boletim nee enfoque n° 1- análise de conjuntura

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Publicação do Núcleo de Estudos Estratégicos Brigadas Populares POLÍTICA EXTERNA Núcleo de Estudos Estratégicos BPS N° 1 - ANO 1 - NOVEMBRO DE 2010 Período Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) A política externa do governo Fernando Henrique Cardoso foi fortemente caracterizada pela total submissão à agenda estabelecida pelos países do capitalismo central, especialmente os Estados Unidos. O Itamarati se pautou neste período por aceitar no campo econômico as diretrizes dos organismos internacionais como o Banco mundial e o FMI, impondo internamente as políticas econômicas neoliberais ditadas por estas instituições. Em função disso, o governo FHC visou realizar uma vinculação do país à economia mundial caracterizada pela mais completa dependência, que traz como corolário a vulnerabilidade diante as convulsões externas. Para tanto, o governo FHC promoveu, sobretudo três linhas de atuação, quais sejam:1) liberalização financeira, 2) um esvaziamento da capacidade de ação do Estado (especialmente através das privatizações e da instituição de um banco central independente) e 3) políticas de austeridade fiscal. Todas essas medidas buscaram constituir um Estado administrado como uma empresa, onde os principais cargos eram ocupados por tecnocratas que tinham estreitas ligações com as empresas do setor financeiro. Como foi dito, essas políticas redundaram em acintosa dependência e vulnerabilidade, e prova disso são as consequências nefastas e profundas que o Brasil sofreu com as diversas crises que assolaram o sistema capitalista neste período (tais como as crises da Rússia, do Sudeste Asiático e da Argentina). A total submissão econômica do governo brasileiro às diretrizes das potências capitalistas e às organizações internacionais somente não foi maior porque não houve tempo do governo FHC efetivar suas pretensões de firmar a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), que teria como conseqüência a total deteriorização das condições de trabalho no país, a exemplo do México com o advento do Nafta, bloco que permitiu que a cesta básica mexicana aumentasse em 560%, enquanto os salários cresceram apenas 136%. Porém, mesmo sem tempo de concretizar a ALCA, o governo FHC promoveu outras medidas de adesão às políticas comerciais favoráveis às grandes potências internacionais, graças à total subserviência do país demonstrada nas negociações ocorridas dentro da esfera da Organização Mundial do Comércio (OMC). Neste campo, José Serra, candidato derrotado nas eleições deste ano, seguiria as mesmas características do seu antecessor tucano. Em palestra realizada a empresários mineiros, José Serra demonstrou grande desprezo pelo MERCOSUL, sinalizando à necessidade de fortalecer os laços com as principais potências internacionais como Estados Unidos, Japão e Europa. No campo político, o governo brasileiro mostrou-se tímido e obediente. Dentro da América Latina, o governo fez eco às críticas norte-americanas ao governo cubano, corriqueiramente realizadas pelo então ministro Celso Lafer, ao mesmo tempo que se calou sobre as violações aos chamados “direitos humanos” realizados pelos Estados Unidos. Além disso, o governo FHC, alinhado com os discursos da mídia corporativa internacional, silenciou-se sobre o desrespeito aos direitos humanos realizados na Colômbia (onde o Estado terrorista deste país é responsável pela morte de dezenas de sindicalistas por ano), bem como as violações ocorridas no Peru durante o período de combate às guerrilhas maoístas pelo presidente Fujimori e ao golpe de Estado realizado na Venezuela contra o presidente Hugo Chávez. Neste mesmo período, já em relação ao Oriente Médio, o governo do presidente FHC se mostrou bastante complacente com as políticas criminosas do Estado de Israel realizadas contra os países árabes da região e, especialmente, contra o povo palestino confinado em zonas militarizadas de controle israelense. Assim, não seria racional esperar uma política externa diferente daquela realizada no governo FHC se José Serra saísse vitorioso das eleições. Pelo contrário, dado a raivosa radicalização à direta da coligação PSDB-DEM, é bem provável que uma gestão de Serra implicaria em uma acentuação do conservadorismo observado na Era FHC. Levando-se em conta as suas declarações recentes, torna-se compreensível porque alguns setores de esquerda têm caracterizado o projeto serrista como neo- uribista, em referência às políticas do presidente colombiano Uribe, o que leva a crer que o Brasil se tornaria, sob a gestão de Serra, um posto avançado dos interesses estadunidenses. Serra declarou em entrevistas recentes que não gosta do governo de Chávez, que seria mais duro com a Bolívia e com o Paraguai, e que também endureceria o combate às FARC na fronteira do Brasil com a Colômbia. Com efeito, possivelmente José Serra aprofundaria a tendência às criminalizações dos movimentos sociais transnacionais, tal como seu partido tem realizou com frequência no Rio Grande do Sul e em São Paulo com relação aos movimentos sociais e grevistas que atuam naqueles estados. Política externa do governo Lula e possíveis projeções sobre o governo Dilma. Alguns analistas de esquerda dizem que a A fim de apontar as tendências da política externa que possivelmente terá curso no governo de Dilma Rousseff, será feita aqui uma breve análise das relações exteriores que vieram à tona nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luis Inácio da Silva (2003-2010), predecessores da atual presidentes. Neste texto, será feita uma separação didática entre o campo político e o econômico, embora, na prática, estes estejam sempre inter-relacionados. ANÁLISE DE CONJUNTURA ENFOQUE

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Publicação do Núcleo de Estudos EstratégicosBrigadas Populares

POLÍTICA EXTERNA

Núcleo de Estudos Estratégicos

BPS

N° 1 - ANO 1 - NOVEMBRO DE 2010

Período Fernando Henrique Cardoso (1995-2002)

A política externa do governo Fernando Henr ique Cardoso fo i for temente caracterizada pela total submissão à agenda estabelecida pelos países do capitalismo central, especialmente os Estados Unidos. O Itamarati se pautou neste período por aceitar no campo econômico as diretrizes dos organismos internacionais como o Banco mundial e o FMI, impondo internamente as políticas econômicas neoliberais ditadas por estas instituições. Em função disso, o governo FHC visou realizar uma vinculação do país à economia mundial caracterizada pela mais completa dependência, que traz como corolário a vulnerabilidade diante as convulsões externas. Para tanto, o governo FHC promoveu, sobretudo três linhas de atuação, quais sejam:1) liberalização financeira, 2) um esvaziamento da capac idade de ação do Es tado (especialmente através das privatizações e da instituição de um banco central independente) e 3) políticas de austeridade fiscal. Todas essas medidas buscaram constituir um Estado administrado como uma empresa, onde os principais cargos eram ocupados por tecnocratas que tinham estreitas ligações com as empresas do setor

financeiro. Como foi dito, essas políticas redundaram em acintosa dependência e vulnerabilidade, e prova disso são as consequências nefastas e profundas que o Brasil sofreu com as diversas crises que assolaram o sistema capitalista neste período (tais como as crises da Rússia, do Sudeste Asiático e da Argentina).

A total submissão econômica do governo brasileiro às diretrizes das potências capitalistas e às organizações internacionais somente não foi maior porque não houve tempo do governo FHC efetivar suas pretensões de firmar a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), que teria como conseqüência a total deteriorização das condições de trabalho no país, a exemplo do México com o advento do Nafta, bloco que permitiu que a cesta básica mexicana aumentasse em 560%, enquanto os salários cresceram apenas 136%. Porém, mesmo sem tempo de concretizar a ALCA, o governo FHC promoveu outras medidas de adesão às políticas comerciais favoráveis às grandes potências internacionais, graças à total subserviência do país demonstrada nas negociações ocorridas dentro da esfera da Organização Mundial do Comércio (OMC). Neste campo, José Serra, candidato derrotado nas eleições deste ano, seguiria as mesmas características do seu antecessor tucano. Em palestra realizada a empresários mineiros, José Serra demonstrou grande desprezo pelo MERCOSUL, sinalizando à necessidade de fortalecer os laços com as principais potências internacionais como Estados Unidos, Japão e Europa.

No campo político, o governo brasileiro mostrou-se tímido e obediente. Dentro da América Latina, o governo fez eco às críticas norte-americanas ao governo cubano, corriqueiramente realizadas pelo então ministro Celso Lafer, ao mesmo tempo que se calou sobre as violações aos chamados “direitos humanos” realizados pelos Estados Unidos. Além disso, o governo FHC, alinhado com os discursos da mídia corporativa internacional, silenciou-se sobre o desrespeito aos direitos humanos realizados na Colômbia (onde o Estado

terrorista deste país é responsável pela morte de dezenas de sindicalistas por ano), bem como as violações ocorridas no Peru durante o período de combate às guerrilhas maoístas pelo presidente Fujimori e ao golpe de Estado realizado na Venezuela contra o presidente Hugo Chávez.

Neste mesmo período, já em relação ao Oriente Médio, o governo do presidente FHC se mostrou bastante complacente com as políticas criminosas do Estado de Israel realizadas contra os países árabes da região e, especialmente, contra o povo palestino confinado em zonas militarizadas de controle israelense.

Assim, não seria racional esperar uma política externa diferente daquela realizada no governo FHC se José Serra saísse vitorioso das eleições. Pelo contrário, dado a raivosa radicalização à direta da coligação PSDB-DEM, é bem provável que uma gestão de Serra implicaria em uma acentuação do conservadorismo observado na Era FHC. Levando-se em conta as suas declarações recentes, torna-se compreensível porque alguns setores de esquerda têm caracterizado o projeto serrista como neo-uribista, em referência às políticas do presidente colombiano Uribe, o que leva a crer que o Brasil se tornaria, sob a gestão de Serra, um posto avançado dos interesses estadunidenses. Serra declarou em entrevistas recentes que não gosta do governo de Chávez, que seria mais duro com a Bolívia e com o Paraguai, e que também endureceria o combate às FARC na fronteira do Brasil com a Colômbia. Com efei to, possivelmente José Serra a p r o f u n d a r i a a t e n d ê n c i a à s criminalizações dos movimentos sociais transnacionais, tal como seu partido tem realizou com frequência no Rio Grande do Sul e em São Paulo com relação aos movimentos sociais e grevistas que atuam naqueles estados.

Política externa do governo Lula e possíveis projeções sobre o governo Dilma.

Alguns analistas de esquerda dizem que a

A fim de apontar as tendências da política externa que possivelmente terá curso no governo de Dilma Rousseff, será feita aqui uma breve análise das relações exteriores que vieram à tona nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luis Inácio da Silva (2003-2010), predecessores da atual presidentes. Neste texto, será feita uma separação didática entre o campo político e o econômico, embora, na prática, estes estejam sempre inter-relacionados.

ANÁLISE DE CONJUNTURA

ENFOQUE

Page 2: Boletim nee   enfoque n° 1- análise de conjuntura

política externa do governo Lula é a área mais ousada do seu governo, pois, ao contrário das políticas econômicas internas (que seriam caracterizadas por certo continuísmo conservador, por exemplo, com a manutenção de um Banco Central independente), na política internacional é possível observar a emergência de certas mudanças, embora certamente limitadas pela pressão do capitalismo internacional. Analisaremos aqui, sucintamente, quais foram esses avanços e os quais são os seus limites.

No campo econômico, dentro do marco capitalista, o governo brasileiro diversificou as políticas externas, fortalecendo as relações com países subdesenvolvidos (que vem sendo denominados a partir do eufemismo da palavra “emergente”), formando aquilo que alguns analistas denominam eixo SUL-SUL, em contraponto às antigas relações do Brasil, que prioritariamente tinham referência nas potências do Norte. Nas negociações no âmbito da OMC, por exemplo, o Brasil formou o chamado G-20, grupo cuja maioria são países subdesenvolvidos que em bloco visam pressionar os países desenvolvidos por acordos mais favoráveis. Além disso, no âmbito do continente americano, o governo Lula foi o primeiro a ter um programa sistemático de incentivo à integração econômica, política e social da

América Latina, inclusive conquistando alguns avanços importantes na América do Sul (como uma maior efetivação do MERCOSUL e a criação de novas instituições como a UNASUL).

Contudo, na medida em que são mediadas pelas relações capitalistas, tais políticas não podem ser conduzidas pelos valores da solidariedade e da igualdade, mas sim, pelo contrário, são regidas pelas regras da competição capitalista. Assim, se as relações com a China podem ser vistas por alguns como mais progressistas se comparadas com as antigas relações com os Estados Unidos, elas ainda apresentam traços inegáveis da exploração capitalista, pois, mesmo sendo este país considerado uma nação subdesenvolvida, o Brasil exporta para a China basicamente produtos primários, e importa dela produtos manufaturados. Assim, a não-subordinação completa do Brasil no campo econômico aos países desenvolvidos não descarta a total subordinação que é característica da divisão internacional do trabalho, que só poderia ser superada na medida em que as relações internacionais sejam constituídas por relações entre estados socialistas.

No campo político, o governo Lula visou se apresentar como um mediador entre os Estados Unidos e seus aliados, de um lado, e países críticos do imperialismo por outro. A partir dessas posições, em geral moderadas, mas que às vezes implicaram em atritos, o governo brasileiro visou estabelecer alianças

com países como Irã, Cuba e Venezuela, ao mesmo tempo em que mantinha boas relações com as potências ocidentais. Caso emblemático desta atuação ocorreu no recente caso do Irã, onde o Brasil buscou mediar as relações entre o Irã e as potenciais internacionais. Tal caso, aliás, demonstra os limites do papel mediador do Brasil frente às potências, uma vez que, no caso específico do Irã, a mediação do Brasil foi incapaz de dirimir as sanções internacionais sobre o país do Oriente Médio. Assim, embora o Brasil tentasse, ao longo do governo Lula, minimizar a atuação das potências imperialistas, a sua capacidade de fazê-lo foi limitada pelas reais condições de poder que o país encontrou na esfera internacional, como era de se esperar.

É natural o governo de Dilma Roussef faça o esforço de manter a linha que conduziu a política externa de Lula: uma diplomacia relativamente atuante, que busque afirmar a autonomia do Brasil priorizando a relação entre os países subdesenvolvidos e a integração latino-americana, mas sem enfrentar o capitalismo hegemônico ao ponto de uma ruptura. Uma política externa, em suma, que pretende ser mais nacionalista, reivindicando maior papel do Brasil no cenário internacional, mas sob a prudente bandeira da realpolitik, que jamais visa a superação das contradições capitalistas.

2Núcleo de Estudos Estratégicos / NEE - BPS

CENÁRIO ECONÔMICOA economia mundial ainda vive os efeitos da crise internacional evidenciada em 2008, no sul as medidas antí-cíclicas assume um caráter neodesenvolvimentista, articulando políticas de inversão com políticas de aquecimento do consumo de massas dentro de um marco que conserva a obediência os interesses do capital especulativo. No países centrais, com destaque para a Europa, a solução tem um rumo distinto; passa pela a implementação do receituário neoliberal .

Ambiente internacional

A conjuntura econômica mundial

continua inserida em um ambiente de estabilidade sistêmica diante dos desdobramentos da crise financeira internacional que se arrasta desde 2008. Na Zona Euro, a situação se deteriora, no velho continente, a crise não é apenas financeira, mas evoluiu para uma crise monetária que abala os alicerces do Euro. Na América Latina a crise atingiu desigualmente diferentes paises, nações como Venezuela e México sofrem com sua profunda dependência em relação à economia estadunidense. Já o Brasil, Argentina e Bolívia foram atingidos de modo relativamente brando; no caso brasileiro á razão está em seu mais amplo repertório de relações comerciais internacionais e o extenso mercado interno associado a medidas anticíclicas. Nos casos da Argentina e Bolívia o escudo em relação á crise foi sua baixa integração com o mercado internacional. Nos EUA, Obama segue a política de procurar criar uma resposta aos efeitos da crise financeira sem contestar de forma mais incisiva os

interesses dos financistas. Aprovada em julho, a “Lei de Reforma de Wall Street e de Proteção ao Consumidor” procura realizar mudanças no sistema financeiro estadunidense no sentido de reduzir as transações de alto risco. Depois dos debates no Congresso norte-americano o resultado foi um documento que de fato, não altera significativamente o modus operandi dos banqueiros, e reduzido, segundo The Economist, apenas 10% do valor em derivativos que hoje acumulam em valores nominais cerca de 218 trilhões de dólares, ou seja, muitas vezes mais do que a riqueza real produzida nos EUA. O governo Obama não consolidou ainda uma fórmula política definitiva para a recuperação econômica e ainda amarga taxas de desemprego de 9,7% durante o ano de 2010. A tendência à recuperação é lenta e contraditória, se procura retomar a estabilidade protegendo os fatores de geração da mesma, ou seja, a alta circulação de capital fictício.

Na Europa, a situação econômica ainda é mais complexa devido a singularidade de sua arquitetura monetária. O Euro, grande aposta dos capitalistas alemães está em franca decadência, devido aos seus males de origem, quais sejam: 1) a ausência de um Tesouro Nacional que o garanta; 2) a inexistência, ou mesmo impossibilidade, de uma política fiscal

unificada da Zona Euro. O resultado é uma moeda sem apoio real, sustentada basicamente pela economia alemã. A insolvência da Grécia é apenas uma pequena amostra dos problemas que estão se avizinhando para a União Européia. A Grécia faliu prematuramente diante da precariedade de seu sistema fiscal, que não alcançou o nível de burocratização e expertise necessário a convivência com um sistema monetário comum do tipo do Euro. Porém isto foi apenas a bancarrota do elo mais fraco. Outras “semi-periferias” européias como Portugal e Espanha sofrem de uma desaceleração violenta da atividade econômica acumulando no caso espanhol um desemprego de 20,05% da população economicamente ativa. Foi então criado o Fundo Europeu de Estabilização Financeira com capacidade de lançar anualmente 750 milhões de Euro para conter os efeitos imediatos da crise, contudo a injeção de moeda sem crédito não garante a retomada da atividade produtiva. O repertório de medidas anti-crise também não superou o léxico do modelo neoliberal, a solução (basicamente alemã) apresentada para as nações em maiores dificuldade está na ampliação do ajuste fiscal, que compreende

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a redução do investimento, cortes de direitos sociais, etc. O remédio é amargo. Um exemplo do pacote europeu anti-crise foi a reforma da previdência francesa, aprovada definitivamente em novembro (2010), que eleva a idade necessária à aposentaria. Milhões de trabalhadores e estudantes tomaram as ruas, porém a maioria parlamentar que dispõe o governo Sarkozy se impôs à vontade dos franceses.

D ian te de um cenár io de instabilidades nos países centrais, o ciclo de reprodução do capital se firma em sua manifestação produtiva no leste asiático, em especial na China. Esta anunciou em julho a expansão de 1,33 trilhões de dólares no segundo trimestre do ano, o que ficou acima da expansão japonesa (1,28 trilhões de dólares). Isso coloca a China na posição de 2° economia mundial, através e ainda distante dos EUA (14 trilhões de dólares), porém este fato transforma Pequim no centro articulador da economia asiática e parceira preferencial dos países da região. A China é hoje a principal demandadora de matérias-primas, sendo a primeira parceira comercial do Brasil com 13% das vendas ao exterior, seguida pelo EUA com 11,3%. A economia chinesa pretende crescer 10% em 2010, crescimento sustentado pelo controle político do setor financeiro que por um lado permite o planejamento da economia, garante investimento nos setores dinâmicos (a taxa de investimento chegou em 2009 a 43% do PIB) e ao mesmo tempo mantêm a moeda desvalorizada o que permite um bom desempenho nas exportações. Os gargalos da economia chinesa ainda estão vinculados à procura pela incorporação da base tecnológica de ponta, distribuição de renda que ainda é precária no país. Sobrevivem desigualdades profundas entre as populações urbanas e rurais em termo de acesso a serviços básicos e garantias sociais mínimas. Por outro lado, a economia chinesa é ao mesmo tempo rival e parceira das economias que hoje encontram-se em crise, a principal parceira comercial chinesa é a União Européia, seguido dos EUA e Japão, que juntos, corresponde a cerca de 50% de toda a exportação do país. O prolongamento da crise nestes países afetará em grande medida a perfomace chinesa nos próximos anos, que leva ao mesmo tempo o país a procurar sustentar estas economias através da compra de sua dívida pública. A China é hoje a principal credora dos EUA, com 843,7 bilhões de dólares em papéis norte-americanos, isso implica em considerar que a bancarrota dos rivais não necessariamente significa uma vitória. Este é um dos principais dilemas chineses.

Ambiente Latino - Americano

A América Latina foi atingida de forma desigual pela crise; economias altamente vinculadas ao EUA sofreram de forma substantiva os impactos do caos financeiro norte-americano. A perspectiva de crescimento da região para 2010 e de 5,2%; o Brasil, Uruguai, Paraguai,

Argentina, Peru e Chile, crescerão acima de 6,5%. Um menor crescimento é esperado na República Dominicana, Panamá, Bolívia, Chile, México, Colômbia, Equador, Honduras, e Nicarágua e Guatemala. A taxa de desemprego está prevista para 7,4%, um pouco menor que 2009, que atingiu 8,2% da PEA. Países com menor integração à economia estadunidense sofreram menos com a crise financeira iniciada em 2008. É o caso da Bolívia que mantêm um crescimento de 4,5% ao ano, resultado importante para a economia boliviana que vêm investindo na diversificação de sua economia e na ampliação do mercado interno via programas estatais de distribuição de renda. As mesmas políticas são seguidas pelo Equador e pela Nicarágua que junto com Venezuela e Cuba procuram uma alternativa de integração econômica e social alternativa (ALBA) com rota para um desenvolvimento econômico articulado com a ampliação da distribuição de renda e melhoria da qualidade de vida das suas populações.

A perspectiva geral da economia la t ino-amer icano não é contundo confortável: existe a possibilidade de desaceleração do crescimento em 2011, em decorrência das dificuldades monetárias da Zona Euro. Uma variável importante é o aumento da presença econômica chinesa no subcontinente, que já é a segunda parceira comercial da região, explorando em grande parte matérias-primas. Porém este tipo de demanda contribui em curto prazo para o equilíbrio das contas externas, porém ainda sim mantém os constrangimentos ao desenvolvimento regional sustentado ao longo prazo. A CEPAL aponta como razões para uma estabilização da economia latino-americana em 2010 a ampliação do crédito que fortaleceu o consumo interno e incentivou o investimento privado. No entanto duas economias ainda se encontram com dificuldades maiores, são o México e a Venezuela.

O México sofreu em 2009 uma redução 6,5% do seu PIB, ampliando a informalidade do trabalho que hoje atinge 45% da PEA. O desemprego atinge 5,5% da PEA, contudo em cidades como Juarez, junto a fronteira com os EUA este índice sobre para 20% devido a retração das atividades produtiva das chamadas “maquiladoras” empresas norte-americanos que se instalam no país para explorar a mão-de-obra barata. Além disso, 80% das relações comerciais internacionais mexicanas são realizadas com os EUA, o que elevou ainda mais a fragilidade em relação à crise.

A Venezuela, devido a sua situação de enclave, ou seja, sua economia é baseada na produção de um único produto, o petróleo, esteve mais vulnerável ao baixo desempenho da economia mundial. Atualmente 50% do impostos arrecadados na Venezuela são provenientes da industria petroleira e 94 de cada 100 dólares que entram no país são originários do comércio deste produto. Os EUA é o maior comprador do petróleo venezuelano, que no 1° semestre de 2010 somou cerca de 16

bilhões de dólares, em contrapartida a Venezuela é superavitária nas relações comerciais com Washington, no mesmo período importou apenas 5 bilhões de dólares em produtos norte-americanos. O PIB reduziu 3,5% no primeiro semestre de 2010, e a inflação (11% em 2010) continua flagelando o povo venezuelano. O ingresso da Venezuela ao Mercosul significou um importante passo no sentido de integrar a Venezuela á economia da América do Sul, o que implica em progressivamente reduzir sua fragilidade comercial em relação aos EUA.

Tendências gerais

1) A recomposição do crescimento mundial, ao que tudo indica será lenta e dependerá em grande medida das respostas dos Estados Nacionais que em alguns países procuram algum nível de regulação como o caso dos EUA e Inglaterra, e em outros aposta em medidas heterodoxas como a China e Índia que ampliam sua capacidade de investimento como elemento ativo anti-cíclico. Em outros casos como no Brasil a diversificação dos parceiros comerciais, associada a uma constante aproximação com as nações no campo regional e ao mesmo tempo a maior presença do setor público na coordenação da economia e na tutela das grandes empresas (players mundiais) colaboram para a redução, pelo menos a curto prazo, dos impactos da crise mundial. No caso da União Européia (UE) existe ainda uma insistência nas políticas de caráter neoliberal, o que prejudicará a recuperação enormemente. Neste caso a desvalorização do euro implica em maiores dificuldades para os membros da UE, com exceção da Alemanha (principal economia da região) que poderá aproveitar desta desvalorização para equilibrar sua balança de pagamentos, dinamizando as suas exportações.

2) As economias periféricas ou semi-periféricas mais integradas ao espaço econômico norte-americano e da União Européia seguirão possuindo maiores dificuldades, serão reféns da recuperação das economias centrais.

3) O crescimento chinês é elemento importante para a solução da crise, mas não é capaz de sustentar períodos longos de contração do comércio internacional ao qual é integrado; a sua manutenção depende em grande medida de soluções encontradas na UE e nos EUA.

4) As tendências para a América Latina mais uma vez estão em disputa, será positiva se a orientação dos governos continuarem e aprofundarem-se no sentido da ampliação as relações comerciais com o parceiros regionais e, sobretudo os investimentos intra-bloco. O Banco do Sul, o Mercosul e outros tratados de cooperação são fundamentais para o enfretamento da crise no próximo período.

3Núcleo de Estudos Estratégicos / NEE - BPS

Page 4: Boletim nee   enfoque n° 1- análise de conjuntura

CENÁRIO INSTITUCIONALA modorra conservadora nas instituições brasileiras pouco mudou. Se no âmbito do executivo a hegemonia proto-social-democrata do PT e seus aliados prossegue de vento em popa; se no legislativo o bloco governista é substancioso o bastante para sustentar as iniciativas do executivo e abafar uma oposição mais vigorosa, no judiciário encontra-se um viveiro para agentes públicos com as posições mais retrógradas da Nação.

Devido à minúscula rotatividade dos membros seja do Judiciário seja do Ministério Público, somada ao formato da seleção para cargos em tais instituições – o qual garante com quase cem por cento de certeza que quem ocupará este cargo será um membro da classe média alta afastado por muitos anos (isso se um dia já tiver tido contato) da realidade jurídico-social concreta brasileira. E mais: a corrupção no Judiciário está tão c a l a m i t o s a q u e e n s e j o u u m pronunciamento do próprio Corregedor Nacional de Justiça, Ministro do STJ Gilson Dipp, que – a despeito da nula combatividade real do STJ – e mesmo do CNJ – se viu angustiado o bastante para falar com todas as letras à Folha de São Paulo em 24/08/10 que "Na verdade, o que foi constatado [na investigação da Corregedoria Nacional de Justiça] não era tão pontual assim. Isso foi surpreendente e chocante". Mas não se preocupe: o CNJ está tomando as providências para aplicar a alguns magistrados (até mesmo a um colega ministro do STJ, Paulo Medina) a pena máxima – aposentadoria integral compulsória, ou seja, o corrupto é aposentado, na integralidade dos seus proventos (ganhando exatamente o salário que ganhava na ativa), mas agora sem precisar de trabalhar! Punição assim, quem não quer?

R e t o m a n d o a l g o a c i m a colocado, tem-se que a política petista seria proto-social-democrata, ou seja, não seria nem social-democrata genuinamente. Por quê? Porque em muitas medidas legislativas, reforçadas pela ação das instituições jurídicas, a postura não é nem mesmo reformista – ela é francamente conservadora, elitista, ca r regando em s i ve rdade i ros retrocessos sociais.

Um exemplo é a questão penal no país. A cada dia o número de leis penais e o número de encarcerados aumentam, e ver t ig inosamente . Enquanto é tomada como política pública aclamável a construção massiva de penitenciárias (só em Minas serão construídas mais de uma dezena apenas em Ribeirão das Neves – sendo uma delas uma PPP) o direito penal e o processo penal se tornam cada dia mais autoritários, mais privados dos princípios que garantiam direitos fundamentais previsto em Constituição e em tratados internacionais.

Em 06/05/10 foi publicada a lei 12.234, que extingue a prescrição retroativa para processo penal no que toca ao período entre a data do cometimento do crime e o recebimento da denúncia pelo juiz. Na prática isso quer

dizer que a Polícia poderá investigar alguém por longos anos, sem respeitar as normas sobre a duração do inquérito existentes no Código de Processo Penal, e violando o mandamento constitucional que garante a duração razoável do processo (vide art. 5º, inciso LXXVIII).

Ainda, foi aprovado no último dia 15 de julho, pela Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4.053/08, que torna crime a Alienação Parental, que é quando um genitor induz o filho a romper os laços afetivos com o outro genitor. É o direito em sua faceta mais alucinatória: tentando controlar com prisão a dinâmica emocional, afetiva num núcleo familiar. É a criminalização dos aspectos mais íntimos e menos verificáveis da vida humana. O que dá um espaço de discricionariedade gigantesco para a ação arbitrária e repressiva do Judiciário.

Fora do âmbito penal em específico temos a polêmica sobre o Código Florestal Brasileiro, cuja alteração, proposta pelo deputado federal Aldo Rebelo (PC do B) em 09/06/10 beneficia em larga escala o agronegócio. Os pontos mais polêmicos do substituto do Código Florestal seriam: anistia completa aos desmatadores por crimes cometidos até 22 de julho de 2008 (sendo o prazo para recuperação das áreas degradadas ilegalmente fixados para longos 30 anos); abolição da Reserva Legal para agricultura familiar (até 04 módulos fiscais – 400 hectares, o que representa cerca de 90% dos imóveis rurais – ou seja, não haverá mais quase nenhuma área preservada dentro do conjunto de imóveis rurais no Brasil); possibilidade de compensação da Reserva Legal (onde ela ainda é exigida) fora da região ou da bacia hidrográfica, inclusive com a autorização para plantio de espécies exóticas (destruindo biomas com a substituição de espécies nativas com outras menos relevantes em termos ecológicos); transferência do arbítrio ambiental para os Estados e Municípios (o que, como muitos biomas, rios, etc ultrapassam fronteiras municipais e estaduais, impediria a aplicação e a fiscalização do cumprimento de leis). A proposta foi amplamente festejada pela bancada ruralista, encabeçada pela senadora Kátia Abreu, do DEM. O citado substitutivo deve passar pela Câmara Federal, o que deve ocorrer só depois das eleições.

No dia 24 de agosto último foi noticiado que o governo a realizar controle de vendas de terras por empresas brasileiras sob controle de empresas internacionais, algo que não acontecia desde 1994.

O u t r a m a n i f e s t a ç ã o d o conservadorismo das instituições brasileiras foi o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 154, que tratava da inaplicabilidade da Lei de Anistia de 1979 para crimes de tortura, estupro e desaparecimento de prisioneiros políticos por parte de agentes da ditadura. O relator da

Argüição no STF, Ministro Eros Grau, falsificou uma realidade histórica clara até mesmo para quem não viveu o período: a despeito do que o Ministro (ex-prisioneiro político) afirma em seu voto, a anistia não foi ampla, geral e irrestrita, como os movimentos sociais exigiam: a anistia foi unilateral (não foi fruto de um grande acordo nacional), imposta nos termos da ditadura de plantão, e manteve preso todos os prisioneiros políticos que haviam sido condenados por crimes com previsão também no Código Penal comum – ou seja, se os agentes públicos também cometeram crimes violentos comuns, não seriam passíveis de anistia. Os outros votos foram ou cínicos ou débeis, que claramente explicitavam meramente uma posição política de manter os agentes ditatoriais na impunidade. Entretanto o caso Gomes Lund já teve sua instrução encerrada na Corte Interamericana de Direitos Humanos no dia 21/05/10 – a sentença sairá nos próximos meses. Esse caso julga o Estado brasileiro quanto ao desaparecimento de 70 pessoas entre 1972 e 1975 na Guerrilha do Araguaia. Um dos pontos de mérito sobre os quais a Corte tem que se manifestar diz respeito à inaplicabilidade da anistia para crimes de violação dos direitos humanos, o que significaria de fato – se viesse um pronunciamento sustentando essa inaplicabilidade – uma condenação do Estado brasileiro em âmbito internacional; o Estado brasileiro seria um “criminoso” segundo o Direito Internacional.

Por fim, cabe falar sobre a famosa Lei da Ficha Limpa – Lei Complementar 135/10. Essa lei vem alterar a Lei Complementar 64, que versa sobre os casos de inexigibilidade. Ela suspende o direito de se eleger de uma série de pessoas, pelo restante do mandato (para aqueles que estiverem cumprindo algum) e pelos oito anos seguintes. Além da interdição para políticos condenados com prazo relativo ao restante do mandato mais oito anos após, a disposição mais polêmica está na alínea “e” do inciso I do art. 1º, que impede de se eleger pessoas condenadas por inúmeros crimes comuns (listados nos itens da citada alínea), desde a condenação até oito anos após o cumprimento da pena. Ou seja: pessoas que entrem no processo de criminalização e sejam condenadas não com trânsito em julgado (impossibilidade de mais recursos), mas meramente por um órgão colegiado (como o Tribunal de Justiça estadual) ficarão um longuíssimo tempo sem poder se elegerem, e alguns, após apenas serem condenados por um crime poderão ficar até 38 anos com os direitos políticos suspensos (cidadão condenado à pena máxima no sistema penal brasileiro); além do que, uma mera condenação no rol de crimes indicado na lei, ainda que aplicando pena pequenina,

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suspenderá por certo por 8 anos dos ditos direitos políticos. A lei alterada já está em vigor, valendo para as eleições de 2010, e já vem obstar inúmeros líderes sociais que, devido à perseguição dos dignitários do poder, foram condenados por se insurgirem contra a injustiça brasileira sustentada institucionalmente. Essa lei da Ficha Limpa só pode ser sustentada por pessoas de índole autoritária ou por quem ignora como é fácil condenar alguém no nosso sistema judicial.

Contudo, ações na vertente contrária existem – apesar de poucas: temos também a querela acerca do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). O projeto de lei complementar (PLP) 277/08, de autoria dos deputados do PSOL Luciana Genro, Ivan Valente e Chico Alencar, que vem a dar concretude

à disposição contida no art. 153, inciso VII da Constituição da República – que prevê tal imposto –, já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Falta agora passar pela Comissão de Finanças e Tributação e seguir para votação pelo Plenário da Câmara; depois disso o PL segue para o Senado.

O IGF nos moldes propostos irá tributar fortunas avaliadas com sendo de valor acima de R$2.000.000,00. A base de cálculo será a soma de todos os bens imóveis (inclusos os recebidos em doação, permuta, legado ou herança) e créditos pecuniários (como ações) do contribuinte. Daí segue que “para o patrimônio de R$ 2 milhões a R$ 5 milhões, a taxação será de 1%. Entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, ela será de 2%. De R$ 10 milhões a R$ 20 milhões, de 3%. De R$ 20 milhões a R$ 50 milhões, de 4%; e de 5% para fortunas

superiores a R$ 50 milhões”, conforme informa a Carta Maior. Para os fins da lei, contribuinte seriam as pessoas físicas residentes no Brasil e as pessoas (físicas e jurídicas) que, residindo ou tendo sede no exterior, possuam patrimônio em solo brasileiro.Até mesmo um especialista à esquerda do espectro político consultado afirma que a proposta de IGF de Luciana Genro e colegas é bem avançada. A alíquota é bem alta, e a taxação seria mais alta do que o esperado por quem militava pela criação do imposto. Em suma, a proposta é bem progressista – o que pode atrapalhar a aprovação do PL em sua essência no Congresso, uma vez que, como está, o Projeto corre o imenso risco de sofrer emendas e alterações que o desfigurem por completo.

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ENSAIODiferentemente do que ocorre em outros países, a intelectualidade no Brasil participa ativamente da esfera pública política e mantêm uma estreita relação com as instituições políticas e seus atores. Ao se posicionar no interior da disputa política, estabelece um canal de interação entre a academia e os debates nacionais e em alguma medida influencia tanto os partidos quanto a população em geral. Esta legitimidade é fruto do papel que os/as intelectuais exerceram no processo de redemocratização do país, atuando na organização dos partidos políticos e movimentos sociais que surgiram no período. Soma-se a isso o caráter público (em sua maioria) da pós-graduação e dos centros de pesquisas brasileiros, o que contribui para esta a estabilidade para atuar com menores riscos de retaliação (pelo menos formalmente).

A Intelectualidade Brasileira: uma disputa ou uma possibilidade?

Abordar uma questão delicada ou digamos complexa; e ainda, contando com a inexperiência de quem se arrisca ao tema será a primeira colocação. Tratar de intelectualidade deveria ser trabalho de quem convive no meio, ou de quem pode fazer uma avaliação desse setor. Entretanto se nos colocamos a necessidade de fazê-lo, quem escreve colocará alguns pontos para uma reflexão coletiva.

Em primeiro lugar o que seria para nós, no interior de uma organização de massas essa figura do intelectual? Outra seria ele existe em nosso meio, qual a sua necessidade?

Ass im, ser ia a p r ime i ra motivação para uma discussão. Compreendemos a figura do intelectual inserido ou não numa organização, mas comprometido com o momento histórico em que vive. Oriundo ou não da classe trabalhadora, produzindo uma teoria que acompanhe o movimento, as ações da classe trabalhadora em seu organizar, a s s i m t r a z e m o s u m a p o s s í v e l contribuição. A contribuição teórica é imprescindível, mas nunca deve ser alheada da realidade vivida pela classe trabalhadora em seu movimento.

“...nós todos, intelectuais, temos uma certa idéia de que se resolvermos teoricamente um problema, o problema está efetivamente resolvido. Não é assim. Essas grandes questões são resolvidas pelos movimentos sociais. São eles que colocam os problemas; o que cabe aos intelectuais é organizar , sistematizar teoricamente, dar forma às soluções que já estão sendo encontradas na prática. É esta, como

diria Gramsci, a correta relação entre os intelectuais e os simples. Não se trata assim, para nós intelectuais, de inventar. Marx não inventou o movimento operário(...) a partir desse movimento real buscou dar forma teórica, elaborar uma estratégia de longo prazo, mostrar onde estava efetivamente a exploração do trabalho e as condições de superá-la” (1)

Acreditamos na organização política e no intelectual inserido nela ou apoiando-a no seu cotidiano de luta; trabalho que deve ser organizado em sua realidade, com seus conflitos. Sabemos da importância dos conflitos para o crescimento e nada mais inerte que uma organização sem conflitos que a ajudam a melhorar suas ações, promover auto crítica. Por isso complementamos com a citação de Gramsci, nos perdoando sua extensão, mas acreditando na realização de um trabalho conjunto, aqui colocando, sem citar nomes a dificuldade de uma ação cotidiana desses intelectuais, seria uma possibilidade ou uma disputa? No caso brasileiro como buscá-los para atuar? Ou seria uma simples consultoria sua contribuição?

“Uma das características dos intelectuais como categoria social cristalizada(isto é, que concebe a si mesma como continuação ininterrupta na história, e, portanto, independentemente da luta dos grupos e não como expressão de um processo dialético, pelo qual todo grupo social dominante elabora uma categoria de intelectuais própria) é, precisamente, a de relacionarem-se, na esfera ideológica, com uma categoria intelectual precedente, através de uma idêntica nomenclatura de conceitos. Todo novo organismo histórico(tipo de sociedade) cria uma nova superestrutura, cujos representantes especializados e porta vozes(os intelectuais) só podem ser concebidos também como “novos” intelectuais, surgidos de uma nova situação, e não como a continuação direta da intelligentsia precedente, não são verdadeiramente “novos”, isto é, não são ligados

ao novo grupo social que representa organicamente a nova situação histórica, mas são um rebotalho conservador e fossilizado do grupo social historicamente superado(o que, de resto, é o mesmo que dizer que a nova situação histórica ainda não atingiu o grau de desenvolvimento necessário para ter a capacidade de criar novas superestruturas, mas vive ainda no invólucro carcomido da velha história)” (2)

Muitas vezes por sua inserção na Universidade, falamos aqui estritamente do contexto brasileiro e de forma geral sem citar nomes, que lhe toma muito tempo( a precarização também no interior da academia) que o possível para organizar-se, outras pelas conflituosas relações com os movimentos e organizações políticas, algumas vezes pela “vaidade” e relação de poder em ao lembrar o que representam publicamente, torna-se complexa a atuação conjunta. Assim, desejamos colocar em pauta a necessidade de a cada dia forjar nossa intelectualidade, apresentarmo-nos à formação política cotidiana, experimentar a universidade, mas saber de suas contradições, admitir que é nossa tarefa a luta por todas as democratizações inclusive a do saber, o da disputa por ele, para buscar os intelectuais comprometidos com a luta dos trabalhadores, e ainda, sermos nós mesmos os intelectuais.

(1) COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia na Batalha das idéias e nas lutas políticas de hoje. In: Democracia e Construção do Público no pensamento Educacional Brasileiro.

(2) GRAMSCI. Antonio. Cadernos do Cárcere.p125. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1999

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