book 2 - short story 1 - upgrade 4

62
O dia em que Che Guevara chegou ao Inferno Cidade de Canf. Romênia. Transilvânia. Alpes da Valáquia. 2015. * * * * * Sylvia estava no trabalho quando o telefone tocou. Era o marido pedindo para que ela saísse uma meia hora mais cedo da repartição. Disse que havia feito uma reserva em um restaurante francês para que os dois pudessem desfrutar de uma noite especial. Ela fica surpresa. Ivan jamais havia mostrado interesse neste tipo de programa romântico. A moça concorda em pedir para o chefe a gentileza de liberá-la mais cedo. Ivan diz que a ama e desliga o telefone. Mais incomum ainda. Eu te amo não eram palavras que o senhor Cartochek costumava usar rotineiramente. Meio sem saber o que fazer, Sylvia vai até o escritório de seu superior, inventa uma desculpa qualquer e ganha a meia hora solicitada pelo marido. Mas ela sentia que havia algo de muito estranho na situação. As pessoas não mudam de um hora para outra. Romance era uma característica de personalidade que Ivan jamais havia manifestado. Ela entendia isto e o amava mesmo assim. Era um homem rude, de poucas palavras, poucos amigos, que gostava de relaxar cortando lenha ou ouvindo polca. Sylvia sabia que alguns homens demonstram seus sentimentos e outros não. Seu marido, definitivamente, pertencia ao segundo tipo e isto não a incomodava. Conversavam muito pouco, mas como ele dificilmente perdia tempo papeando com estranhos, ela sempre achou que estava tudo bem. Afinal, timidez e introspeção são traços não necessariamente incomuns de personalidade.

Upload: marcelo-de-andrade-maciel

Post on 01-Feb-2016

30 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

O Dia em que Che Guevara chegou no Inferno

TRANSCRIPT

Page 1: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

O dia em que Che Guevara chegou ao Inferno

Cidade de Canf. Romênia. Transilvânia. Alpes da Valáquia. 2015.

* * * * *

Sylvia estava no trabalho quando o telefone tocou. Era o marido pedindo para que ela saísse uma meia hora mais cedo da repartição. Disse que havia feito uma reserva em um restaurante francês para que os dois pudessem desfrutar de uma noite especial. Ela fica surpresa. Ivan jamais havia mostrado interesse neste tipo de programa romântico. A moça concorda em pedir para o chefe a gentileza de liberá-la mais cedo. Ivan diz que a ama e desliga o telefone. Mais incomum ainda. Eu te amo não eram palavras que o senhor Cartochek costumava usar rotineiramente. Meio sem saber o que fazer, Sylvia vai até o escritório de seu superior, inventa uma desculpa qualquer e ganha a meia hora solicitada pelo marido. Mas ela sentia que havia algo de muito estranho na situação. As pessoas não mudam de um hora para outra. Romance era uma característica de personalidade que Ivan jamais havia manifestado. Ela entendia isto e o amava mesmo assim. Era um homem rude, de poucas palavras, poucos amigos, que gostava de relaxar cortando lenha ou ouvindo polca. Sylvia sabia que alguns homens demonstram seus sentimentos e outros não. Seu marido, definitivamente, pertencia ao segundo tipo e isto não a incomodava. Conversavam muito pouco, mas como ele dificilmente perdia tempo papeando com estranhos, ela sempre achou que estava tudo bem. Afinal, timidez e introspeção são traços não necessariamente incomuns de personalidade. Quando se mora na Transilvânia é impossível esquecer que se vive em uma terra de monstros, porém, Sylvia jamais imaginou que Ivan fosse um deles.

* * * * *

Ela chega em casa. Encontra o marido de terno e gravata sentado no sofá vendo televisão. Outra imagem raríssima já que Ivan Cartochek era técnico de manutenção de máquinas de raio-x e ternos estavam tão longe de seu cotidiano como transistores estavam do cotidiano de um padeiro. Mantinha dois trajes no armário só para batizados, casamentos e velórios. E olhe lá...- Sylvia, nossa reserva é entre sete e sete e meia, é melhor você colocar uma roupa um pouco mais formal.- OK... Qual o restaurante ?- O Chateau Corsac.- Isto é caro. É alguma ocasião especial ?- Não. Vontade de sair um pouco, respirar o ar da noite. Agora vai se arrumar e me deixaver o noticiário.

Page 2: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Certo. Sem saber direito o que fazer, ela sobe a escada até o quarto do casal. Após quatro anos de casamento ainda não tinham filhos, mas continuavam tentando. Possivelmente ele era estéril devido ao trabalho com as máquinas de raio-x, mas Sylvia não tinha coragem de tocar no assunto. No início, ela não sabia o que escolher. O Chateau Corsac era um ambiente caro, refinado para uma cidade pequena como Canf. O restaurante era um lugar onde namoradas recebem o pedido de casamento e famílias abastadas comemoravam datas festivas como aniversários ou a promoção de alguém no serviço. Vendo que o tempo corria, Sylvia apanha um vestido preto que usara na formatura da irmã, um colar de pérolas e, descalça, corre até o armário dos sapatos, tentando encontrar alguma coisa. Encontra. Vai para o chuveiro.

* * * * *

Doze minutos depois. Sylvia desce a escada. Vinte e sete anos. Formada em administração de empresas, mas o maldito governo a tornara uma especialista em logística ao invés da gestora que almejava ser quando ingressara no serviço público. Não era uma mulher de beleza estonteante, mas tinha a sua graça. Um sorriso aberto. E aquela vivacidade que têm as pessoas que brilham simplesmente por estarem vivas. Jamais teria um aniversário de vinte e oito anos. Morreria naquela noite.

* * * * *

Ivan olha para Sylvia descendo a escada. Surge um pouco de remorso em relação ao que havia planejado fazer mais tarde com ela.- Podemos ir ?- Claro. Já terminou de ver o seu jornal ?- Já. Sem elogios, sem referências ao novo perfume, como se todo o ritual de preparação para o jantar feito por Sylvia fosse absolutamente corriqueiro, Ivan Cartochek conduz a esposa para o corredor, abre a porta, deixa Sylvia passar, passa, aciona os alarmes e fecha o trinco.

* * * * *

Chateau Corsac. Canf, Romênia. 86 minutos depois. Já estavam na sobremesa. Ivan comentara sobre o resultado das eleições parlamentares, Sylvia buscou assunto nas obras que a prefeitura fazia nas ruas do centro da cidade e que transformaram o trânsito em um inferno. A comida era boa e o tempo passou rápido.- Eu quero o divórcio.- Hã ?- Você entendeu, Sylvia. Acabou. Eu quero o divórcio.- Isto é sério ?

Page 3: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Seríssimo. Não te amo mais. Que acha de escolhermos um advogado só para economizarmos um dinheirinho ?- O que eu fiz ?- Nada. Acabou. O Bartolev, amigo do meu pai, bem podia ser o nosso advogado, o que você acha ?- Eu não entendi ainda. Porquê você quer o divórcio ?- Eu quero me casar com a Sofia e bigamia é crime neste país.- Sofia Svelistslova ? A enfermeira ?- E existe outra Sofia ? As coisas começaram a fazer sentido na mente de Sylvia. As mudanças constantes de turno, o cansaço repentino de quem sempre fora um sátiro para o sexo, os jogos de futebol aos sábados...- Desde quando começou isto ?- Não importa. Posso ligar para contratar o Bartolev como nosso advogado mútuo ? A ficha cai. Sylvia se levanta, apanha o molho de chaves que o marido colocara em sua frente já se preparando para a saída. Com a mão esquerda dá um soco na mesa, fazendo voar vinho para tudo que é lado.- Bartolev ? Está louco ! Eu vou pegar o melhor advogado da Romênia para tirar de você até o último centavo !- Não faz escândalo, a gente pode conversar...- Bom que você está com uma enfermeira, pois eu vou mandar uns caras da Máfia Russaquebrarem cada osso do seu corpo.- Você está blefando...- Espera só. Ela parte. Com o restaurante inteiro olhando. O maître vem falar com Ivan.- O senhor vai ter que pagar pelo copo que sua acompanhante quebrou.- Não tem problema, pode acrescentar na conta, eu pago.- Desentendimento conjugal ?- Não, divórcio. Eu tentei o velho truque de levar a ex-mulher em restaurante caro para dar a notícia de que a pobre ia ser chutada e com isto evitar um escândalo, mas não funcionou. Pode trazer a conta e me chamar um táxi ?- Sim, senhor.

* * * * *

16 minutos depois. Sob o efeito do vinho e com ódio em todos os poros, Sylvia Cartochek, voa baixo dirigindo como uma louca. Não queria voltar para casa. Tenta chegar na casa de uma tia, mas a memória falha sobre qual estrada vicinal deveria ser escolhida em uma encruzilhada. Penetra cada vez mais na zona rural pensando estar no caminho certo. Era um pedaço de chão com um passado bem escabroso. Estórias de vampiros. De gente desaparecida. De famílias inteiras que sumiam do dia para noite. Sabe-se lá o porquê, os desaparecimentos cessaram lá pelos anos 40, mas a fama ficou. Terra boa, baratinho,

Page 4: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

baratinho, mas ninguém comprava. Tratores da década de 30 abandonados como fantasmas da grande depressão ou de coisa pior. Ela continua correndo. Derrapa. Não consegue fazer a curva. O carro voa, destruindo o guarda-rail e despencando verticalmente em uma lagoa. Onze metros de queda livre. TCHIBUM ! Bêbada, Sylvia bate a cabeça no painel do carro, tonteia, mas não desmaia, porém não consegue se soltar do cinto de segurança e morre afogada. Ivan Cartochek, ainda casado com comunhão de bens, teria todos os seus problemas financeiros resolvidos com a morte da esposa. Quem disse que a vida é justa ? Porém o carro, o túmulo sub-aquático de Sylvia, havia aterrisado em algo infinitamente mais valioso que as modestas economias de uma funcionária pública. Uma espaçonave alienígena.

* * * * *

Dia seguinte. Ivan acorda. Olha para o lado, não vê Sylvia. Não esperava mesmo. Veste os chinelos e vai até a janela. O carro não estava lá. O fato não o preocupava, sabia que ela devia ter ido para a casa de alguma amiga ou algum parente. O que realmente o inquietava era a ameaça da Máfia Russa. Sylvia se gabava de ter namorado, quando solteira, Mikhail Sardichenko, empresário, importador de bebidas, mas que todos sabiam era o homem de confiança de um dos cartéis moscovitas do tráfico de armas na Romênia. O namoro terminou quando ela colocou o sujeito contra a parede: ou ela ou os negócios. Ele disse que a amava mas não podia deixar a organização naquele momento. Talvez ano que vem... Sylvia não esperou e foi embora. Mas continuava recebendo cartões de Natal e aniversário do persistente mafioso. Enfim, ela podia não estar blefando. Tinha mesmo contatos no submundo. O telefone toca.- Não deu, Bartolev. Ela não aceitou a proposta, mas você pode defender o meu lado, se ainda estiver interessado.- Claro, pode contar comigo. Sylvia falou quem ela vai pegar de advogado ?- Não, mas disse que vai me tirar até o último centavo.- Realmente... Estamos em uma terra de vampiros. Cartochek ri um pouco. Conversam banalidades e Ivan promete avisar assim que soubesse quem seria o advogado de Sylvia. Desliga o telefone. Em nenhum momento, passou pela cabeça do Sr. Cartochek chamar a polícia para registrar o desaparecimento. Sabia que ela estava na residência de alguém conhecido e voltaria logo para buscar uma mala de roupas ou tentar expulsá-lo da casa. Levou três dias para chamar a polícia e começar a procurar pela esposa. Quando soube do óbito, ficou chocado com a morte da mulher, mas aliviado por ter conseguido evitar a confusão que é um divórcio litigioso em cidade pequena.

Page 5: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Bartolev, o advogado, acertou na sorte grande. Ganhou quatro vezes mais no inventário do que ganharia no divórcio, um procedimento bem mais simples, quase cartorial.

* * * * *

Alguns segundos depois... Nadia Carnacci passa pela estrada esburacada com uma pick-up levando dois porcos para vacinar no veterinário. Vê o buraco no guarda-rail. Chama a polícia. A polícia checa se haviam desaparecidos recentes. Nada. Aparentemente, havia caído um carro dentro do lago. Chamam o Corpo de Bombeiros de Canf. O minúsculo Corpo de Bombeiros de Canf não tinha mergulhadores e chama o Corpo de Bombeiros de Tavastt, a cidade vizinha. Dois dias depois, uma viatura com dois bombeiros mergulhadores chega ao lago lamacento para investigar o que havia acontecido. Na falta de qualquer registro de desaparecimento em dois dias, a polícia passa a trabalhar com a hipótese de que eram turistas. A região era conhecida pelas lendas sobre desaparecimentos e vampiros. Não era incomum aparecerem jovens góticos de toda a Europa, buscando algum morto-vivo para que este os mordesse e, assim, pudessem viver para sempre. Tem doido pra tudo.

* * * * *

O primeiro mergulhador entra na água. O segundo, que estava com o traje recém-comprado, cheio de parafernalhas eletrônicas, demora mais para calibrar os instrumentos e fica na praia tentando usar a roupa pela primeira vez. Cinco minutos se passam.- Tem alguma coisa lá embaixo !- Um carro ?- Um carro com alguém dentro, mas o carro está em cima de algo bem maior, maior do que um vagão de trem.- Eu quero ver isto ! Piotr mergulha na água congelante. Alex vai atrás, depois de uns doze minutos no fundo do lago, Piotr, o líder da equipe que antes era de quatro, mas estava reduzida a dois, faz sinal para subirem. Apressadamente, retiram a máscara.- Estamos ricos !- Alex, o que era aquilo embaixo do carro ?- Não tem idéia ?- Nenhuma.- Uma nave, seu otário ! Dos homenzinhos do espaço !- Eu pensei nisto, mas não tinha o formato de um disco.- Ninguém pode saber que isto existe ou vão pegar a nossa fortuna !- Que fortuna ? Não delira !

Page 6: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Vamos desmontar a nave e vender pedaço por pedaço para esta gente que curte disco voador no Ebay.- E a moça no carro ?- É, a moça é um problema.

* * * * *

Resolvem o problema. Retiram o cadáver de dentro do lago, levam, na viatura dos bombeiros até outro pequeno lago pouco adiante. Atiram o corpo na água, quase no raso. Alex telefona para a polícia, anonimamente, dizendo que estava mergulhando e achou a moça. Desaparecem. Algumas horas depois, a polícia surge, encontra o corpo e concluí, apressadamente, que Sylvia havia sido morta por assaltantes que roubaram seu carro e a mataram com uma pancada na cabeça, que, na verdade era fruto do desastre de automóvel. Depois jogaram o corpo da moça desacordada no lago onde morrera afogada. Sem identificação, vai parar na geladeira do Instituto Médico Legal. O marido surge por lá no dia seguinte para liberar o corpo e cuidar do sepultamento. O suposto mafioso, Mikhail Sardichenko aparece no enterro. Não se contém e chora copiosamente. Só neste momento, descobriu que a amava. Tarde demais.

* * * * *

U.S.S. Nosferatu. Atlântico Sul, rumando para a Antártida. 14:15- Vai dormir, mana. Você não vai encontrar o Groody destruindo a sua saúde. Você precisa dormir.- Ele é um adolescente. Adolescentes não gostam deste negócio de internet ? Mais cedo ou mais tarde eu acho ele.- Não é mais como antes, mana. Ele fugiu de nós. Ele pensa que somos os monstros que devastaram o monastério. Ele não quer nos ver.- Claro, eu sei, mas não seria bom se pudéssemos descobrir onde ele está para ficarmos observando. Ajudá-lo se ele precisar ?- Vai dormir, vai... Razor puxa a tomada e a tela simplesmente se apaga, cortando a conexão de internet que eles costumeiramente roubavam de um satélite militar francês mal-protegido.- Sabotador. Ela deixa a cadeira e caminha em direção aos quartos, enquanto o irmão desliga os complexos sistemas do dirigível um a um.- Engraçado... A minha vida inteira eu cuidei de você, agora as coisas estão se invertendo.- Bobagem.- Eu sou muito chata. Não sei como é que o Khull e você me aguentam...- O Khull eu não sei, mas eu sei porquê eu vou te suportar pra sempre.- Por quê ?

Page 7: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Sangue.- Ainda sente saudades do papai e da mamãe ?- Ás vezes.- Faz tanto tempo, né ?- Muito. Mas, se nós estamos vivos, eles talvez estejam, não é mesmo ?- Pode ser.- Vai dormir, vai... Você tem que ajeitar seu sono, mana.- Tá bom. Boa noite. Quer que eu te conte uma estória antes de dormir ?- Não é necessário. Ele sorri. Quinze anos depois da fuga de Groody as coisas voltaram ao normal.

* * * * *

Washington D.C., USA. Quartel-general do Instituto de Pesquisas Biológicas Avançadas, também conhecido como I.P.B.A.. Gabinete do Diretor Michael Clark. Sentado, claramente alterado e tentando usar todo o seu poder de persuasão, o Diretor Clark. Em pé, calmo, tentando entregar a carta de demissão amigavelmente, o Agente Especial Grant, que não quer discussão. Só quer atravessar as etapas do protocolo burocrático, pegar o cheque com o que tiver de direito e não voltar ali tão cedo. Ou nunca mais.

* * * * *

- Eu entendo a sua situação...Vamos fazer o seguinte: eu lhe dou seis meses de férias pagas, se você prometer que quando terminarem os seis meses você volta para sua sala. Está bom ?- Não são férias, Diretor. Pra mim acabou.- Certo. O que quer então ? Aumento de salário ?- Eu não vou passar por aquilo de novo, acabou.- Nós levamos de dez a doze anos para formar um agente aqui dentro. Antes que o período de formação termine, uns 40% enlouquece devido ao tipo de “clientes” que nossa agência tem. Você é uma grande perda, Grant.- Eu agradeço o elogio, mas eu fiquei dois meses preso em uma estação orbital russa que ninguém sabia que existia e estaria lá até agora se minha companheira de cela não fosse uma agente do Serviço Secreto Australiano que chamou o ônibus espacial deles: o Paul Hogan. Que raio de mundo é este que a Austrália tem um ônibus espacial e a América tem que pedir carona às naves Soyuz dos russos ?- O que eu posso lhe dizer, o que está dentro dos seus níveis de permissão é que a CIA sabia que os russos tinham uma estação espacial em volta da lua, mas por causa do desgraçado do “Ato Patriótico” não nos passou a informação. Depois de dois meses sem dar notícias nós pensamos que você estava morto. Muita gente morre no nosso campo de trabalho.- Sabe o que é fazer xixi e cocô dentro de um traje espacial em gravidade zero por dois meses ?

Page 8: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

O Diretor Clark suspira e dá a oferta final.- Se nós soubéssemos onde você estava teríamos mandado uma missão de resgate imediatamente, mas não sabíamos. Você não precisa ir embora, você é importante aqui, o que nós fazemos é importante para a segurança da América e de todo o planeta, o I.P.B.A. é a primeira linha de defesa contra uma invasão alienígena e quando a invasão acabar e os malditos Ets forem derrotados teremos que limpar toda a sujeira para nada sair nos jornais, mesmo naqueles horríveis tablóides sensacionalistas ingleses. Enquanto as outras agências olham para o chão, nós olhamos para o espaço. É por isto que eu venho aqui todos os dias, para tornar o Universo um lugar mais seguro para todos os americanos.- Belo discurso. Eu imagino que o Diretor do S.D.A.T.* faz um igualzinho, só que ele troca invasão alienígena por invasão do Reino das Fadas ou algo assim. Michael Clark percebe como estava sendo ridículo e , na falta de outra alternativa, sorri.- Eu vou embora. Eu nem sabia que era tão importante assim aqui dentro, mas... Deu tudo certo, os australianos apareceram com aquele ônibus espacial infame pintado com os dentes de um jacaré, mas poderia ter dado tudo errado, entende ?- Entendo. Uma última oferta. Você ganha seis meses de férias pagas e, depois, volta aqui e fala comigo. Sem compromisso de voltar, só me escuta mais uns 10 minutos e pode ir embora. O Agente Especial Grant já estava ficando comovido. Realmente, não tinha a menor idéia que possuía alguma importância na agência.- Sem compromisso de voltar ? Só conversar com você de novo ?- Compromisso nenhum. Você está com raiva da gente, mas o erro não foi nosso, foi da CIA. Depois de descansar você vai julgar melhor a situação. - Então está certo, mas eu tenho mais uma condição.- Pode falar.- Mande um cartão de natal para a Agente Susan Rojas e outro para seja lá quem que dirige o Serviço Secreto Australiano, eles poderiam muito bem ter me deixado apodrecendo lá na órbita da Lua.- Vou mandar minha secretária procurar os cartões mais bonitos de Washington e vou telefonar pessoalmente para a senhorita Rojas e seu chefe que eu não tenho a mínima idéia de quem seja. CRANK ! A porta se abre com violência. Um homem, esbaforido, com um laptop aberto na mão.- Diretor Clark ! O senhor tem que ver isto ! Acostumado com este tipo de interrupção o tempo todo, Michael Clark aterrisa o laptop sob sua mesa e grunhe.- O que eu devo ver com tanta urgência, Jones ?- Tem um cara, no Ebay europeu, vendendo partes de um disco voador que teria se espatifado na Romênia. Michael Clark analisa as fotos postadas no site. Se era uma fraude, era uma fraude bem original, não se parecia com nada que ele já tivesse visto. O Diretor Clark sabia que tinha de ser rápido, antes que os chineses ou os russos chegassem primeiro nos destroços, se é que não eram uma fraude.- Jones, mande prepararem o IPBA 1, vamos para a Romênia agora !- Eu também ?- Claro, se for real o crédito é seu e o bônus no salário ídem.

Page 9: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Michael Clark vira a cabeça e interroga o quase demissionário Agente Grant.- Vem conosco ? Dizem que a Romênia é linda nesta época do ano.- Quem disse isto ? O Agente Blade ?- Talvez. Acho que sim. Equipe pequena. Em uns dias estamos de volta.- Romênia...Vampiros ? Não, obrigado. Não se esqueçam do alho e dos crucifixos.- Bobagem... O I.P.B.A. tem cada vampiro deste planeta identificado e monitorado.- E os que vieram de fora ? O Agente Grant sai da sala rindo. Michael Clark e o Agente Jones aparentemente não entenderam a piada.

* * * * *

* S.D.A.T. significa Sistema de Defesa a Ameaças Transdimensionais. É a agência de segurança do governo norte-americano responsável por monitorar e retalhar ataques provenientes das 3215 dimensões conhecidas. Fadas, gnomos, trolls, goblins e elfos normalmente são os “clientes” de suas carceragens e a mão-de-obra de muitas de suas unidades. Uma vez recrutados como agentes, os seres místicos diminuem sua pena até terem a autorização para retornarem para suas dimensões de origem ou ficarem trabalhando no setor de inteligência como contratados. O S.D.A.T. e o I.P.B.A. corriqueiramente invadem a competência um do outro causando irritação e uma certa animosidade entre seus agentes e diretores. Se algum dia, você se sentiu frustrado porquê a Fada do Dente não colocou uma moeda embaixo de seu travesseiro, talvez a culpa tenha sido de uma valente equipe do S.D.A.T. que capturou, encarcerou e dissecou aquela perigosa criatura.

* * * * *

Inferno. Mármore do Inferno, se você for muçulmano. O mesmo lugar tem muitos nomes, assim como seu soberano. No centro do Inferno está Dite, a cidade infernal, mas o local é gigantesco. Quanto mais você se distancia de Dite, radialmente, menos criaturas você encontra. Menos demônios, menos almas sendo torturadas e menos anjos vigiando os demônios. O lugar é imenso, foi projetado imaginando uma expansão populacional da humanidade (e, consequentemente, de novas almas a serem torturadas) bem maior do que a que realmente ocorreu. Nas periferias extremas do Inferno há literalmente: nada. Só o chão duro. Infértil. Rochoso e morto. BANF ! O visitante aterriza de joelhos. Esfrega os olhos. Confuso, tenta se lembrar da última coisa que ocorrera em sua vida. Bolívia. Uma emboscada. Cheio de ódio, entende a situação. Grita.- Tem alguém aí ? Silêncio. No dia 12 de abril de 2015, o Comandante Ernesto “Che” Guevara chegou ao Inferno. Para obrigar o I.P.B.A. a mandar agentes aonde nenhum homem jamais esteve e voltou.

Page 10: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

* * * * *

Guevara sabia que estava no Inferno. Só nunca tinha perdido tempo imaginando como seria o além-túmulo. Imaginava encontrar demônios. Não via sinal de demônio algum. O que via era um deserto, morto. Remexe em seus bolsos. A caneta ainda estava lá, a carteira também. O amuleto encontrado em uma aventura peruana também continuava prensado dentro de seu passaporte argentino. A lenda que ficou para a História diz que uma medalha de Nossa Senhora, segurou uma bala endereçada ao Comandante Guevara. Não era bem assim. Em seus dias de médico errante pela América Latina, Guevara encontrou, nas cercanias de Cuzco, no chão mesmo, algo que parecia ser um amuleto. Uma pedra esculpida de algum deus Inca esquecido, chato como uma moeda, vermelho como um rubi. O jovem médico encapsulou o artefato nas páginas de seu passaporte argentino e se esqueceu daquilo. Até, anos mais tarde, a pedra segurar uma bala certeira que rumava para seu coração. O que o Comandante Guevara não sabia é que o amuleto misterioso era nada mais nada menos que um escudo militar poderosíssimo, dado pelos alienígenas Darknack aos incas juntamente com outros presentes. Erich von Danniken não estava totalmente errado, afinal. A aura de proteção do escudo causara uma distorção espaço-temporal. Guevara, que deveria ter chegado ao Inferno em 1967, só apareceu em 2015, após vagar desacordado por décadas em limbos dimensionais. A mesma distorção fez com que Che aterrizasse na periferia da periferia do Inferno e não no local de praxe, onde dezenas de demônios já estariam lhe esperando. Não sente fome. Ou sede. Se espanta que suas roupas continuam as mesmas. Tinha tantos planos... Agora tudo o que lhe restava era o sabor amargo da resignação. Muito, muito longe, enxerga uma tênue coluna de fumaça. Se estava condenado a ser punido por toda a Eternidade, que o castigo começasse logo. Caminha em direção ao seu destino. Se estava ali, aquilo haveria de ser justo. Se estava ali é porquê não havia sido um bom soldado, já que o inimigo o vencera. Sim, era justo.

* * * * *

Dite. A Cidade Infernal. A uma distância incomensurável do lugar onde o angustiado Comandante Guevara aterrizara em estado de autocomiseração pela derrota na Bolívia. A cada 10 anos, Satan tira três semanas de férias, possui um mortal previamente escolhido e vai desfrutar uns dias de descanso de suas funções de administrador da maior prisão do Universo. Apesar do que dizem os Conlotorianos que continuam a afirmar que sua Gruta N.8 é maior que o Inferno. Desta vez, o soberano planejara passar uns dias nas Bahamas. Pegando sol, tomando marqueritas, talvez jogando poker com uns nativos só para se divertir. Vai embora e deixa a incumbência de lidar com tudo com o vice: Boberto Barinho, que era conhecido quando vivo como o Dito-cujo Carcará Sanguinolento.

Page 11: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Satan deixa somente uma ordem: Não ser incomodado em hipótese alguma. Qualquer interrupção e o Sr. Barinho, anteriormente conhecido como o Torquemada da Quinta do Boticário, seria arremessado para as fossas de tortura reservadas aos políticos que roubam o dinheiro da merenda escolar. Nada pior. Até onde se sabe. O velho Lucifer já havia partido faziam dois dias e tudo estava em paz. Boberto Barinho tinha a impressão que seriam dias calmos, a pasmaceira de sempre. Fora os gritos dos condenados lá fora, é claro. Em vida, o senhor Barinho havia sido um gangster, travestido de filantropo. O chefe de uma organização criminosa altamente complexa, mas que, por vaidade, gostava de cultivar a imagem de amigo das Artes, do Teatro, das “Causas Meritórias” principalmente as que tivessem o hábito de conceder medalhas e fardões. Era um escravo da própria vaidade. Como médico, o Comandante Guevara o chamaria de mitomaníaco, o sujeito que vive para construir sua própria lenda. Como Comandante Militar, Guevara tomaria cuidado com o facínora. Na guerra, há uma ética, um código de conduta e a Convenção de Genebra. No crime, não.

* * * * *

Enquanto o superjato executivo do I.P.B.A.: o IBPA 1 atravessa o Atlântico rumo à Romênia, planejando somente uma escala obrigatória para reabastecimento na Alemanha, em solo norte-americano, a parte da equipe que ficou faz o dever de casa:1 - Tiram o site do Ebay Europeu do ar;2 - Roubam, do arquivo do Ebay os dados de quem estava vendendo os supostos destroços alienígenas;3 - Verificam os dados de todos que haviam visitado a página com as fotos. Por sorte, ninguém suspeito. Quando um ultra-paranóico membro de uma agência de inteligência do governo norte-americano diz, “ninguém suspeito” é “ninguém suspeito, MESMO”.4 - Cruzam as informações do registro de vendedores do Ebay com os dados do Sistema de Previdência Romeno e... Voilá ! O alvo estava localizado. Piotr Televocci Rua Doze de Novembro, n.51 Cidade de Tavastt, Transilvânia Romênia.

* * * * *

10:00 (Hora local). O avião chega em Bucarest. A Romênia ainda continuava sendo uma zona de influência dos russos, apesar da queda do muro de Berlim muitos anos atrás. A KGB, agora renomeada de FSB tinha agentes por toda parte. O prefixo IPBA 1 era familiar aos radares russos desde quando estes eram chamados de radares soviéticos. Para não despertar suspeitas, o avião é levado para um velho angar da Aeroflot, agora desativado. Tudo isto após autoridades aeroviárias romenas em terra serem subornadas por dólares americanos, entregues por uma equipe da CIA que vegetava na embaixada norte-americana no país. Como se hospedar em um hotel chamaria muita atenção ( e na embaixada mais ainda ), Michael Clark resolve submeter sua equipe à privação de pernoitar na aeronave, uma vez

Page 12: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

que se esperava da missão um desfecho rápido. Entre dormir em poltronas e ver os chineses carregarem para Pequim os preciosos despojos alienígenas, a primeira opção era a mais indicada. 12:00 Comem. Dentro do avião estacionado mesmo. 14:00 Primeira reunião formal. Cinco pessoas. Michael Clark. Os agentes Jones, Colt, Dexter e a novata: agente especial Antônia Dillinger. O Diretor Clark inicia os trabalhos:- E então, o que sabemos do alvo ?- Casado, 1 filho, 37 anos, casa alugada.- Ficha militar ?- Nada. Só se ele for um “Black Ops”.- Não creio. Esta gente de “Forças Especiais” ganha bem, a casa não seria alugada. O que o sujeito faz pra viver ?- É bombeiro, chefe.- Tem mais alguém vivendo na casa além dele, a esposa e o filho ?- Não sabemos.- Daqui até Tavastt, de carro, quanto tempo leva ? Alguém pesquisou ?- Três horas, senhor.- Aceitável, Dexter. Não é necessário alugarmos um helicóptero.- Verifico as condições metereológicas em caso de um Plano de Contingência com deslocamento aéreo de helicóptero ?- Não importa. Jones e Dexter vão lá fora e roubem um carro: um sedan, confortável mas nada de luxo, entendem ?- Perfeitamente.- Eu trouxe um kit de placas falsas romenas entre as minhas bugigangas de sempre. Não gosto de alugar carros. Estas locadoras sempre tem câmeras. Colt, você e a novata invadam o sistema de telefonia local e derrubem tudo em Tavastt: telefone, internet e serviço de pager se isto ainda existir. Não quero ninguém chamando a polícia local se algo der errado. Antônia, encabulada, interrompe o chefe.- O que é serviço de pager, senhor ?- É um tipo de sistema de comunicação que, hoje, só existe em alguns países do terceiro mundo, mas foi muito popular na América na época em que você assistia Vila Sésamo na televisão.- Obrigada, senhor.- Olha, garota, você está muito tensa. É só um bombeiro de 37 anos que, no máximo, tem um .38 contra 5 agentes treinados em 18 tipos de Artes Marciais diferentes. A qualquer momento, pode se teleportar agora, na nossa frente, um Krondotiliano de 8 olhos que vai nos dissolver com o ácido de seus tentáculos. E aí você morre. É com este tipo de coisas que você tem que se preocupar. Envergonhada, gaguejante, a novata não contém a curiosidade.- E... Senhor... O que eu faço se um Krondotiliano de 8 olhos se teleportar agora, na nossa frente ?- Você morre.

* * * * *

Page 13: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Se dividem. Jones e Dexter saem do avião para roubar um carro. Michael Clark vai revisar relatórios de desastres de naves alienígenas desde Roswell. Colt e a novata vão para os servidores no fundo do avião sabotar o Serviço de Telefonia Romeno.

* * * * *

- E então ? O que está achando da primeira missão ?- É bem mais informal do que eu imaginava. É comum o Diretor vir com a gente ?- Nas missões simples isto acontece, às vezes. Nas complicadas, nunca. Ele diz que é porquê nós devemos aprender a andar com as nossas próprias pernas.- Interessante... É nas missões complexas que morrem mais operativos.- Talvez seja por isto que nós sejamos agentes e ele seja o Diretor. – sussurra o agente Colt quase encostando o queixo no ombro da colega. Ela sorri e sussurra de volta.- Cuidado, se ele te ouve te mata.- Eu fiz você sorrir. Morro feliz. Contato.

* * * * *

Horas depois. Depois de um dia no trabalho, Piotr, o bombeiro, chega em casa. Dá um beijo rápido na mulher e corre para o quarto do casal, onde ficava o PC-Desktop que escondiam do filho de 10 anos. A internet estava fora do ar, consequentemente, o site do Ebay, também. Esperava ficar rico em semanas, mas talvez isto demorasse mais tempo. Olga, a esposa, entra no quarto.- Vendeu algo ?- Nada. A rede está com problemas técnicos. Isto acontece.PÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ ! Piotr grita para o filho ir atender quem estava lá fora:- Vá ver a porta ! Estou conversando com sua mãe.- Tá bom, pai. Preguiçosamente, o moleque se descola do sofá de corvim e rasteja até a porta arrastando os pés. Abre a correntinha de metal. Gira a chave. Baixa o trinco. Abre a porta.

* * * * *

Assim que o moleque aparece, Antônia sussurra para Colt:- Ai... Criança. Nunca matei criança.- Às vezes não é necessário. Fica quieta.

Page 14: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Certo. A formação era a seguinte: Michael Clark na frente, Dexter do lado direito, Jones do lado esquerdo, Colt e Antônia na terceira fila para não fazer bobagens. Bobagens como não ter coragem de disparar a Magnum 44 em uma criança, por exemplo.

* * * * *

Michael Clark, vampirescamente, inicia a invasão da casa:- Queríamos falar com seu pai, podemos entrar ?- Podem. O garoto deixa o quinteto entrar na sala, fecha a porta e corre para o quarto dos pais.- Pai, tem uns amigos seus lá na sala.- Amigos ? Mais surpreso que assustado, Piotr entra na sala e encontra a equipe do I.P.B.A. confortavelmente instalada nos seus dois sofás. Michael Clark se levanta e estende a mão para o atônito bombeiro:- Somos do Museu Britânico, o senhor ainda tem destroços alienígenas para vender ?- Museu Britânico ? Em Londres ?- Sim senhor. Podemos fazer uma boa oferta se forem legítimos.- Ah... Isto são. Querem ver ?- Sem dúvida. Piotr desaparece no corredor que finda nos aposentos do casal. O quarto do garoto ficava em um anexo com entrada pela cozinha. Mais um destes muitos exemplos de projeto arquitetônico bizarro.

* * * * *

Quatro minutos depois. Haviam três fragmentos supostamente alienígenas: todos retirados a golpes de marreta e formão da espaçonave que, por tantos séculos havia sido o lar de D’dara Khull e família. Um fragmento era o maior, quase um metro quadrado e os outros dois tinham dimensões não muito diferentes das de um laptop doméstico. Os três pedaços de metal sobre a mesa da sala intrigavam a todos. Realmente não pareciam com nada já citado na vasta literatura existente sobre tecnologia extraterrestre. O Diretor Clark filma tudo e compara com o banco de dados do I.P.B.A. acessado através do laptop. Tudo em tempo real. Washington do outro lado da linha. Conexão de internet com link direto com o satélite é para poucos. Colt e Jones, excitados, fotografam os destroços e analisam tudo com um contador geiser portátil. Antônia e Dexter se sentam no sofá e ficam esperando. Piotr, o bombeiro, vigia a todos com medo que roubem alguma coisa. Buscando ser agradável, Olga Televocci toca o ombro de Antônia:- Vamos para a cozinha preparar algo para seus amigos ? Atônita, a Srta. Dillinger nem imaginava o que fazer. Olha para o Diretor Clark e este faz sinal com a mão para que siga a mulher.

* * * * *

Page 15: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Olga Televocci era uma mulher simples, porém inteligente. Trabalhava em uma tecelagem e ganhava muito pouco. O que somado com o irrisório salário de bombeiro do marido não significava muita coisa. Havia pesquisado sobre o tema: sabia que com o dinheiro dos destroços podiam, pelo menos, comprar uma casinha e sair do aluguel. Por isto, trataria a todos da melhor maneira possível.- Vocês gostam de chá, não é ?- Claro, mas qualquer coisa está bom. Antônia sorri. A pergunta que lhe afligia era: no final, teriam que matar esta gente toda ou não ?- Como vocês nos encontraram ?- Uma prima do Pinkerton trabalha no Ebay e sabia que procuramos este tipo de coisas e nos deu o endereço de vocês.- Isto é ilegal, não é ?- Talvez seja, mas foi por uma boa causa: ajudar o primo a ganhar uma promoção. Você não tem idéia como a vida é cara em Londres. Olga, fruto de severa educação na Igreja Ortodoxa, torce o nariz demonstrando desaprovação, mas, por outro lado, a coisa fora para ajudar um primo. E, afinal, parente é parente. Manifestando assim, uma estranha Contabilidade Espiritual onde uma boa ação pode anular a má ação praticada anteriormente.- Eu nunca confiei neste negócio de internet. Os vampiros são mais confiáveis.- Porquê ?- Ora... Eles só entram na sua casa se forem convidados, não sabia ?- É... Remorso.

* * * * *

Quarenta minutos depois. Inquieto, o Diretor Clark fecha o laptop ruidosamente. O bombeiro, mais nervoso ainda, não se contém:- Vão comprar ?- O senhor me deixe ir lá fora falar com um especialista só um instante e eu lhe dou a resposta.- Pode usar o telefone aqui de casa.- É interurbano internacional, melhor eu ligar do meu celular mesmo. Piotr concorda com a cabeça e o Diretor Clark caminha alguns passos até a rua, ainda molhada da chuva vespertina.- Goldstein ! O que achou ?- Porquê o telefone ? Porquê simplesmente não digitou no computador ?- Alguém poderia ler. Aqui é mais tranquilo. Já tem dados para dizer se é fraude ?- Fraude não é. A estrutura parece um polímero, mas tem a densidade do Tungstênio. É algum tipo de metal orgânico fossilizado.- Compro ?- Compre, mas compre tudo. Não se deixe enganar, os pedaços foram arrancados de algomuito maior. Coloque o sujeito na parede que ele leva vocês até a totalidade dos destroços.- Pelos dados que eu mandei, tem idéia de onde tudo veio ?- Só são da Terra se você considerar que os destroços vieram do futuro.

Page 16: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Se você está dizendo, então deve ser.- E a novata, como está se saindo ?- Um pouco nervosa, primeira vez é assim mesmo.- O pessoal aqui está fazendo apostas para ver se um de vocês quatro leva a Antônia para a cama antes do IPBA 1 pousar em Washington novamente.- O Colt está tentando.- Acha que ele consegue ?- Duvido. Ela é esperta demais, deve estar pensando que a aproximação é algum tipo de teste psicológico. Goldstein ri.- Agora a parte chata, convencer o sujeito a nos mostrar todo o lote.- Pode confiar. As placas foram arrancadas de algo maior.- Se der errado sempre existe a boa e velha injeção de Sódio Pentatol, não é mesmo ?- Talvez nem precise. Boa sorte.- Até logo.

* * * * *

Enquanto Michael Clark consultava Henry Goldstein, o resto da equipe tomava o chá e comia os biscoitinhos trazidos da cozinha por Antônia e Olga Televocci, que tenta puxar conversa com o agente Dexter, sentado ao seu lado.- Vocês viajam muito, não é ?- Bastante.- Acha que estas rochas vieram dos homenzinhos do espaço, mesmo ?- Se o nosso pessoal técnico achar que sim, provavelmente vieram.- Pessoal técnico é quem está falando com seu chefe no telefone ?- Sim senhora. Dexter não dava a mínima se teriam de matar aquela gente toda ou não. Nove anos em uma Agência do Serviço de Inteligência Norte-americano fazem isto com qualquer um. A mutação é progressiva: primeiro você perde o sono, depois a inocência... Por último, você perde a sanidade e ganha um minguado cheque de aposentadoria e os pesadelos que o acompanharão até o túmulo.

* * * * *

Michael Clark abre a porta. Todos olham para ele esperando alguma proclamação, mas ele nada diz. Caminha oito passos até a pasta anteriormente carregada por Colt, abre a maleta e diz:- Eu compro, mas tenho uma condição. Haviam cem mil dólares na maleta. Piotr e Olga jamais haviam visto tanto dinheiro na vida. Olga ensaia um movimento com o braço para tocar em um maço de notas, mas é repreendida com o olhar pelo Diretor Clark.- Eu quero comprar tudo, seu Piotr.- Os três pedaços ?- Não, os três pedaços mais o resto que o senhor não nos mostrou.

* * * * *

Page 17: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Silêncio. Olga fuzila o marido com o olhar, ávida para agarrar os maços de notas de 100 dólares.- Eu não contei porquê, a minha idéia era vender tudo aos poucos, quando fosse precisando de dinheiro, compreende ?- Suas razões não me interessam, senhor Televocci, guarda os outros pedaços aqui em sua casa ou em outro lugar ? Olga, louquinha para pegar o dinheiro, se apressa e condena a todos.- Estão debaixo d’agua no lago Rartok, mas vocês vão ter de esperar amanhecer para mergulhar e ver com seus próprios olhos. Com um gesto pendular, um movimento rápido com a mão esquerda, o Diretor Clark sinaliza para Colt e Jones que a hora havia chegado. Colt dispara. Piotr cai. Jones dispara. Olga cai. Percebendo o que estava acontecendo a criança grita. Jones atira de novo. Moleque morto.

* * * * *

Hora da Arte-final.- Antônia, recolha as xícaras que vocês usaram para tomar chá. Vamos levá-las conosco.- Sim, Diretor Clark.- Jones, circunde a casa e veja se esta gente tem algum tipo de câmera de segurança.- Imediatamente. O resto, fica aqui comigo esperando o Jones. Michael Clark coloca as três placas no colo e espera, sentado no confortável sofá dos Televocci. Minutos mais tarde, Jones aparece, esbaforido:- Nada. Michael Clark dá a ordem final do dia.- Vamos então.

* * * * *

Carro fechado. Aquecedor ligado. Trocando estradas vicinais por rodovias secundárias e vice-versa, Colt tentava chegar à Bucarest não pelo caminho mais curto, mas pelo mais seguro. Na frente: Colt, o motorista e Jones, dormindo com a cabeça apoiada no vidro da porta. Atrás, da esquerda para a direita: Antônia, o Diretor Clark e Dexter, que se distraia com um PSP e fones de ouvido. Totalmente sem rumo, aleatoriamente, o Diretor Clark vagava entre os sites da Revista Der Spiegel, o Pravda e a The Economist. Sobre suas pernas, o laptop pulava como um touro de rodeio, mas, aparentemente, isto não o incomodava. - Diretor Clark ?

Page 18: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Sim ?- Estou atrapalhando ?- Não. O que quer, Antônia ?- Queria confessar uma coisa.- Fale.- Eu não conseguiria matar aquela criança.- Você disse a frase de uma maneira errada, incorretamente.- Como assim ?- O certo é: “Eu não conseguiria matar aquela criança, hoje.”. Entendeu ? Silêncio.- O senhor sabe o que aquela mulher me disse na cozinha ?- Não. Não tenho como saber. O quê ?- Que os vampiros eram mais confiáveis do que a internet.- Porquê ?- Por que os vampiros necessitavam de permissão para entrar nas casas e a internet não. Michael Clark olha sério para a pupila. Vendo como estava confusa e reticente quanto aos métodos da agência, sorri e faz uma gracinha:- Você não está mais no Kansas, Dorothy. Ela não retribui o sorriso. Se cala. Sabia que o pior ainda estava por vir.

* * * * *

Uma hora e quarenta e três minutos depois. Chegam. Na porta do hangar, um agente da CIA esperava o grupo para pegar o carro e dar um fim no sedan roubado incendiando-o em algum terreno baldio ou coisa que o valha. Em missões internacionais, as agências do “resto-do-resto” como o I.P.B.A.. o S.D.A.T. e o B.D.F.T. normalmente, precisam do apoio de suas irmãs mais estruturadas globalmente como a CIA e a NSA. Por sua vez, se um agente da CIA é sequestrado por gnomos, eles imediatamente chamam o S.D.A.T. sem nenhuma deferência. Mais ou menos. Quando o pessoal da CIA ou da NSA quer ser sacana, eles são sacanas e não ajudam quem quer que seja. E o mesmo pode ser dito da tribo do “resto-do-resto”. Depois do “Ato Patriótico” piorou tudo. Ninguém mais confia em ninguém. Qualquer um que possua um sobrenome com uma sonoridade levemente árabe virou suspeito de terrorismo. A paranóia substituiu a prudência. Estados Desunidos da América, como diria algum Confederado saudosista.

* * * * *

Quatro horas depois. O céu era delirantemente azul. Antônia Dillinger dormia como um anjo, esparramada em sua poltrona do I.P.B.A. 1. Ninguém teve coragem de acordá-la quando o jato executivo decolou do aeroporto de Bucareste para retornar a Washington. Turbulência.

Page 19: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Um solavanco. E Antônia rola direto para o chão da aeronave.- Ai !- Você se machucou ?- Não, acho que não. Colt, estamos no ar ?- Aham... Ninguém teve coragem de te acordar para colocar os cintos. Estamos voltando pra casa.- E os destroços debaixo do lago ?- Nós éramos os pioneiros. Matamos os índios e mapeamos o terreno. Agora é a vez dos colonos que vão fazer o trabalho fácil.- Uma equipe “B” ?- Na mosca. Uma equipe “B” vai sair de Washington no I.P.B.A. 2, achar o tal lago, mergulhar, tirar tudo que for possível e levar para a Área 51 em Nevada.- Quer dizer que eu estava em uma equipe “A” e ninguém tinha me falado ?- Garota esperta.- Espera só eu contar isto pro meu pai...- No Kansas ?- Não idiota, em Miami. E o primeiro que começar a me chamar de Dorothy ganha um tiro na cabeça.- Você não se parece em nada com a Dorothy está mais para Alice.- Não entendi.- Oz era uma dimensão paralela ou algo assim. O País das Maravilhas de Alice era um reino subterrâneo que ela chegou caindo em um buraco profundo. Talvez tenha morrido na queda e nunca tenha percebido, entendeu ?- Você é horrível, Colt.- Eu sou realista. Ela dá as costas para o colega. Se aninha no cobertor e tenta dormir de novo. O Agente Colt se retira. Não havia feito aquilo por mal. Só queria retirar as ilusões de Antônia antes que isto pudesse interferir em seu desempenho profissional. O I.P.B.A. não é um lugar para mocinhas que sonham em ser Ripley. É um lugar para mocinhas que sonham ser a Rainha Alien.

* * * * *

Inferno. Depois de muito andar, o Comandante Guevara avista duas criaturas que pareciam conversar animadamente sentadas sobre uma pedra. Muita névoa, fumaça de enxofre, ácido sulfídrico ou algo ainda mais mal-cheiroso rodeava tudo. Che tenta o contato:- Comandante Ernesto Guevara se apresentando para cumprir sua pena. Uma das criatura levanta vôo, paira sobre Guevara e arremessa sua lança. E o milagre da Tecnologia dos Darknack acontece: automaticamente, um campo de força reluzente como cristal se expande a partir do amuleto que ainda repousava no bolso da camisa de Guevara, entre as páginas de seu passaporte argentino. O campo de força rebate a lança, deixando o demônio totalmente estupefacto.

Page 20: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Guevara sente a energia do aparelho em sua pele e percebe que aquela pedra havia sido a responsável por sua salvação. Tira o amuleto do bolso e coloca-o sobre a palma da mão. Aperta o amuleto com a mão fechada e novo milagre acontece: o campo de força se expande. Quando ele solta a pressão, o campo de força se retraí. Fascinado, aperta a pedra com toda a sua força, fazendo o campo expandir até engolir o demônio que, paralisado, despenca do céu, incapaz de voar, mas dentro da “bolha” criada pelo campo de força. Guevara dá alguns passos para trás, distanciando-se da criatura e vê uma mudança radical na fisionomia do ser infernal: de um rosto retorcido pelo ódio em uma placidez patológica, quase de um lobotomizado. Che expande a bolha ainda mais, pegando a lança abandonada no chão, porém o demônio não parecia oferecer mais perigo do que alguém sob a prostração profunda de um estado de choque. Com a lança em punho, apontada para o demônio, Guevara tenta alguma aproximação:- Você é um demônio, eu presumo.- Sim, meu amo, vivo para serví-lo. Analiticamente, Che percebe que o artefato não somente gerava um campo de força que o protegia, mas retirava a força de vontade de qualquer um que estivesse dentro da abóbada, submetendo-se ao portador do amuleto como um escravo-zumbi. Resolve fazer um teste. Aperta com ainda mais força o amuleto contra a palma de sua mão fazendo a campo se expandir até além do outro demônio que desaba da pedra onde observava tudo à uma distância que pensou ser segura. O demônio se estatela no chão. Guevara corre para pegar a lança do segundo demônio e leva o campo de força junto. Com o segundo demônio sobre a mira de duas lanças, pergunta:- Você tem um nome ?- Naliel, amo.- Parece nome de anjo.- Fui um anjo, um dia. Quando Lúcifer quer premiar um de nós, ele permite que adotemos um novo nome para que possamos nos esquecer de nossos tempos na Jerusalém Celestial. Nunca tive esta sorte.- Se eu bem me lembro dos sermões na igreja, Lúcifer é quem manda aqui.- Sim, amo, desde que o lugar foi criado.- E como ele trata vocês ?- Mal. Somos espancados, chicoteados, torturados e pisoteados. Bem verdade, bem menos que as almas dos humanos que torturamos, mas é um vida de dor e humilhação, amo.- E este Lúcifer, onde ele está ?- Dite, a cidade infernal.- É a capital ?- É a única cidade que temos.- Ninguém nunca tentou sitiar Dite, derrubar as marulhas e depôr Lúcifer ?- Isto é impossível, amo... Os demônios mais poderosos, aqueles que lutaram contra os arcanjos de Deus e sobreviveram são fiéis à Satan: Baal, Astaroth, Asmodeu e os que vivem na corte luciférica formam uma legião devastadora.- Nunca diga a palavra impossível meu amigo. O leste é para que lado ?- Lá. – diz o demônio apontando com o dedo.

Page 21: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Senhores, antes de mencionarem de novo a palavra impossível, permitam que eu lhes conte umas estórias sobre um lugar chamado Sierra Maestra...

* * * * *

Quatro meses depois. Washington D.C.. USA. Quartel-general do I.P.B.A. Tomada por uma concentração absoluta, a Agente Especial Antônia Dillinger trocava golpes com o duas vezes campeão mundial e três vezes campeão olímpico de esgrima Barney C. Scott. PÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ !!! O alarme do relógio-comunicador distraí Antônia e...Toque ! Ela perde a luta. Barney baixa o florete e diz:- Vá atender, pode ser importante. Mesmo cansada, Antônia corre até suas coisas deixadas desleixadamente em um canto, segura o relógio e lê: MINHA SALA. AGORA. DIRETOR CLARK. Surge no mente da esguia jovem, o pensamento clássico que acompanha os que vivem pisando em ovos:- O que foi que eu fiz ? Se despede do instrutor de esgrima com um gesto, joga suas coisas na bolsa e corre para o banheiro.

* * * * *

Quartel-general do I.P.B.A. Duas semanas atrás, um grupo com doze médicos californianos da ONG Médicos sem Fronteiras haviam sido sequestrados no interior da Libéria por um grupo terrorista desconhecido que se autodenominava Os Cavaleiros da Verdade Suprema. Até aí tudo bem, ocidentais brancos fazendo caridade serem aprisionados na África é a coisa mais comum do mundo desde que David Livingstone andava por lá. O detalhe que interessou o I.P.B.A. é que, segundo relatos do único médico que escapou, os africanos surgiram em um clarão e partiram em outro, denotando ou o uso de feitiços raríssimos de Magia Negra ou o acesso a algum dispositivo teleportador. E dispositivos de teleporte não são como fuzis AK-47 ou AR-15 que você compra em cada esquina do terceiro mundo. O Agente Samuel Colt havia sido incumbido de pesquisar em jornais locais e da região qualquer coisa que pudesse fornecer alguma pista sobre o misterioso grupo terrorista e resumir em um relatório que seria entregue à equipe do I.P.B.A. que esperava ser enviada para a África visando resgatar os reféns e, se possível, trazer para solo americano seja lá o que esta gente tivesse que possibilitava usar o teletransporte como quem aperta um botão de elevador. O relógio toca. MINHA SALA. AGORA. DIRETOR CLARK. Colt fecha o laptop, empilha os livros, entrega os ensebados volumes para a bibliotecária, agradece e parte para atender o chamado do chefe.

Page 22: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

* * * * *

Washington D.C., USA. Four Squares Mall. 13:22 O Agente Joe Jones saboreava seu dia de folga de uma maneira bem tradicional: comendo pizza e sorvete de morango com os três filhos pequenos e a esposa, que havia faltado ao trabalho só para acompanhar o resto da tropa. Folgas no I.P.B.A. podem ser qualquer dia, inclusive quarta-feira. O shopping estava quase vazio. Jessica, a esposa, já havia desistido de tentar fazer o marido deixar a agência e procurar um serviço comum. Sabia que, desde menino, Joe sonhava em ser astronauta e ficar ali, cercado de alienígenas, era o mais próximo do sonho que havia conseguido. Jones havia sido recusado na NASA por quatro vezes quando o I.P.B.A. o procurou com a proposta de emprego. Nunca houve uma “Academia” formal do I.P.B.A. como as que existem na CIA ou na FSB. Setores específicos da sociedade americana são monitorados: universidades, a NASA, as Forças Armadas, algumas Forças Policiais e, é claro, as outras agências de inteligência. Não é que os rejeitados da Academia da CIA vão parar no I.P.B.A., ás vezes, é exatamente o contrário: a CIA dispensa gênios com medo da tradicional “instabilidade emocional” dos superdotados e o I.P.B.A. os recebe de braços abertos. O problema de não se ter uma academia formal é que, o método que sobra é o medieval, usado nas antigas corporações de ofício: um aprendiz que vai progredindo lentamente, sob a tutela de mestres mais abalizados. Um ex-agente da CIA se adaptaria no I.P.B.A., um ex-agente do I.P.B.A. dificilmente se adaptaria na CIA. O contato com a vastidão do Universo, com a infinitude do Cosmo faz com que as intrigas entre o Departamento de Estado Norte-americano, os chineses ou os russos (o ganha-pão da CIA) sejam vistas como eventos absolutamente irrelevantes e ridículos. O espaço...A fronteira final... O alarme do relógio toca. Jones lê a mensagem em letras garrafais e piscantes: MINHA SALA. AGORA. DIRETOR CLARK. Faz uma cara feia pra esposa:- Alguma emergência, tenho que ir.- Esta gente nunca ouviu falar em leis trabalhistas ? Você ficou 23 dias fora no exterior sem um dia de folga !- Você sabe. Depois isto tudo é reposto no salário na forma de bônus.- Eu não quero dinheiro. Eu quero você. Quando as crianças crescerem e perguntarem cadê o pai delas eu digo o quê ? Jones levanta o relógio-comunicador e diz, contendo o riso:- Que ele está a bordo de Enterprise, trabalhando para o Capitão Kirk ! O Agente Jones passa a mão rapidamente na cabeça das crianças e acena para a mulher que, cheia de ódio, entra na brincadeira:- Que os Klingons matem vocês porquê eu prefiro ser viúva de marido morto do que viúva de marido vivo.

Page 23: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Ele sai acenando e literalmente desaparece na trajetória descendente dos degraus da escada rolante.

* * * * *

Os alojamentos do I.P.B.A eram um “mimo” com segundas intenções. Qualquer agente, analista ou até mesmo o Diretor Clark poderia requisitar um pequenino apartamento de solteiro, com um banheiro mínimo e o direito a usar uma cozinha coletiva. O custo ? Nada. Totalmente gratuito. Mas havia uma pequena armadilha neste cavalo de Tróia de bondade governamental. Os alojamentos haviam sido construídos nos anos 60, plena guerra fria, com o objetivo de vigiar possíveis agentes soviéticos infiltrados nas fileiras do I.P.B.A.. Se você era solteiro e não era rico para alugar algo melhor em Washington, recusar os alojamentos era sempre visto com uma certa suspeita. Nos dias de hoje, todo inquilino dos alojamentos sabe que está sendo espionado, mas, quem não está sendo espionado na América após o 11 de setembro ?

* * * * *

Derek Dexter já estava no seu sexto ano de alojamento. Vinha de um divórcio traumático com acusações mútuas de traição que o mergulhou na rotina de toda-sexta-feira-prostituta-nova-na-minha-cama. Se acostumou com isto. Não é difícil. Afinal, Washington é uma cidade repleta de embaixadas e diplomatas que normalmente exigem garotas de beleza estonteante para oferecerem aos seus hóspedes estrangeiros ou não. Dexter tinha um bom salário e vontade nenhuma de se aventurar em outro relacionamento estável. Morar nos alojamentos do I.P.B.A. fazia com que sobrasse ainda mais dinheiro no final do mês.

* * * * *

Já um tanto desesperado, tentava procurar no meio da bagunça, um CD de Cole Porter que havia pedido emprestado para o Agente Napier, mas não tinha a mínima idéia de onde colocara. Depois de vasculhar o apartamento inteiro, Dexter já estava pensando na possibilidade de comprar outro para repor o original quando o relógio-comunicador começa a tocar. MINHA SALA. AGORA. DIRETOR CLARK. O desorganizado espião calça os sapatos. Fecha a porta e parte. François Napier teria de esperar.

* * * * *

Escritório do Diretor Michael Clark. Janet, a secretária, anuncia:- Começaram a chegar, mando entrar ?- Quem chegou primeiro ?

Page 24: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Dexter.- Mande entrar e a medida que os outros forem chegando, simplesmente encaminhe aqui para dentro. Não precisa anunciar.- Sim, senhor. Dexter entra na sala. Arruma os cabelos com as mãos. Havia se esquecido de passar um pente na correria. Não que o Diretor Clark fosse notar nisto, mas outros, com certeza, notariam.- E então, diretor ? O que houve ?- Uma boa notícia.- Aumento de salário ?- Ainda não. Estou vendo o que é possível fazer, mas não é isto. Boa notícia para você e o resto do grupo.- Que grupo ?- O grupo que foi para Romênia: Antônia, Colt, Jones e você. O pessoal que o agente Blade está chamando de “Team Drácula”. Dexter se sente um pouco incomodado com o apelido, mas nunca foi uma boa política polemizar com o Agente Blade.- E eu posso saber o que é esta boa notícia ?- Pode, assim que os outros chegarem. Tem televisão, a geladeira está cheia, o armário de guloseimas também, tem internet... Enfim, faça o que quiser, mas não me interrompa enquanto eu termino este relatório. Curioso, Dexter abre o armário, tira um pacote de torradas e uma latinha de fois gras. Prepara umas quatro torradas com a iguaria, mas antes de comer, oferece ao chefe:- O senhor quer ?- Não, Dexter, eu tenho que terminar isto daqui. Não gosto de deixar as coisas acumulando.- O senhor é quem sabe.

* * * * *

Jones chega. Colt chega. A lata de fois gras acaba. Antônia chega, com o cabelo molhado pingando água no carpet.

* * * * *

Ao ver Antônia, o Diretor Clark abandona seus preciosos relatórios, levanta da cadeira, dá três passos até o banheiro e arremessa uma toalha de rosto para a ansiosa agente.- Enrola isto na cabeça, está molhando tudo.- Sim, senhor, mas é só água, seca fácil.- Eu sei. Pode levar a toalha com você, considere um presente.- Muito obrigada.- OK. Jones, largue o celular. Todos podem se sentar: o momento chegou. Você não, Antônia, fique de pé para não molhar mais nada. Michael Clark para um pouco e fica olhando o grupo. Era um ramo terrível, talvez mais seis meses, um ano, não estivessem mais todos ali. Não importa quantos anos passassem,

Page 25: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

ele sempre se sentia culpado quando perdia um operativo. Se os amasse como filhos, os mandaria para a NSA onde teriam mais chance de alcançarem a aposentadoria. Os amava como quem ama fichas colocadas sobre a mesa de roleta em um cassino: você espera que elas vão voltar para você, mas não muito.

* * * * *

- Alguém aqui sabe quem é Lorelei Gilford ? Antônia levanta a mão.- Fale.- É a nova supervisora da Área 51 em Nevada, substituiu Jonas Klamp que chegou perto demais das jaulas e foi comido por um Fartinoxiano.- Exatamente. A senhorita Gilford tem uma boa notícia para vocês. Jones se assanha.- Mais recrutas alienígenas ?- Infelizmente não, mas estou trabalhando nisto.- O que é então, diretor ?- A supervisora Gilford vai realizar uma recepção formal para o Presidente, o pessoal do Pentágono e alguns congressistas para apresentar a nave extraterrestre que foi retirada do fundo de um lago na Romênia. Dexter interrompe já sentindo cheiro de comida, uma vez que recepção formal normalmente significa jantar ou coquetel.- E nós fomos convidados ?- Sim e não. Ela quer agradecer a equipe que possibilitou a aquisição desta fantástica fonte de conhecimento para os laboratórios da Área 51, então... A recepção do presidente é dia 12, mas vocês vão ter uma só para vocês dia 11 com direito a visita guiada por dentro da espaçonave inclusive.- E o pessoal da “Equipe B” que retirou a nave do fundo do lago, eles também vão ?- Eles ainda não estão preparados para a Área 51.- E nós estamos ? – interrompe Antônia.- Sinceramente ? Acho que não, mas vocês merecem um momento de reconhecimento. Fizeram um bom trabalho, um trabalho “limpo”: sem testemunhas e sem envolvimento das autoridades locais. Você mede um bom agente de campo pela ausência de rastros que ele fornece aos inimigos.- O senhor vem conosco ?- Lógico, preciso agradecer pessoalmente a supervisora Gilford pela amabilidade que está nos proporcionando. Alguma pergunta ? Silêncio.- Então estejam aqui na minha sala, dia 11 às 7 da manhã em ponto. Colt sussurra no ouvido de Antônia:- Se houver uma rebelião ou uma fuga em massa dos alienígenas, estamos todos mortos.- É, eu sei. Tinha pensado nisto. Área 51 é um eufemismo para Penitenciária Federal de Segurança Máxima para Extraterrestres.- E operativo é um eufemismo para assassino profissional contratado e treinado pelo Estado.

Page 26: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Ela sorri. Mas ainda não se sentia preparada para se envolver emocionalmente com alguém da agência. Era um mundo que a fascinava, mas que também a amedrontava enormemente.

* * * * *

Howard Horowitz, o diretor que antecedeu Michael Clark no comando do I.P.B.A. tinha um perfil bem mais burocrático que seu sucessor. Enquanto o senhor Clark dificilmente perde uma chance de abandonar a mesa de escritório, Horowitz se dedicava obsessivamente aos detalhes dos detalhes do funcionamento da organização. Esporadicamente, tinha algumas idéias geniais que, os agentes mais novos nem imaginavam que eram suas. As fotos, nos tetos dos aviões da agência eram uma delas. Na primeira vez, Antônia nem deu atenção. Agora estava encantada. Por todo o teto do jato executivo IPBA 1 haviam fotos de agentes mortos. Tudo era digital. Se você tocasse a imagem, o nome, a data de nascimento e de morte do agente surgiam em uma legenda. Mas não eram fotos “oficiais”, de anuário de escola ou de passaporte: eram fotos de pais brincando na neve com os filhos, de casais namorando na praia ou de pessoas fazendo churrasco no quintal com a família. Uma foto em preto e branco de um agente andando a cavalo nos anos 50 ao lado de fotos de um sujeito na fila da estréia do primeiro Star Wars em 1977 vestido de Chewbacca . Era impossível não se emocionar. A mensagem que Horowitz queria passar para a platéia de operativos que veria a coleção era que, não importa o nível insignificante em que ele estivesse, ele fazia parte de algo muito maior e que, todas aquelas pessoas, por mais obscuras que fossem estavam em algum lugar torcendo por ele. Era uma celebração à vida e um culto aos antepassados, simultaneamente. Antônia, audaciosa e abusada, características genéticas óbvias de uma mistura Italo-Irlandesa-Portoriquenha, segura o ombro de Dexter, que, sentado, tentava fazer palavras cruzadas.- Dexter, vem aqui ! Ele obedece e segue a colega que o arrasta para o fundo do avião e aponta para uma foto.- Este sujeito, tentando montar a barraca é seu pai ?- Meu irmão. Achou parecido comigo ?- Muito. Como ele morreu ?- Um portal para uma dimensão desconhecida foi descoberto no meio do front da Guerra Civil de Angola. Plena zona de conflito. O Departamento de Estado nos recomendou tentar uma aliança com a guerrilha da Unita para penetrar na região. O chefe do meu irmão obedeceu e os caras venderam a informação para os russos, que também haviam detectado o tal portal com os equipamentos deles.- Lamento.- Pelo menos a Unita perdeu a guerra. É um consolo.- Veio pra cá por causa dele ?- Ele sempre falou muito bem disto daqui. Disse que você pode preencher o tempo entre as missões com coisas legais como aprender hipnose, equitação, esgrima ou cursos de línguas. E que tem stand de tiro livre 24 horas com munição liberada. E é tudo isto mesmo.

Page 27: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

E Antônia arremata:- Só que tem que matar criança de 10 anos de vez em quando, não é ?- Veja por outro lado: e se, nesta nave que está na Área 51, alguém acha um composto para curar o câncer, não terá valido a pena ?- Eu sempre soube que, talvez, este tipo de ação fosse necessária, mas na prática é muito chocante. Dexter fecha os olhos, olha para um lado, olha para o outro e sussurra:- Escuta... Mantém estes pensamentos para você antes que te descredenciem.- Demissão ?- Demissão desonrosa. Na demissão comum você sai daqui, bate na porta da CIA e eles te aceitam. Na desonrosa você vai ter dificuldades até para renovar sua licença de porte de arma.- Nos 50 estados ?- Nos 3172 mundos habitados conhecidos !- Você está me gozando, né ?- Não. Se quer ir embora, vá embora agora, antes que eles escutem tuas lamentações e te chutem “desonradamente”. Michael Clark interrompe a conversa.

* * * * *

- Pista de pouso chegando... Antes de apertar os cintos umas palavrinhas. Todos atentos.- Com exceção do Dexter, que estava comigo naquela missão nas Aleutas, nenhum de vocês aqui jamais esteve em uma instalação de segurança máxima. Na entrada, todos serão revistados. Revista corporal, a apalpação física desagradável de sempre. É claro que eles tem funcionárias para entrevistar a Antônia. E... Não toquem em nada ! Por aquelas paredes e corredores passam alienígenas que expelem gosmas e secreções com veneno potente o suficiente para matar um time de futebol americano com uma só gota.- Senhor, tem alguma notícia dos médicos sequestrados ?- Colt, até onde eu sei nenhum contato até agora.- E o que acha que vai acontecer ?- Se for um grupo terrorista “normal” em breve veremos no Youtube um vídeo com um sujeito encapusado e alguma bandeira exótica por trás pedindo resgate. Mas se for Magia Negra, os médicos vão ser mortos um a um para agradar a sede de sangue de Lordes Arcanos. Locais, ou não. O que me intriga, Colt, é que esta região é basicamente islâmica e o nome dos sujeitos: “Cavaleiros da Verdade Suprema” lembra muito mais uma daquelas seitas pseudo-cristãs como a do Jim Jones do que um grupo de Jihadistas Mujahedins africanos. Qualquer notícia eu lhe informo, Colt.- Obrigado senhor. Na terça eu entrego o dossiê para a equipe que vai à Libéria.- Tem até quinta. Não se apresse, revise mais uma vez.- Mais alguma pergunta ? Nada ? Então apertem os cintos e aproveitem a situação porquê não terão muitas ocasiões como esta.- O senhor já passou por homenagens deste tipo ?- Duas vezes, Antônia. Uma proporcionada pela Marinha, outra pela NASA.- Muito pouco, não acha ?- Acostume-se, ingratidão é a regra.

Page 28: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

* * * * *

O circo estava armado. Mas não era para eles. Um espaço retangular, com o tamanho de uns quatro ginásios de esportes arrumados dois a dois era o palco. O antigo cargueiro espacial de D’dara Khull, a atração principal do picadeiro. Em volta, centenas de bandeiras americanas ornamentavam o ambiente que, provavelmente havia sido um depósito não muito tempo atrás. A mesa, onde haveria o almoço com o presidente, os congressistas e os militares já estava lá, no canto direito do antigo armazém. Não havia púlpito ou local para discursos, se alguém quisesse falar, que fosse de pé na mesa mesmo. O protocolo de segurança da Casa Branca havia determinado isto: era um lugar de altíssima periculosidade, quanto menos tempo o presidente ficasse ali melhor. A administração da Área 51 era uma espécie de autarquia conectada umbilicalmente com a Força Aérea. Se Lorelei Gilford desejasse uma verba extra para qualquer coisa, por menor que fosse, teria de ir à Washington de pires na mão mendigar recursos para os congressistas. Era humilhante, mas, ainda assim, era melhor do que tentar a compreensão dos militares, que simplesmente achavam um absurdo alguém ter nomeado uma mulher para dirigir uma prisão de segurança máxima.

* * * * *

A porta se abre. Michael Clark e os quatro agentes são escoltados por quatro homens com metralhadoras. Um exagero. Lorelei Gilford e um oficial da Força Aérea se levantam da mesa onde haveria o almoço e se dirigem aos recém-chegados. Lorelei reconhece Michael Clark pela idade e estende a mão para o cumprimento protocolar. Não haviam fotos do Diretor Clark no sistema por razões óbvias.- Diretor Clark, é uma honra recebê-lo em nossa unidade.- A honra é nossa. Creio que posso dizer isto em nome de meus colegas.- Não vai apresentar-me sua equipe ?- Da esquerda para a direita: Agentes Especiais Joe Jones, Derek Dexter, Antônia Dillinger e Samuel Colt.- Aquele Dillinger ? E Antônia quebra o protocolo mais uma vez:- Sim senhora, era meu avô.- Que singular... O agente Colt também tem a ver com o Colt dos revólveres, Diretor Clark ?- Não que eu saiba. Antes que eu me esqueça, meus pêsames por seu antecessor o Supervisor Klamp.- Obrigada. Eram amigos ?- Nunca o vi pessoalmente para falar a verdade.- Não costuma vir aqui na Área 51, não é mesmo ?

Page 29: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Tenho alguns agentes alienígenas sob meu comando no I.P.B.A.. Bons homens, corajosos. Tão valorosos quanto qualquer um destes que a senhora está vendo. Se um destes moços soubesse que eu gasto meu tempo em uma prisão cheia de aliens que não cometeram nenhum crime, que jamais viram um advogado e jamais vão ter o direito a um julgamento justo eu perderia toda a minha autoridade sobre eles.- Mas há criaturas perigosíssimas aqui !- Mas também há os que tiveram o azar de cair no Texas ao invés de se esborrachar em território mexicano do outro lado da fronteira. São mais náufragos que outra coisa. Potencial zero de ameaça à Segurança Nacional.- Aqui não é Guantanamo, Diretor Clark.- Para o país, é coisa pior. Terroristas islâmicos não tem poder de fogo para destruir a América, mas atrás de suas grades há visitantes de raças que poderiam vaporizar nossa galáxia com um apertar de botão. Lorelei Gilford se encolhe em seu tailleur cinza-claro.- Sinceramente, Diretor Clark, não sei se compartilho de seus sentimentos pelos visitantes.- Se compartilhasse, Senhorita Gilford, o Pentágono não a teria empossado no cargo que está agora, com certeza. Ela engole em seco. Só queria que aquilo terminasse logo para se livrar daquela gente. A homenagem não havia sido uma idéia sua, mas sim do Alto Comando da Força Aérea, porém o Diretor Clark não tinha esta informação.- Vejo que o senhor é um homem de opinião.- Senhorita Gilford, sou pago para resolver problemas e prender aliens sem uma acusação formal e deixá-los sem julgamento pode ser o estopim de um grande problema, um barril de pólvora tão grande quanto a invasão dos Bottilianos em 1976. Lorelei se irrita.- Porquê raios todos vocês: CIA, NSA, S.D.A.T., B.D.F.T... Vira e mexe tocam nesta maldita invasão como se tivesse acontecido ontem ?- Porquê outra pode estar acontecendo neste exato momento.

* * * * *

Enquanto isto, no Inferno... Aos poucos, o Comandante Guevara foi descobrindo coisas... Que voar era mais rápido que andar, por exemplo. Ordenou para seus únicos soldados, até agora: Naliel e Lartaliel que o segurassem pelos ombros e o levantassem.- O que acontece se eu cair daqui ?- Sentirás muita dor, mas não morrerás. Já estás morto, amo.- Podem trocar este amo por Comandante ?- Sim, Comandante. O herói da revolução cubana ainda não havia digerido totalmente a idéia de que estava morto. Que aquilo era o “outro lado”. Que jamais veria a luz do sol ou sentiria a chuva tocando-lhe a pele novamente. A vida havia acabado. Jamais pensou que duraria tão pouco.

* * * * *

Page 30: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Guevara avança. Suspenso no ar pelos dois demônios, o campo de força era como uma grande bolha que tocava o chão. Demônios começam a surgir e, entrando na bolha entram em transe. O terceiro demônio a ser capturado Tarnaq, ganha a tarefa de mandar que todos os demônios que fosse absorvidos dali para frente voassem para que a tropa andasse mais rápido. Ninguém estava preparado para aquilo. No chão, a maioria dos demônios simplesmente observa a veloz bolha até ser engolfado e “zumbizado”. Guevara já colecionava centenas de recrutas, totalmente abobalhados, mas podiam jogar uma lança e também lançar feitiços. Porém Che ainda não sabia deste fato. Até que as coisas começaram a dar errado.

* * * * *

Ranalin estava sentado em uma árvore seca, esperando outro demônio para trocar uns feitiços visando tentar ser promovido na próxima oportunidade. O diabrete vê a bolha, mas ao invés de simplesmente observar, corre e mergulha em um afluente do rio Stix que passava por ali. A bolha passa por cima do riacho e de Ranalin que observa tudo por baixo d’agua. De alguma forma, aquela água possuía alguma propriedade que anulava o poder do amuleto alienígena. Quando a bolha passou, o demônio caiu em si.- Pelos chifres de Belial ! Estão invadindo o Inferno ! Lembrava vagamente que, muitas décadas atrás, Lorde Lúcifer havia divulgado um memorando dizendo que, com o avanço da Ciência nos diversos sistemas estelares, mais cedo ou mais tarde mortais poderiam desenvolver algum método para abrir fendas dimensionais e assim invadir o Reino das Trevas e que todos deveriam ficar alertas. Na época foi um alvoroço, mas, com o tempo, todos se esqueceram daquilo, até o próprio Lúcifer, talvez. Ranalin sabia que estava longe demais de Dite, teria que lançar mão de um feitiço de transporte de voz para alertar a Corte Luciférica. O demônio fecha os olhos, se concentra, traça um arco no ar e diz:- Vento que empurra os cascos de Pan, entregue minhas palavras na morada de Satan ! E imediatamente, um círculo dourado se forma no ar. Uma pequena poça d’água vertical. Uma voz sai de dentro:- Identifique-se !- Ranalin, diabrete de 4a classe, setor 541n.- O que quer, diabrete ?- Dite, nós temos um problema.

* * * * *

A nave contava uma estória. Havia uma ponte de comando com quatro poltronas, sendo que uma ficava em um plano mais alto, provavelmente o “trono” do capitão. Havia um quarto com uma cama grande, um quarto com uma cama pequena e um quarto com uma

Page 31: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

cama menor ainda. Rhrwinna jamais teve a coragem de desmontar o quarto do filho desaparecido aos 4 anos. Poucas mães conseguem fazer isto. Na parte superior, o jardim da Sra. Khull ainda parecia um jardim, apesar da destruição causada por mais de 70 anos embaixo d’água. O cargueiro espacial era um grande quebra-cabeças com peças faltando. Não havia como saber muito sobre seus tripulantes ou que, um dia, aquele lugar havia sido um lar.- É um achado e tanto.- Obrigada Diretor Clark.- Já descobriram quanto tempo ela ficou debaixo d’água ?- Entre mil e mil e duzentos anos, é difícil dizer com precisão. Michael Clark se vira para seus pupilos:- Alguém tem alguma pergunta ?- Tem alguma coisa funcionando ? - indaga Colt.- Aparentemente, a nave foi saqueada duas vezes: pelos bombeiros romenos e, décadas antes, por alguém que levou praticamente tudo: motor, sistemas, registros. Com exceção de algumas roupas e objetos pessoais que ficaram para trás, a nave é uma casca vazia.- Roupas ?- Os tripulantes eram humanóides. Roupas escuras, sóbrias, algo entre o militar e um estilo monástico extremamente sombrio. Michael Clark interrompe.- Eram ? Talvez não. Lorelei Gilford se alvoroça.- Acha que os tripulantes podem estar vivos ?- Senhorita Gilford, este é um assunto que talvez esteja além dos seus níveis de permissão. Ela faz cara feia. Antônia ri. O passeio acaba. Conduzidos pelo oficial da Força Aérea, os cinco se dirigem à mesa posta, juntamente com a emburrada Senhorita Lorelei Gilford. Comem.

* * * * *

Em abril de 342 D.C. Lúcifer terminou a nona reforma administrativa das Regiões Infernais e Territórios Adjacentes. Haja vista as distâncias descomunais que separavam a cidade de Dite das periferias mais extremas, foi criado o Corpo dos Agenciadores de Comunicações, 7500 demônios que ficariam presos dentro da Fortaleza de Lúcifer todo o tempo, simplesmente esperando chamados de súditos que viviam nos mais distantes quadrantes do reino. Em 342 D.C, em pleno Império Romano, Lúcifer inventou o cargo de telefonista.

* * * * *

IPBA 1. A volta para casa. O avião sobrevoa o Colorado enquanto todos, com exceção de Dexter, dormem saciados após o lauto banquete oferecido pela Administração da Área 51.

Page 32: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

O telefone celular privado do Diretor Clark toca.- Goldstein, me deixa dormir. Me liga em três horas que eu atendo.- Vá... Você sabe que com o meu nível de permissão, a Força Aérea jamais me deixaria entrar naquele buraco. A tal Lorelei Gilford, como é ?- Já vi que você não vai me deixar em paz... É dura, uma mulher impositiva. Assusta.- Bonita ?- Deve ter sido, uns 20 anos atrás.- Eu ouvi que a filha dela foi abduzida por alienígenas na mesma semana em que se formou em Yale.- Isto explicaria todo aquele ódio por extraterrestres. Sabe o nome da filha ? Posso pesquisar.- Rory.- Vou desligar. Estou quebrado. Liga depois. Cai a linha.

* * * * *

Três horas e doze minutos depois.- Acordado ?- Agora eu entendo porquê os nazistas gastaram uma fortuna tentando exterminar o seu povo. Goldstein leva na brincadeira.- Mas como dizia Herr Goebbels: judeus são como baratas.- Afinal, o que quer saber ?- O que era ? Uma astronave de combate ?- Dificilmente. Muito espaço vazio, eu diria que algum dia aquela sucata foi um cargueiro, uma nave de transporte.- Contaram para vocês algo sobre os sistemas de propulsão ?- Aí é que está a grande decepção... Alguém roubou tudo: motor, sistemas, registros... Mais ou menos uns 70 anos atrás pelas medições da Força Aérea.- Talvez dê para rastrear, mas vai custar os olhos da cara.- Rastrear o resto da nave ? Tem como fazer isto ?- Todo material tem uma assinatura energética, radioativa, inclusive o metal orgânico de que é feita a tal nave e as três placas que você me trouxe da Romênia. Este material, que eu chamo provisoriamente de Vampirita, pode ser rastreado.- Rastreamento por satélite ?- Isto. É só reprogramar os scanners de radiação da rede de satélites sub-orbitais da CIA, que cobrem o planeta inteiro. - Muito caro ?- Algumas dezenas de milhões de dólares, mas pode ser feito.- É barato, se você considerar que, até onde sabemos, ninguém até hoje colocou as mãos em uma nave alienígena com motor funcionando. Prepare o esboço de um orçamento e quando o IPBA 1 chegar em Washington apareça na minha sala.- E os alienígenas ? A tal Lorelei falou alguma coisa ?- Humanóides. Deixaram algumas roupas para trás. Mas existe um mistério: há uma cama para dois adultos e uma para um adulto, mas a ponte de comando tem quatro poltronas. Onde dormia o quarto membro da tripulação ?

Page 33: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Um robô ?- Também pensei nisto. Sabe quanto valeria um robô alienígena funcionando pronto para ser desmontado ?- E se ele não quiser ser desmontado ?

* * * * *

Dois meses depois. Washington D.C., USA. Quartel-General do I.P.B.A.. Desde o início eu fui contra. Não sabíamos nada sobre os náufragos da nave encontrada na Romênia. Só que eram três ou quatro tripulantes mais uma criança ou um animal bem tratado o suficiente para ter seu próprio quarto. Não se poderia classificar a espaçonave como uma astronave de combate, o que significava que vieram para a Terra com fins pacíficos ou de espionagem. Eu argumentei o possível com o Diretor Clark de que talvez estivéssemos mexendo em um vespeiro e que seria melhor deixar isto para trás e nos concentramos em nossos outros projetos. Mas nunca foi uma tarefa fácil convencer Michael Clark de nada que ele não queira ser convencido. O software foi desenvolvido. O upload bem aceito pelos 412 satélites sub-orbitais da rede da CIA, agora transformados em scanners espaciais de um material alienígena que eu atabalhoadamente batizei de Vampirita em minhas primeiras anotações. Custou uma fortuna, mais o favor que ficamos devendo para a CIA. Construíram uma sala na sede do I.P.B.A. para instalar o console. O ambiente todo pintado de negro. No centro, um projetor holográfico que, uma vez acionado, mostraria o planeta inteiro em 3D e, obviamente, pontinhos vermelhos nos locais onde a tal Vampirita pudesse ser encontrada. Ironicamente, no dia da inauguração, eu, Henry Goldstein, que projetei o sistema, não estaria presente. Meu nível de acesso é baixo demais para isto. Testamos com simulações, procurando Urânio enriquecido nas montanhas do Irã e nos galpões secretos da Microsoft. É divertido, mas não é a mesma coisa.

* * * * * Dia da inauguração. Entram na sala o Diretor Clark, Eugene Simpson, vice-supervisor da CIA para assuntos de Integração e um homem sem crachá que o sistema acusava ter nível de permissão mais alto que o dos outros dois burocratas. Fecham a porta. Simpson e o outro sujeito se sentam enquanto o Diretor Clark começa a acionar os controles para iniciar o espetáculo holográfico. Trevas. A Terra surge no centro da sala. Os continentes, os oceanos e toda a grandiosidade que normalmente esquecemos que existe, submersos em nossos ridículos dilemas pessoais. O planeta gira, mas nenhum ponto vermelho aparece. Passam-se uns três minutos e o Sr. Simpson começa a ficar impaciente:- Isto foi testado, Diretor Clark ?

Page 34: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Foi, procurando Urânio enriquecido. Funciona perfeitamente. Um ponto aparece. Michael Clark amplia a imagem: Nevada, USA.- Não disse que funcionava ?- Magnífico, mas e o material que retiraram da nave ?- Isto é processamento distribuído, o sistema aloca recursos nos processadores dos 412 satélites simultaneamente. Não tem a velocidade de um supercomputador instalado dentro de um edifício.- Compreendo... Mas quanto tempo teremos de esperar ?- Eu proponho esperarmos 2 horas. É um tempo razoável. Concorda senhor... Desculpe, eu não sei o seu nome.- Não sabe e nem vai saber Diretor Clark. – O sujeito misterioso sorri cinicamente. Michael Clark esmaga a mouse com a mão direita. E outro ponto vermelho surge na tela. O Diretor Clark se apressa para ampliar. Atlântico Norte, próximo das Bahamas. Ampliando ainda mais, vê algo ainda mais surpreendente:- Está se movendo... O material está dentro de um barco ?- Ou um submarino. - complementa o ex-agente da CIA, abismado. Então, o sinistro engravatado volta-se para trás, caminha até a porta e abandona o recinto, sem antes grunhir para os outros dois espectadores do circo tecnológico ali armado:- Para mim é o suficiente. Abre a porta e vai embora. Michael Clark olha para Eugene Simpson. Eugene Simpson olha para Michael Clark. Silêncio. Com a abertura da porta, automaticamente, o sistema é desligado e a luz vermelha que sinalizava “Top Secret Activity” na sala se apaga. Henry Goldstein, que ficara do lado de fora com vários outros engenheiros do corpo técnico do I.P.B.A. esperando penetrar na penumbra, abre a porta, totalmente intrigado.- Quem é aquele sujeito ? Eugene Simpson, o ex-agente da CIA, agora burocrata, levanta-se da cadeira e satisfaz parcialmente a curiosidade dos outros dois presentes.- Melhor vocês não saberem. O ex-espião caminha quatro passos, abre a porta, fecha e deixa Michael Clark e Goldstein imersos na escuridão. Literalmente.

* * * * *

U.S.S. Nosferatu. Atlântico Norte, rumando para o Ártico. Espaço aéreo sobre águas internacionais. Cinco horas depois. Rhrwinna manuseava as revistas avidamente. No dia anterior, haviam abordado um veleiro que, partindo da Flórida, planejava alcançar as praias paradisíacas da Costa Rica. Seis tripulantes: dois casais abonados de meia idade e uma tripulação com dois marinheiros

Page 35: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

profissionais. Agora, todos mortos: viraram jantar para a outra tripulação, a do U.S.S. Nosferatu. Normalmente, após se alimentar dos humanos que encontravam navegando, Razor e o robô vasculhavam cada centímetro da embarcação atrás de tudo que pudesse ter alguma utilidade: pilhas, baterias, material eletrônico de última geração e banalidades como óleo para lustrar os móveis de jacarandá do dirigível. Desta vez, Razor havia encontrado algumas revistas: uma Burda alemã, duas Vogues americanas, uma Vogue francesa e alguns números mais antigos da Cosmopolitan americana. Levaria para a irmã. Sabia como ela apreciava estas trivialidades femininas. Rhrwinna, preguiçosamente, lagarteava sobre a cama, com as revistas espalhadas no chão da cabine que dividia com o marido. Folheava as revistas, comia as figuras e as cores das fotos lhe davam a mais completa emoção. Se sentia integrada com a realidade quando lhe caiam nas mãos jornais ou nas raras vezes que iam à um cinema no sul da Argentina ou no extremo Norte do Canadá. Ela era uma espectadora da História, sabia disto, mas esta opção pelo alheamento social extremo, às vezes lhe incomodava. Razor dorme. Troff, o robô, segura o leme e monitora os sistemas direcionais do dirigível. Khull, tenta, sem sucesso, consertar uma batedeira, saque de uma abordagem naval anterior. Se sente um inútil. Conseguia programar um dispositivo de teletransporte sem nunca ter estudado formalmente engenharia eletrônica, mas estava sendo vencido pelos primitivos circuitos integrados do eletrodoméstico. O dirigível, coberto com vidros escuros pelos nazistas de acordo com o projeto entregue por D’dara Khull fornecia a proteção necessária contra os raios solares e tudo que precisavam para sobreviver. Exceto sangue humano, que era farto quando se sobrevoa movimentadas rotas marítimas.

* * * * *

Dois minutos e trinta segundos depois. Troff dispara o alarme. A estridente sirene prussiana de mais de 70 anos enlouquece e ensurdece a todos. Rhrwinna chega na ponte de comando primeiro.- O que houve ?- Sra. Khull, estamos sendo perseguidos por dois caças F-16 norte-americanos. Khull aparece.- Troff, consegue rastrear de onde eles vieram ? Quatro milisegundos depois.- Porta-aviões U.S.S. Shirley Temple, está à sudoeste.- Rhrwinna, abra nossas frequencias de rádio, vou tentar ganhar tempo.- Abertas, mas você não tinha nos dito que, pelas Leis Internacionais, se nos mantivéssemos estritamente em águas internacionais ninguém poderia nos abordar ?- Lei é uma coisa, querida. Realidade é outra. Ou você acha que o Tio Sam seguiu a Convenção de Genebra quando bombardeou civis com Napalm no Vietnã ?- Bárbaros ! Entretida com o painel de comunicações, Rhrwinna se cala. Estática no rádio. Todos encaram fixamente o aparelho.

Page 36: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- BRZZTT....BRZZTT....BRZZTTT... Mais silêncio. E...- VOCÊS ESTÃO SOB CUSTÓDIA MILITAR DA MARINHA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ! Em pânico, Razor entra na ponte de comando:- Ferrou !

* * * * *

Haviam quatro botões jamais apertados na ponte de comando do dirigível. Com uma pancada de mão cheia só, D’dara Khull aciona os dois primeiros e libera dois mísseis V2 edição compacta que, pelos arquivos da Luftwaffe nunca existiram. Os mísseis se soltam em queda livre em direção ao mar, porém, no meio do caminho, se auto-acionam e rumam diretamente para o bico dos aviões inimigos. BUM ! BUM ! Pilotos ejetados. Destroços boiando. Rhrwinna aperta o ombro do marido.- E agora ?- Eles não sabem quantos mísseis temos, esta é a nossa vantagem. Troff, consegue ampliar o radar até o convés do porta-aviões ?- Afirmativo.- Acione os sensores de calor e foque no porta-aviões. Se houver movimento de novos F-16 sendo preparados para levantar vôo, vamos atingi-los antes que possam decolar e nos atingir com mísseis. Silêncio.- Atividade conformada, senhor. Mais dois caças F-16 se preparando para taxiar e abandonar o porta-aviões. Khull suspira profundamente. Não queria pensar no dia seguinte, quando, pela primeira vez em quase 70 anos estariam praticamente indefesos. Sem os mísseis, um simples tiro de .38 disparado de um helicóptero poderia derrubar o dirigível. Novamente, com a mão cheia, Khull dispara os outros dois botões alinhados lado a lado pelos engenheiros da Luftwaffe. Um tiro atinge o primeiro caça, ainda no convés do porta-aviões com o tanque cheio. BUM ! A explosão faz um furo no convés e torra, além do piloto, todos que estavam em um raio de 10 metros. O outro míssil, acerta o segundo F-16. Mais uma explosão aditivada pelo tanque cheio. Outra cratera na pista. Desta vez, o fogo se espalha, transformando o convés do U.S.S. Shirley Temple em um inferno de chamas. Com a placidez que se espera das máquinas confiáveis, Troff emite seu relatório:- Alvos atingidos, senhor. 100% de sucesso. Rhrwinna se levanta. Segura o braço do irmão com mão firme e o arrasta para os tubos onde as roupas de combate ficavam permanentemente sendo energizadas. Razor entende a reação da irmã e não fala nada. Já haviam tido um confronto físico com soldados das Forças Especiais Canadenses algumas décadas atrás e tudo havia corrido perfeitamente

Page 37: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

bem: Teleportes rápidos, gargantas cortadas, estocadas no coração e, em poucos minutos estavam todos fora de combate: suas carcaças apodrecendo no gelo do Ártico. Porquê com soldados americanos isto seria diferente ? Determinada, ela se volta para o marido:- Levamos o Troff ?- Não levam ninguém. No momento não corremos perigo, sem uma pista para decolar eles não tem como mandar mais nada contra nós.- E depois ?- Já pensei nisto, minha sanguinária esposinha.- Vamos sacar o ouro que está na Suiça e comprar novos mísseis ?- Depois. Khull deixa a esposa em compasso de espera e começa a tamborilar o painel de controle velozmente. Na tela, surge uma imagem de satélite, com o Golfo do México e a Flórida um pouco mais acima. Definição baixa, mas boa o suficiente para identificar o local.- Troff mude a rota para a Flórida, longe o suficiente para não sermos avistados por banhistas na praia, mas não muito mais do que isto. Depois, se não formos abordados, acompanhe os recortes da Costa Atlântica até alcançarmos o Canadá, e então retornaremos para águas internacionais. Razor reage.- Mas nós vamos ser abordados !- Eu sei que nós vamos ser abordados. Estou contando com isto. O veterano de centenas de batalhas gira a cadeira e encara a esposa estupefacta e seu cético irmão, que começava a ter várias dúvidas sobre a sanidade do cunhado.- Vamos semear o medo entre estes bárbaros. Fazer com que olhem para o céu com pavor cada noite de suas vidas. Vamos levar a guerra para dentro do território inimigo. Silêncio. Lá fora, uma coluna de fumaça negra empestiava os céus do Caribe com o cheiro insuportável do combustível queimado e o odor imperceptível dos corpos dos 2 pilotos e de 13 tripulantes do U.S.S. Shirley Temple.

* * * * *

Washington D.C. Quartel-general do I.P.B.A. Sala de reuniões 30e. De um lado da mesa: o Diretor Michael Clark e Janet, a secretária. Do outro lado, o Almirante Nicholas Hudson mais três militares de alta patente totalmente estarrecidos. Na tela, o U.S.S. Shirley Temple em chamas e o U.S.S. Nosferatu, ao longe, escapando sob o sol caribenho. Hudson dá um soco na mesa e se vira em direção à porta.- Acabou. O Diretor Clark entende o recado.- Mas almirante, o material não foi recuperado. O auxílio da Marinha continua sendo essencial para o sucesso da missão.

Page 38: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Escute aqui, Senhor Clark, eu tenho neste momento, um porta-aviões Classe “T” inutilizado, quatro F-16 destruídos, dois pilotos mortos e sabe-se lá quantos corpos torrando naquele convés. A força-tarefa conjunta com o I.P.B.A. acaba agora.- E a Segurança Nacional ? Aquele material não pode cair nas mãos de terroristas ou de uma potência inimiga.- Você mandou os meus pilotos para um vôo cego. Não tinha a mínima idéia de que haviam mísseis naquele dirigível.- Dirigíveis da década de 30 não possuem mísseis, senhor.- Suas desculpas não vão ressuscitar meus pilotos mortos, Diretor Clark. É o fim. Procure outra parceria para sua caçada aos homenzinhos verdes. E então, o Almirante Nicholas Hudson se retira da sala, seguido por seu séquito de oficiais silenciosos, de olhos vítreos e passos firmes. Michael Clark simplesmente observa. Agora, na sala, sozinho com a secretária, tenta reorganizar as idéias. Felizmente, haviam outras possibilidades.- Janet, me ligue com o palácio presidencial da Coréia do Norte, tenho algumas dívidas para cobrar do Sr. Kim Jong-un.- Sim, senhor.

* * * * *

Inferno. Rumando para Dite, a cidade infernal, Guevara percebe que a velocidade da tropa ia sendo reduzida, aos poucos. Pergunta para um dos demônios:- Porquê estamos parando ?- Quando não se descansa, se voa mais lento, Comandante.- Demônios precisam descansar ?- Não comemos, não bebemos, não dormimos, mas é preciso parar às vezes, para restaurar o fluxo interno de Ectoplasma. Che não sabia o que era Ectoplasma, mas compreende a mensagem. Com a mão esquerda dá a ordem para pararem. Sentam-se em grupos no chão, estáticos, olhando para o nada como bons zumbis obedientes que eram.

* * * * *

Agora, Che Guevara tinha uma noção melhor do que estava acontecendo. O lugar era chato como uma moeda que flutuava no espaço. No centro, Dite, nas bordas, absolutamente nada. Acreditava que as distâncias gigantescas tornariam uma fuga algo quase impossível. Pensava que um sujeito poderia andar por milênios que não chegaria até a borda, se é que existia. Indaga ao demônio á sua direita:- O que há além da borda ?- Você retorna para Dite. Simplesmente desaparece e ressurge nos poços de tortura reservados aos desertores.- Alguém já conseguiu fugir ?- Três humanos como você e uma divindade, que acabou vindo para cá após sua morte física.

Page 39: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Guevara se interessa. Divindade ?- Como Zeus ?- Os deuses gregos são só frutos de estórias tecidas por homens fantasiosos, Comandante.- Um deus egípcio, talvez ?- Seu mundo não é o único habitado, sabia ?- Já presumia. Gostei muito de “Guerra dos Mundos” de H.G. Wells. Mas é Fidel que sempre apreciava conversar sobre estas coisas. Nunca dei muita importância. Quem escapou é uma divindade alienígena então ?- Pode-se dizer que sim.- Sabe a estória deste eficiente fugitivo ?- Como ele escapou, não. O resto, sim.- Continue...- Muito, muito tempo atrás, em uma galáxia muito, muito distante...

* * * * *

No seu mundo, Comandante, um gigantesco meteoro chocou-se com o solo e provocou a extinção dos grandes répteis, mas em outros lugares não foi assim. No planeta que foi o lar de Pteron os grandes sáurios e uma espécie-irmã do homo sapiens conviveram lado a lado. Eram homens primitivos, viviam da caça, da pesca e da coleta de frutas ou raízes. Eram subjugados por tiranos que governavam com a força bruta ou escravizados por súditos das Trevas que governavam usando Magia como chicote. Calak sabia que negociava com demônios. As trevas lhe deram Poder e ele se tornou o Mestre de uma nômade tribo de raquíticos aborígenes esquálidos. Mas Calak continuava com um vazio no coração. Queria um herdeiro: alguém para governar após ele, alguém para aprender os sanguinários sortilégios místicos e, principalmente, alguém para lhe admirar sinceramente, sem o pavor sobrenatural dos outros nativos. Calak era vaidoso e queria aplausos. Pagaria caro por isto. Então, mais uma vez, o mago negociou com Satan. Sacrificaria 50 virgens, que seriam sequestradas de todas as tribos vizinhas. Em troca, pediu um filho, alguém para amar e ensinar. “Alguém” porém significa muitas coisas, não só uma criança humana. Este foi o erro do neolítico feiticeiro. Em pactos demoníacos, o outro lado sempre vence, mas em pactos que não são extremamente específicos, a vitória é ainda mais profunda. Doze dias depois da última virgem ser sacrificada, uma das esposas de Calak, a que ele mais amava, começou a sentir as primícias da gravidez. Mais cinco dias, uma barriga enorme, no formato de um ovo desfigurava a raquítica troglodita. Mais dois dias, a barriga se abriu. Por dentro. Dilacerada pelas garras e pelo bico de um pequeno pterodáctilo cinza não muito maior do que um gato doméstico. Calak agora tinha uma esposa morta em seus pés e um filho gritando faminto em seus braços. Mas isto não era exatamente o que ele estava esperando.

* * * * *

Page 40: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

Ao contrário do que possa parecer, Pteron não era um demônio. Era uma aberração. Forjada nas profundezas do Inferno célula por célula. Um pterodáctilo que pensava como um homem ou um homem condenado a ser o único de sua espécie para todo sempre. Calak compreendeu a trapaça de Satan, mas, de qualquer forma, sua linhagem não se extinguiria após sua morte. Filho monstro é melhor que filho nenhum. E a criatura cresceu. Aos três anos proferiu as primeiras palavras. Aos oito, era tão experto como qualquer moleque desta idade. Pteron, porém, não se interessou pelas Artes Místicas. Gostava de caçar e estraçalhar tiranossauros e guerreiros de tribos vizinhas que se aventuravam no território governado por seu pai. Ainda adolescente, se tornou um líder sem a ajuda de ninguém. Na verdade, Pteron escravizou aqueles pobres aborígenes com comida farta e a morte de qualquer inimigo que aparecesse por ali. Homens das cavernas por melhor atiradores de lanças de madeira que fossem jamais conseguiriam matar um tiranossauro. Mas, para um pterodáctilo inteligente com garras afiadas aquilo não era necessariamente uma grande façanha. Os braços minúsculos do T-Rex não o alcançavam e fugir da cauda não exigia grande destreza. Era só sangrar o cérebro, cavando através das cavidades oculares e o bicho estaria morto. A lenda do grupo que caçava com um grande pássaro acabou se espalhando e diversas outras tribos (mais por necessidade do que por medo) se aproximaram e se agruparam sob as asas do dinossauro voador. Porém, ao contrário do que possa parecer, Pteron não ergueu um império, mas uma religião. E os adoradores do grande lagarto passaram a ser conhecidos por Pteronitas e existem até hoje. Pteron provou o sabor de ser tratado como um deus em vida. Um dia, morreu. Naturalmente. E veio para cá. Foi um grande alvoroço. Nenhum dos demônios jamais havia visto algo parecido. E, em outro dia, simplesmente sumiu. Alguns dizem que foram as preces de seus adoradores que o libertaram. Outros mencionam boatos de que Anjos do Céu, corrompidos, teriam fornecido ao encarcerado sáurio os meios para abandonar o Inferno. E é isto. É o que sabemos, Comandante Guevara.

* * * * *

Che sorri. Como argentino entre dezenas de cubanos sabia o que Pteron sentia como o único de sua espécie. E sua formação clínica o tornava mais exótico ainda entre os guerrilheiros dos Irmãos Castro. Não era só o médico do grupo, era o médico que carregava o fuzil, a pistola e a Morte. Reflete que Pteron teria dado um bom soldado. Lagartos tem sangue frio, não manifestam emoções nem os defeitos da tal da “latinidade” que permitiu que os mexicanos fossem tantas vezes derrotados pelos ianques. Guerra é um esporte que foi inventado para vikings e russos, o resto se adapta.- E então, camarada demônio, já está descansado ?

Page 41: Book 2 - Short Story 1 - Upgrade 4

- Sim, Comandante.- Partamos, temos um tirano para derrotar. Marcham. OK. Voam. Dá na mesma.

* * * * *

CONTINUA...