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A biologia representa, muitas vezes, uma enorme dificuldade para os que tentam entender e estudar as inúme- ras e variadas estruturas e funções que formam os seres vivos. Quantos nomes de estruturas conseguimos nos lembrar ao descrever uma sim- ples flor? Antera, estame, sépala, es- tilete, estigma, pétala? Qual é o sig- nificado de sapopema, rupícola, cauliflor, giba? Embora esse desafio de memoriza- ção seja colocado, principalmente, para estudantes, qualquer amante da botânica ou interessados no as- sunto poderá usufruir do livro Mor- fologia vegetal: organografia e dicio- 58 BOTÂNICA DESCOBRINDO OS SIGNIFICADOS DE ESTRUTURAS VEGETAIS nário ilustrado de morfologia das plantas vasculares de diferentes ma- neiras e olhares: buscando a origem dos termos usados para descrever as diferentes partes das plantas, o sig- nificado desses termos, ou simples- mente admirando e procurando de- talhes curiosos da morfologia vege- tal – área das ciências biológicas que lida com a forma e a estrutura das plantas. Publicado em 2007, o di- cionário tem autoria de Eduardo G. Gonçalves, da Universidade Católi- ca de Brasília, e de Harri Lorenzi, do Instituto Plantarum de Estudos da Flora, em Nova Odessa, São Paulo. Trata-se de uma obra com dois mó- dulos. O primeiro é uma visão geral da evolução das plantas terrestres e de como se deu o desenvolvimento de raízes, caules, folhas, flores, en- tre outros. “Ainda nesse módulo, todos os órgãos vegetais são dividi- dos organograficamente em siste- mas: axial [caule], absortivo-fixa- dor [raízes], fotossintético [folhas] e reprodutivo, todos ilustrados e dissecados quanto à estrutura bási- ca e diversidade adaptativa”, desta- ca Gonçalves. Já o segundo módulo, parte mais laboriosa do processo de produção do livro, é um dicionário ilustrado com mil verbetes em morfologia vegetal, cada um apresentado quanto à sua etimologia e defini- ção. Além disso, cada um dos mil verbetes foi ilustrado com três fo- tos coloridas, preferencialmente de espécies diferentes, e também com um desenho a nanquim, to- dos feitos pelo próprio Gonçalves. A idéia de associar os desenhos com fotografias de plantas reais foi para melhor ilustrar o verbete e também mostrar eventuais varia- ções que o termo possa apresentar entre diferentes espécies. Os auto- res destacam, na apresentação do livro, que o princípio adotado foi “apresentar a terminologia botâni- ca fortemente associada a recursos visuais apropriados e decomposta em unidades básicas”. GÊNESE Gonçalves e Lorenzi traba- lharam juntos pela primeira vez no momento em que Lorenzi es- crevia o livro Plantas tropicais de Burle Marx (2001). O paisagista, dono de uma enorme coleção de plantas ornamentais coletadas em diferentes partes do mundo, dizia que “não existe jardim sem Ara- ceae”, família de plantas como os antúrios e copos-de-leite. Gonçal- ves, especialista na classificação de Araceae, ajudou Lorenzi a identi- ficar os representantes dessa famí- lia na coleção do sítio Burle Marx, no Rio de Janeiro. Em uma das viagens que fizeram juntos, no fi- nal de 2005, surgiu a idéia de es- crever um dicionário com tais ca- racterísticas. Gonçalves destaca que existem ex- celentes livros de morfologia vege- tal. Dentre os brasileiros, ele aponta Botânica – organografia (Vidal e Vi- dal, 1984) e Glossário ilustrado de botânica (Ferri et al., 1992) como importantes por conta do pioneiris- mo e abrangência. A inovação de Gonçalves e Lorenzi se deveu à união entre fotografia, desenho, eti- mologia e descrição do termo. Vale destacar que a ênfase do dicionário foi na morfologia de plantas vascu- lares (angiospermas, principalmen- te; gimnospermas e pteridófitas), Reprodução

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A biologia representa, muitas vezes,uma enorme dificuldade para os quetentam entender e estudar as inúme-ras e variadas estruturas e funçõesque formam os seres vivos. Quantosnomes de estruturas conseguimosnos lembrar ao descrever uma sim-ples flor? Antera, estame, sépala, es-tilete, estigma, pétala? Qual é o sig-nificado de sapopema, rupícola,cauliflor, giba?Embora esse desafio de memoriza-ção seja colocado, principalmente,para estudantes, qualquer amanteda botânica ou interessados no as-sunto poderá usufruir do livro Mor-fologia vegetal: organografia e dicio-

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BOTÂNICA

DESCOBRINDOOS SIGNIFICADOSDE ESTRUTURASVEGETAIS

nário ilustrado de morfologia dasplantas vasculares de diferentes ma-neiras e olhares: buscando a origemdos termos usados para descrever asdiferentes partes das plantas, o sig-nificado desses termos, ou simples-mente admirando e procurando de-talhes curiosos da morfologia vege-tal – área das ciências biológicas quelida com a forma e a estrutura dasplantas. Publicado em 2007, o di-cionário tem autoria de Eduardo G.Gonçalves, da Universidade Católi-ca de Brasília, e de Harri Lorenzi, doInstituto Plantarum de Estudos daFlora, em Nova Odessa, São Paulo.Trata-se de uma obra com dois mó-dulos. O primeiro é uma visão geralda evolução das plantas terrestres ede como se deu o desenvolvimentode raízes, caules, folhas, flores, en-tre outros. “Ainda nesse módulo,todos os órgãos vegetais são dividi-dos organograficamente em siste-mas: axial [caule], absortivo-fixa-dor [raízes], fotossintético [folhas]e reprodutivo, todos ilustrados edissecados quanto à estrutura bási-ca e diversidade adaptativa”, desta-ca Gonçalves.Já o segundo módulo, parte maislaboriosa do processo de produçãodo livro, é um dicionário ilustradocom mil verbetes em morfologiavegetal, cada um apresentadoquanto à sua etimologia e defini-ção. Além disso, cada um dos milverbetes foi ilustrado com três fo-tos coloridas, preferencialmentede espécies diferentes, e tambémcom um desenho a nanquim, to-dos feitos pelo próprio Gonçalves.A idéia de associar os desenhoscom fotografias de plantas reais foipara melhor ilustrar o verbete e

também mostrar eventuais varia-ções que o termo possa apresentarentre diferentes espécies. Os auto-res destacam, na apresentação dolivro, que o princípio adotado foi“apresentar a terminologia botâni-ca fortemente associada a recursosvisuais apropriados e decompostaem unidades básicas”.

GÊNESE Gonçalves e Lorenzi traba-lharam juntos pela primeira vezno momento em que Lorenzi es-crevia o livro Plantas tropicais deBurle Marx (2001). O paisagista,dono de uma enorme coleção deplantas ornamentais coletadas emdiferentes partes do mundo, diziaque “não existe jardim sem Ara-ceae”, família de plantas como osantúrios e copos-de-leite. Gonçal-ves, especialista na classificação deAraceae, ajudou Lorenzi a identi-ficar os representantes dessa famí-lia na coleção do sítio Burle Marx,no Rio de Janeiro. Em uma dasviagens que fizeram juntos, no fi-nal de 2005, surgiu a idéia de es-crever um dicionário com tais ca-racterísticas.Gonçalves destaca que existem ex-celentes livros de morfologia vege-tal. Dentre os brasileiros, ele apontaBotânica – organografia (Vidal e Vi-dal, 1984) e Glossário ilustrado debotânica (Ferri et al., 1992) comoimportantes por conta do pioneiris-mo e abrangência. A inovação deGonçalves e Lorenzi se deveu àunião entre fotografia, desenho, eti-mologia e descrição do termo. Valedestacar que a ênfase do dicionáriofoi na morfologia de plantas vascu-lares (angiospermas, principalmen-te; gimnospermas e pteridófitas),

Reprodução

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plantas com tecidos especializadosque conduzem água e nutrientes aolongo de toda a sua extensão, emcontraposição às plantas avascula-res, como por exemplo, os musgos,que não apresentam esses tecidoscondutores especializados.Escolher os termos a serem defini-dos no dicionário não foi tarefa fá-cil. Eduardo Gonçalves conta quemontou uma longa planilha, con-sultando teses, artigos taxonômi-cos, revisões recentes, além dos ter-mos botânicos que constam no Di-cionário Aurélio, sua própria expe-riência em taxonomia e longas con-versas com especialistas de diferen-tes áreas. Os autores optaram porcolocar termos específicos e tam-bém gerais, e decidiram por excluirtermos em desuso. Após a escolhados mil verbetes, a maior dificulda-de foi fotografar três espécies dife-rentes de plantas para representarcada um desses termos.E por que é importante dar nomes atantas estruturas diferentes? Ecólo-gos que estudam interação entreplantas e animais precisam dizer,por exemplo, de qual estrutura daplanta um animal se alimenta. Os fi-siologistas também utilizam deno-minações das estruturas para expli-car os processos que estudam. Alémdisso, a morfologia vegetal cruzaagora a fronteira da biologia evoluti-va do desenvolvimento, explicam osautores. Mas ainda é preciso enten-der quais genes determinam se as fo-lhas terão margens denteadas oucrespas ou se terão forma ovalada oudeltóide, por exemplo.Mas talvez a aplicação mais eviden-te da morfologia ainda seja mesmona taxonomia, ciência que lida com

a descrição, identificação e classifi-cação dos organismos. E por queclassificar? O biólogo Stephen JayGould, que era professor de geolo-gia e de zoologia na Universidadede Harvard, nos Estados Unidos,resume: “taxonomias são reflexosdo pensamento humano; elas ex-pressam nossos mais fundamentais

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conceitos sobre os objetos do nossouniverso”. Classificação não é ape-nas uma mera coleção, mas umamaneira de estudar a história natu-ral da vida na Terra. “É o caráteratemporal da morfologia”, resumeGonçalves.

Cristina Caldas

Fotos:Eduardo G.G

onçalves

Fuste (1. fuste=bastão ou vara) – Porção caulinar lenhosa não-ramificada na base dasárvores, podendo ser reta ou bastante torcida. Pode ser muito fino a ocasionalmenteintumescido. É o mesmo que tronco.

Giba (1. gibba=corcunda) – Nome dado ao trecho de uma corola tubulosa onde ela forma uma espécie de corcunda ou barriga. Em corolas tubulosas de maior porte, a giba é um ponto máximo até onde os polinizadores podem entrar na flor.

Umbela (1. umbella=guarda-sol) – Inflorescência com o eixo bastante congesto, fazendotodas as flores surgirem aparentemente do mesmo ponto, formando uma esfera

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