bomeny, helena_os intelectuais da educação

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Helena Bomeny Os Intelectuais da Educação Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro

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Livro introdutório sobre os intelectuais brasileiros da educação, que abrange a história dos intelectuais engajados na reforma educacional e a história do próprio sistema educacional brasileiro. Como parece que está esgotado, disponibilizo.

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HelenaBomeny OsIntelectuais daEducao J orgeZaharEdi t or RiodeJanei ro Poramora JooCludioeMiguel Copyright2001,HelenaBomeny Copyright2001destaedio: JorgeZaharEditorLtda. ruaMxico31sobreloja 20031-144Rio de Janeiro,RJ tel.:(21)240-0226/fax:(21)262-5123 e-mail: jzel^zahar.com.br site:www.zahar.com.br Todososdireitosreservados. Areproduono-autorizadadestapublicao, notodoouemparte,constituiviolao docopyright.(Lei 9.610) Capa:CarolS eSrgioCampante Ilustraodacapa: Namontagem,da esquerdaparaa direita, ManuelBandeira, RaimundoPeregrino Jr., Alceu AmorosoLima, CarlosDrummonddeAndrade, GustavoCapanema, Darcy Ribeiro, JooGoulart e AnsioTeixeira.Fotos: Arquivo Gustavo Capanema (CPDOC/FGV)e AcervoFundaoDarcy Ribeiro Vinhetadacoleo:ilustraodeDebret Composioeletrnica:TopTextosEdiesGrficasLtda. Impresso:CromoseteGrficaeEditora CIP-Brasil.Catalogao-na-fonte SindicatoNacionaldosEditores deLivros, RJ. Bomeny,HelenaMariaBousquet B682Os intelectuaisda educao/Helena Bomeny. Rio deJaneiro: JorgeZaharEd.,2001 : il.. (Descobrindoo Brasil) Apndice Incluibibliografia ISBN85-7110-578-2 1.Brasil-Histria.2.EducaoBrasilHistria. 3.Brasil.-Vidaintelectual.I. Ttulo.II. Srie. CDD981 00-1503CDU 981 0^Sumrio Amanchada nao11 SociedadeHvre: homens despreparados17 Asoluo dos imigrantes21 Mobilizao pela reforma: a sociedadeseorganizando26 Os exemplos semprelembrados33 Intelectuais reformadores38 Dcadas dereformas:o Estado na dianteira46 Ministrio das reformasedos reformadores52 Ps-guerraedemocratizao53 "Todo ato educativo umato poltico"57 Anos derecluso61 A sociedadedesafiada: o grito do mercado64 Oltimo expoenteda Escola Nova71 Cronologia77 Referncias e fontes80 Sugestes de leitura83 Sobre a autora85 Ilustraes(entrep.44-45) Crditos das ilustraes 1.AnsioTeixeira eMonteiro Lobato. Estados Unidos, dcadade 1920.ArquivodoInstituto Ansio Teixeira, Secretaria deEducao eCultura da Bahia. 2.Manifestodospioneirosdaeducaonova. So Paulo, Companhia EditoraNacional, 1932. 3. Encerramento doV I ICongresso Nacional deEducao. Rio deJaneiro, 7.7.1935. Fundao Getlio Vargas/CPDOC, Arquivo Gustavo Capanema. 4.EscolaNacionalde BelasArtes,Riode Janeiro, 11.3.1936.FundaoGetlioVargas/CPDOC,Arquivo Gustavo Capanema. 5. Jantar delanamento dacartilha. 26.12.1962. Acervo da Fundao Darcy Ribeiro. 6. Assinatura do decreto defundaoda UniversidadedeBraslia.Braslia,5.1.1962.Acervo da FundaoDarcy Ribeiro. 7.IEncontro Nacional deEducadores.Braslia, novembro de1962. Acervo daFundao Darcy Ribeiro. Oano2000 foi internacionalmente celebrado.Cele-brou-se a aberturadeumoutro sculo ea entradado novo milnio. No Brasil, a datacoincidiucomos 500 anos dachegadadosportugueses terra.Todoummovimento ganhoucorporeeditandoacizniaentreintelectuais, militantes eintrpretesdoBrasil. As ex-presses "Brasil +500" e"Brasil, outros 500" ttaduzemtipicamentea polemica criada ao redor dascomemo-raes. OBrasilquesecelebracomo diversidade, ri -quezae amplitudeculturais tambmo Brasil queest sob a mira dacrtica, o que exclui,o quedeserdoua grandemaioria dapopulao, o queno incorporou esequer deu posseaos seus despossudos. Umoutro registro dememria podeainda ser cap-turado no ano 2000. Completa-seneleo centenrio deduas figuras pblicas quetivetamseus nomes associa-doshistriada educaonoBrasil.ObaianodeCaentAnsioTeixeira (1900-1971)eo mineiro dePitanguiGustavoCapanema (1900-1985)tmsuas trajetriasprojetadasnacionalmente e identificadas comaconstruo deumsistema educacional brasileiro. Entreos dois, Ansio Teixeirapercorrer umsculo de.7HELENA BOMENY OS INTELECTUAIS DA EDUCAO educao como educador inquieto como que os inte-lectuais chamavama grande ndoa nacional, almde um pensador da educao, autor de livros que consa-grarama historiografia pedaggica brasileira. As ques-tes que trouxe ao debate pblico na segunda dcada do sculo X Xmantiveram-se ao longo de todo o 1900. E sua influncia sobre estudiosos, pedagogos,mentores de polticas e projetos de extenso ainda no correta-mente mensurada., Capanemateve sua interveno mais circunscrita ao perodode1934-45, quandoocupou a pasta de ministrodaEducaoe Sade.No entanto,as re-formas que implementou foramde tamanhaenver-gaduraque permaneceramcomoheranaao longo dasegundametadedosculo,desafiandoainda a imaginaopoltica para a reestruturao do campo educacional. O fato de Capanematerpermanecido na vidapblicacomo congressistaimpediu as dis-cussesemtorno dasreformasquefez,e impediu tambma votaode leis que reformulassema po-lticaeducacionalde suagesto. Ansio Spnola Teixeira nasce emCaetit, no serto da Bahia, a 12 de julho de1900. Em1922 se forma como bacharel emdireito pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Em1924 nomeado para o cargo de inspetor-geral do ensinona Bahia, a convitedogovernadorFranciscoMarquesdeGes Calmon. De 1924 at 11 de maro de1971, quando morre abruptamenteemumacidente no elevador do prdio onde residia o amigo Aurlio Buarque de Hol-landa, Ansio teve sua vida confundida comos rumos da educao brasileira. O relativo silncio sobre a morte do democrata da educao s pode ser compreendido no contexto de maior endurecimento do regime mili-tar, o longo perodo ditatorial entre o Golpe de 1964 e a abertura poltica de 1985. O nome de Ansio esteve associado no s aos ideais do movimento da Escola Nova no Brasil, mas tambma instituies de ensino superior como a Universidade do Distrito Federal (1935-39), Campanha Nacional de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Ca-pes),em1951, direodoInsdtuto Nacional de EstudosPedaggicos(Inep),em1955, criaodo Centro Brasileiro de Estudos Educacionais( CBP E) ,no mesmoano.Foi umdosprincipais idealizadoresda Universidade de Braslia ( UnB) ,em1961, e autor de vrioslivros,almde tradutor noBrasil da obra do filsofo e educador norte-americano John Dewey. Sua viagemaos Estados Unidos em1927 deixaria a marca indelvel de uma inspiraodefinitiva:afilosofia do pragmatismo norte-americano. E sua trajetria como reformador ativista teve dois momentos de inflexo, o Estado Novo e o ps-1964, quando deixa o pas comautorizao especial do presidente Castelo Branco, re-tornando em1966 depois de lecionar emuniversidades norte-americanas. .8 HELENA BOMENY Ansio criou emtorno de si uma verdadeiraconste-lao de intelectuais. O encontro comMonteiro Loba-tonosEstadosUnidosnosanos 20foi seminalna construo de umiderio decivilizao e naformao do que Lobato chamaria a "irmandade", uma agremia-o de profetas de umareligio cvica detransformao doBrasil. Fizeramaavaliaodopas,detectarama grande mancha nacional deincivilidade e descaso coma democracia e foramautores de propostas de reforma que estiveramempauta e que semantmainda hoje como questo de agendapblica. Estetexto percorre o Brasil de que falamos intelec-tuais que tomaramaeducao como bandeitaciviliza-dora. Ansio Teixeira e Fernandode Azevedo (1894-1994) foramlderes nacionais dessaempreitada.Gus-tavo Capanemaentra como gestor depolticas e, tam-bm, como outro plo deatrao de figuras intelectuais de grandeprojeonacional. Emseu ministrioabri-gou Cados Drummond de Andrade, Mrio de Andra-de,RodrigoMeloFrancoAndrade,modernistasda literatura e da arquitetura,Heitor Villa-Lobos,entre outros. Intelectuais epoltica tmnestanarrativa mais um momentodesuarecorrenteassintonia.Ansio Teixeiratalvez sejaumadasmaisricasexpressesda tensoque o sculo dos educadores exps a eles pr-prios quando imersos nadinmica poltica. A indigna-o comasituao brasileira temfundamento. A espe-rana de que o Brasil pudesseultrapassarherana to nefastatomou umgrupo por muiras dcadas. O com-10 osINTELECTUAIS DA EDUCAO promisso coma defesade uma sociedademais educada os acompanhou ao longo davida. Mas de queherana SC trata? O que fazia do Brasil o pas a ser reformulado? Vejamos os fundamentosdainquietao de intelec-tuais que, desdea dcada de 1920, vmse manifestando publicamente comideias e projetos emtorno da edu-cao brasileira. A Escola de Pioneiros fez seus herdei-ros. E umdeles, conhecido de todos ns, empunhou a bandeira escolanovista at o final de suavida, emfeve-reiro de 1997. Darcy Ribeiro deixa emsuas memrias ecorrespondnciasasconfissesdeafinidadecomo educadore filsofoAnsioTeixeira, oprogramade democratizao educativa e os ideais da Escola Nova. A mancha da nao (...)Oqueno conheopasondeo governocentralsedespreocupe,to absolutamente,dainstruoprimria como entre ns; no sabendose o povo aprendenemse h escolas,nemoque nelasseensina(...)(ManuelBonfim) Em1870, e depois comacriao da Diretoria Geral deEstatstica,emjaneiro de1871, comearama ser divulgados commais ordem, clareza e uniformida-de,emboraincompletosemuitodeficientesos dados relativos ao ensino pblico, primrio esecund-11. HELENA BOMENY OSINTELECTUAIS DA EDUCAO rio, emtodo o I mprio. Tanto ento como naRep-blica, at 1907, jamais se obtevexito nasistematizao deinformaessobreeducao no Brasil. No havia dados confiveis sobre o estado dainstruo no pas. At fins de 1907, nunca se conseguia, por exemplo, divulgarcomregularidadeinformaessobre a fre-quncia ou assiduidade dos alunos do primeiro grau. Os dados se dispersavampelas provncias, pelos estados emunicpios, semque qualquer sistema mais apurado demedio pudessecontrol-los. Mas, mesmo assim, comtodas as ressalvas tcnicas que se possa fazer aos resultados daapurao,os dados obtidos em1906, publicados em1916 emEstatsticadainstruo, so suficientes para que tenhamos desenhada a cara de umpas quefazia daeducaoumprivilgiodemuito poucos. O analfabetismo era, seno o maior, umdos grandes obstculos que o Brasil tinha que ultrapassar. As informaes expostas comos dados do recensea-mento de 1906 comptovamque, a despeito dequal-quer impreciso, 74,6% dapopulao emidade escolar eramanalfabetos no incio do sculo X X .Os altos ndi-ces de analfabetismo eramdistribudos deforma razoa-velmentehomognea. Comexceo do Distrito Fede-ral (48,1%), poca o Rio de Janeiro, os outros estados mantinhamumndiceprximodamdianacional. Educao bsica no era, defato, umproblemaou uma questo que sensibilizasse aelite brasileira; o estranha-mento ea perplexidadecomos quase80% de analfabe-tos so umareao pblica posterior ao final do sculo X I X .Emuma sociedade basicamentetural mais de 80% dapopulao , comandada pelos grupos oligr-quicos, comprecrios sistemas decomunicao, a de-manda social deeducao eratambmmuito baixa. A tabela abaixo acompanha aevoluo da urbanizao brasileira no perodo do final do sculo X I Xao final do sculo X X .Trata-se de umainverso quasesimtrica. Populao brasileira: urbana erural (1872-1996) AnoPopulao total Populao urbana(%) Populao rural(%) 18729. 930. 47811,188,9 189014. 333. 915 12,487,6 190017. 438. 43417,382,7 192030. 635. 60523,276,8 194041. 236. 315 31,268,8 195051. 944. 39736,163,9 196070. 070. 45744,655,4 197093. 139. 03756,044,0 1980119. 002. 70667,632,4 1991146. 825. 475 75,624,4 1996157. 079. 57378,321,7 Fontes: Dados referentes aoperodo1872-1920:Lopes,1976.Os demaisdadosforam extradosdoCensoDemogrficodoI B G E 1996.12.HELENA BOMENY OSINTELECTUAIS DA EDUCAO Aofinaldo sculo X I X , a elite brasileira rende-se evidnciadequeaaboliodaescravaturaera iminente. Forammais detrssculos deescravido. Todooperodocolonial(1500-1822)etodoo perodomonrquicops-independncia(1822-88) estiveramseladosnoBrasilpeloregime escravista. Aaboliodificilmenterepresentariaa alforriados negrosparaoingressonomercadodetrabalho e dasprofissescomohomenslivres.Apreparao paraa sociedadedemercado, detrocas, de profis-ses,dalivremovimentaodamo-de-obraao sabordademanda, lenta e requer investimento. Aheranadasubmissoaotrabalhoforadoe da excluso do convvio social da maioria da sociedade pelaescravidocertamenteesclareceporqueche-gamosaofinaldosculo X I X compraticamente 80%dapopulaoemidade escolarexcludosdos benefciosdaalfabetizao.E talvez esclareatam-bm por queas preceptorastinhamsuafunona terradossem-escola... As elites no pretendiamabrir o conhecimento para a sociedade. No foi esta a prioridade. A populao, isolada no meio rural, sequer dispunha de mecanismos maisorganizadosparaexpressarsuasinsatisfaese exigir seus direitos. Manteve-se, portanto, umequil-brio entre baixa demanda enmero reduzido de esco-las.Esseequilbrio vai se quebrar no incio do sculo X X . 14 Oprefciodo livroEstatsticada instruo traz umcomentriocrtico sobre a situao educacional brasi-leira em1916: "Nesta nao(...) a incultura geral , entretanto, tamanha que emdez habitantes maiores de 5 anos nemquatro se contamcapazes de se comunica-remcomos seus semelhantes por meio da leitura e da escrita..." Os problemas deinadequao entre analfabetismo e trabalho industrial esto postos j no incio do sculo X X .E tambmj est registrada criricamente a opo polticaelitistadeconcentraresforose recursosno ensino superior, desconsiderando a maioria da popu-lao. A concentraode renda, marca de origemdo sistemacolonialescravista,estendiaseusefeitosna concentrao debenefciospblicos na escala dos pri-vilgios econmicos j confirmados. Mas o comentrio acima sinaliza aopoquea elitebrasileira fez por defender a educao para uma parcela seleta da popu-laoaptaa estudar.Aeducaofoi, aolongoda histriarepublicana, umbemescasso,privilgiode poucos. A Constituio de1891, a primeira republicana, emfidelidade aos princpios descentralizados que a orien-taram, estabelece que estados emunicpiospassama ter responsabilidade pelo ensino elementar; o governo federalcuidaria doensinosuperior. Aformaoda massa da populao,a educaobsica,ficoua cargo das regies e submetida s grandes diferenasentre os .15 HELENA BOMENY estados emunicpios brasileiros. Historicamente, cadaunidadeestadual ou municipal investiu em educao, segundo prioridadespolticas definidas por suaelitedegoverno,segundorecursosque sedisponibilizavam paraeducao esegundo umalgica deatendimento ainteresses nem semprefavorveis ao aprimoramento do sistema educacional.Osdadossobre educaonas dcadas queseseguiram Constituio de1891 refle-tem aassimetriano atendimento populao em idadeescolar. Estados mais pobres exibem ndices maiores deanalfabetismoefracassoescolar. As desigualdadesseacentuaram,eadescentralizao consagradanaCartade1891 nocontribura paraacriao deum sistemaeducacional querespondessepelademandadeeduca-o nasdcadas de1910 e1920. Seacrescentarmosaisso o fato deque, pelaConsti-tuio de1891, s os alfabetizados votavam, pode-seconcluir que, s perdas sociais, soma-semais luna: aexcluso departicipaocomo eleitor naescolhados quevo governar,umaquestofundamentalparaacidadaniaem qualquer sociedademoderna. O vnculo entrealfabetizao edireito devotolimitavaconside-ravelmenteocolgio eleitoral, o quetambm podetiaser considerado como perdaimportantepelaelitequedisputavao eleitorado. A restrio deeleitores, provo-cadapelos altosndices deanalfabetismo, acaboufun-cionando como umaformadepresso daprpria elitepoltica em favor daalfabetizao. 16 os INTELECTUAIS DA EDUCAO Sociedade livre: homens despreparados Todoproblemada vitalidadedeuma naodepende,entretanto,doesforo porcriarecultivar ohomemso eo homemtil.(Alberto Torres) As duas primeirasdcadas republicanas expuseram as chagas danao brasileira. A abolio daescravatura, como j prenunciavaajovem educadoraalem Inavon Binzer, desnudavaasociedadeem suaincapacidadedeincorporar seuscidados navidacomunitria.Habili-dades,competncias,capacidade deinterao:tudo issodizrespeito formaobsica.Mas,como j sabemos, 3/4dapopulaobrasileiraestiveram foradesseprocesso deformao,excludos dos direitos deaprenderparaparticipai dasociedadedemercado. A elite sabeo valor daaquisio deconhecimento como forma de manuteriodeseusprivilgios.Por estarazo, garantiu parasi as escolas. Nafaltadelas, recorrias preceptoras. A ofertadaredepblica deensino estevelongedeatingir apopulao em idadeescolar. As escolas esta-vamreservadas s elites epuderam, por isso, ser mais bemcontroladaseexigidas emqualidade. Algumas escolaspblicas sobressaam no conjunto pelaexceln-cia. Bastarecuperarmosalembrana deumaescolaqueatravessou osculoX I Xe que, at ofinal dosculoX X , HELENA BOMENY OSINTELECTUAIS DA EDUCAO permanece como referncia do ensino pblico de qua-lidade. Batizado como nome do Imperador, o Colgio PedroI Ifoi smbolo deprestgio social para a elite que o frequentava na certeza de seu padro deexcelncia. Ele criouummodelo de ensino no pas. E como era pequena a massa depopulao eleita para desfrutar da instruo,as poucasescolas sobressaam,erammais visveis. Poucos estudavam, todos se conheciam. Paralelamente redepblica,umsistema privado foise firmando noincioda Repblica.Em1932, respondia por 18,4% das matrculas do ensino funda-mental de umtotal de 2.071.437 dematrculas. Na rede privada, sobressai a Igrejacatlica, comas escolas confessionais deprestgio, mantendo e consolidando a tradiode ensino religioso que remonta s misses jesuticasdoinciodacolonizao. A Igrejacatlica disputar seu lugar de primazia no sisrema educacional privado ao longo dedcadas darepblicanoBrasil. Deixa registradas namemria do pas escolas que so verdadeirosconesda tradiopedaggica brasileira: Caraa,ColgioAnchieta, SacrCoeurdeMarie e Sacr Coeur de Jesus, Santo Incio, Santo Agostinho, entre outras. A educao acompanhou de perto adistribuio de rendanoBrasil.Uma parcela nfimada populao controlou historicamente os recursos, e usufruiu con-vencionalmente dos benefcios dainstruo. Ottulo de bacharel emnosso pas ganhou foro de nobreza. O "bacharel", aquele que completou o curso superior, e o "coronel", aquele que controlaa poltica local do jogo de favores, constitutam-se nos dois pilares deprestgio, privilgio e mando social na PrimeiraRepbhca (1889-1930). A repblica dos bacharis eratambmatep-blica dos coronis muito distante datepblica dos cidados, como vmdemonstrando atradio do pen-samentosocial brasileiro e, recentemente,os estudos deJos Murilo de Carvalho. A hierarquia que a PrimeiraRepblica aprofundou vem de tradioanterior,emvigorj noImprio. Desdeento, os assuntos educacionais foramatribu-dos a uma simples repartio do Ministrio do Imp-rio. Passou depois para o Ministrio daJustia eNeg-cios Interiores. Emseguida,uma passagemtambmefmera pelo Ministrio daInstruo, Correios eTel-grafos. Entre 1911 e 1925 apenas umrgo, o Conse-lho Superior do Ensino, dejurisdio do Ministtio da Justia, tratava de maneira mais tcnica da administra-o escolar. 1925 acabou sendo uma data importante nahistria daeducao brasileira, porque foi naquele ano que se fez a chamada Reforma de 1925, emque foramestabelecidas as condies pata acriao de umrgomaisamploe maistcnico,uma espciede ministriodaEducao, j reclamado durante aPri-meiraRepblica. A presso por uminvestimento mais sistemtico emeducao era justificada pelo atraso brasileiro frente s 18 19 HELENA BOMENY naes prsperas. A ideia de progresso impregnava os discursosnadcadade1910. A comparaocomas modernascivilizaes no favorecia uma boa imagemdoBrasil. O fato de ter sido aideia de progresso a fora condutora das discusses a respeito da educao brasi-leira estimuloua criao e o aprimoramento das escolas tcnicas e do ensino profissional. A sociedade teria que acelerar os passos na direo da profissionalizao. E, aofinal, uma nota esperada: como o mundo do traba-lhoesteve tradicionalmente associadoao trabalho es-cravo impregnando-se, por isso, de sentido negativo , a identidade do trabalhador foi igualmente depre-ciada. A medida, porm, que a sociedade sinaliza coma competio, comaideia de progresso, de mercado, de consumoe ganho,o trabalho comeaa servisto como o passaporte para o convviono mundocivili-zado. Quemseragorao trabalhador capaz de manu-sear este universo positivo,movidopelosideais de progresso?Noseriamosnegros,aquelesquese livraramdaescravidocomoregimedetrabalho, mas no da escravidocomo marca social negativa. A discriminao dos negros no perodops-abolio foiumdosmaisagudoscaptulosdoracismo emnossopas. As cincias sociais registraramcommui-tanfaseochoquedadesintegraodonegrona sociedadedeclasses.OlivroclssicodeFlorestan Fernandes,Integraodo negro na sociedade de classes. 20 OSINTELECTUAIS DA EDUCAO umexemplartpicodessaproduo.Aos negros, jogadossemqualquerpreparoeassistncianaso-ciedade demercado,ficoureservadaa marginaliza-o.Perambulandopelasruas desempregadose de-sintegrados,sem rumo,abandonados,acabaramperversamenteconfirmando os preconceitos e este-tetiposqueasociedadedosbrancoslhesimpu-tava. A soluo dos imigrantes Apoltica racista se ttaduziu emalgumas decises. Uma delas teve impacto direto sobre a educao. A vinda de imigrantes brancos, mais preparados, letrados, foi uma sada vislumbrada pela elite poltica e econmica para "higienizar" a sociedade brasileira. A miscigenao po-deria se constituir emuma chancede"limpeza" dos brasileiros marcados pela cor e pela misria social. Os imigrantes se espalharampor muitas regies do pas, justamente aquelas que exibiammaiores condi-es de promover a industrializao. Foramrecebidos como uma alternativa mo-de-obra local, ex-escrava, iletrada, a qual as elites econmicas e polticas no se dispunhama valorizar ou preparar. Oracismoimpli-cado nessa polticaconsistia naconcepodo negro como raa inferior,incapaz para o trabalho, propensa ao vcio, ao crime, e inimigada civilizao e do pro-gresso. A poltica de imigtaorespondia de imediato 21 HELENA BOMENY coma trocadonegropelobranco.Comotempo, promoveriaahigienizaopelamiscigenao,pelo branqueamento,no contato com os brancos, da popu-lao brasileira, de maioria negra.Resolvia-seassim o problemadotrabalhoassalariado.Oproblemado ex-escravo ficava pendente.Para esse, o liberalismo republicano nada tinha a oferecer. Amentalidadedaelite brasileirano se alterana rapidez da troca de relao contratual de trabalho. Os imigrantesquevieram passaram a se relacionar com uma elite de ex-senhores de escravos. A mudanana relaode trabalho antes escrava, agora por livre-contratono garantiuaosqueaquichegavamo espaomnimo que tinham em mente para produzir seuprpriosustento. Muitos imigrantesfugiramdas fazendas,dashospedarias deimigrantes;fugiramde maus-tratos e de promessas no-cumpridas. Queriam tettas para trabalhar mas os fazendeirosno as queriam dar. "Foram os primeiros sem-terra",diz o diplomata Rubens Ricupero. Aimigrao trouxe algunsembaraos para a elite degoverno.Osimigrantesqueaquiseinstalaram, especialmente nas colnias de imigrao nos estados do sul do Brasil, tinham uma mentalidadediferente daqueladostrabalhadoreslocais.Osestrangeiros, alemes, italianos, japoneses, traziam ao menos um traocomum:tinhamcomorefernciaa mentali-dadedeliberdade.Provinhamdesociedades no-22 osINTELECTUAIS DA EDUCAO escravocratas. E porquese constituamemcidados "expulsos"de suas comunidadesporcontingncias econmicas ou polticas adversas, vinhamdispostos a lutar e garantir para suas famlias uma vida melhor, demaisconfortoeprosperidade.Otrabalhoea disciplina eramas ferramentasbsicas para seapro-ximar do sonho de suas vidas. Podemos listar como um dos efeitos dessa nova mentalidade na sociedade brasileira a promoodaeducaobsica por esses ncleosdeimigrantes. As colnias estrangeiras nas zonas decolonizao, especialmente ao sul do pas, trataram de afirmar suas prprias culturas no pas que as acolhia. Os imigrantes, especialmente os alemes, construram aqui suas pr-prias escolas, e mantinham nelas todo um universo de valores, linguagem, rituais e a celebraes de suacul-tura de origem. Consideravam-secidados brasileiros, cientes de suas obrigaespara comoEstado,mas membros de nacionalidadede suas respectivas ptrias de nascimento. Como faziam isso? Em primeiro lugar, mantendoviva suaprprialngua.E, comoreforo, fortalecendo a identidade coletiva do grupo na celebra-o de rituais, no ensino das msicas, cnticos e expres-ses usuais da lngua coloquial nativa. Eram comuni-dades irmanadas culturalmente dentro do Brasil, cada qual com sua face singular. As escolas eram o seguimen-to do espao familiar, uma vez que nelas se cidtivavam os valores de suas prprias culturas. 23 HELENABOMENY No entanto, a Primeira GuerraMundial (1914-18) dificultou o processo deimigrao. Por estacontingn-cia externa, o Brasil teve que olhar seus prprios recur-sos humanos como aqueles que teriam que integrar o mercado de trabalho. A massainculta,despreparada, abandonada prpria sorte, teria que set temodelada s pressas. OMinistriodaAgricultura,Indstria e Comrcio regulara o Ensino Profissional no Brasil em 1906(Decreto 1.606). Para remodelar o ensino profis-sional,em1920,umengenheiro,J ooLuderitz, contratado, e o programa deremodelao que consta daComisso Luderitz fala de um"Servio de Remo-delaodoEnsinoProfissional Tcnico",associado basicamente s classes "pobres", "populares", aos "me-ninosdesvalidos", aos"rfos",aos"abandonados", aos "desfavorecidos da fortuna"... No era propriamen-te um ptograma educacional, e sim um plano assisten-cial aos "necessitados damisericrdia pblica; umpla-noderegeneraopelo trabalho". O ensinotcnico "regenerador" umaextenso dadimenso negativa do trabalho, j que estava destinadoqueles que seriam "condenados" afreqent-lo. A educao profissiona-lizante nasce associada aos cidados de "segunda clas-se",osmiserveis,os"necessitadosda misericrdia pblica..." Essa marca de origem se cristalizou na tra-dio brasileira, e permanece sendo um ponto de dis-cusso ainda hoje. 24. OS INTELECTUAIS DA EDUCAO Oinciodosculo, portanto, desafiaopas em muitos aspectos.Um deles propalado porinte-lectuais e setores mais informados da sociedade , foitranspostonodiscursosobreaurgnciae ne-cessidadede definirum projeto educacional, no mais parauma sociedadefechada,masparaa so-ciedade aberta disputa de muitos. A luta se daria entre uma atmosferaurbana, restrita masreivindi-cativa, mais impessoal e diversificada, e as tradicio-nais oligarquias rurais que,se algum intetessede-monstravam naeducaodo povo, eraexatamente para controlar suaparticipao. A "educaomoral dos trabalhadores" funcionava como um recurso de controle participaoe reivindicaode seus direitossociais.Ocoronelismoda repblicadas oligarquiasfoi muitofavorecido pela extensodo analfabetismo no Brasil. Dois processos que se auto-alimentam: controla-se com mais facilidade o voto daquelesqueno tm acesso informao,e da-queles que, isolados em comunidades mais fechadas, noisolamento doambiente rural,estoconstran-gidos a aceitar que o exerccio de poder de mando de alguns confunde-secomautorizaopara viver dos demais. Havia, portanto, equilbrio entre a bai-xa demanda social deeducao e o nmero restrito de escolasno pas. No h fracassoquandono se quer ganhar. Nos termos em que seprops, as metas foramcumpridas.Eilustrativoa esserespeitoo 25 HELENA BOMENY comentriodoeducadorLourenoFilhosobrea evoluo da taxa de analfabetismo, a contar de 1900 atadcadade1930: (...) fcil compreender que, em grupos de populao muito dispersos, de economia incipiente, muitas vezes reduzida prtica de agricultuta de subsistncia, ou pouco mais que isso, em regime quase geral de subem-prego, as expectativas de melhoria dos padres de vida so exguas, no apresentando maior sentido prtico a preparaoformalque a escola passa a proporcionar (...) Talequilbrioseriarompido, definitivamente, na dcada de 1920, adcada damobilizao em torno de concepes de projetos de nao, como j nos mostrou LciaLippiOliveira.Foi adcadada exposiode altetnativas de reformulao do quadro social e educa-cional do pas. Mobilizaopela reforma: asociedade se organizando 3/4 dos brasileiros vegetam miseravel-mente nos latifndios e nas favelas das cidades, pobres prias que, no pas do OS INTELECTUAIS DA EDUCAO nascimento, perambulam como men-digos estranhos,expatriados napr-pria ptria, quais aves de arribao de regio em regio, de cidade em cidade, de fazendaem fazenda,desnutridos, esfarrapados,famintos,ferreteados com apreguia verminnca, a anemia palustre, as mutilaes da lepra, das deformaesdobcioendmico, as devasraes da tuberculose, dos males venreos e dacachaa, ainconscincia daignorncia, a cegueira do tracoma, as podrides da bouba, da leishmanio-se, das lceras fragedmicas,difundin-do sem peias esses males. O desabafo do higienistaBehsrio Penna. Em 1912, porsolicitao de Oswaldo Cruz, Belisrio Penna fez uminventrio sobre as condies de sade de popula-es sertanejas. A sade, ao lado daeducao, consti-tua problemaprimordial, pois era a base incontestvel do vigorfsico, da melhoria daraa, daproduo, da alegria, da riqueza, do progresso,pontificava ele. Al -guns anos depois, em 1916, Miguel Pereira, catedrtico daFaculdadedeMedicina, cunhouumafraseque acabou se transformando em umaespcie deslogan empreitadade olhar de pertoas condie^do povo brasileiro no incio do sculo: "O Brasil um imenso hospital." 27 HELENA BOMENY05INTELECTUAIS DAEDUCAO Oconstrangimento dasituaobrasileira aparecia tambm em outrosinventrios.Aobra clssicade Euclides da Cunha,Os sertes, resultado de sua obser-vao participantena comunidade ondese desenrolou o episdio violento da Guerrade Canudos, nadcada de1890, mais do que o relato de uma guerra cruenta. Eternizou-senaliteratura como o diagnsticominu-cioso do Brasil de que no se falava, o Brasil dointerior, da excluso, do isolamento, frutodo descaso daspol-ticas pblicas. Umimenso Brasil se separavadoBrasil do litoral, da Corte, da eliteque governavae controlava os recursos de todos como bens privados deunspou-cos. A dcada de1910municiou intelectuais e homens pblicosdeinformaesdequeprecisavampara se movimentar porreformas polticas. Os relatos devia-gens, as expedies cientficas, o ttabalho dos desbra-vadores doBrasil intocado constituram-seemmat-ria-prima a compensar nossafalta de informaes con-fiveis. Euclides da Cunha, Belisrio Penna, Miguel Couto, MiguelPereira, entre outros, foramautores defrases clebres que sintetizamo drama brasileiro do incio do sculo. "Progredir ou desaparecer", dizia Euclides emseuinventrio literrio-cientfico. NoBrasil, s h umproblema nacional: a educao dopovo, eraa falade Miguel Couto. E o Brasil como "imenso hospital", de Miguel Pereira, completao trip da juno que nunca pde ser desfeita entreeducao e sade em nosso pas. Basta lembrar que o primeiro Ministrio da Educao, criadoem 1930,recebeuonome deMinistrioda EducaoeSade. Apenasem 1953asduas pastas seriamseparadas, sendo Miguel Couto Filho o primei-roministrodaSade.Naqueladcadadoinciodo sculo X X a palavra estavacomos cientistas. Mesmo nosso engenheiro-literato, Euclides da Cunha, se auto-rizava escrever como mensageiro da cincia. S a cin-cia salvariao pas; s pelacincia poderamos apressar os passos nadireodoprogresso, evitando assimo desaparecimento da nao. S pelacincia seriaposs-vel higienizar a sociedade, no apenas comos recursos daengenhariado saneamento, maspelaprevenoe tratamento das doenas endmicas. O povo erainculto e doentee a sociedadej dera provas suficientes deque, espontaneamente, no se poria fima essasituaode calamidade. Atnicadadcadade1910foi sendo revigorada comas receitas cientficas. Todas as iniciativas pblicas tiveramque se justificar segundo parmetros dos avan-os cientficos da poca. A educao no esca{)pu dessa onda, e foi umdoscampos ondea cincia moderna teve maior acolhida como justificativade proposras de reformas. Ogrande problemadoBrasil,o analfabetismode praticamente 80%desuapopulao,aparece como 2829. HELENA BOMENY OS INTELECTUAIS DA EDUCAO umacondenao ao projeto republicano. Diante dele, eclodiramsugestesdealfabetizaointensiva,umatentativade fazer, emumpar de anos, o que no haviasido feitoemsculos. Chegou-seaconsiderar emSo Paulo,comaReforma SampaioDria(1920), por exemplo, aconcentraodo ensino primrio emdois anos paraque, emtempo menor, ummaior nmero de pessoas chegasse ao conhecimento elementar das letras. Essamedida dogovernopretendia sejustificarno seguintedilema: qual amelhor soluoprovisriaao problemado ensinoprimrio? O ensino primrio in-completo paratodosou oprimriointegral paraal-guns? Oreconhecimentoda precariedadeeducacional motivouaplataformade atuao das Ligas deDefesaNacionalespalhadaspelosestadosda federao.As Ligas desempenharam umpapelimportante nalutapelaeducao popular, como projeto dealfabetizao em massada populaoe adisseminaoda escolaprimria.Os integrantes das Ligas estavamconvenci-dosdequeoproblema brasileiroera resultadodavalorizao indevidados sentimentos emvez darazo, na conduodavidasocial. Nossosentimentalismo impedia que chegssemos ao conhecimento mais pre-ciso sobreasituaosocial dopas.Faltavam-nosos dados confiveis.Paracorrigirtal distoro,anao deveriase empenharemumacampanhanacional pelaalfabetizao emmassa. Oremdio pareciamilagroso: alfabetizando-seapopulao,corrigiam-se de pronto todas as mazelas que afetavama sociedade brasileira emsuaexpressivamaioria. Acriaoda AssociaoBrasileiradeEducao ( A B E )e o movimento dos reformadoresdadcada de 1920,conhecidocomo movimento daEscolaNova, foramrespostas crticas a esse tipo mais imediatistae pragmtico de soluo parao grande problemanacio-nal.Em1924,umgrupodeeducadores brasileiros reunia-se no Rio de Janeiro paracriar aA B E . I mbudos dos ideais renovadores,mobilizaram-se pelaA B E edu-cadores como Heitor Lira, Jos Augusto, Antnio Car-neiro Leo, VenncioFilho,Everardo Backeuser,Ed-gard Sssekind de Mendona e Delgado de Carvalho. No eraumrgo de classe, mas umaorganizao que encarnava ummovimento. Tinhacomo objetivo in-fluirnaimplantaodepolticasparaaeducao. A A B E abrigou emseu programade debates econfern-ciasaelite doseducadores queseempenhavamemdifundirnoBrasilos avanos no campo daeducao emvigor naEuropae nos Estados Unidos. A cincia se punhaaservio damelhoriadaeducao brasileiraembases mais sistemticas. O movimento daEScolaNova asntese mais acabada desse empenho. A A B Eincluiu emsua agendade debates e confern-cias acrticaao "fetichismo daalfabetizao",defen-dendoumprogramade educao integral. Educao integral capaz de modernizar o homembrasileiro, de 30 HELENA BOMENY transformar essa espcie de "Jeca Tatu em brasileiro laborioso, disciplinado, saudvel eprodutivo". Os ho-mens queintegravama cruzada daA B Erepresentavam-secomo homensesclatecidos,bem intencionados ecomprometidos em solucionar o grandeproblema na-cional. Moviam-sepela crena iluminista detransfor-mar mentalidades atravs do grandeprojeto reforma-dor da associao. As conferncias nacionais quepro-movia eram verdadeirosplosdeaproximaodos educadores detodos os estados. A Associao Brasileira deEducao agregou educadores ereformadores queengrossaram as fileiras do prprio movimento da Es-cola Nova entrens. Vigorouo princpio da cincia comoorientao fundamentaldos procedimentos deinovao.E a cincia moderna, especialmentea psicologia, divul-gavasuas descobertasemfavordaobservaoeateno s diferenasindividuais como recurso i n-dispensvelaosucesso de qualquerprogramadeaperfeioamentohumano. Observandoas diferen-as,asnecessidades,osinteressesindividuais,os reformadores teriam grandepartedeseu empreen-dimentobem-sucedido.Mui tose derivoudesseprincpio.Comoconheceressestalentos?Como apurar as diferenas? A psicologia oferecia cincia daeducaoassugestesdostestespadronizados parasechegars vocaesindividuais.(Qualdens no ouviu falar dos testes deaptides vocacio-32. os INTELECTUAIS DA EDUCAO nais?) Mas tambma educao convencional teria que se submeteraosprocedimentoscientficos. Houveento uma onda desereler a pedagogia pelo figurinodacincia.AEscolaNova foiumdos movimentos quesevestiu deacordo com essa moda. Essegrandemovimento traz cena pblica os edu-cadores quemarcaram o primeiro sculo darep-blica brasileira. AnsioTeixeira, em carta de 1936 aMonteiroLobato,realao papel dacinciana reconstruodoBrasil:"(...)Essagente s s porquesenutrebem. E quea nutrio intelectual to precisa quanto a material. (...) Ora, a nutrio dehoje o pensamenro elaborado vista do avano dascinciasedademocracia..."Aconvicodo educador seconstruiu na familiaridadecom mode-losque consideravaexemplares,especialmente, como se sabe, o modelo norte-americano. Os exemplos sempre lembrados^ s no sculoX I X , eno antes, que, nos pases centrais, cria-seuma correspondncia entreaideia deconstru-o deEstado-Nao ea montagem desistemas pbli-cos deeducao. Historicamente, no quadro das revo-luesmodernas(RevoluoIndustrial,Revoluo Francesa eRevoluo Americana), as orientaes queseimptimiram educao responderam a problemas HELENA BOMENY especficos da ordemsocial de cada um desses pases. Emalguns pases europeus, auniversalizao do ensino bsico foi umdos instrumentos de superao dedife-renas locais, remanescentes do feudalismo. Os siste-mas escolares acabaramse tornando umavarivel cru-cial,emtermossociolgicos,se quisermosperceber formas diferenciadaspelas quais os pasesmodernos implementaram seus projetos de Estado-Nao. O exemplo francs sempre lembrado, pela respon-sabilidade que l se atribuiu escola no empreendi-mento daconstruo nacional. A Frana se insere entre os pases que conseguiramuniversalizar dez anos de ensino obrigatrio. A escola elementar corresponde aos nossos quatro primeiros e o collge, aos nossos quatro ltimos anos do ensino fundamental. A escolaridade naFrana obrigattia dos 6 aos 16 anos, estendendo-se do pr-elementar ao liceu. O desafio do sculo X I Xintegrar alunos de localidades distintas dentro do pas, forjando entre eles umelo cultural comum, umsentido unvoco de nacionalidade, foi bem-sucedido. A educao escolar funcionou naFrana como umdos mais permanentes instrumentos de socializao de va-lores. O contraponto interessanteao exemplo francs so os Estados Unidos. H quemdiga que eles no tmumsistema educacional. So muitos os telatos que refor-am essaconvico. Dentro do prprio pas, discorremos narradores,convive uma imensa pluralidade com 34 osINTELECTUAIS DA EDUCAO lodo tipo de prtica que se busque. Tal crena encon-i i ou nos intelectuais fonte segura de disseminao. Ao menos esta aconvico de George Counts: A educao nos Estados Unidos jamais foi imposta de cima.Primeiro, como colonos aolongo dolitoral atlntico, e mais rarde como pioneiros nas terras bra-vias do inrerior, o povo levou consigo as suas institui-es para onde quer que fosse. Foi desta maneira que estabeleceu as suas escolas, cada comunidade fazendo o que lhe parecia conveniente. Nenhumgrande esta-dista,nenhumaordemsacerdotal,nenhuma classe intelectual,nenhuma comissodesbios,nenhumgoverno centralizado inventou o sistema de educao americano. Sejamquais foremos mritos e os defeitos que possua, a obraautntica do povo. Para nos convencer de seu argumento, Counts faz umadigresso histiia do povo americano, realando a singularidadedaquelepasdesde seuprocesso de colonizao. Os Estados Unidos encorajaramo maior fenmeno de migrao dahisttia, traduzido emuma cifradeaproximadamente40milhesdehomens, nudheres e crianasno perodo que compreendedo comeo do sculo X V I Iat a metade do sculoX X .Mas o ponto mais impottante para aconclusode que a educao americana reflete a obra do povo est no tipo de imigtante que aquelepas recebeu, sugere George 35 HELENA BOMENY Counts. Pessoas comuns, no sentido dequeno ti-nhamriquezanem estado sociah pobres, oprimidos eperseguidos do Velho Mundo, davelhaEuropa. Esserelato partesubstancial danarrativa deconstruo do iderio daquelepas, e foi selecionado por ser de autoriadeCounts, umdos intelectuais norte-americanos queestreitou relaes comAnsio Teixeira, estendendo-as ao grupo deeducadores emviagem aos Estados Unidos por indicao esuperviso deste. No havendo, portanto, umsistemadecolonizao apartir deumEstado, ou deumaelitepoltica organi-zada, asociedadequeseformou nos Estados Unidos tevequelidar comoutros desafios. As 13 colnias quecompuseramafoderao norte-americanaconsidera-vam-se estados independentes, efizeram prevalecer aideia dequecadaumadelas deveriaser respeitadaemsuasobetania. A ideia denao americana, diforente dafrancesa, no consistia, portanto, no estabelecimento deumaestruturacomumapartir do Estado, mas namanuteno das diversas soberanias, comigual sentido depertencimento ao conjunto maiot. E emborao governo federal tenhadesempenhadoimportantepa-pel no desenvolvimento dealguns aspectos daeduca-o americana, eaguerracivil entte estados do sul enortedopas(1861-65) tenhamobilizadoesforos paragarantir fundos federais considerveis paraaedu-cao pblica, no sepodedizer, emsetratando dos Estados Unidos, queaeducao sejamatria degover-36 os INTELECTUAIS DA EDUCAO I . i cnttal. Pelo menos, no identificada dessaforma. \o essencialmente umafunodecadaiM.ido daFederao,individualmente, emais, cominvulgar independncia dos prprios distritos. Essamaneiradepensarteveumimpacto muito j;rande sobreaforma como seorganizou aeducao nosEstadosUnidos.Se oprincpioque rege aorganizao dasociedade o princpio daigualdade, liindamento dademocracia, apopulaotetiaqueu racesso abenefcios bsicos deforma equivalente. E.stabeleceu-se,assim, queo sistemade educao .seriao deescolagratuita,semtaxas de matrcula, c daescolacomum, frequentada pot todos os seg-mentos dapopulao. Umnico sistemaeducacio-i i .il deveriaatender atodaapopulao. Nos Estados Unidos,apenas nosestados dosulesctavistafoi possvelencontraraexperinciadesistema dual, criadonaEuropa, comprogramacurricularresu-mido paraas massas eextenso paraas classes supe-riores. A GuerradeSecesso podeser compreendidacomoaradicalizao dessaseparaoquemarcou adiferenaentreos estados do sul eos estados do norte.i Odesfecho daguetracivil consagrou avitria do nortesobreo sul escravistaefortaleceu aindamais o quepretendiamfosseo ideal norte-americano dena-o. No final do sculo X I X ,quando aRepartio do Censo anunciou o fechamento dafronteirageogrfica 37 HELENA BOMENY smbolo das oportunidades econmicas abertas no incioda colonizao, opasjsemovimentavarapidamenteem direo urbanizao eindustrializa-o,umanovacivilizaoquedependia basicamentedaescolanapreparao dos americanos paraas muitas ocupaes. O ensino primrio e, tambm, o secund-rio, com forteorientao prtica etecnolgica, flores-ciam evigoravam no pas denorteasul. O contrastecom aexperincia brasileira marcante, quer recuperemos o modelo francs, quer nos fixemos no projeto norte-americano. No final do sculo X I X ,o Brasilestava muitodistantedo ideal departcipao social dehomenslivres. Intelectuais reformadores Os intelectuais sevalem demuitos expedientes parasecomunicar efazerpblicas suasideias.Osencontros nos bares, abomia, os espaos sociais demanifestao deopinies,aimprensa, as universidades, os eventos culturais, tudo isso alimentaatrocadepontos devista, aconfirmaodeconvices, as disputas eo brilho daconstelaodaquelesqueseorientam pelaatividadeintelectual. Antes do avano datelefoniae, posterior-mente, do reinado definitivodainformtica,as cattas foramosprincipais instrumentosreveladoresdessa38. osINTELECTUAIS DA EDUCAO 11 oc;i. A correspondncia ttocadaentreamigos, portan-to, os documentos mais ntimos, revelam o queMon-teiro Lobato quis chamar a"irmandade" entteos queS C afinavam pessoalmente.Disputadas, esperadas com ansiedade, as cartas so confisses decrenas, desabafos dc sentimentos. Mas so igualmenteumafontedocu-mental inestimvel. A correspondncia entreos educa-dorespode servistacomoum verdadeiromapa do ntovimento em prol daeducao no Brasil. Aprende-mos muitocom elas.Revisitamos movimentos, atri-bumos vida aos procedimentos impessoais dos decre-tos e pareceres, humanizamos processos queo tempo ca rotinaburocrticaimpessoalizaramprogressiva-mente. Aprendemos com as cartas, por exemplo, queMon-teiro Lobato foi umaextraordinria figuradeligao entreeducadores.Por ocasio davolta deAnsioTei-xeira ao Brasil, em 1929, Monteiro Lobato escreveao amigo Fernando deAzevedo: Fernando. Ao receberes esta, pra! Botaptafora qual-quer senador queestejaapotrinhando. Soltao pessoal dasalae atendeao apresentado,pois ele o nosso grandeAnsio Teixeira, ainteligncia mais brilhanteeo melhofcorao quej encontrei nesses ltimos anos daminhavida. O Ansio viu, sentiu ecompreendeu aAmricaeeleteditao querealmentesignifica essefenmenonovo no mundo... 39 HELENA BOMENY Odilogo entreAnsio Teixeira eFernando deAze-vedo aberto por Monteiro Lobato foi dos mais perma-nentes.As cartas s seinterromperams vsperasda morteabrupta deAnsio em1971. Lendo a correspon-dncia, somos levados a crer queFernando deAzevedo manteria a conversaat o final desua vida, em1994. s vezes, transportando-meempensamentoaos dias deminhainfncia,tenhoaimpressodeencontrar entreos meuscompanheirosdeidadeomeu caro Ansio, queh trs anos trouxe minhapresena amo generosa deMonteiro Lobato. Ele sabia edeclarou emsua carta quenos totnaramos grandes amigos. Ointeressepelaeducaoea comunidadedeideias completarama obra quea simpatiarecproca iniciou, totnando indissolveis, pela mais profunda solidarie-dadeintelectual, os laos apertadospelafora da co-munho desentimentos. Nacorrespondnciaentre esses intelectuais-educa-dores aprendemosao menos duas coisas a respeito do cenriobrasileiro encontradonasdcadasde 1910 e1920,dcadas demobilizaopelaconstruo da na-o.Primeiro, a agudaconscincia quetinhama res-peito daextenso da "mancha" nacional o descaso coma educao eos ndices histricos deanalfabetismo como responsveis por umadoena deefeitos perversos sobreaconvivncia humana edemocrtica.Segundo, 40. osINTELECTUAIS DA EDUCAO I1l i amos contato comumacrena, nunca mais reedi-i . id,i comtal fora, dequeemsuamisso deintelectuais iclormadotes poderiam, pelaeducao, salvar o Brasil. II ma verdadeirareligio cvica tomou aqueles homens d.isletras,da educao,dapsicologia, dascincias ociais. As inspiraes queos moviamj encontramos ii. iprimeirarefernciade MonteiroLobato.Ansio I I.iria a Amrica como exemplo a ser pensado desocie-d.uledemocrtica quej solucionara politicamenteseu pioblema comaeducao. Umpas, diria eleemoutra ituao, quemostrava ser possvel juntar pobres e ricos emuma mesma escolapblica, equeo encantara comi.sso. DevoltaaoBrasilem1928, Ansiofala desua experincia nos Estados Unidos como uma verdadeira "converso".Acompanhandosua correspondncia pessoal, possvel comprovar suainfluncia junto a umgrupo maior deeducadoresno sentido depersuadi-los .1tambmusufruremda oportunidadedaquela expe-rincia intelectual. A emocionadarecomendao deLobato a Fernando lie Azevedo renderia frutos. A itmandadecresceria. Seu arquiteto teria papel inestimvel nessaconstruo. Emcarta aAnsio Teixeira, datada de1929, Lobato diria sobreFernando deAzevedo: Fernando emsi uma obra d'arteda natureza etudo quanto delesai vemcom essecarter deobra d'artequecomtanta justezalhe notastena obra queempreendeu HELENA BOMENY no Rio.Quanto mais a fundo o coniieceres mais me agradecers o ter-te revelado esseadmirvel irmo da grande irmandade. Prevejo que do encontto de ambos bons frutos ho de surgir. E de fato, surgiram. Ocontato comMonteiro Lobato vemdos tempos deAmrica. E a conversa dos dois sempremesclada pelo culto civilizao norte-americana, ao "afofamen-todapaina cerebral[que] s aAmricad...",nas palavras de Monteiro Lobato. Ansio se transforma emespcie de evangelizador dessa troca comaAmrica, promovendoaidae apresentandoformalmenteos educadores brasileiros aos centros acadmicos dos Es-tados Unidos. "(...) Depois, temos sempre presente que somos seus enviados e que desejamos cumprir amisso a seu contento...", confirmaLoureno Filho emcarta de 30.1.1935 aAnsio. A paixo pelos Estados Unidos os aproxima de So Paulo. "No vivia eu a dizer-te que So Paulo no era Brasil? Que tudo l j estava inteitamente ganho pela corrente dacivilizao? Sempre quefalvamos do Brasil eu exclua So Paulo e agora pudesteverificarque a Monteiro Lobato se refere atuao de Fernando de Azevedo naReformaEducativadoDistritoFederalem1926,frente daInstruoPblicadoRiodeJaneironagestodoprefeito AntnioPradoJinior. 42 OS INTELECTUAIS DA EDUCAO IO me assistia", diz Monteiro Lobato aAnsio Tei-xeira emresposta a uma carta onde este falava de sua vl.igcmaSo Paulo. Os comenttios azedos a respeito dl) Rio de Janeiroesto na mesma correspondncia: "Dmfenmeno de parasitismo consciente e organiza-tin, que emnadacr, pilhria a propsito de tudo, temf',i.ia, leve e por isso tudo terrivelmente venenoso e ciivcnenante. EmSo Paulo notas por todaa parte uma l bemprxima da que observaste no ameticano..." Os Estados Unidos foram, indiscutivelmente, boa fonte de fundamentao do movimento renovador daeducao brasileira que recebeu tambmaqui o nome deMovi-mento da Escola Nova. A Escola Nova, inspirada emgrandemedida nos avanos do movimento educacionalnorte-america-no,mastambm deoutrospaseseuropeus,teve grande repercussonoBrasil.Osideaisquelhe deramcorpo foramsempre inspirados naconcepo lieaprendizadodoalunoporsimesmo,Kporsua capacidadedeobservao, deexperimentao, tudo issoorientadoeestimuladoporprofissionaisda educaoque deveriamser tteinadosespecialmente para essefim. Duvidando dosmtodos convencio-nais, acabava questionandotoda uma maneira con-vencional doagirpedaggico. O Movimento da Escola Nova no Brasil se empenha emquestionardiretamenteadisperso dos aconteci-mentos,a fragmentaodasinformaes,aforma 43. HELENA BOMENY como se conduziu aeducao no Brasil do incio da Repblica. Mas o prprio movimento reflete essafrag-mentao. A efervescncia das reformas que pipocarampelo pas confirma a impresso de quea dcada de 1910 havia preparado umambientecrtico para que alguma poltica mais efetiva interviesse emfavor da melhoria daeducao. As reformas de So Paulo (1920), Cear (1922-23),Bahia(1928), Minas Gerais(1927-28), Pernambuco(1928), Paran(1927-28), Rio Grande do Norte (1925-28) e o ento DistritoFederal (1922 e 1926) ficaramassociadas definitivamente aos educa-dores reformadores. A fragmentao do movimento foi observada por Fernando de Azevedo, umde seus lde-res. Transitavamentre os educadores as interpretaes mais variadas das correntes e doutrinas pedaggicas sob a mesma siglagenrica de Escola Nova ouEducao Nova. As inmerasreformas de ensino dadcada de 1920,nos mais diferentes e distantes estados da Fede-rao,refletem essa diversidadede orientao.Mas refletemigualmente o dinamismo e ainquietao emresponder ao desafio de apagar a mancha danao. A preocupao com essadisperso, coma"confuso doutrinria", como a quis chamar Fernando deAxtwe.-do, influiu muito naparticipao efetiva dos pioneiros nos rumos dapoltica nacional para aeducao da era Vargas. O primeiro governo Vargas (1930-45) avanou o processo de montagemde umsistema educacional. Os pioneiros tiverampapel relevante na defesa de um- 44 IAnsioTeixeira(deculos)eMonteiroLobato( suaesquerda). I sU.losUnidos,dcadade1920.O pragmatismonorte-amencano | ,umaforteinfluncianodebatesobreosrumosdaeducao iiiilirasildoscul o XX. (ONSTBUCAO NO BRASIL/ ^^ Al il 'l )VO (tl l VK K NO MANI K K STODOS nuNK l K DS2.Capadolivro Manifestodos pioneirosdaeducaonova,So imK i . ucA o M. VApg^i^^ Companhia EditoraNacional, 1932.'Assinadopor26educadores, omanifestodefendiaaeducao mft^^^Trmsmmmpblica,gratuitaelaica. > r r O a; n O o: Q_a; n 1 CD330 o'3' 3C 3 'yi 30Q. Q: CL n>n oCO a; CD ro CL n>=: CD CO H) 312: o. rc CD < Cl ro CU 'JQ-t/1-a J > JC 03 c 0o: DC 3: tu o"C2: Q. 3' O. H)30^ .rD C13 O 3 Q-O "D ra0n>Q-O "D ra OLOO-3os INTELECTUAIS DA EDUCAO lUtcma nacional deeducao, eo ps-1930 acabou set oiistituindo em umverdadeiropalco dedisputa deoiiintaes para a definio dos rumos da educao no pas. Os renovadores tiveram suas propostas vencidas, eo perodo ps-1935, incio do autoritarismo queteria MO listado Novo (1937-45) suamanifestaoformal, .iiingiudiretamente AnsioTeixeira. Apsa revolta i oinunista denovembro eapriso do prefeito do Rio, 1'cdro Ernesto, sob aacusao deenvolvimento com a Aliana Nacional Libertadota(A NL ), Ansio destitu-ilo da funo desecretrio-geral deEducao eCultura da capital federal. Omovimento renovadorabsorveumuito dos mo-delos externos. Defato, as inspiraes semesclaram na plataformado movimento.Da^Frana, os pioneiros retiveramaconvicodequeera precisocriar um sistema nacional deeducao sob a liderana econdu-o do Estado. Dos Estados Unidos,mantiveram o exemplo daextensodemocrtica com apropagao deuma escola pblica,laica egratuita. Mantiveram tambmacrenadequepelacincia seconstruiria educao dequalidade. A mescla desses doismodelos nas variantes apontadas nfaseno sistema, no papel do Estado, nacincia enareestruturao da sociedadepela educao aproximou um lequeamplo deinte-lectuais deorientaes ideolgicas muito distintas queestiverams voltas com o empreendimentodo ps-1930. .45 HELENA BOMENY Dcadas de reformas: o Estado na dianteira AcriaodoMinistriodaEducaoeSade, em1930, umsmboloimportantena reorientao da educao no Brasil. Foi a primeira vez queseassistiu a umgrandeempenhopela institucionalizao deuma poltica para o setor. OEstado liderou o programa geral dereformas como objetivo decriar uma unidadedeorientao,desistematizarumconjunto deprocedi-mentos quefossemreferncia emtodo o pas. Francisco Campos, jurista mineiro, ocupou a pri-meira pasta deministro da Educao, em193J), emumacordo queseestabeleceu entregoverno federal eforaspolticasdoestadodeMinasGerais.Omovimento renovadorcomeava a ver contemplada sua demandapoltico-pedaggicadecriao deumsistemanacionaldeeducao.Acorrespondncia doseducadoresregistraoconvitedoministro a Ansio."(...)Estoudispostoaaceitarumdesses lugares quecheguei mesmo a candidatar-meperanteoministro",escreveAnsioaLourenoFilho.Oeducadorbaianofala de"grandes coisas a iniciar". E,seo queestavaemjogoeta acriaodeumsistemanacional, a Reforma de1931 foi a primeira sinalizaosubstantivanessa direo.Quebrava-se, assim,afragmentaodequefalavaFernandodeAzevedo, a pulverizaodereformaspelosdiversos estados brasileiros. Francisco Campos teria vida cur- 46 . os INTELECTUAIS DA EDUCAO I I no Ministrio da Educao: deixa-o emsetembro Ic1932, sendo sucedidopor WashingtonPires. A definio deumprograma educacional para o pas implica muitas escolhas erecusas. So muitos os atores I | i i e tminteressenesseprograma. A Igreja catlica, por cmplo, interferiu ativamenteemtodo o processo deI I lorma educativa do ps-1930. Dona deuma rededeescolas emtodo o pas, econscientedeseus interesses como formadora dementalidades econdutas,correu 1 omoutros setores da sociedadeque, igualmente, seempenharamemintervir no processo dereformulao. ()s educadores pioneiros estavamno centro das discus-ses. Tinhamsuas propostas formuladas desdea dcada de1920 eexpressarampublicamenteseu iderio no Manifesto dos pioneiros da educao nova, publicado em1932,redigido por FernandodeAzevedo eassinado por 26 educadores brasileiros integrantes do movimen-to de"renovao educacional". Defendiamcomfervor cvico aescola pblica,gratuita e laica. "Ser a primeira vez queeducadores no Brasil eno momento mais gravedesua histria seapresentamcomumprogra-ma dediretrizes definidas, enquantovolta deles semultiplicamesebaralhamas opinies, fluidas eincon-sistentes (...)", escreveAzevedo a Ansio em25.2.1932. O Manifesto de1932no seria mais deumautor "(...) j meesqueo dequefui eu quemo escreveu (...)". Oempenhopeladivulgaona imprensanacional, pelaassinaturademais figuras pblicas,a busca de. 47 HELENA BOMENY solidariedade eadeso ao programa de que oManifesto expresso, tudo isso est registrado nas cartas de 1932. OepisdiodoManifesto dos pioneiros mais ummomento emque se cruzamos dois modelos inspira-dores dareforma educativa. Seguindoatradiodo pragmatismonorte-americano,Ansio defendiauma reformaquedemocratizassea educaosegundoo princpio de reconhecimento dainteligncia do senso comum.Fiel verso francesa,Fernando de Azevedo distinguiria empapis muiro distintos a massa ea elite, confiando ltima o papel civilizador: "A massa, como sempre afetivae instintiva, deixa-se governar mais pelos seus sentimentos do que pelas ideias. O que falta no o pensamentoclaro de umaelite, capaz de lhe trans-mitir umideal novo, emcujasubstncia vivamas foras que elaborama novacivilizao?", perguntou a Ansio Teixeira em30.10.1932. Os pioneiros confrontaram-seimediatamente coma propostadaIgreja de fortalecera rede privada de escolas confessionais e de garantir a obrigatoriedade do ensino religioso emtodo o sistema educacional. As trs Constituies brasileiras (1891, 1934 e 1937), em seus artigos72,153e183,respectivamente,ilustrama pressodaIgreja catlicapara imprimirrumosna educao.Na Constituiode1891, definiu-seque seria leigo o ensino ministrado nosestabelecimentos pblicos. NaConstituio de 1934, ameno ao ensi- 48. osINTELECTUAIS DA EDUCAO 111 religioso feitacomuma alteraoemfavor da Igreja: seria facultativo, e de acordo comaconfisso de l, manifestada pelos pais ou responsveis, constituin-do matria dos horrios nas escolas pblicas primrias, secundrias, profissionais e normais. A Constituio de l')37determinou que o ensinoreligioso poderia ser i ontemplado commatria de curso ordinrio das es-colas primrias, normais esecundrias: no poderia se constituir objeto deobrigao dos mestres ou profes-sores, nemdefrequnciacompulsriapor partedos .ilimos. Os trs aspectos ensino leigo, obrigatoriedade do Estado emgarantir educao a todos ecoeducao constituramo pomo dadiscrdia entre os educadores que acorriams conferncias daA B E . Temos ento, de umlado, os que promoviame lideravamas reformas e, dc outro, os que, emsua maioria catlicos, combatiam, acima de tudo, os trs aspectos acima mencionados. AspressesdaIgreja foramintensas emtodoo perodo de 1930-45. A gesto Gustavo Capanemano Ministrio daEducao eSade (1934-45) teve que dialogar e negociar comas lideranas catlicas ao longo de todo o perodo deatuao ministerial. A interven-ono serestringiu aumdeterminadoramodo ensino,masa todo o projeto, afetando,inclusive, a reformauniversitria,anomeaodos dirigentes de secretarias deeducao etc. HELENA BOMENY Oconfrontodosrenovadorescomaliderana catlica deu-se no campo do debate entrecorrentes de pensamento comfundamentosmuito distintos. Osliberais,comosquaisospioneirosdaEscola Novaqueriamseridentificados,reivindicavamos direitosdoforontimodiantedaspretensesde todas asigrejasestabelecidas.Foi conflituosaa re-lao entreliberais e autoridadesreligiosas. Para os primeiros, o Estado deveria abster-se de colocar seu braoseculardisposiodeumaortodoxia, seja elapolticaoureligiosa. Estabelecera obrigatorie-dadedoensinoreligiosonaredeescolaruma dessas heresias contra a qual a matriz de pensamento libetalse rebelou. Asreaesdalideranacatlicaaos pressupostos liberais nos anos 30 tinhamseu fundamento emoutras linhas deconvico. O individualismo que se espraiava na sociedade comofrutode suamodernizaoera a bandeirado liberalismo e fonte de sua defesacomo iderio poltico e social. A Igreja catlica reage negati-vamente a essecorolrio. Ao contrrio da crena liberal de que a sociedade seconstri pelo resultado do con-ttato estabelecido por indivduos livres eautnomos, a Igreja compartilhava a crena de que a sociedade mar-cada pelo individualismo se torna vulnervel desagre-gao. Ossegmentos conservadores maisinfluentesda Igrejacatlicanadcadade1930viam no libera-50. osINTELECTUAIS DA EDUCAO l iM U ) individualista a mesmaameaa de desagrega-, I O queatribuamao comunismo. Serindividualis-i .i ,liberal,era se insurgir contraas normassociais, eracontribuir paraa desagregaosocial oque afmalseriato contestadorquantoa propostaso-cialista deinterveno. Os pioneiros foram acusados dc serempartidriosde doutrinascontrriasao i n-teresse nacional. Foram acusados de comunistas.O (|iisdiodofechamentodaU niversidadedoDis-tritoFederal( UDF) ,em 1939,ilustradefotma exemplarainterfernciadesetores conservadores daIgreja,pocalideradosporAlceuAmoroso Lima, no alinhamento ideolgico do ministrio Ca-panema. Ansio Teixeira era reitor daUDF poca. A universidadefoi fechadasob a alegao de afini-dadedoeducadorcomosprincpioseosideais comunistas. A carta deAnsio Teixeira a Lobato de 7.7.1937 umtestemunhoeloqiiente da hostilidade que secriouentre pioneiros e educadores catlicos, nominalmentecitados,Tristode Atade(AlceuAmorosoLima) ,ArlindoVieirae o padre Leonel Franca.Ocurioso que,paradoxalmente,ospio-neiros,acusadosdecomunistas,pretendiam ser identificados como florescimento de uma sociedade capitalista, liberal e de livre-mercado no Brasil. Haja vista a inspirao que forambuscar nasexperincias norte-americanae dealgunspasescapitalistaseu-ropeus. 51. HELENA BOMENY Ministrio das reformas e dos reformadores A importncia do ministrio Capanemana histria da educaobrasileira pode sercompreendidaporseu conjunto deiniciativas. Foi naqueleministrio queseinstitucionalizarampolticasreclamadasemdcadas anteriores, capazes de sustentar um sistemaorgnico deeducao nacional. A Reforma do Ensino Secund-rio, em1942, a Reforma Universitria, com o estabe-lecimento deum padronacional deorganizaodo ensino superior, a Nacionalizao do Ensino, a criao do Sistema deEnsino Profissional, o chamado sistema paralelo o complexo deservios detreinamento para atividadeseconmicas(Senai,Sesi,Senac, Sesc) , tudo isso ganha forma eorganizao na era Vargas, sob alideranaprimeiro de FranciscoCampose,mais longamente, deGustavo Capanema.Ficaram penden-tespataa reabertutapolticade 1946 aslegislaes sobreo ensino primrio eo ensino normal, ou seja, as duas pontas do segmento da educao bsica: alunos eprofessores.Dequalquer forma, ainda querenha pre-valecido a orientao conservadoraeelitista, as linhas mestras em torno das quais semovimentou o sistema educacional brasileiro foram definidas e desenhadas no ps-1930, mais profundamenteno ministrio Capane-ma. Mantendo a tradio brasileira deformar a elite, o ministrio Capanema promoveu a Reforma do Ensino 52. osINTELECTUAIS DA EDUCAO . iindrio de1942, priorizando a orientaoclssica liiimanista,reservando a formao profissional etcni-i . iaos"necessitadosdamisericrdiapblica".Mas deixa intocado o ensino bsico. O governoenfreifaria () ensino bsico, sim, como alvo depoltica denacio-i i . ilizao. Estecaptulo queo Estado Novo transforma c m questo desegurana nacional tem seus anteceden-tes no movimento imigratrio do final do sculo X I Xena ameaa quencleos estrangeirosrepresentavamao projeto deintegrao nacional com suas escolas tnicas. ()governo brasileiro interveio nasprimeirasdcadas da Repblica, para impedir queas escolas estrangeiras prosperassemequeos ncleos estrangeiros seimpuses-sempelaautonomiaepreservaodesuasprprias culturasdentrodoterritrionacional.Efoi sobo Ministrio Capanemaque, em 1938, a poltica nacio-iializadora teveseu termofinal.Oepisdioficouco-nhecidonahistriapolticaedaeducaobrasileira como "nacionalizao do ensino". Ps- guerrae democratizao Ops-guerra, no final da dcada de1940,surpreendeo Brasil em uma direo mais complexa. A redemocra-tizao de1946, traduzida na Carta Constitucional do mesmoano, conferia contedosocial ao liberalismo: assegurava direitos egarantias individuais inalienveis, 53 HELENA BOMENY impregnados do esprito democrtico, mas comprevi-so clara deinterveno do Estado paraassegur-los. Tratava-se de umliberalismo sustentado nas doutrinas sociais do sculoX X ,e no mais na doutrinaeconmica liberal desculos anteriores, elitista, aristocttica, res-trira a umnmeromuito reduzido de segmentos so-ciais. O Estado chamado aintervir e garantir educa-o para todos, distinguindo suaatuao daquela pre-vista naConstituiode1937, pela qual se abria ao setor privado concesso significativa para investimento emeducao. Apressoporeducaoaumentanofinaldos anos 40. O contexto democratizante dops-guerra legitimaademandade benefcioseducacionaisa segmentosmaioresda populao.Osentido estri-tamente pragmticoconferido educaocomo qualificaode mo-de-obravai sendoampliado em uma dimensopolticademais acesso dapo-pulaocarenteaosbenefciospblicosgarantidos em umEstadodeBem-estar.Oscursosprofissio-nalizantes,emcertamedida,respondiampelade-manda social eeconmicadequalificaode mo-de-obra,e as prprias empresas tratavamde prover o treinamento de seus operrios para o trabalho nas fbricas.Mas outro tipo de demandaganha flego nasdcadas de1950 e 1960: demandaporpartici-pao poltica e social, para o que aeducao parecia sero caminho mais promissor. 54. osINTELECTUAISDA'Et)tCAO ()s princpios democratizantes daeducao presen-icv na Carta de 1946 inspiraramno ento ministro da l',