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  • Boletim da Educao Nmero 12 Edio Especial Dezembro 2014

    II Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrria

    II ENERA

    Textos para estudo e debate

    Lutar, Construir Reforma Agrria Popular!

    1 edioMST

    So Paulo - 2014

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  • Copyright 2014, MST

    Diagramao e capa: Zap DesignImagem da contra capa: Cartaz do I ENERA Impresso: Cromosete

    1 edio: dezembro de 2014

    SECRETARIA NACIONAL DO MSTAl. Baro de Limeira, 1232Campos Elseos01202-002 - So Paulo - SPTelefone: (11) 2131-0850www.mst.org.br

    PEDIDOS E DISTRIBUIO:Editora Expresso Popular LtdaRua Abolio, 201 Bela VistaCEP 01319-010 So Paulo SPTel: (11) 3522-7516 / 4063-4189 / 3105-9500editora.expressaopopular.com.brlivraria@expressaopopular.com.brwww.facebook.com/ed.expressaopopular

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  • Apresentao ...............................................................................................................................5

    PARTE 1 DOCUMENTOS PREPARATRIOS

    II Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrria (II Enera) ......................7

    Coordenao do Setor de Educao, novembro 2014 MST Educao 30 anos: balano projetivo .........................................................................................................................13

    Manifesto das Educadoras e dos Educadores da Reforma Agrria ao Povo Brasileiro (1997) .............................................................................................................19

    PARTE 2 TEXTOS POR EIXOS TEMTICOS

    Programa Agrrio do MST VI Congresso Nacional do MST Fevereiro de 2014 ..................................................................21

    MST Compromissos 2014 ...........................................................................................................47

    Plataforma da Via Campesina para a Agricultura ........................................................................49

    Educao bsica no Brasil: entre o direito social e subjetivo e o negcio .......................................53 Gaudncio Frigotto

    Os empresrios e a poltica educacional: como o proclamado direito educao de qualidade negado na prtica pelos reformadores empresariais ..............................61 Luiz Carlos de Freitas

    Organizao, estratgia poltica e o Plano Nacional de Educao ................................................71 Roberto Leher

    Forum Nacional de Educao do Campo ....................................................................................91

    MST e Educao .........................................................................................................................95

    O MST e a escola: concepo de educao e matriz formativa ....................................................101

    Desafios de Formao da Juventude ............................................................................................115

    II Seminrio Nacional da Infncia Sem Terra ..............................................................................123

    Seminrio Nacional de Educao de Jovens e Adultos da Reforma Agrria ..................................131

    A Educao no MST: desafios e diretrizes para super-los ...........................................................133

    ANEXO Amostra de canes do percurso 30 anos / educao .................................................141

    SUMRIO

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  • 5Apresentao

    APRESENTAO

    Em fevereiro de 2014 realizamos o VI Congresso Nacional do MST celebrando os 30 anos do Mo-vimento e atualizando nosso Programa Agrrio. Foi um momento de balano poltico e organizativo, de luta e de olhar para frente, analisando nossos desafios no contexto mais amplo das lutas da classe trabalhadora. Reafirmamos a luta pela terra, pela reforma agrria e pelo socialismo, reorganizando nossa estratgia em torno da reforma agrria popular, a partir da anlise do cenrio de lutas e de nossas possibilidades de atuao.

    Foi no bojo dos desafios postos por esse novo ciclo de lutas e de construo que o MST tomou a deciso de fazer o II Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrria (II Enera) em setembro de 2015 e, a propsito, continuar e ampliar o trabalho de base iniciado em preparao ao VI Congresso.

    Pretendemos que o II Enera seja um encontro de carter poltico, formativo, organizativo, mobi-lizador e celebrativo. Um dos seus grandes objetivos ampliar o nmero de educadoras e educadores que compreendam o momento atual da questo agrria e passem a contribuir na luta e na construo da reforma agrria popular, discutindo o papel da educao nesse processo. Outro grande objetivo organizar coletivamente a denncia e as mobilizaes contra o fechamento das escolas do campo, como uma consequncia direta do avano do agronegcio e da lgica mercantil protagonizada pelo Movimento Compromisso Todos pela Educao, dos empresrios, que est pautando a educao em nosso pas. Queremos discutir mobilizaes conjuntas com outras organizaes de trabalhadores para enfrentar essa avalanche do capital sobre a agricultura e a educao. Queremos tambm valorizar e celebrar nosso percurso de 30 anos e reafirmar a Pedagogia do Movimento em nosso plano de futuro.

    Esta edio especial do Boletim da Educao traz para uso do conjunto do MST uma coletnea de textos de orientao e de apoio a estudos e debates para o processo de preparao do II Enera que dever acontecer entre fevereiro e agosto de 2015. O Boletim est organizado em duas partes. Na primeira parte socializamos documentos j produzidos de planejamento e orientao preparao do II Enera nos Estados, em cada assentamento, acampamento e nas escolas. Junto, colocamos o Mani-festo produzido no I Enera, realizado em 1997, retomando a memria de discusses e lutas do nosso percurso, como inspirao para as reflexes deste novo momento.

    Na segunda parte selecionamos alguns textos relacionados aos eixos de estudo e debate que devem compor o II Enera, e que tambm integraro as atividades de preparao nos Estados. Alguns textos so documentos ou produes internas ao MST e outros foram cedidos por autores amigos do Movi-mento para nos ajudar na tarefa de analisar a realidade sobre a qual trabalhamos. A seleo feita no esgota o tratamento dos temas, mas pode ser um ponto de partida ou uma contribuio para nossas discusses.

    Em anexo colocamos uma pequena amostra de canes que marcaram o percurso especfico do trabalho de educao do MST nesses 30 anos. Cant-las e ensinar a cantar aos que chegam agora, uma forma bonita e prazerosa de manter viva a memria das lutas e enraizar as novas geraes no caminho que continua a ser trilhado.

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  • 6 Apresentao

    O desafio de nos prepararmos coletivamente para este encontro tambm fora para prosseguir nossa jornada. Bom estudo e bons debates a todas e todos!

    Rumo ao II Enera!

    Lutar, Construir Reforma Agrria Popular!

    Coletivo Nacional do Setor de Educao do MST, dezembro de 2014.

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  • 7Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    II ENCONTRO NACIONAL DE EDUCADORES E EDUCADORAS DA REFORMA AGRRIA (II ENERA) PLANO GERALCoordenao do Setor de Educao, novembro 2014

    MemriaO I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrria (Enera) aconteceu em Bra-

    slia/DF, nas dependncias da Universidade de Braslia, de 28 a 31 de julho de 1997, com a participao de 534 delegados, de 22 estados e 46 convidados de universidades ou outras instituies educacionais parceiras, alm de representao do MAB e das pastorais sociais da CNBB. Os delegados eram das vrias frentes de atuao do setor de educao, com predomnio de alfabetizadores de jovens e adultos.

    O encontro teve o apoio principal do Unicef e da UnB (com presena e algum apoio da Unesco), mas com autonomia do MST no planejamento e na conduo do encontro. Reforma agrria, projeto popular para o Brasil, papel da educao na construo do projeto, formao de educadores, nova LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (que tinha sido aprovada em 1996) foram os temas de estudo e debate no encontro. Os grupos de trabalho que se reuniram nas tardes foram os seguintes: Escolas de 1 a 4 sries; Escolas de 5 a 8 sries; Educao de Jovens e Adultos; Educao Infantil.

    A homenagem principal foi ao educador Paulo Freire, que morreu meses antes, no dia 2 de maio de 1997: um vdeo gravado com ele no final do ano anterior comps a mesa de abertura do I Enera. Os parti-cipantes aprovaram durante o encontro o Manifesto das Educadoras e dos Educadores da Reforma Agr-ria ao povo brasileiro, cuja redao primeira foi feita no processo de preparao do encontro. Tambm elaboraram e aprovaram algumas resolues finais (tarefas). Entre abril e junho de 1997 no calor da Marcha Nacional a Braslia , foram realizados 20 encontros estaduais de preparao ao Enera, envolvendo 1.600 educadores. O lema, que foi divulgado em cartaz e tambm no painel construdo durante o encon-tro, continua como chamada at hoje: Movimento Sem Terra: com escola, terra e dignidade.

    Foi no I Enera que aconteceu a 1 Ciranda Infantil Nacional (batizada com esse nome). Foi tambm durante o I Enera que aconteceu uma reunio com os convidados das universidades que acabou desenca-deando a criao do Pronera, o que ocorreu em 16 de abril de 1998. No ato de encerramento do Enera, o MST foi convocado pelas outras entidades presentes a chamar um encontro de educadores de todo o meio rural, o que acabou acontecendo em 1998, com a I Conferncia Nacional por uma Educao Bsica do Campo.

    Ao longo desses anos em diferentes momentos se levantou a ideia da realizao do II Enera, mas por vrios motivos se considerou que o momento propcio agora, desdobrando o movimento poltico--formativo do VI Congresso.

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  • 8 Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    Carter do II EneraPretende-se um encontro de carter poltico, formativo, organizativo, mobilizador e celebrativo. O pro-

    cesso de preparao nos Estados e a realizao do encontro nacional deve ajudar a massificar entre os educadores a compreenso do momento atual da questo agrria e afirmar politicamente o programa de luta e construo da reforma agrria popular, discutindo o papel da educao na sua implementa-o e mobilizando para as denncias e lutas necessrias desse perodo. Devemos tambm radicalizar a denncia contra o fechamento das escolas do campo, como uma consequncia direta do avano do agronegcio e da lgica mercantil protagonizada pelo Movimento Compromisso Todos pela Educa-o, dos empresrios, que est pautando a educao em nosso pas. E organizar desde o trabalho de base a mobilizao dos educadores na luta pela educao nas reas de reforma agrria e pela educao do campo, articulada com as lutas gerais dos trabalhadores por educao e por um projeto popular de desenvolvimento do pas. Queremos tambm valorizar e celebrar nosso percurso de 30 anos, reafirmar a Pedagogia do Movimento e discutir nosso plano de futuro.

    Objetivos a) socializar e aprofundar compreenso do Programa Agrrio do MST, atualizado nos debates de

    preparao e realizao do VI congresso, em fevereiro de 2014;b) analisar a poltica educacional brasileira atual e sua incidncia sobre as prticas educativas desen-

    volvidas nas reas de reforma agrria;c) avanar na formulao coletiva do nosso projeto educativo estratgico discutindo papel da educa-

    o no momento histrico atual e na construo da reforma agrria popular;d) fazer um balano poltico dos 30 anos de trabalho do MST com a educao e definir lutas, tarefas

    e compromissos poltico-pedaggicos e organizativos principais para o prximo perodo;e) fortalecer a organizao e a participao dos estudantes dos assentamentos e acampamentos;f) celebrar nosso percurso, socializar experincias e nos mobilizar para continuidade da luta e da

    construo da educao da classe trabalhadora;g) denunciar a precarizao da educao pblica por atuao dos setores privados e discutir mobili-

    zaes conjuntas com outras organizaes de trabalhadores.

    ParticipantesDelegados dos Estados: educadores das vrias frentes, dirigentes do Movimento e militantes dos dife-

    rentes setores; lideranas de acampamentos e assentamentos; estudantes dos nossos cursos de formao de educadores; estudantes (jovens) de escolas de ensino mdio (a meta reunir um grupo de cem estu-dantes de diferentes Estados).

    Convidados: apoiadores de outras instituies, organizaes da Via Campesina e outras organizaes de trabalhadores da educao (at 10% da delegao de cada Estado mais convidados nacionais). Os convites a entidades nacionais sero de responsabilidade da secretaria nacional do MST.

    Meta: mil participantes.Perodo e local: 21 a 25 de setembro de 2015, em Luzinia/GO, na sede da CNTI.

    Temas de estudo e debate:a) Reforma Agrria Popular Atualizao da anlise da questo agrria e suas relaes. Balano e perspectivas das lutas e da construo.

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  • 9Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    Exigncias ao trabalho de educao.b) Pedagogia do Movimento, Educao do Campo, Educao da Classe Trabalhadora. Fundamentos e relaes. Anlise da relao entre contedo e forma escolar. Anlise do percurso de construo da Pedagogia do Movimento. Perspectivas de avano estratgico e ttico.c) Situao da Educao Brasileira Anlise estrutural: conexes entre poltica educacional, modelo de desenvolvimento, forma social. Contradies, lutas e organizao dos trabalhadores da educao, prticas contra-hegemnicas.d) Balano poltico dos 30 anos de trabalho do MST com a educao e definio de lutas, tarefas e

    compromissos poltico-pedaggicos e organizativos principais para o prximo perodo (construo de sntese para discusso a partir dos processos de preparao nos estados).

    e) Grupos de trabalho e minisseminrios temticos:

    Grupos de Trabalho Para socializao e debate de prticas de ocupao da escola pela Pedagogia do Movimento: Sero organizados em torno de 15 Grupos de Trabalho. Em cada GT sero apresentadas e discuti-

    das quatro prticas (em torno de 60 prticas no conjunto do Enera). Haver debate sobre as prti-cas socializadas e em cada GT se dever garantir o registro das apresentaes e discusses.

    A organizao das apresentaes ser feita previamente por uma equipe nacional a partir das prti-cas inscritas pelos Estados (depois da realizao dos encontros estaduais), considerando diversida-de de Estados, frentes, tipo de prticas... Para ajudar na organizao e tambm na construo da memria do II Enera, haver uma ficha de inscrio com uma descrio resumida de cada prtica que dever ser preenchida e enviada equipe nacional.

    A distribuio dos participantes pelos GT ser feita por crachs. As prticas a serem socializadas: escola aqui est sendo entendida em sentido alargado e estamos

    orientando que sejam indicadas prticas de todas as frentes de atuao do setor: educao infantil, educao de jovens e adultos, ensino fundamental e mdio, ensino superior, ensino tcnico, edu-cao especial em reas de assentamento, jornadas Sem Terrinha, jornadas da juventude, trabalho de base nos acampamentos e assentamentos, formao de educadores, atividades dos centros de formao...

    Haver um GT especfico para socializao de prticas entre os jovens/estudantes que vierem como delegados dos estados para o II Enera.

    Seminrios temticos: Sero organizados em torno de dez seminrios com realizao simultnea a partir de inscries

    realizadas no credenciamento e o tamanho das salas disponveis. Os temas sero definidos no processo de construo do programa geral do encontro. Alguns temas

    que esto sendo sugeridos: agroecologia e alimentao escolar; agronegcio na escola pblica; reformas empresariais na educao / avaliao educacional; indstria cultural e educao do campo; gnero e educao; juventude; infncia; educao especial; educao profissional (debates atuais); mtodos de trabalho de base.

    Cada seminrio ter exposio/problematizao do tema feita por assessoria convidada previamen-te seguida de debate entre os participantes.

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  • 10 Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    Apresentaes artstico-culturais Mostra ou feira por regies, incluindo intercmbio de produes e prticas. Apresentaes de grupos externos ao longo da programao. Jornada Socialista. Uma equipe constituda por representantes dos setores de educao, cultura e juventude ser res-

    ponsvel pelo planejamento e coordenao das atividades.

    Ato PolticoCarter a definir a partir de anlise da conjuntura do perodo.

    Preparao nos Estados Trabalho de base nos assentamentos e acampamentos, cursos e escolas, de acordo com a organici-

    dade de cada Estado e aproveitando o jornal especial de preparao ao II Enera a ser enviado. Encontros estaduais de educadores: tamanho, carter, preparao local de acordo com as possibili-

    dades de cada Estado, mas realizao como condio de participao no encontro nacional. Focos prioritrios: Programa Agrrio MST; Balano do trabalho de educao no Estado (organicida-de, lutas e prticas); conjuntura educacional do Estado... importante garantir no encontro um momento para socializao de prticas e tambm seminrios temticos (com temas relacionados s questes da realidade do Estado), na forma semelhante ao que ser o encontro nacional.

    Perodo: maro a julho 2015.

    LemaNa preparao trabalhar com o lema do VI Congresso: Lutar, Construir Reforma Agrria Popular! Se

    no processo surgirem propostas de lema especfico a questo ser rediscutida.

    Manifesto do II EneraProduo coletiva e processual: H uma equipe elaborando a primeira verso do texto a partir de discusso feita no coletivo nacio-

    nal de educao e interlocuo nas instncias nacionais do MST. O texto dever ser discutido nos encontros estaduais e ser feita uma sistematizao geral das con-

    tribuies dos Estados. Durante o II Enera haver discusso coletiva em vista de aprovao do texto final. Meta: lanamento do Manifesto at o final do II Enera.

    Materiais de apoio preparao Jornal Especial II Enera. Coletnea de textos j produzidos (internos e externos) sobre os temas principais de estudo. Painel e cartaz: produo a ser feita pela Brigada de Audiovisuais do MST.

    Equipes de TrabalhoPrimeira proposta a ser amadurecida nas reunies de planejamento: Transporte; Secretaria, Recepo

    e Apoio s Mesas e aos Grupos de Trabalho; Logstica do local de realizao do Encontro e Alojamento; Ciranda Infantil (ter educadores dos Estados); Sade; Sistematizao; Mstica e Cultura, Mostra ou Feira de Artes, Comunicao, Relaes Pblicas; Ato Poltico; Finanas; Segurana/Disciplina (por Estado).

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  • 11Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    Finanas Equipe nacional do MST responsvel pela articulao de apoios diversos visando as despesas gerais

    do encontro nacional e a reproduo dos materiais de preparao. Estados responsveis pela busca de recursos para as atividades de preparao estadual e para o des-

    locamento dos participantes at Luzinia/GO. Contribuio financeira de cada participante no credenciamento: 50 reais.

    Lutar, Construir Reforma Agrria Popular!

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST

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  • 13Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    MST EDUCAO 30 ANOS: BALANO PROJETIVORoteiro para discusso coletiva

    A proposta organizar discusses (nacionais e nos Estados) considerando os grandes objetivos do nosso trabalho, relacionados aos objetivos estratgicos do Movimento de lutar pela terra, pela reforma agrria e pelo socialismo, na compreenso atual que temos sobre eles. Uma questo geral pode ser sobre qual a contribuio do trabalho de educao para que mais pessoas avancem na apropriao dos obje-tivos do MST e possam ser atingidas, dentro das condies objetivas de cada momento e de cada lugar onde o Movimento est organizado. E tambm fazer um balano sobre a forma de atuao e o funcio-namento do setor de educao ao longo do percurso de 30 anos, completados em 2014.

    Das discusses em geral queremos identificar o que conseguimos fazer at aqui: alguns aprendizados do nosso percurso histrico e elementos da situao atual a ser enfrentada no prximo perodo. Tam-bm precisamos discutir sobre qual a atualizao necessria no contedo e na forma de nosso trabalho, em funo das novas exigncias da reforma agrria popular e as condies existentes em cada Estado e regio.

    Pontos para o balano

    1. Na relao com os objetivos estratgicos do Movimento podemos sintetizar os grandes objetivos do trabalho de educao em trs principais que precisam ser objeto desse balano:

    a) Lutar pela universalizao do acesso escola pblica de qualidade social. Fazemos essa luta desde a questo especfica da dvida histrica da sociedade brasileira em relao aos trabalhadores do campo e pela exigncia de dar esse passo para inserir efetivamente toda nossa base social na luta e construo da reforma agrria e das transformaes socialistas do campo, da sociedade. No balano projetivo podemos considerar:

    como est a situao educacional das reas de reforma agrria / do campo: acesso aos vrios nveis de escolarizao, condies das escolas, educadores... importante considerar dados do censo es-colar que esto sendo divulgados, bem como algumas anlises feitas por pesquisadores do nosso campo;

    como est a mobilizao da base pela ampliao do acesso e qualidade da educao; elementos de nossa realidade poltico-pedaggica: como est a disputa pela conduo das escolas,

    das prticas de EJA, de educao infantil, da formao de educadores; quem est com o controle, quais so as referncias mais fortes para nossos educadores, nossas comunidades; em que escolas estamos conseguindo incidir e de que forma...

    b) Produzir formulaes poltico-pedaggicas que materializem nossa concepo de educao, sirvam de referncia ao conjunto diversificado de prticas educativas que temos nas reas de reforma agrria, na edu-

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  • 14 Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    cao do campo (prticas no apenas escolares) e contribuam na formao de lutadores e construtores, na direo de um projeto educativo socialista, protagonizado pelos prprios trabalhadores (do campo e da cidade, de todo o mundo). Considerar:

    o contedo e a forma da elaborao poltico-pedaggica nesse percurso; como temos garantido o dilogo com outras experincias e organizaes de trabalhadores; como analisamos o enraizamento da Pedagogia do Movimento: nas instncias organizativas, na

    militncia, na base..., no conjunto de nossas prticas educativas; temos territrios conquistados com relativa autonomia de construo dos caminhos de transforma-

    o da escola?c) Contribuir pelas prticas de educao das diferentes geraes, e especialmente da infncia e juventude,

    na escola e fora dela, com a implementao da poltica de formao do MST. Considerar: processos de desenvolvimento cultural e de conscincia poltica das comunidades onde atuamos,

    que podem ser evidenciados pelo grau de exigncia de qualidade da vida humana em suas diferen-tes dimenses e capacidade poltica e organizativa para lutar por essa qualidade;

    processos de auto-organizao e de participao social das crianas e jovens dos nossos acampa-mentos e assentamentos;

    como estamos conseguindo integrar formao geral, capacitao tcnica e formao poltica em nossas prticas de educao escolar nos vrios nveis...

    2. Precisamos fazer uma discusso especfica sobre a atuao e o funcionamento do setor de educao:reas de atuao: talvez caiba analisar nosso percurso em termos de focos do trabalho, nfases, tarefas

    assumidas...Construo da organicidade (do MST, do trabalho de educao nas reas de acampamentos e as-

    sentamentos). O que fizemos, os problemas atuais, as transformaes necessrias no nosso mtodo de construo...

    Relaes com o Estado (considerar o sentido estrito e o ampliado de Estado que inclui a sociedade civil organizada desde as classes sociais principais em confronto). O que foi mudando nesse percurso, o que aprendemos, qual o lugar dessa relao nas prioridades atuais de trabalho do setor, o que precisa ser mu-dado para atingirmos nossos objetivos...

    Relaes com a sociedade (populao) em geral. O que foi mudando nesse percurso, o que aprendemos, qual o lugar dessa relao nas prioridades atuais de trabalho do setor, o que precisa ser mudado para que se consiga avanar nos apoios e romper o cerco ideolgico contrrio ao Movimento, aos trabalhadores pobres do campo...

    Sobre alguns desafios gerais do momento atualPodemos organizar esse debate projetivo a partir de trs pontos principais: quais so os enfrenta-

    mentos principais do momento atual; quais nossas lutas e construes prioritrias, considerando os no-vos desafios formativos postos pela reforma agrria popular; que ajustes precisamos fazer no trabalho do setor de educao para dar conta desses desafios. Alguns elementos introdutrios a cada ponto a par-tir de debates que estamos fazendo, mas que precisam ser discutidos, complementados, aprofundados:

    1. Precisamos identificar quais so os enfrentamentos principais do momento atualTemos identificado dois grandes enfrentamentos, relacionados natureza do nosso trabalho espec-

    fico e que se articulam na realidade concreta. O primeiro grande enfrentamento se refere hegemonia

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  • 15Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    ideolgica do agronegcio: no conjunto da sociedade; entre os camponeses, em nossos assentamentos. Te-mos muitos camaradas de lutas que ainda no entenderam o confronto de lgicas de agricultura como parte da luta de classes hoje e porque combatemos o agronegcio. E isso fica ainda mais grave pela ofen-siva do agronegcio nas escolas pblicas, inclusive as de assentamentos, para continuar com a hegemonia ideolgica mesmo diante das contradies explosivas do modelo da agricultura capitalista. Precisamos enfrentar essa ofensiva porque ela mascara a lgica destrutiva desse modelo e subordina educadores e estudantes, com discursos aparentemente inovadores.

    O segundo grande enfrentamento a poltica educacional dominante, comandada pelos interesses do capital (empresrios), com marca de incluso excludente do conjunto dos trabalhadores e ao mesmo tempo excluso descarada de alguns segmentos, o que indicado, por exemplo, pelo fechamento acele-rado de escolas no campo.

    O que especialmente devemos ajudar a denunciar/enfrentar a ingerncia dos empresrios na poltica educacional, atravs do Movimento Todos pela Educao e suas implicaes principais: ofensiva das grandes empresas capitalistas sobre secretarias de educao ou diretamente sobre as escolas; viso depen-dente e (mais uma vez) colonizada de copiar programas de fora (especialmente dos EUA); retirada da autonomia das escolas, dos educadores que passam a ser preparados como executores de uma pedagogia padronizada por testes, cartilhas produzidas pelas empresas, e remunerados pelo desempenho; educao cada vez mais unilateral, voltada formao de mo de obra (para aumentar o chamado exrcito in-dustrial de reserva), na dualidade que prev uma pequena elite de trabalhadores com qualificao mais sofisticada e a imensa maioria com qualificao mnima para empregos precrios, com exacerbao, nesse caso da ciso entre trabalho manual e intelectual, prtica e teoria...

    A poltica educacional atual torna muito mais difcil fazer o enfrentamento pedagogia do capital em nossas prticas educativas porque tira a autonomia das escolas, porque legitima a atuao das empresas no sistema educacional, ao mesmo tempo em que precariza o sistema pblico. E h ainda uma grande apatia ou desconhecimento da maioria dos pais, educadores, estudantes, militantes e dirigentes das or-ganizaes sobre o que so e o que representam para os trabalhadores as chamadas reformas empresa-riais da educao. Isso est no geral da sociedade e est entre ns, na nossa base.

    2. Lutas e construes prioritrias na relao com os desafios da reforma agrria popularA centralidade do enfrentamento ao agronegcio e da luta pela reinsero da reforma agrria na agen-

    da pblica exige que mais gente (trabalhadores do campo e da cidade) entenda o que est acontecendo no campo, na agricultura hoje, e mais amplamente compreenda o nus humanidade de transformar tudo em mercadoria e especialmente os alimentos, a gua, a natureza...

    Nossas escolas precisam se envolver no embate ideolgico, cada vez mais acirrado. No verdade que no temos alternativas! E que cada vez mais gente saiba disso desafio educativo fundamental a ser assumido pelos educadores da reforma agrria, bem como da Educao do Campo, o que quer dizer que os prprios educadores precisam ser educados sobre isso, em funo da forte ofensiva do discurso ideolgico do agronegcio sobre todos.

    Nosso esforo educativo inclui tambm intencionalidades para que a sociedade, a comear pelas fa-mlias de nossas comunidades, discuta e se posicione sobre algumas questes fundamentais ao futuro do ser humano: Que tipo de alimentos queremos consumir? Como devem ser produzidos esses ali-mentos? Como garantir que todas as pessoas (em qualquer lugar do mundo, em cada regio, em cada local) tenham acesso aos alimentos de que precisam para viver com sade? Qual a principal finalidade da agricultura (produzir alimentos ou produzir commodities)? Qual o uso que devemos dar terra,

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  • 16 Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    gua, ao conjunto dos recursos naturais? O que deixaremos como herana para nossos filhos e netos? Quem deve controlar a produo agrcola de um pas?

    Uma ideia fundamental a ser firmada de que a funo principal da agricultura de produzir alimen-tos, saudveis e ambientalmente sustentveis, para o conjunto da populao e dinamizando o territrio onde so produzidos. Outras funes somente deveriam ser desenvolvidas depois da funo principal ter sido realizada. E alimentos no devem ser tratados como mercadorias, mas como direito humano fundamental, de todas as pessoas em todo o mundo e a qualquer tempo.

    Um desafio educativo grandioso que se desdobra do debate da reforma agrria popular o de uma formao dos camponeses (novas e velhas geraes) baseada no aproveitamento crtico dos saberes e ex-perincias dos antepassados e apropriao ou produo de conhecimentos cientficos necessrios aos desafios de construo de uma nova lgica de agricultura. Essa formao necessita da universalizao do acesso educao escolar bsica, da elevao do patamar de acesso dos trabalhadores camponeses educao de nvel superior e aos bens culturais produzidos pela humanidade, alm de uma capacitao tcnico-profissional pensada (revolucionada) desde o conjunto dos fundamentos do projeto de reforma agrria popular.

    Considerando esses desafios formativos e a realidade atual da educao brasileira (e mundial), o mo-mento de defesa intransigente da educao pblica em nosso pas, ameaada pelas investidas dos setores privados e empresariais nacionais e transnacionais sem precedentes na histria do prprio capitalismo.

    Desde nossa atuao especfica, mas na articulao necessria com outras organizaes e foras da classe trabalhadora, isso implica em continuar/radicalizar a luta pelo acesso das famlias trabalhadoras do campo educao escolar pblica. Isso se refere s lutas mais amplas pela universalizao do acesso edu-cao bsica e pela democratizao do acesso educao profissional (que no se reduza lgica Prona-tec) e educao superior (que no se reduza educao a distncia)... E no campo h uma iluso a ser combatida de que, porque temos um Pronacampo, a questo do direito e do acesso j est resolvido, enquanto as escolas continuam fechando...

    Nossa radicalidade implica principalmente em realizar lutas coletivas, massivas pelo acesso dos tra-balhadores do campo educao pblica e no prprio campo. Nessa perspectiva uma luta emblemtica a que estamos fazendo contra o fechamento de escolas: precisamos continuar com a campanha do MST fechar escola crime! e nos mobilizar pela agilizao e desburocratizao da construo de novas es-colas no campo. Isso estrutural e na lgica atual de expulso das famlias do campo pela agricultura capitalista parece at que exigir o impossvel, por isso deve ser nossa prioridade. Da mesma forma que devemos afirmar polticas ou mesmo programas que pressionem o sistema na direo do acesso dos camponeses escola em todos os nveis, com ateno especial dvida histrica que tem nosso pas com a alfabetizao de jovens e adultos.

    3. Ajustes na forma e contedo do trabalho de educao feito pelo MST (discutir a partir do balano e da anlise dos enfrentamentos principais trazemos aqui apenas alguns elementos preliminares)

    importante ter presente em nossa discusso o que sempre afirmamos: o avano do nosso trabalho especfico na educao depende do vnculo orgnico com a estratgia do MST e de avanarmos (massivamente) na compreenso da concepo de educao que construmos nesse vnculo. Os enfrentamentos postos no momento atual parecem exigir uma intencionalidade maior em um movimento que iniciamos especialmente no final dos anos de 1990, junto com o todo do Movimento e, em nosso caso, especialmente pela participao na construo da Educao do Campo: precisamos sair de ns mesmos! Mas o desafio fazer isso sem perder nossa identidade e autonomia de formulao poltica e

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  • 17Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    pedaggica e sem nos distanciarmos do conjunto de objetivos estratgicos do MST, especialmente na sntese atual expressa no programa agrrio de 2014. E este sair de si mesmo hoje precisa comear pelo campo, potencializando vnculos com organizaes de trabalhadores do campo e articulaes existentes em torno da Educao do Campo, mas no pode ficar no campo, especialmente no embate com a poltica educacional e nos esforos de quebra de hegemonia do agronegcio. H uma discusso a ser feita em cada Estado sobre quais as alianas prioritrias, do ponto de vista estratgico e do ponto de vista ttico, para avanarmos enquanto classe trabalhadora nos enfrentamentos principais identificados.

    E importante reafirmar que, assim como no incio de nosso trabalho, mas agora talvez com exign-cias mais amplas e mais complexas, a educao chamada a contribuir, desde o seu trabalho especfico, com a construo de alternativas, de polticas de enfrentamento ao capital, especialmente na agricultura (como ajudar a multiplicar as experincias de agroecologia em nossos assentamentos, por exemplo), mas tambm na prpria educao, nas transformaes da forma escolar subserviente ao capital, no trabalho cultural contra-hegemnico, na afirmao da identidade da agricultura camponesa...

    No podemos deixar de avanar em nossas formulaes poltico-pedaggicas vinculadas estratgia do Movimento. E para isso preciso garantir espaos com autonomia (ainda que sempre relativa) que nos permitam avanar radicalizando (indo raiz) nossas formulaes e prticas em vista das novas exi-gncias formativas...

    O setor precisa se organizar em cada Estado, cada regio, para intencionalizar, fortalecer e acompa-nhar prticas educativas e experimentaes pedaggicas que firmem uma concepo de educao capaz de formar os trabalhadores na perspectiva dos novos desafios, reafirmando a Pedagogia do Movimento e continuando sua construo histrica desde as condies objetivas e os desafios de cada realidade con-creta...

    Precisamos retornar s bases de nossa construo originria, buscando materializar na forma de tra-balho uma relao cada vez mais orgnica com as questes da produo, considerando agora os conte-dos postos pela atualizao de nosso programa agrrio.

    Da mesma forma que nas definies de nossa diviso de tarefas ser necessrio garantir que o setor se ocupe mais com as questes dos rumos da educao brasileira: no momento atual est mais difcil atuar no particular de nossas reas sem compreender e atuar no geral.

    E precisamos discutir sobre como dar conta de nossas tarefas especficas avanando no trabalho intersetorial, cada vez mais necessrio, especialmente em relao ao grande desafio educativo de nossa base para que assuma o combate hegemonia do agronegcio e para que mais gente se aproprie de fer-ramentas de anlise que permitam identificar com rigor as contradies principais de cada realidade e transform-las em lutas coletivas concretas...

    Esse debate est apenas no comeo...

    Novembro 2014.

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  • 19Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    MANIFESTO DAS EDUCADORAS E DOS EDUCADORES DA REFORMA AGRRIA AO POVO BRASILEIRO (1997)

    No Brasil, chegamos a uma encruzilhada histrica. De um lado est o projeto neoliberal, que destri a Nao e aumenta a excluso social. De outro lado, h a possibilidade de uma rebeldia organizada e da construo de um novo projeto. Como parte da classe trabalhadora de nosso pas, precisamos tomar uma posio. Por essa razo, nos manifestamos.

    1. Somos educadoras e educadores de crianas, jovens e adultos de acampamentos e assentamentos de todo o Brasil, e colocamos o nosso trabalho a servio da luta pela reforma agrria e das transformaes sociais.

    2. Manifestamos nossa profunda indignao diante da misria e das injustias que esto destruindo nosso pas, e compartilhamos do sonho da construo de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil, um projeto do povo brasileiro.

    3. Compreendemos que a educao sozinha no resolve os problemas do povo, mas um elemento fundamental nos processos de transformao social.

    4. Lutamos por justia social! Na educao isto significa garantir escola pblica, gratuita e de quali-dade para todos, desde a educao infantil at a universidade.

    5. Consideramos que acabar com o analfabetismo, alm de um dever do Estado, uma questo de honra. Por isso nos comprometemos com esse trabalho.

    6. Exigimos, como trabalhadoras e trabalhadores da educao, respeito, valorizao profissional e condies dignas de trabalho e de formao. Queremos o direito de pensar e de participar das decises sobre a poltica educacional.

    7. Queremos uma escola que se deixe ocupar pelas questes de nosso tempo, que ajude no fortaleci-mento das lutas sociais e na soluo dos problemas concretos de cada comunidade e do pas.

    8. Defendemos uma pedagogia que se preocupe com todas as dimenses da pessoa humana e que crie um ambiente educativo baseado na ao e na participao democrtica, na dimenso educativa do trabalho, da cultura e da histria de nosso povo.

    9. Acreditamos numa escola que desperte os sonhos de nossa juventude, que cultive a solidariedade, a esperana, o desejo de aprender e ensinar sempre e de transformar o mundo.

    10. Entendemos que para participar da construo desta nova escola, ns, educadoras e educadores, precisamos constituir coletivos pedaggicos com clareza poltica, competncia tcnica, valores huma-nistas e socialistas.

    11. Lutamos por escolas pblicas em todos os acampamentos e assentamentos de reforma agrria do pas e defendemos que a gesto pedaggica destas escolas tenha a participao da comunidade Sem Terra e de sua organizao.

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  • 20 Parte 1 Documentos preparatrios ao II ENERA

    12. Trabalhamos por uma identidade prpria das escolas do meio rural, com um projeto poltico--pedaggico que fortalea novas formas de desenvolvimento no campo, baseadas na justia social, na cooperao agrcola, no respeito ao meio ambiente e na valorizao da cultura camponesa.

    13. Renovamos, diante de todos, nosso compromisso poltico e pedaggico com as causas do povo, em especial com a luta pela reforma agrria. Continuaremos mantendo viva a esperana e honrando nossa Ptria, nossos princpios, nosso sonho...

    14. Conclamamos todas as pessoas e organizaes que tm sonhos e projetos de mudana, para que juntos possamos fazer uma nova educao em nosso pas, a educao da nova sociedade que j comea-mos a construir.

    MSTREFORMA AGRRIA: UMA LUTA DE TODOS!

    1 Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma AgrriaHomenagem aos educadores Paulo Freire e Che GuevaraBraslia, 28 a 31 de julho de 1997.

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  • 21Parte 2 Eixo temtico: Reforma Agrria Popular

    PROGRAMA AGRRIO DO MST

    VI Congresso Nacional do MST Fevereiro de 2014

    Lutar, Construir Reforma Agrria Popular!

    Apresentao

    Estimados companheiros e companheiras militantes do MSTEm agosto de 2011, a direo nacional do MST deu incio a um processo de debates e discusses em

    preparao ao VI Congresso Nacional. De l para c, fizemos diversos seminrios nacionais, regionais e estaduais. Fizemos debates nos cursos de formao, nas instncias estaduais e nos coletivos dos diferen-tes setores. Acreditamos que a ampla maioria de nossa militncia se envolveu nesse debate.

    Formulamos dois documentos bsicos. O primeiro o programa agrrio do MST para o perodo de 2014-2019. O segundo contm as principais linhas polticas setoriais do MST, em especial, sobre a Fren-te de Massas, a Produo e os desafios da ttica da nossa luta. Tambm, atualizamos as normas gerais, sobre funcionamento das nossas instncias.

    Aqui, nesta cartilha, apresentamos o que sistematizamos, dos debates e discusses, sobre o Programa Agrrio. Como podem ver, temos uma anlise inicial sobre o diagnstico da realidade agrria brasileira. Depois, h um captulo sobre a natureza da reforma agrria nos tempos atuais. Segue o captulo dos fun-damentos de uma reforma agrria de novo tipo que defendemos para a sociedade brasileira e a proposta de um programa de Reforma Agrria Popular.

    E, ao final, apresentamos o lema, do prximo congresso nacional, deliberado por mais de 300 dirigen-tes, na reunio da Coordenao Nacional do Movimento: Lutar, Construir Reforma Agrria Popular!

    O lema serve para incentivar e orientar nossas lutas e prticas de trabalho e organizao. Serve, tam-bm, para dialogar com a sociedade, manifestando os objetivos centrais da nossa luta para os prximos anos.

    Aqui est a sntese de dois anos de debates e de uma construo coletiva. Centenas de companheiras e companheiros participaram ativamente dessa elaborao coletiva, aqui apresentada.

    Este documento, no deve ser visto como uma receita ou um produto j acabado. Ao contrrio, so ideias que construmos, com base em conhecimentos cientficos e da nossa prtica concreta da luta de clas-ses do dia a dia, em todo o pas. Assim, deve ser visto como uma sntese histrica para esse momento. A implantao do nosso Programa de Reforma Agrria Popular depende, em parte, da nossa capacidade de reivindicar e pressionar os governos. Obter conquistas do Estado burgus um fator importante na luta de classes e na formao de uma conscincia poltica dos nossos militantes. Importante, mas insuficiente.

    A sua implantao depende da correlao de foras nos enfrentamentos com o inimigo principal da reforma agrria hoje, o agronegcio. No bastam apenas vontade e disposio de lutar. preciso ter for-a organizada, agilidade poltica e criatividade nas formas de lutas para derrotar o inimigo.

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  • 22 Parte 2 Eixo temtico: Reforma Agrria Popular

    Depende, sobretudo, da nossa capacidade de fortalecer internamente a nossa organizao. Precisa-mos de um MST forte, com efetivos mecanismos de democracia interna, que incentivem e possibilitem a participao de todos e todas nas discusses e tomadas de decises da nossa organizao.

    Depende da nossa capacidade de ir acumulando foras e irmos construindo em nossos assentamen-tos, em nossas escolas, centros de formao, enfim, em todos os nossos espaos conquistados, o nosso modelo de agricultura para o campo brasileiro.

    Depende da nossa capacidade de construirmos alianas concretas em torno do programa com os de-mais setores do campesinato e com toda classe trabalhadora urbana.

    Depende da capacidade de dialogar e conquistar amplos setores da sociedade brasileira, para cons-truir uma hegemonia um consenso que compreenda e defenda o nosso modelo de agricultura. De-pende da democratizao do Estado brasileiro, da mudana de seu carter burgus. E de termos um governo hegemonicamente popular.

    Por isso, esse programa seguir em construo permanente. Seguir sendo atualizado de acordo com o andar das nossas lutas, conquistas e novos desafios, ao longo da histria! Esperamos que cada compa-nheira, cada companheiro possa aprofundar estes estudos, compartilhar com outros companheiros/as, utiliz-los para debates nas escolas, cursos e centros deformao.

    Devemos, tambm, utilizar esta cartilha para debater nossas ideias e propostas junto aos demais se-tores da sociedade. Assim esperamos contribuir para a construo de um futuro melhor para o nosso pas, alicerado nos ideais socialistas, e legarmos, para as geraes futuras, uma sociedade brasileira so-cialmente justa, igualitria, democrtica e fraterna, como todos e todas ns sonhamos.

    Coordenao Nacional do MST Braslia, agosto de 2013

    I. O processo de desenvolvimento do capitalismo no campo

    1. Contexto histrico1. O capitalismo mundial, a partir da dcada de 1980, ingressou numa nova fase de seu desenvolvi-

    mento, sendo agora hegemonizado pelo capital financeiro e pelas empresas privadas transnacionais, oli-gopolizadas, que controlam o mercado mundial das principais mercadorias. Isso significa que o processo de produo de riquezas continua sendo realizada pelo trabalho na esfera da indstria, agricultura e do comrcio. No entanto, as taxas de acumulao e de diviso do lucro se concentram na esfera do capital financeiro e das grandes empresas privadas capitalistas oligopolizadas que atuam em nvel mundial. (Segundo dados do Pnud Agncia de Desenvolvimento das Naes Unidas, as 700 maiores empresas controlam 80% do mercado mundial!)

    2. Em 1980 o PIB mundial (que teoricamente representa a produo de todas as mercadorias no ano) estava em torno de 15 trilhes de dlares e havia em circulao ao redor de 16 trilhes de dlares em equivalente moeda. Agora, em 2010, o PIB mundial passou para 55 trilhes (concentrado cada vez mais em um menor nmero de pases EUA, Europa, China e Japo) e o volume de moeda em circulao ascendia a 150 trilhes de dlares. Isso acrescido do capital fictcio representado por ttulos e documen-tos de crdito.

    3. Essa forma dominante do capital em todo o mundo trouxe mudanas estruturais tambm na for-ma de dominar a produo das mercadorias agrcolas. Surgiu uma aliana de classe, entre a burguesia

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  • 23Parte 2 Eixo temtico: Reforma Agrria Popular

    das empresas transnacionais, os banqueiros (o capital financeiro), a burguesia proprietria das empresas de comunicao de massa e os grandes proprietrios de terra para controlarem a produo e a circulao das commodities (mercadorias agrcolas padronizadas). Como resultado esperado, controlam os preos e o volume das commodities em circulao, portanto, dominam os mercados e ficam com a maior margem da renda agrcola e do lucro produzidos.

    4. Na organizao da produo das mercadorias impuseram a racionalidade do capital atravs da produo em escalas em reas contnuas e do monocultivo, com o objetivo de obter produtividade mxima do trabalho e maior rentabilidade econmica. Para isso, substituem a fora de trabalho pela mecanizao intensiva. E se utilizam de volumes cada vez maiores de fertilizantes qumicos industriais e de agrotxicos.

    5. As empresas transnacionais que controlam a produo de agrotxicos passaram a controlar a oferta de sementes, tanto as hbridas quanto as geneticamente modificadas em laboratrios. Estas sementes conhecidas como transgnicas so portadoras de genes que tornam as plantas mais suscetveis a doenas e pragas exigindo o uso obrigatrio, e mais intensivo, de agrotxicos. Essas sementes transgnicas so patenteadas como propriedade privada permitindo legalmente que se cobre direitos de uso pelos agri-cultores: os commodities.

    6. Esse modelo de produo resultou numa matriz tecnolgica de produo universalizada a partir da dcada de 1990, com aplicao da biotecnologia (em particular da transgenia), da informtica e das tcnicas de irrigao, tudo controlada pelas empresas privadas transnacionais. Poderia ser considerada como uma nova fase da modernizao conservadora iniciada na dcada de 1960, mas diferente e mais intensa do que a anterior, a qual foi a chamada de revoluo verde pelo uso intensivo de insumos agro-qumicos de origem industrial.

    7. Essa forma de produzir tornou-se cada vez mais dependente do adiantamento do capital finan-ceiro, na forma do crdito rural, para financiar o acesso aos insumos adquiridos nos mercados como sementes, mudas e smen; fertilizantes e herbicidas qumicos; agrotxicos e hormnios; mquinas, tra-tores, implementos e veculos de transportes.

    8. Esse modelo de produo agrcola foi massivamente adotado pelas empresas capitalistas no campo e passou a denominar-se como o modelo do agronegcio. Tornar a agricultura como um negcio para acumulao de riqueza e de renda sob o controle do grande capital.

    9. Com a crise internacional do capitalismo, a partir de 2008 percebeu-se uma ofensiva de entrada de capital estrangeiro tanto do capital financeiro quanto do fictcio, que migrou do Hemisfrio Norte para o Hemisfrio Sul. Esses capitais foram investidos na agricultura, na apropriao privada da natu-reza (terras, gua, hidreltricas, fontes de energia, minrios, usinas de etanol) bem como no controle de commodities (soja, milho, laranja, cacau, aves, sunos, carne bovina etc.).

    10. No caso do Brasil, as estatsticas revelam que no perodo de 2008-2012 ingressaram no pas ao redor de 80 bilhes de dlares de capital financeiro estrangeiro para aplicar apenas na aquisio de bens da natureza.

    11. Alm da ofensiva em investimentos estrangeiros para o controle da produo e dos mercados agr-colas, tem-se constatado uma ofensiva do capital internacional do Hemisfrio Norte, para investirem e controlarem, atravs de grandes empresas privadas transnacionais, as riquezas minerais do Brasil como ferro, bauxita, ouro, cobre, nibio etc. E tambm controlar as fontes de energia como petrleo e gs na-tural, etanol, hidreltricas e parques elicos.

    12. O modelo macroeconmico brasileiro praticamente no se alterou com a mudana de governo, mantendo sua lgica centrada nos ganhos especulativos ligados ao capital financeiro. O governo man-

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    teve o supervit primrio no oramento da unio, como forma de garantir pagamento de juros da d-vida interna, e no teve o controle do cmbio. Isso significa que a taxa de cmbio deixada merc do mercado flutuou de acordo com os interesses de especulao do capital privado internacional sobre a nossa economia. Os Estados Unidos (EUA) emitem a moeda dlar sem controle e jogam no mercado internacional para que paguemos o seu dficit.

    13. Este processo ocorrido durante os oito anos de governo Lula, resultou numa transferncia para o capital financeiro de mais de 700 bilhes de reais, somente para pagamento de juros da dvida interna. O que contribuiu para concentrao e centralizao do capital, pois, segundo estudos de Mrcio Poch-mann, os credores e beneficirios desses juros so menos de cinco mil capitalistas.

    14. O agronegcio passou a ter uma expressiva funo econmica no modelo do capital financeiro (gerar saldos comerciais para ampliar as reservas cambiais, condio essencial para atrair os capitais es-peculativos para o Brasil). E este avano do agronegcio bloqueia e protege as terras improdutivas para futura expanso dos seus negcios, travando a obteno de terras para a reforma agrria.

    15. O Estado brasileiro, mais alm do seu arcabouo jurdico de proteger os interesses da classe do-minante, tem cumprido um papel fundamental de garantir a hegemonia do modelo do agronegcio na produo agrcola. Ele atua na garantia de transferncia de recursos pblicos, via investimentos e atravs do financiamento compulsrio destinado a ele, recolhendo da poupana nacional depositada nos ban-cos.

    16. Esse modelo afeta, sob as mais distintas dimenses, a articulao poltico-partidria e legislati-va, as formas de presso sobre os governos e a natureza da disputa do poder poltico no contexto das contradies de classes sociais. A constituio de uma bancada ruralista pluripartidria emblemtica, colocando os interesses das empresas capitalistas direta e indiretamente relacionadas com o capital no campo, acima dos interesses sociais.

    2. As mudanas estruturais na propriedade da terra, produo, emprego e renda17. O processo de desenvolvimento do capital resultante da implantao de cima para baixo desse

    modelo econmico, estruturalmente cada vez mais dependente do exterior e que organiza a produo unicamente sob a forma de negcio capitalista na forma do agronegcio, provocou mudanas estruturais na forma de apropriao privada da terra e dos recursos naturais, na produo, nas condies de reali-zao dos mercados, na composio das classes sociais, no perfil da estrutura do emprego, na tecnologia utilizada e na produo cientfica e tecnolgica no mbito da pesquisa agropecuria em todo Brasil.

    18. Os empresrios capitalistas, brasileiros e estrangeiros, passaram a priorizar os investimentos na produo de soja, milho, de cana-de-acar (com suas usinas para acar e etanol), no cultivo extensivo de eucalipto para extrao de celulose e produo de carvo vegetal (para as usinas guseiras siderrgicas de exportao do minrio de ferro) e pecuria bovina extensiva.

    19. As 50 maiores empresas agroindustriais de capital estrangeiro e nacional passaram a controlar praticamente todo comrcio das commodities agrcolas no Brasil e, indiretamente, a composio da ofer-ta agropecuria do pas.

    20. Houve uma crescente centralizao do capital que atua na agricultura: uma mesma empresa controla sementes, fertilizantes, agroqumicos, o comrcio, a industrializao de produtos agrcolas e na produo e o comrcio de mquinas agrcolas.

    21. Os fazendeiros capitalistas, subordinados a essas empresas transnacionais, e que controlam um PIB agrcola ao redor de 150 bilhes de reais por ano, necessitam de crdito rural adiantado no valor de aproximadamente 120 bilhes de reais por ano. Este adiantamento garantido pelo governo brasileiro.

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    E depois repartem suas taxas de mais-valia com as empresas fornecedoras dos insumos, com as empresas compradoras das mercadorias e com os bancos que adiantaram o capital financeiro.

    22. Nos ltimos dez anos, houve um processo acelerado da concentrao da propriedade da terra. O ndice que mede a concentrao da propriedade da terra continua crescendo. O ndice de Gini em 2006 estava em 0,854, que maior inclusive do que o registrado em 1920, quando recm havamos sa-do da escravido. Nas estatsticas do cadastro de imveis rurais do Incra v-se que entre 2003 e 2010, as grandes propriedades passaram de 95 mil unidades para 127 mil unidades. E a rea controlada por elas passou de 182 milhes de hectares para 265 milhes de hectares, em apenas oito anos.

    23. Analisando-se as grandes propriedades classificadas pelos critrios da lei agrria de 1993, com base nas informaes declaradas pelo proprietrio de imvel rural ao Incra, constatou-se que em 2003, havia 47 mil grandes propriedades improdutivas, as quais detinham 109 milhes de hectares, e que, em 2010, passaram a ser 66 mil grandes propriedades improdutivas, controlando 175 milhes de hectares. Embora as estatsticas do Incra apresentem falhas, ainda assim elas indicam uma tendncia da concen-trao e crescimento do nmero de imveis improdutivos.

    24. Analisando os dados por estabelecimentos (critrio adotado pelo IBGE), percebe-se que no lti-mo censo de 2006, havia 22 mil grandes propriedades acima de dois mil hectares de terra, que seriam os grandes latifndios. E outros 400 mil estabelecimentos entre 100 e 2 mil hectares, que seriam os es-tabelecimentos rurais modernos que constituem a maior parte do modelo de agronegcio.

    25. Os grandes e mdios proprietrios que representam o agronegcio controlam 85% das terras e praticamente toda produo de commodities para exportao...

    26. Constatou-se, tambm, uma concentrao da produo agrcola por produto e, em 2010, 80% das commodities e das terras por elas utilizadas se destinavam a soja, milho, cana-de-acar e pecuria extensiva.

    27. Houve um aumento acelerado na desnacionalizao da propriedade da terra, com avano da presena de empresas estrangeiras. Mas impossvel ter aferio estatstica confivel, pois o capital es-trangeiro compra as aes de empresas brasileiras, que possuem as terras sem necessidade de alterar o cadastro no Incra. No entanto, estima-se que as empresas estrangeiras devem controlar mais de 30 mi-lhes de hectares de terras no Brasil.

    28. O agronegcio possui prioridades regionais de cultivos e criaes para a sua expanso. A soja prioridade em todas as regies; a cana-de-acar na regio Centro-Sudeste; a celulose no Sul da Bahia, Norte do Esprito Santo e Mato Grosso do Sul. J a madeira para produo de carvo ganha dimenso no Norte do pas e em Minas Gerais, sobretudo onde se instalaram as indstrias siderrgicas. No semi-rido nordestino, as frutas irrigadas. E no litoral do Nordeste, o camaro cultivado. A pecuria extensiva vai ficando nas regies mais degradas e na fronteira agrcola, desbravando e amansando a terra para o avano paulatino do capital.

    29. Quanto pecuria leiteira, essa vem sendo empurrada para regio Sul do Brasil, na medida em que a cana-de-acar vai ocupando as pastagens do Sudeste. Outro produto importante o algodo que cresce nas grandes fazendas do Centro-Oeste.

    30. Houve um aumento significativo da produtividade agrcola por hectare e por trabalhador, em todos os ramos de produo. No entanto, essa produtividade esteve combinada com o aumento de es-cala dos monocultivos e com o uso intensivo de agrotxicos e mquinas agrcolas. E o aumento das margens de lucro no resultou em melhorias das condies de vida dos trabalhadores, que produziram essa riqueza.

    31. O capital procura se expandir na agricultura, incorporando novas reas para o agronegcio, na regio Centro-Oeste, no bioma do cerrado, no Sul da Amaznia e pr-Amaznia, no chamado Ma-

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    pito (Sul do Maranho, Sul do Piau, Oeste da Bahia e Norte de Tocantins). Nesse sentido, o capital enfrenta alguns empecilhos jurdicos para sua expanso, como o Cdigo Florestal, que impe reserva nativa de 80% da rea do imvel, para o bioma da Amaznia, e 40% para os imveis no cerrado. E estabelecem restries com relao s reas de quilombolas as quais depois de reconhecidas no podem mais ser vendidas. O mesmo ocorre com as reas indgenas. Alm dessas limitaes jurdicas os povos indgenas enfrentam a sanha do capital pela invaso impune dos seus territrios principalmente na re-gio Centro-Oeste.

    32. No modelo do agronegcio est contemplada uma parceria ideolgica de classe entre os grandes proprietrios da terra e os empresrios dos meios de comunicao da burguesia, em especial televiso, revistas e jornais, que fazem a defesa e a propaganda permanente das empresas capitalistas no campo como nico projeto possvel, moderno e insubstituvel. Alm da presso econmica a reproduo ideo-lgica dos interesses de classe das classes dominantes agora realizada pelos meios de comunicao de massa. E h uma simbiose entre os grandes proprietrios dos meios de comunicao, as empresas do agronegcio, as verbas de publicidade e o poder econmico.

    33. Percebe-se que no desenvolvimento das foras produtivas no nvel do Brasil o nmero de mqui-nas agrcolas vendidas (tratores e colheitadeiras) tem aumentado no tamanho de potncia, mas no no nmero de unidades. Na dcada de 1970, quando os agricultores familiares tinham acesso ao crdito rural subsidiado que estava vinculado agroindstria de maneira mais intensa, o mercado de tratores era de 75 mil unidades/ano. E agora, nos ltimos anos, baixou para 36 mil unidades/ano, embora tenha aumentado a potncia mdia.

    34. Mas, no geral, os ndices de mecanizao da agricultura brasileira so baixssimos, comparados com os volumes de produo. O nmero total de tratores existentes na agricultura brasileira de apenas 802 mil tratores, segundo o ltimo censo do IBGE (uma mdia de dois tratores para cada propriedade do agronegcio). Comparando-se com o nvel de desenvolvimento das foras produtivas da agricultura dos Estados Unidos, em 1920, eles j possuam 900 mil tratores na agricultura!

    35. A hegemonia desse modelo econmico se amplia para o controle de todos os bens da natureza, como os minrios, a gua, as florestas e as fontes de energia. Em todos esses setores est havendo con-centrao e centralizao do capital, assim como a desnacionalizao das empresas que os controlam.

    3. As classes sociais36. Diversos pesquisadores sociais adequaram os dados estatsticos da produo agropecuria e flo-

    restal para chegar aos dados aproximados da condio de classes sociais na agricultura brasileira. Assim, pode-se dizer que h um setor capitalista-empresarial, (aqueles que possuem e controlam os meios de produo e a produo), que seria representado por aproximadamente 450 mil estabelecimentos agrco-las, que possuem 300 milhes de hectares e controlam toda produo de commodities para exportao. Essa seria a classe dominante no campo brasileiro.

    37. Os assalariados rurais permanentes: aqueles que trabalham nos estabelecimentos rurais acima de mil hectares. So cerca de 400 mil assalariados. Assalariados rurais temporrios e outros 1,8 milhes de assalariados nas propriedades de 500 a 2 mil hectares, totalizando, assim, 2,2 milhes de trabalhadores assalariados para o agronegcio.

    38. Na dcada de 1980, o nmero de trabalhadores assalariados na agricultura entre permanentes e temporrios variava entre 6 a 10 milhes de trabalhadores. Portanto, comparando-se com os dados do Censo do IBGE de 2006, houve em 2006 uma reduo significativa do nmero total de trabalhadores na condio de assalariados rurais, o nmero de assalariados rurais temporrios ao longo do ano de

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    2006 (Censo) de 2,2 milhes, parte dos quais constituda por alguns membros das famlias de cam-poneses pobres que migram de suas regies para trabalhos temporrios na colheita da cana, laranja e do caf. E o de assalariados rurais permanentes foi de dois milhes.

    39. Os camponeses: as estatsticas do IBGE (censo, 2006) identificaram 4,8 milhes de estabelecimen-tos rurais classificados como agricultores familiares, com reas menores de 100 hectares. Esse seria o nme-ro aproximado de famlias que vivem supostamente na condio social de camponeses. Destes, um milho de famlias, aproximadamente, seriam camponeses com renda agrcola que garanta a reproduo social da famlia e alguma poupana, que vivem de seu trabalho familiar, contratam esporadicamente trabalho assa-lariado e esto integrados no mercado. So os que acessam as linhas de crdito do Pronaf. A maioria deles produz as mercadorias integradas agroindstria, como sunos, aves, fumo, leite, frutas e hortigranjeiros.

    40. H outras 3,8 milhes famlias de camponeses pobres que esto inviabilizados por esse modelo, que produzem basicamente para subsistncia e vendem pequenos volumes de excedentes, sem condies de manter poupana mnima. Entre eles est a base social que lutaria por terra e reforma agrria. Eles esto margem do modelo econmico do agronegcio, excludos de polticas pblicas, a maioria deles sobrevive com bolsa famlia do governo ou so dependentes da aposentaria de um membro da famlia mais idoso. Para os empresrios capitalistas, esses camponeses pobres constituem ou reserva de fora de trabalho ou fornecedores simples de alimentos para as reas urbanas locais.

    41. Nos vrios segmentos de famlias camponesas h 14 milhes de trabalhadores adultos que traba-lham no campo, sob as mais diferentes situaes de relaes sociais de produo.

    42. H uma superexplorao do trabalho agrcola no Brasil. Entre os camponeses, pelo aumento da jornada de trabalho, pelo envolvimento de toda famlia, e pela baixa remunerao recebida. Entre os proletrios rurais, empregados no agronegcio, h uma superexplorao relativa, em funo da compa-rao dos seus salrios, que so maiores do que os camponeses, mas muito menores do que seus equi-valentes trabalhadores das mesmas commodities agrcolas em outros pases do mundo. Em mdia, os tratoristas brasileiros recebem apenas 20% do salrio de seu equivalente nos pases do Hemisfrio Norte, para trabalhar na mesma produo de soja, milho etc.

    43. H ainda casos de trabalho no pago, anlogo da escravido. Segundo os dados do Ministrio do trabalho e Polcia Federal registram-se ao redor de cinco mil casos por ano. Apesar da ignomnia que eles representam e devem ser condenados de todas as formas, no a forma principal de acumulao de capital do agronegcio.

    4. As contradies do modelo de produo do capital versus os interesses da sociedade44. O modelo de produo da agricultura industrial adotado pelo agronegcio totalmente depen-

    dente de agroqumicos, estes, por sua vez, so dependentes de fontes esgotveis de petrleo, nitrognio, fsforo e potssio. E, mais, tm seus preos estabelecidos no nvel mundial, controlados por um pequeno grupo de empresas transnacionais em prticas de oligoplio. No caso brasileiro, agrava-se essa depen-dncia devido s importaes, o que afeta inclusive a soberania nacional da produo agrcola. Na lti-ma safra foram importados 16 milhes de toneladas de fertilizantes. O Brasil est importando 75% de todos fertilizantes qumicos utilizados.

    45. O controle oligopolista das grandes empresas transnacionais sobre o comrcio de alimentos leva ao estabelecimento de preos de monoplio (ver Guilherme Delgado) e num processo de padronizao dos alimentos, que em mdio prazo vai afetar inclusive a sade pblica.

    46. A agricultura do agronegcio totalmente dependente do uso de venenos agrcolas, que so usa-dos com intensidades e volumes cada vez maiores. O Brasil controla apenas 5% da rea cultivada entre

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    os 20 maiores pases agrcolas no mundo. No entanto, consome 20% da produo mundial de venenos. Os venenos destroem a biodiversidade, alteram o equilbrio do meio ambiente, contribuem para as mu-danas climticas e, sobretudo, afetam a sade das pessoas, com a proliferao de doenas e do cncer. O modelo do agronegcio no consegue produzir alimentos sadios.

    47. O controle e a introduo da propriedade privada sobre as sementes por parte das empresas trans-nacionais coloca em risco o modelo de agricultura familiar e afeta a soberania alimentar do pas, em mdio prazo. Quem controlar as sementes e mudas controlar a agricultura como um todo.

    48. A propriedade privada por empresas estrangeiras dos recursos da natureza como terra, gua, florestas e minrios gera uma contradio entre os interesses do povo brasileiro com os interesses dos empresrios capitalistas.

    49. O modelo em curso de dominao mundial do capital que imps uma rediviso do trabalho e da produo no mundo condenou os pases do Hemisfrio Sul a serem produtores apenas de matrias--primas, agrcolas e minerais. Isso vai aumentar as desigualdades no mundo e aumentaro os conflitos sociais em mdio prazo.

    50. A riqueza produzida na agricultura e os excedentes do trabalho agrcola, que antes ficavam na mesma regio (mesmo que fosse para os capitalistas), hoje so apropriados em outras esferas e outros centros urbanos, gerando maiores desigualdades sociais e regionais.

    51. A expanso da monocultura elimina a biodiversidade e traz maior dependncia econmica, maior fragilidade social e graves consequncias ambientais, que comeam a ser percebidas em todas as regies.

    52. O modelo do agronegcio, ao contrrio da etapa do capitalismo industrial, no distribui renda e nem gera emprego para juventude. O capital aplica um modelo de produo agrcola, sem agricultores e com pouca mo de obra. Isso traz como contradio a falta de futuro da juventude, o aumento da mi-grao e o despovoamento do interior.

    53. Os grandes proprietrios de terra (que antes, enquanto latifundirios, auferiam todos os lucros e exerciam o poder poltico decorrente desse poder econmico), agora tm que dividir seus ganhos, e perdem poder poltico. E, portanto, passam a ter contradies, ainda que secundrias, com os outros capitalistas. Certamente, sero perceptveis na prxima gerao dos herdeiros dos latifundirios, que tampouco conseguem se reproduzir como latifundirios.

    54. O modelo do agronegcio expulsa permanentemente mo de obra do campo. Que migram para as cidades. Porm, num segundo momento, quando concentram a produo e fazem novos investimen-tos, no esto conseguindo levar mo de obra para o campo para trabalhar como seus empregados. Muito menos entre a juventude. Assim, gera-se uma contradio, pois o modelo no atrai mo de obra e em mdio prazo ser um grave limitante.

    55. A lgica predominante na apropriao dos bens da natureza apenas o lucro. a busca perma-nente da renda extraordinria que a explorao dos bens naturais proporciona. Isso vai gerando uma contradio permanente, por serem bens limitados frente s crescentes necessidades da populao de se alimentar e atender suas necessidades.

    II. A natureza da luta pela reforma agrria: contexto histrico e desafios atuais

    1. O capitalismo, em distintos perodos histricos, deu nfase a diferentes programas de reforma agrria. Aqui faremos um breve resgate histrico do enfoque dado reforma agrria, no cenrio nacio-nal e internacional, durante os processos de desenvolvimento e consolidao das sociedades capitalistas.

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    Ao final do captulo, relatamos os desafios que o MST e as lutas pela reforma agrria enfrentam no momento atual, em nosso pas.

    2. Na transio do feudalismo europeu e at mesmo do modo de produo asitico e das sociedades pr-capitalistas em geral para o capitalismo comercial, os camponeses lutaram pela direito ao acesso a terra, contra as oligarquias rurais e senhores feudais. Essas lutas, restritas s demandas dos prprios camponeses, ainda no se caracterizavam como lutas pela reforma agrria.

    3. Somente a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial no sculo 18, a expresso reforma agrria comeou a ser utilizada. Neste perodo, a Reforma Agrria passou a ser uma poltica de governo e de Estado para mudar a estrutura de propriedade e de produo agrcola de um pas e, consequente-mente, atender as demandas das nascentes sociedades urbano-industriais.

    4. A mudana na estrutura fundiria atendia aos interesses imediatos dos camponeses que lutavam pela posse da terra e contra a espoliao dos grandes proprietrios. Mas ia alm, era uma exigncia para impulsionar os processos de industrializao e para criar e consolidar o mercado interno das sociedades capitalistas.

    5. No processo de desenvolvimento do capitalismo industrial, o desafio de desenvolver o mercado interno para suas fbricas confrontou-se com a enorme concentrao da propriedade da terra e o fato de que a maioria da populao vivia no campo e sem terra e sem renda, estava excluda desse mercado. Para resolver essa contradio, as burguesias industriais, que controlavam as estruturas do Estado, impuse-ram contra os interesses das oligarquias rurais a Reforma Agrria. A democratizao da propriedade da terra aos camponeses.

    6. Ao democratizar a propriedade da terra, desapropriando os senhores das terras e superando os resqucios do feudalismo, o Estado burgus visava transformar os camponeses em produtores de mer-cadorias para a indstria e de alimentos para a populao urbana e, com isso, obter renda para serem compradores/consumidores das mercadorias de origem industrial.

    7. Esse tipo de Reforma Agrria, iniciado nos pases da Europa ocidental e nos Estados Unidos, a partir de 1870, estendeu-se pelos pases de todo Hemisfrio Norte at a dcada de 1950, com a guerra da Coreia. Todas elas, nos diferentes pases e tempos histricos, serviram de apoio aos processos de de-senvolvimento industrial implantado pela burguesia.

    8. Essas mudanas nas estruturas fundirias, feitas pelo Estado burgus, so as chamadas reformas agrrias clssicas burguesas ou, simplesmente, reformas agrrias burguesas. Em comum, elas tm as se-guintes caractersticas bsicas: eram realizadas pelas burguesias industriais; potencializavam o mercado interno atravs da democratizao da propriedade da terra; e, buscaram transformar os camponeses em produtores e consumidores de mercadoria.

    9. Dessa matriz de reforma agrria clssica burguesa, surgiram inmeras outras propostas em pases perifricos adequadas suas realidades, aos desafios que se propunha superar e, sobretudo, correlao das foras polticas do perodo histrico em que foram implantadas. Aqui na Amrica Latina, o governo John Kennedy chegou a promover uma reunio continental em Punta del Este (1961) para estimular que os governos fizessem reforma agrrias burguesas, como forma de desenvolver o mercado interno e impedir que os camponeses se radicalizassem como havia acontecido na revoluo cubana. E os econo-mistas da Cepal (Organismo das Naes Unidas para Amrica Latina) difundiram essa tese como forma de enfrentar o subdesenvolvimento durante toda dcada de 1960.

    10. Houve tambm as reformas agrrias dos chamados governos nacionalistas, como por exemplo, a do general Crdenas (1939-1946) no Mxico. Do general Juan Velasco Alvarado (1968-1975), no Peru e a do guatemalteco Jacob rbenz (1951-1954). E do coronel Nasser, no Egito que distribuiu todas as

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    terras frteis ao longo do rio Nilo aos camponeses na dcada de 1960. No Brasil, a incluso da Reforma Agrria nas Reformas de Base do governo Joo Goulart, pode ser vista como uma tentativa desse tipo de reforma agrria, dentro de um projeto de desenvolvimento nacional capitalista.

    11. H, tambm, as reformas agrrias anticoloniais, que representavam a distribuio de terras aos camponeses crioulos, que as tomavam dos capitalistas colonizadores. E que nem se chamavam de re-forma agrria, mas apenas o direito terra de quem nelas trabalhasse e morasse. Assim se consolidou a distribuio de terras a camponeses, na revoluo social do Haiti (1804) por Dessalines, e na dcada de 1810, no Uruguai (governo Artigas) e Paraguai (governo Frana) e de certa forma a distribuio de terras feita durante a revoluo mexicana de 1910-1920.

    12. Por outro lado, houve o impulso das lutas de liberao nacional, aps a II Guerra Mundial (1939-1945), no continente asitico e africano. As foras que promoveram as lutas pela independncia dos seus pases expropriaram as terras dos colonos europeus e as entregaram aos camponeses. Foram reformas agrrias que buscaram, sobretudo, consolidar a soberania poltica do pas. Pases como Moambique, Angola, Guin-Bissau, Tanznia, Zimbawe, Arglia, Lbia... se enquadram nesse exemplo de reforma agrria.

    13. H tambm as reformas agrrias de governos populares que, em distintos processos histricos, se propunham a fazer uma transio do capitalismo para uma sociedade socialista. As reformas agrrias ocorridas em Cuba, com a Revoluo de 1959, Vietnam, a partir da vitria sobre os Estados Unidos em 1973, e a da Nicargua sandinista, em 1979, so alguns desses exemplos.

    14. Por ltimo, h as reformas agrrias propostas pelas revolues populares que ousaram superar as formas de organizao capitalista. So as Reformas Agrrias socialistas. Estas nacionalizaram a proprie-dade da terra, como um bem de toda nao, socializaram a propriedade dos meios de produo e cole-tivizaram, de diferentes formas, o trabalho agrcola. Foram reformas agrrias realizadas dentro de um conjunto de polticas adotadas por governos resultantes de revolues sociais e que se propunham cons-truir o socialismo. Portanto, estavam subordinadas s mudanas radicais no modo de produo geral da sociedade. Podemos citar como exemplos desse tipo de reforma agrria as que ocorreram resultantes das revolues russa (1917), iugoslava (1945) chinesa (1949) e da Coreia do Norte (1956).

    15. No Brasil, ao longo da nossa histria, tivemos diversas propostas e tentativas de realizar uma re-forma agrria dentro dos marcos do desenvolvimento do capitalismo nacional. Alguns abolicionistas, como Joaquim Nabuco (1849-1910), defenderam com nfase que a liberdade do povo negro deveria ser acompanhada de um processo de distribuio de terras. Foram derrotados pela oligarquia rural, escra-vocrata e controladora do poder poltico, os chamados coronis das terras.

    16. Ainda na transio da plantation (grandes fazendas de monocultivo que utilizavam trabalho escravo e se dedicavam a exportao) do capitalismo comercial escravocrata para o capitalismo indus-trial, surgiram os primeiros movimentos camponeses e houve muita luta e disputa pela terra, em todo territrio. As comunidades camponesas lideradas por lderes religiosos como a de Canudos/BA (1894-1896), Contestado/SC (1912-1916) e Caldeiro/CE (1926-1937) exemplificam esse tipo de luta pela terra. Buscavam garantir a sobrevivncia, o trabalho e a reproduo camponesa, em condies naturais e polticas extremamente desfavorveis. Nem sequer foram chamadas de reforma agrria por esses luta-dores camponeses.

    17. Somente aps a II Guerra Mundial, surge a expresso e a luta pela reforma agrria no Brasil. Com o reascenso das mobilizaes populares, cresceu a luta pela Reforma Agrria, protagonizada por movi-mentos camponeses Ligas Camponesas, Ultabs (Unio de Lavradores e Trabalhadores Agrcolas do Brasil) e o Master (Movimento dos Agricultores Sem Terra) que, pela primeira vez logram se consti-

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    tuir como organizaes nacionais e empunharam a partir de 1961 o lema: Reforma agrria na lei ou na marra!. Os programas de reforma agrria defendidos pelos movimentos camponeses da poca, e pelo ento governo popular de Joo Goulart, j mencionado, estavam inseridos no objetivo de desenvolver o mercado interno para a indstria nacional, aos moldes de uma reforma agrria clssica burguesa.

    18. Durante toda a dcada de 1950, at o golpe militar de 1964, prevaleceu o debate se o desenvol-vimento da agricultura brasileira atrasadssima nas relaes sociais no campo e pouco produtiva por causa dos quatros sculos do modelo agroexportador deveria ser feito atravs de uma reforma agrria burguesa ou atravs de um pacto entre burguesia industrial e oligarquia rural para assegurar inalterada a estrutura fundiria.

    19. O governo ditatorial dos militares imps a modernizao sem reformas e reprimiu duramente o movimento campons. Assim, aqui a burguesia industrial, ao contrrio da burguesia europeia do sculo 18, se aliou oligarquia rural para desenvolver o capitalismo nacional, dependente dos pases centrais.

    20. H muitas teses e interpretaes de porque a burguesia industrial brasileira no defendeu a neces-sidade de uma reforma agrria para industrializar o pas. Entre as principais pode-se citar: a burguesia industrial brasileira nunca se constituiu como uma burguesia nacionalista, que queria desenvolver a na-o; a indstria brasileira j nasceu dependente (do capital estrangeiro e de um mercado no de massas); a burguesia precisava ter ganhos com a superexplorao da mo de obra fabril, e para isso era preciso ter um enorme exercito industrial de reserva, formado pelos camponeses que migravam todos os anos para as cidades e pressionam os salrios para baixo. At hoje, a mdia salarial da indstria brasileira um dos mais baixos do mundo.

    21. No perodo de 1964-1984, com a imposio da ditadura militar, o projeto desenvolvido pela burguesia na agricultura, foi de uma modernizao conservadora e dolorosa para os camponeses. Do ponto de vista poltico eles massacraram fisicamente todas as formas de organizao camponesa. E com a sociedade calada e reprimida, impuseram sua hegemonia em toda sociedade e na agricultura. Foi o perodo de consolidao da agricultura capitalista voltada para o mercado externo, baseada em grandes extenses de terra, na mecanizao agrcola, adoo dos agrotxicos, e na expulso dos camponeses. A nica sada para os camponeses era migrar para cidade ou para a fronteira agrcola, ir amansar as terras na regio amaznica. O resultado foi a adoo da revoluo verde como pacote tecnolgico para au-mentar a explorao e a produtividade do trabalho, a maior migrao de camponeses de toda histria, e elevada concentrao da propriedade da terra.

    22. Na dcada de 1980, com a redemocratizao poltica, a crise cclica do capitalismo e o ressur-gimento da luta pela terra com novos movimentos camponeses levantou-se novamente a bandeira da reforma agrria. As lutas e reivindicaes se inseriam, no entanto, nos objetivos de uma reforma agrria clssica burguesa: democratizar a propriedade da terra, como uma forma de reproduo dos campone-ses, de integr-los ao mercado interno e de aumentar sua renda, para poder melhorar as condies de vida de suas famlias. Nesse cenrio poltico-histrico, nasceu o MST.

    23. O programa do MST, por sua elaborao terica e pelas condies histricas daquele perodo, se inseria nos pressupostos de uma reforma agrria burguesa. bem verdade que o protagonismo dos camponeses, a radicalidade das lutas, a reao contrria dos latifundirios e do Estado burgus e a ex-plicitao de bandeiras de lutas progressistas e revolucionrias que mesclavam a luta pela terra com o direito pelo trabalho, a luta pela Reforma Agrria com a democratizao ampliada da propriedade fundiria e a luta por uma sociedade mais justa e igualitria com os ideais do socialismo ajudaram o MST a ocupar um espao destacado nas lutas populares do nosso pas e a politizar a luta pela re-forma agrria.

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    24. Assim, nos primeiros anos, de 1979 a 1984, a atuao dos camponeses que depois resultaria no MST restringiu-se promoo da luta pela terra. Depois, de 1984 a 1992, com a expanso do MST no territrio nacional, o Movimento soube impor a luta pela Reforma Agrria e aproveitar as contradies internas dentro do bloco dominante: os conflitos existentes entre os interesses especficos da burguesia industrial e os das oligarquias rurais. Interessava burguesia industrial incorporar a massa de campone-ses sem terras s terras ociosas, mantidas sob o domnio do latifndio.

    25. Novamente, o objetivo da burguesia industrial era o de promover o desenvolvimento das foras produtivas no campo e de sua integrao ao mercado capitalista. Do outro lado, as oligarquias reagiam frente possibilidade de perder o domnio sobre as terras e, sobretudo, perder sua influncia poltica sobre as populaes rurais. Esse conflito era remetido para dentro do Estado aonde os latifundirios, mesmo sendo a frao social subalterna dentro do bloco dominante, mantm indiscutvel poder e influ-ncia. Poder esse, suficiente para impedir, sistematicamente, a implantao da Reforma Agrria. Mesmo que esta fosse uma possibilidade e uma necessidade provocada pelo desenvolvimento do capitalismo industrial.

    26. O poder do latifndio atrasado se manifestava ainda com maior contundncia no enfrentamento com os camponeses e suas lutas. A represso sobre o MST, e sobre a luta pela terra em geral, era orga-nizada pelas oligarquias rurais nas suas formas mais arcaicas de pistolagem, controle sobre as polcias e sobre o poder judicirio local. Alm de contar com a conivncia dos governos estaduais, majoritariamen-te conservadores e, no raras vezes, com origens no prprio latifndio. Essa violncia, produzida pelo setor mais retrgrado e pouco produtivo da economia brasileira, recebeu destaque no cenrio nacional e internacional e acabou sendo mais um elemento que provocou uma onda de simpatia e apoio luta pela reforma agrria.

    27. Na segunda metade da dcada de 1980, essas foras conservadoras do latifndio se reorganizaram em 1986 criaram a Unio Democrtica Ruralista (UDR) aglutinaram foras na Assembleia Consti-tuinte formaram o centro e desencadearam uma onda de violncia seletiva contra os camponeses e suas organizaes. Os assassinatos do Pe. Josimo, no Maranho, em 1986; de Chico Mendes, no Acre, em 1988, atestam essa prtica criminosa dos latifundirios. A Constituio Federal de 1988, mesmo sendo considerada progressista, teve na questo da reforma agrria seu aspecto mais conservador.

    28. A burguesia brasileira, enquanto classe hegemnica, se durante a dcada de 1980 enfrentou as mobilizaes populares pela democratizao do pas e o reascenso das lutas sindicais, populares e estu-dantis, obteve uma importante vitria em 1989, na primeira eleio presidencial pelo voto direto, ps--ditadura militar (1964-1985). Aquela vitria eleitoral serviu para a burguesia, primeiro, com o governo de Fernando Collor de Melo (1990-1991) e depois com o de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), para aglutinar e dar unidade poltico-ideolgica aos setores mais conservadores do pas. Essas foras, poltico-econmicas, auxiliadas pelo aparato de informao e ideolgico da mdia burguesa, implemen-taram um novo modelo de desenvolvimento econmico: o neoliberalismo.

    29. Fortalecidos pelas vitrias eleitorais, o neoliberalismo imps suas polticas de: a) abertura do mer-cado, assegurando mobilidade irrestrita ao capital e mercadorias estrangeiras; b) corte nos gastos sociais; c) privatizao e desnacionalizao de setores estratgicos para o desenvolvimento econmico do pas; d) facilidades para o capital internacional se apoderar das riquezas naturais minrios, energia, biodiversi-dade e agricultura; e) ofensivas sobre a legislao social e trabalhista, provocando derrotas e retrocessos classe trabalhadora.

    30. A essas polticas neoliberais somaram-se as transformaes no modo do capitalismo estruturar a produo e o trabalho inovaes tecnolgicas, descentralizao e terceirizao e a ofensiva do capi-

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    tal internacional, denominada de globalizao. A classe trabalhadora, assim, sofreu duras derrotas pelo neoliberalismo e, desde ento, entrou num perodo de refluxo do movimento de massas, de organizao e de elaborao e disputas de proposta poltica. Em outras palavras, a dcada neoliberal de 1990 logrou consolidar um cenrio de consenso e coero da burguesia sobre a classe trabalhadora.

    31. Essa ofensiva neoliberal sobre as riquezas nacionais demorou um tempo maior para chegar at a agricultura brasileira. Primeiro, o capitalismo internacional priorizou os setores mais dinmicos da economia urbana. Depois, no segundo mandato do governo de FHC, o capital internacional, associado com as empresas transnacionais que atuam na agricultura e os grandes proprietrios rurais, direciona-ram seus interesses para agricultura brasileira. Com isso, durante toda a dcada de 1990 o MST pode promover uma ofensiva na luta pela terra, impondo a agenda da reforma agrria ao governo FHC. E, assim, a luta pela reforma agrria aglutinou a simpatia da sociedade e o apoio dos segmentos sociais que se opunham s polticas neoliberais. o perodo em que o MST assume um papel importante nas lutas populares do pas e de protagonista na luta pela reforma agrria.

    32. A ofensiva neoliberal sobre a agricultura brasileira, iniciada no governo FHC, se consolidou na dcada de 2000, implantando um novo modelo de agricultura, no mais para atender prioritariamente as demandas do modelo de desenvolvimento de uma indstria nacional (1930-1980) e da necessidade do mercado interno. um novo modelo de dominao do capital no campo, para atender as demandas do mercado externo. Agora, um modelo dos fazendeiros capitalistas em aliana com o capital interna-cional e financeiro, que passa a acumular a riqueza do campo. (Conforme descrevemos no captulo I: O desenvolvimento do capitalismo no campo).

    33. Esse novo modelo de agricultura capitalista foi definido por uma diviso mundial da produo e do trabalho, estabelecida ainda nos anos 1990. Ali, os pases centrais do capitalismo reservaram aos pases do Hemisfrio Sul o papel de sere