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1 AS MARCAS DO MERCADO FINANCEIRO PERTENCEM AOS CONSUMIDORES ? (base da palestra de José Roberto Martins no 1º Semark – Seminário de Marketing Financeiro em 25/11/04. Organização: Febraban) José Roberto Martins * WWW. GLOBALBRANDS. COM. BR Copyrigth/2004 (versão: fev/2006) Os ativos intangíveis são fontes de lucros futuros sobre bens ainda não reconhecidos nas demonstrações financeiras da maioria das organizações. Embora nenhum banco possa prescindir das suas marcas, reputação, listas de clientes, sistemas, processos, softwares e equipe capacitada, nenhum desses exemplos de intangíveis está formalmente reconhecido nos balanços, e tampouco através de métricas gerenciais que possam orientar as empresas do setor, seja nas suas ações administrativas, ou nos trabalhos de comunicação que precisam ser legitimados e valorizados por diversos públicos. Além do desconhecimento médio a respeito dos benefícios da mensuração formal dos ativos intangíveis pela maioria das organizações, observamos, especialmente no setor de serviços, que outra possível razão desse “desprezo” pode ser creditada aos sistemas contábeis clássicos, os quais não admitem a perspectiva financeira, dos ativos que não podem ser tocados (imateriais ou intangíveis). Normalmente, o tema é interpretado como restrito à pesquisa e teoria econômica, cujas possibilidades são consideradas de baixo interesse organizacional, já que aparentemente não têm relação com os lucros táticos. Vamos ao sentido prático. A contabilidade se acostumou a reconhecer os intangíveis apenas como uma questão de “ goodwill”, e embora tratando o “preço” dos intangíveis como um sobrepreço nas eventualidades de fusão e / ou aquisição (M&A), ela não se ocupou em apoiar a identificação do seu “valor a priori” da M&A, que é quando os meios de valorização dos intangíveis são mais interessantes e oportunos, pois eventualmente até ajudam a impedir que eles naufraguem por causa da má administração ou as ameaças controláveis do mercado. A compreensão sobre a importância e valor dos intangíveis está crescendo mesmo entre os céticos, e curiosamente com maior vigor e organização nas indústrias, que

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AS MARCAS DO MERCADO FINANCEIRO PERTENCEM AOS CONSUMIDORES?

(base da palestra de José Roberto Martins no 1º Semark – Seminário de Marketing Financeiro em 25/11/04. Organização:Febraban)

José Roberto Martins * WWW.GLOBALBRANDS.COM.BRCopyrigth/2004 (versão: fev/2006)

Os ativos intangíveis são fontes de lucros futuros sobre bens ainda não reconhecidos

nas demonstrações financeiras da maioria das organizações. Embora nenhum banco

possa prescindir das suas marcas, reputação, listas de clientes, sistemas, processos,

softwares e equipe capacitada, nenhum desses exemplos de intangíveis está

formalmente reconhecido nos balanços, e tampouco através de métricas gerenciais

que possam orientar as empresas do setor, seja nas suas ações administrativas, ou

nos trabalhos de comunicação que precisam ser legitimados e valorizados por diversos

públicos.

Além do desconhecimento médio a respeito dos benefícios da mensuração formal dos

ativos intangíveis pela maioria das organizações, observamos, especialmente no setor

de serviços, que outra possível razão desse “desprezo” pode ser creditada aos

sistemas contábeis clássicos, os quais não admitem a perspectiva financeira, dos

ativos que não podem ser tocados (imateriais ou intangíveis). Normalmente, o tema é

interpretado como restrito à pesquisa e teoria econômica, cujas possibilidades são

consideradas de baixo interesse organizacional, já que aparentemente não têm relação

com os lucros táticos.

Vamos ao sentido prático. A contabilidade se acostumou a reconhecer os intangíveis

apenas como uma questão de “goodwill”, e embora tratando o “preço” dos intangíveis

como um sobrepreço nas eventualidades de fusão e / ou aquisição (M&A), ela não se

ocupou em apoiar a identificação do seu “valor a priori” da M&A, que é quando os

meios de valorização dos intangíveis são mais interessantes e oportunos, pois

eventualmente até ajudam a impedir que eles naufraguem por causa da má

administração ou as ameaças controláveis do mercado.

A compreensão sobre a importância e valor dos intangíveis está crescendo mesmo

entre os céticos, e curiosamente com maior vigor e organização nas indústrias, que

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possuem muito mais bens tangíveis que as empresas de serviços, em essência quase

absolutamente formadas de ativos intangíveis. No mercado financeiro, em especial, é

onde encontramos grandes oportunidades para estudar as melhores formas para a

correta dimensão, controle e alavancagem dos intangíveis, principalmente quando

tratamos da administração de marcas.

Além dos fracassos ocasionais de marcas no setor, as empresas de serviços

financeiros vivem um momento delicado das suas relações com a estrutura clássica de

comunicação e promoção de marcas, ainda que a maioria dos bancos não tenha se

dado conta disso. Enquanto algumas organizações não se ressentem da falta de

criatividade para a produção de peças de mídia ou ações nos pontos de venda (PDV),

um bom número de bancos se queixa do quase esgotamento da criatividade de

comunicação da maioria dos seus fornecedores, sejam eles agências de propaganda,

consultorias de marketing, ou mesmo o próprio staff, por vezes acusado da falta de

proatividade, notadamente ao buscar inteligência para o posicionamento de suas

marcas no mercado.

As empresas que se ocupam seriamente dessa questão estão preocupadas, já que

observam um crescente movimento de instabilidade, na nossa opinião causado pela

reconquista da autonomia dos consumidores os quais questionam as mensagens

recebidas pela mídia ou nos PDV. Torna-se cada vez mais clara a incapacidade de

entrega de promessas da maioria das marcas.

Do ponto de vista de muitas organizações, e segundo as nossas impressões gerais, os

consumidores permanecem avaliados como sujeitos integrados, aos quais basta

promover imagens de estilo de vida (lifestyle), tentando mostrar a capacidade da

organização como provedora de confiança e demais necessidades pontuais ou

emocionais, não raro até aos limites dos “receios escondidos” dos consumidores em

relação à segurança financeira (empréstimos, aplicações, seguros).

Trata-se de um ciclo, o qual explicamos ao constatar, principalmente entre os grandes

bancos de varejo, no qual os consumidores, ainda que em constante transformação e

movimento, não deixam de emitir sinais que fazem com que sejam tratados como seres

estereotipados aos quais podem ser oferecidas soluções padronizadas geralmente

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desde um plano horizontal de segmentação, normalmente formulado sob as rotulações

“small”, “medium ”, “corporate ” ou “private”, que há muitos anos regulam as diferenças

de tratamento dos consumidores na maioria dos bancos.

Observamos nesse formato de segmentação como certas marcas estão mais ou

menos organizadas para disponibilizarem seus produtos, competências e profissionais

ao mercado. Alguns bancos já se incomodaram com o nivelamento generalizado e

resolveram partir para o que acreditam ser o “branding ideal da segmentação”. Assim,

as “marcas genéricas” “small”, “medium”, “corporate” e “private”, têm sido substituídas

por nomes “exclusivos”, alguns instalados nas próprias agências como “unidades”

especiais, enquanto outros foram acomodados em edifícios próprios e até com

sistemas on-line e staff exclusivos, além de uma sinalização gráfica diferenciada.

Com tudo isso, constatamos que esses modelos operam basicamente sob o patrocínio

e tutela de imagem da marca de origem, esteja ela ou não em harmonia com o

posicionamento que se pretende seja percebido e comprado pelos “novos” targets.

Enquanto alguns sistemas transmitem uma impressão – em geral ilusória – que o

cliente conta com uma massa crítica especial formulada exclusivamente para atender

as suas necessidades (observe, por exemplo, que a tesouraria costuma ser a mesma

para todos…), a verdade é que a maioria dos projetos produziu “puxadinhos de luxo” às

agências e modelos de sempre.

O processo tornou-se estético e até funcional, todavia à custa de alguns paradoxos.

Certos bancos acabaram optando pela construção e promoção de marcas monolíticas,

termo que sinaliza a idéia de uma única marca capaz de sinalizar e vender tudo o que a

organização é capaz de produzir. Em nome dessa aparente simplicidade e

racionalidade, muitas marcas altamente interessantes têm sido sugadas pelos buracos

negros da lógica monolítica, o que ajuda a macular ainda mais o objetivo primordial dos

puxadinhos.

As constantes fusões e aquisições do setor são fontes emblemáticas de análise dessa

constatação, notadamente quando estudamos a respeito da legitimidade de

segmentação e reposicionamento de algumas marcas do setor. Por exemplo, quando o

Bradesco assumiu o BCN, decidiu descartar uma marca que estava bem posicionada

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nos segmentos “small” e “middle” corporativo, prestando serviços de qualidade e

reconhecidos pelos consumidores, repentinamente alçados à condição de “viúvas do

BCN”, para “as” quais não importava as eventuais mazelas administrativas ou

acionistas da instituição, já que a rotina de negócios indicava que ela era capaz de

sustentar a entregar as promessas da marca BCN.

O Bradesco conduziu a gestão e promoção da marca BCN por um determinado

período, mas acabou sucumbindo diante do apelo irresistível da economia de escala

monolítica, mesmo à custa da legitimidade conquistada junto aos consumidores. Dentre

outros senões, “o pessoal do BCN” deveria operar segundo os sistemas e as normas

ditadas pelo “pessoal do Bradesco”. Não tinha mesmo que funcionar e, portanto, a

coisa certa a fazer foi fundir a rivalidade de imagem das duas marcas, segurando o que

fosse possível da carteira de clientes e demais valores do BCN, além de sua

capilaridade. Tão enfraquecida, a imagem de marca do BCN foi desaparecendo,

restando apenas a impressão de que o Bradesco nada mais fez do que simplesmente

espanar o problema da marca BCN da sua frente.

O soterramento da marca BCN foi, sem dúvida, ancorado no critério legítimo de

economia de escala, dentre outros possíveis méritos e valores da inteligência e

“estrutura Bradesco”. Se tudo isso não deixa de ser funcional, é possível que os

elementos de sinergia tenham sido excessivamente valorizados, justamente por terem

sido apreciados sob a ótica do próprio Bradesco, e não com a lógica das modernas

práticas de branding, o que implicaria em não descartar as impressões, necessidades e

desejos da massa de consumidores da marca BCN.

Não restam dúvidas de que foi operacionalmente muito mais fácil (e econômico) tatuar

o BCN e a sua massa de clientes com o carimbo Bradesco, segmentando a nova

marca dentro da estrutura clássica da organização, ou até sob o novo nome “Bradesco

Prime”, mesmo que ele em nada coadune com os valores fundidos das marcas

Bradesco e BCN.

Afinal, e extrapolando o exemplo, é possível mesmo “separar” a monolítica marca

Bradesco do luxuoso puxadinho Bradesco Prime? Serão os consumidores assim tão

míopes? Há o risco de os “primeless” se sentirem desprestigiados? Como lidar com os

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consumidores que, embora targets, podem não receber as promessas da comunicação

Prime, por exemplo, ao residirem em bairros onde não existam condições para os

“points exclusivos”, um staff equipado para entrega ou mesmo a infraestrutura

organizacional esperada pela massa?. A “nova” capilaridade não irá estabelecer novos

focos de conflitos e tornar ainda mais complexa a administração dos riscos e

oportunidades de branding?

Outro fato instigante nos pretensos “projetos de segmentação com branding” é o clima

elitizado de marca da média das novas embalagens. A idéia geral é que apenas um

grupo privilegiado de consumidores da marca original poderá contar com o modelo

(estético) de eficiência dos “novos” bancos, doravante travestidos não apenas de

tecnologia, mas revestidos de um layout a la Daslu representado por um grupo seleto

de profissionais que “falam a língua” dos clientes e, não raro, até se parecem com eles.

Tudo isso é reforçado pelas benesses de um espaço físico refrigerado, sem aquários

de segurança, filas, profissionais desmotivados, além de outras amenidades e

condições “especiais de convivência” que, antes acessórios de fábrica integrados ao

cotidiano dos bancos de sucesso médio para cima, tornaram-se benefícios alçados à

categoria de quase luxo. Nada de mais em tudo isso, mas é preciso não se esquecer

que o branding requer altas doses de legitimidade para os efeitos desejados.

É verdade que os bancos possuem algumas funções públicas, muitas vezes

conflitantes com os seus interesses e desejos de branding. É justamente o paradoxo da

dualidade “público x privado” o maior desafio de inteligência das organizações que

desejam crescer de forma sustentada, todavia segundo a lógica dos seus

consumidores. Sem inteligência extraordinária a maioria dos bancos não conseguirá

superar os desafios da dualidade, o que irá custar-lhes um preço bastante alto.

Ainda que os focus groups possam revelar os consumidores como massa capaz de

sustentar os novos modelos, é preciso considerar seriamente a possibilidade de eles

também indicarem que não querem mais ser percebidos de maneira segmentada, pelo

menos enquanto perceberem a maioria dos vícios de origem dos puxadinhos. Tanto

quanto os bancos, resultado é tudo o que interessa para os consumidores. A firula do

marketing nada pode fazer para mascarar a incapacidade de produzir resultados

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sustentados. Pesquisas, afinal, mostram quase sempre as mesmas coisas para todos

que desejam ver apenas as mesmas coisas.

Um bom número de bancos insiste em prolongar as suas políticas de segmentação, o

que pode revelar sinais de exaustão intelectual ou de eficiência da comunicação do

modelo do negócio, gerando dúvidas acerca da capacidade de dirigir várias marcas do

sistema para além da feição clássica ganha-ganha das relações.

Não existe muito espaço e tempo para teorias. A linha de frente precisa e deve

produzir, e tudo indica que ela desenvolveu bem essa capacidade, ainda que

eventualmente corra o risco de nivelar-se aos clássicos vendedores dos carnês do Baú

da Felicidade, o que não é demérito para ninguém, especialmente se essa volúpia

produtiva estiver em linha com o posicionamento de marca que a organização escolheu

para competir no mercado. Isso pode caber no Bradesco, mas certamente não caberá

nos puxadinhos.

Temos observado o recrudescimento da “empurroterapia” no sistema, não sendo raras

as organizações formalmente acusadas da prática de vendas casadas, ou mesmo a

pressão psicológica sobre clientes, “convidados” a praticarem necessidades formuladas

a partir do seu receio de perda da referência, ou provisão de recursos financeiros.

Repentinamente, os gerentes outrora capacitados, pensadores e fomentadores de

negócios, são miscigenados a vendedores de produtos de prateleira, alguns bem

abaixo do que poderia ser esperado de uma estrutura sofisticada de branding, como,

por exemplo, consórcios e seguros domésticos, muitas vezes oferecidos sem critérios

aos consumidores.

No longo prazo, toda essa vulgarização de branding poderá transformar alguns bancos

em mega centros de “negocinhos de varejo”, nos quais qualquer commodity poderá ser

contratada online, mesmo entre os clientes PJ, aos quais restará um serviço de

qualidade sofrível, ainda que indispensável. Tudo pode ter a sua lógica econômica e

financeira, mas é produtivo alertar que quase não há espaço para reconhecimento e

remuneração do valor de marca em modelos assim.

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Observamos nas agências de alguns bancos que além da grande crise de identidade o

setor atravessa uma crise de eficiência. Em grande parte, muitas dicotomias foram

causadas pela inconsistência do modelo de aquisições, no qual vimos engordadas as

carteiras de clientes, todavia à custa do inchaço orgânico na estrutura, em geral

despreparada ou pelo menos audaz para combater as possíveis ofensas ao

posicionamento de suas marcas. A tão sonhada sinergia de carteiras não foi suficiente

para colher os supostos benefícios do crescimento orgânico do número de clientes.

Sem levar em conta os impactos no branding e demais intangíveis (lembremo-nos que

eles não existem formalmente), os custos de adaptação de agências, treinamento e

remoção de pessoal fora do modelo são elevados.

O serviço de “instituições mais reclamadas” do Banco Central tem baixo valor

estatístico, mas possui alto poder inspirador para quem desejar. Em novembro de 2004

observamos o total de 989 queixas procedentes (nas quais houve descumprimento das

normas do Banco Central), e 74 improcedentes, nas quais as instituições não

descumpriram os atos normativos do Conselho Monetário Nacional ou do Banco

Central do Brasil. É um abismo preocupante...

A ineficiência dos bancos, somada à falência certa do modelo dos puxadinhos, pode

contribuir rapidamente para o deslocamento dos consumidores para fora do modelo de

convivência adequado para as principais marcas do setor, sendo ainda mais grave para

aquelas que desejam se estabelecer com equilíbrio e competitividade no mercado, mas

que acabaram copiando os bancos líderes. Portanto, não é lógico exigir que a linha

média de gestão de alguns bancos consiga responder satisfatoriamente às demandas

tangíveis e intangíveis de branding, com chances de superarem as expectativas dos

clientes e até mesmo do staff.

Um desafio muito grande para alguns bancos tem sido a busca do equipamento

intelectual que os auxilie a darem o próximo salto, caminhando em direção ao nível

eficaz de comunicação, oferecendo mensagens que sejam interpretadas claramente,

legitimamente e de encontro ao processo de “libertação” dos seus consumidores, se for

essa a ótica de algumas marcas. Evidentemente, o desafio é a busca pela viabilidade

econômica e financeira do processo desde essa perspectiva.

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Essas questões e argumentações podem parecer um pouco abstratas ou até

pessimistas, ainda que alguns sinais da “nova” lógica já tenham sido semeados nas

linhas anteriores deste texto e nos próprios terrenos do mercado. É realmente possível

que a nossa perspectiva não seja percebida como uma questão emergente, já que o

desenho organizacional da maioria dos bancos funciona em termos táticos

(operacionais): o staff demonstra produtividade, as metas são invariavelmente

alcançadas e superadas, a segmentação e o cross-selling produzem, com funcionários

que não se cansam de ter idéias para reduzir custos e aumentar as receitas. Então,

onde estão os problemas?

Se tudo vai sempre muito bem, estranhamos, até com certa freqüência, que alguns

bancos acabem comprando organizações que acabaram no mercado como marcas

que não vingaram, embora paradoxalmente também estivessem anteriormente em

condições aparentes de vantagem e praticando táticas lógicas de branding. É possível

que muitas organizações fracassem, ou pelo menos que não acompanhem o sucesso

das demais, simplesmente porque não conseguem compreender e administrar seus

diversos públicos (stakeholders), ou mesmo não sejam capazes de conter a própria

vaidade, outro elemento intangível que não conta com métrica de eficiência validada

pelo mercado.

Tudo pode ser uma mera questão de opção pelas métricas corretas, adequadas a cada

organização e não ao setor em geral, muito mais acostumado às medidas quantitativas

táticas de performance. Será que o que funciona para o setor funciona para as

peculiaridades de cada banco? Será que as métricas que têm valor são legitimadas

pelas impressões gerais e reações dos consumidores?

Refletimos também sobre o seguinte: as organizações mais gordas (de maiores

volumes de ativos), são em geral referidas como melhores, ainda que outras possam

pesar menos e serem formadas de carne magra, muito mais saudável. Mas, o que é

“gordura” e o que é “músculo” no branding do mercado financeiro?

Como este espaço é limitado, vamos especular a respeito dessas e de outras questões

observando os consumidores no varejo, deixando as feições e interesses táticos do

interbancário um pouco de lado. Portanto, queremos começar com as seguintes

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perguntas: existem sinais de algum processo de reconquista de autonomia por parte

dos consumidores de serviços financeiros? E, se eles existem, podem transformar as

marcas do mercado financeiro?

Descentração

Uma idéia geral interessante e bastante promissora, também aplicável a vários

negócios, é que tudo indica que as pessoas não identificam mais seus interesses

sociais exclusivamente em termos de classes, que não podem servir como dispositivos

discursivos ou categorias mobilizadoras através das quais todos os variados interesses

e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e

representadas.1

Sempre se acreditou que as estruturas eram estáveis; que não estavam sujeitas a

mudanças estruturais. Há não muito tempo, as pessoas julgavam que só seria possível

ter acesso à informação através da leitura corriqueira de jornais, livros e revistas. O

computador pessoal e a Internet eram coisas inimagináveis. Hall também lembra que

as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em

declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, o qual

não tem controle direto sobre as transformações que ele mesmo causa. Mais adiante,

será fácil compreender esse paradoxo.

Segundo essa perspectiva, o fato é que as identidades modernas estão sendo

“descentradas”. Nós, segundo Hall, não somos mais compostos de uma única

personalidade, já que estamos constantemente nos fragmentando, formando várias

personalidades, muitas vezes contraditórias e até não-resolvidas. Somos cada vez

mais provisórios, variáveis e problemáticos, o que não significa que não podemos nos

identificar com nenhuma das nossas possíveis identidades. Isso nos caracteriza como

“sujeitos pós-modernos”, conceito em evolução desde os anos 60. Teorias ainda mais

recentes até se referem ao sujeito “hipermoderno”, o qual trabalha no individualismo de

escolha das diversas opções disponíveis para o próprio prazer. Nesse nível, quase não

existe espaço para a comunicação massiva de marcas.

1Hall, 2004.

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Mas se formos mesmo sujeitos instáveis, inconstantes e móveis, pelo menos por

enquanto adaptáveis, como podemos nos relacionar classicamente com a estrutura

que nos rodeia e que, também segundo Hall, se “desloca”, já que seu centro não é

substituído por outro, mas sim por uma pluralidade de centros de poder pois

atualmente as transformações mais importantes estão sendo promovidas da periferia

para o centro.

Afinal, de onde emana o poder do mercado financeiro? Ele é coercitivo ou

participativo? Ele é temido ou respeitado? Se ele transmitir as imagens negativas,

certamente irá provocar (abreviar) o surgimento dos movimentos de deslocamento dos

indivíduos para além da capacidade de retenção das organizações, o que trará

conseqüências imprevisíveis para as marcas do sistema, sejam de que tamanho forem,

mesmo revestidas de logotipos dourados ou exclusivos.

Tudo isso corrobora, parcialmente, a nossa idéia a respeito da dualidade “público x

privado” do setor, a qual questiona a idéia geral de que as marcas do mercado

financeiro não pertencem aos seus titulares, mas sim aos consumidores. Acreditamos

que essa idéia funciona, mas apenas nas organizações nas quais os consumidores

tenham alguma ingerência nas ações, obtendo sinais claros, sistemáticos e

inconfundíveis sobre a capacidade de entregar as promessas do posicionamento de

cada marca. Na realidade, a vida dos bancos cujas marcas pertencem ao mesmo

tempo aos consumidores e acionistas é tão dura e desafiante, que é difícil acreditar que

eles possuam equipamento humano em número suficiente, capaz e motivado para

executar tarefa tão vital e complexa.

Tudo indica que organizações, indivíduos e a sociedade, não podem ser

individualizados ou segmentados (integrados) da maneira clássica, já que tudo leva a

crer que não existem mais centros de poder que sejam capazes de implementar e

sustentar políticas duradouras de vendas e comunicação, por exemplo, muito mais

tempo que a emergência das necessidades das identidades descentradas, visivelmente

em ritmo avassalador de transformação.

O fato é que as identidades estão sempre abertas e inacabadas e, portanto,

permanentemente permeáveis a várias idéias e abordagens, muitas vezes igualmente

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conflitantes. Tudo isso também causa impactos no sentimento de posse das marcas

pelos consumidores, infelizmente (para as organizações) afastando-os do interesse

pela manutenção sustentada da relação, pelo menos em harmonia com os modelos

clássicos de viabilidade econômica de comunicação e branding.

Enquanto isso, nas muralhas da maioria das organizações que se regem pelo modelo

de “aprisionamento e rotulagem” do indivíduo, através dos eufemismos da “fidelização”

e “segmentação”, uma boa dose de energia tem sido investida para burlar a trilha da

descentração e insistir na imposição da homogeneização das culturas e as métricas

convenientes que, por diversas razões controláveis e incontroláveis, são incapazes de

se “autorevolucionar”. Os consumidores são quase sempre convidados a trocar isso

por aquilo, esse por aquele, A por B, em geral a partir de regras herméticas formuladas

do centro para as bordas.

Por exemplo, a Internet não nasceu do mercado financeiro e conforme a sua

conveniência, já que muitos bancos já dispunham de redes exclusivas de comunicação

e troca de dados, muito antes que a massa crítica de clientes. A Internet veio das

bordas para o centro, e a partir da quebra do monopólio da AT&T, marca até então

dominante em comunicação. Dentre outras coisas, a Internet demonstra,

primeiramente, a possibilidade de estreitar laços ou simplificar a existência das

pessoas, coisas muito distantes da idéia de um sistema eficiente de oportunidade de

contenção de custos operacionais pelos bancos. Não interessa às pessoas como o

banco funciona, ou o quanto ele gasta com a sua manutenção e tecnologia. Elas estão

interessadas é na capacidade dos bancos em tornar as nossas vidas menos

estressadas e preocupantes.

Graças às conveniências da Internet, muitos bancos se viram forçados e tentados a

“afastarem” os indivíduos dos seus espaços físicos, lançando-os à conveniência do

espaço virtual. Atualmente, o consumidor descentrado quase não precisa mais do

contato físico com as marcas do mercado financeiro. Especialmente se ele não for

“branded as elite”, sabe que é inconveniente mergulhar no espaço real da maioria dos

bancos nos quais ele foi segmentado abaixo da linha. Portanto, sua presença física no

banco é inconveniente e não merecedora das facilidades apregoadas pelos novos

padrões de branding da segmentação projetados nos puxadinhos. Chegou-se a um

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ponto em que na cidade de São Paulo, por exemplo, foi aprovada uma lei que visa

impedir que os clientes esperem mais do que 15 minutos para serem atendidos. É a

eficiência agora regida por Lei?

Observemos ao redor e, francamente, pensemos sobre se o espaço real da maioria

dos bancos convida à integração. Guardadas as devidas exceções e os senões de

cada banco, a ficha dessa constatação pueril ainda não caiu na mente das

organizações excessivamente e eficazmente dirigidas pelas políticas eficientes de

controle de custos e sinergias, ainda que elas sejam incapazes de garantir a eficiência,

progressão e até a permanência de muitas marcas no mercado.

O espaço virtual ganha cada vez mais representatividade na vida social, apesar dos

inconvenientes, inclusive a tentadora ampliação da noção de independência e prova de

que a descentração funciona, ainda que ela seja irreconhecível nos processos

decisórios. Com essa realidade em pleno vigor, falar em “banco de relacionamento”,

pode ser, finalmente, uma mera questão de retórica.

Em um tempo possivelmente não tão distante, talvez a única coisa que ainda retenha o

consumidor no espaço virtual do mercado financeiro sejam as “marcas certificadoras”.

Qual será a marca certificadora de maior sucesso no mercado financeiro daqui a dez

anos? Qual era o significado e o sentido da frase “marca certificadora” há cinco anos?

As marcas têm sido muito festejadas como ativos valiosos. Sendo isso verdade,

precisamos também compreender profundamente que as marcas somente têm sentido

como signos de um contexto de branding, verdade em geral de natureza um tanto

abstrata para a compreensão prática dos líderes responsáveis pelo planejamento

estratégico das organizações excessivamente dependentes das políticas das

tesourarias, invariavelmente conflitantes com as demandas dos demais stakeholders

do sistema.

Esse fato, na maioria das vezes, é ignorado por muitos executivos e consultorias, em

especial quando elas se dedicam aos próprios interesses, criando iscas para atrair

clientes despreparados. Em maior ou menor grau, uma marca só pode ganhar

relevância (e valor) quando confrontada com certos códigos de significações conforme

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a hierarquia da massa de indivíduos (descentrados) dos quais ela depende. Como os

centros de valor de marca se alteram de empresa para empresa, é improvável que

qualquer métrica generalizada consiga, principalmente à distância, indicar as

diferenças de valor que realmente contam.

É complexa a base de dados que poderia nos levar a dizer que essa ou aquela marca

do sistema pertence aos seus consumidores, ou ainda quanto ela vale. Mesmo o

conceito de “valor do consumidor da marca” é prejudicado, pois, ao invés de ele ser o

centro de valorização para as empresas, na maioria das vezes acaba sendo referido

como pivô dos conflitos e dilemas organizacionais. É quase como se o consumidor real

tivesse se tornado um empecilho.

Segundo as melhores práticas do sistema e os modelos vigentes de segmentação,

pensamos que os bancos possuem a noção ótima das necessidades dos seus clientes,

talvez muito mais que qualquer outro negócio. É essa noção de excelência que orienta

a base do negócio bancário, no qual, classicamente, os clientes são agrupados

conforme as suas necessidades médias, mais ou menos como uma confecção que

produz roupas de tamanho pequeno, médio e grande. Quanto mais clientes um banco

conseguir dentro desse perfil, e quanto maior for o número de produtos que ele

conseguir lhes vender, maior será o seu lucro. Nesse modelo a força de captação e

repasse dos bancos está fortemente relacionada à qualidade e diversidade da sua

carteira de clientes, além de como ela pode ser administrada e ampliada.

Conclusões

Acreditamos que a segmentação clássica, mesmo proporcionando resultados

funcionais, seja atualmente a maior causadora dos conflitos de gestão e comunicação

da maioria dos bancos, que insiste em promover a idéia de particularização da

comunicação. Falando de forma igual para todos, os bancos pretendem atingir

emoções, sensações e expectativas diferentes.

Os resultados visíveis indicam que isso já não faz sentido, especialmente para o sujeito

pós-moderno, que normalmente não irá comprar (validar) essa comunicação, já que ela

não legitima a capacidade de entrega da marca. Isso significa que é recomendável

avaliar a oportunidade de redimensionar os investimentos em comunicação, além de

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repensar a adequação ótima do modelo de posicionamento de cada marca, por

exemplo, como sendo capaz de estabelecer contato legítimo, próximo e duradouro com

os consumidores descentrados.

O modelo ideal de segmentação, portanto, será aquele capaz de coexistir com as

demandas do sujeito descentrado, enquanto otimiza as condições adequadas de oferta

dos bancos, tanto em termos de desenho e desempenho dos produtos, quanto na

facilitação de sua colocação pela linha de frente, a qual deve ser extremamente

participativa no processo, já que ela é a estrutura capaz de identificar e lidar com os

valores reais contidos nos segmentos, os quais não podem ser vistos apenas sob a

ótica das tesourarias e marketing. Os bancos podem avançar em qualidade e

diferenciação, contudo sem prescindirem de um modelo de avaliação de performance e

resultados que seja legitimado por toda a organização. Enquanto isso não ocorrer,

qualquer ação inteligente de branding será percebida como mais um centro de custo.

Os bancos em estado adiantado de diagnóstico reconhecem os limites e a instabilidade

do modelo clássico de segmentação, como igualmente reconhecem sua incapacidade

de estabelecer uma linha de comunicação que seja compreendida simultaneamente

pelos vários públicos que prospectam, inclusive o interno. Se evoluíssem um pouco

mais, esses bancos poderiam experimentar a idéia de possuir não linhas de produtos,

mas sim linhas de clientes, não em termos de classe social e rentabilidade, analisando

cada cliente como uma carteira, mas sim como centros de aprendizado e

acompanhamento, no qual o próprio banco vai apoiando a sua evolução, vendendo-lhe

os produtos commodity e desenhando “soluções individuais”. Essa idéia rompe com o

modelo atual, e requer doses elevadas de ótima qualidade de conhecimento do staff.

Intuitivamente, ou por modismo em certos casos, alguns bancos optaram pelos

modelos de “gestão do conhecimento”, no qual o suposto mapeamento da inteligência

residente seria capaz de apoiar a convergência aos interesses dos clientes e próprios.

Em muitos casos houve a escolha pelos modelos propostos pelo prêt-à-penser da

escola norte-americana, além do mapeamento de competências, os quais carecem de

legitimidade interna e externa na maioria das empresas. Qualquer mapa perde seu

sentido imediatamente quando o banco rompe com qualquer um dos seus códigos, por

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exemplo, eliminando uma divisão, demitindo muitas pessoas, vendendo uma de suas

operações ou até mesmo segmentando a segmentação (“resegmentando”).

Os bancos, portanto, deveriam pensar em mapeamento de competências, gestão do

conhecimento, comunicação, segmentação, diagnóstico e gestão do brand equity,

apenas após realizarem uma ampla, geral e irrestrita “autorevolução” do seu branding,

o que irá consumir energia e vontade. É também muito importante refletir sobre as

métricas que servem para o banco sem levarem em conta o mercado consumidor.

A concorrência no setor é fortíssima no país. Muitos bancos estrangeiros capitularam

diante da complexidade do mercado, além da base local de marcas muito bem

posicionadas e altamente velozes na formulação de produtos e serviços em linha com

o perfil psicográfico dos consumidores tupiniquins.

Alguns estrangeiros ainda permanecem, trabalhando a tabela “tesouraria + tecnologia”,

utilizando muito bem as ótimas fontes de funding que possuem. Entretanto, se

considerarmos o fim do ciclo dos bons negócios de compra, é bem provável que o

Citibank, Bankboston, HSBC, ABN e Santander não consigam responder ao rápido

desenvolvimento da base local de megabancos brasileiros.

Com exceção dos bancos Santander, que pode muito bem tocar sua vida (ainda que

modestamente) através do Banespa, e o ABN, que tem na base adquirida do Real uma

plataforma atraente de negócios, os demais modelos carecem de legitimidade local de

posicionamento para as suas bandeiras, fato inúmeras vezes comprovado até pela

comunicação prêt-à-porter que esses bancos já vincularam por aqui.

Além disso, falta-lhes um “modelo de banco” que justifique a presença sustentada de

varejo, para além das feições de boutiques de negócios em moeda local e estrangeira.

Despertamos a nossa atenção no momento em que não conseguimos identificar um

modelo lógico de posicionamento de marca, o que pode afetar seriamente a

continuidade local dessas marcas, pelo menos enquanto insistirem em replicar os

modelos praticados pelos megabancos locais.

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Olhar para a história das marcas internacionais que já se foram pode ser um excelente

começo.

Referências:

Castells, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura volume 1: asociedade em rede. 7ª. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, [2003].

Davis, E. Techgnosis: myth, magic + mysticism in the age of information. New York:Three Rivers Press, [1998].

Edvinsson L., Malone, M.S. Capital intelectual: descobrindo o valor real de suaempresa pela identificação de seus valores internos. São Paulo: Makron, [1998].

Featherstone, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. SP: Studio Nobel, [2001].Fontenelle, I. A. O nome da marca: McDonald’s, fetichismo e cultura descartável, São

Paulo, Boitempo Editorial, [2002].Hall, S. A identidade cultural na pós-modernidade. RJ, DP&A, [2004].Hill, S., Lederer, C. The infinite asset. Mass.: Harvard Business School Press, [2001].Huyghe, R. O poder da imagem. Lisboa: Edições 70, [1972].Klein, N. Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. São Paulo: Editora

Record, [2000].Lev, B. Intangibles: management, measurement, and reporting. USA: New York

University, [2000].Liu, K (et all). Information, organization and technology: studies in organizational

semiotics. USA: Kluwer, [2001].Martins, JR. Branding: um manual para você criar, gerenciar e avaliar marcas. São

Paulo, [2006].

*Fundador da GlobalBrands e autor de Branding – Um manual para você criar, gerenciar eavaliar marcas.

www.globalbrands.com.br