boletim da indústria e do comércio exterior - ie.ufrj.br · alimentÍcios e bebidas abate e...

30
BIC Boletim da Indústria e do Comércio Exterior BIC, v. 1, n. 2, jan./mar.2010 DOCUMENTO DE REFERÊNCIA: COMMODITIES AGROINDUSTRIAIS

Upload: hoanghanh

Post on 07-Feb-2019

218 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

BIC

Boletim da Indústria

e do Comércio Exterior

BIC, v. 1, n. 2, jan./mar.2010

DOCUMENTO DE REFERÊNCIA: COMMODITIES AGROINDUSTRIAIS

Page 2: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

BIC Boletim da Indústria e do Comércio Exterior – Ano I – No. 1 – maio de 2010 O Boletim de Indústria e do Comércio Exterior – BIC é uma publicação trimestral elaborada pelo GIC/IE-UFRJ, sob encomenda da APEX-Brasil. Seu objetivo é contribuir na montagem de um quadro de referência para o trabalho de inteligência comercial atualmente já desenvolvido pela agência. O BIC é uma realização do Grupo de Indústria e Competitividade do IE/UFRJ www.ie.ufrj.br/gic - [email protected] Equipe

David Kupfer Coordenador

Galeno Ferraz Redator

Marta Calmon Lemme Redatora

Felipe Araújo Gestor de Informações/RJ

Guilherme Pedretti Gestor de Informações/BSB

Julia Torracca Assistente de Pesquisa

Daniela Carbinato Assistente de Pesquisa

Carolina Dias Gerente Administrativa

Thelma Teixeira Secretária

John Wilkinson Redator do Documento de

Referência sobre Commodities Agroindustriais

Este Documento de Referência – Commodities

Agroindustriais é parte do Boletim da Indústria e do

Comércio Exterior e tem por objetivo examinar os

principais fatores estruturais para a competitividade

dos setores produtores de commodities

agroindustriais na economia brasileira.

SUMÁRIO

1. Apresentação ...................................................................3

2. Padrões de Concorrência e Competitividade nos Setores de Commodities Agroindustriais ......................................4

3. Estrutura e Características dos Setores de Commodities Agroindustriais no Plano Mundial ....................................7

3.1 Demanda e Acesso à Matéria Prima .................................7

3.2 Reestruturação dos Mercados Globais e a Dinâmica Tecnológica ....................................................................13

3.3 Regulação .......................................................................19

4. Caracterização do Setor no Brasil .....................................21

4.1 A Demanda e o Acesso à Matéria Prima ........................21

4.2 Estrutura de Mercado e Dinâmica Tecnológica ..............25

4.3 Regulação .......................................................................28

5 Considerações Finais .........................................................29

Referências ...........................................................................30

As opiniões aqui emitidas são de exclusiva responsabilidade dos autores e não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da APEX-Brasil.

Page 3: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

B I C Boletim da Indústria e

do Comércio Exterior

Ano I – No. 1

maio de 2010

1. Apresentação

Esse documento faz parte do Boletim de Indústria e Comércio Exterior e pretende examinar os

principais fatores estruturais que afetam a competitividade dos setores de commodities

agrícolas na economia brasileira.

O grupo de setores de Commodities Agroindustriais compreende as atividades de trading de

matérias primas, do primeiro processamento de produtos intermediários e da elaboração

simples de produtos de consumo final. Por se tratar de produtos não ou pouco diferenciados,

as combinações de custos, a escala na produção e o controle sobre insumos e de distribuição

constituem componentes-chave do padrão de concorrência nesses setores. Ao mesmo tempo,

a natureza da atividade agrícola impõe estratégias de investimentos multi-planta cuja

localização varia ao depender da finalidade do produto – se intermediário ou de consumo

final. Incluídas nesse grupo estão as atividades apresentadas na Tabela 1, listadas de acordo

com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE – versão 1.2).

A abordagem adotada neste documento apoia-se na base analítica desenvolvida para o Estudo

da Competitividade da Indústria Brasileira, coordenado pelos Institutos de Economia da

Universidade Estadual de Campinas e da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1993/41.

Apoia-se também nos resultados da pesquisa Perspectivas do Investimento no Brasil,

coordenada pelas mesmas instituições em 2008/102. Dentro da perspectiva adotada, as

commodities agroindustriais compartilham boa parte das características das commodities

industriais discutidas no documento de referência contido no Boletim de Indústria e Comércio

Exterior nº 0, que aborda os setores de CI.

Esse documento compreende três partes além da apresentação e das conclusões finais. Na

primeira, apresentamos uma visão geral dos padrões de concorrência bem como dos fatores

que condicionam a competitividade para o conjunto de Commodities Agrícolas. Na segunda,

desenhamos o perfil desses setores em âmbito mundial. Na parte final, focalizamos as suas

características no contexto brasileiro. Duas ressalvas devem ser feitas. Primeiro, cabe ter

presente que as empresas dominantes na produção de Commodities Agroindustriais não

limitam a sua atuação exclusivamente a esses setores, estando, ao mesmo tempo, presentes

nos segmentos de maior valor agregado. Por exemplo, as empresas líderes no processamento

de grãos se posicionam cada vez mais no segmento de saúde/nutrição, enquanto na pecuária

as empresas de carnes buscam desenvolver produtos elaborados como refeições pré-prontas e

similares. Por isso, a dinâmica dos setores produtores de commodities agroindustriais não

deve se confundir com as estratégias das empresas dominantes nesses setores. Uma segunda

ressalva diz respeito às fronteiras entre o “contexto brasileiro” e o “âmbito mundial” que

1 Os resultados dessa pesquisa foram sintetizados no livro Made in Brazil: desafios competitivos para a

indústria brasileira, Ferraz, J. C., D. Kupfer. L. Haguenauer, Rio de Janeiro, Campus (1996). 2 Os resultados desta pesquisa encontram-se disponíveis em www.projetopib.org.

Page 4: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

freqüentemente se confundem dado o elevado peso do setor e das empresas líderes

brasileiras no mercado mundial.

Tabela 1 Grupo de Setores de Commodities Agroindustriais

2. Padrões de Concorrência e Competitividade nos Setores de

Commodities Agroindustriais

Os setores de commodities agrícolas compreendem mercados de produtos pouco

diferenciados nos quais a competitividade origina-se da redução dos custos com base em

grandes escalas de operação no que se refere a insumos, processamento e distribuição. A

maioria dos segmentos de commodities agroindustriais já obedece a uma lógica de

organização internacional dos mercados há pelo menos um século. Dadas as escalas de

operação, o acesso ao financiamento pode se tornar um diferencial competitivo para

concorrer nesses mercados. A homogeneidade dos produtos e os efeitos de localização

definem o espaço para a operação de empresas como de nicho ou regionais. Mesmo com a

tendência de oligopolização dos mercados, as empresas enfrentam grandes incertezas de

CA

15

151

153 Produção de óleos e gorduras vegetais e animais

156 Fabricação e refino de açúcar*

157 Torrefação e moagem de café

16 160 Fabricação de produtos do fumo

20

201 Desdobramento de madeira

202

21

211

212 Fabricação de papel, papelão liso, cartolina e cartão

213 Fabricação de embalagens de papel ou papelão

214

Commodities Agrícolas

FABRICAÇÃO DE PRODUTOS

ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS

Abate e preparação de produtos de carne e de pescado

FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO

FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DE MADEIRA

Fabricação de produtos de madeira, cortiça e material trançado - exceto móveis

FABRICAÇÃO DE CELULOSE, PAPEL E

PRODUTOS DE PAPEL

Fabricação de celulose e outras pastas para a fabricação de papel

Fabricação de artefatos diversos de papel, papelão, cartolina e cartão

Page 5: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

preços, que correspondem a flutuações não apenas na demanda, mas também na oferta de

matéria prima.

Nesse aspecto as commodities agroindustriais apresentam três elementos que as distinguem

das suas congêneres industriais e que exigem uma análise diferenciada: primeiro, a matéria

prima agrícola pode sofrer mudanças abruptas na oferta ocasionadas por fatores naturais

como secas, inundações, geadas e pragas que, mesmo se contornados por mecanismos de

seguro, não deixam de ter fortes impactos sobre preços e oferta física. Segundo, a oferta de

matérias primas agrícolas se dá em ciclos de mais longo tempo de maturação, o que exige

sistemas de financiamento mais complexos. Por fim, a produção agrícola, diferentemente da

mineração ou da indústria petrolífera, requer enormes espaços físicos e envolve grande

número de produtores, o que coloca desafios específicos de logística e de coordenação.

Por todas essas peculiaridades, os setores de commodities agroindustriais constituem objeto

de grande diversidade de regulações e políticas públicas, fazendo do Estado um ator-chave

para o seu funcionamento. Pelas mesmas razões, estratégias privadas visando tornar mais

previsível a oferta de matéria prima levam à promoção de um leque de arranjos de

coordenação envolvendo vários tipos de contratualização, incluindo em muitas situações

fortes incentivos à integração vertical.

Por volta dos anos 1970, a demanda por commodities agrícolas nos principais países

consumidores – a Europa, os Estados Unidos e o Japão – arrefeceu, com a estagnação ou o

declínio no consumo per capita de alimentos básicos. Essa mudança levou as empresas a

buscar estratégias de segmentação dos mercados e de diferenciação dos produtos. Essa

situação, no entanto, vem se revertendo com os grandes países emergentes, em plena

transição alimentar, assumindo o domínio da dinâmica do comércio mundial. Contudo, muito

mais do que um mero ressurgimento quantitativo da demanda de commodities agrícolas, o

funcionamento desses mercados, agora, vem repercutindo os valores associados à estratégia

de diferenciação do período anterior. Assim, hoje são as grandes cadeias de commodities, e

não apenas os mercados de nicho, que necessitam obedecer a diferentes especificações

negociadas entre os traders globais e os consumidores. Esse é o caso dos novos critérios

socioambientais impostos por organizações da sociedade civil, que envolvem rastreabilidade,

segregação da cadeia de suprimento, sistemas de certificação, enfim, novas formas de

coordenação que colocam em questão a tradicional dinâmica dos setores produtores de

commodities organizada em torno dos mercados spot das bolsas internacionais.

Durante todo o século XX a produção agrícola progressivamente especializou-se no

suprimento de alimentos, em detrimento da sua função de fornecedora de matéria prima

industrial e de energia, em que foi sendo substituída por fontes não-agrícolas, sobretudo no

complexo petroquímico. Hoje, vemos o início de uma reversão dessa tendência com o

desenvolvimento de agroenergia, produtos biodegradáveis (bioplásticos) de origem agrícola e

produtos de madeira de florestas plantadas. A agroenergia aproxima cadeias de commodities

que anteriormente seguiam caminhos separados, como o milho e a cana-de-açúcar, ambas

fontes de bioetanol. Como resultado, os traders globais de grãos agora começam a investir

pesadamente na cadeia de cana-de-açúcar. A segunda geração de agroenergia, baseada na

capacidade de transformar material celulósico, promete uma aproximação mais radical, dessa

Page 6: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

vez entre a agricultura e a produção florestal. Produtos agrícolas e florestais são também

importantes nos novos mercados de carbono como parte das estratégias para mitigar os

impactos dos gases de efeito estufa.

As perspectivas de consolidação de mercados globais tanto para a agroenergia quanto para o

mercado de carbono atraem grandes empresas de setores antes antagônicos, mas agora afins

– o setor petroquímico – bem como de grandes investidores de outros setores mobilizados

pelas promessas desses mercados, apoiados em novas formas de alavancagem financeira

através de fundos de investimento. Face esses novos concorrentes as tradicionais barreiras de

entrada baseadas em escala se tornam inócuas. A transformação dos mercados globais de

commodities agrícolas passa também por um novo patamar tecnológico que provoca uma

onda de joint ventures de P&D que ameaça criar novas barreiras à entrada, dessa vez com base

na detenção de patentes, tanto genéticas quanto de processos industriais.

Essa redefinição dos mercados de commodities agrícolas produziu os seus primeiros efeitos no

forte aumento dos preços de alimentos em 2007-8, fenômeno para o qual o aumento do uso

de milho para a fabricação de etanol contribui de modo importante. As medidas

“protecionistas” de retenção de produtos por parte de países tradicionalmente exportadores

funcionaram como sinal de alerta em relação à capacidade do comércio global de garantir a

segurança alimentar. Como resultado, os governos de países que dependem estruturalmente

de importações de alimentos e também de energia, como a China e o Japão, vem ampliando

investimentos diretos em países fornecedores para assegurar o seu abastecimento. Esses

investimentos, que de acordo com estimativas disponíveis já abrangem uma área superior a 20

milhões de hectares, certamente terão influência no funcionamento dos mercados globais de

commodities agrícolas.

De modo geral, os segmentos de commodities agrícolas fazem parte de cadeias globais de

valor nas quais as atividades geradoras de valor agregado situam-se ou a montante, na

tecnologia genética e de processos, ou a jusante, na elaboração de produtos cada vez mais

diferenciados. Para lidar com esse duplo desafio, países exportadores precisam reforçar os

seus sistemas nacionais de P&D, agora estruturados em redes mais complexas que incluem

parcerias estratégicas com as empresas transnacionais, e ao mesmo tempo, promover a

internacionalização das suas empresas líderes, para poder disputar as oportunidades de maior

valor agregado que se situam nos grandes centros consumidores.

Mesmo com um mercado doméstico importante essa dinâmica é valida também para o Brasil.

Desde o início do século XX multinacionais já faziam parte da consolidação da indústria

agroalimentar no país. A partir dos anos 1980 e mais ainda na década seguinte a

transnacionalização avançou aceleradamente. No entanto, o Brasil ainda detém empresas

líderes na maioria dos setores das commodities agrícolas, para as quais essas estratégias se

tornam imperativas e, em alguns casos, como carnes e açúcar/álcool, já estão em curso.

Mesmo em segmentos já altamente transnacionalizados como o da soja, a rápida expansão da

produção agrícola em novas regiões geográficas e também para novos usos como o energético

abre oportunidades para o surgimento de novas empresas com capacidade de se tornaram

atores globais. Entre esses novos investimentos, o Brasil conta também com uma forte

Page 7: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

participação da Petrobras e de outros grandes grupos empresariais brasileiros, já

transnacionais, dos setores de construção e de energia.

3. Estrutura e Características dos Setores de Commodities

Agroindustriais no Plano Mundial

3.1 Demanda e Acesso à Matéria Prima

A alta nos preços de commodities agrícolas em 2007-8 expôs, ou aumentou a percepção de

insegurança no abastecimento mundial. Políticas de retenções praticadas por importantes

países exportadores aceleraram a busca por esquemas alternativos de acesso à matéria prima

que discutiremos na próxima subseção. Embora a diversificação no destino das commodities

agrícolas, sobretudo a crescente importância dos biocombustíveis, seja considerada um fator

importante no comportamento dos preços, a dinâmica da sua demanda mundial é

determinada em grande parte pelo crescimento das economias dos países emergentes. A

característica fundamental desse crescimento é uma industrialização acompanhada de

urbanização, que traz consigo a mudança para um sistema de consumo alimentar baseado em

proteína animal, o que aumenta geometricamente a demanda para grãos e oleaginosos.

Em contraste com o Japão e a Coréia do Sul em décadas anteriores, a China e a Índia são países

com grandes bases agrícolas. No entanto, o ritmo e a persistência do crescimento desses

países, sobretudo no caso da China, que em 2008 virou importador líquido de alimentos,

deram um novo impulso ao comércio de commodities agrícolas. Essa demanda se reforça com

o crescimento de outros países asiáticos, da Rússia e do conjunto dos países do Oriente Médio.

Não se espera que esses países alcancem o consumo per capita de carnes que prevalece nos

países já industrializados, mas as dimensões desses novos mercados apontam para uma

demanda aquecida de médio e longo prazo (USDA, 2006).

Embora heterogêneas, as categorias de commodities agrícolas - fumo, celulose e alimentos -

compartilham uma mesma dinâmica de consumo/renda, todos tendo agora uma dinâmica de

crescimento maior nos países emergentes que nos países já industrializados. Algumas

commodities são produtos intermediários, como rações e celulose; outras podem ser

intermediárias ou produtos de consumo final – açúcar –; e outras constituem produtos finais,

mas de pouca elaboração, como carne, papel, cigarros. Nas décadas de 1980-90, quando a

dinâmica do comércio mundial de commodities agrícolas era predominantemente Sul/Norte, o

arrefecimento da demanda para produtos básicos no Norte impulsionou estratégias de “valor

agregado” e upgrading. Hoje, ao contrário, a demanda se volta prioritariamente para

commodities básicas – intermediárias ou mesmo matéria prima - ameaçando uma re-

primarização da pauta de exportações, como no caso da cadeia de soja do Brasil. Nos próximos

parágrafos consideraremos a dinâmica da demanda nos quatro blocos de commodities

agrícolas.

Page 8: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Fumo

O consumo de fumo per capita está em declínio nos países desenvolvidos, que hoje

representam menos de 30% do consumo global – declínio esse mais acentuado nos Estados

Unidos do que na Europa. Estima-se que essa tendência continue como resultado da

valorização da saúde, das campanhas públicas sobre o perigo do fumo e da forte regulação

que se impõe nesses países. Assim, os países em desenvolvimento respondem por mais de

70% do consumo de fumo, com a China sozinha representando 37% da demanda. Crescimento

populacional, elasticidade-renda e fraca regulação nos países em desenvolvimento

sustentaram a expansão da demanda num ritmo anual de 3,1% entre 1970-2000, enquanto

que nos países desenvolvidos a taxa de crescimento foi 0,2%.

Em geral existe uma forte correlação entre o nível educacional e a sensibilidade à publicidade

negativa sobre o cigarro. Além disso, para a primeira geração da nova classe média nos países

em desenvolvimento o cigarro exerce um forte apelo de status. Tendências demográficas

apontam para uma maior proporção de adultos nesses países, o que favorece a expansão do

mercado; a maior porcentagem de mulheres que fumam é também um fator de sustentação

do mercado nos países desenvolvidos. Podemos prever, porém, um aumento de políticas

restritivas mesmo nos países emergentes. Somado a isso, novas tecnologias de fabricação de

cigarros que reduzem a quantidade de fumo por unidade também contribuem para a

diminuição no ritmo de crescimento da demanda por fumo.

Tabela 2 Consumo de Fumo e Projeções de Demanda

(cenários – tendência demográfica e políticas públicas)

Atual Projetada

Tendência Política

1970-72 1980-82 1990-92 1997-99 2005 2010 2005 2010

Países Desenvolvidos

4 193.9 5 404.0 6 616.6 6 475.7 6 695.4 7 151.5 6 062.7 6 447.7

2 297.0 2 568.0 2 384.4 2 237.8 2 087.0 2 054.8 2 065.2 2 029.3

América do Norte 712.6 774.6 699.6 701.6 538.9 475.9 538.9 475.9

Estados Unidos 646.1 706.2 657.9 651.3 493.3 433.8 493.3 433.8

Europa 997.8 1 147.5 1 188.4 981 946.4 946.0 922.4 927.8

EU-15 715.4 811.4 905.9 730.7 696.4 690.6 690.0 690.4

Europa – Outros 282.4 336.0 282.5 250.3 250.0 255.3 232.4 237.4

Ex-URSS 319.3 362.9 248.2 311.3 383.3 442.3 349.9 403.8

Oceania 32.4 31.5 25.2 25.2 21.6 19.3 26.2 23.4

Países em Desenvolvimento

2 059.2 3 013.5 4 339.1 4 237.9 4 608.5 5 096.7 3 997.5 4 418.4

África 114.5 117.6 151.8 190.2 257.3 290.6 234.2 264.4

América Latina 340.5 429.5 375 457.4 473.6 530.7 412.9 462.2

Brasil 120.5 218.8 200.6 229.4 234.4 257.9 210.5 231.6

Oriente Próximo 130.4 218.4 242.8 265.5 271.5 306.8 242.2 273.7

Turquia 59.5 108.5 134.7 126.1 126.2 140.9 112.5 125.6

Page 9: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Ásiat 1 472.4 2 247.0 3 567.8 3 324.7 3 606.1 3 968.6 3 108.2 3 418.1

China 745.6 1 448.2 2 553.5 2 197.0 2 390.8 2 659.5 2 048.8 2 277.7

Índia 235.8 326.1 407.3 477.4 517.3 563.8 450.4 490.7

Indonésia 42.1 104.1 121.4 137.9 166.2 180.7 131.6 142.8

Fonte: Food and Agriculture Organization (2003).

Papel e celulose

No segmento de papel e celulose existe uma crescente separação entre os dois elos da cadeia,

com a produção de celulose se localizando onde houver vantagens comparativas de produção,

e a indústria de papel se situando preferencialmente perto dos pontos de consumo. O Brasil,

como veremos, tem uma posição de destaque no elo da celulose e é relevante em termos de

consumo doméstico de papel, mas fica distante dos mercados mais dinâmicos dos países

asiáticos emergentes. O quadro a seguir apresenta o cenário atual para a demanda de papel e

papelão, com projeções para 2015 e 2025, onde fica evidente a posição central da China, o

resto da Ásia e do Oriente Médio no próximo período:

Tabela 3 Cenário de Demanda para Papel e Papelão

Região 2005 2006 2007E 2015 2025 Crescimento 20066-2025

Milhões t/a %/a 1000 t/a América do Norte

97,8 98,3 94,8 92,4 89,8 -0,4 -376

Europa Ocidental

81,2 83,5 84,2 86,7 84,6 0,1 87

Europa Oriental

16,4 17,7 19,1 27,7 35,7 3,7 944

Japão 31,6 31,6 31,3 30,5 29,1 -0,4 -126 China e Hong Kong

60,4 66,7 73,7 114,1 154,9 4,5 4631

Oriente Médio e resto da Ásia

48,0 49,9 51,4 71,2 94,4 3,4 2347

América Latina

21,8 22,9 23,8 29,8 36,4 2,5 711

Resto do Mundo

10,9 11,3 11,4 14,0 16,8 2,2 298

TOTAL MUNDIAL

368,0 381,9 389,7 466,4 541,7 1,9 8517

Fonte: Villaschi (2009)

Calcula-se que China, Oriente Médio e o resto da Ásia responderão por 77% do aumento global

da produção de papel e cartão entre 2007 e 2025.

No caso de celulose e papel, os fatores de oferta e de demanda se alimentam reciprocamente.

As vantagens da fibra curta do eucalipto da América do Sul (sete anos até a corte) são

avassaladoras em comparação com as da fibra longa de pinos dos países do norte (20 anos até

a corte). Por muito tempo, porém, a produção de celulose a partir de eucalipto foi marginal. A

transformação se deve a quatro fatores: o amadurecimento do setor de eucalipto na América

Page 10: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

do Sul, décadas de apoio governamental ao reflorestamento e aos investimentos industriais e

de pesquisa relacionados; o aprimoramento da tecnologia de fibra curta; a estagnação do

consumo de papel nos países do norte; e a explosão de demanda nos países emergentes, mais

especificamente a China, sobretudo para embalagens.

Embora tenha investido fortemente em florestas plantadas para celulose, a China não

consegue suprir a sua demanda e não compete em produtividade com os países do Cone Sul.

Assim, a perspectiva é de que a celulose do Cone Sul não apenas complemente a oferta

doméstica chinesa, mas também que ganhe cada vez mais espaço no mercado, dada a sua

competitividade em custos e qualidade.

A indústria de celulose é tradicionalmente vista como altamente poluente, e a sua re-

localização em países do hemisfério sul foi muitas vezes interpretada como uma estratégia de

exportação de atividades poluentes. Em vista disso, sobretudo nos países desenvolvidos, a

demanda por celulose passou a incorporar novos indicadores de qualidade, obrigando as

empresas exportadoras líderes a buscarem certificação ambiental. Com relação a esse ponto,

cabe observar que os países asiáticos ainda não são tão exigentes, o que pode afetar

negativamente a pressão pela adoção de tecnologias não-poluentes. De todo modo, um novo

patamar mínimo de qualidade ambiental já se difundiu entre as empresas líderes, o que

dificilmente permite retrocessos nessa tendência.

O comércio de papel é inviável em longas distâncias, o que implica que a cadeia se desdobre

na produção de celulose onde as condições para a produção de fibra são mais competitivas e

na confecção de papel perto dos centros consumidores. Essa estrutura coloca desafios

específicos de upgrading do ponto de vista do segmento de celulose, dado o tamanho

modesto dos mercados latino-americanos em comparação coma demanda chinesa. O

consumo per capita de papel na China gira em torno de 50 quilos per capita, enquanto nos

países do norte situa-se na faixa de 200 quilos. Assim, existe bastante fôlego para a expansão

desse mercado, mesmo que o perfil do consumo seja mais orientado para embalagens na

China.

Madeira

Diferentemente da celulose, no setor de madeira as florestas nativas, e não apenas as

plantadas, representam um componente importante da oferta de matéria-prima. Trata-se da

obtenção de produtos intermediários – madeira maciça, aglomerados/compensados e medium

density fibreboard (MDF) para a construção civil e para a indústria moveleira. Na composição

da demanda mundial a transformação mais importante tem sido o aumento de participação do

MDF. O baixo valor agregado, o peso e o volume da madeira limitam a divisão global da cadeia

levando a que a maioria dos países, com exceções importantes como a Itália, busquem

integrar a produção de madeira, painéis e móveis. O comércio mundial se concentra entre

países vizinhos, e no comércio intercontinental predominam as vendas entre a Europa e Ásia.

A demanda segue os ciclos das indústrias de construção e de móveis, que são fortemente

interligadas. Como em outros setores, e provavelmente de forma mais acentuada depois das

crises imobiliárias nos Estados Unidos e na Europa, é a China que se torna o maior pólo

importador de MDF.

Page 11: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Açúcar

A crise nos preços das commodities alimentares em 2007-8 mencionada anteriormente

respondeu a mudanças importantes no perfil da demanda global – a transição para uma dieta

alimentar urbana e, sobretudo, de proteína animal, nos países emergentes, e o uso crescente

dessas commodities para a produção de etanol e biodiesel. Ao mesmo tempo, a dinâmica da

demanda é fortemente influenciada pelas políticas agrícolas de subsídios, quotas e acordos

preferenciais dos países industrializados, com o açúcar sendo um dos produtos mais afetados.

O comércio mundial de açúcar se restringe à cana-de-açúcar, com o produto bruto

respondendo por pouco mais de 60% e o refinado com o restante. Entre 2000 e 2005 as

exportações mundiais de açúcar bruto em toneladas métricas aumentaram em 25% enquanto

as de refinado expandiram-se em 40%. O Brasil lidera de longe a exportação de açúcar bruto,

sendo responsável pela metade, mas fica em segundo lugar, um pouco atrás da União

Europeia, no caso do refinado, segmento em que cada um representa 50% das exportações em

proporções próximas. O aumento das importações de açúcar bruto nesse período ficou por

conta da Índia, Argélia e China; já o de açúcar refinado foi puxado pela Indonésia e Síria,

seguidas por um leque de países em desenvolvimento e emergentes. Vários grandes países

sofrem abruptas oscilações na produção e na demanda, sobretudo a Índia, onde, além do uso

crescente de cana-de-açúcar para etanol, há uma forte instabilidade na oferta e nos preços.

Café

No caso do café, os países industrializados ainda dominam a demanda global. A Finlândia é o

país com o maior consumo per capita (12 quilos), o que resulta num volume total de consumo

nesse país cinco vezes maior do que na China. Nos países desenvolvidos, porém, é a qualidade

que puxa a demanda, e o valor agregado da cadeia global é cada vez mais concentrado no

ponto do consumo, sobretudo na área dos serviços dos coffee shops. A demanda para

qualidade aumenta a preferência pelo café de tipo arábico, cujos custos de produção são mais

altos e cujo plantio exige mais cuidados do que o tipo robusta utilizado para produzir café

solúvel e compor blends. Como no caso do papel discutido anteriormente, a moagem do café

se faz em proximidade com os centros de consumo para manter a qualidade. Por outro lado, à

exceção do caso do café solúvel, segmento no qual a qualidade se concentra no processo

industrial, a qualidade dos cafés está associada à qualidade do grão e da sua origem, o que

permite estratégias de captura de uma parte do valor agregado a montante na agricultura,

através, por exemplo, de certificações de Indicação de Origem.

Embora os grandes países emergentes por enquanto não ditem o ritmo do mercado global,

existem muitas expectativas para o médio e o longo prazo. Tanto a Índia quanto a China são

países cuja bebida preferida é o chá. No entanto, o café é identificado com a modernidade, e o

crescimento em ambos os países, partindo de patamares mínimos, é vigoroso. No caso da

Índia o consumo per capita fica em apenas 75 gramas, mas as estimativas para os próximos 15

anos situam esse consumo em torno de um quilo. Nesse caso, os impactos sobre o comércio

global não são claros, porque a Índia é um produtor de café. No momento existe uma

defasagem entre a base produtiva dedicada ao tipo robusta e a demanda em torno de

especialidades que exigem arábica. Na China existe uma forte expansão no consumo tanto de

café solúvel, dominado pelas transnacionais, quanto de café de qualidade, esse associado à

Page 12: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

difusão das coffee-shop. Para atender a essa demanda, a produção doméstica de café está

sendo estimulada, embora seja inevitável que um aumento contínuo no consumo de café no

ritmo atual de 30% ao ano acabará tendo fortes repercussões no comércio a médio prazo.

Calcula-se que se o consumo de café na China atingir um quilo per capita, isso irá equivaler a

toda a safra anual do Brasil, que é o maior exportador mundial, com mais de 30% do mercado

global.

Carnes

A transição de uma dieta de proteína vegetal para animal tem sido identificada como a

mudança mais significativa no consumo alimentar no contexto de industrialização e

urbanização. Um quilo de carne requer de dois a três quilos de rações, no caso de frango; três

a quatro quilos, no caso de suínos; um a dois quilos, para peixes de granja; e até oito quilos no

caso da carne bovina criada em forma intensiva. A explosão na demanda mundial de soja se

explica por ser o principal componente protéico nas rações. Esses quatro tipos de carne

predominam mundialmente e são substituíveis entre si, embora mantenham uma hierarquia

que se reflete em distintas elasticidades de preço/renda e dinâmicas culturais diferenciadas,

que se tornam centrais na consolidação de mercados globais.

Antes da segunda guerra mundial o comércio internacional de carnes se identificava com carne

bovina criada a pasto. No pós-guerra o padrão do comércio mundial mudou para carnes

brancas, liderado pelo frango. Um conjunto de fatores que definiram o modelo industrial de

produção de frangos – escala mínima, logística, pacote tecnológico disponível, adaptabilidade

agrícola, contratualização entre agroindústria e pequenos e médios agricultores – permitiu o

desenvolvimento de indústrias domésticas, primeiro nos países da Europa e depois em alguns

países em desenvolvimento, com destaque para Brasil e Tailândia.

Assim, o comércio mundial gira em torno das rações, sobretudo a soja que, como a carne

bovina, se baseia em fortes vantagens comparativas, favorecendo os Estados Unidos e os

países do Cone Sul. O comércio mundial de frangos focalizava inicialmente países em

desenvolvimento com renda crescente e pouca capacidade agrícola, sobretudo os países

petrolíferos do Oriente Médio, abastecidos, até a entrada competitiva do Brasil e, por um

tempo, Tailândia, por excedentes exportados com subsídios da Europa e dos Estados Unidos.

Hoje, com o crescimento sustentado de muitos países em desenvolvimento e a entrada dos

gigantes da China e da Índia, a demanda para os componentes do complexo de proteína

animal está em alta.

A demanda mundial de carnes sofre fortes influências culturais e de regulação, especialmente

sanitária, que no caso da carne bovina divide o mercado entre zonas livres ou não de aftosa.

Percepções negativas da relação entre o consumo de proteína animal e a saúde e mais

recentemente o meio ambiente se juntam a fatores demográficos e de renda para estagnar e

até diminuir o consumo per capita de carne bovina na Europa e em menor grau nos Estados

Unidos. Com a globalização, os países do Norte aumentam o consumo per capita de peixes e

frutos do mar; já os países asiáticos, aumentaram o consumo de carne de frango e bovina. A

produção de peixe e de frutos do mar se aproxima cada vez mais do modelo de carne

industrializada, com o uso dos mesmos insumos químicos, genéticos e de rações, e atraindo os

mesmo atores que lideram o setor das carnes.

Page 13: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

A China, como a Europa central, é predominantemente consumidora de carne suína e

responsável pela quase totalidade do aumento mundial no consumo desse tipo de carne. No

entanto, são a carne bovina e, sobretudo, a carne de frango que mais aumentaram. China e

Índia são grandes países agrícolas e têm respondido ao aumento na demanda de carnes (em

muito menor grau e restrita à carne de frango no caso da Índia) com uma forte promoção da

produção doméstica. No entanto, apesar de ser o berço da domesticação da soja e de ter uma

zona tradicional de produção, a China tem optado por priorizar as importações da soja em

grande escala. Isso faz parte de uma estratégia adotada também por outros países emergentes

de outsourcing dos setores da agricultura mais demandantes em terra e, sobretudo, água. O

comércio dessas commodities agrícolas é crescentemente analisado como um comércio de

água ou água virtual. Enquanto a China tem 20% da população mundial, mas apenas 7% da

água doce, o Brasil, por exemplo, dispõe de quase 30% da água doce mundial com menos de

3% da população.

A China está utilizando o seu poder de barganha para redesenhar a dinâmica do comércio

global da soja mediante a construção de um parque de esmagamento da soja e produção de

farelo no seu próprio território, limitando-se somente à importar os grãos. Sob o impacto

desse “efeito China” (como também de novas medidas regulatórias internas como a Lei

Kandir), o perfil das exportações brasileiras de soja sofreu uma forte mudança desde os anos

1990, sendo agora prioritariamente de grãos ao invés de farelo, e os traders aumentam os

seus investimentos em plantas de esmagamento de grãos em China e países vizinhos, como

Vietnã.

3.2 Reestruturação dos Mercados Globais e a Dinâmica Tecnológica

Fumo

Consolidação, diversificação e aumentos de produtividade têm sido as respostas à estagnação

da demanda de cigarros, que é o destino de mais de 80% do setor de fumo. Como pode ser

visto na figura 1 a seguir, se deixarmos de lado a China, onde uma empresa estatal (CNTC)

domina 90% do mercado chinês, que por sua vez representa 30% da demanda global, três

firmas controlam 60% do mercado global. Fusões, bem como aquisições que aproveitaram as

privatizações de empresas estatais em muitos países em desenvolvimento, permitiram às

empresas líderes entrarem em mercados novos, muitas vezes em forma monopolística ou

duopolística.

Page 14: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Figura 1

Participação das Empresas Líderes na Produção Global de Fumo - 2009

Outras26%

Philip Morris International

24%

Imperial Tobacco Group

9%

Japan Tobacco

17%

British American Tobacco

19%

Altria5%

Fonte: Imperial Tobacco Group PLC (2010)

Um deslocamento da produção de fumo para os países em desenvolvimento (mais de 80%

hoje, contra pouco mais de 50% nos anos 1970) acompanha essa concentração e globalização

das empresas manufatureiras. Essas transformações estão provocando uma reestruturação

nas cadeias de suprimento com uma diminuição do número de fornecedores, a adoção de

estratégias regionais de abastecimento e avanços na integração vertical, sobretudo nos casos

da British American Tobacco e da CNTC, e mais timidamente nas outras empresas líderes –

Imperial, Philip Morris e Japan Tobacco.

A liberalização do comércio também tem dado um impulso à escala e a aumentos de

produtividade. Uma planta moderna hoje pode produzir 16.000 cigarros por minuto, contra

250 em 1910, e a planta mais moderna da Philip Morris na Holanda produz 90 bilhões de

cigarros por ano. Ao mesmo tempo a adoção de novas tecnologias de processamento diminui

a demanda de matéria prima por unidade de produto.

Papel e celulose

O setor de papel e celulose passa por uma reestruturação com fortes características de

ruptura. A substituição de pinus por eucalipto como matéria prima principal implica um

deslocamento radical da sua produção em direção aos países do sul com a adoção, também,

de um novo padrão tecnológico baseado agora em fibra curta. Esses fatores, combinados com

a necessidade de processar a madeira in loco, quebram as barreiras à entrada e permitem o

investimento de novos atores. O deslocamento da dinâmica do consumo também para o sul

confirma ainda mais essa tendência. As empresas estabelecidas diversificam os seus

investimentos geograficamente ou em green field sites ou em joint-ventures.

Page 15: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

A forte demanda nos países emergentes estimula ondas de novos investimentos,

freqüentemente superdimensionadas em relação à capacidade de fornecimento da matéria

prima. Apenas no Brasil se fornece exclusivamente de florestas plantadas. O Brasil já se tornou

o quarto produtor mundial de celulose, mas ainda fica em 12º lugar na produção de papel.

Assim, dada a estrutura da indústria global descrita acima, que separa a produção de celulose,

localizada perto da matéria prima, da fabricação de papel, próxima aos centros de consumo, a

posição de destaque do Brasil na produção de celulose não se reflete no ranking das empresas

líderes, como pode ser apreciada na Tabela 4 a seguir.

Tabela 4 As 10 Empresas Líderes Mundiais da Indústria de Papel e Celulose em 2008

Rank Empresa País 2008 - Vendas

Líquidas (US$M) 2008 - Faturamento Líquido

(Prejuízo) (US$M)

1 International Paper Estados Unidos 24,829 (1,282)

2 Kimberly-Clark Estados Unidos 19,415 1,690

3 SCA Suécia 16,965 857

4 Stora Enso Finlândia 16,227 (991)

5 UPM Finlândia 13,920 (263)

6 Oji Paper Japão 12,788 114

7 Nippon Unipac Japão 11,753 55

8 Smurfit Kappa Irlanda 10,390 (73)

9 Metsäliitto Finlândia 9,335 (313)

10 Mondi Group Reino Unido / África do Sul

9,466 (310)

Fonte: Associação Brasileira de Celulose e Papel (2010)

Madeira

O setor de madeira e móveis evolui de uma atividade artesanal que trabalha com madeira

maciça para um consumo em massa baseado na produção em série de painéis e laminados

utilizando equipamentos automatizados. No entanto, o setor permanece altamente

segmentado com um perfil muito heterogêneo, onde pequenas e médias empresas convivem

com os grandes conglomerados que lideram o setor. Esses conglomerados (Ikea, Steinhoff)

estão se adaptando à globalização dos mercados com estratégias de integração a montante,

ou de forte coordenação de fornecedores, com a localização das atividades produtivas, desde

a floresta plantada, passando pela produção de painéis até a confecção dos móveis, cada vez

mais nos países em desenvolvimento, com destaque para China.

Mais do que barreiras de escala e concentração na fase de produção, a competitividade para

as empresas líderes passa pela gestão de uma cadeia global em torno de uma marca,

consolidada a partir de um trabalho de design e onde a logística, desde a floresta até o varejo,

se torna fundamental. Diferentemente da indústria alimentícia, os grandes players nesse setor

desenvolvem os seus próprios atividades de varejo.

Page 16: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Para o setor a montante existem graus variados de integração entre o fornecimento da

madeira, a produção de painéis e laminados e a confecção de móveis, mas a lógica da

organização global da cadeia sob a liderança dos grandes conglomerados tende para a seleção

de fornecedores privilegiados com base em critérios de custos, qualidade e capacidade de

resposta, que estreita os laços entre essas fases a montante. A valorização da madeira

certificada face ao uso continuado de madeira de florestas nativas reforça essa tendência. Por

outro lado, a crescente importância da demanda desse setor nos próprios países em

desenvolvimento abre possibilidades para upgrading em direção ao consumo. Podemos

esperar, portanto, o surgimento de novos atores para contestar ou se juntar às empresas

líderes globais.

Açúcar

Depois de ser ameaçado do lado do consumo pela preferência por produtos light e pelo lado

da produção com a introdução de concorrentes diretos como high fructose corn syrup (HFCS) e

outros adoçantes, o setor de açúcar tem sido sacudido pela crescente demanda dos países

emergentes e pela promoção de um mercado global de etanol. Na euforia em torno do etanol

antes da crise de 2008-9, alguns apostaram no surgimento de um setor exclusivamente

dedicado à energia a partir da cana e a sua separação da produção de açúcar. Hoje, porém, a

cana-de-açúcar ainda mantém sua dupla função. Por outro lado, o mercado de açúcar continua

sendo fortemente influenciado pela produção e exportação subsidiadas de açúcar de

beterraba da União Européia.

Face à evolução da demanda e os avanços tecnológicos que permitem a produção de

substitutos de açúcar com base em milho e outros substratos, as empresas líderes Tate & Lyle,

Tereol e Eridania Beguin Say diversificaram os seus investimentos para os cereais e oleaginosos

e agora investem na produção de ingredientes de maior valor agregado pela via de joint-

ventures e in-house P&D.

O setor de cana-de-açúcar esta sendo transformado pela perspectiva de um mercado global de

etanol, mas nos países asiáticos a demanda para açúcar prevalece. Assim, as atenções se

centram na América Latina e, sobretudo, Brasil, bem como no continente da África.

Argumenta-se que haja investimentos da ordem de US$470 bilhões para a construção de 2.000

biorefinarias nos países do sul, com uma capacidade de produzir 400 bilhões de litros de

etanol, o equivalente a 20% das necessidades de combustível para transporte nos países da

OECD (Matthews, 2008). Ainda que essa proposta seja extrema, as perspectivas do mercado

de etanol têm provocado um forte movimento de concentração entre os atores tradicionais do

setor. Muito importantes, porém, tem sido os projetos de novos investimentos, sobretudo no

Brasil, mas também em outros países de América Latina e de África, por parte de atores

globais de fora do setor, desde os traders de commodities agrícolas, aos líderes nos setores de

energia e de construção. Mais significativa, porém, tem sido a criação de novas empresas por

investidores internacionais, com a mobilização de expertise local, que alavancam fundos

financeiros de várias fontes, inclusive das novas bolsas e fundos de investimento verdes. Nesse

rol, incluem-se mega-investidores como Soros e CEOs das maiores empresas de informática.

Essas empresas não se limitam a buscar participação nas empresas que já atuam no setor, mas

Page 17: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

prevêem investimentos em novas plantas com tecnologia de ponta e canaviais regidos por

boas práticas agrícolas.

Cada vez mais, avanços tecnológicos estão minando as fronteiras entre as principais

commodities agrícolas ao permitir o uso de distintas matérias primas para a mesma finalidade

– milho para fazer açúcar, cana ou milho para produzir etanol, soja para biodiesel. Com a

chegada da segunda geração de biocombustíveis com base em tecnologia celulósica esta

intercambiabilidade vai se estender também aos produtos da floresta, minando a distinção

milenar entre a agricultura e a produção florestal.

Café

No conjunto das commodities em análise, o café, assim como o fumo, mantém a sua

singularidade, que impõe uma dinâmica própria à organização desse mercado. O fim da

regulação pública dos mercados, tanto nacional quanto internacional, e a privatização do

sistema de estoques corresponderam a uma nova fase no desenvolvimento dos mercados nos

países desenvolvidos, onde o café solúvel cedeu lugar à explosão da cultura dos coffee shops e

do setor das máquinas de café expresso. Novas empresas, cujos ícones são Starbucks nos

Estados Unidos e Lilly na Itália, colocam a Nestlé e a Sara Lee, líderes de café solúvel, em

segundo plano. A concentração e o jogo de escala agora se organizam em torno de estratégias

de serviços de ocupação dos espaços de consumo.

A concorrência também passa por estratégias de diferenciação por qualidade que

transformam a dinâmica de funcionamento do mercado global desse tipo de commodity. O

apelo à qualidade do produto inclui dois componentes: um, gustativo, onde o padrão é o

mercado de vinhos, e a outra, origem, que valoriza o lugar e as condições de produção. Ambos

levam à substituição do mercado spot por relações contratuais entre as empresas líderes e os

produtores agrícolas. A pressão socioambiental de organizações da sociedade civil, e,

sobretudo, o comércio justo, muito forte em torno desse produto, reforça a relação direta

entre a produção e o comprador final. A separação entre a produção agrícola nos países em

desenvolvimento, de um lado, e a moagem e o serviço dos coffee shops nos lugares de

consumo, do outro, impõem grandes desafios para estratégias de upgrading. O pagamento

pela qualidade permite a geração de um preço prêmio no elo da matéria prima, mas isso

representa muito pouco em relação ao valor agregado ao ponto de consumo. Outra forma

seria a participação acionária de associações de produtores no capital de empresas detentoras

da rede de coffee shops. A situação mais favorável, porém, sempre será aquela em que o país

produtor também tem o potencial de desenvolver a cultura coffee shop.

Grãos

Nos anos 1990 houve um forte processo de concentração no setor dos traders de cereais e

oleaginosos. Tanto no Cone Sul quanto na Europa empresas regionais foram adquiridas,

consolidando o mercado global entre os três grandes: Cargill, ADM e Bunge. Critérios de escala

se impõem a todos os elos da cadeia – a originação do grão no lugar da produção,

esmagamento, transporte rodoviário, ferroviário, fluvial e marítimo, atividades portuárias.

Essa vasta articulação é lubrificada, por um lado, pelo acesso próprio ou privilegiado a

financiamento, e por outro pelo controle sobre o insumo mais importante da produção

Page 18: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

agrícola, o fertilizante. Além de ser um mecanismo de pressão para baixo nas rendas agrícolas,

o fertilizante pode substituir o dinheiro quando sistemas de financiamento são inexistentes ou

ineficientes.

Dois outros desenvolvimentos transformaram ainda mais a dinâmica desse setor, um a jusante

e o outro a montante. A estagnação no consumo per capita de alimentos básicos nos países

industrializados foi acompanhada por uma aceleração na segmentação dos mercados e na

diferenciação dos produtos. Assim, para compensar a falta de dinamismo do comércio de

commodities, as empresas líderes investiram na produção de ingredientes cada vez mais

sofisticados. Como resultado os traders aumentaram a sua P&D in-house e estabeleceram

parcerias e joint ventures para o desenvolvimento de novos produtos muitas vezes protegidos

por propriedade intelectual. De empresas de commodities, essas empresas começaram a se

designar de empresas nutricionais.

A montante, a biotecnologia moderna, já prometida há muito tempo, finalmente lançou os

seus primeiros produtos, como sementes de soja geneticamente modificadas para poder

resistir à aplicação de herbicidas. Essa tecnologia foi adotada em tempo recorde pelos

agricultores, mas rejeitada por organizações da sociedade civil e a opinião pública na Europa,

com o apoio de atores econômicos ligados à demanda, sobretudo o varejo. Sem entrar nos

detalhes desse conflito, convém destacar um dos seus resultados: a promoção de novas

formas de coordenação das commodities baseadas na segregação de distintos tipos de grão,

indistinguíveis a olho nu. Esses sistemas de segregação também se tornaram necessários para

assegurar preços prêmios para outros produtos geneticamente modificados. Ao longo desse

período o setor dos traders estreitou laços com as empresas de fornecimento de insumos

genéticos – Monsanto, Dupont, Syngenta – até estabelecendo parcerias estratégicas,

Monsanto/Cargill, Bunge/DuPont.

O “efeito China” a partir dos primeiros anos do novo milênio trouxa de volta a centralidade do

comércio global das commodities, sobretudo a soja, que se tornou o carro-chefe. Agora,

porém, trata-se não apenas de um redirecionamento dos fluxos do comércio, mas de uma

mudança na sua dinâmica que ainda hoje não está consolidada. A China apesar de ser o berço

da soja optou por depender de importações como parte da sua estratégia geral de outsource

dos produtos agrícolas que exigem muita terra e muita água. Por outro lado, esse país quer

importar apenas grãos para serem transformados em rações e óleo nos portos chineses.

Assim, estimula um processo de transnacionalização controlada ao assegurar a montagem de

um novo complexo de esmagamento que, além de abastecer a própria China, pode se

transformar num hub regional para o Japão e outros países asiáticos. Os traders tem se

adaptado a essa estratégia investindo pesadamente em plantas de esmagamento na região, o

que representa um desafio para os países do Cone Sul.

Carnes

Na seção anterior, descrevemos a forte interdependência entre os setores de grãos e

oleaginosos e o setor de carnes. Não é de surpreender, portanto, que os traders Cargill e

Bunge também estejam presentes no setor de carnes. No entanto, os líderes de carnes –

Tyson, Brazil Foods, JBS Friboi – são agora especializados no setor. Devem-se destacar também

as especificidades dentro do setor de carnes, onde as trajetórias de cada segmento – peixes,

Page 19: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

aves, suínos e carne bovina – mantêm bastante autonomia apesar de serem substitutos

parciais do ponto de vista do consumo.

Nas últimas duas décadas o setor de carnes tem sofrido uma série de transtornos. Em primeiro

lugar, a carne bovina se tornou cada vez mais o vilão nas orientações sobre dieta e saúde. Foi

objeto, também, do primeiro “pânico alimentar” como resultado da identificação da doença

da “vaca louca”, na Inglaterra, depois em alguns países da Europa e mais recentemente nos

Estados Unidos. Isso foi seguido rapidamente pela crise de aftosa, também na Inglaterra. O

resultado foi a adoção, primeiro na União Européia e depois estendida às importações de

carne bovina para essa região, de novos critérios de coordenação da cadeia, identificada pela

noção de “rastreabilidade”. A carne deve ser passível de identificação e localização desde o

nascimento do bezerro até a compra final pelo consumidor.

Outras carnes tampouco escaparam. Houve o escândalo de dioxina na Bélgica que contaminou

as rações para aves e suínos. Acima de tudo, houve a gripe aviária que dizimou a produção em

vários países asiáticos e ainda persiste. Nem o pescado ficou imune a crises provocadas pela

identificação de contaminação por metais pesados nos mares e por produtos químicos nas

granjas de peixe. As granjas de peixes têm sido alvos, também, de muitas campanhas

ambientais.

A amplitude dessas crises influenciou a dinâmica de organização dos mercados globais. No

caso de aves, a Tailândia, que ficou entre os primeiros quatro países exportadores e viu o

surgimento da transnacional Charoen Pokphand, assistiu o desmoronamento da sua produção.

Os Estados Unidos viram as suas exportações de carne bovina seriamente prejudicadas pela

descoberta da presença da doença “vaca louca” entre os seus rebanhos. Os principais

beneficiários, tanto no caso de aves quanto no da carne bovina, foram as empresas brasileiras,

que assumiram a liderança nas exportações de carne bovina e segundo lugar nas exportações

de frango. No caso das empresas de carne bovina esse avanço nas exportações foi consolidado

com base numa onda de aquisições que colocou a JBS Friboi na liderança do ranking mundial.

Diferentemente dos casos de muitas das outras commodities que examinamos nesta seção, o

mercado chinês não teve papel influente nessas transformações porque conseguiu

acompanhar o forte crescimento no consumo per capita de carnes com base num aumento

impressionante da sua produção doméstica.

3.3 Regulação

A dinâmica dos mercados globais de commodities agrícolas foi radicalmente redesenhada a

partir dos anos 1980 e mais aceleradamente na década seguinte. Nos países em

desenvolvimento houve a desregulamentação dos mercados domésticos agrícolas, sobretudo

alimentícios, que até então tinham sido em grande parte organizados pelo poder público. Um

novo quadro regulatório, muitas vezes sob a pressão de dívidas externas sendo negociadas

com organismos internacionais e em particular a FMI, abriu seus mercados domésticos ao

investimento direto externo (IDE). Ao mesmo tempo, reformulações legislativas para

reconhecer direitos de propriedade intelectual em relação a recursos genéticos aceleraram a

transnacionalização da indústria de sementes e da genética animal, agora reestruturadas com

base nos avanços da biotecnologia moderna, particularmente a engenharia genética.

Page 20: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Em relação ao comércio internacional, os países em desenvolvimento aboliram ou reduziram

radicalmente quotas e tarifas. A intervenção dos Estados nesses mercados através de

marketing boards ou monopólios estatais foi em grande parte eliminada com a privatização

dessas empresas e a liberalização dos canais de comercialização. Como conseqüência, houve

um grande avanço das empresas líderes do setor de commodities agrícolas tanto no controle

de novos mercados internacionais quanto na ocupação de espaços nos mercados domésticos

dos países em desenvolvimento.

Por outro lado, o novo regime que surgiu da Rodada de Uruguai e da formação da OMC na

década de 1990, embora estabeleça metas para a diminuição de quotas e subsídios nos países

industrializados, tomou como ponto de partida o quadro regulatório já em vigor nesses países.

Como resultado, os crescentes excedentes nesses países, eles mesmos resultantes dos regimes

de subsídios, se transformaram cada vez mais em exportações também subsidiadas,

distorcendo o funcionamento dos mercados internacionais. Os maiores perdedores foram o

grupo de paises denominados pela ONU como “Países Menos Desenvolvidos” (LDC na sigla em

inglês) que se transformaram em importadores líquidos de commodities agrícolas.

Apesar dessas distorções, a regulação dos mercados agrícolas sofreu uma profunda

transformação nas últimas duas décadas. Os diversos fatores que influenciaram esse processo

foram descritos nas seções acima, mas alguns pontos podem ser destacados. Em primeiro

lugar, as mudanças nos padrões de consumo e os pânicos alimentares discutidos

anteriormente levaram à adoção de critérios de qualidade não mais limitados às características

do produto final, mas abrangendo também os processos de produção e distribuição, tendência

reforçada pelo aumento da participação de produtos frescos no comércio internacional. Os

novos padrões de qualidade (boas práticas agrícolas, entre outros) deram origem a uma série

de regulações que, embora inicialmente voluntárias, progressivamente tornaram-se o novo

base-line para participar do comércio internacional, a exemplo do ISO e HACCP. Somadas a

outras barreiras não-tarifárias, os novos padrões de qualidade vem substituindo quotas e

tarifas como o mecanismo principal de regular o acesso aos mercados.

Em segundo lugar, um conjunto de fatores – incluindo os pânicos alimentares, a promoção

política de organismos de representação do consumidor na Europa, a parceria entre ONGs e

Ministérios nas políticas de cooperação internacional em vários países europeus, bem como a

legitimação de novos temas socioambientais como reguladores do comércio internacional (Rio

92, Protocolo de Kyoto) – está levando a uma participação cada vez maior de organizações da

sociedade civil na negociação e implementação de standards para o comércio internacional,

mais notavelmente hoje na série de roundtables para a regulação de critérios sustentáveis

para soja, dendê, pecuária e etanol, entre outras commodities.

Embora os subsídios, quotas e tarifas persistam e sejam fatores decisivos na dinâmica da

organização dos mercados de commodities agroindustriais, são os standards que começam a

definir o novo padrão de regulação global. A União Européia foi decisiva na promoção desses

padrões, bem como organismos internacionais tais como o Codex Alimentarius, agora

referência em disputas na OMC, mas o setor privado tem tido um papel protagonista na

elaboração e implementação desses padrões. A crescente oligopolização de muitos mercados

de commodities agroindustriais permite que acordos voluntários sobre standards sejam mais

Page 21: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

facilmente monitorados, se tornando rapidamente obrigatórios para quem queira participar

nesses mercados. De fixadores e tomadores de preços caminhamos para mercados

constituídos de definidores e tomadores de padrões de qualidade. A relação entre atores

públicos e privados, de um lado, e standards obrigatórios e voluntários, de outro, é complexa.

Pode se pensar que a regulação pública se orienta à definição de novas qualidades mínimas

para o funcionamento dos mercados, enquanto o setor privado focaliza qualidades

diferenciadoras visando o estabelecimento de vantagens competitivas. Porém, essa distinção

não é tão simples assim e, de fato, o que está em jogo são as novas regras de funcionamento

dos mercados disputados e negociados hoje, não apenas entre os distintos interesses

econômicos, mas também com a participação das organizações e movimentos da sociedade

civil.

4. Caracterização do Setor no Brasil

4.1 A Demanda e o Acesso à Matéria Prima

Embora sem o porte da China ou da Índia, o mercado brasileiro começa a refletir o tamanho da

sua população de aproximadamente 200 milhões com a entrada cada vez maior das faixas de

renda C e D no mercado doméstico. Por outro lado, se a China se torna o destino privilegiado

do comércio global, o Brasil se destaca como a origem preferida para os produtos agro-

florestais em grande escala. Em algumas cadeias, como o fumo, a dinâmica se dá quase que

exclusivamente com base em exportações. Em outras, como a madeira, a dinâmica é dada pelo

mercado interno. Em várias cadeias, notavelmente as das carnes, a combinação de

exportações e do rápido crescimento do mercado doméstico tem permitido às empresas

líderes se posicionar em produtos de maior valor agregado, que agora viabilizam estratégias de

IDE em países anteriormente fornecidos apenas por exportações de menor valor agregado.

Com a retomada de crescimento interno e a consolidação do Brasil como maior exportador de

commodities agrícolas, a competitividade passa pela habilidade de combinar um mix de

estratégias de promoção do mercado doméstico, exportação e IDE, sempre buscando

oportunidades de maior valor agregado.

Em 20 anos o setor brasileiro de fumo dobrou em área plantada, número de produtores

agrícolas (essencialmente produção familiar) e volume produzido, ao responder ao aumento

da demanda na Ásia e na África, que tem mais do que compensado o declínio do consumo nos

países do norte. Segundo maior produtor mundial, o Brasil se tornou o maior exportador. A

demanda advinda do mercado doméstico está em baixa, com 17,2% de fumantes em 2008

contra 32,4% em 1989 segundo o IBGE, resultado de um endurecimento da regulação contra

tabagismo e uma maior preocupação com a saúde. O mercado doméstico ainda padece da

concorrência desleal do comércio clandestino que aproveita a alta taxa de impostos no

mercado formal. Aproxidamente 85% da produção de fumo é exportada e a cadeia global é

fortemente oligopolizada por empresas transnacionais. Embora existam poucas perspectivas

para estratégias de valor agregado (a quase totalidade do fumo é destinada à produção de

cigarros) mais de 200.000 famílias são contratadas para a produção da matéria prima numa

atividade com altos riscos à saúde, mas que remunera competitivamente dentro das

limitações da pequena propriedade. O dinamismo do setor resulta em grande parte do colapso

Page 22: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

de outras fontes de fornecimento de matéria prima na África (Zimbabwe) e pode se tornar

vulnerável à eventual estabilização política desses países.

A demanda, no caso de madeira, segue predominantemente o ritmo doméstico dos setores de

construção e de móveis. São modestas as exportações das florestas plantadas, tanto pela

tendência de aproximação geográfica entre o elo primário e o da fabricação nessa cadeia,

quanto pela baixa qualidade do pinus brasileiro. Embora privilegiado com florestas naturais, o

Brasil avança mais na legislação de controle da extração predatória da madeira do que no uso

sustentável das florestas nativas. Apesar dos avanços na regulação e na fiscalização, algo em

torno de dois terços da madeira comercializada da região amazônica permanece ilegal,

segundo pesquisa do Observatório Social (2009). As exportações dessa região têm

experimentado um aumento importante, também envolvendo madeira ilegal, com os

principais destinos sendo os Estados Unidos, Europa e crescentemente a China. As exportações

aumentaram de 15% para 30% desde o final dos anos 1990. De todo modo, dois terços da

madeira dirige-se ao mercado doméstico, sobretudo do Centro-Sul, razão pela qual iniciativas

visando combater o comércio ilegal podem revestir-se de grande importância. Um exemplo é

dado por organizações civis e setores empresariais que, para responder aos desafios do

comércio ilegal, selaram o Pacto da Madeira, em relação à venda de madeira no Estado de São

Paulo, responsável por cerca de 30% do comércio doméstico brasileiro.

As florestas plantadas, sobretudo no Sul do país onde se situam os clusters moveleiros

maiores, se tornam uma fonte cada vez mais importante de matéria prima. Seguindo a

tendência mundial o uso de madeira maciça perde importância para os compensados e agora

o MDF e OSB que experimentaram um forte crescimento na última década. A exportação de

painéis está em declínio à medida que a madeira compensada é substituída por MDF. Alguns

clusters de móveis nos Estados do Sul conseguem exportar dentro da lógica da demanda das

cadeias globais, mas as exportações são limitadas como também as perspectivas de upgrading.

No caso do setor de celulose, o Brasil é o quatro maior produtor e exportador do mundo –

exporta 60% de sua produção e é o líder as de exportações entre os países do Sul. A demanda

maior ainda vem da Europa (51%), mas rapidamente a China, que está privilegiando o produto

brasileiro, vai suplantar os EUA para ocupar o segundo lugar. Os componentes da sua

competitividade foram identificados no subitem 3.1 – a preferência pela fibra curta, florestas

de rápida maturação, disponibilidade de terra e água. As exigências do mercado europeu, bem

como as pressões de movimentos sociais, organizações e redes da sociedade civil, tendo

levado as empresas a qualificar a sua matéria prima de acordo com as certificações variadas de

boas práticas florestais. O Brasil é também um exportador relevante de papel. Aqui, porém,

importa quase tanto quanto exporta, e a maior parte das exportações é dirigida aos países de

América Latina (>60%). Dada a dinâmica da organização da cadeia de celulose e papel, o Brasil

fica distante demais para aproveitar os mercados com perspectivas de maior crescimento na

Ásia. A perspectiva, portanto, é de se especializar como exportador de celulose, a menos que

as empresas líderes consigam se estabelecer dentro desses mercados, sobretudo a China. No

caso do papel, a demanda doméstica se beneficia da expansão do mercado escolar e o

consumo per capita passa por um período de crescimento vigoroso de 41 quilos em 2006 para

46 quilos em 2008.

Page 23: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Embora a participação relativa do valor do café nas exportações brasileiras tenha caído de 50%

nos anos 1950 para menos de 3% hoje, o Brasil é o maior exportador mundial com

aproximadamente 35% do mercado e é competitivo no seu segmento dinâmico - os países

emergentes - mesmo com a volta de Vietnã ao mercado. A demanda doméstica, que absorve

dois terços da produção, mostra um crescimento firme depois de um período de retração, e o

consumo per capita no Brasil agora se nivela ao de países europeus como a Itália e a

Alemanha. A demanda interna pelo café gourmet está em alta e houve um forte aumento de

consumo fora da casa, refletindo o avanço dos coffee shops. O perfil da oferta de matéria

prima está em forte processo de transformação. Hoje o Brasil tem o mesmo tamanho de área

plantada de 10 anos atrás, mas produz o dobro, resultado da adoção de um conjunto de novas

práticas agrícolas e tecnologias de produção. Nesse período, também, a qualidade da matéria

prima se transformou pela iniciativa do setor produtivo: a adoção do “Selo de Pureza”

estabeleceu um novo patamar de qualidade mínima. A proliferação de mercados de nicho

oferecendo preços prêmios – fair trade, orgânicos, indicações geográficas, cafés gourmet –

tem sido um forte estimulo à adoção de estratégias de qualidade. Tradicionalmente 75% da

produção tem sido do tipo arábica para cafés de qualidade, onde a pequena produção tem

forte participação, e 25% tem sido do tipo robusta, produzido em grande escala para café

solúvel e blends. Hoje essa distinção perde a sua importância com a adoção de novas técnicas

e o avanço do café para novas áreas. Apesar de todos os estímulos, a imagem do café não se

encaixa facilmente nas tendências de consumo saudável e o seu mercado sofre ameaças de

outras bebidas.

O crescimento da demanda mundial de açúcar se situa em torno de 2%, em grande parte

puxada pelos países emergentes, e o mercado se divide entre o Brasil e a Europa, como

discutimos no item 3.1. O açúcar no Brasil ainda é produzido majoritariamente em unidades

mistas, onde a metade da cana é destinada à produção de etanol, cujo mercado, ainda

fundamentalmente doméstico, tem crescido a taxas de 10% ao ano. Os novos investimentos

atraídos pelo etanol tendem a preferir plantas especializadas, o que futuramente pode separar

a dinâmica dos dois mercados. Hoje, porém, um grande desafio desse setor, agora plenamente

desregulamentado, é a gestão dos dois mercados. Diferentemente do que ocorre em outros

países, no Brasil, tanto por razões históricas quanto pela disponibilidade de terras e de mão de

obra, a matéria prima é produzida em condições de integração vertical, com apenas um terço

advindo de fornecedores. A cana brasileira se notabiliza pelo aumento contínuo de

produtividade – fruto de uma longa história de P&D – fazendo com que ela seja uma das mais

eficientes do mundo. Através do seu órgão representativo, a União da Indústria da Cana de

Açúcar - ÚNICA, o setor tem travado um debate prolongado sobre os impactos

socioambientais da sua expansão, sobretudo em relação à floresta amazônica e ao Pantanal.

Apesar da persistência de tensões, existe um grau de consenso no sentido de que essa

expansão tem avançado essencialmente para áreas de pasto e não de alimentos e de que a

ameaça da pecuária a biomas sensíveis advém da sua baixa produtividade. A expansão da cana

agora é disciplinada por uma política de zoneamento que proíbe a sua presença tanto na

região amazônica quanto na do Pantanal, bem como em áreas de conservação e florestas

nativas. Mesmo com essas restrições existem 65 milhões de hectares aptos para a expansão da

cana, cujo cultivo hoje ocupa, entretanto, menos de nove milhões de hectares.

Page 24: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Na nossa discussão das tendências mundiais destacamos a liderança do Brasil no conjunto do

complexo protéico animal. As Tabelas 5 e 6 a seguir apresentam a participação relativa de cada

segmento, bem como a inquietante mudança no perfil das exportações da cadeia de soja a

partir do início de década atual, quando o farelo cede em importância para a exportação em

grão.

Tabela 5 Exportações do Complexo Soja - 2009

2009 Volume

(1000 toneladas) Valor

(US$/tonelada) Valor

(US$ milhões)

Soja em grão 28.563 400 11.424

Farejo de soja 12.253 375 4.593

Óleo de soja 1.580 774 1.223

Total 17.240 Fonte: Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (2010)

Tabela 6 Exportações do Complexo Soja - 1999

1999 Volume

(1000 toneladas) Valor

(US$/tonelada) Valor

(US$ milhões)

Soja em grão 8.917 179 1.593

Farejo de soja 10.431 144 1.504

Óleo de soja 1.522 441 671

Total 3.768 Fonte: Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (2010)

Deve-se ressaltar que a competitividade brasileira se apóia também num mercado doméstico

de grande dinamismo nos últimos 20-30 anos, sobretudo para a carne de frango cujo consumo

per capita, irrisório até os anos 1970, hoje em dia alcança carne bovina na faixa de 37 quilos.

No caso da carne bovina, a liderança mundial se deve à capacidade do setor de aproveitar uma

série de reveses que atingiram sucessivamente os outros países exportadores – os EUA,

Austrália e Argentina. Para superar barreiras de acesso aos mercados, as empresas líderes se

transnacionalizaram e empreenderam estratégias de aquisições que simultaneamente deram

acesso aos mercados e à matéria prima. A capacidade de assumir a liderança nas exportações,

por outro lado, se apóia na disponibilidade de uma vasta fronteira no norte do país, mas ao

preço agora da adoção de princípios de sustentabilidade que excluem terras desmatadas,

tanto para a soja quanto para a pecuária. A rastreabilidade dos produtos representa uma nova

barreira de entrada ao mercado europeu, colocando novos desafios ao acesso a esse mercado

pelos produtores brasileiros.

Tabela 7 Exportações Brasileiras de Carnes - 2008

1999 Receita

(US$ milhões) Participação

(%)

Frango 6.948.783 48,55

Bovina 5.325.480 37,21

Suína 1.479.242 10,34

Peru 557.904 3,90

Total 14.311.409,00 100,00

Page 25: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Fonte: Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (2010)

4.2 Estrutura de Mercado e Dinâmica Tecnológica

Mesmo que exista uma grande heterogeneidade na organização das distintas cadeias de

commodities agrícolas no Brasil, todas sofreram um forte processo de trans-nacionalização

que acelerou nos anos 1990 com a desregulamentação da economia.

O setor de fumo passou por uma forte expansão para ocupar brechas nos mercados

internacionais com base numa integração contratual com a agricultura familiar no sul do país

sob o domínio de um duopólio transnacional. O setor de madeira tem sido tradicionalmente

fragmentado e geograficamente disperso, mas com o deslocamento para madeiras

compensadas e, sobretudo, a forte entrada de MDF e OSB, o setor se especializa

regionalmente em torno das florestas plantadas dos estados do sul e em torno da entrada de

novas empresas com a tecnologia mecânica e química dos novos processos de produção de

painéis e laminados.

Desde os anos 1960 a indústria brasileira de papel e celulose vem recebendo forte apoio

público e sido dominada por empresas brasileiras até o início dos anos 2000. Com a mudança

para fibra curta com base em eucalipto descrita no item 3.1, houve uma aceleração de IEC no

setor, mas, como pode ser visto na Tabela 6 a seguir as empresas brasileiras mantêm a

liderança do setor. A crise financeira abateu fortemente a Aracruz e a Votorantim, e a

subseqüente queda na demanda mundial e doméstica está forçando reajuste tanto das

empresas nacionais, como a Klabin, quanto dos novos entrantes, com a Stora Enso. O câmbio

dificulta ainda mais o mercado, tanto pela perda de divisas nas exportações quanto pelo

aumento de importações de papel. Ao mesmo tempo, o setor precisa enfrentar o peso de um

mercado clandestino que desvia papel escolar beneficiador de isenções fiscais para outras

finalidades. Após um recuo devido à crise, a Votorantim e a Aracruz, com a forte participação

do BNDES, se fundiram ao criar a Fibria, a maior empresa do mundo, com a maior fábrica

mundial de celulose, inaugurada em 2010 na cidade de Três Lagoas, no estado de Minas

Gerais. Estudo de Almeida e Rocha (2007) concluiu que as empresas brasileiras competem em

igualdade com as empresas globais no que tange a sua adaptação às normas ambientais e a

ação de tecnologia limpa. As empresas nacionais apresentam desempenho igual ou melhor

que as transnacionais em gerenciamento ambiental, certificações ambientais e emissões de

poluentes.

Page 26: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Figura 2

Firmas de celulose e Papel: Uma Amostra

Empresas Principais produtos

Capacidade de Produção - 2005

ton/ano

Nº de Plantas

2005

Média de Exportações 2002-2004

% sobre produção anual

Polpa Papel Polpa Papel

Nacionais

Aracruz Polpa 3.000.000 40.000 3 97 -

Klabin Polpa, eucalipto e pinus em toras; sementes de eucalipto e pinus; papel para embalagens; papelão; quadros; caixas; papel para sacolas e envelopes; sacolas

1.200.000 1.500.000 18 - 55,7

Ripasa Polpa; papel de base industrial, cut size, papel couche; cartão

570.000 380.000 4 - 46,7

Suzano Bahia Sul

Polpa; cut size, papel couche; cartão

1.290.000 1.350.000 3 36,1 40

Votorantim Polpa; cut size, papel couche; cartão

1.300.000 635.000 4 44,3 28,7

TOTAL 1 7.360.000 3.905.000 32 - -

Estrangeiras

Cenibra Polpa 940.000 - 1 95 -

International Papel

Polpa, eucalipto e pinus em lascas, madeira melhorada de pinus, pinus; papel couche

450.000 600.000 2 Não disponível

Não disponível

Norske Skog Papel de imprensa 170.000 185.000 1 - 1,33

Rigesa Papel de embalagem e embalagens de papelão

220.000 320.000 9 Não disponível

Não disponível

TOTAL 2 1.780.000 1.105.000 13 - -

TOTAL 1+2 9.140.000 5.101.000 45 - -

Fonte: Almeida e Rocha (2008)

O café, tradicionalmente fragmentado internamente e regulamentado no comércio

internacional, viu um forte avanço de empresas internacionais no setor doméstico de

torrefação, liderado pela Sara Lee, que comprou as marcas Café do Ponto e Café Seleto, e dos

grandes traders no comércio internacional. Uma medida do avanço da consolidação do

mercado de torrefação e moagem no país é dada pelo grau de concentração das quatro

maiores empresas, que já está atingindo a casa dos 35%. Globalmente, a concentração do

valor agregado no segmento de serviços de coffee shops coloca grandes desafios para as

empresas líderes nacionais apontando para a necessidade de transnacionalização, com todas

as dificuldades que a entrada nesse segmento no estrangeiro implica, exemplificado no

Page 27: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

investimento fracassado da cooperativa Coxupe que tentou estabelecer uma rede de coffee

shops na China.

Já vimos como o futuro do segmento de açúcar depende fortemente da onda de investimentos

e aquisições que está transformando o setor sucro-alcooleiro. Tradicionalmente pulverizado e

de capital nacional, o setor passa por um processo de rápida concentração e

transnacionalização (previsão de alcançar 50% em dez anos), mas com a permanência de

importantes empresas tradicionais, como a Cosan, e de empresas nacionais de outros setores

que agora investem pesadamente, como a Odebrecht. Ao médio prazo é provável que estes

dois mercados assumam maior autonomia com a aplicação de pacotes genéticos

diferenciados, mas por enquanto os dois segmentos precisam ser gerenciados mutuamente.

No complexo de proteína animal, o segmento da soja sofreu uma forte trans-nacionalização a

partir do início de década de 1990 com a venda da Ceval para Bunge e das operações de

esmagamento da Sadia para ADM. As empresas nacionais se especializaram em torno das

carnes brancas, com uma base forte no estado de Santa Catarina, rapidamente dominaram o

mercado nacional, que, no entanto, mantém uma estrutura competitiva nos segmentos de

frango inteiro e em cortes, para depois assumirem a liderança dos mercados internacionais. A

crise financeira bateu forte no líder do setor, a Sadia, levando a sua fusão com o seu grande

rival e segunda empresa nacional, a Perdigão, para formar a BrazilFoods, cujo sucesso ainda

está para se confirmar. A BrazilFoods é responsável para 40% das exportações brasileiras de

frango e se implanta nos países consumidores para aproveitar os mercados de maior valor, os

industrializados, cujas exportações, embora minoritárias, já somam meio bilhão de dólares. Em

terceiro lugar vem a Seara, ex-Ceval, depois Bunge e agora a Cargill, seguida por Doux-

Frangosul, a líder francesa de aves. Essas quatro empresas são responsáveis por mais de 60%

das exportações e a entrada do líder norte-americano Tyson promete acirrar a concorrência.

A liderança internacional alcançada por empresas brasileiras tanto em carnes brancas quanto

em carne bovina decorre, em grande parte, da estrutura da indústria que tradicionalmente se

beneficiou da qualidade da pesquisa pública e da independência das empresas globais de

genética em relação aos grandes processadores e traders de carnes. Com isso, as empresas

brasileiras sempre tiveram acesso à fronteira da tecnologia genética, fazendo com que

pudessem acompanhar os benchmarkings de qualidade e eficiência. No caso da soja, foi a

capacidade da P&D nacional ao abrir a vasta fronteira dos cerrados, impróprios às variedades

de soja das transnacionais, que estabeleceu as bases para a sua liderança global, agora sob o

comando dos global traders. Mesmo assim, o próprio deslocamento geográfico da fronteira da

soja abre perspectivas para a consolidação de novos atores nacionais e regionais. Por fim, no

setor sucro-alcooleiro, uma elevada capacitação em genética tradicional (agora compartilhada

com a Monsanto), combinada com um setor de bens de capital, liderado pela Dedini, capaz de

se manter na fronteira tecnológica do setor ‘tem sido uma das principais razões para a elevada

competitividade até agora exibida pelo setor. Resta saber se essa liderança pode ser mantida

frente à onda de novos investimentos, bem como a transição para a segunda geração de

biocombustíveis.

Page 28: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

4.3 Regulação

De todos os mercados, são os dos produtos agrícolas e, sobretudo, alimentares que tem

sofrido mais os regimes de proteção e subsídios, apesar dos avanços no âmbito da OMC – que,

no entanto, ratificou os direitos adquiridos dos países industrializados como ponto de partida

num longo e muito gradual processo de liberalização. Mesmo assim, o quadro da OMC tem

criado condições para contestações bem sucedidas, como nos casos de algodão em relação

aos Estados Unidos e do açúcar contra a União Europeia, ambos promovidos pelo Brasil. Houve

um surto “heterodoxo” de protecionismo como resposta à crise de alta nos preços de alimento

em 2007-8, quando vários países exportadores impuseram contenções para não desabastecer

os seus mercados domésticos. O novo mercado de biocombustíveis também enfrenta barreiras

tarifárias.

Mais importante hoje, porém, são as novas regulamentações e acordos privados em torno de

padrões sanitários e socioambientais. As regulamentações agora sendo impostas nesse sentido

para as grandes commodities convergem com os sistemas de certificação anteriormente

criados para os mercados de nicho de qualidade superior – indicações geográficas, orgânicos,

produtos de comércio justo. Podemos prever num futuro não tão distante que as commodities

agrícolas serão tão reguladas quanto a indústria hoje. Dadas a liderança do Brasil nos

mercados globais de commodities agrícolas e a centralidade dos recursos brasileiros (a floresta

amazônica em primeiro lugar) para o bem-estar do planeta, a competitividade dos segmentos

que compõem esse setor dependerá do grau de aderência aos novos padrões socioambientais

e sanitários. O desempenho das empresas brasileiras em relação aos standards ISO e a

crescente disposição de participar em sistemas voluntários de auditoria socioambiental

sugerem que o setor está se adaptando às novas exigências, inclusive em cadeias

tradicionalmente refratárias como a pecuária. Muito embora a liderança na definição das

novas regras tenha sido tomada em grande parte por atores privados, sobretudo aqueles a

jusante nos sistemas produtivos (grande varejo em particular), uma posição protagonista nos

foros internacionais e nos roundtables, onde as novas regras são negociadas, se torna um

componente importante nas estratégias de competitividade. A atuação da ÚNICA na promoção

do mercado global de etanol é exemplar nesse respeito.

Page 29: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

5 Considerações Finais

No seu conjunto o setor de commodities agrícolas no Brasil se ajustou à dramática

transformação dos mercados mundiais na última década, tanto na sua re-orientação para os

mercados dos países emergentes quanto na magnitude de expansão necessária para manter e

aumentar a sua participação nesses mercados. Ao mesmo tempo, embora fortemente

transnacionalizado, esse setor preservou um importante núcleo de empresas nacionais que

estão se mostrando capazes de se adaptar aos novos padrões de concorrência. Para tanto, tem

sido decisivo o apoio de uma política industrial que reconhece os novos pré-requisitos de

escala para concorrer globalmente. BrazilFoods, JBS Friboi, Fibria todos começam a ter

condições de concorrer com os global players não apenas no comércio exterior, mas também

em estratégias de IDE. No entanto, em alguns segmentos a participação brasileira se restringe

aos elos iniciais das cadeias globais, e, mesmo que hoje em dia exista uma maior valorização

da matéria prima e da origem dos produtos, o valor agregado se concentra perto dos centros

de consumo e crescentemente no setor de serviços desses centros. O grande desafio,

portanto, é a integração do setor das commodities agrícolas brasileiras em estratégias que

garantam uma participação cada vez maior dos produtos brasileiros no conjunto do valor

gerado pelas grandes cadeias, que se localiza cada vez mais nos mercados consumidores dos

países emergentes, sobretudo asiáticos.

Page 30: Boletim da Indústria e do Comércio Exterior - ie.ufrj.br · ALIMENTÍCIOS E BEBIDAS Abate e preparação de produtos de carne e de pescado FABRICAÇÃO DE PRODUTOS DO FUMO ... Por

Referências

ALMEIDA, L.; ROCHA, S. Beyond Pollution Haloes: the Environmental Effects of FDI in the Pulp and

Paper and Petrochemicals Sectors in Brazil. Working Group on Development and Environment in the

Americas, Discussion Paper DP17. abr., 2008. Disponível em:

<http://ase.tufts.edu/gdae/WorkingGroup_FDI.htm>. Acesso em 15 mai. 2010.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE ÓLEOS VEGETAIS. Exportações. São Paulo: ABIOVE, 2010.

Disponível em: < http://www.abiove.com.br/exporta_br.html#chart>. Acesso em 15 mai.2010

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PAPEL E CELULOSE. Relatório Estatístico do Setor 2008-2009. São Paulo:

BRACELPA, 2010. Disponível em: <http://www.bracelpa.org.br/bra/estatisticas/index.html>. Acesso em

15 mai. 2010.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES E EXPORTADORES DE FRANGOS. Relatório Anual 2008-

2009. São Paulo: ABEF, 2010. Disponível em <

http://www.abef.com.br/portal/_clientes/abef/cat/Abef%20RA_4021.pdf>. Acesso em 15 mai. 2010.

BELIK, W. Café e Cítricos. Relatório integrante da pesquisa “Perspectivas do Investimento no Brasil”. Rio

de Janeiro: UFRJ, 2009. Disponível em <http://www.projetopib.org/?p=documentos>. Acesso em 12 abr.

2010.

FERRAZ, J.C.; KUPFER, D.; IOOTTY, M. Industrial Competitiveness in Brazil Ten Years after Economic

Liberalisation. CEPAL Review, 82, 91-117. 2004.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. Projections of Tobacco Production, Consumption and Trade

to the year 2010. Rome: FAO, 2003. Disponível em: <

http://www.fao.org/DOCREP/006/Y4956E/Y4956E00.HTM>. Acesso em 15 abr. 2010.

IMPERIAL TOBACCO GROUP PLC. Company Reports. 2010. Disponível em: < http://www.imperial-

tobacco.com/index.asp?page=150>. Acesso em 15 abr. 2010.

LIMA, L. C. Grãos. Relatório integrante da pesquisa “Perspectivas do Investimento no Brasil”. Rio de

Janeiro: UFRJ, 2009. Disponível em <http://www.projetopib.org/?p=documentos>. Acesso em 15 mai.

2010.

MOTTA ET AL. Móveis e Artefatos Plásticos. Relatório integrante da pesquisa “Perspectivas do

Investimento no Brasil”. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. Disponível em

<http://www.projetopib.org/?p=documentos>. Acesso em 15 mai. 2010.

PIGATTO, G. Carnes. Relatório integrante da pesquisa “Perspectivas do Investimento no Brasil”. Rio de

Janeiro: UFRJ, 2009. Disponível em <http://www.projetopib.org/?p=documentos>. Acesso em 15 jun.

2010.

VAN LIEMY, G. The World Tobacco Industry: Trends and Prospects. Genebra: ILO, 2002.

VILLASCHI, A. Papel e Celulose. Relatório integrante da pesquisa “Perspectivas do Investimento no

Brasil”. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. Disponível em <http://www.projetopib.org/?p=documentos>. Acesso

em 15 jun. 2010.

WILKINSON ET AL. Perspectivas do Investimento no Agronegócio. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. Disponível

em <http://www.projetopib.org/?p=documentos>. Acesso em 15 jun. 2010.