os índios,ao receberem os hóspedes, choravam bastante, en-

quanto que os jesuítas riam muito,na intenção de manifestar um climade alegria. O jeito falador dospadres chocava-se com a atitudemais silenciosa e respeitosa, habi-tual entre os índios. A liberdadesexual, a nudez, a antropofagia e apoligamia dos índios deixavam os padres deses-perados, e, às vezes, não tinham como evitar a tentaçãoda beleza das índias nuas ou seminuas.

A dificuldade em conseguir resultados concre-tos nas primeiras décadas da colonização levou os je-suítas a optarem pela submissão dos índios através daforça, como comprova a carta de Manuel da Nóbrega,enviada ao rei em 1558: “A lei que lhes hão de dar édefender-lhes de comer carne humana e guerrear sem

licença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher,vestirem-se, pois têm muito algodão; ao menosdepois de cristãos, tirar-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos,

fazê-los viver quietos sem se mudarem paraoutra parte, se não for para entre cristãos,tendo terras repartidas que lhes bastem, ecom estes padres da Companhia para osdoutrinarem”.17

Para quebrar a resistência dos “sel-vagens” que não se dobravam ao apeloreligioso, os jesuítas valeram-se da posi-ção inteligente de contestar os excessosda escravidão indígena. O início dalavoura de cana-de-açúcar exigiu grandequantidade de mão-de-obra. Os colonos,“naturalmente,” encontraram nos índiosa solução para o problema, desencade-

ando a captura ostensiva dos índios para suprir a lacu-na do trabalho. Os jesuítas tiveram posicionamento con-trário à captura indiscriminada, aceitando a escravidão,quando houvesse as “guerras justas”. Para os índios, aopção de ligar-se aos jesuítas era menos traumática doque a escravidão no engenho açucareiro. Daí para fren-te, os índios aproximaram-se dos jesuítas, procurandoescapar do trabalho obrigatório.

AS MISSÕES

À medida que as tribos iam se escondendo nasregiões mais interiores, os padres faziam o mesmo mo-vimento, permanecendo meses a fio nas imediações dasaldeias, até que conseguissem abordar os índios. Há dese registrar a coragem e o empenho de alguns padres,que cometiam o absurdo de amarrarem-se na cruz, paraensinar aos índios como foi o calvário de Cristo! Após

Os Jesuítas

Ajoelhado,Inácio deLoyola recebeas bençãos dopapa Paulo IIIpelo sucessodas missões

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a abordagem, iniciava-se uma relação razoavelmenteamistosa entre índios e jesuítas.

O passo seguinte era a implantação de uma Mis-são ou Redução, no interior da selva onde era maisdifícil o ataque dos captores de escravos. Nas missõesdesenvolveram-se complexas relações econômicas, soba orientação dos padres jesuítas. Imune aos problemasde mão-de-obra, as missões utilizaram o trabalho indí-gena em diversas atividades, como agricultura, criação

de animais, artesanato e acaça nos arredores da re-gião.

Com as missões osjesuítas conseguiram umexpressivo patrimônio naregião sul da colônia. Aprodução agrícola eartesanal era tão desenvol-vida, que permitiu aos je-suítas a comercialização doestoque excedente, vendi-do nas aldeias e vilas pró-ximas das missões. O cus-to zero com a mão-de-obramultiplicava os rendimen-tos e permitia a engorda deum imenso poder econômi-co.

Houve tambémmissões implantadas na

região amazônica. Nessa área os jesuítas implantaram acoleta de drogas do sertão e produção artesanal queeram comercializados em Portugal com grandes lucros.

Na opinião de alguns historiadores, os padressonhavam com a implantação de um império religiosonas áreas relegadas pela Coroa portuguesa. No século

XVII, as missões se tornaramalvo fácil para o ataque dosbandeirantes, que encontrari-am os índios indefesos edesarmados, confiantes napregação jesuíta de que aajuda de Deus seria o bastan-te para salvá-los da escravi-dão.

O posicionamentodos jesuítas em relação aos ín-dios, “protegendo-os” doscolonos, perde consistênciaquando se constata que as tri-bos foram destituídas do seuhábitat natural e obrigadas aaceitarem uma nova religião.Desprovidos dos antigos va-lores culturais, os indígenastransformaram-se em carica-turas de bom comportamen-to. Os índios mais aculturadoseram levados para as vilas,servindo de vitrine para asvantagens civilizadoras do

cristianismo! A historiografia tradicional, romancean-do os fatos, enaltece os jesuítas como exemplo deabnegação e retidão, empenhados no ministério de sal-var os índios e aponta-los o caminho do céu.

Em relação aos negros, os jesuítas concordavamcom o cativeiro ou ignoravam a sua condiçãomesclando aceitação com a omissão. Na senzala ospadres não precisavam dissimular um comportamentosolidário. Pela própria situação, os escravos não esta-vam em condições de discutir a sua opção religiosa.Apesar da obrigação de aceitar o catolicismo, os ne-

Fonte: NelsonPiletti. op cit.pág 73

“Os escravos chegam aoBrasil muito rudes e muito fe-chados e assim continuam portoda a vida. Outros em poucosanos saem ladinos e espertos,

assim para aprenderem a doutri-na cristã, como para buscaremmodo de passar a vida e para selhes encomendar um barco, para

levarem recados.as mulheresusam da foice e de enxada, como

os homens; porém nos matos,somente os escravos usam de

machado.” 15

O padreAntonio Vieiraem contatocom os índios

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Bra

sil C

olôn

ia

gros davam um “jeitinho”, cultuando seus deuses noscantos da senzala. Dessa mistura resultou osincretismo religioso, e o culto aos deuses do can-domblé foi incorporado definitivamente à realidade cul-tural do povo brasileiro.

Na educação colonial, os jesuítas deixaram umamarca importante. Com efeito, quase todas as escolasda colônia eram mantidas pelos jesuítas. A intençãoinicial era renovar o contingente eclesiástico, mas comonão havia outras opções quem quisesse algumaformação teria que recorrer a essas escolas.

A opção dessas escolas com seu ensino elitista,atendia aos anseios dos latifundiários, e de outro lado,havia a possibilidade de os filhos da elite se encanta-rem com a vida religiosa, levando-os a ingressarem naCompanhia de Jesus. O ensino era gratuito e mantidopela ajuda financeira da Coroa, através do regime doPadroado.

1 Carta de Pero Vaz de Caminha.2 In. Mendes Jr, Antônio e outros. Brasil His-

tória - Texto e Consulta. Volume 1. Editora Brasiliense.Pág. 88.

3 Carta de Pero Vaz de Caminha.4 Deve-se ressaltar que algumas tribos indíge-

nas viam no canibalismo uma atitude religiosa. Acredi-tavam que a ingestão de parte do corpo do inimigo,traria força para enfrentar novos combates. A morte deum combatente que mostrasse destreza no uso do arcoe flecha, levaria o “canibal” a disputar uma parte dobraço ou das mãos, como forma de renovar a sua pon-taria.

5 Carta de Pero Vaz de Caminha.6 In. Maestri, Mário. Terra do Brasil. A Con-

quista Lusitana e o Genocídio Tupinambá. EditoraModerna. Pág.79.

7 In. Mendes Jr. Antônio e outros. op cit. Pág.128.

8 In. Novais, Fernando. O Brasil nos quadrosdo Antigo Sistema Colonial.. Editora Difel. Pág. 51.

9 In. Lery de Jean. Viagem à terra do Brasil.1578.

10 In. Pinsky, Jaime. Escravidão no Brasil. Glo-bal Editora. Pág. 17/18.

11 In. Koshiba, Luiz e Denise Fraize Pereira.História do Brasil. Atual Editora. Pág. 30.

12 In. Pinsky, Jaime. Op cit. Pág. 36.13 In. Antonil. Cultura e opulência do Brasil.

Apud. Koshiba, Luiz. História do Brasil. Pág. 35.14 In. Mendes Jr. e outros. Op cit. Pág.. 113.15 In. Antonil. Op. Cit.16 In. Prado Jr. Caio, História Econômica do

Brasil. Editora Brasiliense. Pág. 42.17 In. Maestri, Mario. Op. cit. Pág. 68.18 In. Antonil. Cultura e Opulência no Brasil.

Apud. Koshiba, Luís e Denise Manzi. História do Bra-sil. Atual Editora. Pág. 57.

Despojados ou ar-gentários? Escravo-cratas ou liberais;libertinos ou libertá-rios? Passados qua-se cinco séculos, opapel desempenha-do pelos jesuítas noBrasil Colônia perma-nece imerso em polê-mica.