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ISSN 1980–024X B OLETIM DE I NICIAÇÃO C IENTÍFICA EM M ATEMÁTICA · BICM AT VOLUME XIII OUTUBRO DE 2016 DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA IGCE · RIO CLARO

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ISSN 1980–024X

BOLETIM DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EMMATEMÁTICA · BICMAT

VOLUME XIIIOUTUBRO DE 2016

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

IGCE · RIO CLARO

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ISSN 1980–024X

BOLETIM DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM

MATEMÁTICA · BICMAT

Comissão editorialCarina AlvesMarta Cilene GadottiNativi Viana Pereira BertoloThiago de Melo

Editoração gráficaThiago de Melo

RealizaçãoConselho de Curso de Graduação em MatemáticaDepartamento de MatemáticaIGCE · Unesp Rio Claro

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EDITORIAL

O Boletim de Iniciação Científica em Matemática · BICMat é uma publicação que sedestina a difundir prioritariamente trabalhos de Iniciação Científica em Matemática que fa-zem parte de projetos desenvolvidos por alunos do Curso de Graduação em Matemática doIGCE, Unesp Rio Claro. Eventualmente trabalhos de Iniciação Científica realizados em outrasinstituições poderão também ser publicados neste Boletim.

O BICMat foi criado em 1998 e nessa época foram publicados dois volumes; o primeiro noano de criação e o segundo em 2000.

Considerando a importância da Iniciação Científica para o graduando, e o sempre crescentenúmero de projetos desta natureza desenvolvidos em nossa instituição, resolvemos reativar apublicação do BICMat em 2006, com ISSN 1980–024X.

Destacamos que a autoria dos trabalhos apresentados no BICMat é dos alunos. O orien-tador figura apenas como responsável científico.

Este Boletim também está aberto à divulgação de trabalhos que não sejam frutos deprojetos de Iniciação Científica, mas que sejam de interesse dos alunos do curso de graduaçãoem Matemática. Estes trabalhos serão selecionados pelos Editores.

Este volume está disponibilizado eletronicamente na página do Departamento de Mate-mática no endereço

http://igce.rc.unesp.br/#!/departamentos/matematica/

ou através do código QR

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SUMÁRIO

A Resultante

Brendol Alves Oliveira Gomes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Transformada de Fourier e Propriedades

Felipe Felix Souto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

Pêndulo Simples Amortecido – Estudo Qualitativo

Felipe Longo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Introdução à Modelagem em Epidemiologia

Gabriela Lopes Theodoro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Modelo de Equações Diferenciais com Delay para o Estudo do HLB em Citros

Maria Letícia Salvador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

Modificações no Modelo de Verhulst Discreto

Pedro Henrique Giraldi de Souza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

Modelo de Competição Larval para uma População de Mosquitos Aedes Aegypti

Quédima Carlevaro de Souza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz

Raul Felipe de Oliveira Francisco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

4

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BOLETIM DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EMMATEMÁTICA · BICMatVol. 13 (2016) 5–14

A Resultante

Brendol Alves Oliveira Gomes†Orientador(a): Elíris Cristina Rizziolli

Resumo: Este trabalho consiste em explorar um método com o qual podemosidentificar os pontos de interseção entre duas curvas planas, sendo essas dadasna sua forma polinomial no anel K[X,Y ]. Ainda faremos um estudo sobre amultiplicidade da Resultante a qual irá indicar o número máximo de pontos deinterseção.

Palavras-chave: Curvas planas, geometria algébrica, pontos de interseção

Abstract: This work is to explore a method with which we can identify the pointsof the intersection between two plane curves given in polynomial form on the ringK[X,Y ]. We also study the multiplicity of the resulting which will indicate themaximum number of points of intersection.

Keywords: Plane curves, algebraic geometry, intersection points

1 A Resultante

Para encontrar os pontos de interseção a estratégia é fixar uma variável e procurar quaisseriam os pontos de interseção dos polinômios vistos em uma variável. Isto é, sendo f e gpolinômios em K[X,Y ] e fixando X como constante (admitindo-a como constante indicando-apor x) temos que f(x, Y ) e g(x, Y ) são polinômios em K[Y ] e procuramos valores para os quaisf(x, Y ) = 0 e g(x, Y ) = 0. Geometricamente queremos as projeções, sobre eixo das abcissas,dos pontos da interseção entre f e g. Resultante é nome dado ao método para encontrar ospontos de interseção de duas curvas de maneira analítica, como veremos a seguir.

Definição 1. Sejam f e g ∈ A[Y ], em que A = K[X], tais que: f = adYd + · · ·+ a0 (d ≥ 1)

e e g = beYe + · · · + b0 (e ≥ 1). Definimos a Resultante de f e g como sendo o seguinte

determinante

Rf,g(X) =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

ad ad−1 . . . a0ad . . . a1 a0

. . . . . . . . .ad . . . a0

be be−1 . . . b0be . . . b1 b0

. . . . . . . . .be . . . b0

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣.

A ordem desta matriz é (d+e)× (d+e), possui e linhas de coeficientes do polinômio f e dlinhas de coeficientes de g e os espaços em branco é composto por zeros. Observe que o graude f e g são respectivamente d e e, mas pode ocorrer casos em que ad e be sejam nulos. Paracontornar esse problema, escolheremos o grau efetivo, isto é, o maior grau em que ocorre emY . Observe também que esse determinante nos fornece um polinômio em x.†Bolsista PET

5Departamento de Matemática

IGCE · Unesp Rio Claro

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A Resultante 6

Vejamos um exemplo:

Exemplo 2. Calculemos a Resultante dos polinômios f = X2 + Y 2 − 4 e g = XY − 1.Podemos considerar f e g como polinômios em Y , assim

f = Y 2 + (x2 − 4) e g = xY − 1.

Desta forma o grau de f é d = 2, e seus coeficientes a2 = 1, a1 = 0 e a0 = x2 − 4, já parag, grau e = 1 coeficientes: b1 = x e b0 = −1.

Assim a Resultante é o determinante

R(X) =

∣∣∣∣∣∣1 0 x2 − 4x −1 00 x −1

∣∣∣∣∣∣ = x4 − 4x2 + 1.

Observe que as raízes para Rf,g = 0 são√

2 +√

3,√

2−√

3, −√

2 +√

3 e −√

2−√

3.

Os próximos resultados mostram que o método da Resultante é consistente.

Proposição 3. Sejam f =

d∑j=0

ajYj e g =

e∑l=0

blYl ∈ A[Y ], em que A é um domínio de

fatoração única, então

Rf,g = 0⇔

ad = 0 = be

ouf, g admitem um fator comum não constante.

Prova: Primeiramente veja Rf,g = 0 ocorre é quando o determinante que o define é nulo. Esabemos que um determinante é nulo se, e somente se,

• A matriz tem uma linha ou uma coluna nula. Ou

• A matriz possui uma linha ou coluna múltipla de outra.

Logo se Rf,g = 0 então ou ad = 0 = be, ou, f e g admitem um fator em comum.Reciprocamente, se ad = 0 = be temos que a matriz que define Rf,g tem uma coluna nula

e portanto, Rf,g = 0.Agora suponha que os polinômios f e g possuem h como um fator comum não constante.

Logo, f = ph e g = qh, para p e q ∈ A[Y ]. Assim phq = qhp⇒ fq = gp. Escrevendo{p = u0Y

d−1 + · · ·+ ud−1

q = v0Ye−1 + · · ·+ ve−1

temos que pela equação acima,

(adYd + · · ·+ a0)(v0Y

e−1 + · · ·+ ve−1) = (beYe + · · ·+ b0)(u0Y

d−1 + · · ·+ ud−1).

Distribuindo u’s e os v’s.

(adYd+e−1 + · · ·+ a0Y

e−1)v0 + · · ·+ (adYd + · · ·+ a0)(ve−1) =

(beYd+e−1 + · · ·+ b0Y

d−1)u0 + · · ·+ (beYe + · · ·+ b0)(ud−1).

Ou seja,(adY

d+e−1 + · · ·+ a0Ye−1)v0 + · · ·+ (adY

d + · · ·+ a0)(ve−1)

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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A Resultante 7

−(beYd+e−1 + · · ·+ b0Y

d−1)u0 − · · · − (beYe − · · · − b0)(ud−1) = 0.

Podemos escrever esse sistema na forma matricial:

ad −be...

...a0 −b0

......

ad −be...

...a0 −b0

......

ad −be...

...a0 −b0

v0...vi...

ve−1u0...uj...

ud−1

=

0

...

...

0

Este sistema tem solução nula se o determinante da seguinte matriz

A =

ad −be...

...a0 −b0

......

ad −be...

...a0 −b0

......

ad −be...

...a0 −b0

é nulo, isto é, det(A) = 0, pois ui e vj não são identicamente nulo.

Mas observe que esta matriz é semelhante a matriz que define a Resultante de f e g, assim,Rf,g = (−1)e(det(At)), na qual e é as colunas b′s que são negativas.

Logo,Rf,g = (−1)e(det(At)) = 0.

Lema 4. Se ϕ : A → B é um homomorfismo de anéis e ϕ∗ é o homomorfismo induzidoA[Y ]→ B[Y ] definido por ϕ∗(

∑aiY

i) =∑ϕ(ai)Y

i, então ϕ(Rf,g) = Rϕ∗(f),ϕ∗(g), para todof e g em A[Y ], em que os graus atribuídos a ϕ∗(f) e ϕ∗(g) são os mesmos de f , g.

Prova: Suponha que ϕ : A→ B seja um homomorfismo de anéis e consideremos o homomor-fismo induzido:

ϕ∗ : A[Y ] −→ B[Y ]∑i

aiYi 7−→ ϕ∗

(∑i

aiYi

)=∑i

ϕ(ai)Yi.

Sejam f(Y ) =d∑j=0

ajYj e g(Y ) =

e∑l=0

blYl ∈ A[Y ].

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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A Resultante 8

Mostremos que ϕ(Rf,g) = Rϕ(f),ϕ(g).De fato, sabemos que

Rf,g =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

ad ad−1 · · · a0ad · · · a1 a0

ad · · · a0be be−1 · · · b0

be · · · b1 b0

be · · · b0

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣= D(a0, . . . , ad, b0, . . . , be),

em que D é a expressão do determinante Rf,g em termos de ad, . . . , a0, be, . . . , b0.Assim, como ϕ é um homomorfismo temos que

ϕ(Rf,g) = ϕ(D(a0, . . . , ad, b0, . . . , be)) = D(ϕ(a0), . . . , ϕ(ad), ϕ(b0), . . . , ϕ(be)).

Por outro lado, sendo

ϕ∗(f) = ϕ∗

d∑j=0

ajYj

=

d∑j=0

ϕ(aj)Yj

e

ϕ∗(g) = ϕ∗

(e∑l=0

blYl

)=

e∑l=0

ϕ(bl)Yl

Segue que

Rϕ(f),ϕ(g) =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

ϕ(ad) ϕ(ad−1) . . . ϕ(a0)ϕ(ad) . . . ϕ(a1) ϕ(a0)

. . . . . . . . .ϕ(ad) . . . ϕ(a0)

ϕ(be) ϕ(be−1) . . . ϕ(b0)ϕ(be) . . . ϕ(b1) ϕ(b0)

. . . . . . . . .ϕ(be) . . . ϕ(b0)

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣= D(ϕ(a0), · · · , ϕ(ad), ϕ(b0), · · · , ϕ(be)) = ϕ(Rf,g).

Observação 5. Como Rf,g é um polinômio na variável x, indicamos por Rf,g(x) a Resultantevalorada em x ∈ K.

Corolário 6. Se {f = ad(X1, X2, . . .)Y

d + · · ·+ a0(X1, X2, . . .)

g = be(X1, X2, . . .)Ye + · · ·+ b0(X1, X2, . . .)

ai, bi ∈ K[X1, X2, . . .], então para cada x = (x1, x2, . . .), temos

R(x) = 0⇔

ad(x) = 0 = be(x)

ouf(x, Y ), g(x, Y ) admitem um fator comum não constante.

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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A Resultante 9

Prova: Faremos a demostração considerando que ai e bj são polinômios na variável X (e ocaso geral segue pelo Princípio da Indução Finita). Para cada x ∈ K considere a seguinteaplicação:

ϕx : K[X] −→ K

h(X) =n∑i=0

ciXi 7−→ ϕx

(n∑i=0

ciXi

):=

n∑i=0

cixi = h(x).

Pode-se notar que ϕx é um homomorfismo conforme Teorema 22.4, p. 201, [2] e este induz ohomomorfismo ϕ∗x, dado por:

ϕ∗x : K[X,Y ] −→ K[Y ]

f(X,Y ) 7−→ f(x, Y ).

Pelo Lema 4, segue que:

Rf,g = ϕx(Rf,g) = Rϕ∗x(f),ϕ∗x(g) = Rf(x,Y ),g(x,Y ).

Agora pela Proposição 3, temos

Rf(x,Y ),g(x,Y ) = 0⇔

ad(x) = 0 = be(x)

ouf(x, Y ), g(x, Y ) admitem um fator não constante.

Mas Rf(x,Y ),g(x,Y ) = Rf,g(x), ou seja,

Rf,g(x) = 0⇔

ad(x) = 0 = be(x)

ouf(x, Y ), g(x, Y ) admitem um fator não constante.

Observação 7. O Corolário 6 nos mostra que Rf,g ≡ 0 se, e somente se, f e g admitemcomponente não constante em comum, ou seja, a interseção entre f e g é não finita.

Exemplo 8. Calculemos a Resultante de f = X2 + Y 2 − 2X e g = Y 2 −X.Fixando X como constante, f = Y 2 + (x2 − 2x) e g = Y 2 + (−x). Temos

Rf,g(x) =

∣∣∣∣∣∣∣∣1 0 x2 − 2x 00 1 0 x2 − 2x1 0 −x 00 1 0 −x

∣∣∣∣∣∣∣∣ = x2(x− 1)2.

Veja que não conseguimos estimar diretamente a quantidade de interseções, pois comoX = 0 e X = 1 são raízes múltiplas, podem ser ambos pontos de tangência.

Mas no traço destas curvas observamos que somente em (0, f(0)) temos a tangência.Por outro lado, quando calculamos a Resultante fazendo Y constante, temos;

Rf,g(y) =

∣∣∣∣∣∣1 −2 y2

−1 y2 00 −1 y2

∣∣∣∣∣∣ = y2(y − 1)(y + 1).

Agora é possível ver que existem três pontos de interseção. Mas a multiplicidade do ponto(0, 0) ocorre tanto em Rf,g(x) como em Rf,g(y) pois este é o ponto de tangência na intercessãodas curvas.

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A Resultante 10

f

g

1

1

−1

2 O Grau da Resultante

Nesta seção vamos introduzir o grau da Resultante, a saber, o número máximo de pontosde interseção entre duas curvas.

Inicialmente vamos definir direção assintótica de uma curva, cuja a interpretação geomé-trica pode ser vista como o limite das retas OP no qual O é a origem e P é um ponto dacurva que se afasta da origem.

Definição 9. Seja f um polinômio em K[X,Y ], podemos decompor em soma de polinômioshomogêneos, isto é,

f = f0 + f1 + · · ·+ fn,

em que cada fi é homogêneo de grau i, (um polinômio é homogêneo de grau d se p(λX) =λdp(X)), e tendo fd 6= 0.

Cada componente aX + bY de fd é chamada direção assintótica de f .

Observação 10. Sendo fm =m∑i=0

aiXiY m−i um polinômio homogêneo não nulo, conseguimos

o decompor como o seguinte produto fatores irredutíveism∏i=1

(biX + ciY ) em que as frações

bi/ci estão bem determinadas.De fato, considere o polinômio

f(X,Y ) = a0Yn + a1XY

n−1 + · · ·+ an−1Xn−1Y + anX

n,

como tendo coeficientes consecutivos nulos da seguinte forma: a0 = a1 = · · · = 0 e/ouan = an−1 = · · · = 0.

Podemos escreve-lo da seguinte forma

XrY n−s(d0Yu + d1Y

u−1X + · · ·+ du−1Y Xu−1 + duX

u) (2.1)

em que d0 e du são não nulos.

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A Resultante 11

Definimos h(X,Y ) = d0Yu + d1Y

u−1X + · · · + du−1Y Xu−1 + duX

u assim considerandoα1, α2, . . . , αu raízes complexas do polinômio h(X, 1), obtemos

h

(X

Y, 1

)= d0

u∏i=1

(X

Y− αi

).

Agora multiplicando a igualdade acima por Y u, temos que

h(X,Y ) = d0

u∏i=1

(X − Y αi),

e assim por (2.1), segue que

f(X,Y ) = XrY n−sd0

u∏i=1

(X − Y αi).

Observe que Xr = (1X − 0Y )(1X − 0Y ) . . . (1X − 0Y ), r-vezes e também, Y n−s(0X −1Y )(0X − 1Y ) . . . (0X − 1Y ), (n− s)-vezes.

Desta forma, obtemos a decomposição do polinômio f(X,Y ).Caso a0 e ad são não nulos, tome h(X,Y ) como f(X,Y ) e resultado segue de forma

análoga.

Exemplo 11. A curva f = 1−XY tem como direção assintótica X e Y , pois sendo fd = XY ,este pode ser decomposto como (0X + 1Y )(1X + 0Y ).

Veja também que g = Y 2−X, tem Y como direção assintótica, pois Y 2 = (0X+1Y )(0X+1Y ).

Exemplo 12. Calculemos a Resultante das curvas f, g como no exemplo anterior, com a retar : Y − (aX + b) = 0.

(i)

Rf,r(x) =

∣∣∣∣ −x 11 −(ax+ b)

∣∣∣∣ ,assim, Rf,r(x) = ax2+bx−1. Veja que se reta tem a mesma direção assintótica de f teríamosRf,r(x) = 1.

(ii)

Rg,r(x) =

∣∣∣∣∣∣1 0 −x1 −(ax+ b) 00 1 −(ax+ b)

∣∣∣∣∣∣ ,ou seja, Rg,r(x) = ax2 + (2ab− 1)x+ b2.

Caso a reta possua a mesma direção assintótica de g, Rg,r(x) é dada por x.

Veja que quando temos a reta não possuindo a mesma direção assintótica das curvas segueque o grau de Rf,r e Rg,r é igual a 2 e coincide com o produto do grau do polinômio f e gcom o grau 1 da reta, reciprocamente.

A seguir mostraremos este resultado, para tanto consideramos primeiramente o seguinteLema:

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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A Resultante 12

Lema 13. Um polinômio p ∈ K[X1, . . . , Xn] é dito homogêneo de grau m se, e somente se, aseguinte identidade ocorre:

p(TX1, . . . , TXn) = Tmp(X1, . . . , Xn) em K[X1, . . . , Xn, T ], (2.2)

em que T é uma nova variável independente.

Prova: Veja que se p é homogêneo de graum, temos que o resultado segue direto da definição.Agora, suponha que (2.2) seja verdadeira.Podemos escrever p como p = p0 + p1 + · · ·+ pr, em que cada pi é homogêneo de grau i e

pr 6= 0. Logo, pi(TX) = T ipi(X), ∀i.Assim abreviando para X a n-upla (X1, . . . , Xn), podemos escrever

p(TX) = p0(TX) + p1(TX) + · · ·+ pr(TX) = p0(X) + Tp1(X) + · · ·+ T rpr(X).

Por hipótese temos que p(TX) = Tmp(X), assim

Tmp(X) = p(TX) = p0(X) + Tp1(X) + · · ·+ T rpr(X).

Por outro lado,

Tm(p(X)) = Tm(p0 + p1(X) + · · ·+ pr(X)) = Tmp0 + Tmp1(X) + · · ·+ Tmpr(X).

Então,

Tmp0 + Tmp1(X) + · · ·+ Tmpr(X) = p0(X) + Tp1(X) + · · ·+ T rpr(X).

Mas esta igualdade somente é válida se pi(X) ≡ 0, i ∈ {0, 1, . . . , r − 1} e m = r.Ou seja,

p = pm.

E portanto p é polinômio homogêneo de grau m.

Proposição 14. O grau da Resultante entre duas curvas sem direção assintótica em comumé igual ao produto dos graus dessas curvas, isto é,

∂(Rf,g) = (∂f)(∂g).

Prova: Sejam f =∑d

i fi e g =∑e

i gi em K[X,Y ], em que fi, gi são homogêneos de grau i efd, ge polinômios não nulos. No que se segue Z uma nova variável que não depende de X eY , podemos escrever

f∗(X,Y, Z) = Zdf0 + Zd−1f1 + · · ·+ Zfd−1 + fd,

g∗(X,Y, Z) = Zeg0 + Ze−1g1 + · · ·+ Zge−1 + ge.

Veja que f∗ é homogêneo de grau d, pois cada fi homogêneo de grau i

f∗(λX, λY, λZ) =

(λZ)df0(λX, λY ) + (λZ)d−1f1(λX, λY ) + · · ·+ (λZ)fd−1(λX, λY ) + fd(λX, λY ) =

(λ)dZd(λ0)f0(X,Y )+(λ)d−1Zd−1(λ1)f1(X,Y )+· · ·+(λ)Z(λd−1)fd−1(X,Y )+(λd)fd(X,Y ) =

(λ)dZdf0(X,Y ) + (λ)dZd−1f1(X,Y ) + · · ·+ (λd)Zfd−1(X,Y ) + (λd)fd(X,Y ) =

(λd)[Zdf0(X,Y ) + Zd−1f1(X,Y ) + · · ·+ Zfd−1(X,Y ) + fd(X,Y )] = (λd)f∗(X,Y, Z).

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A Resultante 13

E ainda f∗(X,Y, 1) = f(X,Y ).O mesmo ocorre para g∗

Podemos escrever os polinômios f∗ e g∗ como:

f∗ = A0Yd + · · ·+Ad e g∗ = B0Y

e + · · ·+Be

em que, Ai e Bj ∈ K[X,Z] são homogêneos de grau d e e respectivamente.Calculando a Resultante de f∗ e g∗:

Rf∗,g∗(X,Z) =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

A0 . . . Ad. . . . . .

A0 . . . AdB0 . . . Be

. . . . . .B0 . . . Be

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣.

Mostremos que Rf∗,g∗ é homogêneo se o seu grau for d · e e ainda não for identicamentenulo. Como consequência teremos ∂(Rf,g) = (∂f)(∂g).

Pelo Lema 13 basta mostrar que

Rf∗,g∗(TX, TZ) = T d·eRf∗,g∗(X,Z) em K[X,Z, T ].

Calculando Rf∗,g∗(TX, TZ):

Rf∗,g∗(TX, TZ) =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

A0 TA1 . . . . . . T dAdA0 . . . . . . T d−1Ad−1 T dAd

. . . . . .A0 . . . T dAd

B0 TB1 . . . . . . T eBeB0 . . . . . . T e−1Be−1 T eBe

. . . . . .B0 . . . T eBe

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣.

Se multiplicamos a segunda linha por T , a terceira T 2, até a e-ésima por T e−1 e fazendo omesmo para as linhas de B′s, a segunda linha de B′s por T , até a última, sendo multiplicadapor T d−1, obtemos:

∆ =

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

A0 TA1 . . . . . . T dAdTA0 . . . . . . T dAd−1 T d+1Ad

. . . . . .T e−1A0 . . . T d+e−1Ad

B0 TB1 . . . . . . T eBeTB0 . . . . . . T eBe−1 T e+1Be

. . . . . .T d−1B0 . . . T e+d−1Be

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣= TNR(XT,ZT )

no qual N = (1 + 2 + · · ·+ d− 1) + (1 + 2 + · · ·+ e− 1) que é o número de vezes que T foimultiplicado nas linhas da matriz.

Agora veja que, podemos colocar em evidência as variável T no determinante ∆, de talmodo que resta apenas termos em X e Z e obtemos TMRf∗,g∗(X,Z), em que M = 1 + 2 +· · ·+ e+ d− 1.

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A Resultante 14

Fazendo M −N , temos o seguinte:

M −N =(d+ e)(d+ e− 1)

2− e(e− 1)

2− d(d− 1)

2

=d2 + de− d+ de+ e2 − e− e2 + e− d2 + d

2= de.

Para ilustrar o teorema observe os exemplos abaixo

Exemplo 15. Sejam f(X,Y ) = X2 + Y 2 − 4 e g(X,Y ) = XY − 1, que não possuem direçãoassintótica em comum. Como visto no Exemplo 2 a Resultante entre esses polinômios éRf,g(x) = x4 − 4x2 + 1 que possui grau 4 e coincide com o grau de (fg)(X,Y ) = X3Y +XY 3 −X2 − Y 2 − 4XY + 4.

Exemplo 16. Sendo os polinômios s(X,Y ) = X2+Y −4 e t(X,Y ) = 3X2−4Y . A Resultanteé dada do seguinte modo

Rs,t =

∣∣∣∣ 1 x2 − 4−4 3x2

∣∣∣∣ = 7x2 − 16

e ainda (st)(X,Y ) = 3X4 + 3X2Y − 4XY 2 − 12X2 + 4Y 2 − 4, e como essas possuem direçãoassintótica em comum (X2), segue que ∂(Rs,t) 6= ∂(s)∂(t).

Agradecimentos: Agradeço à professora Elíris Cristina Rizziolli que me instruiu durante osseminários, ao grupo PET-Matemática pelas experiencias e amizades e aos meus amigos queauxiliaram nesses dolorosos e aproveitosos anos.

Referências Bibliográficas

[1] Vainsencher, I., Introdução às Curvas Algébricas Planas. Coleção matemática universi-tária, Rio de Janeiro: IMPA (2005).

[2] Fraleigh, J. B., A First Course in Abstract Algebra. Boston: Addison Wesley (2003).

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Transformada de Fourier e Propriedades

Felipe Felix Souto†Orientador(a): Marta Cilene Gadotti

Resumo: A Transformada de Fourier tem grande importância em resolver algunsproblemas físicos clássicos que tratam, de certa forma, do “infinito”, como a vi-bração das cordas (semi) infinitas, a condução de calor na barra (semi) infinita euma das mais conhecidas, o problema de Dirichlet pra a equação de Laplace nosemiplano. Neste trabalho, buscamos desenvolver o conceito da Transformada emostrar algumas aplicações dela: o cálculo de integrais impróprias e a resoluçãode EDP’s.

Palavras-chave: Transformada de Fourier, funções de decaimento rápido, relaçõesde Parseval, problema de Dirichlet

Abstract: The Fourier transform has its importance in solving some classic physicalproblems dealing with the “infinite”, as the vibration of the strings (semi) infinite,the heat conduction in the bar (semi) infinite and one of most known, the Dirichletproblem for the Laplace equation in the half-plane. In this work, we develop theconcept of Transform and show some applications of it: the calculation of improperintegrals and the resolution of PDE’s.

Keywords: Fourier transform, rapid decay functions, Parseval relations, Dirichletproblem

1 Definição da Transformada de Fourier

Primeiramente, daremos a definição formal da Transformada de Fourier, para depois jus-tificar os espaços considerados na definição e ainda começar a trabalhar com algumas de suaspropriedades.

Definição 1. Dizemos que uma função f : [−L,L]→ R é L1, quando for integrável e absolu-tamente integrável. Além disso, tal função será L2, quando além de integrável, for quadradointegrável.

Definição 2. Seja f : R→ C uma função função L1, sua transformada de Fourier é definidapor:

F[f ](ξ) = F (ξ) = (2π)−12

∫ ∞−∞

e−ixξf(x) dx. (1.1)

Vamos justificar as hipóteses para a função e mostrar a necessidade de fazê-las.

(a) Como nosso objetivo era definir a transformada pela expressão (1.1) com:∫ ∞−∞

e−ixξf(x) dx = limM,N→∞

∫ N

−Me−ixξf(x) dx, (1.2)

†FAPESP (processo 2015/00534-0)

15Departamento de Matemática

IGCE · Unesp Rio Claro

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Transformada de Fourier e Propriedades 16

onde M e N tendem a infinito independentemente, devemos buscar uma classe de fun-ções para as quais a integral (1.2) converge. A primeira classe a considerar é a de funçõestais que:

(i) f é seccionalmente contínua em cada intervalo [−M,N ];

(ii)∫ ∞−∞|f(x)| dx <∞.

Obviamente, a propriedade (i) garante a integrabilidade e a limitação do integrandoe−ixξf(x) em cada intervalo [−M,N ] e, da propriedade (ii), dado ε > 0, existe K > 0tal que: ∫

|x|>K|f(x)| dx < ε⇒

∣∣∣∣∣∫|x|>K

e−ixξf(x) dx

∣∣∣∣∣ ≤∫|x|>K

|f(x)| dx < ε.

(b) No item (a), conseguimos uma classe de funções cuja transformada de Fourier está bemdefinida, entretanto ela não é tão geral. Então, vamos buscar uma que seja um poucomelhor. Note que as funções do espaço L1(R) tem a integral em (1.2) sendo convergente,isto requer que f e |f | sejam integráveis, em cada intervalo [−M,N ], e além disto existam

limM,N→∞

∫ M

−Nf(x)dx e lim

M,N→∞

∫ M

−N|f(x)|dx. (1.3)

É fácil notar que se f for seccionalmente contínua em cada intervalo [−M,N ] e existir(1.3), então f será L1.

(c) O trabalho com funções L1 terá mais importância a frente, pois este tipo de função terápropriedades bastante interessantes na Transformada de Fourier. Entretanto, não sãoapenas nestes tipos de funções que poderemos aplicar a Transformada de Fourier, porexemplo:

f(x) =sen(x)

x

não é uma função L1, mas é possível aplicar a Transformada.

(d) Como em muitas aplicações valores complexos aparecem com bastante frequência, vamosdizer que uma função f : R→ C é uma função L1, quando suas partes real e imagináriao forem.

Proposição 3. A Transformada de Fourier, F (ξ), de uma função L1, f(x), é uma transfor-mação linear contínua e se anula no infinito.

Veja a prova na referência [2].

Definição 4. Dizemos que uma transformação linear T : X → Y , onde X e Y são espaçosvetoriais normados, é limitado quando existe M > 0 tal que:

||T (v)||Y ≤M ||v||X , ∀v ∈ X.

Observação 5. Não é sempre que F (ξ) é L1. Considere a função pulso unitário:

u1(x) =

{1, |x| ≤ 1,

0, |x| > 1.

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Transformada de Fourier e Propriedades 17

Sua Transformada é dada por:

F (ξ) =1√2π

[∫ 1

−1cos(ξx) dx− i

∫ 1

−1sen(ξx) dx

]=

2 sen(ξ)√2πξ

,

que não é uma função L1.

Note que, com o exemplo acima, podemos considerar a teoria um tanto quanto assimétrica.De agora em diante, estudaremos a Transformada de Fourier em um subconjunto de L1, em queF seja rico de propriedades. Um bom espaço seria C∞0 , das funções infinitamente diferenciáveisde suporte compacto. Uma desvantagem é que a transformada de uma função dessa classe,em geral também não tem suporte compacto.

Exemplo 6. A função

f(x) =

1− |x|a, |x| ≤ a,

0, |x| > a,

pertence a C∞0 , mas sua Transformada

F (ξ) =2(1− cos(aξ))

aξ2√

2π,

não.

Deste fato, devemos escolher um outro conjunto, o conjunto S das funções de decresci-mento rápido, que contem C∞0 e veremos na próxima seção que terá propriedades um poucomelhores.

2 O espaço S e a transformada de Fourier em S

Buscamos um bom espaço para “usar” a Transformada de Fourier, pretendemos então,definir tal espaço e ver quais propriedades a transformada possui nesse espaço que o torna tãointeressante para o estudo.

Definição 7. Uma função f : R→ C é de decaimento rápido se ela for infinitamente diferen-ciável e

lim|x|→∞

xmDnf(x) = 0, ∀m,n ∈ Z+,

onde Dn indica derivação de ordem n da função. Denominamos o conjunto das funções dedecrescimento rápido por S.

Observação 8. O espaço das funções definido acima recebe o nome de Espaço de Schwartz,em homenagem ao matemático Laurent Schwartz, que criou a Teoria das Distribuições.

Exemplo 9. A função f(x) = e−x2 é uma função de decaimento rápido.

Nosso próximo resultado dará uma caracterização para as funções de decaimento rápido.

Proposição 10. Uma função infinitamente derivável f : R→ C é de decaimento rápido se, esomente se, dados m,n ∈ Z+, existe M(m,n) ∈ R+ tal que:

|xmDnf(x)| ≤M(m,n), ∀x ∈ R.

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Transformada de Fourier e Propriedades 18

Prova: Suponha que f seja de decaimento rápido, isto é,

lim|x|→∞

xmDnf(x) = 0, ∀m,n ∈ Z+.

Então, existe N > 0 tal que

|x| > N ⇒ |xmDnf(x)| ≤ 1. (2.1)

Por outro lado, a continuidade da f garante que ela é limitada no intervalo limitado[−N,N ], isto é, existe Km,n > 0 tal que

|xmDnf(x)| ≤ Km,n, ∀x ∈ [−N,N ]. (2.2)

Portanto, tomando M(m,n) = max{1,Km,n}, segue de (2.1) e (2.2) o resultado.Reciprocamente, suponha que para cada m,n ∈ Z+, exista M(m,n) ∈ R+ tal que

|xmDnf(x)| ≤M(m,n), ∀x ∈ R.

Usando a equação acima para m+ 1 e n, obtemos:

|xm+1Dnf(x)| ≤M(m+ 1, n)⇒ |xmDnf(x)| ≤ |x|−1M(m+ 1, n).

Logo, como lim|x|→∞

|x|−1M(m+ 1, n) = 0, segue o resultado.

Corolário 11. Uma função infinitamente diferenciável f : R→ C é de decaimento rápido se,e somente se, dados polinômios P (X) e Q(x), existe uma constante M(P,Q) > 0 tal que:

|Q(x)P (D)f(x)| ≤M(P,Q), ∀x ∈ R.

Prova: Da Álgebra Linear, a cada polinômio P (X) =n∑j=0

ajXj podemos associar um opera-

dor diferencial linear com coeficientes constantes P (D) =n∑j=0

ajDj .

Basta tomar Q(x) = xm e P (X) = Xn, que o resultado segue diretamente da Proposi-ção 10.

Reciprocamente, da Proposição 10, basta observar que:

|Q(x)P (D)f(x)| ≤b∑

j=0

m∑i=0

|ajbi| |xjDif(x)| ≤b∑

j=0

m∑i=0

|ajbi|M(m,n) = M(P,Q).

O próximo resultado é uma decorrência direta dos dois últimos.

Corolário 12. Se f : R→ C estiver em S, então Dnf e xmf também estarão, quaisquer quesejam m,n ∈ Z+, assim como xmDnf . Além disso, para quaisquer polinômios P (X) e Q(x),temos que Q(x)P (D)f estará em S.

Proposição 13. Toda função de decaimento rápido f : R→ C é uma função L1.

Prova: Obviamente, em cada intervalo [−M,N ], a função f é contínua e logo, limitada eintegrável, o que implica na integrabilidade de |f |. Agora, basta provar a convergência da

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Transformada de Fourier e Propriedades 19

integral imprópria. Para tanto, tomando a desigualdade da Proposição 10 para n = 0 em = 2,temos

|x2f(x)| ≤M(2, 0)⇒∫|x|≥1

|f(x)|dx ≤M(2, 0)

∫|x|≥1

|x|−2dx =

M(2, 0)

[−1

x

]∞1

= M(2, 0)⇒∫ ∞−∞|f(x)| dx ≤

∫ 1

−1|f(x)| dx+M(2, 0) <∞.

Agora que sabemos que toda função de decaimento rápido é uma função L1, todas proprie-dades da Transformada de Fourier vistas para funções L1 também são válidas, assim podemosdeduzir dois resultados pelo que já vimos até agora.

Corolário 14. Se f : R→ C está em S, então Q(x)P (D)f é uma função L1, para quaisquerpolinômios P e Q.

Corolário 15. Se f, g : R→ C estão em S, então:

F[α f + β g] = αF[f ] + β F[g], ∀α, β ∈ R.

Proposição 16. Se f : R→ C for uma função de S, então F[f ] será infinitamente derivável e

Dnξ F[f ] = F[(−ix)nf(x)].

Mais geralmente, se P (X) for um polinômio, então:

P (Dξ)F[f ] = F[P (−ix)f(x)].

Prova: Como a transformada é uma função representada por integral, sabemos que ela éderivável e podemos derivar sob o sinal de integração (veja referência [3])

F (ξ) = (2π)−12

∫ ∞−∞

e−ixξf(x)dx⇒ F ′(ξ) = (−ix)F (ξ)⇒ Fn(ξ) = (−ix)nF (ξ).

Para a parte do polinômio, basta observar que a transformada é uma transformação linear.

Proposição 17. Se f : R→ C for uma função de S, então

F[Dnf ] = (iξ)nF[f ], ∀n ∈ Z+.

Mais geralmente, se P (X) for um polinômio, então:

F[P (D)f ] = P (iξ)F[f ].

Prova: Faremos por indução sobre n. Mostraremos primeiro para n = 1:Usando integração por partes:∫ ∞

−∞e−ixξf ′(x)dx =

[e−ixξf(x)

]∞−∞

+ iξ

∫ ∞−∞

e−ixξf(x)dx = iξ F[f ].

Agora, suponha que é válido para n− 1 e provemos para n, basta observar que:∫ ∞−∞

e−ixξf (n)(x)dx =[e−ixξf (n−1)(x)

]∞−∞

+ iξ

∫ ∞−∞

e−ixξf (n−1)(x)dx =

iξ F[f (n−1)] = (iξ)nF[f ].

Para a parte do polinômio, basta observar que a transformada é uma transformação linear.

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Transformada de Fourier e Propriedades 20

Proposição 18. Se f : R → C for uma função de S, então sua Transformada de Fouriertambém será.

Prova: Usando as proposições anteriores, para quaisquer m e n inteiros:

ξmDnξ F[f ] = ξmF[(−ix)nf ] = F[(−iD)m{(−ix)nf}].

Segue do Corolário 12 que (−iD)m{(−ix)nf} está em S, logo em L1 e, portanto, o primeiromembro da expressão acima é limitado, pois o último membro é uma integral convergente.Portanto, da Proposição 2.1,segue que F é de decaimento rápido.

Até agora, sabemos que a Transformada é um operador linear no espaço S, o que veremosagora é que é também uma bijeção e encontraremos sua função inversa. Mas para isso,definiremos uma função auxiliar por:

F[g](s) = (2π)−12

∫ ∞−∞

eitsg(t) dt.

O próximo resultado requer algumas teorias que não são exploradas nesse trabalho (comoos núcleos de Dirac) e por isso, omitimos sua demonstração (que pode ser encontrada nareferência [2]).

Teorema 19 (a fórmula da inversa de Fourier). Sejam f : R → C uma função da S e F (ξ)sua Transformada de Fourier, então:

f(x) = (2π)−12

∫ ∞−∞

eixξF (ξ) dξ. (2.3)

Teorema 20. F : S → S é um operador linear injetor, sobrejetor e tal que F−1 = F.

Prova: Usando a função auxiliar:

F[g](s) = (2π)−12

∫ ∞−∞

eitsg(t) dt,

segue do teorema anterior que:

F[F[f ]] = (2π)−12

∫ ∞−∞

eitsF (t) dt = f(x). (2.4)

Logo, F[f ] = 0⇔ f(x) = 0, em outras palavras, f é injetora.Agora, para sobrejetividade, seja G(ξ) uma função de S. Então, defina g(x) = F[G(ξ)] e

observe que, usando o teorema anterior:

F[g(x)] = (2π)−12

∫ ∞−∞

eixξ (2π)−12

∫ ∞−∞

eixηG(η) dη dx

= (2π)−12

∫ ∞−∞

e−ixξF[G](−x) dx = G(ξ),

(2.5)

ou seja, é sobrejetora.Quanto a questão da inversa, segue diretamente de (2.4) e (2.5).

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Transformada de Fourier e Propriedades 21

3 Produto de Convolução

Definição 21. Dadas duas funções, f e g em S, definimos o produto de convolução de f porg como sendo:

(f ∗ g)(x) =

∫ ∞−∞

f(x− y)g(y) dy. (3.1)

Observação 22. (i) Note que, denotando M = max{|f(x)|}:

|(f ∗ g)(x)| =∣∣∣∣∫ ∞−∞

f(x− y)g(y) dy

∣∣∣∣ ≤M ∫ ∞−∞|g(y)| dy,

ou seja, a integral definida em (3.1) converge uniformemente, pelo Teste M de Weiers-trass.

(ii) Fazendo a mudança de variável u = x− y ⇒ du = −dy, teremos:

(f ∗ g)(x) =

∫ ∞−∞

f(x− y)g(y) dy =

∫ ∞−∞

f(u)g(x− u) du = (f ∗ g)(u),

isto é, (f ∗ g) = (g ∗ f).

Proposição 23. Se f e g forem funções de S, então

(a) (f ∗ g) ∈ C∞ e Dn(f ∗ g) = (Dnf) ∗ g = f ∗ (Dng).

(b) (Fórmula de Leibniz) Para m ≥ 0:

xm(f ∗ g) =

m∑k=0

(m

k

)(xkf) ∗ (xm−kg).

(c) (f ∗ g) ∈ S.

Prova: (a) Seja M1 = max |f (n)(x)| e note que:

|f (n)(x− y)g(y)| ≤M1|g(y)| ⇒∣∣∣∣∫ ∞−∞

f (n)(x− y)g(y)dy

∣∣∣∣ ≤M1

∫ ∞−∞|g(y)|dy <∞,

ou seja, a integral converge uniformemente, o que nos permite derivar sob o sinal deintegração e obter

Dn(f ∗ g)(x) =

∫ ∞−∞

f (n)(x− y)g(y) dy.

A segunda igualdade, segue da mesma maneira.

(b) Basta observar que:

xm(f ∗ g) =

∫ ∞−∞

xm f (x− y)g(y)dy =

∫ ∞−∞

m∑k=0

(m

k

)(x− y)kf(x− y)(ym−kg(y) dy.

(c) Devemos provar que xmDn(f ∗ g)(x) é limitado.

Segue dos itens anteriores que:

xmDn(f ∗ g)(x) = xm[(Dnf) ∗ g)(x) =

m∑k=0

(m

k

)[(xkDnf) ∗ (xm−kg)](x),

como cada função na expressão é S, segue o resultado.

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Transformada de Fourier e Propriedades 22

Teorema 24. Se f e g estão em S, então F[f ∗ g] = (2π)12F[f ]F[g].

Prova: Por Fubinizinho (veja referência [3]), temos:∫ ∞−∞

e−ixξ∫ ∞−∞

f(x− y)g(y) dy dx =

∫ ∞−∞

e−iyξg(y)

∫ ∞−∞

e−i(x−y)ξf(x− y) dx dy,

pois, sendo h(x, y) = e−ixξf(x− y)g(y), temos:∫ ∞−∞|h(x, y)| dy dx <∞ e

∫ ∞−∞|h(x, y)| dx dy <∞.

Observação 25. Com um raciocínio análogo ao da demonstração do teorema anterior, pode-mos mostrar que:

F[f ∗ g] = (2π)12F[f ]F[g].

Teorema 26. Se f e g estão em S, então fg também estará e :

F[fg] = (2π)−12 (F[f ] ∗ F[g]).

Prova: Basta definir F = F[f ] e G = F[g]. que teremos f = F[f ] e g = F[G]. De onde seguirá,usando a observação anterior:

fg = (2π)−12F[F ∗G]⇒ F[fg] = F[(2π)−

12F[F ∗G]] = (2π)−

12 [F ∗G].

4 Problema de Dirichlet para a equação de Laplace num semiplano

A resolução de EDP’s pela Transformada de Fourier é um processo intuitivamente simples,calculamos a transformada da solução, usamos as condições da equação (e caso tenha, ascondições iniciais), determinamos a cara da transformada e aplicamos a transformada inversapara determinar a solução desejada.

O problema de Dirichlet no semiplano consiste em, dada uma função f : R→ R, determi-nar uma função u(x, y) no semiplano y > 0 satisfazendo:{

uxx + uyy = 0, em y > 0,u(x, 0) = f(x), ∀x ∈ R.

(4.1)

Supondo que f e u sejam funções de decaimento rápido no semiplano, definimos a trans-formada de u, para cada y fixado por:

U(ξ, y) =1√2π

∫ ∞−∞

u(x, y)e−iξxdx⇒ Uyy(ξ, y) =1√2π

∫ ∞−∞

uyy(x, y)e−iξxdx

=1√2π

[e−ixξux

]∞−∞

+[iξe−ixξ

]∞−∞

+ ξ2U(ξ, y) = ξ2U(ξ, y),

pois u(x, y)→ 0 e ux(x, y)→ 0, quando |x| → ∞.Assim temos a seguinte solução:

U(ξ, y)c1e|ξ|y + c2e

−|ξ|y.

Como U(ξ, y)→ 0 quando |ξ| → ∞, segue que

U(ξ, y) = C2e−|ξ|y,

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Transformada de Fourier e Propriedades 23

que usando as condições de (4.1), obtemos:

U(ξ, 0) = F[f ](ξ),

ou seja,U(ξ, y) = F[f ](ξ)e−|ξ|y.

Por fim, basta utilizar a Observação 25 para obter:

u(x, y) =y

π

∫ ∞−∞

f(t)

y2 + (x− t)2dt.

5 O Teorema de Plancherel–Parseval

Proposição 27. Toda função de S é uma função L2.

Demonstração. Seja f : R→ C uma função de S, então ela é L1, ou seja, suas partes reais eimaginárias são integráveis. Além disso, para m = 1 e n = 0, temos

0 < |x f(x)| ≤M(1, 0)⇒ |xf(x)|2 ≤M(1, 0)2 ⇒ x2 f(x)2 ≤M(1, 0)⇒∫|x|≥1

|f(x)|2 dx ≤M(1, 0)2∫|x≥1|x|−2 = 2M(1, 0)2,

assim,∫ ∞−∞|f(x)|2 dx =

∫|x|≤1

|f(x)|2 dx+

∫|x|≥1

|f(x)|2 dx ≤∫|x|≤1

|f(x)|2 dx+ 2M(1, 0)2 <∞.

Teorema 28. Dadas f, g : R→ C em S, tem-se:∫ ∞−∞

f(x)g(x) dx =

∫ ∞−∞

F (ξ)G(ξ) dξ (5.1)

e ∫ ∞−∞

f(x)2 dx =

∫ ∞−∞

F (ξ)2dξ. (5.2)

Prova: Sejam F = F[f ] e G = F[g], assim (usando “Fubinizinho” (veja referência [3])):∫ ∞−∞

F (ξ)G(ξ) dξ = (2π)−1/2 =

∫ ∞−∞

F (ξ)

∫ ∞−∞

eixξg(x) dx dξ =

(2π)−1/2 =

∫ ∞−∞

g(x)

∫ ∞−∞

eixξF (ξ) dξ dx =

∫ ∞−∞

g(x)f(x) dx.

Fica assim provado (5.1). Para provar (5.2), basta observar que para um número complexoqualquer, ww = |w|2.

5.1 Aplicação: Cálculo de integral imprópria

Com a relação de acabamos de mostrar, é possível calcular algumas integrais imprópriasde uma maneira mais “fácil”, por exemplo,∫ ∞

−∞

sen2(at)

t2dt.

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Transformada de Fourier e Propriedades 24

Para tanto, considere novamente a função pulso unitário

f(x) =

{1, |x| ≤ 1,

0, |x| > 1.

Vimos que sua Transformada é dada por:

F (ξ) =2 sen(ξ)√

2πξ.

Por fim, basta se usar a relação (5.1), obtemos que:∫ ∞−∞

sen2(ξ)

ξ2dξ =

π

2

∫ ∞−∞

f(x) dx =π

2

∫ 1

−1dx = π.

Note que para o cálculo de uma integral difícil, conseguimos resolvê-la por uma simplesintegral definida, ou seja, a Transformada de Fourier, além de ser útil para resolver algumasEDP’s, também ajuda em alguns problemas do cálculo.

Agradecimentos: Agradeço aos meus familiares e amigos por todo suporte durante minhagraduação, minha orientadora Marta pela orientação nesse trabalho e à FAPESP pelo apoiofinanceiro.

Referências Bibliográficas

[1] Arfken, G. B., Webber, H. J. and Harris, F. E., Mathematical Methods for Physicists,Elsevier, 7th edition, 2013.

[2] de Figueiredo, D. G., Análise de Fourier e Equações Diferenciais Parciais, AssociaçãoInstituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, Rio de Janeiro, 2003.

[3] Souto, F. F. and Gadotti, M. C., Funções representadas por integrais, C.Q.D. - RevistaEletrônica Paulista de Matemática, v. 6IC, p. 04–14, 2016.

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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BOLETIM DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EMMATEMÁTICA · BICMatVol. 13 (2016) 25–30

Pêndulo Simples Amortecido – Estudo Qualitativo

Felipe Longo†Orientador(a): Marta Cilene Gadotti

Resumo: O objetivo principal do projeto de iniciação científica é a teoria de estabi-lidade para sistemas de equações diferenciais ordinárias. Neste trabalho, traremosalgumas definições e resultados e os aplicaremos na equação do pêndulo simplesamortecido, encontrando maneiras de estudar seu comportamento sob certas con-dições.

Palavras-chave: Equação do pêndulo, pêndulo simples amortecido, teoria de esta-bilidade

Abstract: The main objective of the research project is the theory of stability forordinary differential equations. In this work, we will bring some definitions andresults and will apply the equation of simple pendulum damped by finding ways tostudy their behavior under certain conditions.

Keywords: Pendulum equation, simple pendulum damped, stability theory

1 Introdução

O pêndulo, como objeto de estudo, em geral, é dado por uma esfera de massa m presa porum cabo ou corda de comprimento fixo L. Assim, a equação do pêndulo simples é dada por

θ +g

Lsen θ = 0,

onde θ é o deslocamento angular (ângulo entre a corda que segue o pêndulo e o eixo vertical) eg é a constante gravitacional. Porém, se considerarmos a resistência do ar, obtemos a equação

θ +k

mθ +

g

Lsen θ = 0 ,

onde k > 0 é a constante de proporcionalidade entre a velocidade linear e a resistência do ar.Assim, para obter a equação do pêndulo, devemos considerar alguns pontos importantes.

A relação entre o deslocamento linear e o deslocamento angular é dada por s = Lθ. Assim,temos que s = Lθ. Além disso, temos que a resistência do ar é inversamente proporcional aodeslocamento linear. Logo, da relação anterior, temos que R = ‖~R‖ = −ks = −kLθ.

A força de tração T da corda e a componente da força peso ~P = m~g paralela a T tem mesmomódulo mas sentidos opostos, anulando-se. Ou seja, T = ‖~T‖ = ‖m~g cos θ‖ = mg cos θ.

Consideramos, neste estudo, que a intensidade da força de resistência do ar é pequena osuficiente de forma que mg sen θ = ‖m~g sen θ‖ > ‖~R‖ = R. É importante ressaltar tambémque as constantes g, L, k e m são positivas.

Agora, para chegarmos à equação do pêndulo, devemos fazer um estudo das forças con-forme suas componentes nos sentidos dos eixos x e y, conforme a figura 1.†PIBIC/Reitoria

25Departamento de Matemática

IGCE · Unesp Rio Claro

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Pêndulo Simples Amortecido – Estudo Qualitativo 26

x

y

L

θ

θ

~R

m~g sen θ

m~g cos θ

m~g

~T

m

Figura 1: Forças que atuam sobre o pêndulo

Consideramos, primeiramente, no sentido do eixo x. Temos, pela 2a Lei de Newton queFx = mx, onde Fx é a componente da força resultante na direção do eixo x e x é a componentedo deslocamento linear na direção de x.

Além disso, temos que as componentes de ~R e ~T na direção de x são dadas por Rx = R cos θe Tx = −T sen θ, respectivamente.

Agora, na direção de y, assim como em x, temos que Fy = my. Assim como as componentesde ~R, ~T e ~P na direção de y são dadas por Ry = −R sen θ, Ty = −T cos θ e P = mg,respectivamente.

Portanto, obtemos

mx = R cos θ − T sen θ e my = mg −R sen θ − T cos θ.

Isolando −T em ambas as equações, obtemos

−T =mx−R cos θ

sen θe − T =

my −mg +R sen θ

cos θ.

O que nos dámx cos θ −R cos2 θ = my sen θ −mg sen θ +R sen2 θ.

Ou então,

x cos θ − y sen θ =R

m(sen2 θ + cos2 θ)− g sen θ.

Logo,

x cos θ − y sen θ =R

m− g sen θ. (1.1)

Para continuarmos com os cálculos, temos que{x = L sen θ

y = L cos θ⇒

{x = L cos θ θ

y = −L sen θ θ⇒

{x = −L sen θ θ2 + L cos θ θ

y = −L cos θ θ2 − L sen θ θ

Substituindo estes resultados em (1.1), obtemos

−L sen θ cos θ θ2 + L cos2 θ θ + L sen θ cos θ θ2 + L sen2 θ θ =R

m− g sen θ

⇒ L(cos2 θ + sen2 θ

)θ = Lθ =

R

m− g sen θ.

Como R = −kLθ, entãoLθ =

−kLm

θ − g sen θ.

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Pêndulo Simples Amortecido – Estudo Qualitativo 27

Chegando, então, à equação desejada

θ +k

mθ +

g

Lsen θ = 0. (1.2)

2 Estudo Qualitativo

Para facilitar na aplicação dos resultados da teoria de estabilidade, escreveremos a equação(1.2) sob a forma matricial. Para tanto, chamemos z1 = θ e z2 = θ. Então, da equação (1.2),temos

z =

[z1z2

]=

[z2

− kmz2 −

gL sen z1

].

Ou então,

z =

[0 1

− gL − k

m

] [z1z2

]+

[0

gL (z1 − sen z1)

].

Chamando, então,

A =

[0 1

− gL − k

m

]e f(z) =

[0

gL (z1 − sen z1)

],

podemos reescrever a equação sob a forma

z = Az + f(z). (2.1)

Antes das definições e dos resultados, introduziremos uma notação. Seja z(t) uma soluçãode um sistema z = h(t, z) satisfazendo a condição inicial z(t0) = z0, então denotaremosz(t) = z(t; t0, z0).Para as definições, considere o sistema autônomo

z = g(z). (2.2)

Definição 1. Uma solução constante φ0 ∈ Rn de (2.2) é chamada Solução de Equilíbrio seg(φ0) = 0.

Definição 2. Uma solução de equilíbrio φ(t) = φ0 de (2.2) é dita Estável se, dado ε > 0,podemos encontrar δ > 0 (dependendo de ε) tal que se z(t; t0, z0) é uma solução qualquer de(2.2) tendo ‖z0 − φ0‖ < δ, então a solução z(t; t0, z0) existe e satisfaz ‖z(t; t0, φ0) − φ0‖ < εpara todo t ≥ t0.

Definição 3. Uma solução de equilíbrio φ(t) = φ0 de (2.2) é dita Assintoticamente Estávelse é estável e se existe δ0 > 0 tal que se z(t; t0, z0) é uma solução qualquer de (2.2) com‖z0 − φ0‖ < δ0, então lim

t→+∞z(t; t0, z0) = φ0.

Definição 4. Uma solução de equilíbrio φ(t) = φ0 de (2.2) é dita Globalmente Assintotica-mente Estável quando, para todo t0 > 0 e todo z0 ∈ Rn, a solução correspondente z(t; t0, z0)de (2.2) aproxima-se de φ0 quando t→ +∞.

Observação 5. Uma solução de equilíbrio que não é estável é chamada instável.

Já introduzidos os principais conceitos sobre estabilidade, vejamos o seguinte resultado, oqual será utilizado para o estudo qualitativo da equação (2.1). A demonstração do respectivoresultado pode ser encontrada em [2, Teorema 4.3, p. 161].

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Pêndulo Simples Amortecido – Estudo Qualitativo 28

Teorema 6. Considere o sistema com perturbação

z = Az + h(t, z),

onde A é uma matriz n× n constante. Suponha que todos os autovalores de A tenham parte

real negativa, h(t, z) e∂h

∂zj(t, z) (j = 1, . . . , n) são contínuas em Dh = {(t, z) ∈ R× Rn | t ≥

0, ‖z‖ < k}, para alguma constante k > 0, h(t, 0) ≡ 0 e f é pequena no sentido de que

lim‖z‖→0

‖h(t, z)‖‖z‖

= 0 (2.3)

com respeito a t ≥ 0. Então a solução z ≡ 0 é assintoticamente estável.

Observação 7. Algumas observações sobre o teorema:

i) A hipótese de que h(t, z) e∂h

∂zj(t, z) (j = 1, . . . , n) sejam contínuas em Dh garante a

existência e a unicidade da solução de um P.V.I. associado à equação;

ii) h(t, 0) ≡ 0 significa que z(t) ≡ 0 é solução de equilíbrio do sistema;

iii) As hipóteses de que todos os autovalores de A tenham parte real negativa e de que hsatisfaça (2.3) garantem a estabilidade assintótica da solução nula.

A partir deste teorema, temos que a solução nula de (2.1) é assintoticamente estável.De fato, podemos ver facilmente que z ≡ 0 é solução de (2.1). Agora, para a estabilidade

assintótica, vejamos que A tem autovalores negativos e que f satisfaz (2.3).Com efeito, temos que o polinômio característico de A é dado por pA(λ) = λ2 + k

mλ+ gL .

Logo, os autovalores de A são dados por

λ =− km ±

√k2

4m2 − 4 gL

2= − k

2m±√

k2

4m2− g

L. (2.4)

Portanto, devido ao fato das constantes k, m, L e g serem todas positivas, temos λ < 0 seλ ∈ R e Re(λ) < 0 se λ ∈ C.

Veja também que

lim‖z‖→0

‖f(z)‖‖z‖

= lim|z1|→0

∣∣ gL(z1 − sen z1)

∣∣|z1|

=g

L

∣∣∣∣ limz1→0

z1 − sen z1z1

∣∣∣∣ = 0 .

Ou seja, f satisfaz (2.3). Chegando, então, na estabilidade assintótica da solução de equilíbrioz ≡ 0.

Agora, se considerarmos o sistema

w = Aw, (2.5)

onde A é a mesma matriz do sistema (2.1), então temos que a solução de equilíbrio w ≡ 0 de(2.5) é globalmente assintoticamente estável.Da estabilidade assintótica da solução nula de (2.1) e da estabilidade assintótica global dasolução nula de (2.5), temos que lim

t→+∞‖w(t, t0, w0)‖ = 0, ∀t ≥ 0, ∀w0 ∈ Rn,

limt→+∞

‖z(t, t∗0, z0)‖ = 0, ∀t ≥ 0, ∀z0 ∈ Rn, ‖z0‖ < k,

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Pêndulo Simples Amortecido – Estudo Qualitativo 29

de onde obtemos quelim

t→+∞||w(t, t0, w0)− z(t, t∗0, z0)|| = 0

para z0 e w0 suficientemente pequenos. Quando isso ocorre, dizemos que os sistemas (2.1) e(2.5) são assintoticamente equivalentes.

Se tomarmos w1 = θ e w2 = θ, obtemos a equação de 2a ordem

θ +k

mθ +

g

L= 0, (2.6)

a qual é chamada de equação do pêndulo simples amortecido.Logo, do nosso estudo qualitativo, vemos que, para um valor inicial de θ suficientemente

pequeno, temos que as soluções de (1.2) e (2.6) se comportam de forma similar. Assim,como não é possível obter as soluções de (1.2), podemos trabalhar, para valores iniciais de θsuficientemente pequenos, com as soluções de (2.6).

Para tanto, temos que as soluções de (2.6) são da forma θ = ceλt, onde λ, como vistoanteriormente, é da forma

λ = − km±√

k2

4m2− g

L= − k

m±√β.

Então, temos as seguintes possibilidades:

i) Se β > 0, então

λ1 = − km

+√β e λ2 = − k

m−√β

são dois autovalores reais negativos e, portanto,

θ(t) = c1eλ1 + c2e

λ2 .

ii) Se β = 0, então λ = − km é um autovalor único negativo e, assim,

θ(t) = e−km (c1 + tc2) .

iii) Se β < 0 então

λ1 = − km

+ i√−β e λ2 = − k

m− i√−β

são dois autovalores complexos e, então,

θ(t) = e−kmt (c1 cos (βt+ ω) + c2 sen (βt+ ω)) .

3 Conclusões

Diante de uma equação diferencial à qual não podíamos obter suas soluções explicitamente,introduzimos e aplicamos resultados muito importantes da teoria de estabilidade. Resultadosestes que permitem que, na equação (1.2), trocássemos sen θ por θ, obtendo (2.6), e estudás-semos as soluções deste novo sistema.

A teoria de estabilidade tem um papel muito grande no estudo das equações diferenciaisquando não se tem interesse em um estudo numérico (quantitativo), mas sim num estudoanalítico (qualitativo).

Agradecimentos: Agradeço à minha orientadora Marta pelas conversas, ensinamentos, con-selhos e por toda a paciência ao decorrer do projeto. Agradeço também ao IGCE e aoDepartamento de Matemática pelo espaço cedido para a realização dos seminários.

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Pêndulo Simples Amortecido – Estudo Qualitativo 30

Referências Bibliográficas

[1] de Figueiredo, D. G. e Neves, A. F., Equações Diferenciais Aplicadas. Rio de Janeiro,Instituto de Matemática Pura e Aplicada, CNPq (1997).

[2] Brauer, F. and Nohel, J. A., Qualitative Theory of Ordinary Differential Equations. NovaIorque, Editora W. A. Benjamin (1969).

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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BOLETIM DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EMMATEMÁTICA · BICMatVol. 13 (2016) 31–39

Introdução à Modelagem em Epidemiologia

Gabriela Lopes Theodoro†Orientador(a): Marta Cilene Gadotti

Resumo: Neste trabalho apresentamos conceitos para modelagem em epidemiolo-gia, com equações diferenciais ordinárias; e o estudo de alguns modelos comparti-mentais para doença.

Palavras-chave: Epidemiologia, modelagem, equações diferenciais ordinárias

Abstract: This work presents concepts modeling in epidemiology with ordinary dif-ferential equations and the study of some compartmental models disease.

Keywords: Epidemiology, modeling, ordinary differential equations

1 Preliminares

Epidemiologia é uma ciência que estuda quantitativamente a distribuição dos fenômenosde saúde-doença e seus fatores condicionantes nas populações humanas. Essa ciência permiteainda a avaliação da eficácia das intervenções realizadas no âmbito da saúde pública.

A pesquisa epidemiológica é responsável pela produção do conhecimento sobre o processosaúde-doença por meio de estudos de frequência e distribuição das doenças na populaçãohumana com a identificação de seus fatores determinantes. Do ponto de vista individual, opercurso de uma doença é descrito pelo que se passa entre o momento em que o indivíduocomeça a ter sintomas da doença e o momento em que estes acabam. Do ponto de vistaepidemiológico, porém, é muito mais importante a distribuição no tempo e no espaço doscontatos infecciosos tidos pelo indivíduo infectado com outros indivíduos e a forma como issose repercute na propagação da infecção pela população.

Embora ao nível individual a sintomatologia, patologia e os mecanismos de transmissãoda maioria das doenças infecciosas estejam razoavelmente compreendidos, existem um nú-mero muito grande de fatores supra-indivíduo que complicam a investigação. Entre estesfatores incluem-se a biologia do agente infeccioso (ciclo de vida, taxas de reprodução e demortalidade), as características populacionais do hospedeiro (natalidade e mortalidade, taxasde contato entre indivíduos, grau de imunidade dos indivíduos, aspectos comportamentaisetc.) e as características da doença em si (forma de transmissão, dependência relativamentea factores climáticos, etc.).

Devido a relevância deste assunto, vários pesquisadores vêm desenvolvendo modelos ma-temáticos que possam contribuir para a compreensão e erradicação de doenças infecciosas.Esta área denominada epidemiologia matemática vem se fortalecendo nos últimos tempos eo interesse em modelar doenças infecciosas tem sido objeto de estudos de inúmeros trabalhosem todo o mundo.

Os primeiros desenvolvimentos em Epidemiologia Matemática parecem ter sido realizadospor Daniel Bernoulli na última metade do século XVIII. No entanto, somente a partir dasegunda metade do século XIX, com o avanço do conhecimento médico sobre as causas das†Bolsista PET - Programa de Educação Tutorial

31Departamento de Matemática

IGCE · Unesp Rio Claro

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Introdução à Modelagem em Epidemiologia 32

doenças infecciosas, ocorreu o desenvolvimento de teorias matemáticas para fenômenos emlarga escala, em oposição às descrições empíricas.

2 Modelos Compartimentais

Em Epidemiologia são estudados os chamados modelos compartimentais que recebem essenome devido ao fato da população ser dividida em compartimentos (ou classes), que indicamem qual estado se encontra o indivíduo. Como exemplo, podem ser citadas as classes:

• Imunidade Passiva (M): indivíduos que nascem imunes, pois receberam anticorpos pelamãe;

• Transmissão Vertical (T ): indivíduos que já nasceram com a doença, adquirindo-a atra-vés da mãe infectada;

• Suscetíveis (S): indivíduos sadios que estão suscetíveis a contrair a doença;

• Infectados (I): indivíduos que contraíram a doença e podem transmiti-la aos indivíduossuscetíveis por transmissão direta;

• Expostos (E): indivíduos portadores da doença que estão em período latente, isto é,foram infectados mas ainda não transmitem a doença;

• Removidos (R): indivíduos que foram infectados, mas não são mais portadores da do-ença, por motivo de isolamento, cura (adquirindo ou não imunidade) ou morte.

Assim, pode-se escrever a população total N como a soma dos indivíduos das classes acimacitadas, ou seja, N = M+T +S+I+E+R. Em geral, o estudo de modelos matemáticos temcomo objetivo principal analisar a taxa da força de infecção e a taxa de reprodutibilidade basal.A força de infecção é a taxa de propagação da doença e determina a dimensão da transmissãodependendo apenas do número de indivíduos infectados. Já a taxa de reprodutibilidade basalé o número de infecções causadas em indivíduos suscetíveis a partir de uma primeira infecçãoe está relacionado ao crescimento ou decrescimento da epidemia.

As doenças infecciosas podem ocorrer por transmissão indireta ou transmissão direta. Aprimeira é aquela que depende de um vetor transmissor infectado, como por exemplo, ummosquito. Já a transmissão direta se dá por meio do contato físico ou proximidade entreindivíduos sadios e indivíduos infectados.

Nos modelos matemáticos epidemiológicos, em que a população é dividida em comparti-mentos, as características da doença determinam o modo em que cada classe se relaciona, eportanto o tipo de modelo a ser escolhido.

As taxas de transferência entre os compartimentos são expressas, matematicamente, comoderivadas das variáveis de estado do sistema (no caso, os compartimentos), em relação aotempo, o que resulta em equações diferenciais ordinárias da forma:

dX

dt= aX,

onde X é uma das variáveis de estado do sistema e a é uma taxa, que pode ser constante oudepender das variáveis de estado.

Aqui, serão consideradas as doenças de transmissão direta, com nascimento de indivíduossadios e suscetíveis (T = 0 eM = 0) e um período latente muito curto, podendo ser desprezado(P = 0). Do mesmo modo que, em alguns modelos não ocorrerá nenhuma forma de isolamento(R = 0).

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Introdução à Modelagem em Epidemiologia 33

3 Modelo SIS

o modelo SIS é utilizado para descrever doenças nas quais os indivíduos suscetíveis aadquirem, tornando-se infectados e, após a recuperação, não adquirem imunidade, tornando-se suscetíveis novamente. Neste caso não há período latente nem isolamentos. As condiçõesiniciais são:

I(0) = I0; S(0) = S0.

Suscetível Infectado Suscetível

Figura 1: Diagrama de fluxo, modelo SIS

Serão analisados dois casos:

1) A população total N constante;

2) A população total N variável.

3.1 Caso 1: SIS Com N Constante (Sem Dinâmica Vital)

Neste caso, a população total N é constante e não há dinâmica vital, isto é, na populaçãoestudada não são considerados nascimentos nem mortes. Seja α a taxa de transmissão dadoença. Como essa transmissão se dá com o encontro entre indivíduos suscetíveis e infectados,então a variação de indivíduos suscetíveis em relação ao tempo pode ser modelada por αSI.Seja β a taxa de recuperação da doença. Considere a variação dos indivíduos infectados comrelação ao tempo proporcional ao próprio número de indivíduos infectados, então o retornoà classe de suscetíveis será modelado por βI. Com isso, neste caso o modelo SIS pode serrepresentado pelo diagrama a seguir:

S IαSI

βI

Figura 2: Diagrama compartimental para Caso 1 do modelo SIS

Note que, uma fração dos indivíduos suscetíveis, por meio do contato com os indivíduosinfectados, adquirem a doença e passam para a classe de infectados. Do mesmo modo, osindivíduos infectados, ao se recuperarem, não adquirem imunidade e retornam à classe desuscetíveis.

Com isso, a dinâmica de uma doença com essas características pode ser descrita pelosistema de equações diferenciais:

dS

dt= −αSI + βI

dI

dt= αSI − βI

(3.1)

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Introdução à Modelagem em Epidemiologia 34

onde α, β > 0 e

S(t) + I(t) = N constante. (3.2)

Utilizando (3.2) no sistema (3.1), obtemos

dI

dt= α(N − I)I − βI = αI

[(N − β

α

)− I].

Com I(0) = I0 > 0, usando o método da separação de variáveis resolvemos, daí

I(t) =αN − β

α+[(αN − β)

1

I0− α

]e−(αN+β)t

para I 6= 0 e I 6= N − β

α. Como αN deve ser maior que β (pois se as pessoas se recuperassem

rapidamente, não teríamos uma epidemia), segue que I(t) tende a N − β

αquando t cresce, e

consequentemente S(t)→ β

α. A enfermidade mantém-se em um nível constante na população

S(t) =β

αe I = N − β

α. Logo, o ponto

α,N − β

α

)é ponto de equilíbrio do sistema (3.1).

Do sistema (3.1) temos

dS

dt− dI

dt= αSI − βI = αI

(S − β

α

).

dS

dt= 0⇒ −αSI + βI = 0,

dI

dt= 0⇒ αI

[(N − β

α

)− I]

= 0.

Então,

S =β

αe I = N − β

α.

Logo, se I = 0 ou S = βα ,

dSdt = 0 e dI

dt = 0, e portanto não há epidemia. Se I = 0, comoN = S + I temos N = S e todas as pessoas são sadias. Se S = β

α então N = βα + I. Neste

caso, dIdt = −dSdt = 0.

S

I

N

N

βα

N − βα

Figura 3: Modelo SIS com população N constante

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Introdução à Modelagem em Epidemiologia 35

Se S >β

αe I 6= 0 então

dI

dt> 0 e

dS

dt< 0. Então o ponto (S, I) se aproxima de(

β

α,N − β

α

)sobre a reta S + I = N . Análogo para S <

β

αe I 6= 0. Neste caso, dizemos que

o ponto é(β

α,N − β

α

)assintoticamente estável.

A maior velocidade da epidemia é obtida quandodI

dtatinge seu ponto máximo, isto é,

quandod2I

dt2= 0.

d2I

dt2= −2αI + α

(N − β

α

)⇒ −2αI + α

(N − β

α

)= 0

⇒ −2I +

(N − β

α

)= 0

⇒ I =1

2

(N − β

α

)

quando I é o ponto médio entre os dois pontos de equilíbrio I = 0 e I = N − β

α, como ilustra

a próxima figura.

I = N − βα

t

I

N

I0

I = 0

t∗

Figura 4: Propagação da doença

A análise para a população de pessoas sadias é análoga. Como N = S+I, segue I = N−S,logo

dS

dt= −αSI + βI = −αS(N − S) + β(N − S).

Assim,d2S

dt2= 2αS −

(αN +

β

α

),

então d2Sdt2

= 0 se S = 12

(αN +

β

α

)Para dS

dt > 0 temos S crescente, com d2Sdt2

< 0 logo concavidade é para baixo.

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Introdução à Modelagem em Epidemiologia 36

3.2 Caso 2: SIS Com N Constante (Com Dinâmica Vital)

Neste caso há dinâmica vital, isto é, na população considerada há nascimentos e mortes,contudo, como a população total N é constante, considera-se que o número de nascimentos éigual ao número de mortes, e ainda, que os nascimentos são de indivíduos sadios.

Seja γ a taxa de natalidade, que é igual à taxa de mortalidade. Então, o modelo SISneste caso pode ser representado pelo diagrama da imagem a seguir:

S I

γN

γS γI

αSI

βI

Figura 5: Diagrama compartimental para Caso 2 do modelo SIS

Note que a saída de indivíduos da classe de suscetíveis ocorre por morte ou por aquisiçãoda doença, passando para a classe de infectados. Ainda na classe de suscetíveis, a entrada deindivíduos ocorre com os nascimentos (que são proporcionais à população total), assim comoos indivíduos que eram infectados e se recuperaram, não adquirindo imunidade. O sistema deequações diferenciais que descreve esse modelo é dado por:

dS

dt= −αSI + βI + γN − γS

dI

dt= αSI − βI − γI

(3.3)

onde α, β, γ > 0 ainda temos

S(t) + I(t) = N constante. (3.4)

A população total N ainda é constante apesar de ter elementos renovados. O sistema (3.3)se reduz à equação:

dS

dt= αSI

(N − β + γ

α− I), (3.5)

ou então àdI

dt= −α(N − S)

(S − β + γ

α

). (3.6)

Observemos que −dSdt

=dI

dt.

Os pontos de equilíbrio do sistema são I = 0, I = N − β + γ

α, S = N e S =

β + γ

αse

estabilizando em(S, I) =

(β + γ

α,N − β + γ

α

).

Se a taxa de natalidade γ for diferente da taxa de mortalidade m, teremos N variando eo sistema (3.3) se modifica.

dS

dt= −αSI + βI + γN − µS

dI

dt= αSI − βI − µI

(3.7)

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Introdução à Modelagem em Epidemiologia 37

Note quedN

dt=

d

dt(S + I) = (γ −m)(S + I) = (γ −m)N.

Portanto, N(t) = N0e(γ−m)t, com N0 = I0 +S0. Considerando o plano de fase (plano-SI),

obtemos as curvas onde uma das derivadas se anula,

dI

dt= 0⇒ I = 0 ou S =

β +m

α,

dS

dt= 0⇒ I =

S(γ −m)

αS − (β + γ).

Neste caso não há ponto de equilíbrio, pois as curvas onde uma das derivadas se anulam nãose intersectam. Para qualquer valor inicial I0 > 0 trajetória atinge o valor máximo para S

quando I =S(γ −m)

αS − (β + γ), enquanto I →∞ quanto t→∞.

S

I

I0

S0 β+mα

β+γα

Sm

I = S(γ−m)αS−(β+γ)

trajetória

Figura 6: Plano-SI

4 Modelo SIR

Neste modelo há indivíduos suscetíveis que adquirem a doença, tornando-se infectados e,após a recuperação, adquirem imunidade. Neste caso não são considerados período latentenem isolamentos. Considere a população total N constante, sem dinâmica vital e que a varia-ção da população removida é proporcional à população infectada. O diagrama compartimentalque representa este modelo é o que segue:

S I RαSI βI

Figura 7: Diagrama compartimental para o modelo SIR

(espaço em branco intencional)

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Introdução à Modelagem em Epidemiologia 38

E o sistema de equações diferenciais pode ser escrito como:

dS

dt= −αSI

dI

dt= αSI − βI

dR

dt= βI

(4.1)

com condições iniciais I(0) = I0, R(0) = 0 e S0 = N − I0. Observe que o sistema acima é nãolinear, e as duas primeiras equações só dependem de S e I, podemos então reduzi-las a umaúnica equação

dI

dS=αSI − βI−αSI

= −1 +β

αS (4.2)

e assim obtemos sua solução

I = −S +β

αlnS +K,

onde K é a constante de integração. Usando as condições iniciais obtemos o valor de K

K = I + S − β

αlnS ⇒

K = I0 + S0 −β

α= I0 +N − I0 −

β

α⇒

K = N − β

α.

Assim,

I = −S +β

αlnS +N − β

α

I = N − S +β

αln

(S

S0

)Da equação (4.2), temos que dI

dt > 0 se βαS > 1, ou seja, S < β

αS . Portanto, I é uma funçãocrescente se S < β

αS . Analogamente, é decrescente se S > βαS .

Supondo que a doença não tenha cura e que uma pessoa contaminada possa vir a morrer,então é importante saber o valor de R em cada instante t.

Do sistema (4.1), tomando a primeira e a terceira equação, podemos escrevê-las de maneirareduzida com uma só equação

dS

dR= −αSI

βSI= −α

βS,

encontrandoS = S0e

−αβR.

Agora, sabendo que N = S + I + R fazendo I = N − S − R e substituído no sistemaobtemos

dR

dt= β(N − S −R),

oudR

dt= β(N −R− S0e−

αβR

),

que não pode ser resolvida explicitamente.

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Introdução à Modelagem em Epidemiologia 39

Utilizando a expansão por Taylor, supondo que R seja suficientemente pequeno, temos

e−αβR ∼= 1− α

βR+

(−αβR)2

2+ · · ·

Assim,dR

dt= β

[N −R− S0

(1− α

βR+

(−αβR)2

2

)],

que podemos, com um pouco de trabalho, resolver fazendo a integração por frações parciais,como mostrado na referência [3].

Agradecimentos: À professora Marta Cilene Gadotti, por ter me acolhido neste e em váriosprojetos, dado apoio e por ter sido uma mentora tão boa e dedicada.

Referências Bibliográficas

[1] Yang, H. M., Epidemiologia Matemática - Estudo dos Efeitos da Vacinação em Doençasde Transmissão Direta. Campinas: EDUNICAMP e FAPESP (2001).

[2] Perko, L., Differential Equations and Dynamical Systems. Editora Springer, New York(1991).

[3] Bassanezi, R. C., Equações Diferenciais com Aplicações. Editora Harbra, São Paulo(1998).

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BOLETIM DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EMMATEMÁTICA · BICMatVol. 13 (2016) 40–45

Modelo de Equações Diferenciais com Delay para o Estudo doHLB em Citros

Maria Letícia Salvador†Orientador(a): Profa. Dra. Suzete Maria da Silva Afonso

Resumo: Neste trabalho apresentaremos um modelo matemático que descreve adinâmica da doença HLB em plantações de citros considerando a existência doperíodo de retardo na fase de incubação da doença na planta.

Palavras-chave: HLB, citros, equações diferenciais funcionais com retardamento

Abstract: In this work we present a mathematical model which describes the dy-namics of the disease HLB in citrus plantations considering the existence of thedelay period in the incubation phase of the disease in the plant.

Keywords: HLB, citrus, functional differential equations with delay

1 Introdução

O HLB (huanglongbing ou greening) tem sido motivo de grande preocupação dos produ-tores de citros. A doença é causada pela bactéria Candidatus Liberibacter ssp., a qual existeem três formas: americanus, asiaticus e africanus, sendo a primeira a mais comum no Brasil,e é transmitida principalmente pelo psilídeo Diaphorina Citri, que pode adquirir a bactériaao se alimentar da seiva das folhas de citros. Os sintomas característicos do HLB são ramosamarelados, folhas mosqueadas, sementes abortadas e frutos pequenos e assimétricos.

O greening reduz a produtividade das plantas gerando frutos de baixa qualidade, podendoaté levar a planta à morte. O HLB não possui cura, pode afetar todos os tipos de citros.Além disso, existe um período de incubação quando a planta não apresenta sintomas maspode transmitir a doença. Segundo pesquisas realizadas, a principal recomendação para ocontrole da doença é a retirada das plantas sintomáticas e o controle do psilídeo vetor.

Este trabalho apresenta um modelo matemático compartimental determinístico que des-creve a dinâmica da doença HLB em plantações de citros, considerando a existência do períodode delay (retardo) na fase de incubação da doença na planta. Porém, inicialmente, será apre-sentado um modelo matemático sem considerar a existência de delay na fase citada. Nossaintenção ao apresentar os dois modelos é destacar que as equações com retardo são maisrealistas do que as equações sem retardo, pois a partir da chegada dos psilídeos no pomar,somente após o tempo de incubação é que as primeiras plantas começarão a apresentar ossintomas do HLB.

É importante mencionar que este texto não apresenta resultados inéditos; está baseadonos trabalhos de Braga et al., [2] e [3].

2 Modelos Matemáticos com e sem delay

A figura abaixo apresenta os compartimentos considerados no modelo de Braga et al.(2011) (veja [3]), em que Sh é o compartimento dos hospedeiros (citros) suscetíveis à doença,†Bolsista PET

40Departamento de Matemática

IGCE · Unesp Rio Claro

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Modelo de Equações Diferenciais com Delay para o Estudo do HLB em Citros 41

Eh é o compartimento dos hospedeiros que apresentam a doença em período de incubação eIh é o compartimento dos hospedeiros sintomáticos, tal que Nh = Sh +Eh + Ih. Ademais, Své o compartimento dos vetores (psilídeos) não infectivos e Iv é o compartimento dos vetoresinfectivos, de tal forma que Nv = Sv + Iv. Isto posto, Nh representa a população total deplantas e Nv representa a população total de insetos.

Sh Eh Ih

Sv Ivµv

λh 1/tsµh

λv

µh

µv µv

Figura 1: Modelo Compartimental do patossistema Diaphorina Citri-Planta. Setas contí-nuas mostram o fluxo entre compartimentos e setas tracejadas representam a influência doscompartimentos no processo de transmissão da bactéria.

Segundo Braga et al (2011), os compartimentos da Figura 1 são descritos pelo seguintesistema de equações diferenciais ordinárias:

dShdt

= µhIh − λhSh,

dEhdt

= λhSh −1

tsEh,

dIhdt

=1

tsEh − µhIh,

dSvdt

= µvNv − (λv + µv)Sv,

dIvdt

= λvSv − µvIv.

(2.1)

A tabela abaixo exibe o significado dos parâmetros utilizados em (2.1) e os valores numé-ricos a serem utilizados nas simulações.

Neste modelo considera-se que cada planta retirada é substituída automaticamente poruma muda nova e saudável. Além disso, considera-se somente a fase adulta do inseto vetor(Diaphorina Citri) e que todos eles só se tornam portadores do HLB nesta fase. Sendo assim,é possível assumir que Nh e Nv são constantes. Fazendo as seguintes substituições:

ShNh

= sh,EhNh

= eh,IhNh

= ih,SvNv

= sv,IvNv

= iv (2.2)

e derivando cada um dos termos das equações do sistema descrito em (2.1), obtém-se o seguintesistema:

dshdt

= µhih − λhsh,

dihdt

=1

ts(1− sh − ih)− µhih,

divdt

= λv(1− iv)− µviv.

(2.3)

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Modelo de Equações Diferenciais com Delay para o Estudo do HLB em Citros 42

Parâmetro Significado Valor

Nh População total de plantas 2000

Nv População total de insetos 1000

λh Força de infecção nas plantas −λv Força de infecção nos insetos −ph Probabilidade da planta adquirir HLB do psilídeo 0.6833

pv Probabilidade de aquisição do HLB pelo psilídeo 0.3650

ts Tempo de incubação da doença nas plantas 12

µv Taxa de mortalidade natural do psilídeo 7/24

b Taxa de troca de hospedeiro 1.216

µh Taxa de retirada e replantio de plantas −

Tabela 1: Parâmetros do Modelo

Tomando b′ = bNv

Nh, as forças de infecção são expressas por:

λh = b′phIvNv

= εhiv e λv = bpv(Eh + Ih)

Nh= εh(1− sh).

Considerando εh = bNv

Nhph e εv = bpv tais que εv, εh ≥ 0, tem-se, portanto, o seguinte

sistema:

dshdt

= µhih − εhivsh,

dihdt

=1

ts(1− sh − ih)− µhih,

divdt

= εv(1− sh)(1− iv)− µviv.

(2.4)

O modelo com delay considera os mesmos compartimentos e introduz o tempo de incubaçãoda doença como um processo de delay ts, conforme descrito no sistema abaixo.

dSh(t)

dt= µhIh(t)− λhSh(t),

dEh(t)

dt= λh(t)Sh(t)− λh(t− ts)Sh(t− ts),

dIh(t)

dt= λh(t− ts)Sh(t− ts)− µhIh(t),

dSv(t)

dt= µvNv − (λv(t) + µv)Sv(t),

dIv(t)

dt= λv(t)Sv(t)− µvIv(t).

(2.5)

Assumindo que Nh e Nv são constantes e fazendo as mesmas substituições que foram feitasem (2.2), o sistema (2.5) passa a ser representado por:

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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Modelo de Equações Diferenciais com Delay para o Estudo do HLB em Citros 43

dsh(t)

dt= µhih(t)− λh(t)sh(t),

dih(t)

dt= λh(t− ts)sh(t− ts)− µhih(t),

div(t)

dt= λv(t)(1− iv(t))− µviv(t).

(2.6)

Considerando b′ = bNv

Nh, εh = b

Nv

Nhph e εv = bpv tais que εh, εv ≥ 0, as forças de infecção

são expressas por:

λh = b′phIv(t)

Nv= εhiv(t) e λv = bpv

(Eh(t) + Ih(t))

Nv= εv(1− sh(t)).

Substituindo as expressões acima em (2.6), o modelo matemático com delay é descritopor:

dshdt

= µhih(t)− εhiv(t)sh(t),

dihdt

= εhiv(t− ts)sh(t− ts)− µhih(t),

divdt

= εv(1− sh(t))(1− iv(t))− µviv(t).

(2.7)

A dinâmica do sistema (2.7) é explorada por meio de simulações numéricas.

3 Sobre as simulações numéricas

As simulações numéricas foram realizadas com o uso do software MATLAB (R2014a), apartir do sistema das equações (2.4) (sem delay) e (2.7) (com delay), considerando que opatossistema inicia-se com todas as plantas saudáveis e com 10% da população de insetosportadores do HLB. Para o parâmetro b, que representa a quantidade de troca de hospedeiroque o psilídeo realiza durante a sua vida, foi utilizado o valor b = 1.216, estimado pelo númerode psilídeo por armadilhas multiplicado pelo número de armadilhas e pela proporção de insetosem relação ao total de plantas num pomar.

As simulações foram efetuadas utilizando os valores apresentados na Tabela 1 e com osvalores: µh = 0.0, sem remoção nem replantio de novas mudas; µh = 0.4761 correspondenteà taxa de detecção das plantas sintomáticas no campo, e µh = 1.0, que representa a remoçãode todas as plantas infectadas, considerando cenários com população total de 400 insetos ecom 1500 insetos.

Para as figuras apresentadas na sequência, será utilizada a seguinte legenda:

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Modelo de Equações Diferenciais com Delay para o Estudo do HLB em Citros 44

Figura 2: Simulações com valores de Nv = 400 (esquerda) e Nv = 1500 (direita) para ovalor de µh = 0.0 (sem remoção de plantas).

Na Figura 2 nota-se uma grande diferença na dinâmica do sistema apenas com a variaçãodo número de insetos. É possível observar, também, a diferença entre os modelos com retardo(linhas contínuas) e o modelo sem retardo (linhas tracejadas).

Figura 3: Simulações com valores de Nv = 400 (esquerda) e Nv = 1500 (direita) para ovalor de µh = 0.4761.

Na Figura 3, considera-se µh = 0.4761. A mesma variação entre os modelos com e semretardo é observada. Além disso, é possível notar a diminuição da proporção de plantassintomáticas (ih) nas duas simulações devido à retirada das plantas.

Na Figura 4, considerando a retirada de todas as plantas infectadas, observa-se o mesmopadrão de variação para os modelos com e sem retardo.

4 Conclusão

Após uma análise dos dois modelos apresentados ((2.4) e (2.7)), observa-se diferenças nadinâmica do patossistema, conforme fora apresentado nas figuras 2, 3 e 4.

As equações com delay descrevem com mais realidade a dinâmica da doença HLB emplantações de citros. A explicação para este fato é que a partir da chegada dos psilídeos no

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Modelo de Equações Diferenciais com Delay para o Estudo do HLB em Citros 45

Figura 4: Simulações com valores de Nv = 400 (esquerda) e Nv = 1500 (direita) para ovalor de µh = 1.0.

pomar, somente após o tempo de incubação é que as primeiras plantas começarão a apresentaros sintomas da doença. Além disso, a dinâmica nos primeiros meses é o que realmente iráinfluenciar as tomadas de decisões dos agricultores em relação à doença.

Analisando as Figuras 2, 3 e 4, nota-se que a remoção de plantas, juntamente com ocontrole do psilídeo vetor, são fundamentais para o controle da doença no campo, uma vezque a proporção de plantas infectadas, ao final do período observado, diminui com a retiradaprecoce de plantas sintomáticas (dada por µh) e com a existência de baixo níveis populacionaisdo inseto vetor (dado por Nv).

Agradecimentos: Agradeço ao PET pelo apoio financeiro, aos meus pais, por me apoiarem,a Profa. Dra. Suzete Maria da Silva Afonso por me orientar e me aconselhar sempre e a Deuspor me abençoar.

Referências Bibliográficas

[1] Belasque Jr., J.; Filho, A.B.; Bassanezi, R.B.; Barbosa, J.C.; Fernandes, N.G.; Yama-moto, P.T.; Lopes, S.A.; Machado, M.A.; Junior, R.P.L.; Ayres, A.J.; Massari, C.A., Basecientífica para a erradicação de plantas sintomáticas e assintomaticas de Huanglongbing(HLB, Greening) visando o controle efetivo da doença. Tropical Plant Pathology, Vol. 34,3, 137-145, 2009.

[2] Braga, G.A.; Ternes, S.; Vilamiu, R.G.; Laranjeira, F.F. Avaliação comparativa de mode-los de equações diferenciais com e sem delay para estudo do HLB em citros. 6o CongressoInterinstitucional de Iniciação Científica-CIIC 2012, Jaguariúna, SP.

[3] Braga, G.A.; Ternes, S.; Vilamiu, R.G.; Catro, A.; Silva, M.V.; Laranjeira, F.F., Mode-lagem Matemática da Dinâmica Temporal do HLB em Citros. In: VIII Congresso Brasi-leiro de Agroinformática, 2011, Bento Gonçalves. Anais do VIII Congresso Brasileiro deAgroinformática.

[4] Edelstein, K.L., Mathematical models in biology. Birkhäuser Mathematics Series. 1988.

BICMat, Volume XIII, Outubro de 2016

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BOLETIM DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EMMATEMÁTICA · BICMatVol. 13 (2016) 46–51

Modificações no Modelo de Verhulst Discreto

Pedro Henrique Giraldi de SouzaOrientador(a): Profa. Dra. Renata Zotin Gomes de Oliveira

Resumo: Apresentamos dois modelos discretos de dinâmica populacional, que sãovariações do modelo clássico de Verhulst, nos quais são considerados dois tiposde estratégia de retiradas de indivíduos de uma população: retirada constantee retirada proporcional à população no instante n. Os pontos de equilíbrio dosmodelos são analisados quanto à estabilidade.

Palavras-chave: Sistema dinâmico, modelagem matemática, modelo de Verhulst

Abstract: We present two discrete models Population Dynamics, which are variati-ons of the classic model of Verhulst, in which are considered two types of harveststrategies: constant harvest and harvest proportional to the population at time n.The equilibrium points of the models are analyzed for stability.

Keywords: Dynamical system, mathematical model, Verhulst model

1 Introdução

A capacidade de modelar fenômenos naturais torna os sistemas dinâmicos discretos im-portantes nos ramos das Ciências. Como exemplo de sistemas dinâmicos temos os modelosde crescimento populacional. Os modelos discretos de Dinâmica Populacional são utilizadoscom o intuito de se fazer previsões, que são fundamentais no planejamento de um desenvol-vimento sustentável. Os modelos matemáticos formulados com equações discretas aparecemcom frequência em Biologia, pois em geral, as populações se reproduzem em intervalos detempos bem determinados [1]. A análise de estabilidade de pontos de equilíbrio desses siste-mas é de fundamental importância, pois em geral não possuem solução analítica. O objetivoprincipal foi o estudo de modelos discretos de Dinâmica Populacional, em especial, algumasmodificações do modelo de Verhulst (logístico). Para isso se fez necessário o estudo de sistemasdinâmicos discretos de primeira ordem, com relação à existência de pontos de equilíbrio e con-ceitos de estabilidade [1, 2]. Consideramos uma população que tem um crescimento logísticoe está sujeita a dois tipos distintos de estratégia de retirada de elementos dessa população.

2 Conceitos Preliminares

Nas áreas de Matemática, Física e Economia, dentre outras, encontramos problemas queapresentam situações envolvendo variáveis que mudam em intervalos de tempo discretos. Asequações que expressam relações entre as mudanças das variáveis no caso discreto são cha-madas de equações discretas (sistemas dinâmicos discretos). Vejamos algumas definições eresultados necessários para o desenvolvimento do trabalho, que estão baseados em [2, 4].

Definição 1. Dada uma função f : R→ R, definimos sistema dinâmico discreto de primeiraordem como sendo uma sequência de números reais denotados por x(n), para n = 0, 1, 2, . . .tal que, cada número após o primeiro é relacionado ao anterior através da equação

x(n+ 1) = f(x(n)). (2.1)

46Departamento de Matemática

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Modificações no Modelo de Verhulst Discreto 47

A sequência de números dada pela relação x(n+1)−x(n) = h(x(n)) é chamada de equaçãode diferenças de primeira ordem. Se f(x) = h(x) + x, estes dois conceitos são equivalentes.

Definição 2. Uma equação de diferenças de primeira ordem é linear se pode ser escrita comox(n+ 1) = a(n)x(n) + b(n), com a(n) e b(n) funções a valores reais. Se b(n) = 0, para todon, a equação é denominada homogênea. Se b(n) 6= 0, para algum n, a equação é denominadanão homogênea.

Exemplo 3. x(n+ 1) = 7x(n) é linear e homogênea; x(n+ 1) = 2nx(n) + 12n é linear e nãohomogênea; x(n + 1) = x(n)3 + 1 é não linear. Como na maioria das vezes não é possívelobtermos soluções analíticas para equações de diferenças, uma maneira de analisar o compor-tamento das soluções é através de seus pontos de equilíbrio, que são soluções constantes. Oestudo dessas questões é chamado de teoria da estabilidade.

Definição 4. Um ponto x∗ no domínio de f é denominado um ponto de equilíbrio ou pontofixo da equação (2.1) quando a partir dele não ocorrem variações do estágio n para o estágion + 1, isto é, quando x(n + 1) = x(n) = x∗ para todo n ∈ Z+, ou seja, x(n) = x∗ é umasolução constante de x(n+ 1) = f(x(n)).

Exemplo 5. Os pontos de equilíbrio de x(n+ 1) = 5− 6/(x(n)) são x∗1 = 3 e x∗2 = 2, que sãosoluções da equação x∗ = 5− 6/x∗.

Definição 6. O ponto de equilíbrio x∗ de (2.1) é estável se dado ε > 0, existe δ > 0 tal que|x(0) − x∗| < δ implica |fn(x0) − x∗| < ε, para todo n > 0, com n ∈ Z+ e x(0) = x0. Se x∗

não é estável, então é chamado de instável.

Definição 7. O ponto de equilíbrio x∗ é dito ser de atração se existe um η > 0 tal que|x(0)−x∗| < η implica limn→∞ x(n) = x∗. Se ‘η =∞’, então x∗ é chamado de atrator global.

Definição 8. O ponto de equilíbrio x∗ é assintoticamente estável se é estável e de atração.Neste caso, conforme o tempo passa, a órbita x(n) que parte de x(0) se aproxima cada vez maisdo ponto de equilíbrio x∗. Se ‘η = ∞’, então x∗ é chamado de globalmente assintoticamenteestável.

A seguir, apresentamos alguns resultados que nos permitem concluir sobre a estabilidadede pontos de equilíbrio para equações de primeira ordem. As demonstrações podem serencontradas em [2].

Teorema 9. Seja x∗ um ponto de equilíbrio de (2.1) onde f : A ⊂ R → R é de classe C1.Segue que: (i) Se |f ′(x∗)| < 1, então x∗ é assintoticamente estável. (ii) Se |f ′(x∗)| > 1, entãox∗ é instável.

Exemplo 10. Dado o sistema dinâmico x(n+ 1) = x(n)2 + 2x(n), temos que seus pontos deequilíbrio são tais que x∗ = x∗2 + 2x∗, ou seja, x∗(x∗ + 1) = 0. Obtemos x∗ = 0 ou x∗ = −1.Analisando a estabilidade, temos:

f ′(x) = 2x+ 2 −→

{|f ′(0)| = 2 > 1,

|f ′(−1)| = 0 < 1.

Portanto, o ponto de equilíbrio x∗ = −1 é assintoticamente estável e o ponto de equilíbriox∗ = 0 é instável. Na Figura 1 ilustramos a instabilidade de x∗ = 0 e a estabilidade dex∗ = −1.

(espaço em branco intencional)

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Modificações no Modelo de Verhulst Discreto 48

x(n+ 1)

x(n)

−1

−1

1

1

2

2

0.3

−0.3−1.6

−2.2

Figura 1: Cobweb para o sistema x(n+ 1) = x(n)2 + 2x(n)

O Teorema 9 não se aplica para os casos f ′(x∗) = ±1. Nestes casos, são necessárioscritérios que envolvem derivadas de ordem superior. A seguir apresentamos o Teorema 11,que é utilizado para o caso f ′(x∗) = 1 e o Teorema 12 para o caso f ′(x∗) = −1.

Teorema 11. Suponha x∗ um ponto de equilíbrio de (2.1), f de classe C2 e f ′(x∗) = 1. Então:

(i) Se f ′′(x∗) 6= 0, então x∗ é instável.

(ii) Se f ′′(x∗) = 0 e f ′′′(x∗) > 0, então x∗ é instável.

(iii) Se f ′′(x∗) = 0 e f ′′′(x∗) < 0, então x∗ é assintoticamente estável.

Teorema 12. Suponha x∗ um ponto de equilíbrio de (2.1), f de classe C3, f ′(x∗) = −1 eS = −2f ′′′(x∗)− 3(f ′′(x∗))2. Então:

(i) Se S < 0, então x∗ é assintoticamente estável.

(ii) Se S > 0, então x∗ é instável.

3 Modelo de Verhulst e variações

O modelo de crescimento populacional mais simples é dado por A(n+ 1)−A(n) = rA(n)onde A(n) é o tamanho da população no instante n e r é a taxa de crescimento da população.Para uma condição inicial A(0) = A0, temos que a solução dessa equação é A(n) = A0(1+r)n,cujo comportamento é exponencial. Uma modificação desse modelo é substituir a taxa decrescimento r pela função f(A(n)) = r(1−A(n)/L), onde L é a capacidade suporte do meio.Assim temos o modelo:

A(n+ 1)−A(n) = r(1−A(n)/L)A(n), (3.1)

que é conhecido como modelo de Verhulst discreto. Observe que se A(n) > L, f(A(n)) < 0 eportanto A(n) decresce.

A equação (3.1) pode ser escrita como A(n+ 1) = (1 + r)A(n)− α(A(n))2 onde α = r/Le possui como pontos de equilíbrio a∗ = 0 e a∗ = L, cujo comportamento é analisado em [3].

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Modificações no Modelo de Verhulst Discreto 49

Vamos considerar que uma unidade corresponde à capacidade suporte do meio (L = 1). Porexemplo, podemos entender que L = 1 unidade corresponde a 10.000 indivíduos. A equação(3.1) pode ser escrita como

A(n+ 1)−A(n) = r(1−A(n))A(n). (3.2)

Neste trabalho, analisamos dois modelos que são modificações do modelo de Verhulst,dado por (3.2). São modelos sobre estratégias de retirada de indivíduos de uma população,sendo que no primeiro é retirada uma fração fixa de indivíduos e no segundo se retira umaquantia proporcional à população total. São eles respectivamente:

A(n+ 1) = (1 + r)A(n)− r(A(n))2 − b,A(n+ 1) = (1 + r)A(n)− r(A(n))2 −BA(n).

Vejamos os dois tipos de estratégias considerando r = 0, 5.

3.1 Modelo 1 - retirada constante

Consideremos o sistema dinâmico A(n+1)−A(n) = 0, 5(1−A(n))A(n)−b. Reescrevendo-o, temos A(n+1) = 1, 5A(n)−0, 5(A(n))2− b. Os pontos de equilíbrio são obtidos através daequação a = 1, 5a− 0, 5a2 − b e portanto, a = 0, 5± 0, 5

√1− 8b. Consideremos os seguintes

casos:Se 1− 8b > 0 (b < 1/8), temos dois pontos de equilíbrio:

a1 = 0, 5 + 0, 5√

1− 8b e a2 = 0, 5− 0, 5√

1− 8b.

Analisando a estabilidade desses pontos:

f(x) = 1, 5x− 0, 5x2 − b⇒ f ′(x) = 1, 5− x, f ′(a1) = 1− 0, 5√

1− 8b

e portanto,|1− 0, 5

√1− 8b| < 1⇒ −15/8 < b < 1/8.

Assim, a1 é assintoticamente estável quando 0 < b < 1/8, ou seja, sempre que ele existe.Para o ponto de equilíbrio a2 temos f ′(a2) = 1 + 0, 5

√1− 8b > 1 e portanto, a2 é sempre

instável.Se 1−8b = 0 (b = 1/8) temos que a = 0, 5 é o único ponto de equilíbrio. Como f ′(0, 5) = 1,

usando o Teorema 11, temos f ′′(0, 5) = −1 e portanto a = 0, 5 é instável quando b = 1/8. Se1 − 8b < 0, ou seja, b > 1/8, não há pontos de equilíbrio. Pode-se mostrar que A(n) tendeao infinito negativo quando b > 1/8, o que corresponde, do ponto de vista biológico, dizerque a população vai à extinção. Assim, podemos concluir que, se b ≥ 1/8, o que correspondeà uma retirada que é inferior a 1.250 indivíduos por período considerado, a população seestabilizaria. Caso contrário, a população tenderá a extinção.

3.2 Modelo 2 - retirada proporcional

Consideremos o sistema dinâmico

A(n+ 1)−A(n) = 0, 5(1−A(n))A(n)−BA(n). (3.3)

Reescrevendo o sistema dinâmico (3.3), temos

A(n+ 1) = 1, 5A(n)− 0, 5A(n)2 −BA(n), (3.4)

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Modificações no Modelo de Verhulst Discreto 50

cujos pontos de equilíbrio são soluções da equação a = 1, 5a− 0, 5a2 −Ba, ou seja, a = 0 oua = 1−2B. Como a > 0, então a = 1−2B e só existe do ponto de vista biológico se B < 0, 5.

f(x) = 1, 5x− 0, 5x2 −Bx⇒ f ′(x) = 1, 5− x−B.

Para a = 0|f ′(0)| = |1, 5−B| < 1⇒ 0, 5 < B < 2, 5,

ou seja, a = 0 é assintoticamente estável quando 0, 5 < B < 2, 5 e instável quando 0 < B < 0, 5ou B > 2, 5. Analisando os extremos da primeira desigualdade, isto é, quando B = 0, 5 ouB = 2, 5, temos:

(i) Para B = 0, 5 o único ponto de equilíbrio é a = 0. Como f(x) = x − 0, 5x2 temosf ′(x) = 1− x e portanto f ′(0) = 1. Usando o Teorema 11, como f ′′(x) = −1 6= 0 temosque a = 0 é instável.

(ii) Para B = 2, 5, temos 0, 25a2 + 2a = 0 e portanto a = 0 é o único ponto de equilíbrio,pois a não pode ser negativo. Assim, temos f(x) = −x − 0, 5x2 ⇒ f ′(x) = −1 − x.Como f ′(0) = −1, usando o Teorema 12 temos S = −3 < 0, o que nos permite concluirque a = 0 é assintoticamente estável.

Para a = 1 − 2B temos que |f ′(1 − 2B)| < 1 ⇒ −1, 5 < B < 0, 5. Como B > 0, sempreque o ponto 1− 2B existir, ele será assintoticamente estável.

Através dos exemplos, é possível perceber que o segundo tipo de estratégia parece melhorpois a retirada é proporcional ao tamanho da população. Mas, na prática, é difícil de serimplementada pois não conseguimos contar A(n) a fim de que a retirada BA(n) seja realizada.

4 Modelos Gerais

Na seção anterior apresentamos dois modelos de dinâmica populacional, com diferentesestratégias de retirada de indivíduos de um população, considerando r = 0, 5. A seguir apre-sentamos algumas considerações sobre esses modelos para valores quaisquer dos parâmetrosenvolvidos.

4.1 Modelo com retirada constante

ConsideremosA(n+ 1) = (1 + r)A(n)− rA(n)2 − b, (4.1)

para r, b > 0. Temos que os pontos de equilíbrio são: a∗1 = (r +√r2 − 4rb)/2r ou

a∗2 = (r −√r2 − 4rb)/2r. Para analisar a estabilidade desses pontos devemos considerar:

f(x) = (1 + r)x− rx2 − b, f ′(x) = 1 + r − 2rx, f ′′(x) = −2r.

(i) Se r2 − 4rb < 0, não há pontos de equilíbrio.

(ii) Se r2 − 4rb = 0, então a∗ = 0, 5 é o único ponto de equilíbrio. Analisando sua esta-bilidade, temos que f ′(0, 5) = 1 e então, usando o Teorema 11, f ′′(0, 5) = −2r 6= 0.Portanto a∗ = 0, 5 é instável.

(iii) Se r2−4rb > 0, analisando a estabilidade de a∗1 e a∗2, temos: f ′(a∗2) = 1+√r2 − 4rb > 1

e portanto, a∗2 é instável. Como f ′(a∗1) = 1 −√r2 − 4rb temos |f ′(a∗1)| < 1 ⇔ 0 <

r2 − 4rb < 4.

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Modificações no Modelo de Verhulst Discreto 51

4.2 Modelo com retirada proporcional

ConsideremosA(n+ 1) = (1 + r)A(n)− rA(n)2 −BA(n), (4.2)

com r,B > 0. Temos que os pontos de equilíbrio são: a∗1 = 0 ou a∗2 = r−Br , com r > B, pois

a > 0. Para analisar a estabilidade desses pontos devemos considerar:

f(x) = (1 + r)x− rx2 −Bx, f ′(x) = 1 + r − 2rx−B, f ′′(x) = −2r.

Analisando a estabilidade de a∗1 e a∗2, temos:

(i) Como f ′(a∗1) = 1 + r − B, então |f ′(a∗1)| < 1 ⇔ −2 < r − B < 0, ou seja, se r < B,a∗1 = 0 é o único ponto de equilíbrio e é assintoticamente estável. Se r = B, f ′(a∗1) = 1e utilizando o Teorema 11, f ′′(a∗1) = −2r 6= 0, e portanto a∗1 é instável.

(ii) Como f ′(a∗2) = 1 − r + B, então |f ′(a∗2)| < 1 ⇔ 0 < r − B < 2. Se r − B = 2, temosf ′(a∗2) = −1 e, portanto, devemos utilizar o Teorema 12. Obtemos S = −12r2 < 0 eportanto a∗2 é assintoticamente estável.

É possível observar, nos dois modelos, que nas duas estratégias apresentadas, a populaçãopoderá ir à extinção. Isso dependerá fortemente da relação entre os parâmetros taxa decrescimento e o de retirada de elementos da população (b ou B).

Referências Bibliográficas

[1] Cipolli, V. G., Sistemas Dinâmicos Discretos - Análise de estabilidade. Dissertação deMestrado, IGCE - UNESP - Rio Claro, 2012.

[2] Elaydi, S., An introduction to difference equations, Springer, 3a. ed., 2005.

[3] Keshet, L. E., Mathematical Models in Biology, Random House, 1988.

[4] Sandefur, J. T., Discrete Dynamical Systems - Theory and Applications, Clarendon Press,1990.

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BOLETIM DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EMMATEMÁTICA · BICMatVol. 13 (2016) 52–59

Modelo de Competição Larval para uma População deMosquitos Aedes Aegypti

Quédima Carlevaro de Souza†Orientador(a): Profa. Dra. Suzete Maria da Silva Afonso

Resumo: Neste trabalho mostramos que utilizando equações diferenciais funci-onais com retardo é possível desenvolver um modelo matemático eficiente paraanalisar o comportamento de uma população de mosquitos Aedes aegypti, desdea fase larval até se tornar um mosquito adulto, quando já pode transmitir o vírusda dengue.

Palavras-chave: Equação diferencial funcional com retardo, mosquito AedesAegypti, estabilidade.

Abstract: In this work we will show that by using functional differential equationswith delay is possible to develop an efficient mathematical model to analyze thebehavior of a population of Aedes Aegypti mosquitoes, from the larval stage untilbecoming an adult mosquito, when he already can transmit the dengue virus.

Keywords: Retarded functional differential equation, Aedes aegypti mosquito; sta-bility

1 Introdução

A propagação de uma doença infecciosa envolve não só fatores relacionados à doença, taiscomo agente infeccioso, o modo de transmissão, o período latente, o período infeccioso, susce-tibilidade e resistência, mas também fatores geográficos, econômicos, demográficos, culturaise sociais. O entendimento das características de transmissão dessas doenças infecciosas emcomunidades, regiões e países, pode conduzir a melhores abordagens que diminuam a suatransmissão.

Como experimentos repetitivos não são aceitáveis na epidemiologia, além de, geralmente,não existirem dados precisos disponíveis, a modelagem matemática é útil para construir etestar teorias usadas para compreender melhor os mecanismos que influenciam a disseminaçãode uma doença, possibilitando melhores estratégias de controle. Como são baseados emsuposições, os modelos apresentam limitações e são aproximações da realidade. No entanto,é importante que se aproxime o máximo possível da história de vida da espécie estudada.

Os efeitos da distribuição etária são considerados de fundamental importância para de-terminar as propriedades de estabilidade de muitas populações, todavia acabam sendo ne-gligenciados nos estudos teóricos. As razões dessa negligência parecem estar nas deficiênciastécnicas dos métodos usados para formular estes modelos, que não são fiéis à realidade. Taisdeficiências levaram a várias tentativas de descrever tais modelos através de um conjunto deequações diferenciais funcionais com retardo.

Este trabalho apresenta um modelo populacional com distribuição etária, com compe-tição larval uniforme para uma população de mosquitos Aedes aegypti, proposto por Gurney,Nisbet e Lauwton (veja [2]), que envolve equações diferenciais funcionais com retardo. A†Bolsista PET

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Modelo de Competição Larval para uma População de Mosquitos Aedes Aegypti 53

taxa de mortalidade das larvas foi inserida no modelo como diretamente proporcional a umapotência Lk+1, onde L denota o número de larvas e k ∈ N. Com a implementação do modelo,foram feitas simulações em que o grau de instabilidade da população de mosquitos quando hávariação destes parâmetros foi observado.

2 Conceitos preliminares

O ciclo de vida do mosquito Aedes aegypti, compreende quatro fases: ovo, larva, pupa eadulto. Sabe-se que a fase larval, reprodutivamente inativa, é um período de alimentação ecrescimento, sendo que sua duração depende da temperatura, disponibilidade de alimento edensidade das larvas no criadouro e que, na fase pupal, este não se alimenta. Segundo estascaracterísticas, é possível descrever sua história de vida, de maneira aceitável, por um modelode competição larval por alimento.

Considerando, como hipótese, que a espécie tem dois estágios de vida mais significativos,larval e adulto, tem-se duas classes etárias aglutinadas com duração fixa:

• Fase larval com duração τL e população L(t);

• Fase adulta com duração τA e população A(t).

P (t) denotará a proporção de larvas que eclodiram no instante t− τL , que sobreviverampara passar para a fase adulta no instante t.

Além disso, quanto às formas funcionais para as taxas vitais, considera-se:

• Mortalidade das larvas: A maior limitação de recursos ocorre no estágio larval e,assumindo que uma dada larva compete igualmente com outra por alimento, é admissívelescolher a taxa de mortalidade das larvas como diretamente proporcional a uma potênciaLk+1, com a finalidade de observar possíveis alterações na implementação do modelo.Então, a taxa de mortalidade das larvas será representada por δL = αLk+1, com k ∈ N;

• Mortalidade dos adultos: Assumindo que não há limitações de recursos na faseadulta, a escolha da taxa de mortalidade dos adultos independe da densidade e serádenotada pela constante δA;

• Natalidade das Larvas: Como as larvas são inférteis, sua taxa de natalidade é zero,ou seja, βL = 0.

• Natalidade dos Adultos: Conjecturando que os adultos têm amplo suprimento decomida, a taxa de natalidade independe da densidade e será representada pela cons-tante βA.

3 Modelo de competição larval uniforme para uma população de Aedes aegypti

Uma vez determinadas as formas funcionais para as taxas vitais das larvas e adultos, omodelo de competição larval uniforme para uma população de insetos, no caso a espécie Aedesaegypti, é descrito pelo sistema de equações diferenciais com retardo:

dL

dt= RL(t)−RL(t− τL)P (t)− αLk+2(t)

dP

dt= P (t)αLk+1(t− τL)− P (t)αLk+1(t)

dA

dt= RA(t)− δAA(t),

(3.1)

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Modelo de Competição Larval para uma População de Mosquitos Aedes Aegypti 54

em que RL(t) representa a taxa de recrutamento de larvas no tempo t, RL(t− τL) representaa taxa de recrutamento de larvas no tempo t− τL e RA(t) representa a taxa de recrutamentode adultos no tempo t. Cabe lembrar que recrutamento em Biomatemática refere-se a entradade novos indivíduos numa determinada classe.

Fazendo

RL(t) = βAA(t) + IL(t) e RA(t) = RL(t− τL)P (t) + IA(t),

em que IL(t) e IA(t) denotam, respectivamente, o número de larvas e o número de adultosinoculados ao sistema durante um curto período de tempo, obtém-se o modelo descrito pelosistema de equações diferenciais não-lineares com retardo:

dL

dt= βAA(t) + IL(t)− βAA(t− τL)P (t)− IL(t− τL)P (t)− αLk+2

dP

dt= P (t)αLk+1(t− τL)− P (t)αLk+1(t)

dA

dt= βAA(t− τL)P (t) + IL(t− τL)P (t) + IA(t)− δAA(t),

(3.2)

em que

P (t) = exp

[−∫ t

t−τLδL(x)dx

]= exp

[−∫ t

t−τLαLk+1(x)dx

]. (3.3)

As inoculações IL(t) e IA(t) são constantes num intervalo [0, T ] de dias e, fora deste,IL(t) = IA(t) = 0.

4 Análise do Modelo

Assumindo que L∗, P ∗ e A∗são soluções do estado estacionário de (3.2), a partir de (3.2)e (3.3), obtém-se as seguintes equações:

βAA∗ − βAA∗P ∗ − αL∗k+2 = 0, (4.1)

P ∗ − exp[−ατLL∗k+1

]= 0, (4.2)

βAA∗P ∗ − δAA∗ = 0. (4.3)

Pela equação (4.2), tem-se:

P ∗ = exp[−ατLL∗k+1

](4.4)

e, da equação (4.3), obtém-se outra expressão para P ∗, a saber:

P ∗ =δAβA. (4.5)

Igualando as expressões (4.4) e (4.5), vem que:

L∗ =

ln(βAδA

)ατL

1k+1

. (4.6)

Agora, substituindo P ∗ em (4.1), tem-se:

A∗ =αL∗k+2

βA − δA. (4.7)

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Modelo de Competição Larval para uma População de Mosquitos Aedes Aegypti 55

Finalmente, substituindo L∗ na expressão (4.7), obtém-se:

A∗ =1

α1k+1 τ

k+2k+1

L (βA − δA)

[ln

(βAδA

)] k+2k+1

. (4.8)

Analisando cada uma das equações que representam o ponto de equilíbrio ((4.5), (4.6) e(4.8)), observa-se que:

(I) O equilíbrio da probabilidade de sobrevivência das larvas (P ∗), depende de βA e δA,sendo que ela diminui à medida que cresce a taxa de natalidade dos mosquitos adultos(βA), e aumenta à medida que cresce a taxa de mortalidade dos mosquitos adultos (δA),o que se justifica pela limitação de alimentos neste estágio;

(II) O equilíbrio, tanto para o número de larvas (L∗), quanto para o número de mosquitosadultos (A∗), depende de βA, δA, τL, α e k.

Como os parâmetros βA, δA e τL devem ser positivos, assim como o fator de proporcio-nalidade α, para termos L∗ > 0, A∗ > 0 e P ∗ < 1, é necessário que βA > δA, ou seja, osnascimentos devem superar as mortes na população de mosquitos adultos.

5 Análise da Estabilidade e Implementação do Modelo

Para saber quais são os parâmetros que influenciam na estabilidade do ponto de equilíbrio,o sistema (3.2) é linearizado, considerando soluções próximas do estado estacionário, da forma:

L(t) = L∗ + l(t),

P (t) = P ∗ + p(t),

A(t) = A∗ + a(t),

em que l(t), p(t) e a(t) são pequenas perturbações.Tem-se, pois, o seguinte sistema linearizado:

dl

dt= βAa(t)− βAA∗p(t)− δAa(t− τL)− (k + 2)αL∗k+1l(t)

dp

dt= (k + 1)P ∗αL∗kl(t− τL)− (k + 1)P ∗αL∗kl(t)

da

dt= βAA

∗p(t) + δAa(t− τL)− δAa(t).

(5.1)

Para o sistema (5.1), busca-se soluções da forma:

X =

l(t)p(t)a(t)

=

c1c2c3

eλt = Ceλt, (5.2)

em que c1, c2 e c3 são constantes. Se X dado em (5.2) é um vetor solução do sistema (5.1),então:

dX

dt= Cλeλt. (5.3)

Substituindo (5.2) e (5.3) no sistema (5.1), obtém-se:

Cλeλt = MCeλt, (5.4)

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Modelo de Competição Larval para uma População de Mosquitos Aedes Aegypti 56

em que M é a matriz das constantes do sistema (5.1). Dividindo (5.4) por eλt e escrevendo osistema na forma matricial, segue que: −(k + 2)αL∗k+1 −βAA∗ βA − δAe−λτL

(k + 1)P ∗αL∗ke−λτL − (k + 1)P ∗αL∗k 0 00 βAA

∗ δAe−λτL − δA

·c1c2c3

= λ

c1c2c3

,ou equivalentemente

(M − λI)C = 0, (5.5)

em que λ denota os autovalores da matriz M e C os autovetores associados a eles.Para que X seja uma solução não-trivial de (5.1), é necessário que:

det(M − λI) = 0, (5.6)

de onde se obtém a seguinte equação característica:

− λ3 +[δA(e−λτL − 1)− (k + 2)αL∗k+1]λ2

+ (e−λτL − 1)[(k + 2)αL∗k+1δA − (k + 1)βAP

∗αL∗kA∗]λ

+ (e−λτL − 1)(k + 1)βAP∗αL∗kA∗(βA − δA) = 0.

Substituindo as expressões (4.5), (4.6) e (4.7), que representam P ∗, L∗ e A∗, respectivamente,na equação característica acima, tem-se:

− λ3 +

[δA(e−λτL − 1)− (k + 2)

τLln

(βAδA

)]λ2

+ (e−λτL − 1)

[(k + 2)δA

τLln

(βAδA

)− (k + 1)δAτL2(βA − δA)

ln2

(βAδA

)]λ

+ (e−λτL − 1)(k + 1)δA

τL2ln2

(βAδA

)= 0.

Através da equação acima pode-se concluir que a estabilidade do ponto de equilíbrio domodelo com competição larval uniforme depende de βA, δA, τL e k, e não depende do fatorde proporcionalidade α que influencia apenas na magnitude do equilíbrio.

A implementação do modelo foi feita com o objetivo de observar o comportamento daspopulações das larvas e dos mosquitos adultos quando há variação destes parâmetros.

O fator de proporcionalidade α foi calculado através da expressão (4.8), assumindo A∗ =20.000 mosquitos adultos e utilizando os valores-base dos parâmetros da tabela abaixo.

Símbolo Valor-BaseτL 18, 5 diasβA 1, 31 ovos por diaδA 0, 125 adultos por diak 0

α 6, 805× 10−7

Tabela 1: Valores adotados para os parâmetros do modelo de competição larval uniforme.

Considera-se que a expectativa de vida do mosquito adulto, a qual denotaremos por Mv,seja igual a 8 dias. Dessa forma, a taxa de mortalidade dos mosquitos adultos, que é dadapor δA = 1

Mv, é igual a 0, 125.

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Modelo de Competição Larval para uma População de Mosquitos Aedes Aegypti 57

Para realizar as simulações foram adotados os valores citados na Tabela 1, considerados osvalores-base, que também foram utilizados como referência para a escolha de suas variações,e as seguintes condições iniciais:

. L(t) = P (t) = A(t) = 0, para −18, 5 ≤ t < 0 ;

. L(0) = 0, P (0) = 1 e A(0) = 20.000;

. IL(t) = 50 larvas e IA(t) = 5 adultos, para 0 ≤ t ≤ 2 dias;

. IL(t) = IA(t) = 0, para t > 2.

Através das simulações feitas no Matlab (R2014a), as seguintes observações foram feitas:• Diminuir a taxa de natalidade dos mosquitos adultos (βA), diminui a população de

larvas e, somente para valores muito pequenos de βA, ocorre o retardo na estabilização daspopulações - lembrando que devemos ter βA > δA. Veja os gráficos abaixo.

• Com o aumento da taxa de mortalidade dos mosquitos adultos, δA, há um aumentoda população de larvas, o que é justificado pela maior probabilidade de sobrevivência destas,devido a competição alimentar neste estágio. Porém, o fato mais importante observado é que,além de provocar maiores oscilações nas populações, retarda muito o dia de suas estabilizações.

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Modelo de Competição Larval para uma População de Mosquitos Aedes Aegypti 58

• Aumentando o período larval, τL, o número de larvas aumenta e são provocadas bruscasoscilações nas duas populações, retardando o dia de suas estabilizações;• O aumento do expoente k não altera o número de larvas e, mesmo provocando oscilações

na população de mosquitos adultos, que a eleva significativamente num curto período detempo, interfere muito pouco no dia de sua estabilização;• O aumento da taxa de mortalidade dos mosquitos adultos, δA, e o aumento do período

larval, τL, provoca bruscas oscilações que retardam a estabilização das populações nos doisestágios de desenvolvimento, larval e adulto. Além disso, pode-se ressaltar que taxas denatalidade, βA, muito pequenas, também retardam a estabilização das populações.• A variação do fator de proporcionalidade α não altera de maneira significativa o período

de oscilações das populações, alterando somente a magnitude do ponto de equilíbrio para aspopulações de larvas e mosquitos adultos, conforme se pode observar nos gráficos a seguir.

6 Considerações Finais

O mosquito Aedes aegypti, vetor transmissor da dengue, passa por diferentes estágios dedesenvolvimento, no qual o larval e o adulto são considerados os mais expressivos. A fase larval

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Modelo de Competição Larval para uma População de Mosquitos Aedes Aegypti 59

é um período de alimentação e o crescimento depende da densidade de larvas no criadouro.Na fase adulta o mosquito é reprodutivamente ativo e é onde ocorre a transmissão do vírus.Sendo assim, a distribuição etária, que tem fundamental importância para a determinação daspropriedades de estabilidade de populações que têm diferentes fases de desenvolvimento comcaracterísticas distintas, leva a uma descrição mais próxima da história de vida da espécie e,consequentemente, do comportamento da epidemia.

O modelo populacional com distribuição etária, com competição larval uniforme para umapopulação de mosquitos Aedes aegypti, foi descrito por um conjunto de equações diferenciaisfuncionais com retardo. Sua análise foi realizada a partir de simulações computacionais. Estaanálise é importante, pois através dela torna-se possível indicar meios de combate e prevençãomais eficazes para diminuir a transmissão do vírus da dengue por meio do mosquito.

Agradecimentos: Agradeço ao PET pelo apoio financeiro; aos meus pais, Paulino e Maria,por me apoiarem e incentivarem a continuar sempre apesar das dificuldades, a Profa. Dra.Suzete Maria da Silva Afonso por me orientar e me aconselhar sempre, fazendo dos estudosalgo prazeroso e gratificante, e a Deus por me abençoar e me permitir ter a oportunidade quehoje tenho.

Referências Bibliográficas

[1] Gurney, W. S. C.; Nisbet, R. M., Ecological Dynamics. Oxford University Press, NewYork, 1998.

[2] Gurney, W. S. C.; Nisbet, R. M.; Lawton, J. H., The systematic formulation of tractablesingle species models incorporating age struture. Journal of Animal Ecology, 52, 2 (1983),479–495.

[3] Gerhardt, M. P., Modelo de Transmissão da Dengue com Competição Larval. Dissertaçãode Mestrado, UFRGS, Porto Alegre, 2004.

[4] Miorelli, A., Modelos epidemiológicos do dengue e o controle do vetor transmissor. Dis-sertação de Mestrado, UFRGS, Porto Alegre, 1999.

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz

Raul Felipe de Oliveira Francisco†Orientador(a): Profa. Dra. Suzete Maria Silva Afonso

Resumo: Neste trabalho apresentaremos um estudo detalhado sobre os espaçosLp das funções mensuráveis f tais que |f |p é Lebesgue integrável. Exibiremosalgumas de suas interessantes propriedades e provaremos o importante Teoremade Fischer–Riesz que afirma que o espaço Lp, para p ∈ [1 +∞], munido de umacerta norma, é um espaço de Banach.

Palavras-chave: Espaços Lp, teorema de Fischer–Riesz, teoria da medida

Abstract: In this work we present a detailed study of the Lp spaces of measurablefunctions f such that |f |p is Lebesgue integrable. We will show some of theirinteresting properties and prove the important Fischer-Riesz Theorem which statesthat the Lp spaces, for p ∈ [1,+∞], endowed with a certain norm, is a Banachspace.

Keywords: Lp spaces, Fischer–Riesz theorem, measure theory

1 Os espaços £p e Lp (1 ≤ p <∞)

Nesta seção definiremos os espaços £p(E) e Lp(E) das funções e classes de equivalênciade funções, respectivamente, p-integráveis f : E → R, em que 1 ≤ p < ∞. O principalresultado desta seção é o Teorema de Fischer–Riesz que afirma que os espaços Lp são espaçosde Banach, ou seja, são completos com a métrica induzida pela norma neles definida.

Definição 1. Sejam E um conjunto mensurável e 1 ≤ p < ∞. Denotamos por £p(E) oconjunto das funções mensuráveis f : E → R tais que |f |p é Lebesgue integrável e ||f ||p <∞,em que

||f ||p =

(∫E|f(t)|pdt

) 1p

.

Veremos abaixo que, para todo p ∈ [1,+∞), o espaço £p(E) é um espaço vetorial sobre R.

Proposição 2. Seja p ∈ [1,+∞). O espaço £p(E) é um espaço vetorial sobre R, isto é, se fe g pertencem ao espaço £p(E) e α e β são números reais, então αf + βg também pertenceà £p(E).

Prova: É claro que se f ∈ £p(E) e α ∈ R então αf ∈ £p(E). Portanto, é suficiente mostrarque f + g ∈ £p(E) sempre que f, g ∈ £p(E). Dadas, pois, f, g ∈ £p(E), tem-se:

|f + g|p ≤ (|f |+ |g|)p ≤ (2 max{|f |, |g|})p

≤ 2p max{|f |p, |g|p} ≤ 2p(|f |p + |g|p),

de onde segue que f + g ∈ £p(E).

†Bolsista PET

60Departamento de Matemática

IGCE · Unesp Rio Claro

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 61

Dizemos que duas funções f1, f2 ∈ £p(E) são equivalentes quando elas só diferem emum conjunto de medida nula. Isto equivale a dizer que ||f1 − f2||p = 0, o que implica que||f1||p = ||f2||p. Indicamos por Lp(E) o espaço dessas classes de equivalência, isto é, o espaçovetorial quociente de £p(E) pelo espaço vetorial

Np = {f ∈ £p(E), ||f ||p = 0}.

Observação 3. Seja R a reta real estendida, ou seja, o conjunto R ∪ {−∞} ∪ {+∞}. Sef : E → R é uma função mensurável tal que ||f ||p < ∞ então m({t ∈ E, |f(t)| = ∞}) = 0 edefinindo

f(t) =

{f(t), se |f(t)| <∞,0, se |f(t)| =∞,

temos f ∈ £p(E) e ||f−f ||p = 0. Para definir Lp(E) nada perderemos portanto ao considerarapenas as funções finitas, caso contrário perderíamos a estrutura de espaço vetorial.

Por abuso de notação, dada a classe de equivalência f ∈ Lp(E) de f ∈ £p(E), escreveremosf em vez de f e ‖f‖p em vez de ‖f‖p.

Vamos verificar que a aplicação

f ∈ £p(E)→ ||f ||p ∈ R+

é uma norma em £p(E), ou seja, que goza das três propriedades:

i) ||λf ||p = |λ|||f ||p, para quaisquer λ ∈ R e f ∈ £p(E);

ii) ||f + g||p ≤ ||f ||p + ||g||p para quaisquer f, g ∈ £p(E);

iii) ||f ||p = 0⇔ f = 0.

Perceba que, das definições de || · ||p e do espaço £p, as propriedades i) e iii) seguemnaturalmente. Além disso, a propriedade ii) é facilmente verificada quando p = 1. Agora,para demonstrarmos a propriedade ii) para qualquer p, será necessário introduzir algumasdesigualdades.

A desigualdade que será apresentada na sequência foi considerada pelo matemático inglêsW. H. Young em seu trabalho “On classes of summable functions and their Fourier series”publicado em 1912, [6]. Para uma prova analítica deste resultado, sugerimos ao leitor aleitura do trabalho [2] “On Young’s inequality”, dos autores F. Cunningham Jr. e N. Grosman,publicado em 1971.

Teorema 4 (Desigualdade de Young). Seja α : [0,+∞)→ R uma função tal que:

i) α(0) = 0;

ii) α é contínua em [0,+∞);

iii) α é estritamente crescente e ilimitada em [0,+∞).

Sob tais condições, α tem uma inversa β que está definida em [0,+∞) e goza das mesmaspropriedades que α. Então, para quaisquer a ≥ 0 e b ≥ 0, tem-se:

ab ≤∫ a

0α(x)dx+

∫ b

0β(y)dy.

Além disso, a igualdade ocorre se, e somente se, α(a) = b.

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 62

Dado 1 ≤ p <∞, seja q ∈ [1,∞) tal que

1

p+

1

q= 1.

O número q é dito o expoente conjugado de p, bem como o número p é dito o expoenteconjugado de q.

Corolário 5. Seja p ∈ [1,∞) e seja q o expoente conjugado de p. Se a > 0 e b > 0 então

ab ≤ ap

p+bq

q.

Prova: Sejam α : [0,+∞)→ R e β : [0,+∞)→ R as funções definidas por

α(x) = xp−1 e β(y) = y1p−1 , para x, y ∈ [0,+∞).

Não é difícil verificar que α e β satisfazem as condições da Desigualdade de Young, Teorema4. Como (p− 1)q = p, segue que

ab ≤∫ a

0xp−1dx+

∫ b

0y

1p−1dy =

ap

p+bq

q.

Teorema 6 (Desigualdade de Hölder–Riesz). Seja p ∈ [1,∞) e seja q o expoente conjugadode p. Se f ∈ Lp(E) e g ∈ Lq(E) então:∫

E|f(x)g(x)|dx ≤ ||f ||p · ||g||q.

Prova: Vamos supor que ||f ||p > 0 e ||g||q > 0, pois senão teríamos fg = 0 a menos de umconjunto de medida nula e o resultado seguiria imediatamente.

Pelo Corolário 5, temos:

|f(x)g(x)|AB

≤ A−p|f(x)|p

p+B−q|g(x)|q

q,

em que A =

[∫E|f(x)|pdx

] 1p

= ||f ||p e B =

[∫E|g(x)|qdx

] 1q

= ||g||q. Por conseguinte,

fg ∈ L1 e

1

AB

∫E|f(x)g(x)|dx ≤ 1

pAp

∫E|f(x)|pdx+

1

qBq

∫E|g(x)|qdx

=1

p+

1

q= 1.

Logo ∫E|f(x)g(x)|dx ≤ AB = ||f ||p.||g||q.

Corolário 7. Se m(E) <∞ e 1 ≤ p < q ≤ ∞, então:

Lq(E) ⊂ Lp(E).

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 63

Prova: De p < q tem-se que qp > 1 e q

q−p é o expoente conjugado de qp .

Tome f ∈ Lq(E). Aplicando a Desigualdade de Hölder (Teorema 6) relativamente ao par(qp ,

qq−p

), obtemos:

(||f ||p)p =

∫E|f(t)|pdt ≤

(∫E|f(t)|p

qpdt

) pq(∫

E1

qq−pdt

) q−pq

= (||f ||q)pm(E)q−pq ,

de onde segue que ||f ||p ≤ m(E)1p− 1q ||f ||q.

O próximo resultado nos permitirá, finalmente, concluir que a aplicação f ∈ Lp(E) →||f ||p ∈ R+ é uma norma em Lp(E).

Teorema 8 (Desigualdade de Minkowski–Riesz). Seja p ≥ 1. Se f, g ∈ Lp(E), então:(∫E|f(x) + g(x)|pdx

) 1p

≤(∫

E|f(x)|pdx

) 1p

+

(∫E|g(x)|pdx

) 1p

,

ou seja,‖f + g‖p ≤ ‖f‖p + ‖g‖p.

Prova: Para p = 1, a desigualdade é obtida pela desigualdade triangular satisfeita pelosnúmeros reais. Suponha que p > 1. Então:∫

E|f(x) + g(x)|pdx =

∫E|f(x) + g(x)||f(x) + g(x)|p−1dx

≤∫E|f(x) + g(x)|p−1|f(x)|dx+

∫E|f(x) + g(x)|p−1|g(x)|dx.

Seja q > 1 tal que 1p + 1

q = 1. Note que (p − 1)q = p e |f + g|p−1 ∈ Lq(E). PelaDesigualdade de Hölder–Riesz (Teorema 6), temos que:∫

E|f(x) + g(x)|p−1|f(x)|dx ≤

(∫E|f(x) + g(x)|(p−1)qdx

) 1q(∫

E|f(x)|pdx

) 1p

e ∫E|f(x) + g(x)|p−1|g(x)|dx ≤

(∫E|f(x) + g(x)|(p−1)qdx

) 1q(∫

E|g(x)|pdx

) 1p

.

Combinando as três desigualdades acima, obtemos o resultado.

O matemático alemão Hermann Minkowski (1864–1909) provou a desigualdade precedentepara soma finita de números em sua obra Geometrie der Zahlen (1896); enquanto Frigyes Riesz(1880–1956) generalizou este resultado para integrais de funções, em 1910. As principaisferramentas de Riesz foram as desigualdades tratadas anteriormente. A Desigualdade deHölder e a Desiguldade de Minkowski não valem para 0 < p < 1 quando E for um conjuntode medida não-nula. Sugerimos ao leitor a leitura do livro [1] para constatar a veracidadedesta afirmação.

Finalizaremos esta seção com o Teorema de Fischer–Riesz, um dos grandes trunfos da teo-ria de integração desenvolvida por Lebesgue, que afirma que os espaços Lp(E) são completos.Historicamente, não foi esta a formulação original do teorema. Fischer e Riesz demonstraram

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 64

independentemente, em 1906, que uma condição necessária e suficiente para que uma sequên-cia (ck)k∈Z de números complexos seja a sequência dos coeficientes de Fourier de uma sérieconvergindo em média quadrática é que se tenha

∞∑k=−∞

|ck|2 <∞.

O ponto chave da demonstração era a prova de que o espaço L2([0, 1]) é completo.

Teorema 9 (Teorema de Fischer–Riesz). Seja p ∈ (1,+∞). O espaço Lp(E) munido danorma || · ||p é um espaço de Banach.

Prova: Seja (fn)n∈N uma sequência de Cauchy em Lp(E). Dado 12r > 0, existe n(r) tal que,

para m,n > n(r), tem-se:

||fn − fm||p <1

2r.

Por recorrência podemos encontrar uma subsequência crescente (nr)r∈N tal que

||fnr+1 − fnr ||p <1

2r.

Vamos definir

gk =k∑r=1

|fnr+1 − fnr | e g =∞∑r=1

|fnr+1 − fnr |,

em que g pode tomar valores iguais a∞. Pela Desigualdade de Minkowski–Riesz (Teorema 8),

temos que ||gk||p ≤∞∑n=1

1

2n= 1 e, aplicando o Lema de Fatou (veja [3, Teorema 3.2]) à

sequência de funções (gpk)k∈N, obtemos:

(||g||p)p =

∫E

lim(gk)p ≤ lim

∫E

(gk)p ≤ 1,

de onde segue que g é finita quase sempre e a série

fn1 +

∞∑n=1

(fn+1 − fn)

é absolutamente convergente quase sempre. Indicando por f a sua soma, temos, portanto,que f está definida quase sempre. De

fn1 +

n−1∑i=1

(fni+1 − fni) = fnk

segue que f = limn→∞

fnk quase sempre, de onde se conclui que f é mensurável.

Afirmamos que ||f−fn||pn→+∞−−−−−→ 0. De fato, dado ε > 0, existe nε tal que, para n,m > nε,

tem-se ||fn − fm|| < ε. E, pelo Lema de Fatou, para n > nε segue que∫|f − fn|p ≤

1

klim

∫|fnk − fn|

p ≤ εp. (1.1)

Consequentemente f − fn ∈ Lp(E). Como fn ∈ Lp(E), concluímos que f ∈ Lp(E) e, por(1.1), ||f − fn||p ≤ ε, para n > nε.

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 65

O fato de que os espaços Lp(E) são espaços de Banach é muito importante na AnáliseFuncional, pois então se aplicam a eles os teoremas fundamentais que valem para espaçosde Banach e não valem para espaços normados, tais como o Teorema da Aplicação Aberta,o Teorema do Gráfico Fechado, o Princípio da Limitação Uniforme, o Teorema de Banach–Steinhaus. Ao leitor interessado, indicamos a referência [1] para um estudo aprofundado sobreos teoremas mencionados.

2 Aproximações por funções contínuas

Seja E um conjunto mensurável em R. O principal objetivo desta seção é mostrar que,para 1 ≤ p <∞, o espaço Lp(E) é separável.

Proposição 10. Para 1 ≤ p < ∞, o conjunto de todas as funções escada é denso em Lp(R).Em outras palavras: se f ∈ Lp(R) e ε > 0, então existe uma função escada ψ em R tal que

||f − ψ||p < ε.

Prova: Vamos dividir a prova em dois casos. Primeiro vamos considerar o caso em que f ≥ 0.Seja ε > 0. É sabido que existe uma função escada ψ ≥ 0 tal que

||fp − ψp||1 < εp.

Utilizando a desigualdade|a− b|p ≤ |ap − bp|

que é válida para a ≥ 0, b ≥ 0 e p ≥ 1, obtemos∫R|f(x)− ψ(x)|pdx ≤

∫R|fp(x)− ψp(x)|dx < εp,

de onde segue que||f − ψ||p < ε.

Para o caso geral, o resultado segue ao considerar a decomposição f = f+ − f− e o quefoi provado anteriormente.

Agora vamos introduzir uma nova classe de funções reais.

Definição 11. Uma função contínua f : R → R é dita ter suporte compacto se existe umsubconjunto compacto K ⊂ R tal que x /∈ K implica f(x) = 0.

O conjunto de todas as funções que tem suporte compacto em R será denotada por Cc(R).

Como um conjunto compacto em R é limitado, se f ∈ Cc(R) então f é igual a zero forade um intervalo fechado, de onde se conclui que Cc(R) ⊂ Lp(R).

Proposição 12. Para 1 ≤ p <∞, Cc(E) é denso em Lp(E).

Prova: Seja f ∈ Lp(E). Defina a função f : R→ R por

f(x) =

{f(x), se x ∈ E,0, se x /∈ E.

Dessa forma f ∈ Lp(R). Portanto, para qualquer ε > 0 existe uma função escada ϕ em R talque ∫

E|f(x)− ϕE(x)|pdx ≤

∫R|f(x)− ϕ(x)|pdx < εp

2p, (2.1)

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 66

em que ϕE é a restrição de ϕ a E. Por outro lado, existe uma função g ∈ Cc(R) tal que∫R|g(x)− ϕ(x)|pdx < εp

2p, (2.2)

veja a figura abaixo.

y = ϕ(x)

y = g(x)

Considerando gE a restrição de g a E e combinando (2.1) e (2.2), obtemos:(∫E|f(x)− g(x)|pdx

) 1p

≤(∫

R|f(x)− g(x)|pdx

) 1p

≤(∫

R|f(x)− ϕ(x)|pdx

) 1p

+

(∫R|ϕ(x)− g(x)|pdx

) 1p

< ε,

o que nos leva a concluir que Cc(E) é denso em Lp(E).

Como consequência da Proposição 12, temos o seguinte resultado.

Corolário 13. Considere 1 ≤ p <∞. Então C(E) ∩ Lp(E) é denso em Lp(E).

Seja C∞c (R) o espaço das funções infinitamente diferenciáveis em R com suporte compacto.Para aproximar funções Lp por funções C∞c (R), precisamos construir algumas funções básicasem C∞c (R).

Seja α um número real positivo. A função

h(x) =

{exp( −1x(α−x)

), se 0 < x < α,

0, se x ≤ 0 ou x ≥ α

é infinitamente diferenciável e tem suporte compacto. Veja seu gráfico abaixo.

y = h(x)

0 α

Defina a função g : R→ R por

g(x) =

∫ x

−∞h(t)dt,

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 67

0 α

y = g(x)

cujo gráfico está descrito a seguir.Seja ε > 0. Considere a função gε : R→ R definida por

gε(x) = g(αxε

).

Portanto, gε(x) = g(α) se x ≥ ε, conforme se pode observar abaixo:

0−ε ε−α α

y = gε(x) y = gε(x)

Considere agora gε(x) = gε(−x). Definamos agora uma função em C∞c (R). Para o inter-valo fechado [a, b] e ε > 0, seja

pε(x) =

{gε(x− a+ ε), se x ≤ (a+b)

2 ,gε(x− b− ε), se x ≥ (a+b)

2 .

Portanto, pε ∈ C∞c (R). Veja a figura abaixo.

0 b+ εa− ε ba

y = pε(x)

É natural que a função característica χ[a,b] de [a, b] possa ser aproximada por rpε paraalguns ε > 0 e r > 0 no sentido de que

||rp ε2− χ[a,b]||p < ε.

Seja C∞c (E) = {fE ; f ∈ C∞c (R)}. Então, temos o seguinte resultado.

Proposição 14. Para 1 ≤ p <∞, C∞c (E) é denso em Lp(E).

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 68

Prova: Nós podemos nos restringir ao caso em que E = R. Sabemos que as funções escadasobre R são densas em Lp(R). Por outro lado, a função característica de um intervalo podeser aproximada por funções C∞c , como vimos acima, o que completa a prova.

Também temos a seguinte proposição:

Proposição 15. Seja f ∈ L1(E). Se ∫Ef(x)g(x)dx = 0

para qualquer g ∈ C∞c (E), então f é nula quase sempre.

Prova: Podemos assumir que f ∈ L1(R) sem perda de generalidade. Por resultados de Teoriada Medida (veja [3]), é suficiente mostrar que∫

Af(x)dx = 0

para qualquer subconjunto mensurável A ⊂ R. Como χA ∈ L1(R), podemos encontrar umasequência (gn)n∈N em C∞c (R) que tende quase sempre para χA e é limitada por uma constanteM . Então (gnf)n∈N converge para fA = χAf quase sempre e cada gnf pertence a L1(R).Pelo Teorema de Convergência Dominada de Lebesgue (veja [3], Teorema 3.5), concluímosque (gnf)n∈N converge para fA com respeito a norma de L1, de onde segue∫

Rgn(x)f(x)dx

n→+∞−−−−−→∫RfA(x)dx,

o que prova que ∫Af(x)dx =

∫RfA(x)dx = 0.

Agora vamos definir o conceito de separabilidade de um espaço métrico e provar que Lp(E)é separável se 1 ≤ p <∞:

Definição 16. Um espaço métrico (M,d) é dito separável se possui um subconjunto denso Dque consiste em um número enumerável de elementos.

Embora já tenha sido mencionado o conceito de conjunto denso em resultados anteriores,lembramos agora que um conjunto D é denso em M se para quaisquer x ∈ M e ε > 0 existey ∈ D tal que d(x, y) < ε. O conjunto de números reais R, desde que com a métrica usual,é separável, pois contém Q que é enumerável e denso. De forma similar temos também queo espaço Rn é separável. Na sequência vamos provar que o espaço Lp(E) é separável para1 ≤ p <∞.

Proposição 17. Para 1 ≤ p <∞, Lp(E) é separável.

Prova: Provamos que a família de todas as funções escada é um conjunto denso em Lp(E). Éfácil verificar que a coleçãoR de todas as funções escada que possuem descontinuidades apenasem pontos racionais em E e assumem apenas valores racionais é um conjunto enumerável.Também sabemos que cada função escada pode ser aproximada por uma função em R comrespeito à norma de L1. Por conseguinte, a conjunto R é denso em Lp(E).

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3 O espaço L∞

Nas seções anteriores estudamos os espaços Lp para 1 ≤ p <∞. É natural, portanto, quequeiramos dar uma interpretação para o caso p → ∞. Vamos, então, introduzir uma novaclasse de funções:

Definição 18. Seja E um conjunto mensurável. Denotamos por L∞(E) o espaço das funçõesmensuráveis definidas em E que são limitadas quase sempre em E, ou seja,

m({x ∈ E, |f(x)| > α}) = 0

para algum número real α > 0.

É fácil ver que L∞(E) é um espaço vetorial sobre R. Além disso, é fácil verificar que aaplicação definida por

||f ||∞ = inf{α > 0; m({x ∈ E, |f(x)| > α}) = 0},

para f ∈ L∞(E), define uma norma em L∞(E). Tal norma é, por vezes, denominada supremoessencial de f .

Agora, apresentaremos algumas propriedades pertinentes do espaço L∞(E).

Proposição 19. Seja E um conjunto mensurável de medida finita. Então

L∞(E) ⊂ Lp(E)

para qualquer p, 1 ≤ p <∞. Mais ainda, se f ∈ L∞(E), então

||f ||∞ = limp→∞

||f ||p.

Prova: Sejam f ∈ L∞(E) e A = ||f ||∞. Então temos |f(x)|p ≤ Ap para quase todo x ∈ E.Portanto, f ∈ Lp(E) e ∫

E|f(x)|pdx ≤ Apm(E),

ou equivalentemente||f ||p ≤ A[m(E)]

1p .

E como [m(E)]1p → 1 quando p→∞ temos

lim sup ||f ||p ≤ A. (3.1)

Por outro lado, suponha que |f(x)| ≥ B em um conjunto F de medida positiva. Então

B[m(F )]1p ≤ ||f ||p,

de onde segue queB ≤ lim inf ||f ||p

e, portanto,sup{B > 0; m({x ∈ E, |f(x)| ≥ B}) 6= 0} ≤ lim inf ||f ||p.

Mas, não é difícil verificar que sup{B > 0; m({x ∈ E, |f(x)| ≥ B}) 6= 0} = A. Portanto,segue de (3.1) que:

A ≤ lim inf ||f ||p ≤ lim sup ||f ||p ≤ A,

o que nos leva a concluir que A = limp→∞

||f ||p.

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A seguir provaremos que o espaço L∞(E) é um espaço de Banach.

Proposição 20. O espaço L∞(E) é um espaço de Banach.

Prova: Seja (fn)n∈N uma sequência de Cauchy em L∞(E) e sejam

Ak = {x ∈ E; |fk(x)| > ||fk||∞},

Bm,n = {x ∈ E; |fm(x)− fn(x)| > ||fm − fn||∞},

F =∞⋃k=1

Ak ∪∞⋃

m,n=1

Bm,n.

Portanto m(F ) = 0, pois F é uma reunião enumerável de conjuntos de medida nula. Paracada x ∈ E − F a sequência (fn(x))n∈N é de Cauchy em R, uma vez que

|fm(x)− fn(x)| ≤ ||fm − fn||∞

e, portanto, converge para um numero real. Seja f : E → R definida por

f(x) =

{lim fn(x), se x ∈ E − F ,0, se x ∈ F .

Pela definição da f , a mesma é mensurável e limitada, de onde segue que f ∈ L∞(E).Mostremos agora que (fn)n∈N converge para f no sentido que ||fn−f ||∞ → 0 quando n→∞.Para isso, notemos que fn

n→+∞−−−−−→ f uniformemente em E−F e fn− f é limitada em E−F .Portanto,

||fn − f ||∞ ≤ sup{|fn(x)− f(x)|, x ∈ E − F} → 0

quando n→∞. Assim concluímos que L∞(E) é completo com a métrica induzida pela normado supremo essencial. Ou seja, (L∞(E), ‖f‖∞) é um espaço de Banach.

Finalizaremos este trabalho provando que L∞((a, b)) não é separável.

Proposição 21. L∞((a, b)) não é separável.

Prova: Para cada numero real c tal que a < c < b, definimos fc como sendo a funçãocaracterística do intervalo (a, c). Então, se c 6= d, temos ||fc − fd||∞ = 1. Suponhamos queexista um conjunto F que é denso em L∞((a, b)). Portanto, para cada c ∈ (a, b), existe umafunção gc ∈ F tal que

‖fc − gc||∞ <1

2.

Consequentemente F é necessariamente não-enumerável. Isso mostra que L∞((a, b)) não éseparável.

Agradecimentos: Eu gostaria de agradecer a Profa. Dra. Suzete Maria Silva Afonso, pelosanos que dedicou seu tempo e paciência para me orientar, o que fez com que ela se tornasseuma grande e querida amiga. Gostaria de agradecer também ao grupo PET, pois se eu nãofosse membro de tal grupo, não teria chegado onde cheguei.

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Os espaços Lp e o Teorema de Fischer–Riesz 71

Referências Bibliográficas

[1] Brézis, H., Análisis Funcional, Teoria y Aplicaciones. Alianza Editorial, 1984.

[2] Cunningham Jr., F. and Grosman, N., On Young’s inequality, American MathematicalMonthly, 78, 781–783.

[3] Hönig, C. S., A integral de Lebesgue e suas aplicações. Instituto de Matemática Pura eAplicada, Rio de Janeiro, 1977.

[4] Minkowski, H., Geometrie der Zahlen, Teubner, Leipzig; reprinted by Chelsea, New York,1953.

[5] Chae, S. B., Lebesgue Integration, Springer-Verlag, New York, 1995.

[6] Young, W. H., On classes of summable functions and their Fourier series, Proceedings ofthe Royal Society (London) (A), 87, 225–229.

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