boletim dataluta 2 2015

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  • 7/24/2019 Boletim Dataluta 2 2015

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    Uma publicao do Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria NERA.Presidente Prudente, fevereiro de 2015, nmero 86. ISSN 2177-4463.

    www.fct.unesp.br/nera

    A R T I G O D A T A L U T A

    R T I G O D A T A L U T A

    Sem-terra: da centralidade da luta pela terra luta por polticas pblicas

    A R T I G O D O M SR T I G O D O M S Os territrios, a Via Campesina no Brasil e o conceito de movimento socioterritorial

    www.fct.unesp.br/nera/artigodomes.php

    E V E N T O S

    V E N T O S

    I I Encontro Internacional Part icipao, Democracia e Polt icas Pblicas

    UNICAMP/Campinas So Paulo, 27 a 30 de abril de 2015.

    I I I Colquio Habitat e Cidadania: habitao no campo, nas guas e nas f lorestas

    UnB/Braslia Distrito Federal,12 a 15 de maio de 2015.

    I I Congreso Internacional Seminario Estado, Territrio y Desarrollo (SETED)

    Santiago de Compostela Espaa, 1 a 3 del Julio del 2015.

    P U B L I C A E S

    U B L I C A E S

    V D E O S

    D E O S

    E P O D

    P O D

    T E R R I T O R I A L

    E R R I T O R I A L

    Os usos da terra no Brasil.Autor(es): Bernardo MananoFernandes, Clifford AndrewWelch, Elienai ConstantitoGonalves.

    O livro revela um Brasil agrrioonde a forte propaganda do

    agronegcio se apresenta como modelo

    absoluto, ignora ou descaracteriza o outromodelo agrcola formado pelo trabalho familiar,de produo em pequena escala eresponsvel pela segurana alimentar donosso pas. Esses modelos no se coadunam.

    Awka Liwen: rebeldeamanecer.

    Autora y guin: OsvaldoBayer, Mariano Aiello yKristina Hille.

    Es la historia de la pugna por la distribucin dela riqueza en Argentina, a partir de lasmatanzas contra los pueblos originarios y el

    robo de sus territorios ancestrales, hasta laactual rebelin de los corporacionesagropecuarias para no pagar impuestos.Para ver:https://www.youtube.com/watch?v=W-DdcqFoNjc.

    PodCast Unesp PodTerritorial.

    Autores: Vrios

    O Podcast Unesp, emparceria com a Ctedra Unesco Educao doCampo e Desenvolvimento Territorial, publicasemanalmente noticirio sobre Reforma

    Agrria, povos de diferentes etnias, questes

    geogrficas e outros assuntos que colaboramsignificativamente no desenvolvimento social.Para ouvir/baixar: http://podcast.unesp.br/.

    APOIOEditorao:Danilo Valentin Pereira (bolsista FAPESP), Pedro Henrique C. de Morais (bolsista PIBIT) e Hugo A. Alves (bolsista PROEX).

    Reviso:Tiago E. A. Cubas (bolsista FAPESP), Leandro N. Ribeiro (bolsista CAPES), Ana L. Teixeira (bolsista FAPESP), Hellen C. C. Garrido(bolsista AUIP/PAEDEX), Helen C. G. M. da Silva (bolsista CNPQ), Lara C. Dalprio (bolsista FAPESP) e Rodrigo S. Camacho.

    Coordenao:Janana F. S. C. Vinha, Juliana G. B. Mota (bolsista FAPESP) e Valmir J. de O. Valrio (bolsista CNPq).Leia outros nmeros do BOLETIM DATALUTA em www.fct.unesp.br/nera

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    NERA Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria Artigo DATALUTA: fevereiro de 2015.

    Disponvel em www.fct.unesp.br/nera #

    SEM-TERRA: DA CENTRALIDADE DA LUTA PELA TERRA LUTA POR POLTICAS PBLICAS

    Joo E. FabriniGeolutas

    [email protected]

    O campo brasileiro caracterizado pela existncia de diversos conflitos e lutas entre camponeses eproprietrios rurais ou empresas capitalistas. A luta dos camponeses organizados em diversos movimentos

    mexe na estrutura da propriedade da terra e implica no solapamento de pilares do capitalismo no campo.

    Entretanto, a luta dos camponeses nem sempre atinge a estrutura da produo capitalista, pois

    existem as lutas de natureza reivindicativa, vinculadas cidadania e de garantia de direitos previstos na

    legislao, ou seja, lutas feitas no arco da ordem estabelecida. Essas lutas no so menos importantes do

    que as lutas insurgentes que visam mudanas estruturais. So exemplares as lutas por polticas pblicas

    tais como direito educao (no/do campo), moradia rural, crdito e financiamentos, dentre outras.

    Observa-se que a maior parte dos movimentos camponeses alia lutas estruturais com lutas reivindicativas.

    Nesse contexto, os movimentos sociais, ou scioterritoriais, se firmaram paradigmticos a partir da

    sua eficincia poltica e conquistas diversas. Acrescenta-se na afirmao dos movimentos o fato de pessoas

    adormecidas para a vida poltica despertarem, pois os sujeitos aprendem a reconhecer o opressor, se

    organizar, participar, enfim, a participao nos movimentos permite a emancipao social, poltica e

    econmica dos sujeitos.

    O movimento dos sem-terra, formado por camponeses expropriados e expulsos da terra inaugurou

    no final da dcada de 1970 as lutas por meio das ocupaes de terra. As ocupaes de grandes fazendas

    improdutivas, principalmente, tornaram-se as principais formas de luta desses camponeses, indicando

    recusa proletarizao (no campo e na cidade) ou o deslocamento para a fronteira amaznica e paraguaia.Assim, simultaneamente expulso e expropriao com a evoluo do capitalismo, os camponeses sem-

    terra foram construindo a possibilidade de retorno terra por meio das ocupaes de terra, principalmente.

    As primeiras ocupaes de terra surgiram de forma isolada nos cinco Estados ao Sul do Brasil:

    RS, SC, PR, MS e SP - o que deu base para o surgimento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem-Terra). A CPT (Comisso Pastoral da Terra), criada em 1975 para apoiar as lutas dos camponeses,

    teve importante participao no surgimento do MST.

    Posteriormente surgiram diversos movimentos de sem-terra que adotaram tambm a ocupao e o

    acampamento como formas de luta para acessar terra. Operacionalizados pelos STRs, principalmente, os

    trabalhadores rurais vinculados Contag (Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura),

    passaram a atuar no sentido de organizar acampamentos e ocupaes de terra nos vrios estados

    brasileiros. Nesse mesmo caminho seguiram as bases sindicais vinculadas CUT (Central nica dos

    Trabalhadores); dentre outros movimentos. As ocupaes de terra possibilitaram a conquista de

    aproximadamente 8 milhes de hectares em assentamentos, segundo dados do DATALUTA/BR e MST.

    O grfico a seguir (Grfico 1), elaborado a partir dos dados do DATALUTA/BR (2013), indica as

    ocupaes de terras realizadas em todo o Brasil no perodo de 1988-2012.

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    NERA Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria Artigo DATALUTA: fevereiro de 2015.

    Disponvel em www.fct.unesp.br/nera $

    Grfico 1 Brasil Nmero de ocupaes 1988-2012

    Embora as ocupaes ainda se constituam numa importante forma de luta dos movimentos de sem-

    terra, pois em 2012 foram realizadas 253 ocupaes em todo o Brasil, esse nmero vem declinando a partir

    de 2005. Esse declnio est vinculado redefinio das estratgias de lutas dos movimentos de sem-terra

    em vista de transformaes conjunturais ocorridas no campo brasileiro a partir da dcada de 1990,

    principalmente1. Os movimentos passaram priorizar a luta por polticas pblicas, diferente do que ocorria no

    passado em que as ocupaes de terra possuam centralidade.

    Na compreenso do MST, as transformaes no campo brasileiro esto relacionadas expanso

    do agronegcio, setor chave da economia, resultante da demanda internacional de produtos agrcolas2. Em

    vista dessa demanda, o capital interessou-se pela agricultura com o aumento de ganho de produtividade,

    pois a produo na terra estaria dando mais lucro do que a especulao, minando o rentismo que sempre

    caracterizou o espao agrrio brasileiro. A elevao dos preos dos produtos de exportao fez oslatifundirios a dedicarem ou entregarem suas terras produo, diminuindo a oferta de terras improdutivas

    que poderiam ser destinadas reforma agrria. Nessa perspectiva de interpretao, os latifndios tornaram-

    se agronegcio, empresas rurais capitalistas e produtivas. Agora o campo seria territrio do agronegcio e

    no, necessariamente, do latifundirio.

    A expanso da produo destinada exportao sempre colocou dificuldade para os camponeses.

    Esse foi o caso da produo aucareira no Nordeste brasileiro na dcada de 1950. A elevao dos preos

    do acar no mercado internacional se desdobrava na expulso dos camponeses das terras, o que motivou

    a sua organizao nas Ligas camponesas. Nessa interpretao, a expanso do capitalismo no campo

    implica na retrao da agricultura camponesa, e vice-versa.

    Acrescenta-se esse contexto de dificuldade a diminuio das desapropriaes de terra e

    realizao de assentamentos que desanimam os sem-terras em fazer novas ocupaes. Enquanto no

    perodo de governo Lula e FHC foram desapropriados 48 milhes de hectares e 21 milhes de hectares,

    1Alguns tericos, tais como BUAINAIN, A. M. et al (2014), afirmam que as mudanas ocorridas esto vinculadas formao de umnovo padro agrrio e agrcola no Brasil do sculo 21, no qual a reforma agrria no tem sentido.2Somente a China importou em 2011 mais de 20 milhes de toneladas de soja do Brasil. A importncia da produo agropecuria paraexportao levou autores como o economista Reinaldo Gonalves, dentre outros, afirmarem que o Brasil caminha para re-primarizaoda sua economia.

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    NERA Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria Artigo DATALUTA: fevereiro de 2015.

    Disponvel em www.fct.unesp.br/nera %

    respectivamente, no governo Dilma, foram desapropriados apenas 2,3 milhes de hectares. No ano de

    2013, houve apenas 10 desapropriaes de terras para fins de reforma agrria.

    Esse recuo est relacionado ao fato do governo no entender a realizao da reforma agrria e a

    pequena agricultura como parte do projeto de desenvolvimento do Brasil, bem como a atuao poltica dos

    setores ruralistas fortemente representados no Congresso Nacional. A aliana pragmtica do governo com

    o setor ruralista para garantir governabilidade da nao colocou um conjunto de obstculos para asdesapropriaes de terra e realizao de assentamentos, o que, enfim, desestimulou os sem-terra a formar

    acampamentos e realizar ocupaes de terra.

    O grfico a seguir (Grfico 2), indica a diminuio do nmero de assentamentos de reforma agrria

    no Brasil, sobretudo a partir de 2007.

    Grafico 2 Brasil Nmero de assentamento rurais Assentamento criados 1985-2012

    Portanto, as dificuldades diversas fizerem os movimentos de sem-terras redefinirem suas

    estratgias de luta, abrindo outras frentes, pois a ocupao de terra seria uma forma de luta adequada para

    combater latifndios. Na compreenso dos movimentos, bem como de alguns tericos da questo agrria

    comprometidos com a luta dos sem-terra, para combater o agronegcio so necessrias outras ferramentas

    de lutas.

    Dessa forma, os movimentos de sem-terras esto dando mais ateno para os assentamentos,

    apesar da preocupao do que fazer com a terra estivesse presente desde as primeiras conquistas. So

    ilustrativas as propostas de formao de cooperativas, inclusive aquelas inspiradas no modelo cubano, coma coletivizao da terra, trabalho e meios de produo, bem como propostas mais recentes de insero em

    cadeias produtivas, ou construo de agroindstrias, como a produo de agroenergia dentro de um Plano

    Campons de existncia social.

    A maior ateno dos movimentos aos assentamentos j ocorreu no passado recente quando no

    incio da dcada de 1990 o governo federal (F. Collor) elevou a represso contra os sem-terra. O

    endurecimento contra o MST fez o movimento recuar temporariamente nas ocupaes de terras e atentar-

    se para a organizao interna dos assentamentos para fortalecer as resistncias. Nesse contexto surgiram

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    NERA Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrria Artigo DATALUTA: fevereiro de 2015.

    Disponvel em www.fct.unesp.br/nera &

    a Concrab (Confederao das Cooperativas de Reforma Agrria do Brasil) e um sistema cooperativista dos

    assentados, SCA.

    A preocupao dos movimentos de sem-terras de fortalecer os assentamentos coaduna com o

    projeto atual do governo federal para assegurar capacidade produtiva e qualidade de vida s famlias. Para

    assegurar qualidade de vida s famlias necessrio dotar o meio rural de condies adequadas de

    educao, moradia, energia eltrica, internet, comunicao, crdito, agroindstria, insero da produocamponesa no circuito comercial, dentre outras. Nessa conjuntura, os temas educao e ambiente,

    sobretudo a agroecologia, passaram a receber ateno especial dos movimentos camponeses. Portanto,

    preciso lutar por polticas pblicas para fazer dos assentamentos e do meio rural um lugar bom para viver.

    Nessa sintonia dos movimentos e governo federal, o desafio universalizar as polticas pblicas

    para as populaes camponesas. Alguns programas do governo federal se constituem em iniciativas desse

    desafio de universalizao como o Programa Luz Para Todos, PNHR (Programa Nacional de Habitao

    Rural), PAC Mquinas (Programa de Acelerao do Crescimento), Pronaf (Programa Nacional de

    Fortalecimento da Agricultura Familiar), PNAE (Programa Nacional de Alimentao Escolar), PAA

    (Programa de Aquisio de Alimentos), PRONERA (Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria),

    PLANAPO (Plano Nacional de Agroecologia e Produo Orgnica), Programa Terra Forte, etc. Assim, os

    movimentos tm investido no estabelecimento de parceria com o governo, pois a abertura da possibilidade

    de alcance de polticas pblicas uma oportunidade que os camponeses no vo perder.

    Entretanto, o avano de parcerias entre os movimentos e o governo federal poder se desdobrar na

    energia de luta dos sem-terra. Acrescenta-se que essa condio coloca alguns desafios para os

    movimentos, pois eles acumularam experincias de enfrentamentos e no de parcerias com os governos. O

    MST est estabelecendo parcerias, inclusive com empresas capitalistas como o caso do supermercado

    Po de Acar, para fornecimento de produtos agroecolgicos.

    Assim, as ocupaes de terra e o acampamento que se constituram na principal forma de luta dos

    movimentos de sem-terras esto tornando-se secundrias. A luta principal est canalizada para as polticas

    pblicas e no necessariamente luta para a conquista da terra. Agora as ocupaes no so

    necessariamente de terra, embora elas ainda se constituam numa importante forma de luta, como

    destacado anteriormente. As ocupaes so, principalmente, de rgos do governo como BNDES (Banco

    Nacional de Desenvolvimento econmico e Social), Ministrios (Fazenda, Minas e Energia, Agricultura e

    Pecuria, etc.), Banco Central, dentre outros, para liberao de recursos financeiros, implantao de

    projetos, contra a poltica econmica, etc.