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Boletim OPSA | n.4, out./dez. 2014 |

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Boletim OPSA

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  • Boletim OPSA

    | n.4, out./dez. 2014 |

  • Observatrio Poltico Sul-Americano

    O Observatrio Poltico Sul-Americano - OPSA

    um ncleo de referncia destinado ao monitoramento e

    registro de eventos polticos nos planos interno e

    externo dos pases sul-americanos. Suas atividades

    principais envol-vem a coleta e sistematizao de

    informaes relativas aos processos polticos dos pases

    da regio, bem como a elaborao de anlises pontuais

    sobre aspectos e problemas das con-junturas domstica

    e internacional da rea.

    Coordenadora Acadmica

    Maria Regina Soares de Lima

    Ph.D. em Cincia Poltica pela Vanderbilt University

    Assistentes de Coordenao

    Regina Kfuri

    Tatiana Oliveira

    Assistentes de Pesquisa

    Clayton Cunha (Bolvia)

    Ana Carolina Vieira de Oliveira (Argentina)

    Gabrieli Gaio (Paraguai)

    Paula Gomes Moreira (Peru)

    Alessandro Amorim (Equador)

    Fidel Flores (Venezuela)

    Talita Tanscheit (Chile)

    Tiago Sales (Colmbia)

    Francisco Josu Medeiros de Feitas (Brasil)

    Marianna Albuquerque (Uruguai)

    Boletim OPSA

    O Boletim OPSA rene anlises sobre acontecimentos

    de destaque na conjuntura poltica da Amrica do Sul e

    tem periodicidade trimestral. A publicao composta

    por editorial e textos dirigidos a leitores que querem ter

    acesso rpido a informaes de qualidade sobre temas

    contemporneos. As fontes utilizadas para sua

    confeco so resumos elaborados pelos pesquisadores

    do OPSA com base nos jornais de maior circulao em

    cada um dos pases e documentos de autoria de

    pesquisadores ou agncias independentes que

    complementam as informaes divulgadas pela

    imprensa.

    Este Boletim foi elaborado principalmente com base nas

    informaes referentes aos meses de julho a setembro

    de 2014.

    O Boletim OPSA publicado na segunda sema-na do

    ms seguinte aos trs meses a que se refere.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele

    contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para

    fins comerciais so terminan-temente proibidas.

    ISSN 1809-8827

    Instituto de Estudos Sociais e Polticos Universidade do Estado do Rio de Janeiro IESP/UERJ

    Rua da Matriz, 82 - Botafogo - Rio de Janeiro RJ | Tel.: (21) 2266-8300 Fax: (21) 2286-7146

    http://www.opsa.com.br E-mail: [email protected]

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    Cuba e as eleies presidenciais

    na Amrica do Sul

    O capitalismo precisa de adversrios fortes

    o suficiente para civiliz-lo.

    Wolfgang Streeck1

    A data de 17 de dezembro de 2014 entrou

    para a histria. Neste dia Cuba e EUA

    reestabeleceram relaes diplomticas

    rompidas h mais de 50 anos. Mesmo que

    muitos outros passos ainda precisem ser

    dados, inclusive a suspeno das sanes

    que depende de uma deciso congressual,

    claro que o processo no tem mais volta. J

    se tornou lugar comum associar este evento

    ao fim da Guerra Fria e das esferas de

    influncia rgidas que praticamente

    dividiam o planeta em dois. Ainda que a

    carga simblica do gesto tenha o seu valor,

    esta associao pode induzir a erros de

    interpretao.

    Em primeiro lugar, o fim da Guerra Fria no

    final dos 80, se deu em um momento de

    absoluto enfraquecimento do campo

    socialista, mas no foi o resultado de uma

    vitria norte-americana. Em artigo recente

    do embaixador norte-americano na Unio

    Sovitica/Rssia entre 1987 e 1991, fica claro

    que o fim da Guerra Fria deve ser entendido

    1 Entrevista Especial, Capitalismo do ps-guerra est no fim, diz Streeck, Valor, 26 de dezembro de 2014,p. A12.

    com um evento distinto da dissoluo da

    Unio Sovitica. No seu depoimento, Jack

    Matlock Jr. afirma que o fim da Guerra Fria

    foi um processo negociado entre os EUA e a

    Unio Sovitica em uma srie de decises

    finalmente acordadas no encontro em Malta

    em dezembro de 1989, entre os presidentes

    Gorbachev e George H.W. Bush.2 Como a

    dissoluo da Unio Sovitica, que o

    Embaixador faz questo de frisar, um

    evento distinto e posterior ao fim da Guerra

    Fria, induzido por lideranas russas, ocorreu

    logo em seguida, a narrativa dominante,

    inclusive reforada por sucessivos

    presidentes norte-americanos, foi de que os

    EUA haviam ganho a Guerra Fria. Esta

    interpretao e o tratamento da Rssia como

    o pas perdedor pautou a poltica norte-

    americana e de todos os pases ocidentais

    desde ento, com as graves consequncias

    que assistimos h pouco na crise da Crimia

    e na alegao de Putin de que se trata do

    resgate da humilhao a que foi submetida a

    Rssia desde o fim da Guerra Fria.

    A narrativa da vitria do Ocidente se tornou

    hegemnica e se manifestou para a periferia

    na forma das condicionalidades polticas e

    econmicas de imposio ou socializao

    coercitiva das reformas orientadas para o

    mercado e da adoo generalizada de

    modelos polticos de democracia de

    mercado. A narrativa da vitria do Ocidente

    no resistiria emergncia da China no

    cenrio poltico e econmico global, ao 11 de

    setembro e muito menos crescente

    2 Jack F. Matlock Jr, Who is the Bully? The U.S. has treated Russia like a loser since the end of the Cold War, 14 de maro, 2014.

    Editorial

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    contestao das foras jihadistas

    hegemonia poltica e cultural do Ocidente.

    Mais que tudo, o fim da Guerra Fria

    significou o fim de um adversrio forte para

    contestar o capitalismo e de um modelo

    alternativo ao mesmo e assim do incentivo

    de sua configurao como um modelo de

    capitalismo democrtico de bem estar do

    ps-guerra. Ademais, as guerras e os

    conflitos no foram abolidos como se

    pregava na dcada de 90, muito pelo

    contrario, os anos 2000 assistem ao retorno

    do uso da fora e da coero na competio

    geopoltica em campos mais diversos da

    energia s mudanas climticas. Neste

    contexto de grande incerteza dos possveis

    contornos da ordem ps-Guerra Fria, os

    especialistas se dedicam a desenhar os

    caminhos de uma suposta transio que no

    se sabe bem para onde vai chegar.

    Neste quadro, menos relevante enquadrar

    o reatamento Cuba-EUA como o fim

    simblico da Guerra Fria no Hemisfrio

    Ocidental e mais como o fim de uma

    situao excepcional que tanto dano trouxe a

    Cuba e Amrica Latina e o reconhecimento

    tardio do presidente Obama que a excluso

    no a poltica mais adequada quando se

    quer operar mudanas em terceiros pases.

    Tambm reconfortante constatar que os

    conservadores brasileiros perderam um de

    seus principais alvos de crtica poltica

    externa dos governos PT e que tero de

    engolir que a construo e financiamento do

    porto de Mariel foi uma antecipao

    estratgica das mudanas por vir, podendo

    colocar o Brasil em um patamar especial em

    um cenrio de maior abertura econmica do

    pas. Talvez por estarmos no meio do furaco

    da crise da Petrobrs e a descoberta das

    relaes incestuosas e fraudulentas entre

    aquela empresa e as principais construtoras

    do pas, aquela deciso estratgica no tenha

    sido mais enfatizada pelo governo de Dilma

    Rousseff. Tudo o que est ocorrendo sinaliza

    que no regime capitalista reservas de

    mercado tendem a induzir a formao de

    cartis os mais variados. A abertura do

    mercado brasileiro s empresas estrangeiras

    de construo pesada e o estmulo

    concorrncia podem ajudar no

    encaminhamento futuro de solues para

    fazer face s necessidades de investimento

    em infraestrutura no pas.

    Numa analogia com o jogo da galinha, quem

    piscou primeiro Cuba ou os EUA? Talvez

    tenham piscado juntos porque ambos tm

    muito a perder com a manuteno do status

    quo. Cuba, pelo temor de um

    estrangulamento econmico com a provvel

    diminuio do fornecimento subsidiado de

    petrleo da Venezuela em funo da queda

    pronunciada dos preos do petrleo e seus

    efeitos deletrios sobre o pas. Os EUA, por

    verem sua influncia diminuir

    sensivelmente na Amrica Latina,

    excetuando-se alguns dos pases com os

    quais tem aliana econmica militar como

    Mxico e Colmbia, enquanto se fortalecem

    os laos econmicos e geopolticos da China

    na regio no apenas como parceira

    comercial, emprestadora em ltima

    instncia nos moldes do FMI, mas como

    investidora em obras estratgicas de largo

    porte destinadas a garantir um fluxo seguro

    e continuado das exportaes de

    commodities agrcolas e minerais da regio.

    Entre elas, releva a concesso, ganha por

    empresa chinesa com sede em Hong Kong,

    para construir um canal interocenico na

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    Nicargua, entre os oceanos Pacfico e

    Atlntico, num empreendimento orado em

    US$ 40 bilhes.

    A crescente presena chinesa na regio

    constitui uma alternativa, sem

    condicionalidades explcitas, cooperao

    dos EUA, e mais uma opo de negcios para

    equilibrar a tradicional dependncia da

    regio aos EUA. Mas tambm constitui uma

    ameaa de que depois do trmino nos anos

    30 do modelo de insero internacional com

    base na exportao de matrias primas

    minerais e agrcolas se esteja reconstruindo

    em um novo formato os vnculos centro-

    periferia desta feita com o gigante asitico.

    Ademais, a ascenso da China como ator

    global no representa a emergncia de um

    adversrio forte ao capitalismo globalizado

    como foi a alternativa socialista nos tempos

    da Guerra Fria o que poderia gerar alguns

    dos efeitos benficos na constituio de uma

    ordem capitalista democrtica, com base na

    recriao de um estado de bem estar no

    sculo XXI. A China uma competidora dos

    EUA numa ordem capitalista que ela tem

    pouco incentivo para mudar j que dela se

    beneficia bastante. At agora seus objetivos

    tem por base seus interesses prprios em

    termos de recursos energticos e agrcolas e

    tecnologia de ltima gerao. Como

    competidora dos EUA sua presena cria

    mais opes, em especial na semiperiferia e

    periferia, mas no configura um adversrio

    forte como foi um dia a Unio Sovitica na

    ordem da Guerra Fria.

    A reintegrao de Cuba Amrica Latina

    sem qualquer impedimento legal ou

    ideolgico refora o pluralismo poltico e

    econmico na regio, fortalece a

    Comunidades de Estados Latino-

    Americanos e Caribenhos, CELAC, como a

    nica e principal instncia de concertao a

    incluir todos os pases latino-americanos e

    tem efeitos positivos na poltica dentro da

    regio na medida em que sua condio de

    cone de um projeto de autonomia e de

    rejeio de hegemonismos regionais lhe d

    uma dimenso maior que seu tamanho

    efetivo. O fato de que tenha resistido por

    todos estes mais de cinquenta anos

    hegemonia norte-americana sugere que sua

    reintegrao ao hemisfrio no repetir o

    padro de converso absoluta e imediata

    observado na Europa do Leste nos anos 90.

    Tanto quanto possvel, Cuba buscar pautar

    a velocidade deste processo tendo em vista a

    preservao de seus interesses e valores.

    Desta perspectiva, os resultados das eleies

    presidenciais na Amrica do Sul em 2014 so

    um alento. Na Bolvia, no Brasil e no

    Uruguai, os resultados eleitorais, analisados

    a seguir neste Boletim, consagraram a

    hegemonia do Movimento ao Socialismo,

    MAS, na Bolvia, e da Frente Ampla, no

    Uruguai num contexto de disputa com foras

    conservadoras. No caso brasileiro, a vitria

    de Dilma Rousseff foi bem mais apertada o

    que coloca uma interrogante para 2018 a

    depender da capacidade do novo governo de

    enfrentar a deteriorao das condies

    econmicas num contexto de ajuste fiscal e

    maior articulao da oposio no mbito

    poltico e congressual. Na Colmbia, as

    eleies presidenciais reconduziram Juan

    Manuel Santos com 50,9% dos votos e

    devem contribuir para um encaminhamento

    exitoso das complexas negociaes com as

    Foras Armadas Revolucionrias da

    Colmbias, FARCs, na medida em que, ao

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    contrrio de seu oponente, Santos fez da

    continuidade do processo de paz um dos

    pontos chaves de sua campanha. A

    reintegrao de Cuba regio um vetor

    poderoso para que este processo chegue a

    bom termo.

    Cabe observar que a regio muito se

    beneficiou da demanda crescente da China

    desde os anos 2000 e parte desta

    prosperidade acompanhou o ciclo

    ascendente daquele pas na economia global.

    Apesar de estarmos presenciando o fim

    deste ciclo, todos os incumbentes foram

    reeleitos na Amrica do Sul. Um sinal de que

    a economia pode ser importante, mas talvez

    a poltica importe mais.

    Esperamos que 2015 no nos traga muitos

    sobressaltos e que a regio, a despeito de

    estar entrando num ciclo econmico

    descendente, consiga preservar os ganhos de

    estabilidade poltica e incluso social to

    arduamente obtidos na ltima dcada.

    Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 2015.

    Maria Regina Soares de Lima.

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    2014

    Uma retrospectiva poltica em 4 atos

    Josu Medeiros

    Pesquisador OPSA

    O fim do ano poltico no Brasil ocorreu em

    18 de dezembro, quando a Justia Eleitoral

    diplomou a presidenta reeleita Dilma

    Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT)

    e o seu vice-presidente Michel Temer, do

    Partido do Movimento Democrtico

    Brasileiro (PMDB). 2014 j pode, portanto,

    receber sua retrospectiva poltica, feita em

    quatro atos, em que pese a pattica iniciativa

    do candidato derrotado Acio Neves, do

    Partido da Social Democracia Brasileira

    (PSDB), de exigir na Justia aquilo que no

    conquistou nas urnas.

    Ato 1 A mulher do ano

    2014 foi o ano de Dilma Rousseff de um

    modo que no havia ocorrido em 2010,

    quando se elegeu presidenta pela primeira

    vez. Naquele momento o protagonismo era

    todo do presidente Lula, o cara segundo

    Barack Obama, dono de uma popularidade

    ultrapassava os 90%. Se Dilma foi o poste

    de 2010, em 2014 virou o jogo. Seu corao

    valente superou os muitos percalos da

    eleio mais disputada da histria

    democrtica brasileira. Governando o pas

    em um cenrio de crise econmica

    internacional ela foi capaz de evitar as

    receitas neoliberais que espalharam

    aumento do desemprego e da pobreza pelo

    mundo. O Brasil seguiu melhorando seus

    indicadores sociais mesmo com o baixo

    crescimento.

    As jornadas de junho de 2013 contriburam

    para apimentar o cenrio. Milhes de jovens

    nas ruas das grandes e mdias cidades

    brasileiras protestando contra o sistema

    poltico em geral a partir de questes

    municipais e estaduais (transporte pblico)

    e que inevitavelmente se nacionalizaram

    diante do magnetismo do nosso super

    presidencialismo.

    As ruas inundadas de gente produziram

    dinmicas de direitos h muito no vistas no

    pas. Os temas da sade e educao logo

    tomaram o centro do debate. A qualidade da

    nossa democracia tambm veio tona,

    recuperando dimenses participativas que

    permearam o processo poltico dos anos

    1980, culminando na Constituio de 1988 e

    que depois foram derrotadas pelo

    neoliberalismo do governo Fernando

    Henrique Cardoso (1995-2002).

    Mas no somente isso. Os conflitos sociais

    geraram polarizaes novas. O novo lugar

    que o PT ocupa produziu um indito

    afastamento do petismo com relao s

    dinmicas das ruas. Novas redes, novos

    movimentos, nova gerao poltica foram

    contrapostas s instituies criadas pela

    esquerda brasileira no processo de derrota

    da ditadura militar. Velhos e tradicionais,

    o PT e seu campo se depararam ento com os

    mesmos adjetivos que outrora direcionavam

    esquerda comunista e trabalhista que havia

    sido derrotada com o golpe de 1964. Ao

    mesmo tempo, das ruas de junho emergiu

    uma nova direita no Brasil, composta por

    Retrospectiva 2014

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    uma minoria violenta e disposta a tudo para

    impedir a continuidade do lulismo.

    Dilma enfrentou essa tempestade e venceu.

    Sua popularidade despencou. Sua reeleio

    correu riscos. A presidenta, emparedada,

    respondeu s ruas com dilogo e no com

    represso, como ocorreu mundo afora na

    atual dinmica de lutas (primavera rabe,

    Occupy Wall Street, Indignados, Praa

    Taksin, na Turquia) com as quais o Brasil se

    conectou em junho de 2013. Ela recebeu

    representantes dos movimentos e lideranas

    que estiveram presentes nas ruas, e aprovou

    trs novas legislaes que ampliaram os

    direitos e a cidadania no Brasil: o programa

    Mais Mdicos levou, com ajuda dos mdicos

    cubanos, sade de qualidade para 50

    milhes de brasileiros nas periferias,

    interiores e regies isoladas; o novo Marco

    Civil da Internet protege a privacidade e a

    cidadania, limita os poderes das grandes

    corporaes e foi elogiada pela ONU como a

    mais avanada legislao das redes no

    mundo; por fim, direcionou os recursos a

    serem gerados pela explorao do petrleo

    do pr-sal em investimentos na sade e da

    educao.

    A mesma toada se manteve nas eleies.

    Dilma protagonizou a vitria mais

    esquerda do PT desde 2002. Afirmou a

    recusa do neoliberalismo diante da primeira

    candidatura da direita que assumiu esse

    programa desde 1994. Afirmou direitos,

    afirmou as ruas contra as medidas

    impopulares defendidas por Acio e seus

    aliados na mdia e no mercado. Assumiu

    pautas que incomodam setores mais

    conservadores, entre eles a defesa da

    criminalizao da homofobia e o combate

    violncia policial contra os jovens negros da

    periferia.

    Venceu as eleies por muito pouco. Venceu

    com os votos da esquerda, com a reativao

    de uma sociedade civil petista em sentido

    amplo, que foi pra rua virar os votos e

    impedir o retrocesso que seria a vitria do

    PSDB. nesse contexto que seu segundo

    governo vai se dar. As contradies j saltam

    os olhos com a montagem do ministrio.

    Antes de analisar esses dilemas passemos ao

    segundo ato.

    Ato 2 Descanse em Paz

    As eleies de 2014 marcaram o enterro

    poltico definitivo da grande mdia

    brasileira. Os grandes meios de

    comunicao no so mais capazes de mudar

    o rumo de uma eleio no pas, como

    ocorrera em 1989 com a clebre edio que a

    rede Globo fez do debate presidencial entre

    Lula e Collor, forjando uma vitria para o

    este ltimo.

    Dessa a revista Veja antecipou sua edio

    semanal acusando, sem provas, a presidente

    Dilma se fazer parte de um esquema de

    corrupo que atinge a Petrobrs. O

    candidato de oposio Acio Neves

    repercutiu a denncia no ltimo debate

    televisivo, e tambm os grandes jornais e

    redes de televiso divulgaro a matria da

    Veja sem qualquer questionamento. Os

    partidos de oposio distriburam a edio

    da revista nas praas e ruas das principais

    cidades brasileiras.

    Novamente a presidente Dilma enfrentou o

    desafio e venceu. Tratou abertamente do

    tema em seu ltimo programa eleitoral.

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    Acusou a revista de golpe e a processou. A

    deslegitimao da matria da Veja tomou

    conta das redes sociais na internet, nova

    arena pblica que vem se constituindo no

    Brasil da ascenso social do lulismo. Os

    milhes que saem da misria e entram no

    mercado de consumo tambm passam a

    acessar novas formas de informao,

    buscando forjar suas prprias verses dos

    fatos, questionando os antigos formadores

    de opinio.

    Um novo sistema de comunicao,

    democrtico, oligopolizado, ainda no

    nasceu para substituir o velho. Esta inclusive

    uma das agendas assumidas pela

    mandatria brasileira. Contudo foi possvel

    constatar um outro nascimento, do qual fala

    o terceiro ato.

    Ato 3 Nasce a polarizao

    No dia 26 de outubro, dia derradeiro do

    segundo turno, as ruas foram tomadas de

    militantes e pessoas engajadas nos processos

    eleitorais com suas bandeiras e adesivos. A

    novidade que pela primeira vez o voto de

    direita estava identificado. Nas trs vitrias

    do PT em 2002, 2006 e 2010 s se via o

    eleitor petista nas ruas. O voto de direita,

    antes silencioso, saiu do armrio.

    A confirmao da vitria de Dilma manteve

    a polarizao em temperatura elevada. Pela

    primeira vez desde 1964 a direita voltava a

    organizar manifestaes pblicas por todo

    Brasil, apresentando em So Paulo relativo

    sucesso, com 5 mil pessoas na Avenida

    Paulista a gritar pela sada da presidente

    reeleita. O PSDB parece gostar do que v.

    Suas principais lideranas convocam e

    participam dos atos, com exceo do

    derrotado Acio Neves que publicou uma

    foto em um balnerio catarinense no dia da

    manifestao.

    Enfim o Brasil parece apresentar o mesmo

    padro de polarizao social verificado em

    outros processos polticos sul-americanos,

    tais como Argentina, Bolvia, Chile,

    Equador, Venezuela, Uruguai. A diferena

    que o caso brasileiro o nico no qual a

    esquerda minoritria no parlamento. Mais

    do que isso, os partidos de esquerda e os

    representantes dos movimentos sociais

    encolheram no Congresso vis a vis a

    legislatura anterior. Como ento sustentar a

    polarizao em um ambiente institucional

    adverso? A resposta ser intuda no quarto

    ato.

    Ato 4 O trofu Mujica vai para...

    Nessa retrospectiva o ttulo de homem do

    ano recebe o nome de trofu Mujica,

    presidente do Uruguai que se despede do

    cargo, figura icnica da esquerda sul-

    americana, portador de uma cultura poltica

    socialista exemplar, organizador de uma

    agenda de avanos e direitos que causa

    inveja aos setores progressistas de todo o

    mundo.

    No Brasil o impulsionador de uma cultura de

    direitos e de uma prtica socialista tem sido

    o prefeito de So Paulo Fernando Haddad do

    PT. Sua trajetria parecida com a de Dilma.

    Foi eleito em 2012 como poste de Lula. Seu

    protagonismo emerge das jornadas de

    junho. Conseguiu extrair das mobilizaes

    uma nova dinmica de governo na qual a

    participao e mobilizao da cidadania

    ativa permitem que ele leve a cabo os

    necessrios enfrentamentos com o capital

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    para transformar So Paulo em uma cidade

    democrtica.

    Mesmo sendo minoritrio no legislativo e

    tendo que recorrer s mesmas alianas que o

    PT faz no plano federal Haddad tem

    conseguido sucesso em organizar uma

    agenda de futuro esquerda. Aprovou um

    plano diretor que impede o capital

    imobilirio de fazer o que quer com a cidade.

    Aprovou uma poltica tributria progressiva:

    os mais ricos pagam mais, ou mais pobres

    pagam menos. Criou uma dinmica nova

    para os transportes pblicos que possibilitou

    ao trabalhador diminuir em 30% o tempo de

    deslocamento casa-trabalho. Est

    inaugurando uma rede de ciclovias que

    altera a prpria relao da cidade de So

    Paulo com os carros. Suas polticas sociais

    para os mais pobres, para os emigrantes,

    para os movimentos sociais organizados

    chamam ateno da esquerda em todo o

    pas.

    O resultado comea a ser sentido no

    crescimento da sua popularidade, ainda

    baixa, porm nada que impea uma futura

    reeleio em 2016. No obstante todos os

    avanos, Haddad enfrentar novamente em

    2015 o desafio do tema do valor das

    passagens. H o risco de uma nova exploso

    social, e tambm o risco de jogar a conta nos

    lucros dos empresrios e com isso

    comprometer os avanos que beneficiaram a

    populao trabalhadora.

    Concluso

    2015 ser o ano em que esses quatro atos se

    fundem em uma nova conjuntura poltica.

    Conseguiro Dilma e Haddad avanar em

    sua agenda de direitos e democracia,

    superando os limites institucionais e

    estruturais colocados? A hiptese que tal

    resposta ser afirmativa se ambos se

    apoiarem nessa nova polarizao social

    nascente, mobilizando as bases sociais da

    esquerda em uma agenda de

    transformaes. As dificuldades para isso

    sero muitas. O cenrio de crise econmica

    permanece. O ministrio contraditrio de

    Dilma um fator de decepo e

    desmobilizao. A direita organizada segue

    contando com a fora dos grandes

    monoplios de comunicao para pautar a

    agenda poltica do pas.

    O resultado sair da luta. O que 2014

    mostrou que a esquerda quando vai para

    disputa tem mais chances de vitria do que

    quando foge dela. No mesmo ano em que a

    Comisso da Verdade apresenta seu

    relatrio sobre os crimes da ditadura militar

    de 1964 o Brasil comeou a espiar o

    fantasma de que o golpe teria sido resultado

    de uma excessiva mobilizao popular, tese

    essa que orientou a redemocratizao

    brasileira desde cima, e tambm em grande

    medida o lulismo e seus processos de

    composio.

    Enfim, da polarizao pode nascer uma

    sociedade mais democrtica, mais

    igualitria, com mais direitos.

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    10

    A unio da Amrica do Sul

    Regina Kfuri

    Assistente de Coordenao OPSA

    Na primeira semana de dezembro, chefes de

    Estado da Amrica do Sul reuniram-se em

    Quito, no Equador, para inaugurar a sede da

    Unio Sul-americana de Naes (Unasul). O

    prdio foi batizado em homenagem ao ex-

    presidente argentino Nestor Kirchner, que

    foi secretrio-geral da organizao e faleceu

    em outubro de 2010.

    A inaugurao da sede da Unasul representa

    um importante marco simblico de um

    ponto de retomada e avano do processo de

    integrao na Amrica do Sul. Depois de um

    perodo de relativa inrcia, a organizao

    tomou novo flego com a chegada

    secretaria-geral do ex-presidente

    colombiano Ernesto Samper. Na cpula de

    Quito estiveram presentes os presidentes da

    Argentina, Cristina Kirchner; da Colmbia,

    Juan Manuel Santos; da Bolvia, Evo

    Morales; do Brasil, Dilma Rouseff; do

    Paraguai, Horacio Cartes; do

    Suriname, Desir Delano Bouterse; e da

    Venezuela, Nicols Maduro.

    Na ocasio, os mandatrios concordaram em

    trabalhar para a criao de uma cidadania

    sul-americana, nos moldes do acordo

    europeu de Schengen, que criaria no

    apenas um passaporte comum, mas tambm

    a livre circulao de 400 milhes de

    habitantes na regio. Alm disso, foi

    aprovado o documento Da viso ao,

    que contempla a criao da Escola Sul-

    americana de Defesa, assim como temas de

    sade, combate s drogas e processos

    eleitorais. Foi ainda aprovada a execuo de

    projetos de infraestrutura em nvel regional.

    Todos esses so avanos importantes no

    caminho de uma regio mais integrada. A

    histria da integrao na Amrica Latina no

    nova, ela remonta aos anos 1960, com as

    ideias cepalinas que levaram ao modelo

    conhecido como regionalismo fechado, pois

    buscava a industrializao e o

    desenvolvimento dos pases atravs da

    proteo do mercado interno. J o segundo

    modelo, adotado nos anos 1990 como

    resposta ordem internacional que se

    instaurou a partir do fim da Guerra Fria,

    conhecido como regionalismo aberto, pois

    voltado para a insero dessas economias no

    ambiente externo globalizado, responsvel

    por uma nova dinmica economia

    mundial, com a predominncia do

    paradigma neoliberal no campo econmico.

    Pases com pouco poder de negociao, os

    latino-americanos precisavam competir por

    insumos e investimentos, assim como

    enfrentar as presses resultantes dessa nova

    ordem econmica. Os arranjos regionais

    buscaram, portanto, aumentar a capacidade

    de competio desses pases diante dessa

    nova realidade internacional. A criao do

    Mercosul insere-se nesse contexto. O novo

    regionalismo se distinguiu do anterior por se

    inserir em um contexto poltico de reviso do

    modelo de desenvolvimento apoiado na

    industrializao protecionista e por se

    traduzir na adoo de polticas comerciais

    liberalizantes, agregando agenda regional

    novos temas, como comrcio de servios e

    investimentos. (Veiga e Rios, 2007, p.9).

    Integrao Sul Americano

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    11

    Boa parte da literatura sobre Amrica do Sul

    afirma o surgimento de um novo tipo de

    regionalismo a partir dos anos 2000, trazido

    pela chegada ao poder de governos

    progressistas em diversos pases da regio.

    As denominaes para o fenmeno variam e

    ele pode ser chamado de integrao

    multidimensional, regionalismo ps-liberal

    ou ps-hegemnico. Em comum, os termos

    trazem a constatao de que alguns

    processos cooperativos e/ou integrativos

    entre determinados pases da Amrica do

    Sul passaram a operar sob uma lgica

    diferente daquela que havia predominado

    em estgios anteriores. Ou seja, identifica-se

    o fim de um ciclo e o comeo de outro, que

    traz como novidade a superao da idia de

    que o comrcio e a ideologia neoliberal

    devem ser os motores que fazem andar a

    integrao e a cooperao entre os vizinhos.

    (Sanahuja, 2010)

    Por um lado, esses novos arranjos regionais

    propem uma ruptura com o discurso

    hegemnico da dcada de 90 e a criao de

    um espao de resistncia para enfrentar o

    neoliberalismo e a hegemonia norte-

    americana (Rigirozzi, 2010). Mais alm, o

    regionalismo ps-hegemnico seria a

    manifestao de uma repolitizao da

    regio, na qual estados, lderes e

    movimentos sociais interagem na

    construo do espao regional (Riggirozzi e

    Tussie, 2012)

    Por outro lado, este regionalismo ps-liberal

    substitui a agenda centrada na liberalizao

    comercial por processos mais abrangentes

    do ponto de vista temtico, com a incluso

    de questes sociais, participativas, e

    objetivos polticos. A hiptese bsica que a

    liberalizao dos fluxos comerciais no gera

    endogenamente benefcios para o

    desenvolvimento e pode ser prejudicial

    adoo de uma agenda de integrao

    preocupada com temas de equidade (Motta

    Veiga e Rios, 2007)

    Nesse contexto, a Unasul fruto de uma

    iniciativa brasileira que levou criao, em

    dezembro de 2004, da Comunidade Sul-

    Americana de Naes (Casa), durante uma

    reunio de cpula no Peru. A Declarao de

    Cuzco continha cinco pginas nas quais se

    estabelecia a implementao progressiva de

    um novo mbito de ao coletiva. Dois anos

    mais tarde, na cpula de dezembro de 2006,

    na Bolvia, o presidente Lula enfatizou a

    importncia do comprometimento com a

    consolidao da integrao energtica e do

    fortalecimento das polticas sociais na

    regio, e j ali foram abordados pontos

    referentes livre circulao de pessoas,

    assim como proteo do meio ambiente. A

    mudana do nome, de Casa para Unasul se

    deu em 2007 e, em maio de 2008, a

    instituio ganhou personalidade jurdica.

    Dentre os avanos importantes do bloco

    esto a constituio de um Conselho

    Sulamericano de Defesa e do Banco do Sul.

    A Unasul nasce com a preocupao de temas

    infraestruturais e sociais, bem como o papel

    de facilitadora do dilogo poltico.

    Agora, a inaugurao de uma sede traz um

    novo dinamismo construo de uma regio

    mais integrada poltica e socialmente. Como

    destacou Lula, em seminrio anterior

    cpula, a crise econmica mundial tem um

    efeito inibidor sobre as iniciativas de

    integrao. Como se tivssemos que esperar

    para voltar a tratar da integrao. Estou

    convencido de que exatamente o contrrio.

    Quanto mais nos integrarmos, melhores

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    12

    sero as condies de enfrentar e superar a

    crise. Separados somos mais fracos e juntos

    somos uma potncia3.

    Referncias Bibliogrficas

    Motta Veiga, P.; Ros, S.; O regionalismo

    ps-liberal, na Amrica do Sul: origens,

    iniciativas e dilemas.; Cepal, Divisin de

    Comercio Internacional e Integracin, Srie

    Comrcio Internacional, Santiago de Chile,

    julho de 2007

    Riggirozzi, P.; Region, regionness and

    regionalismo in latin america: Towards a

    new synthesis; LATN, Working Paper 130,

    Abril de 2010

    Riggirozzi, P; Tussie, D.; The rise of post

    hegemonic regionalism in Latin America, in:

    Riggirozzi, P; Tussie, D.; The Rise of Post-

    Hegemonic Regionalism: The Case of Latin

    America, Springer, 2012

    Silva, V.M.; Por que um evento que rene

    chefes de Estado de toda a Amrica do Sul

    no notcia? Disponvel em:

    http://www.revistaforum.com.br/rodrigovi

    anna/geral/por-que-um-evento-que-reune-

    chefes-de-estado-de-toda-america-sul-nao-

    e-noticia/

    3 ____ Lula defende mais integrao na Amrica Latina contra a crise econmica e o conservadorismo, Carta Maior, disponvel em

    http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Lula-defende-mais-integracao-na-America-Latina-contra-a-crise-economica-e-o-conservadorismo/4/32358

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    13

    Bolvia: as eleies de 2014 e a

    consolidao do horizonte de poca

    plurinacional

    Clayton Cunha M. Filho

    Pesquisador OPSA

    Os resultados eleitorais do pleito geral de 12

    de outubro de 2014 na Bolvia no

    trouxeram maiores surpresas, na medida em

    que apenas confirmaram aquilo que todas as

    pesquisas e anlises apontavam: o amplo

    favoritismo do Movimento Ao Socialismo

    (MAS) e seu candidato reeleio

    presidencial Evo Morales, vitorioso do pleito

    em 1 turno com 61,36% dos votos vlidos

    frente aos 24,23% do segundo colocado,

    Samuel Dria Medina da Concertao de

    Unidade Democrtica (UD) (ver Tabela 1).

    Os resultados totais de Morales ficaram

    apenas menos de trs pontos percentuais

    abaixo do total obtido por ele cinco anos

    antes nas eleies de 2009 (ver Tabela 2) e

    marcou, pela primeira vez, a ascenso do

    MAS como primeira maioria no

    departamento de Santa Cruz, antigo bastio

    opositor de onde demandas por autonomia

    departamental se irradiavam para os

    departamentos de Beni, Pando e Tarija

    conformando a regio que ficou conhecida

    como Meia Lua e que mantiverem o

    presidente em xeque at pelo menos 2008 e

    quase impediram a ratificao da atual

    Constituio Poltica do Estado (CPE)

    (CUNHA FILHO, 2008). Nas ltimas

    eleies, apenas o departamento do Beni

    continuou apoiando majoritariamente um

    candidato presidencial da oposio, com

    seus 51,44% dos sufrgios em favor de Dria

    Monitor Eleitoral: Bolvia

    Tabela 1: Resultados Eleitorais 2014

    % dos votos vlidos

    Evo Morales (MAS) 61,36

    Samuel Dria Medina (UD) 24,23

    Jorge Tuto Quiroga (PDC) 9,04

    Juan del Granado (MSM) 2,71

    Fernando Vargas (PVB) 2,65

    Fonte: Elaborao prpria a partir de dados do rgano Electoral Plurinacional

    disponveis em http://www.oep.org.bo/

    RodrigoDestacar

    RodrigoDestacar

    RodrigoDestacar

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    RodrigoDestacar

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    14

    Medina (UD). As eleies de 2014 marcaram

    ainda o ocaso da liderana do ex-prefeito de

    La Paz, Juan del Granado, do Movimento

    Sem Medo (MSM), ex-aliado do governo

    central at 2010 (ver CUNHA FILHO, 2010)

    e que obteve frustrantes 2,71% dos votos,

    ficando abaixo da clusula de barreira

    boliviana de 3% dos votos nacionais e

    perdendo assim o registro eleitoral da sigla e

    o direito ao deputado que elegeriam na lista

    proporcional com essa votao. A mesma

    perda de sigla eleitoral ocorreu ao lder

    indgena Fernando Vargas, candidato

    presidncia pelo Partido Verde Boliviano

    (PVB) e que obteve 2,65% dos votos. O

    resultado de Vargas, entretanto, apesar de

    tambm ficar pouco abaixo da clusula de

    barreira que lhe valeria a continuidade da

    sigla e a eleio de um deputado, foi uma

    surpresa positiva na medida em que todas as

    pesquisas pr-eleitorais lhe atribuam

    menos de 1% das intenes de voto (ver

    CUNHA FILHO, 2014).

    Tabela 2: Votao de Evo Morales, Estado Plurinacional

    da Bolvia

    Nacional e Exterior 2009 2014

    64,22 61,36

    Por departamentos

    La Paz 80,28 68,92

    Oruro 79,46 66,42

    Potos 78,32 69,49

    Cochabamba 68,82 66,67

    Chuquisaca 56,05 63,38

    Tarija 51,09 51,68

    Santa Cruz 40,91% 48,49%

    Pando 44,51% 52,09%

    Beni 37,66% 41,49%

    Negrito indica primeira maioria.

    Fonte: Elaborao prpria a partir de dados do rgano Electoral

    Plurinacional disponveis em http://www.oep.org.bo/

    RodrigoDestacar

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    15

    4 Em fins de 2010, o governo anunciou o fim dos subsdios aos combustveis que provocou um aumento repentino que chegava a at 82% dependendo do tipo de combustvel. A medida provocou amplos protestos sociais que obrigaram o governo a suspender os aumentos. poca, a oposio acusou o governo de adotar uma medida neoliberal, o que para alm do cinismo ideolgico indica uma aceitao implcita dos novos horizontes polticos nos quais a associao com

    Os resultados eleitorais do oficialismo lhe

    valeram ainda a manuteno de sua maioria

    de 2/3 nas duas cmaras do rgo

    Legislativo Plurinacional, onde o MAS

    contar com 86 deputados de um total de

    130 e 25 senadores de um total de 36 (ver

    Figura 1), o que confirma a consolidao do

    MAS como partido predominante no sistema

    poltico boliviano atual.

    Mas mais do que essa confirmao dessa

    hegemonia que j vinha se manifestando

    acentuadamente desde pelo menos a

    promulgao da atual CPE em 2009 e a

    conformao do atual Estado Plurinacional

    da Bolvia, os resultados das ltimas eleies

    parecem ter trazido a consolidao dos

    prprios marcos do fazer poltico boliviano

    conforme definidos em sua atual verso

    plurinacional. Conforme apontam Errejn e

    Canelas (2012, p. 28), episdios de forte

    conflito social como o gasolinao de 20104

    ou as marchas em defesa do Territrio

    Indgena e Parque Nacional Isiboro-Scure

    (TIPNIS) de 2011 e 20125 que muitos em seu

    tempo apontaram como o incio do fim da

    hegemonia poltica do MAS parecem, na

    verdade, mostrar a consolidao de uma

    espcie de novo senso comum de poca

    plurinacional que define o espao poltico do

    legtimo em torno do retorno do Estado

    economia e suas funes de soberania, das

    autonomias departamentais e indgenas e da

    descolonizao de suas instituies polticas.

    polticas neoliberais possui uma valncia negativa amplamente predominante. 5 Lideranas da Confederao Indgena da Bolvia (Cidob) organizaram em 2011 uma marcha de Trinidad a La Paz em protesto contra a construo de uma estrada que atravessaria o TIPNIS sem que tivesse sido realizada a devida consulta prvia segundo estabelecido pela CPE e tratados internacionais assinados pelo pas. O conturbado processo em torno do TIPNIS do qual a candidatura de Fernando Vargas do PVB um

    Figura 1: rgo Legislativo

    Plurinacional, Legislatura 2015-

    2020

    Fonte: Elaborao prpria a partir de dados do

    rgano Electoral Plurinacional disponveis em

    http://www.oep.org.bo/

    86

    33

    11

    Cmara de Deputados

    MAS

    UD

    PDC

    25

    9

    2

    Senado

    MAS

    UD

    PDC

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    RodrigoLinha

    RodrigoDestacar

    RodrigoDestacar

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    16

    significativo que dos quatro competidores,

    apenas um (Tuto Quiroga, do Partido

    Democrata Cristo PDC) tenha buscado se

    colocar abertamente no campo conservador

    e ainda assim sem maior clareza

    programtica em torno de questes de

    polticas pblicas concretas. E pela primeira

    vez desde a irrupo de Morales ao primeiro

    plano da poltica nacional, esse candidato

    mais conservador no foi seu principal

    oponente (MOLINA, 2014), tendo Quiroga

    ficado em terceiro lugar com menos da

    metade dos votos do segundo colocado,

    Dria Medina (UD), que vinha buscando

    desde antes do pleito se associar a

    simbologias de centro-esquerda (CUNHA

    FILHO, 2014) e se apresentou

    programaticamente como centrista durante

    a campanha. Os outros dois candidatos

    menores, por sua vez, representavam em

    certa medida fraes dissidentes do prprio

    oficialismo tendo estado em algum

    momento anterior aliado ou mesmo

    integrando o MAS e que competiram

    buscando mostrar as supostas traies e

    promessas descumpridas do governo

    dentro, portanto, da mesma rbita

    ideolgico-programtica.

    Assim, os resultados eleitorais parecem

    apontar na direo da conformao de um

    incipiente sistema partidrio hegemonizado

    esquerda pelo MAS, com uma oposio de

    centro-direita (UD) e direita (PDC) e espaos

    polticos passveis de ocupao por projetos

    desdobramento direto levou o presidente a cancelar a construo da estrada, para em seguida voltar atrs aps a realizao de nova marcha, desta vez organizada pelo Conselho Indgena do Sul (Conisur) e que demandava a construo da referida estrada. O governo decidiu ento realizar uma consulta no TIPNIS, a qual provocou nova marcha da Cidob em 2012 (desta vez ignorada pelo governo) e na qual 11 das 69 comunidades do TIPNIS se recusaram a participar e 54 das 58

    de centro-esquerda ou de ecologismo

    indianista representados pelos seguidores e

    lideranas dos agora extintos MSM e PVB

    (CUNHA FILHO, No prelo), embora muito

    da consolidao ou reformulao desse

    quadro partidrio certamente depender

    dos arranjos para as prximas eleies

    departamentais e municipais a serem

    realizadas em 29 de maro de 2015.

    O atual e popular prefeito de La Paz, Luis

    Revilla, parece ter aproveitado a

    oportunidade da dissoluo do MSM pelo

    qual ele se elegera referia prefeitura para

    marcar distncias com seu antigo mentor

    Juan Del Granado e vem lutando contra o

    tempo para legalizar uma nova sigla eleitoral

    com a qual concorrer reeleio, embora

    venha recebendo forte assdio da UD que lhe

    oferece um apoio por hora rejeitado. O

    prprio comportamento da UD, uma

    coalizo eleitoral entre os partidos Unidade

    Nacional (UN) de Dria Medina e

    Movimento Democrtico Social (MDS) do

    governador de Santa Cruz, Rubn Costas, e

    outros grupos menores, poder ser

    determinante para a consolidao desse

    quadro partidrio ou sua posterior

    fragmentao dependendo do quanto

    consiga se apresentar novamente unida nas

    eleies regionais em vez de se fracionar

    entre suas unidades componentes. Por sua

    vez, o MAS agora ter que lidar com tenses

    internas aumentadas pela incorporao de

    outros grupos sociais e regionais e se coloca

    comunidades consultadas aprovaram a construo da estrada, que no entanto segue paralisada. O episdio do TIPNIS marcou o momento de maior tenso poltica do governo, arranhou sua imagem indianista/ecologista internacional e tambm foi utilizado com afinco pela oposio, mesmo por lideranas que durante o processo constituinte tinham se oposto aos direitos de consulta prvia e autonomia territorial indgena.

    RodrigoDestacar

    RodrigoDestacar

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    17

    metas ambiciosas como tomar a prefeitura

    de La Paz, a governao de Santa Cruz ou

    mesmo a do Beni onde perdeu nas eleies

    nacionais ao contrrio de todo o resto do

    pas. A prpria indicao dos candidatos s

    governaes, prefeituras das principais

    cidades e listas de deputados

    departamentais e vereadores pelo MAS ter

    que ser um tenso exerccio de busca de

    equilbrios e consensos internos sem os

    quais no apenas dificilmente poder obter

    o xito futuro atualmente almejado pelas

    lideranas partidrias governistas, como

    tambm poderia mesmo em cenrios de

    divergncia extrema pr em questo a

    coeso de sua bancada legislativa nacional.

    Referncias

    CUNHA FILHO, Clayton M. 2008, o ano da

    virada de Evo Morales? Observador On-line,

    v. 3, n. 12, p. 217, dez. 2008.

    CUNHA FILHO, Clayton M. As eleies

    gerais bolivianas de 2014: perspectivas e

    prognsticos. Boletim OPSA, v. 10, n. 3,

    2014.

    CUNHA FILHO, Clayton M. Los dilemas de

    la representacin poltica contempornea en

    Bolivia: movimientos sociales, partido y

    Estado en tiempos de Proceso de Cambio.

    In: ALBAL, ADRIN (Org.). . Sociedad

    civil y representacin poltica en Amrica

    Latina. Buenos Aires: Prometeo Libros, No

    prelo. .

    CUNHA FILHO, Clayton M. O novo mapa

    poltico boliviano: uma interpretao a

    partir dos ltimos resultados eleitorais.

    Observador On-line, v. 5, n. 6, p. 116, 2010.

    ERREJN, Iigo; CANELAS, Manuel. Las

    Autonomas en Bolivia y su Horizonte: un

    anlisis poltico. In: MINISTERIO DE

    AUTONOMAS (Org.). . Ensayos sobre la

    autonomia en Bolivia. Serie autonomias

    para la gente. La Paz: Ministerio de

    Autonomias, 2012. p. 2132.

    MOLINA, Fernando. Las implicaciones del

    tercer mandato de Evo Morales. Agencia de

    Noticias. Disponvel em:

    . Acesso em: 13 out. 2014.

    Pela terceira vez, Frente Ampla!

    Marianna Albuquerque

    Pesquisadora OPSA

    Introduo

    A Frente Ampla, coalizo de esquerda,

    conseguiu eleger um candidato pela

    primeira vez para o cargo de Presidente do

    Uruguai em 2005, aps o mandato de Jorge

    Battle Ibaez, do tradicional Partido

    Colorado. Correndo por fora na campanha,

    Tabar Vsquez assumiu a presidncia

    prometendo cumprir o programa

    progressista que a Frente Ampla apresentou

    aos eleitores uruguaios. Aps cumprir seus

    Monitor Eleitoral: Uruguai

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

    18

    cinco anos de mandato, em um pas no qual

    a legislao eleitoral no contempla a

    possibilidade de reeleio, Vsquez deu

    lugar a Jos Pepe Mujica, tambm da

    Frente Ampla, e alado categoria de grande

    lder sul-americano.

    O ano de 2014 foi marcado pelas eleies em

    diversos pases da Amrica do Sul, tanto

    legislativas quanto para cargos executivos.

    Alm do Brasil, eleitores uruguaios tambm

    compareceram s urnas para escolher as

    listas de candidatos para o Congresso

    Uruguaio e para definir o sucessor de

    Mujica. Com alta popularidade mundial e

    com a provao de medidas ao mesmo

    tempo aclamadas e contraditrias, Mujica

    jogou a responsabilidade de manter seu

    programa para seu futuro sucessor. A

    prpria votao de outubro traria consigo

    um exemplo do caminho aberto por Mujica

    para discutir temas antes intocveis: em

    conjunto com as eleies, os cidados

    uruguaio votaram em um plebiscito sobre a

    reduo da maioridade penal para 16 anos. A

    Frente Ampla fez campanha pelo no.

    As eleies de 2014: o primeiro turno

    As eleies internas nos Partidos para a

    escolha dos candidatos que comporiam as

    chapas para o pleito de outubro

    movimentaram o primeiro semestre de

    2014. Em junho, os Partidos definiram os

    candidatos para Presidente e Vice-

    Presidente. Com a apurao das eleies

    internas dos partidos no Uruguai, realizadas

    em 01/06, os candidatos para a eleio

    presidencial de outubro esto definidos.

    Confirmando o favoritismo apontado pelas

    pesquisas anteriores, Tabar Vasquez foi

    escolhido o candidato da Frente Ampla, ao

    derrotar Constanza Moreira. No Partido

    Nacional, Luis Lacalle Pou consagrou-se

    vencedor, derrotando Jorge Larraaga,

    enquanto Pedro Bordaberry foi eleito para

    ser o candidato do Partido Colorado, ao

    vencer Jos Amorim Battle. Pelo Partido

    Independente, Pablo Mieres disputar as

    eleies.

    A Frente Ampla formou a chapa com Tabar

    Vsquez, ex-presidente, e Ral Sendic,

    Ministro de Indstria e Energia do governo

    Mujica, com 156 votos favorveis dos 158

    integrantes do Plenrio da Frente Ampla.

    Pela oposio, o Partido Nacional, o Partido

    Colorado e Partido Independente tambm se

    organizaram para tentar provocar

    alternncia de poder no que seria o terceiro

    mandato consecutivo da Frente Ampla.

    Nesse sentido, Luis Lacalle Pou foi escolhido

    para representar os nacionalistas, Pedro

    Bordaberry para concorrer pelos colorados,

    e Pablo Mieres para tentar levar os

    independentes pela primeira vez ao

    Executivo.

    Aps a definio dos candidatos, institutos

    de pesquisa comearam a investigar os

    possveis resultados das eleies

    presidenciais, como a pesquisa divulgada

    pelo Instituto Factum. A pesquisa, realizada

    durante o ms de julho, contou com uma

    amostra de 968 eleitores, das reas urbana e

    rural, de todas as regies do pas e com a

    pergunta Quem prefere como Presidente da

    Repblica?. Os resultados apontam que

    Tabar Vsquez, candidato da Frente Ampla,

    possua em abril 59% da preferncia do

    eleitorado, enquanto seu principal

    adversrio, Lacalle Pou, do Partido

    Nacional, contava com 34% das intenes de

    voto (em abril, as candidaturas ainda no

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    haviam sido oficializadas e as chapas no

    haviam sido formalmente

    institucionalizadas). No resultado da

    pesquisa realizada em julho, j com as

    internas apontando para os candidatos

    finais, a diferena entre os dois candidatos

    diminuiu, com 51% para Vsquez e 46% para

    Lacalle Pou. O Instituto Factum acrescentou

    uma pergunta sobre a firmeza da deciso dos

    eleitores e concluiu que, dos eleitores que

    declararam preferncia Vsquez, 12%

    ainda admitiam mudar de opinio, enquanto

    13% dos pretensos eleitores de Lacalle Pou

    tambm consideram a mesma possibilidade.

    O plebiscito sobre a reduo da maioridade

    penal tambm dividiu opinies e ressaltou as

    clivagens entre os Partidos. Enquanto a

    Frente Ampla associou a coligao com a

    opo pelo no, os Partidos Nacional e

    Colorado mostraram-se favorveis ao sim.

    Em pesquisa realizada pela consultoria Cifra

    em agosto, a diviso de opinies aparece

    claramente. Segundo pesquisa realizada

    durante os dias 8 e 18 de agosto, na capital

    Montevidu e em cidades do interior, 49%

    dos entrevistados mostraram-se a favor da

    diminuio, 40% contra e 11% no souberam

    responder. Ao correlacionar a opinio com a

    preferncia partidria dos entrevistados, a

    consultoria concluiu que os frenteamplistas

    so majoritariamente favorveis

    manuteno da idade de 18 anos, enquanto

    os colorados apiam a reduo. A

    Organizao das Naes Unidas, a

    Comunidade dos Bispos e diversas

    organizaes de Direitos Humanos se

    posicionaram publicamente contra o

    projeto, que havia sido lanado pelo

    candidato Pedro Bordaberry.

    O clima de indefinio nas eleies, com a

    possibilidade palpvel de segundo turno e de

    no obteno da maioria parlamentar, levou

    a Frente Ampla a adotar uma nova

    estratgia. O ento presidente, Jos Mujica,

    havia firmado que no concorreria a

    nenhum cargo nas eleies, j que a

    Constituio do pas no prev a reeleio.

    Aps recusar o governo de Montevidu,

    Mujica resolveu integrar a lista ao Senado do

    Espao 609, vertente da Frente Ampla.

    Como o sistema poltico do Uruguai opera

    sob o regime de lista fechada, o objetivo de

    Mujica fortalecer a bancada

    frenteamplista, que lidera as pesquisas para

    a presidncia com o candidato Tabar

    Vsquez. O anncio do atual presidente

    ocorreu em um momento conturbado das

    eleies, nos quais a pesquisas j previam

    segundo turno e ausncia de maioria

    parlamentar por parte de qualquer um dos

    partidos. A proximidade entre as intenes

    de voto entre Vsquez e Lacalle e o bom

    desempenho de Bordaberry no debate

    televisivo tambm tornaram a estratgia de

    Mujica de fortalecer a Frente Ampla uma

    alternativa que poderia influir efetivamente

    no resultado.

    O dia marcado para a definio dos

    prximos cinco anos do pas foi 26 de

    outubro. Aps meses de intensa campanha,

    os resultados levaram as eleies para o

    segundo turno. Tabar Vsquez obteve

    47,9% dos votos, Lacalle Pou recebeu

    30,97% dos votos, 12,93% dos eleitores

    optaram por Pedro Bordaberry e Pablo

    Meires, do Partido Independente, recebeu

    3,07% dos votos. Desde a Reforma

    Constitucional de 1996, o sistema eleitoral

    uruguaio acena com a possibilidade de

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    segundo turno se nenhum dos candidatos

    receber mais de 50% mais um dos votos.

    Pelos resultados, ficou definido que o

    segundo turno seria disputado entre

    Vsquez e Lacalle. A maioridade penal foi

    mantida em 18 anos aps 53,01% dos

    eleitores optarem pelo no no plebiscito

    sobre a reduo para 16 anos, resultado

    coerente com as preferncias

    frenteamplistas.

    Uma anlise da votao por departamentos

    indica que a Frente Ampla foi a preferida dos

    eleitores em Montevidu, Artigas, Salto,

    Paysand, Rio Negro, Soriano, Colonia, San

    Jos, Canelones, Maldonado, Rocha,

    Florida, Cerro Largo e Rivera. J o Partido

    Nacional recebeu a maior parte dos votos em

    Lavalleja, Flores, Durazno, Treinta y Trs e

    Tacuarembo. A anlise pelas clivagens

    sociais tambm permite verificar que, entre

    jovens de 18 a 30 anos, 52% votaram na

    Frente Ampla, assim como em regies

    compostas primordialmente por setores

    populares e classe mdia, a exemplo de

    Pocitos, Punta Carretas, El Prado. O

    desempenho de Pedro Bordaberry, do

    Partido Colorado, esteve abaixo das

    expectativas tanto das pesquisas eleitorais

    quanto de seu partido.

    Nas eleies legislativas, a maioria

    parlamentar da Frente Ampla tambm ficou

    dependendo do resultado do segundo turno.

    No Senado, a Frente Ampla conseguiu 15

    cadeiras, exatamente metade das 30

    possveis, com a oposio somando outras

    15. Ocorre que a legislao prev que, em

    caso de empate, o vice-presidente da

    Repblica desempata, o que garantiria a

    maioria da Frente Ampla caso Vsquez fosse

    eleito e Sendic fosse chamado ao Parlamento

    para dar seu veredicto. A distribuio das

    cadeiras no Senado foi de 15 para a Frente

    Ampla, 10 para o Partido Nacional, 4 para o

    Partido colorado e 1 para o Partido

    Independente. J na Cmara dos Deputados,

    de 99 cadeiras, a Frente Ampla obteve 50

    cadeiras, o Partido Nacional ficou com 32, o

    Partido Colorado com 13 e o Partido

    Independente com 4.

    O segundo turno

    Os resultados mostraram uma preferncia

    pela Frente Ampla maior do que a apontada

    nas pesquisas eleitorais. Portanto, assim que

    foi decretado o segundo turno, a oposio se

    uniu em apoio a Lacalle. Apesar da

    subestimao do desempenho de Vsquez

    no primeiro turno, todas as pesquisas

    eleitorais para o segundo turno apontaram

    vitria da Frente Ampla. A Consultoria Cifra

    entrevistou 1001 eleitores durante os dias 6

    e 10 de novembro em Montevidu e cidades

    do interior. Os resultados apontaram para

    uma preferncia de 52% dos eleitores pela

    FA, 35% para o candidato Lacalle Pou, do

    Partido Nacional; brancos nulos e indecisos

    somaram 13%. A consultoria Equipos

    publicou pesquisa com resultados

    semelhantes: 52% para a FA, 39% para o

    Partido Nacional e 9% para brancos, nulos e

    indecisos. A Equipos tambm pesquisou a

    nova preferncia entre os eleitores que

    tiveram seus candidatos derrotados no

    primeiro turno: a maioria dos eleitores do

    Partido Colorado declarou votar em Lacalle

    Pou, enquanto entre os eleitores do Partido

    Independente as preferncias se dividem

    entre Vsquez e votos em branco.

    O segundo turno das eleies presidenciais

    ocorreram dia 30/11, opondo o tradicional

  • Boletim OPSA | 04 | out./dez. 2014

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    Partido Nacional e a Frente Ampla. O

    resultado do pleito confirmou a vitria de

    Vsquez como sucessor do presidente

    Mujica, cujo mandato se encerra em maro

    de 2015. A apurao dos votos resultou em

    uma vantagem de aproximadamente 13

    pontos percentuais, maior do que o previsto.

    Essa diferena de votos foi a maior

    registrada entre dois candidatos desde a

    reforma eleitoral de 1996, que instituiu o

    segundo turno nas eleies executivas.

    Mesmo com a unio da oposio, o apoio do

    Partido Colorado a Lacalle Pou no foi

    suficiente para melhorar o desempenho do

    candidato. Com a vitria, Vsquez

    confirmou a maioria parlamentar da Frente

    Ampla e o terceiro mandato consecutivo da

    coligao, que domina as eleies desde

    2005.

    Aps a confirmao da vitria de Vsquez,

    Mujica compareceu ao Comit de campanha

    para parabenizar Vsquez. Lacalle proferiu

    discurso admitindo a derrota e prometeu

    fazer o papel de oposio e fiscalizar o

    governo. Vsquez, por sua vez, prometeu

    dilogo construtivo com a oposio e j

    comeou a negociar com a cpula da Frente

    Ampla a configurao de sua equipe, que

    governar o Uruguai pelos prximos cinco

    anos.

    Consideraes finais

    A vitria de Vsquez, com a maior vantagem

    obtida por um candidato no segundo turno

    na histria do pas, confirmou a recente e j

    consolidada hegemonia da Frente Ampla

    nas eleies nacionais do Uruguai. Em seu

    segundo mandato, Vsquez contar com um

    pas diferente do que deixou: o Uruguai

    conta com indicadores sociais mais altos,

    com a lei de legalizao da maconha

    regulamentada, com as portas abertas para

    presos de Guantnamo e refugiados srios e

    com os olhos do mundo voltados para o pas

    que ganhou notoriedade com a liderana

    global de Mujica. Entretanto, a

    personalidade de Vsquez difere

    significativamente da de seu antecessor, o

    que indica que a continuidade no se dar

    sem percalos. O novo presidente j se

    posicionou publicamente contra algumas

    atitudes polticas de Mujica e se

    comprometeu a rever algumas medidas

    adotadas. O desafio da Frente Ampla ser se

    reinventar, sem perder sua essncia de

    coligao de esquerda, com o desafio de

    substituir um presidente carismtico e nico

    por um poltico mais tradicional e de

    posies mais afinadas com as vertentes de

    centro.