braga - contituição do campo da comunicação

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  • 7/29/2019 BRAGA - Contituio do campo da comunicao

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    Resumo. O artigo procura explicitar pontosprincipais para uma caracterizao do campo deestudos em Comunicao sua possvel constitui-o como disciplina do conhecimento; a questo dainterdisciplinaridade; perspectivas referentes aosobjetos de estudo, dando nfase ao ngulo in-terao social e ao tema mdia; o problema docompartilhamento do estudo sobre os fenmenoscomunicacionais com as demais cincias humanas esociais; a questo da constituio interna do campo,

    como explicitao de sua diversidade; e as relaesentre o fenmeno e os contextos socioculturais. Cadaum desses aspectos abordado em dois momentos conforme percebidos na primeira publicaodo artigo, em 2001; e em anotaes atuais, queprocuram explicitar reflexes complementaresocorridas nos dez anos de intervalo.

    Palavras-chave: Campo da Comunicao, epistemolo-gia, sociologia do conhecimento.

    Abstract. The article seeks to clarify key points tocharacterize the field of communication studies itspossible formation as a discipline of knowledge, thequestion of interdisciplinarity; perspectives relatedto the objects of study, emphasizing the angle ofsocial interaction and the theme of media; theproblem of sharing the study of communicationphenomena with other humanities and socialsciences, the question of the constitution of thefield, in its internal diversity, and the relationship

    between the phenomenon and socioculturalcontexts. Each of these aspects is addressed in twostages as perceived in the first article appeared,in 2001, and notes included now, seeking to clarifyfurther perceptions occurring in the period.

    Key words: Field of Communication, episte-mology, sociology of knowledge.

    Verso e Reverso, XXV(58):62-77, janeiro-abril 2011 2011 by Unisinos - doi: 10.4013/ver.2011.25.58.07ISSN 1806-6925

    Constituio do Campo da Comunicao

    Constitution of the Communication Field

    Jos Luiz BragaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos. Av. Unisinos, 950, Cristo Rei, 93022-000, So Leopoldo, RS, Brasil

    [email protected]

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    Jos Luiz Braga

    Situando

    No incio de 2011, a revista Verso e Reversome consultou sobre o interesse em republicareste artigo, para possibilitar sua presena on-line no peridico uma vez que a publicaoinicial do tempo em que a revista saa apenasem papel.

    Fiquei naturalmente satisfeito com a possi-bilidade. Lembrando os dez anos passados daprimeira publicao, pensei rever a formula-o para ajustes e atualizaes. Percebi, porm,que tal reviso pediria uma elaborao muitomodificada. Como ainda mantenho o essencialdas perspectivas ento expostas, uma alterna-tiva me pareceu mais completa. O artigo con-serva a formulao original, acrescentando-se

    aps cada item anotaes atuais em comple-mento ou reviso.

    Preliminares

    expresso construo do Campo da Co-municao, prefiro o termo constituio docampo, porque neste comparecem dois senti-dos complementares relevantes para o nossotema: o constituir-se enquanto processo deelaborao do campo a construo propria-mente dita; e a organizao interna da coisa,

    que assim a constitui.Preliminarmente creio ser relevante adotar-se a posio decidida de que ocioso debatersobre o estatuto acadmico do Campo da Co-municao se de cincia, arte, disciplina, ouapenas um gnero de literatura. O que pareceimportar a constatao inarredvel, na pre-sente situao histrico-social, da objetivaode um espao de estudos, reflexes e pesquisapercebidos largamente como relevantes, espa-o este que, ao ser nomeado pelo termo Co-municao ou pela expresso ComunicaoSocial, encontra forte consenso quanto ao de

    que se est falando ainda que o contorno e aorganizao interna desse espao estejam lon-ge de ser consensuais.

    A denominao confortvel a que chega-mos atualmente para nos referirmos a este es-pao Campo da Comunicao tem servidoadequadamente a todos os nossos propsitosprticos de designao.

    No h dvida tambm de que este espaode preocupaes encontra lugar adequado (ediferenciado, embora evidentemente no es-tanque) no conjunto de estudos que compem

    a vasta abrangncia das preocupaes com odesenvolvimento de conhecimento sobre o Ho-

    mem e sua Sociedade (como a Histria, a Socio-logia, a Literatura, a Educao, as Artes, a An-tropologia, os estudos da Linguagem, a CinciaPoltica, a Literatura, a Psicologia, etc.).

    Tambm de modo preliminar, queremos

    adotar a posio expressa de recusar uma ex-plicao do Campo da Comunicao situando-o como um campo interdisciplinar.

    O conceito de interdisciplinaridade podesignificar duas coisas: a primeira corresponde percepo de que um campo de estudos hojese v inevitavelmente atravessado por dados,conhecimentos, problemas e abordagens con-cebidos e desenvolvidos em outras disciplinase/ou tecnologias. Nesse caso, todos os camposde conhecimento so interdisciplinares, ouseja, no tm existncia isolada, estanque. As-

    sim a Fsica com relao Matemtica ou Qumica, por exemplo; a Biologia com relao Qumica e a Fsica; ambas com relao En-genharia; etc.

    Um segundo sentido o da referncia a umespao ntido de interface, em que um deter-minado mbito de conhecimentos se faz naconfluncia de duas ou mais disciplinas esta-belecidas por exemplo, a Psicossociologia, aSociologia Jurdica, a Bioqumica.

    No primeiro sentido, a denominao enf-tica para a Comunicao como campo inter-disciplinar bvia e redundante, logo ociosa.No segundo caso, seria preciso estudar o con-junto especfico de disciplinas, com seus for-necimentos e preocupaes especficas que es-tariam compondo a interface interdisciplinar;e sobretudo as vinculaes e encadeamentosque fazem interagir estes fornecimentos oque nos parece bastante difcil de se capturarenquanto caractersticas constituintes bsicas doCampo da Comunicao.

    Entretanto, parece-nos que em um ter-ceiro sentido (vago e pouco refletido) que aexpresso freqentemente usada em sua

    explicao do que seja o Campo da Comu-nicao. como se este fosse uma espcie deterreno vazio, sem outra existncia seno pelofato de que todas as disciplinas humanas esociais tivessem alguma coisa a dizer sobre otema. E como o tema aparece nelas todas, seriapossvel s vezes se encontrar para trocar seuspontos de vista especficos. De certa forma o que diz a metfora de Wilbur Schramm aComunicao uma encruzilhada pela qualmuitos passam e poucos permanecem.

    Alm do absurdo lgico de que o espao de

    encontro o vcuo, o que no fica explicadonessa perspectiva por que, de repente, h um

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    tema que se torna de interesse to generaliza-do e com tal acuidade que no consegue maisefetivamente caber nos espaos de cada campoparticular ou de algumas interfaces bem cons-trudas. Note-se que outros temas ocupam

    igualmente o interesse de vrias disciplinas por exemplo a violncia, o trabalho, o sexo, odiscurso, a tomada de decises. Em vrias dis-ciplinas, esses temas surgem e simplesmentese encaixam na ordem de preocupaes domi-nantes de cada campo, a bem integradas. Ouseja, ainda que transversais a vrios campos,estes diversos temas so facilmente subsumi-dos ao ngulo de interesse de cada disciplina.No dilogo entre uma disciplina e outra, soessas angulaes especficas que so cotejadaspara ampliar o enfoque.

    Anotaes atuais

    (a) Disciplina ou Campo

    Talvez estejamos, hoje, mais prximos deuma disciplina do conhecimento. Por outrolado, no se trataria de uma disciplina comoas outras que embora j no sejam carac-terizadas por um critrio positivista, tm umahistria de criao em termos de objeto & m-todo. No comentrio do item Compartilha-

    mentos prticos assinalaremos o que seria, emnossa perspectiva, um critrio razovel paracaracterizar disciplinas em termos atuais,entre elas, a possibilidade da Comunicao.

    De todo modo, a questo j no se pe comoh dez anos. Podemos assumir uma discipli-na em processo de constituio sem paraisso pretender ou exigir um delineamentoterico abrangente ou positivista. Nenhumadas Cincias Humanas e Sociais que se cons-tituram em tais termos (objeto teorizado maismtodo) podem hoje se afirmar unificadas sobesse critrio.

    O que distingue uma disciplina de conhe-cimento social, hoje, sobretudo uma tradioconstitutiva de um ngulo especial para olhara sociedade. Esse ngulo no rigidamen-te unificado, mas sim comporta variedades,preferncias diversas. Todas as CHS apresen-tam espaos indefinidos, transies entre suacaracterizao como disciplina e interfaces,reflexo praxiolgica e perspectivas de ordemprtica. O campo acadmico, em geral, atra-vessado por essas diferentes transies.

    Por outro lado, o desafio da consolidao

    se pe tambm para os que defendem a in-validade de uma configurao disciplinar. A

    adoo do valor da diversidade se compeadequadamente com o interesse em desafios etensionamentos mtuos entre diferentes ngu-los de investigao. Assim, a questo deixa deser uma alternativa sim/no para o concei-

    to de disciplina, passando a se caracterizarcomo uma necessidade de desenvolvimentodos conhecimentos produzidos a partir dequalquer preferncia classificatria. Ver, so-bre essa questo Braga (2010b).

    (b) Interdisciplinarismo

    A questo do interdisciplinarismo arre-feceu bastante, na dcada. A questo que secoloca hoje justamente a de perceber as ar-ticulaes entre o campo da Comunicao e

    outras reas o que se espera de cada lado dainterface.No artigo de 2001, recusvamos um as-

    pecto especfico da pretenso de interdisci-plinaridade do campo que era justamenteo uso dessa perspectiva para explicar o queseriam esses estudos e para justificar sua dis-perso. Essa explicao era, na verdade, maisque a defesa de uma viso frouxa dos estudos,dispensando-os do cotejo entre diferentes vi-sadas. No tenho percebido, nos ltimos anos,nenhuma proposio nesse sentido. E hoje j

    no se aceita que qualquer coisa possa seralegada como um estudo de comunicao.Afastada essa perspectiva frouxa, pode-

    mos nos dedicar, com muito mais seriedade,a uma questo duplamente interessante, que o trabalho de interfaces. Este corresponde aum verdadeiro e efetivo trabalho de interdisci-plinaridade desde que se leve a srio a buscados enfoques comunicacionais.

    Temos a um mbito relevante de estudoscom potencialidade para produzir avanos doconhecimento sobre fenmenos comunicacio-nais. Temos tambm um espao de desafios

    especiais para nossa rea, pois o outro ladoda interface uma rea de conhecimentomais estabelecida fornece teorias e perspec-tivas necessrias, mas arrisca tambm absorvera ateno do pesquisador, por suas teorias eobjetos mais tradicionalmente delineados.

    Muitas pesquisas da rea ocorrem nessasinterfaces Comunicao e Poltica, Comu-nicao e Educao, Comunicao e Cultura;Comunicao e diversas questes sociolgicas,lingusticas, antropolgicas, etc. Em todas estasreas de pesquisa, uma questo se pe como

    fundamental para assegurar possibilidades deavano de conhecimento em Comunicao e de

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    contribuio comunicacional para as CHS: o queh de comunicacional nessa interface? Quanto aesse aspecto, ver Wilson Gomes (2004).

    Com base nessa pergunta, consideramosque os estudos de interfaces podem ser, em

    vez de um espao de disperso (com tendia aacontecer at os anos 90) um espao de traba-lho construtivo do conhecimento comunica-cional (Braga, 2004).

    A questo do objeto

    Depois daquelas preliminares, o primeiroproblema que assombra o pesquisador em Co-municao, preocupado em perceber a rea emque trabalha para se situar com alguma iden-tidade acadmica a de caracterizar, afinal,

    qual o objeto de conhecimento que a define.Duas primeiras alternativas ou tendnciasparecem se apresentar aqui. Ou a Comunica-o surge como uma questo to ampla, todifusa, to presente em todas as atividadeshumanas que o objeto de certo modo ina-preensvel, e conclui-se que tudo comuni-cao a poltica, a educao, a literatura, asartes, e uma lista infinda em que se pretendes-se abarcar a ao humana e social. O holismodesta perspectiva parece crescentemente seconfirmar pela presena recorrente da questo

    comunicacional nas mais diversas reas de co-nhecimento e das prticas humanas.Esta postura, talvez vlida em um ngulo

    filosfico, no deixa entretanto margem parauma pesquisa que se pretenda identificvel. Acomunicao, espalhando-se como objeto portodas as reas, estando em todas as pautas,no est em nenhum lugar.

    A existncia concreta e histrica de grupose instituies que se do como voltadas espe-cialmente para o estudo da comunicao, nopermite adotar como identificao esta pers-pectiva holista. A tendncia inversa, ento se

    coloca: a de escolher, de selecionar ngulos eobjetos especficos identificadores da rea.

    Esta segunda opo costuma esbarrar emalguns problemas, entretanto. Um deles cor-responde ao fato de que tentativas deste tipofacilmente caem em um reducionismo lgi-co. Tenta-se identificar o ncleo do campocom nossas preferncias pessoais ou grupaisde enfoque, banindo outras perspectivas pe-riferia ou ao espao externo ao campo. Comonenhuma dessas tentativas setorializantesobteve at o momento o menor sucesso de

    consensualidade, cada uma delas permanecesendo o que : apenas uma preferncia e, cor-

    relatamente, a expresso de subrea ou de se-tor possvel de pesquisa. At porque qualquertentativa desse tipo de reduo encontra ime-diata resistncia das reas excludas ou margi-nalizadas e eventualmente tentativas opostas

    e simtricas de excluso.Outro problema parece ser o de evitar so-

    breposies com outras reas de estudos maistradicionalmente estabelecidas. Desde que sese afasta de uma posio holista em direoa uma preferncia mais especializada, estengulo especializado do objeto parece ser jespao de observao de outra rea, a lingus-tica, a sociologia, a poltica, a economia, etc.

    Entretanto, as duas tendncias acima soapenas casos extremos. Identificamos duasoutras possibilidades, menos radicais em suas

    decises de abrangncia, e que ajudam a orga-nizar nossa reflexo.Uma delas a proposta de que o objeto da

    Comunicao toda e qualquer conversaodo espao social. Ou melhor: o que h de pro-priamente conversacional e de troca (sim-blica e de prticas interativas) nas diversasinstncias e situaes da vida social. Em contra-posio a esta viso da comunicao generali-zada (mas ainda com nfase nos processos co-municacionais de trocas simblicas e prticas,portanto) uma preferncia mais circunscrita,enfocando apenas o que ocorre nos meios decomunicao social (MCS ou mdia).

    J no estamos mais, aqui, nos extremos dasduas alternativas iniciais no parece haverholismo nem reducionismo, mas efetivamentetentativas de recorte, com diferentes graus deabrangncia. Cada uma destas duas possibili-dades apresenta vantagens e problemas.

    A definio da rea pelos meios oferece orisco de segmentao do objeto em questestecnolgicas, ou jurdico-polticas, ou expres-sivo-interpretativas, ou outras. De fato, con-forme o pesquisador venha de uma outra rea

    humana e social mais constituda, tende a es-colher apenas um destes ngulos, mais avizi-nhante com seus saberes e processos.

    Mesmo quando reunimos mltiplos n-gulos pelos quais os MCS se manifestam, ficauma certa sensao de que outros processossociais, que no comparecem em relao decontiguidade imediata com a mdia, estariamnos escapando observao e portanto ao tra-balho do conhecimento.

    Consideradas estas limitaes, preferimos,no presente artigo, examinar mais detidamen-

    te as possibilidades e dificuldades de adooda perspectiva contraposta.

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    Anotaes atuais

    Creio que a questo do objeto passou a serconsiderada menos crucial pelo menos nostermos em que nos parecia posta no final dos

    anos 90 e incio dos 2000. Uma confuso fre-quente, ento possivelmente em decorrnciada cobrana (embora formalmente recusada)de objeto e mtodo como critrio discipli-nar levava a pensar em temas mais que emproblemas comunicacionais, como se aque-les devessem ser caracterizadores.

    Ora, em uma disciplina constituda, comopor exemplo a Sociologia, possvel pensarem sub-reas temticas de especializao, semque isso atrapalhe a percepo de critrios deconhecimento sociologia do trabalho, socio-

    logia da comunicao (significando das m-dias). No o tema que assegura pertinncia,mas a visada sociolgica posta sobre este.

    No cabe, porm, pensar um campo de es-tudos coerente apenas em termos temticos.E se essa coerncia no for procurada, comojustificar a presena de uma formao ps-gra-duada com esse enfoque, no pas?

    Minha contraposio, no artigo, entre m-dia e interaes, faz ambas parecerem obje-tos temticos visada a ser, portanto, supera-da. Como me parece claro, hoje, que o objetoda Comunicao no pode ser apreendido en-quanto coisas nem temas, mas sim comoum certo tipo de processos epistemicamentecaracterizados por uma perspectiva comunica-cional nosso esforo o de perceberprocessossociais em geral pela tica que neles busca a dis-tino do fenmeno. Que se busque capturartais processos e suas caractersticas nas mdias,na atualidade, nos signos, em episdios intera-cionais no faz tanta diferena. O relevante que nossas conjeturas sejam postas a teste porsua capacidade para desvelar e explicitar osprocessos que, de um modo ou de outro, resul-

    tem em distino crescentemente clara sobre oque se pretenda caracterizar como fenme-no comunicacional relacionado aos temas equestes de nossa preferncia.

    ngulo interao social/comunicacional

    Francisco Rdiger, preferindo a perspecti-va abrangente que estamos aqui examinando,refere o objeto de uma teoria da Comunicaocomo sendo a conversao da sociedade. Ci-

    tando Gabriel Tarde, desenvolve a proposiode que a conversao constitui uma espcie de

    mediao cotidiana do conjunto das relaessociais, da difuso das idias e da formao dascondutas que tm lugar na sociedade (Rdi-ger, 1998, p. 16). uma excelente sntese do queconstituiria, em essncia, o nosso objeto.

    O termo conversao tem a vantagem deno se confundir com qualquer outro tipo deinterao social. A expresso conversar cha-ma a ateno imediatamente para o aspecto detroca comunicacional (ainda que o objeto de umaconversa possa ser de diversas naturezas econmica, poltica, militar, cientfica, ou sen-sual). Os modos e objetivos especficos so dei-xados em segundo plano, e a palavra enfatiza atroca e o fato de que essa troca uma comunica-o. Poderamos assim dizer que o objetivo e oobjeto do Campo de Estudos em Comunicao,

    de modo quase tautolgico, observar como asociedade conversa com a sociedade.Por outro lado, aceitando o conceito, faremos

    uma ressalva no que se refere escolha da pala-vra para diz-lo. As expresses conversaoe conversa tomam como metfora e ampliampara o espao social amplo o que ocorre entrepessoas em situao presencial. Isso traz pro-blemas porque estimula uma perspectiva de-terminada por um modelo dialgico-simtrico-alternado-recproco de comunicao modeloque no se justifica em instncias mais comple-xas e diversificadas. Preferimos ento utilizara expresso interao social (ou, quando ne-cessria maior explicitao, interao comuni-cacional), ou ainda simplesmente interao abrangendo, mas no se restringindo quelastrocas do modelo alternado-recproco.

    Uma maneira (intuitiva e no definido-ra) de referir-se interao comunicacional considerar que se trata a dos processos sim-blicos e prticos que, organizando trocas en-tre os seres humanos, viabilizam as diversasaes e objetivos em que se vem engajados(por exemplo, de rea poltica, educacional,

    econmica, criativa, ou esttica) e toda e qual-quer atuao que solicita co-participao.Mas tambm o que decorre do esforo huma-no de enfrentar as injunes do mundo e dedesenvolver aquelas atuaes para seus obje-tivos o prprio estar em contato, quer sejasolidrio quer conflitivo e provavelmentecom dosagens variadas de ambos; por coor-denao de esforos ou por competio oudominao.

    Esta perspectiva pode ser efetivamente tilpara dar foco ao objeto de nossa preocupao e

    especificidade com relao s demais discipli-nas humanas e sociais. Esta especificidade no

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    significa entretanto que as interaes sociais(comunicacionais) no seriam tematizadas nasdemais disciplinas na verdade, desde o inciodo sculo XX, percebe-se em todos os camposdo conhecimento humano e social uma cres-

    cente conscientizao de que seus processoscomunicacionais devem ser estudados.

    A diferena parece ser que em todas as de-mais reas observa-se a comunicao enquan-to processo que faz funcionar alguma outraatividade ou instncia de interesse social-hu-mano a literatura, a linguagem, a poltica, astrocas econmicas, etc. No campo especficoda Comunicao, inversamente, os diferentesobjetivos e objetos do humano e do social que seriam percebidos pelo ngulo priorit-rio da comunicao que os organiza e que de-

    les decorre.Assim, nas demais reas de conhecimento,ou a comunicao observada sem ser pro-blematizada; ou ento problematizada emfuno dos interesses especficos da rea. NoCampo da Comunicao, todo e qualquer fatohumano seria problematizvel no ngulo comu-nicacional.

    O que significa objetivar, destacar e proble-matizar a dimenso comunicativa dos diver-sos procedimentos humanos na poltica, naeducao, na produo cientfica, na criaoartstica, no intercmbio cultural? No se trataapenas de perceber que as pessoas se engajamnestas atividades e processos conversando,se comunicando. Tratar-se-ia, antes, de pro-curar perceber o qu nestes processos especi-ficados por seus modos e objetivos sociais entretanto inerente no a estas especificaes,mas resultante de (ou referente a) processosmais amplos de trocas simblicas e de inte-raes que sobre-determinam o que a se faz.Ou, em corolrio, procurar perceber como taisaes especficas outras sobredeterminam osprocessos de comunicao a envolvidos.

    * * *Como perspectiva geral, parece ser efeti-

    vamente possvel adotar esta posio sobre oobjeto do campo que oferece ao mesmo tem-po um ngulo de especificidade e uma soluorazovel (embora um tanto abstrata e ampla)para justificar e distinguir a presena do temacomunicao no nosso campo e em todos osdemais sem cair na atitude holista acima referida.

    Entretanto alguns problemas decorrem des-ta perspectiva, que devem ser abordados para

    que se possa verificar mais acuradamente suapossibilidade de eficcia. Estes problemas se

    referem sobretudo a quatro ordens de reflexo.(i) a presena, com altssima freqncia em

    nossos programas de ps-graduao, emnossa produo publicada, em nossas pes-quisas e na histria da construo do cam-

    po, justamente da mdia que a alternativageral (interacional) procura recusar en-quanto objeto especfico;

    (ii) a questo do compartilhamentoprtico dosestudos ou seja: desde que todas as reasde conhecimento humano e social abordama questo comunicacional, a distribuioentre e a contribuio dos diferentescampos de estudo no parece poder ser de-finida apenas por aquela soluo abstratareferente ao ngulo de enfoque principal.Ou ainda: na prtica das pesquisas no

    percebemos uma distino rigorosa no quese refere ao ngulo preferencial;(iii) a questo da constituio interna do cam-

    po, que no se faz a partir de proposi-es abstratas ou de gestos epistemolgi-cos formalizados, mas sim da prtica dapesquisa; mas que deveria poder ser dealgum modo relacionada ao ngulo pro-posto para que este possa ser visto comoprodutivo;

    (iv) a questo de, ao ultrapassar as frontei-ras facilmente demarcadas do territriomeios de comunicao, como evitar umaconfuso (observada em alguns estudos)entre comunicao e cultura. Um exemplodessa imerso do comunicacional no cul-tural so alguns trabalhos em torno dasmediaes, a partir de J.-M. Barbero. Aopassar dos meios s mediaes, s vezes oque parece haver de propriamente comu-nicacional nas relaes dos usurios com amdia parece se diluir no cultural

    Anotaes atuais

    Na perspectiva exposta nos comentrios aoitem sobre o objeto, mantenho a prefernciapela questo interaes, que venho desen-volvendo, sobretudo porque essa questo meparece se apresentar como mbito processualrelevante na ocorrncia de episdios comuni-cacionais.

    Essa preferncia no exclui temas ou obje-tos apenas se demarca como ngulo de en-trada promissor para conjeturas, perguntase pesquisa emprica. De modo prximo, meinteresso por midiatizao, mais que pro-

    priamente por mdias (ver adiante, no itemCentralidade da mdia), pois esse conceito

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    Constituio do Campo da Comunicao

    enfatiza expressamente processos segundo osquais as mdias funcionam, mas tambm pe-los quais a sociedade contempornea histori-camente aciona suas interaes. Ou seja: a mi-diatizao como processo comunicacional da

    sociedade, mais que como ao das mdiassobre a sociedade.

    A questo da interao social vai alm dametfora conversacional, como j assinalva-mos no artigo. A conversao enfatiza os pro-cessos de ida-e-volta, na troca entre interlocu-tores. A ideia de resposta percebida comoum retorno imediato ao ponto de origem daprimeira contribuio conversacional.

    Na sociedade em midiatizao, a interaose manifesta mais claramente como um fluxosempre adiante. Com a emisso de uma men-

    sagem, seja televisual, cinematogrfica ou porprocessos informatizados em rede social, o re-ceptor, aps apropriao de seu sentido (o queimplica a incidncia das mediaes acionadas),pode sempre repor no espao social suas inter-pretaes. Isso ocorrer seja em presencialidade(em conversaes, justamente), seja por outrasinseres midiatizadas cartas, redes sociais,vdeos, novas produes empresariais, blogs,observatrios, etc. Os circuitos a acionados muito mais abrangentes, difusos, diferidos ecomplexos que constituem o espao das res-postas adiante na interao social.

    Uma parte de tais encaminhamentos certa-mente voltar, transformada, s origens onde foiemitida a mensagem tomada como inicialapenas para efeito de raciocnio. Na verdade acirculao constante. Uma parte dos processosa ativados se torna ento abrangentemente social propiciando esse retorno modificado e difuso.

    Como se percebe, esse processo, que pode-mos denominar de fluxo comunicacional decirculao adiante, no mantm semelhanascom a referncia conversacional que justi-fiquem a metfora. As conversaes interpes-

    soais em presena ou por rede so apenasparte possvel do processo geral.

    A centralidade da mdia

    A questo aqui conseguir fazer conviveruma perspectiva ampla sobre o comunicacio-nal (enquanto estudo da conversao social) que no o restringe ao que se passa na mdia com a importncia evidente dos processosmediticos nos estudos do campo acadmicoda Comunicao.

    Existem algumas razes, creio, para perce-ber a importncia nuclear da mdia sem ter-

    mos que circunscrever nosso objeto com exclu-sividade ao que a se passa.

    A primeira razo que os meios de comu-nicao audiovisual so o fenmeno scio-his-trico que permitiu perceber, objetivar e pro-

    blematizar os processos comunicacionais emperspectiva destacada (ou seja, deixando deser apenas um componente de outras perspec-tivas e objetivos sociais e de conhecimento).

    Foi preciso uma presena meditica obje-tivada no espao social para que a socieda-de se perceba conversando consigo mesma.Antes disso, era possvel e fcil a sociedadeperceber (objetivar) determinados ngulos deinterao comunicacional, subsumidos a umaquesto qualquer por exemplo: o trabalhode convencer pela palavra enquanto retrica

    e argumentao; a reflexo sobre a produode efeitos poticos; os modos pelos quais o serhumano faz interagir sua psique com o mundosocial que o cerca; etc.

    Uma vez aflorado o objeto (percebido,constitudo, problematizado) ele no dependemais das condies de sua constituio pode-mos refletir e discutir sobre o que eram as in-teraes sociais comunicacionais h 3 sculosou trs mil anos atrs. Ou seja: os MCS teriamsido condio de percepo e de objetivao,mas no de constituio do objeto.

    Antes do afloramento no s a sociedadeconversava consigo mesmo, como bvio;mas isto sempre foi percebido em suas con-versas setoriais, suas prticas sociais e sua re-flexo como educao, poltica, religio, ci-ncias, artes, economia, literatura. E a sempresubsumido aos objetivos e ngulos especficosdestas prticas e reflexes.

    Uma segunda razo para a centralidade damdia dentro do objeto interao social aimportncia dos MCS como processo comuni-cacional e de produo de sentidos comparti-lhveis na sociedade contempornea.

    Pela primeira vez na histria, uma socie-dade se dotou de um vasto aparato tecnol-gico-empresarial-cultural-profissional-mticovoltado especificamente para (ou propostoexpressamente como sendo para) veiculaode mensagens e para a produo de efeitos defruio esttica ou de entretenimento. Ao mes-mo tempo, por sua dimenso, complexidade ediversidade de aes e poder intrnseco, esteaparato no pode ser visto como inteiramentea servio de uma outra determinada ordem deobjetivos e processos sociais.

    Isto significa que uma importante parte(em quantidade e relevncia) do que se co-

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    Jos Luiz Braga

    munica na sociedade contempornea ocor-re atravs dos meios de comunicao. Cer-tamente incluo a no somente os grandesmeios audiovisuais e informticos, mas tam-bm o jornal, o livro e toda e qualquer forma

    de publicao impressa.A terceira razo da importncia da mdia

    (alm de ter sido o fenmeno estimulador/ge-rador da percepo e problematizao destengulo, e da forte presena do meditico nasinteraes sociais contemporneas) o fatode que se trata de um fenmeno que pe emcausa modos habituais de conversao social que se fazia e se faz dentro de outros espa-os organizados de funcionamento social; e dotrabalho acadmico de iluminar e desvendar asociedade: poltica, educao, artes, economia,

    produo cultural, interaes culturais.Isso ocorre em funo de duas caractersti-cas que encontramos em todo aparato medi-tico: a inclusividade e a penetrabilidade. Faoaqui a transcrio direta de um trecho de umartigo meu, anterior, no qual abordo estas ca-ractersticas:

    Os novos recursos udio e/ou visuais incluem(no sentido de captar, adicionar, subsumir) tudoo que, em termos de som e/ou imagem possa serrepresentado. Ao fazer isto, adicionam tambm osprocessos do espao social registrveis por seus

    equipamentos.A incluso de processos (e no apenas de ob-jetos) desenvolve j uma segunda caractersticados meios. Ao adicionar processos, estes so in-evitavelmente modificados no espao da incluso- em pelo menos dois sentidos: o resultado final daobjetivao (da produo) um processo modifi-cado em formas, ritmo, durao, perspectiva, in-terpretao; e o prprio processo, no espao real,recebe solicitao de modificaes para se ajus-tar ao olhar/ouvido dos equipamentos.Para esta caracterstica dos meios, proponho a de-nominao de penetrabilidade o meio/processode comunicao penetra nos processos sociais,

    modificando-os em funo de seus prprios mo-dos operatrios(Braga, 1999, p. 132).

    Temos ento trs razes para a centralidadeda mdia nas pesquisas da rea:

    a presena dos meios audiovisuais via-bilizam a percepo histrica do comu-nicacional como questo diretamenteproblematizvel;

    nas comunicaes sociais hodiernas, oaparato meditico geral (incluindo aescrita publicada) tem uma importn-

    cia primordial entre outras interaesextra-mediticas;

    e o meditico interfere e interage pro-fundamente com os espao no-medi-ticos, em funo de suas caractersticasde inclusividade e de penetrabilidade.

    este conjunto de fatores que nos permitemafirmar que hoje vivemos em uma sociedadede comunicao ou sociedade meditica.

    Dados estes argumentos, seria talvez pos-svel pretender que funcionam a favor da hi-ptese de tomar os meios de comunicao di-retamente como objeto do Campo. Entretanto, preciso assinalar que os MCS so apenas ofenmeno emprico e como tal no corres-pondem propriamente a um ngulo ou preo-cupao de busca de conhecimento. Portantosobre eles volta-se tambm, de pleno direito,

    o olhar das demais reas humanas e sociais.Para a rea da Comunicao, no se trata deuma nfase apenas no sistema jurdico-polticoda mdia; nem apenas no sistema tecnolgico;nem apenas no sistema profissional de produ-o; nem apenas no conjunto de produtos e nafortuna expressiva a elaborada; nem apenasnas circunstncias da recepo que lhes ofe-recida. Qualquer destes enfoques, se exclusi-vo, tende a segmentar o objeto e isol-lo, sejade sua realidade social, seja de sua substnciasignificativa, seja das suas condies de exis-tncia e produo. Trata-se de ver (em qual-quer dos pontos das relaes de fluxo entreestes elementos e processos), a interao socialcomunicacional em funcionamento, com seusobjetivos, processos e tenses plurais.

    Por outro lado, a perspectiva da intera-o social ampla tomada como objeto nonos impede de dirigir o olhar, com enfoquemuito direcionado sobre a mdia, na observa-o de um fenmeno recortado, para os pro-psitos da pesquisa, como um fragmento darealidade social (o sentido de um produto, asvicissitudes de uma recepo, uma rotina de

    produo, o funcionamento jurdico-polticode um sistema de comunicao ou a distribui-o de freqncias em um pas). O que renee d consistncia a estas diversas observaesno que tenham como objeto emprico umdeterminado fenmeno ou processo mediti-co mas sim que, em todos eles, estaremosobservando sua relao com (incidncia sobree/ou conseqncia para) as interaes sociais.Isto permite examinar o fragmento sem des-tac-lo das relaes que entretm sem dua-lismo, portanto.

    Nossa perspectiva ento comporta a fortepresena da preocupao com os processos

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    mediticos enquanto fenmeno histrico esocial, na sociedade contempornea e comoobjeto principal de nossas preocupaes depesquisa mas no exclui outros objetos des-de que neles se d como enfoque principal a

    questo das interaes comunicacional que oscaracterizam.

    Anotaes atuais

    Considero agora que o uso enftico da pa-lavra mdia leva a equvocos. A expressotende a sublinhar aspectos temticos do ob-jeto, relacionando a palavra a duas refern-cias materiais seja a mdia-empresa, sejaa mdia-tecnologia, como se o simples fatode tematizar tais objetos pudesse caracterizar

    um campo de estudos, quando na verdade taisobjetos podem ser tema de estudo e pesqui-sa por quaisquer das CHS.

    Adotando a expresso midiatizao, se-remos mais exatos, pois a expresso faz ressal-tar os processos comunicacionais envolvidos.

    Certamente um fato histrico que as so-ciedades contemporneas acionam crescente-mente tecnologias miditicas para acionar efazer circular suas necessidades e interessesde interao. claro, tambm, que as ques-tes tecnolgicas e as referentes aos processosindustriais/empresariais estruturam grandeparte desse uso. Mas a questo abrangente,em nossa perspectiva, se reporta aos modossociais de circulao que a so inventados eproduzem seus efeitos sociais. Tais processosno so inteiramente determinados por causasoutras que fizessem do fenmeno comunica-cional mero epifenmeno percebemos lgi-cas internas no processo comunicacional.

    Nessa linha, podemos entender a midiatiza-o como um conjunto complexo de aes de so-ciedade (incluindo a, claro, a organizao em-presarial e o desenvolvimento tecnolgico) que

    crescentemente se estabelecem como processointeracional de referncia, passando a abranger edirecionar os processos gerais anteriores: os daescrita, que anteriormente (e ainda) se apresen-ta como processo de referncia principal, sub-sumindo a generalidade de processos; e os daoralidade tradicional (ver Braga, 2007).

    Claramente, estes moldes interacionaisanteriores no desaparecem ora se reorga-nizam no contexto geral da midiatizao; orase circunscrevem a espaos especiais restritos(como ocorre tambm com a oralidade no pe-

    rodo da escrita como articuladora mais geralda interao social).

    Tal reflexo, acredito, corresponde a supe-rar a disjuno entre os dois objetos cote-jados no artigo, mdia e interao. Essa pers-pectiva, naturalmente, nos leva a propor umacontinuidade entre os processos comunica-

    cionais da midiatizao e os processos de co-municao mais distantes do midiatizado.Na sociedade contempornea, seria difcilfazer um corte ntido entre fenmenos comu-nicacionais da processualidade midiatizada efenmenos comunicacionais outros, diversa-mente inscritos no fluxo comunicacional.

    Compartilhamentos prticos

    A questo aqui a de como desentranhar oobjeto comunicao e lhe dar identidade no

    campo, no confundida com os papis especfi-cos atribudos pelas demais disciplinas parti-culares.Como assinala Luiz Cludio Martino,

    a natureza dos estudos em Cincias Humanas que tm no homem um ser essencialmentecomunicativo, seu objeto comum faz com que aanlise dos processos comunicativos seja um pon-to de passagem quase obrigatrio, o que dificultaa delimitao mais precisa do objeto da Comuni-cao, uma vez que ele se encontra misturado sanlises de outras disciplinas (2001, p. 78).

    A clivagem geral e abstrata j foi expostaacima: trata-se de distinguir primeiro a pre-sena do ngulo interao comunicacional;e em seguida, verificar se este ngulo quecomanda o olhar ou se est subsumido aos ob-jetivos prioritrios de outras disciplinas. Masesta proposio abstrata insuficiente, pois as-sumimos que o que comanda a construo docampo no um gesto terico-epistemolgico,e que as prticas do campo social da pesquisa que oferecem substrato histrico.

    H duas questes de partilha e selees:

    (a) decidir o que pode ser melhor estuda-do a partir de paradigmas, mtodos,teorias e pontos de vista de outras disci-plinas particulares; em contraste com oque pode ser melhor percebido no cam-po dos estudos em Comunicao;

    (b) decidir dentro desse espao indefini-do de sub-temas possveis quais soos tipos de objeto mais relevantes e maisurgentes para observar seus processos eprodutos de interao.

    Estas partilhas no sero resultantes de de-cises lgicas ou de especulaes epistemol-

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    gicas, mas o resultado histrico das pesquisaselaboradas, tanto nomeadamente no Campoda Comunicao como no campo de discipli-nas afins, onde o tema prevalea.

    At o sculo XX, os grandes meios sociais

    de comunicao (livro - jornal - artes) eramobjetos dentro de outros campos em que osngulos gerais eram diversos. Por exemplo, olivro na literatura; o livro na educao; o jornalna poltica (eventualmente na literatura, comofolhetim, como divulgao cultural,...); o rdioigualmente na poltica. Ou ento, eram perce-bidos com foco nas tenses que geravam comoutros campos (a fotografia com a pintura; ocinema com o teatro, e em geral com o campodas artes). Ou ainda, relacionados a questesconsideradas como menores ou circunstan-

    ciais das atividades sociais: cinema, rdio e te-leviso enquanto entretenimento.O que observamos hoje uma diversida-

    de de pesquisas que alimentam a rea, vindastanto dos PPG nomeadamente de Comuni-cao, como das demais disciplinas sociais ehumanas diversidade de que um exemplomarcante o funcionamento da Comps.

    Conforme a formao profissional ou asimples preferncia pessoal dos pesquisado-res, o ngulo comunicacional comparece comopredominante ou como subsumido e essaclivagem nem sempre relacionada inseroem um PPG do Campo ou de outra disciplinahumana ou social.

    At onde se pode prever, esse compartilha-mento ad-hoc e variado continuar preponde-rante durante ainda muito tempo. Assim, napartilha prtica do ngulo comunicacional, no possvel (nem desejvel) sugerir que os nos-sos PPGs dem prevalncia ao ngulo comu-nicacional nas suas relaes com outras pers-pectivas do social; e que os demais espaos depesquisa mantenham o ngulo comunicacionalapenas como aporte de contribuies vindas de

    nossa rea e a servio da disciplina usuria.Tanto em um como em outro espao, a pes-

    quisa faz surgir novas questes sobre a intera-o e novas perspectivas para abord-las. Noh ainda (e no importa muito se haver ouquando) disciplina fornecedora e disciplinausuria no que se refere a esse ngulo. Ou seja:o campo est sendo construdo em conjuntopor pesquisadores de diversas reas sem-pre que o ngulo interacional comparece comalguma relevncia em suas abordagens. Estacircunstncia no representa invaso do que

    seria nossa especificidade, nem que nossa rease dilua nas demais.

    Pode-se dizer que o estgio de reflexosobre as questes envolvidas na interao co-municacional no chegou ainda no ponto emque a relevncia e a profundidade das desco-bertas dependa de um enfoque exclusivo ou

    preponderante sobre o que propriamentecomunicacional. Assim, muitas descobertase elaboraes conceituais fundamentais para oCampo decorrem de perspectivas elaboradascom enfoque outro.

    nas idas-e-vindas entre os diversos cam-pos que estamos construindo no um objetointerdisciplinar, mas uma percepo crescen-temente complexa sobre o que sejam as intera-es comunicacionais na sociedade.

    O que talvez seja tarefa especfica dos PPGem Comunicao e dos pesquisadores mais

    envolvidos com a identificao do campo, a reflexo continuada no sentido de desentra-nhar o objeto propriamente comunicacionaldos demais objetos de conhecimento humanoe social os quais, com referncia quele ngu-lo preferencial da rea, podem ser vistos comocomplementares.

    O corolrio desta tarefa observar o fun-cionamento do que h de comunicacional nocampo mesmo das diversas disciplinas hu-manas e sociais e ver como essa diversidadepode ser percebida como atravessada poruma mesma ordem de reflexes que as fazinteressantes de um outro ponto de vista: en-quanto objetos comunicacionais.

    Com isto que se tornar crescentementepossvel desenvolver teorias do campo comu-nicacional.

    Por outro lado, voltando ao emprico, possvel que os pesquisadores mais especifica-mente da rea que podero crescentemen-te desenvolver estudos miditicos ao mesmotempo com mais acuidade (dada a presena e afreqncia do objeto) e com mais percepo deconjunto (ou seja, evitando a fragmentao)

    exatamente porque aqui o ngulo interacional,no tendo que ser subsumido a nenhuma outraprevalncia, pode vir a produzir teorias gerais.

    A rea da comunicao, voltada para asquestes prprias da rea, deve ser a principalpropositora de questes e de problemas es-pecficos, alm de desenvolvedoras de esfor-os criativos no sentido de articular, a partirde seu ngulo preferencial, descobertas e for-mulaes distintas, recebidas de outras reasespecializadas. As demais reas, na medida desua formulao anterior de teorias e conceitos,

    com rigor estabelecido, para seus tipos espe-cficos de objeto, por seu lado, provavelmente

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    Neste espao que encontramos a primeirapossibilidade de interdisciplinaridade refe-rida no incio do artigo e que em nada reduza identidade do campo, a qual solicita e absor-ve contribuies de outras reas a servio de

    seu ngulo especfico.De outro lado, encontramos estudos que ni-

    tidamente se fazem na fronteira entre os objetosde preocupao do campo e os objetivos de ou-tras disciplinas humanas e sociais. Aqui ocorrea segunda possibilidade de comparecimento deinterdisciplinaridade referida na introduo espao em que facilmente se podem perceberos relacionamentos que fazem interagir os for-necimentos de cada lado da interface.

    Dando-se ateno a estas duas clivagens, possvel construir organizaes do Campo

    que no sejam reducionistas nem excludentes.Concomitantemente, que no sejam exclusi-vistas (de fronteiras fechadas), nem to disper-sas que se tornem indefinidas e gasosas (ainterdisciplinaridade etrea que criticamosno incio do artigo).

    Uma dessas organizaes, elaboradas emperspectiva essencialmente prtica, a quefoi proposta por uma comisso organizadapela Comps para este efeito em 1997 (Vas-sallo Lopes et al., 1997). Teramos trs tiposbsicos de componentes nessa organizao.Um deles organizado em ateno presen-a e aos processos mediticos. Temos a asangulaes que habitualmente so oferecidaspelas pesquisas, e que perspectivam a mdiasegundo clivagens empricas:

    Estudos de MeiosPrticas de ComunicaoInterpretao de ProdutosRecepo

    Trata-se, portanto, dos estudos que enfo-cam respectivamente o sistema e suas estrutu-

    raes; a produo; o produto; e os usos feitosdos produtos na recepo. A estas quatro su-breas possvel acrescentar uma quinta, emque o enfoque no se volta diretamente para amdia, mas para aquilo que, na sociedade e noindivduo, interage com os processos comuni-cacionais amplos:

    Sociabilidade/Subjetividade e Comunicao

    Um segundo conjunto de subreas justa-mente aquele em que se desenvolvem os es-

    tudos de interface so os espaos de inter-disciplinaridade entre o ngulo propriamente

    comunicacional e os diversos ngulos de pre-ocupao e busca das diversas disciplinas hu-manas e sociais.

    Considerando a relevncia atual da comu-nicao e sua problematizao generalizada,

    estes espaos de interface seriam tantos quan-to fossem as disciplinas e atividades humanasidentificveis como campos de conhecimentoou do fazer social. Entretanto, para efeitos pr-ticos, no documento referido achamos perti-nente fazer agregaes amplas. Temos assim:

    Comunicao e CulturaComunicao, Arte e LiteraturaComunicao, Cincias Humanas e FilosofiaComunicao e Cincias Sociais Aplicadas

    Temos finalmente um ltimo conjunto, for-mado por uma nica subrea abrangendoestudos em que a teoria seja mais que o movi-mento natural de toda pesquisa, para tornar-se o objeto mesmo desta (associado freqente-mente a questes epistemolgicas). o espaoem que o campo se pensa, no qual explicitae acompanha seus prprios desenvolvimentoshistricos e terico-epistemolgicos:

    Teoria e Epistemologia da Comunicao

    Essa hiptese de descrio detalhadamen-te trabalhada no documento referido, e portan-to evitamos aqui maiores elaboraes. Entre-tanto duas proposies devem ser explicitadas:

    (a) as subreas no devem ser percebidascomo territrios (metfora que levaria aceitao de fronteiras e de exclusividade).Cada uma delas apenas um ngulo de en-trada, ou seja, uma perspectiva preferencialpara organizao de objetos de pesquisa, n-gulo que no exclui temas das demais sub-reas, mas apenas os organiza em funo do

    enfoque ali adotado;(b) a preocupao de ordem geral com o

    elemento identificador do campo (a interaocomunicacional geral) fundamental para su-perar a fragmentao tanto das subreas me-diticas entre si, como da mdia em relao sociedade. O que evita a fragmentao apercepo de que o fragmento estudado estem alguma relao com o processo geral da co-municao social. Alis, pelo fato de o objetocomunicacional incluir mltiplos ngulos, nosubsumveis em conjunto e sem restos a ne-

    nhuma das perspectivas humanas e sociais es-tabelecidas, que solicita (ainda que, na pesqui-

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    sa emprica, o trabalho possa ser fragmentrio)a construo de um campo em que angulaesmais amplas sejam referidas para reconstitui-o, no conjunto, de uma abrangncia compre-ensiva do objeto.

    Independente do acordo ou desacordo quevenha a ser feito sobre esta organizao espe-cfica, o que queremos assinalar aqui a pos-sibilidade de organizar o campo em termosprticos, de modo suficientemente especfico eabrangente, para situar os principais ncleose enfoques, e para manter uma porosidade es-timuladora de interaes com as demais cin-cias humanas e sociais; sem ter que se dar nemcomo fronteira guardada nem como encruzi-lhada passivamente atravessada.

    Anotaes atuais

    A Tabela de reas de Conhecimento, doCNPq se mantm ainda como antes, no refor-mulada, embora diversas discusses e tentati-vas tenham ocorrido na rea, encaminhandovrias propostas diferenciadas depois da pro-posta referida no artigo.

    Parecia, poca do artigo original, que odesenho interno em subreas e especialidadesdos estudos em Comunicao poderia ter umsentido organizador para os prprios deba-tes do conhecimento. Hoje assumimos que setrata, a, sobretudo de uma questo de ordemprtica importante para encaminhamentosdas agncias de fomento, mas de menor ur-gncia no que se refere a visadas epistemol-gicas e metodolgicas para o campo.

    A questo que atualmente nos parece cen-tral para a constituio interna do campo deestudos no propriamente a do estabeleci-mento de categorias para verter os diferentesprojetos e teorizaes. antes a questo vol-tada para o desenvolvimento de dinmicas dearticulao e de desafio mtuo entre ngulos

    diferenciados de observao do fenmeno co-municacional.

    Uma constatao recorrente nos estudos docampo a extraordinria diversidade de tem-ticas e abordagens. Isso decorre da complexi-dade do prprio fenmeno comunicacional,que atravessa todas as atividades humanas esociais. Refere-se tambm aos mltiplos ob-servveis empricos e aos aportes tericos que,alm daqueles desenvolvidos diretamente nocampo de estudos, so sobretudo buscados emtodas as CHS.

    As tentativas de domar a diversidade combase em teorias abrangentes (sobretudo tenta-

    das at os anos 90) apresentavam resultadosreducionistas, recusando o interesse de estu-dos no abrangidos pela teoria proposta.

    O acolhimento indiscriminado da diversi-dade, por sua vez, estimulava a postura inter-

    disciplinarista frouxa que criticamos acei-tando a convivncia meramente cumulada detodos os aportes.

    Adotando uma visada processual para aconstituio do campo, assumimos hoje (verBraga, 2011) que importante manter a diver-sidade, mas devendo-se trabalhar contra a dis-perso. O principal esforo contra a dispersono o de forjar categorias prvias para en-caixar reflexes, pesquisas, mtodos e teorias.Trata-se antes de buscar espaos em nvelmais abstrato que o das pesquisas especficas

    nos quais diferentes investimentos investi-gativos, sobre ngulos variados do fenmenocomunicacional, possam buscar composio etensionamento de suas questes e hipteses.

    Essa perspectiva no corresponde a aplainardiferenas, nem a subsumir resultados de umngulo a outro. Trata-se, mais simplesmente de:(a) desafiar hipteses de um ngulo pelos resul-tados de outro, atravs de um tensionamentoentre as diferentes visadas; (b) buscar pergun-tas mais abrangentes; (c) desenvolver hiptesesheursticas que procurem articular fragmentos

    de conhecimento diferentemente produzidos.Assim, a reduo da disperso no corres-ponde a reduzir a diversidade mas apenas apr em contraste, pelo debate e pela pesquisa,ngulos de estudo ainda no conectados.

    Essa questo desenvolvida em artigo (Bra-ga, 2011) elaborado com base no estudo de cemartigos, muito diversos entre si, apresentadosna Comps mas que puderam ser analisadossegundo mesmas clivagens interpretativas.

    A distino Comunicao x Cultura

    Um dos riscos de adotar uma perspectivade objeto comunicacional mais amplo que osprocessos mediticos o de que, nos espaossociais mais difusos, se perca a especificidadede nosso enfoque, diludo na questo cultural.

    Em meu artigo sobre Interao e Recep-o observo um risco deste tipo no decor-rente da incluso de preocupaes culturais,mas quando da decorre um esquecimento doque propriamente comunicacional:

    A percepo sobre mediaes culturais nas

    quais est permeado e impregnado o receptor uma contribuio preciosa para os estudos da

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    rea. Basta observar a alta freqncia de refe-rncias a Barbero nos mais diversos estudos derecepo. Mas um risco eventual incorrido poralguns estudiosos da questo o de dar exclu-siva nfase aos demais determinantes culturais(extra-mediticos), quando o receptor afirma-do como fortemente amparado por estas inser-es outras para simplesmente resistir aosprodutos de massa. Pode ocorrer ento um es-quecimento de que, entre o receptor e o produ-to meditico ocorrem efetivamente interaes.Deixar de lado o produto meditico e os am-bientes mediatizados de comunicao, obser-vando-se apenas o lado receptor com suas de-fesas e permeaes culturais outras, pode levara perder de vista a importncia de apreender eampliar conhecimentos sobre o que ocorre deespecfico nas interaes mediticas (Braga,2000, p. 5).

    preciso portanto distinguir, na cultura, oque objeto das preocupaes culturais etno-grficas; e o que deveria ser o objeto principaldas preocupaes do Campo da Comunicao.

    A cultura-identidade enquanto dado prvio,de tradio, segundo o qual os seres humanos seinscrevem em sua comunidade e desenvolvemestrategicamente seu ser hoje ultrapassadapor processos largamente auto-percebidos (e por-tanto trabalhados) de insero que levam percepo de que pode ocorrer uma escolha entre

    diversidades e no mais apenas acolhimento epermeao na identidade.Vemos a duas perspectivas que, no espao

    cultural, interessam especificamente ao estudocomunicacional. Uma delas a da constataoda diversidade como base para uma objetivao/problematizao da questo comunicacional(enquanto que o ngulo cultural tem tradicio-nalmente buscado observar o que identifica umacultura ou seja, cultura enquanto identidade).

    A utilizao da expresso meios de comu-nicao para referir transporte e vias de circu-lao, nos sculos XVIII e XIX, provavelmente

    decorria da percepo de que aqueles meiosviabilizavam a interao cultural entre locaisdiferentes em que local no se refere ape-nas ao territrio, mas tambm ao que a acon-tece em perspectivas de cultura.

    Esta concepo de meios de comunica-o foi ento adotada para referir processosde ocorrncia de interao entre diversidades.E a diversidade (naqueles sculos) percebidasobretudo entre povos diversos. Foi necess-rio comear a perceber as diferenas internasem uma mesma cultura por exemplo, cultura

    de elite x cultura popular para ento refletirsobre a circulao e as interaes entre elas (e

    certamente sobre os obstculos s interaes,histrica e sociologicamente instalados no pro-cesso). Uma boa discusso introdutria sobreinteraes entre cultura de elite e cultura po-pular aparece em Ginzburg (1987, Prefcio).

    A segunda perspectiva a de auto-explici-tao do gesto cultural. As pessoas e gruposj no se movimentam somente nas estrat-gias de interao dentro das regras de umjogo proposto pela tradio e pelos hbitos e muito lentamente trabalhado (solapado eassoreado) pelas prprias estratgias. Traba-lha-se tambm conscientemente nas prpriasregras do jogo.

    Quando a cultura se percebe cultura, quan-do o gesto que fao no pode mais se justificarcomo se fosse natural atravs de um

    assim que se faz j no estamos exclusiva-mente no territrio da cultura, mas tambm noda Comunicao. Ou seja: no mais culturaenquanto modo de ser, mas cultura enquantocomunicao. sempre cultura, claro, masno o mais apenas como nos acostumaram av-la os antroplogos. O gesto de cultura (fala,dana, criao, comportamento), em situaode auto-explicitao, j no apenas movi-mento de participao e de identificao do in-divduo na comunidade. tambm expressoconsciente desse identificar-se comunica-o (aos iguais e aos diferentes) da opo fei-ta. Corresponde a uma seleo entre diversosjogos e atuao consciente sobre suas regras,via interao social. nesta perspectiva que ogesto cultural nos interessa.

    As duas perspectivas so naturalmenterelacionadas. A co-presena irredutvel de di-versidades correlacionada com a auto-expli-citao e portanto com a construo cons-ciente e auto-refletida da prpria cultura.

    Da decorrem questes que (como quer quesejam tratadas por outras disciplinas) paranosso campo devem ser consideradas como

    questes de comunicao ou seja, no queenvolvem a questo da conversao entre cul-turas. assim que vejo, por exemplo, a ques-to a que habitualmente se chama de politi-camente correto. Trata-se a de um problemacomunicacional: como fazer interagir culturasdiferentes, em situao de co-presenafora depadres historicamente desenvolvidos comoguerra, catequese, submisso, aculturao ouintegrao. A co-presena no se restringe convivncia fsica em um mesmo territrio. Aglobalizao meditica torna de certa forma

    co-presentes todas ou quase todas as culturase micro-culturas no mundo.

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    Constituio do Campo da Comunicao

    Assim, uma das questes nucleares que sepem para os estudos da recepo a de ob-servar as interaes entre processos culturaisdiversos, referentes s mltiplas inseres daspessoas e grupos, e referentes ao que dire-

    tamente meditico; uns e outros, entretantopercebidos no como se de natureza diversa,mas enquanto conversas (interaes) entreinseres diversas. Esses estudos devem ser es-pecialmente referidos neste ponto, pois aqui onde se observa uma das principais interfa-ces complexas entre o meditico e o extra-me-ditico que a questo cultural (e portanto aespecificidade comunicacional) se coloca.

    As preocupaes com a identidade culturalso desenvolvidas no campo antropolgico ouetnogrfico. O que efetivamente interessa co-

    municao no propriamente a questo cul-tural (caso em que a antropologia suficiente).Mas sim o das interaes comunicacionais en-tre diferentes culturas (ou seja, entre diferentesidentidades). Quando o estudo de mediaesse restringe ao estudo das identidades constru-das, nesseespao de observao, o pesquisadorestar fazendo cultura (ou seja, etnografia ouantropologia). S quando utiliza os dados a ob-tidos para observar efetivamente como as intera-es comunicacionais se do entre esta identi-dade cultural e a mdia que estar fazendopropriamente estudo de comunicao. Noporque a inclua a mdia mas sim porque sevolta ento para a interao de uma identidadecultural com outra (no caso, meditica). Aindasem a mdia teramos comunicao quandopara alm da observao de uma determinadaidentidade cultural, se observem as interaescomunicacionais desta com outras. Ser entoo caso do multiculturalismo, quando ultrapassea descrio etnogrfica da situao multicultu-ral (ou das culturas em presena) para observarcomo aquela diversidade especfica observadatranspe as barreiras do diverso para interagir,

    qualquer que seja a interao comunicacional,conflituosa ou solidria.

    Anotaes atuais

    A questo que se coloca hoje, para alm dedistines entre estudos de cultura e estu-dos de comunicao, seria uma preocupa-o com modos de articulao entre objetose processos comunicacionais e contextos so-cioculturais. Assumindo que a comunicaose d sempre em contexto, como levar es-

    tes em conta, sem se deixar conduzir pelosconhecimentos estabelecidos sobre tais am-

    bientes e sobretudo evitando aceitar deter-minismos contextuais que levariam a tomar osprocessos comunicacionais como meramentedecorrentes de processos sociais outros, comomero epifenmeno?

    Entendemos que no produtivo (nemseria talvez possvel) abstrair os contextos es-tudados pela sociologia, pela lingustica, pelaeconomia, pela histria. No h como fazer se-parao prvia de variveis, para examin-lasfora de contexto.

    Uma primeira premissa a fazer, para que asregularidades do contexto no sejam assumi-das como totalmente determinantes do comu-nicacional, adotar uma inverso programtica.Entendemos que as percepes das disciplinasvizinhas e das prticas comunicacionais ob-

    servam os fenmenos segundo suas prpriasperspectivas: as questes prevalecentes so asda rea estabelecida. O fenmeno comunica-cional visto a servio de outras questes e portanto, visto de fora. De nossa parte,devemos assumir a centralidade do fenme-no comunicacional tomando-o programati-camente como o constituinte interessante dosprocessos interacionais. Em Braga (2010b),encaminhamos a previso de um programatentativo nesse sentido.

    Outra perspectiva para as distines e arti-culaes entre o comunicacional e o contextoenvolve a previso de um lugar epistmicode ocorrncia dos episdios comunicacionais,em que os diversos elementos sociais, heterog-neos, se articulam e tensionam, segundo deter-minados sistemas de relaes, em funo mes-mo dos objetivos comunicacionais da sociedadee seus setores. Denominamos esse ambiente dedispositivos interacionais. So socialmenteelaborados e naturalmente trazem para a inte-rao as dinmicas e linhas de causalidade dasdiferentes regularidades sociais. Por outro lado,a articulao dessas diferentes dinmicas se faz

    segundo as tentativas do processo comunica-cional que lhe d sentido (logo, se organizamdiferentemente em cada dispositivo)

    Outro modo de perceber o que chamo dedispositivos interacionais considerar quecorrespondem a modos tentativos para ela-borao de padres interacionais segundo osquais a sociedade busca organizar o fluxo decirculao comunicacional. Em Braga (2011,2010a), fao a elaborao desse construto,como uma hiptese heurstica para tensiona-mento interno do campo que, sem reduzir

    a diversidade, busca caminhos para reduzira disperso.

  • 7/29/2019 BRAGA - Contituio do campo da comunicao

    16/16

    Verso e Reverso, vol. XXV, n. 58, janeiro-abril 2011 77

    Jos Luiz Braga

    Concluso

    O presente texto, com o objetivo de apre-sentar algumas reflexes sobre a constituiodo Campo da Comunicao, toma como ponto

    de partida duas consideraes preliminares.A primeira considera ocioso discutir sobre oestatuto acadmico formal do Campo assu-mindo sua existncia, enquanto campo so-cial (caracterizado pelo desenvolvimento deestudos e de pesquisas), como base suficientepara as reflexes a serem feitas. A segundapreliminar recusa a proposta de explicao docampo por uma pretendida natureza inter-disciplinar deste.

    No desenvolvimento principal, discute-se so-bre a opo entre tomar o estudo dos meios de

    comunicao como objeto nuclear de reflexo doCampo de Pesquisa em Comunicao; ou, alter-nativamente, considerar um objeto mais amplo as interaes da comunicao social.

    A partir de uma preferncia pela segundaalternativa, examinam-se quatro problemasque so colocados para esta perspectiva:

    explicar a forte presena da mdia comoobjeto de estudos na rea;

    refletir a respeito do compartilhamentodos estudos sobre o tema Comunicao

    entre o prprio Campo e as demais disci-plinas humanas e sociais; organizar tentativamente, e para objeti-

    vos prticos, as diversas perspectivas etemas que as pesquisas abordam;

    distinguir (questo que no se colocapara a opo de centralizao exclusivana mdia) os ngulos culturais que so deespecfico interesse para o Campo.

    Naturalmente as reflexes apresentadasno correspondem a proposies epistemo-lgicas para definio terica do campo, masapenas a esforos descritivos e organizatriosdo que parece estar acontecendo no campo dapesquisa. Correlatamente, as reflexes apre-sentadas so inevitavelmente tentativas su-jeitas no s crtica e s objees que nos fa-am perceber limites em nossas proposies,mas tambm prpria dinmica da rea, queno se constitui e desenvolve atravs de estru-turaes abstratas, mas sim da realidade sociale histrica de seu trabalho.

    Anotao final

    O ltimo pargrafo do texto continua v-lido, reiterando o aspecto tentativo das con-jeturas e a expectativa de continuado avano

    no desenvolvimento da rea mormente pelasrefutaes mtuas que os diferentes estudossobre o campo apresentem, assim como pelaspesquisas sobre aspectos especficos do fen-meno comunicacional, em sua composio.

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    1 Os artigos do autor apresentam perspectivas desenvolvidas posteriormente ao artigo agora republicado, e aqui referidas noscomentrios.