boi nunca morre, vive com a zabumba de ouro : :: : … · das festas mais populares do estado que...

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. 1 NÉLIO PEREIRA DA SILVA BOI NUNCA MORRE, VIVE COM A ZABUMBA DE OURO: : : : um estudo sobre o bumba-meu-boi do Monte Castelo. Monografia apresentada ao Curso de Especialização em História do Maranhão da Universidade Estadual do Maranhão para obtenção do título de Especialista em História do Maranhão. Orientadora: Profa. Ms. Helidacy Maria Muniz Corrêa São Luís

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Page 1: BOI NUNCA MORRE, VIVE COM A ZABUMBA DE OURO : :: : … · das festas mais populares do Estado que carrega no seu cerne um valor simbólico capaz de fomentar no povo um sentimento

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NÉLIO PEREIRA DA SILVA

BOI NUNCA MORRE, VIVE COM A ZABUMBA DE OURO: : : : um estudo sobre o bumba-meu-boi do Monte Castelo.

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em História do Maranhão da Universidade Estadual do Maranhão para obtenção do título de Especialista em História do Maranhão. Orientadora: Profa. Ms. Helidacy Maria Muniz Corrêa

São Luís

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2006 NÉLIO PEREIRA DA SILVA

BOI NUNCA MORRE, VIVE COM A ZABUMBA DE OURO: um estudo sobre o bumba-meu-boi do Monte Castelo.

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em História do Maranhão da Universidade Estadual do Maranhão para obtenção do título de Especialista em História do Maranhão.

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

.............................................................................................................................

Profª Ms. ElizabatH Sousa Abrantes

..............................................................................................................................

Profª Ms. Helidacy Maria Muniz Corrêa

..............................................................................................................................

Profº Paulo Roberto Rios

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A Deus, fonte da vida.

A minha mãe, pelo incentivo e carinho

constantes.

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AGRADECIMENTOS

A minha mais singela gratidão a todos aqueles que, direta ou

indiretamente, contribuíram para a concretização deste trabalho, pois demonstra o

valor que esses amigos, familiares e companheiras de lutas representam para

minha vida. Agradeço a todos de coração.

É com entusiasmo que contemplo a conclusão desse trabalho do meu

curso de Especialização em História do Maranhão, e com a devida data vênia peço

licença para destacar os nomes de algumas pessoas. Começarei referenciando

Deus porque eu nunca chagaria aonde cheguei sem a ajuda dele.

A minha mãe, dona Francisca, mulher guerreira sim senhora, pelos

incentivos nesta investida. Ao meu pai in memorian, Neuton, ex-matraqueiro

pesado da Maioba. A minha esposa Mary Lucy, pela paciência e compreensão que

demonstrou. Aos meus filhos que foram a cada dia motivação de continuar a luta

árdua.

A todos os colegas de turma que proporcionaram momentos

inesquecíveis, de respeito, tristeza, compartilhamento e amor fraternal. Meus

agradecimentos a todos os professores que nos trouxeram com suas palavras e

ensinamentos grandes lições para a vida profissional, e a família da UEMA,

especialmente da Coordenação do Curso de História, pela dedicação e

colaboração para que este momento fosse realizado. A professora Helidacy Maria

Muniz Corrêa pelo incentivo e segura orientação.

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“Se o boi não tem auto, a brincadeira não tem história”.

Antero Viana

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RESUMO

Este trabalho aborda as variantes que motivaram as atividades do Bumba-meu-boi

do Monte Castelo no sotaque de zabumba, fundado pelo senhor Antero Viana, e

seus desdobramentos no cenário cultural maranhense. Analisa o processo de

exclusão que o bumba-meu-boi sotaque de zabumba vem sofrendo ao longo do

tempo. Identifica, ainda, a tradição e a modernidade como valores de autenticidade e

espontaneidade de um povo.

Palavras-chave: Cultura popular. Bumba-meu-boi. Maranhão. Zabumba

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ABSTRACT

It approaches the variants that had motivated the activities of the Bumba-mine-ox of

the Mount Castle in sotaque of zabumba, established for Mr. Antero Viana, and its

unfoldings in the maranhense cultural scene. It analyzes the exclusion process that

the bumba-mine-ox sotaque of zabumba comes suffering to the long one from the

time. It identifies, still, the tradition and modernity as values of authenticity and

espontaneidade of a people.

Word-key: Popular culture. Bumba-mine-ox. Maranhão

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1 - Bumba-meu-boi do Maranhão ...........................................................28

Figura 1 - Antero Viana e Familiares...................................................................32

Figura 2 - Antero Via no Samba..........................................................................33

Figura 3 - Boi do Monte Castelo e Antero Viana.................................................34

Figura 4 - Brincantes do Bumba-meu-boi do Monte Castelo..............................42

Figura 5 - Capa do Lp – brincantes do bumba-meu-boi do Monte Castelo........43

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LISTA DE SIGLAS

ALUMAR - Consórcio de Alumínio do Maranhão

CMF - Comissão maranhense do Folclore

FM - Freqüência Modulada

FCM - Fundação cultural do Maranhão

GDAM - Grupo de Dança Afro-Molungos

GRESSIS - Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano

LP - Long Play

MARATUR - Empresa Maranhense de turismo

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e

cultura

UFMA - Universidade Federal do Estado do Maranhão

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SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES...............................................................................08

LISTA DE SIGLAS...........................................................................................09

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................11

2 CULTURA: um breve comentário.........................................................................15

3 BUMBA-MEU-BOI DO MARANHÃO......................................................................24

3.1 Grupos, Subgrupos e Sotaques.......................................................................... 28

3.2 Antero Viana e a cultura popular maranhense.....................................................32

4 BOI DO MONTE CASTELO................................................................................... 34

4.1 Tradição e modernidade no bumba-meu-boi...................................................... 50

5 CONCLUSÃO........................................................................................................ 60

REFERÊNCIAS.............................................................................................. 63

ANEXOS......................................................................................................... 67

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1 INTRODUÇÃO

O Maranhão é um dos estados brasileiros que congrega as mais variadas

manifestações culturais. Um dos fatores que podem ser apontados como geradores

dessa grande diversidade é a própria formação da população maranhense,

composta de uma multiplicidade étnica resultante da miscigenação de povos

diferentes.

O Bumba-meu-boi pode ser pensando como uma manifestação popular

resultante de concepções híbridas provenientes de elementos das culturas européia,

africana e indígena, que transitaram no convívio social regional brasileiro

proporcionando a diversidade cultural.

Nesse sentido, a proposta deste trabalho tem como objetivo entender as

variantes que motivaram as atividades do Bumba-meu-boi do Monte Castelo,

fundado pelo senhor Antero Viana, e seus desdobramentos no cenário cultural

ludovicense, além de tentar compreender o processo de exclusão que o Bumba-

meu-boi sotaque de zabumba vem sofrendo ao longo do tempo.

Ao estudar-se a história do Bumba-meu-boi no Maranhão, percebe-se que,

de modo geral, é fundado e organizado por pessoas humildes do povo, que têm

poucos recursos financeiros para investir na brincadeira. O mesmo ocorre com os

“brincantes” que também não têm condições financeiras de ajudar, mas contribuem

tocando instrumentos, cantando, confeccionando indumentárias, bordando o couro

do boi etc. Tudo para que o grupo se apresente na temporada junina de forma bem

ensaiada.

A escolha do tema adveio da necessidade de se compreender a trajetória

de um grupo de boi no sotaque zabumba e suas repercussões na cultura popular

maranhense, destacando sua contribuição nas práticas culturais da capital.

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A temática em questão envolve o Boi de zabumba, considerado uma das

manifestações folclóricas tradicionais do estado do Maranhão, que apesar das

dificuldades, devido à falta de condições financeiros, vários grupos do gênero

continuam participando ativamente da temporada junina.

Para realização deste trabalho utilizou-se de entrevistas, conversas

informais com ex-brincantes do boi do Monte Castelo, familiares do dono do Boi de

zabumba do Monte Castelo, senhor Antero Viana, dirigentes de grupos de bumba-

meu-boi, pesquisas bibliográficas de autores que versam sobre o tema em questão,

além de documentos de arquivos como jornais O Estado do Maranhão, O Imparcial,

e Jornal Pequeno, boletins da Comissão Maranhense do Folclore e folder Maranhão

Vale Festejar e assentamento do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império

Serrano. É feita a utilização da história oral, através de entrevistas para obter

subsídios sobre a história do Boi do Monte Castelo e sua importância para o folclore

maranhense, pois a história oral é:

[...] um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica,...) que privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo. Trata-se de estudar acontecimentos históricos, instituições, grupos sociais, categorias profissionais, movimentos, etc. 1

Observa-se que a “memória” é fonte de informação para a história, pois

possibilita relatos do passado de um tempo vivido que certamente enriquece a

compreensão do presente.

Portanto, o relato da história vivenciada pelos indivíduos através da

memória pode configurar uma visão mais acurada da dinâmica social envolvendo a

trajetória de um grupo em um determinado momento histórico.

Dessa forma o presente trabalho foi elaborado em três capítulos:

1 ALBERTIV, V. História Oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e documentação de História contemporânea do Brasil, 1989. p. 52.

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No primeiro capítulo buscou-se uma contextualização sobre cultura como

traços característicos de uma sociedade onde valores espirituais e materiais são

internalizados na vida cotidiana, refletindo o momento histórico vivido e

compartilhado no grupo, que não é estático e acompanha o grupo em toda sua

trajetória.

Como no convívio social, diferentes grupos atuam de forma distinta,

emergem interesses semelhantes ou opostos, que circulam sedimentados em

convicções próprias, ensejando o aparecimento de múltiplas culturas características

de um segmento. Nesse sentido, a cultura popular e a cultura da elite convivem lado

a lado conquistando espaços e adeptos.

Percebe-se que na sociedade os agentes envolvidos na cultura popular e

na cultura da elite são astutos e perspicazes; embora, às vezes pareçam

demonstrar certa ingenuidade e pureza de espírito quando querem barganhar

visibilidade e status. Portanto, no cotidiano são travados os embates entre os

grupos. Nessa perspectiva torna-se difícil vislumbrar uma homogeneidade entre a

cultura popular e cultura da elite, mesmo que interajam entre si.

No segundo capítulo trata-se do bumba-meu-boi no Maranhão como uma

das festas mais populares do Estado que carrega no seu cerne um valor simbólico

capaz de fomentar no povo um sentimento de prazer, gosto, devoção ao santo e

preservação dos costumes.

Sabe-se que o bumba-meu-boi não é uma manifestação cultural exclusiva

do Maranhão, pois sua prática acontece em várias regiões do Brasil. No entanto, no

estado do Maranhão esse folguedo foi incorporado no cotidiano do povo que passou

a internalizar seu culto e exteriorizar em forma de dança, cores e ritmos próprios.

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Observa-se que os grupos dos bois maranhenses estão divididos em

estilos que sobressaem os sotaques, indumentárias, baiados etc, que se constituem

em traços característicos de cada conjunto, que realizam seus espetáculos

geralmente no mês de junho.

Nesse sentido, os grupos de bumba-meu-boi no sotaque de zabumba são

considerados os mais tradicionais, com forte influência africana, sendo bastante

praticados na Baixada Maranhense e na capital.

No terceiro capítulo estuda-se a história do Boi do Monte Castelo no

sotaque de zabumba, destacando-se a sua trajetória no cenário cultural maranhense

e a presença marcante do seu fundador Antero Viana, que participava do auto do

bumba-meu-boi possibilitando a presença de uma variedade de personagens no

ritual da morte do boi, assim como, animais tipo carneiro, cavalo, burrinha, caipora,

etc., que enriqueciam o espetáculo artístico de uma forma natural e espontânea.

Destaca-se que o Boi do Monte Castelo no decorrer dos vinte e três anos

de sua existência buscava visibilidade realizando o auto do boi com esmero, pois a

representação estava agregada a um cunho cênico tradicional onde os brincantes

procuram preservar as características marcantes do estilo ou sotaque de zabumba,

através de instrumentos como zabumba, tambor-onça, tamborinho, maracá. Além da

utilização de indumentárias constituída principalmente de um volumoso chapéu com

formato de um cogumelo, rodeado por diversas fitas de cores diversificadas.

Nas apresentações dos grupos de bumba-meu-bois, principalmente os de

sotaques de zabumba, percebe-se uma preocupação em manter a tradição para não

perder a originalidade, a referência com o passado. No entanto, o moderno está

presente no dia-a-dia não podendo ser detido nem temido e sim convivido de forma

a possibilitar a permanência das manifestações culturais.

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Não obstante o culto pelo tradicional, fomentado pelos grupos de bumba-

meu-boi no Maranhão, deve-se levar em consideração que a tradição e a

modernidade são variantes importantes para manutenção das manifestações

folclóricas, pois o tradicional remete a um momento histórico do passado e o

moderno proporciona a feição do tempo presente.

2 CULTURA: um breve comentário

Cultura pode ser entendida como um conjunto de padrões

comportamentais de um povo relacionados as suas crenças, hábitos, forma de ver

o mundo, maneira dos indivíduos compartilharem experiências internalizando

valores que passam de geração para geração formando um elo identificador entre

os humanos na sociedade em que vivem. Esses valores são socializados entre

pessoas do mesmo grupo em uma área territorial definida, no entanto, outros

grupos de territórios diversos podem compartilhar experiências vivenciadas, pois o

saber cultural não está limitado aos espaços físicos rígidos nem a fronteiras

delimitadas pelos homens no convívio social, muito embora na sociedade a

tendência é o grupo dominante, a classe “elitizada”, tentar proteger seu “espaço

cultural” colocando em evidência suas práticas culturais na tentativa das mesmas

situarem-se no rol das oficiais.

Nessa perspectiva, a História Cultural além de analisar as manifestações

oficiais da classe dominante: literatura, artes, folclore etc., também enfatiza as

expressões das massas anônimas: as festas, as crenças, as resistências etc. Em

suma: a História Cultural corteja o informal, o popular, a estratificação social, o

conflito sociocultural e, conseqüentemente, possibilita a compreensão de que cada

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grupo social tem sua cultura sedimentada em concepções próprias alicerçada em

experiências socializada ao longo do tempo.

Ainda sobre cultura e considerando o ser humano no labor diário vivendo

em grupo aprendendo e agindo na sociedade, o estudioso Burke, define o termo

cultura da seguinte maneira:

“[...] hoje, contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam o termo “cultura” muito mais amplamente, para referir-se a quase tudo que pode ser aprendido em uma dada sociedade como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante. Em outras palavras, a história da cultura inclui agora a história das ações ou noções subjacentes à vida cotidiana”.2

Na citação acima pode-se deduzir que cultura está relacionada com a

ação do homem no interior da sociedade realizando atividades das mais simples, ou

seja, sorrir, vestir, dormir etc até as mais complexas, por exemplo, a engenharia

espacial, domínio de máquinas sofisticadas e, assim por diante. Enfim, os

conhecimentos adquiridos em grupo podem ser considerado cultura.

O homem é um ser social que necessita viver em grupo, relacionando-se

com seus semelhantes. Nesse convívio diário acontece troca de experiências,

proporcionando um ambiente propício de ensino-aprendizagem onde todos ensinam

e aprendem. Assim, os traços culturais vão efervescendo, depois consumidos e

externados no convívio social.

O ser humano está sempre agindo e reagindo no interior da sociedade,

possibilitando que as ações grupais estejam em constantes movimentos. Dessa

forma, Michol, assim expressa seu pensamento a respeito de cultura:

A tentativa de dar uma resposta a essa questão leva ao encontro de diferentes concepções, resultantes de perspectiva analíticas diversas. Diante desse quadro variável de opiniões, vou me deter, por considerar como meio de analise mais frutífero e condizente com a linha de pensamento condutora deste trabalho, no conceito de cultura como expressão ideológica determinada pela dinâmica de uma dada sociedade.

2 BURKE, Perter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 21.

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A perspectiva assumida é, então, a de pensar a cultura dentro das relações sociais, ligada às condições objetivas de vida dos distintos grupos que compõem uma determina sociedade, num momento histórico. Nesse sentido, o conteúdo cultural expressa a concepção de mundo de sujeitos concretos historicamente situados e inseridos num processo produtivo, manifestando a maneira como se relacionam com o real, no caso com o mundo externo e com os homens, enfim, o modo como a vida social se desenvolve.3

Os traços culturais de uma sociedade passam pelas atitudes dos homens,

internalizadas na vida cotidiana, que reflete um momento histórico vivido e

compartilhado pelo grupo, que não é estático em sua trajetória.

A tentativa de pensar cultura num contexto social relacionado com

situações objetivas, concretas, parece não cogitar a possibilidade de, no cotidiano,

os homens não levarem em consideração as questões inerentes ao mental e as

representações, por exemplo, o medo, Deus, morte, sobrenatural etc. Dessa

maneira, é possível vislumbrar que na concepção do real, relacionados às questões

culturais, o mental pode estar embutido, dependendo do grupo social.

Na sociedade interagem distintos grupos que, com interesses comuns ou

antagônicos seguem suas trajetórias, firmadas em ideologias próprias,

proporcionando a multiplicidades de culturas características de um povo, que não é

superior ou inferior, e sim marca registrada dos homens.

Sabe-se que a cultura é manifestada dentro de um ambiente social com a

participação de diversos grupos, seja com pequeno ou grande contingente de

pessoas. Nesse sentido, Certeau também entende que:

Devemos distinguir subcultura e contracultura.[...] O Primeiro termo designa a cultura de um subgrupo, de uma minoria [...].O segundo, remete ao julgamento que uma maioria faz das subculturas cujas implicações sociais os subgrupos ratificam, muitas vezes, quando a ele recorrem para caracterizar a si próprio “4

3CARVALHO, Maria Michol Pinho de. Matracas que desafiam o tempo: é o Bumba-boi do Maranhão: um estudo da tradição modernidade na cultura popular. São Luís: EDUFMA, 1995. p. 49. 4 CERTEAU, Michel. A cultura no plural. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1995, p. 195.

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Nessa perspectiva a produção cultural do subgrupo minoritário sofre o

crivo de uma maioria, que muitas vezes a minoria aceita a interferência para

sobressair seus traços marcantes. Situação que parece difícil, pois, considerando a

cultura como um traço inerente de um povo ou grupo não necessita,

necessariamente, da ratificação de outro grupo, mesmo que seja da maioria.

Entretanto, a contracultura entendida como juízo de valor da maioria pode

influenciar nos grupos pequenos, que motivados por interesses agem com

maleabilidade e permitem a interferência da maioria, para conquistar espaços que

proporcionem visibilidade social. Contudo, as incorporações desses novos valores

dependem da convivência cotidiana.

A cultura popular é freqüentemente entendida como uma manifestação

cultural produzida pelas massas populares, movidas pela tradição e costume de um

povo, com transmissão de forma oral fazendo parte o artesanato, a literatura

popular, as festas religiosas populares, os folguedos, o carnaval, os rodeios,

vaquejadas, tambor de crioula, cacuriá e bumba-meu-boi etc.

Alfredo Bosi enxerga quatro tipos de esferas culturais, claramente visíveis

na sociedade brasileira, que auxiliam na compreensão das influências ocorridas no

cotidiano. O autor apresenta a forma como a cultura foi tradicionalmente percebida

pela intelectualidade, isto é, faz distinção entre:

A cultura erudita (universitária, institucional), a popular (imaginário do povo formado de modos diversos), a criadora (extra-universitária, individualizada, de artistas plásticos, escritores, músicos, dramaturgos, cineastas) e de massas (indústria de objetos simbólicos em série). Este último tipo de produção agiria cortando verticalmente todos os estratos da sociedade, crescendo mais significativamente no interior da classe média, sendo seus produtos consumidos principalmente através dos meios de comunicação de massa.5

Os espaços culturais são compartilhados por diversos grupos inseridos na

sociedade brasileira, formando diferentes manifestações culturais. Contudo,

5 BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.337.

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conceber a cultura erudita como a universitária ou institucional, e a criadora, como

sendo, extra-universitária, individualizada, de escritores, músicos, etc, por exemplo,

parece possível desde que sejam observados os aspectos dinâmicos de mobilidade

grupal, pois o universitário e o escritor pode estar atuando ao mesmo tempo na

cultura erudita e criadora.

Percebe-se que a cultura de massa divulgada intensamente pelas redes

de televisão, emissoras de rádio e apresentada em programas televisionados, show

populares, micaretas etc, tem despertado o interesse de um significado contingente

das classes sociais.

Observa-se que a cultura erudita ou da elite e a cultura popular estão

presentes no cotidiano da sociedade. Nesse sentido, Burke faz os seguintes

comentários:

Uma questão hoje levantada freqüentemente é que o termo “cultura popular” dá uma falsa impressão de homogeneidade e que seria melhor usá-lo no plural, ou substituí-lo por uma expressão como “a cultura das classes populares...”6 [...] A fronteira entre as várias culturas do povo e as culturas das elites (e estas eram tão variadas quanto aquelas) é vaga e por isso a atenção dos estudiosos do assunto deveria concentrar-se na interação e não na divisão entre elas. O interesse cada vez maior ao trabalho do grande crítico russo Mikhail Bakhtin, cuja maior parte está agora traduzida para as línguas ocidentais, revela ao mesmo tempo em que estimula essa mudança de ênfase. O destaque dado por ele à importância da “transgressão” dos limites é aqui obviamente relevante. Sua definição de Carnaval e do carnavalesco pela oposição não às elites, mas à cultura oficial, assinala uma mudança de ênfase que chega quase a redefinir o popular como o rebelde que existe em todos nós, e não propriedade de algum grupo social.7

Continuando na argumentação, o autor acima mencionado,

especificamente sobre cultura popular diz que: “[...] quanto à cultura popular, talvez

seja melhor de início defini-la negativamente como uma cultura não-oficial, a cultura

da não-elite, das “classes subalternas”.8Percebe-se que a cultura popular e a cultura

6 BURKE, Perter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 16. 7 Ibid.,p.17. 8 Ibid.,p.25.

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da elite devem ser entendidas de forma heterogênea por serem concebidas e

executadas de maneira diferenciada, inclusive na mesma localidade. Portanto, é

perfeitamente possível identificar diferenciações em escolas de sambas que

desenvolvam o mesmo enredo no carnaval, pois cada agremiação carnavalesca

apresenta aquilo que foi idealizado pelos seus produtores, que trazem no seu bojo

características próprias que identificam os compositores, passistas, intérpretes,

mestre-sala e porta bandeira etc. Então parece difícil vislumbrar homogeneidade na

cultura popular e cultura da elite.

Os governantes determinam quais as manifestações culturais que devam

constar do calendário municipal, estadual ou federal como oficiais. Como as classes

dominantes, compostas pelas elites, geralmente detêm o poder ou influências neles,

acabam interferindo na escolha. Contudo, isto não quer dizer que somente as

práticas culturais das elites podem ser oficiais. Para exemplificar, no caso da cidade

de São Luís, os feriados municipais são as seguintes datas: “08 de dezembro

(Nossa Senhora da Conceição)”, “29 de junho (São Pedro)”, “Sexta-feira da Paixão

(data móvel)” e “08 de setembro (fundação da cidade de São Luís)”9.

Com relação à data de 29 de junho, os jornais O IMPARCIAL e o Jornal

Pequeno, publicaram as seguintes matérias:

Mesmo não tendo sido realizada conforme o planejado, a procissão marítima de São Pedro, que aconteceu ontem pela manhã em São Luís emocionou centenas de fiéis, que depois de uma longa madrugada assistindo às apresentações de Bumba-meu-boi, na Madre de Deus, deixaram suas últimas energias para louvar o padroeiro dos pescadores[...]10 [...] A Comissão Organizadora, que vem trabalhando, diuturnamente, para o sucesso esperado, além da restauração do pátio da capela para oferecer maior comodidade para receber os milhares de freqüentadores e dezenas

9 Prefeitura Municipal de São Luís. Lei Municipal nº 3.432, de 06 de fevereiro de 1996, fixa feriados no município de São Luís e dá outras providências. 10 Procissão de Pedro emocionava católicos. Jornal O IMPARCIAL, São Luís, 30 de jun. 1990.

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de grupos de Bumba-bois, que vão louvar São Pedro no amanhecer de seu dia 29 de junho[...]11 [...] No Largo, ontem, milhares de pessoas acompanhavam os grupos de bumba-meu-boi que chegavam e faziam apresentações de até uma hora. O tradicional encontro de todos os sotaques de bois da ilha não terminou antes de meio dia.12

Como se observa, no dia 29 de junho ocorre uma grande festa popular

com apresentação de grupos de bumba-meu-bois de todos os sotaques na Igreja de

São Pedro, localizada no bairro da Madre Deus, que vão prestar homenagens a São

Pedro, santo padroeiro dos pescadores, e também veneradas pelos participantes

dos grupos de bumba-bois.

Geralmente os grupos de bumba-bois iniciam as apresentações no início

da noite e a festa em louvor a São Pedro, estendeu-se até o meio dia de 30 de

junho. Portanto, percebe-se, no “brincante” de bumba-meu-boi, uma força

extraordinária em querer continuar a “brincar” no boi, mesmo com os problemas

enfrentados no dia a dia, de ordem financeira, trabalho fadigado, sofrido etc.

“Brincar” no boi parece trazer felicidade e paz de espírito, que dá uma energia

eletrizante ao povo contagiando a família, os habitantes dos bairros, os

companheiros de trabalhos, os governantes, a “elite” profana. Em suma, o boi

arregimenta um batalhão de adeptos dispostos a tocar matraca, pandeiro, zabumba,

trombone e outros instrumentos.

Com relação à data de 08 de dezembro, o jornal O Estado do Maranhão

traz a matéria seguinte que diz: “Uma grande multidão acompanhou ontem a

imagem de Nossa Senhora da Conceição numa procissão até o bairro do Monte

Castelo”13

11 Festejos juninos chegam ao ponto máximo com São Pedro e São Marçal, Jornal Pequeno, São Luís, 27 de jun. 1996. 12 Jornal O Estado do Maranhão. São Luís, 30/06/1996, p.12 13 Procissão de fé. Jornal O Estado do Maranhão, São Luís, 09 de dez.1996.

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Conforme se verifica, Nossa Senhora da Conceição é bastante venerada

pelos maranhenses, pois no bairro do Monte Castelo todos os anos acontece uma

grande festa popular de caráter religioso onde os fiéis prestam homenagens à santa

milagrosa.

Dos quatro feriados oficiais da cidade de São Luís, dois ao que parece,

estão relacionados com a cultura popular, ou seja, 29 de junho, dedicado a São

Pedro, e 08 de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição. Então, a tentativa

de conceituar a cultura popular como não oficial carece de uma análise mais

acurada, pois embora as elites tenham o poder de influenciar nas manifestações que

devam ser oficial ou não, a cultura popular também pode tornar-se oficial.

Por outro lado, verifica-se que as questões culturais que envolvem a

sociedade e as organizações estão transitando dentro de uma sistemática dinâmica

de ação e reação entre o popular e o “elitizado” e na tradução desses sentimentos

pode levar ao entendimento de que a cultura deve ser vista no seu aspecto plural.

A respeito dessa questão, Certeau manifesta assim o seu pensamento:

As indagações, as organizações e as ações ditas culturais representam ao mesmo tempo sintomas e respostas com relação a mudanças estruturais na sociedade. A interpretação desses signos, cuja espécie prolifera, remete inicialmente ao seu funcionamento social.14

A interpretação dos signos que representam sintomas e respostas das

ações culturais, relacionados com as mudanças profundas na sociedade, parece

mostrar claramente que o indivíduo não é um ser passivo, em razão disso, age e

reage, conforme apresenta-se as tensões sociais.

Os seres humanos, mesmo compartilhando espaços físicos estão

separados por grupos que internalizam valores, símbolos, regras, apreensões, que

são exteriorizados no agir do cotidiano. Nesse sentido ocorre um confronto de

14 CERTEAU, Michel. A cultura no plural. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1995, p. 194 e 195.

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interesses nos meios sociais, pois todos querem exercer hegemonia sobre o outro

gerando um local de tensões, embora aparentemente essas questões não sejam

visíveis.

Enfim, parece que as modificações profundas no seio da sociedade são

resultantes de um processo cíclico de divisão interna entre as classes provocada

pela disputa e conquista de status.

O escritor Homi K. Bhabha apresenta os seguintes comentários a respeito

desse local de confronto:

[...] Pode revelar que o reconhecimento teórico do espaço-cisão da enunciação é capaz de abrir o caminho a conceitualização de uma cultura internacional, baseada não no exotismo do multiculturismo ou na diversidade de cultura, mas na inscrição e articulação do hibridismo da cultura. Para esse fim deveríamos lembrar que é o “inter” – o fio cortante da tradução e da negociação, o entre-lugar – que carrega o fardo da significação da cultura. Ele permite que se comecem a vislumbrar as histórias nacionais, antinacionalista, do “povo”. E, ao explorar esse Terceiro Espaço, temos a possibilidade de evitar a política da polaridade e emergir como os outros de nós mesmos.15

Como se observa na argumentação acima o espaço cultural é um local

híbrido de manifestações diversas, funcionando como uma via de mão dupla ou uma

ferramenta capaz de atenuar ou provocar o acirramento das tensões, pois os

interesses dos entes envolvidos são em sua maioria conflitantes.

Nesta perspectiva, o hibridismo cultural revela-se na diferenciação e na

capacidade simultânea de demonstrar e negar uma certa semelhança com os

elementos que o compõem. Assim, a hibridização age como uma força de interação

criativa recuperando o aspecto histórico e político da cultura, infiltrando-se nos

interstícios espaciais e temporais normalmente bloqueados pelas divisões e

categorizações canônicas.

Podemos pensar que a cultura globalizada possa fomentar uma

verdadeira querela entre as diversidades culturais dos povos, que aparentemente

15

BHABHA, Hommi K. Locais da cultura. Belo Horizonte: ed. UFMA, 1989. p.69.

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nos seus sítios naturais estão acomodadas, pois nos espaços sem fronteiras pode

haver barganha, conquista ou confisco de uma cultura sobre a outra com

conseqüências imprevisíveis.

Observa-se que as manifestações culturais não devem ser tolhidas de

ganharem uma dimensão universal, porque nessa relação acontecem os processos

de interação mútua, contudo, Bhabha cogita a possibilidade do choque cultural

decorrente de uma política exacerbada.

3 BUMBA-MEU-BOI DO MARANHÃO

O Brasil apresenta uma cultura popular muito rica. Um dos fatores que

podem ser apontados como geradores dessa grande diversidade cultural é a própria

formação da população brasileira, composta de uma multiplicidade étnica resultante

da mistura de vários povos, dos quais se destacam os povos indígenas, os povos

provenientes de várias nações africanas e os europeus.

Na cultura popular do Brasil o bumba-meu-boi aparece como uma

manifestação realizada principalmente nos Estados da região Nordeste, e o enredo

desenvolve-se em torno de um dono de fazenda que tem um boi robusto roubado

por um trabalhador da fazenda conhecido como Francisco (Chico), para atender um

pedido de sua esposa Catirina, que está gestante e sente desejo de comer a língua

do boi. O dono da fazenda encarrega os vaqueiros e os índios para procurarem o

boi, que o encontra doente, e chama os feiticeiros e curandeiros para curá-lo; e

quando conseguem comemoram, sendo Francisco e Catirina perdoados, e termina a

representação como uma grande festa.

No Maranhão, o bumba-meu-boi apresenta-se como uma manifestação

popular tradicional, realizando espetáculo principalmente no período junino com

características próprias diferenciando-se do resto do país. Os grupos de Bumba-

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meu-bois estão divididos em sotaques de matraca(ilha), zabumba(Guimarães),

orquestra(Rosário), baixada (Pindaré) e costa de mão (Cururupu).

Pode ser entendido como sotaque o estilo que cada grupo proporciona no

seu ritmo característico de forma harmônica e cadenciada feita de maneira

espontânea sem a preocupação com a estilização rigorosa de uma orquestra

sinfônica que segue partitura para reproduzir uma obra musical.

No entanto, como no bumba-meu-boi utilizam-se diversos instrumentos

musicais torna-se necessário uma combinação de sons, para que o ritmo seja

atrativo e dentro das características singulares de cada grupo, pois percebe-se nos

“brincantes” uma preocupação em fazer tudo para não comprometer a harmonia

musical, levando a entender que na roda do boi quem não sabe tocar não deve

utilizar instrumentos.

Observa-se que no grupo de zabumba os instrumentos freqüentemente

usados são: maracá, tamborinho, tambor-onça e zabumba. A zabumba, que dá

nome ao sotaque, é um grande instrumento de percussão também usado em outros

grupos do gênero.

Quanto ao grupo de orquestra percebemos banjos, bumbos, saxofones,

trombones, clarinetas e pistões. É a presença marcante dos instrumentos de sopros.

No grupo de matraca e da baixada encontramos a presença do maracá,

tambor-onça, pandeirões e matracas. As matracas são pedaços de madeira que

identificam o ritmo, assim como, no grupo costa-de-mão utiliza-se maracá, caixa e

pandeiro tocado com o dorso da mão, daí advém a demoninação do grupo.

No bumba-meu-boi do Maranhão não só o sotaque constitui-se como traço

característico dos diversos grupos, mas também as indumentárias, os baiados, os

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autos, as toadas etc., que fazem a concepção coletiva simbólica de apreciar os

bumbas.

O Estado do Maranhão no período junino parece transformar-se num

grande arraial com apresentações, além dos grupos de bumba-bois, de tambor de

crioula, quadrilha, dança portuguesa, cacuriá, e outros. É o maranhense prestando

louvores aos santos padroeiros: São João, São Pedro e São Marçal. Inclusive, no

bairro do João Paulo acontecem todos os anos, no dia 30 de junho, uma grande

festa que reuni uma multidão de “brincantes” e simpatizantes, para prestar louvores

ao santo.

Nesse sentido, os jornais O IMPARCIAL e O Estado do Maranhão trazem

os seguintes noticiários:

O João Paulo amanheceu ontem em festa acordado pelo barulho das matracas, orquestra, zabumbas e pandeirões de dezenas de grupos de bumba-meu-boi que repetiam o espetáculo ocorrido na madrugada da última sexta-feira na Madre de Deus. Os “brincantes” fizeram bonitos e mostraram aos animados expectadores à beleza do folclore maranhense.16 Mantendo uma tradição de mais de setenta anos, os grandes batalhões de matraca da ilha, promovem uma vez o espetáculo da data de São Marçal, personagem folclórica que é considerado o padroeiro dos “brincantes” de bumba-meu-boi17

Notamos que a festividade comemorativa a São Marçal, realizada no

bairro do João Paulo, arregimenta os “batalhões”, principalmente no sotaque de

matraca, que fazem a festa com a participação e o envolvimento dos espectadores

que se transformam em “brincantes”, ou seja, todos interagem no espetáculo a céu

aberto.

Américo Azevedo Neto, a respeito do bumba-meu-boi do Maranhão

comenta:

O Maranhão é, com certeza, um dos Estados brasileiros que reúne as mais numerosas e variadas manifestações folclóricas no que se refere à dança. Umas, exclusivas. Outras, embora comuns ao resto do Brasil, adquirem,

16. “João Paulo é acordado pelas matracas”. Jornal O IMPARCIAL, São Luís, 01 dez.1990. 17. Caderno A. Jornal O Estado do Maranhão, São Luís, 30 jun. 1996.

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neste Estado, características tão peculiares que podemos considera-las como só no Maranhão existindo. E é de uma destas que vamos tratar. De uma que, mesmo sendo encontrada em todo o Brasil, ganhou, no Maranhão, formas, cores e sons tão próprios que acabou tornando-se única.18

Como se observa, o bumba-meu-boi não é uma manifestação cultural

exclusiva do Maranhão, pois sabe-se de sua prática em várias regiões do Brasil.

Contudo, no Maranhão foi incorporada ao cotidiano do povo, que passou a

internalizar seu culto e exteriorizar em forma de dança, cores e ritmos próprios.

Percebe-se que, inicialmente, a veneração aos bumbas atingiu os setores

mais humildes da sociedade depois aos poucos a prática foi penetrando nas

camadas mais elevadas economicamente em busca de espaços para firmar-se.

Nesse sentido, Corrêa faz o seguinte comentário:

A inserção do Bumba-meu-boi a novos espaços acontecia lentamente, porém de maneira gradativa. E, o que estimulava o Bumba a se deslocar em direção aos espaços urbanos era o entusiasmo dos setores sociais envolvidos. São os “bois” que descem da Maioba para o João Paulo e vem cantar, com a sua policromia e a sua alacridade nos arraias iluminados. Dificilmente se poderá encontrar maior entusiasmo coletivo.19

Observa-se que a postura da sociedade maranhense, a princípio, era de

não permitir que os grupos de bumba-bois adentrassem no centro da cidade, parece

que sendo as manifestações culturais feitas pelas camadas humildes, a “elite”

sentia-se incomodada com a festa que perturbava o “sossego” das pessoas que

estavam “tranqüilas” em suas residências necessitando descansar.

Apesar da rejeição, percebe-se que a festa continuava sendo realizada de

forma intensa e de maneira emocionada, contagiando e conquistando os grupos

sociais elitistas, que pressionados, gradativamente passaram a ceder espaços na

zona urbana, para que os bumba-meu-bois pudessem guarnicer em novos terreiros.

18 AZEVEDO, Neto. Bumba-meu-boi no Maranhão. 2. ed. São Luís: Alumar, 1997. p. 19. 19 CORREA, Helidacy Maria Muniz. O bumba-meu-boi do Maranhão: a construção de uma identidade. Dissertação de Mestrado, Recife: UFPE, 2001. p. 86.

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Parece que aqui se tem uma idéia da forma como os grupos de bumba-

meu-bois foram penetrando no centro da cidade de São Luís, pois até então essa

festa era feita nas zonas periféricas, mas a tenacidade e o desejo do povo de

realizar a festividade de forma veemente acabou conquistando a camada “elitista”

ludovicense.

Nesse contexto da cultura popular maranhense relacionada ao bumba-

meu-boi, o pesquisador Lima apresenta as seguintes argumentações:

Os Africanos possuíam o tambor de vários estilos e trouxeram seus tantãs, adufes e pandeiros, deles fazendo largo uso em suas festas religiosas e profanas, tanto que até deram nome a algumas, como Tambor-de-Mina e Tambor-de-Crioula. O tambor é, pois, inquestionavelmente, muito anterior a tal manifestação folclórica como o bumba-meu-boi. Daí seremos levados a concluir que o Boi-de-Zabumba é o mais antigo e, por conseqüente, o mais autêntico, até porque, nas mais velhas referências, a brincadeira é descrita como divertimento de negros. No Maranhão, ao que se sabe, o Boi-de-Zabumba é oriundo da Baixada, e, se quisermos situa-lo, da cidade de Guimarães.20

O bumba-meu-boi do sotaque de Zabumba, de forte influência africana, é

bastante praticado na Baixada Maranhense e na capital. Ao longo do tempo vários

grupos desse gênero surgiram e muitos desapareceram, em particular o bumba-

meu-boi de zabumba do Monte Castelo.

3.1 GRUPOS, SUBGRUPOS E SOTAQUES

Américo Azevedo Neto21 agrupa os conjuntos de bumba-meu-bois do

Maranhão em grupos africano, indígena e branco, que no seu entender estão

divididos em subgrupos e sotaque, conforme tabela abaixo:

Tabela 01

BUMBA-MEU BOI DO MARANHÃO

Grupos Subgrupo de Zabumba ou da

Sotaque de Leonardo, de Canudo, de Antero, de Laurentino, de Newton,

20 LIMA, Carlos. Artigo publicado no Boletim nº 05, de junho de 1996. CMF. p 3. 21 AZEVEDO, Neto. Bumba-meu-boi no Maranhão. 2. ed São Luís: Alumar. p.32.

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zona de Guimarães (bois de Guimarães).

de Lauro.

Subgrupo da zona de Itapecuru

Sotaques de Coroatá, de Caxias, de Codó, de Itapecuru.

Africano Subgrupo de Cururupu

Subgrupo do Mearim

Sotaque de Pedreiras e de Bacabal

Subgrupo de Penalva

Indígena Subgrupo da Ilha

(Bois da Ilha ou bois de Matraca).

Sotaques de Madres Deus, de Iguaíba, de São José de Ribamar, de Maracanã, de Matinha, de Maioba.

Subgrupo da Baixada (Bois da

Baixada)

Sotaque de Pindaré, de Viana, de São João Batista.

Branco (Subgrupo de

Orquestra)(bois de Orquestra)

Sotaques de Rosário, de Axixá.

Américo esclarece que os últimos dez anos são contados até 1982. É

natural que, ao longo dos quinze anos decorridos, o quadro acima reunido sofreu

numerosas transformações. Grupos surgiram, desapareceram ou adotaram novas

orientações. O quadro, porém, foi mantido, porque sintetiza a representação de

uma época. Oportuno observar que subgrupos diversos podem conviver no mesmo

espaço físico. Na Ilha de São Luís, cujo subgrupo característico é o de matraca,

também existem bois dos subgrupos de zabumba e da baixada. E de orquestra,

como sem São José de Ribamar. A propósito, nesses quinze anos, o subgrupo que

mais cresceu foi o de orquestra.

Na classificação acima o Bumba-meu-boi do Monte Castelo aparece no

Grupo Africano, Subgrupo Zabumba e sotaque de Antero. Américo Azevedo Neto

justifica assim o seu ponto de vista:

Monte Castelo II – (Bois de Antero) Entre os de representatividade, é o mais novo conjunto de São Luís. Boi de Zabumba. No que tange ao guarda-roupa do cordão, permanece fiel ao subgrupo, embora não use perneiras, polainas ou botas. Sua grande inovação é a revolucionária característica que vem dando às representações, onde inclui novas alegorias e uma variedade enorme de personagens. Seu proprietário, Antero, possui indiscutível e talentosa intuição teatral.

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Daí o cuidado, o esmero e a singularidade de suas matanças. É um conjunto eminentemente cênico. Todas os seus preparativos são em função de cenas. Assistir a este boi apresentar-se é assistir ao teatro em sua forma mais espontânea e natural.22

No entendimento do autor, acima mencionado, os grupos significam aquilo

que por convenção foi chamado de inicial, enquanto, os subgrupos representam as

etnias, e os sotaques a forma ou estilo de tocar os instrumentos. Dessa maneira, os

grupos africanos, indígena e branco, com seus respectivos subgrupos, que

obviamente sofrem influências mútuas, porém apresenta uma predominância maior

de uma determinada raça específica: negra, branca ou indígena que são

perfeitamente reconhecidos numa observação preliminar.

Percebe-se que nessa classificação as organizações de bumba-meu-boi

do Maranhão estão divididos em grupos e subgrupos, levando em consideração as

etnias indígenas, negras e brancas, e características especiais como instrumentos,

ritmos, guarda-roupa, auto e baiado. Contudo, a distribuição dessa forma parece

genérica e apenas exemplificativa, pois atualmente um grupo considerado de origem

africana, pode perfeitamente utilizar indumentárias, instrumentos, realizar autos etc.,

característicos de um outro grupo, por exemplo, branco.

Com relação a esse assunto a senhora Terezinha de Jesus Viana e o

senhor Wiliam Vieira de Sousa comentam:

[...] Bumba-meu-boi de Zabumba do Monte Castelo, na época do final da festa da “brincadeira”, utilizava-se de acompanhamento de instrumentos de sopro; a mesma coisa acontece hoje no grupo de Bumba boi de Terezinha Jansen, Fé em Deus.23 “[...] Olha o boi de orquestra no cordão usa muitas fitas de cores variadas e fica bonito que, embora seja em quantidade menor, parece com as fitas utilizadas no boi de zabumba.”24

22 AZEVEDO, Bumba-meu-boi no Maranhão.São Luís, 2ª, Alumar, 1997, p.59.

23 Entrevista realizada com a senhora Terezinha de Jesus Viana, ex-gestora do Boi do Monte Castelo São Luís, no dia 19 de novembro de 2005. 24 Entrevista realizada com o senhor Wiliam Vieira de Sousa, ex-brincante do Boi do Monte Castelo. São Luís, no dia 15 de novembro de 2005.

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Portanto, o uso de instrumentos de sopro, pistões, assim como, as

presenças de duas fitas, por si só não podem caracterizar elemento do grupo

africano ou indígena. Ademais, parece mais sensato, embora haja contestação,

inclusive de Américo Azevedo Neto, classificar os grupos por sotaques de zabumba,

orquestra, matraca, baixada e costa-de-mão, ao invés de subgrupos, pois embora

haja diferenciação entre os bois colocados no mesmo sotaque, por conta da

formação de cada um, os ritmos e as indumentárias são os mesmos ou muito

parecidos. Além disso, tradicionalmente na formação de um grupo de bumba-boi

leva-se em consideração o sotaque ou o ritmo marcante, depois elementos como

indumentárias, instrumentos, autos, etc., são agregados dentro de uma concepção

característica do sotaque.

Sabe-se que os traços culturais brasileiros são híbridos de concepções

provenientes da cultura africana, indígena e européia, resultante de um longo

processo que tem reflexos nas manifestações culturais. Então, classificar o boi de

zabumba como sendo do grupo africano dá a entender que o mesmo não contém

influências indígenas ou brancas. Do mesmo modo é pensar o boi de orquestra,

como sendo característico do branco. Assim, não podemos pensar bumba-meu-boi

como identidade de uma única etnia e sim o somatório de traços marcantes de

povos formadores da população maranhense, e conseqüentemente brasileira desde

os tempos pré-colombianos até os períodos atuais. Por isso, torna-se necessário

refletir a respeito da significação simbólica do cenário que envolve os diversos

grupos de bumba-bois existente no Maranhão, pois a “miscigenação cultural” atenua

a berlinda de um determinado segmento étnico, não obstante, a percepção da

contribuição maximinizada de todos os entes culturais envolvimentos na festa do

bumba-meu-boi.

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3.2 Antero Viana e a cultura popular maranhense

Figura 01 (Antero Viana e familiares)

No livro “Memória de Velhos. Depoimentos uma contribuição à memória

oral da cultura popular maranhense”, volume V, encontramos uma entrevista do

senhor Antero Viana, relatando sua inserção na cultura popular onde dizia:

“Nasci em Rosário, município próximo de São Luís, em um povoado chamado Ypirangi, no dia 03 de janeiro de 1928”[...] [...] “Cheguei em São Luís com quatro meses de idade”[...]“25 [...] Brinquei boi bumba-meu-boi de Zabumba com Nhozinho de dona Júlia, depois passei para o boi no sotaque de Cururupu e “brinquei” com Antônio de Cururupu, depois voltei para o sotaque de Zabumba e participei do grupo de Antônio Guimarães, em seguida no boi de Daniel Martins, de Oséias, de Leonardo e de Lauro[...] [...]”Quando não comparecia, o boi não brincava, porque eu fazia o papel de vaqueiro, zabumbeiro e pai Francisco”.26

No relato, percebe-se que Antero Viana era maranhense da cidade de

Rosário e veio para São Luís muito cedo tendo uma participação ativa em diversos

grupos de bumba-bois, tanto no sotaque de zabumba como de Cururupu.

25MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF,1999, p. 23. 26Ibid.,p.24.

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No grupo do boi de zabumba, o senhor Antero Viana, desempenhava o

papel de vaqueiro, zabumbeiro e pai Francisco, o que mostra sua versatilidade e

inserção no grupo, porque se presume ser difícil para um “brincante”, mesmo sendo

acostumado no mundo da boiada, conseguir exercer diferentes papéis, quer seja

representando no auto do boi, quer seja, no cordão ou na cantoria.

Figura 02 (Antero Viana no Samba)

Além de participar de grupo de bumba-meu-boi, Antero Viana, fazia parte

de escola de samba, chegando a fundar o Grêmio Recreativo Escola de Samba

Império Serrano, conforme o seguinte relato da senhora Terezinha de Jesus Viana:

O Império Serrano foi fundado no dia 05 de outubro de 1957, pelo senhor Antero Viana, juntamente com um grupo de amigos, alguns também participavam do boi. Sendo a sede situada na Avenida Luiz Rocha, nº 2358, Bairro do Monte Castelo” 27

Embora o bumba-meu-boi e o carnaval sejam considerados cultura

popular, no cotidiano os grupos folclóricos e carnavalescos têm concepções

diferentes, mas não excludentes, possibilitando que as pessoas participem nos dois

grupos com disposição e dedicação contribuindo para manutenção das entidades

culturais sem prejuízo da riqueza e beleza do espetáculo.

27 Entrevista realizada com a senhora Terezinha de Jesus Viana, Esposa de Antero Viana. São Luís, no dia 19 de novembro de 2005.

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Percebe-se que naquela época da fundação da Escola de Samba Império

Serrano as pessoas já estavam acostumadas a serem integrantes tanto de grupos

de bumba-meu-boi como de entidades carnavalesca, pois os períodos das

apresentações não eram similares porque freqüentemente a temporada do rei momo

acontece no mês de fevereiro ou março e as festividades em louvor a São João, no

mês de junho. No entanto, a predisposição das pessoas era muito grande em querer

participar de duas festas populares, que requer dedicação nos ensaios, treinos,

harmonia entre alas etc., mas ao que parece os homens e mulheres possuíam

vocações para as festividades e queriam estar envolvidas direta ou indiretamente na

feitura do enredo do samba e no auto do bumba-meu-boi.

4. BUMBA-MEU-BOI DO MONTE CASTELO

Figura 03 (Boi do Monte Castelo e Antero Viana)

A respeito da fundação do Bumba-meu-boi do Monte Castelo, temos o

seguinte comentário da senhora Terezinha de Jesus Viana:

O boi do Monte Castelo sotaque de zabumba foi fundado na Avenida Luiz, Rocha, nº 2358, antiga Estrada da Vitória, pelo senhor Antero Viana, no ano de 1975. Entretanto, acometido de uma enfermidade, em 1993, ele deixou de participar diretamente das atividades do grupo; porém, continuou interagindo com as pessoas que ficaram à frente da “brincadeira” até que,

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no ano de 1998, o grupo encerrou as atividades e no ano seguinte, Antero Viana morreu28

O boi do Monte Castelo teve uma trajetória de aproximadamente vinte e

três anos, sendo fundado, em 1975, por Antero Viana, que era um homem

acostumado a participar de grupos de bumba-meu-bois no sotaque de zabumba e a

conviver com pessoas envolvidas no mundo da cultura popular. Contudo, com a falta

de saúde Antero deixou de participar ativamente do grupo, muito embora ainda

influenciava de alguma maneira no processo administrativo da agremiação folclórica

do bairro do Monte Castelo.

No período de 1993 a 1998, o boi do Monte Castelo foi gerenciado por

pessoas integrantes do grupo, sem a participação direta do senhor Antero Viana,

que estava enfermo. Assim, o grupo continuou sua trajetória na cultura popular

maranhense mantendo a tradição de fazer as apresentações proporcionando

espetáculo ao povo maranhense nos arraiais da cidade.

A respeito da fundação do Boi do Monte Castelo, a senhora Maria Lúcia

Viana, filha de Antero Viana faz o seguinte comentário:

Em 1975, papai fundou seu próprio grupo, porque houve um desentendimento entre Lauro e ele. Então minha tia Joana, que atualmente mora em Brasília, incentivou papai a fundar seu próprio grupo, porque ele, como participante dessa brincadeira, era muito dedicado ao grupo, tornando-se um escravo.29

Observa-se no depoimento da senhora Maria Lúcia Viana que, Antero

Viana participava ativamente do grupo da Ivar Saldanha, de propriedade do senhor

Lauro, e lá teve uma participação atuante até que se desentendeu no grupo e

passou a cogitar a possibilidade de fundar seu próprio grupo, que ocorreu em 1975.

28 Entrevista realizada com a senhora Terezinha de Jesus Viana, esposa de Antero Viana. São Luís, no dia 19 de novembro de 2005. 29 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.25.

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Na questão da fundação do Boi do Monte Castelo devemos considerar

que além da possibilidade de Antero Viana ter de apresentar a sua proposta de

trabalho dentro de um grupo sob sua direção, a situação da querela entre ele e o

senhor Lauro que pode ter sido motivada por questões de visibilidade no grupo, ou

seja, disputa pelo poder, projeção formal, dentro e fora da entidade folclórica.

Percebe-se que no cotidiano, o surgimento de um novo grupo de boi,

geralmente, está associado a disputas internas que divide o grupo. A respeito desse

assunto o senhor Alauriano Campos de Almeida, conhecido como Lauro, faz

seguinte comentário:

Em 1955, Leonardo era zabumbeiro de Medônio. Em 1956, brigou com ele e fez seu próprio Boi no Matadouro. Em 1957, quando eu havia chegado do Rio de Janeiro, ele foi à minha casa me propor sociedade, mas não aceitei, pois já tinha dado o sim a Aurinéia, mãe de Sarapião.[...] O boi de Antero, de D. Zeca, também nasceu dessa minha brincadeira. Antero brincou comigo de 1970 a 1973. Em 1974, fez o Boi dele.Todos esses donos de Boi de zabumba brincavam comigo, mas, por algum aborrecimento ou qualquer divergência na brincadeira, saíram e, assim nascia a brincadeira deles30

Como se observa o senhor Leonardo Martins fazia parte do grupo do

senhor Medônio, porém teve uma desavença e fundou seu grupo, inclusive

convidando o senhor Lauro para participar dessa nova turma, porém a solicitação foi

rechaçada em virtude de outro compromisso assumido anteriormente. Podemos

pensar que o Boi de Medônio ficou dividido, pois alguns “brincantes” tiveram que

optar entre o boi dele e o de Leonardo, enfraquecendo o Bumba-meu-boi de

Medônio.

Verificamos que Antero Viana e Dona Zeca participaram do grupo de

Lauro. O primeiro fundou o Boi do Monte Castelo e a segunda o Boi do Bairro de

30 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.77.

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Fátima. Mais uma vez podemos constatar que uma das causas da separação foi

divergência entre os participantes do grupo.

Enfim, o surgimento dos grupos de Leonardo, da Liberdade, de Antero

Viana do Monte Castelo e Dona Zeca, do Bairro de Fátima tem ligação com

aborrecimentos e desentendimentos entre pessoas de notoriedade dentro do grupo,

porém não podemos descartar a possibilidade de haver interesses externos na

fomentação de novos grupos, pois ao que parece, o cerne da querela não foi só

motivada por razões sentimentais, mas também pela perspectiva de ascensão no

grupo recém-criado.

Assim, o senhor Lauro, de padrinho do Boi de Medônio passou a ser dono,

conforme ele mesmo relata abaixo:

De 1950 a 1955, o finado Medônio fez esse Boi que hoje é meu. Em 1955 brigou com a esposa, a finada Aurinéia; foi embora e o Boi ficou. Quando Aurinéia soube que eu tinha chegado, foi até minha casa falar comigo para que passasse ajudá-la. Nesse tempo, eu já estava muito enfronhado no Boi, quase dono, de modo que, em 1957, essa brincadeira foi feita por mim que era o seu padrinho.31

Observamos que nesse relato também ocorreu um desentendimento no

grupo como nos demais casos relatados, porém não ocorreu uma divisão interna

apenas uma mudança de gestor permanecendo, teoricamente, os demais

“brincantes“ do boi. Ressalta-se nesse episódio que não houve ressentimento entre

Medônio e Lauro, o que deve ter facilitado a aceitação do novo dirigente, que tinha

uma certa aproximação com o grupo.

A respeito da gênese do Bumba-meu-boi do Monte Castelo, Antero Viana

afirma que:

Quando iniciei meu próprio grupo, procurei um cabeceira, o que é o mais difícil. Convidei Antônio Fausto, que trabalhava no LIPATER. Brincou neste grupo até 1996. Hoje se encontra em um grupo de Zabumba, na vila Lobão, no bairro do Tirirical. Convidei também vários amigos, mas não convidei

31

MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.75.

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nenhum brincante do grupo do finado Lauro. No primeiro ano do meu boi, foram 25 brincantes. Depois ele cresceu e foi melhor boi de zabumba do Maranhão.32

No início da formação do Boi do Monte Castelo nota-se que havia uma

certa dificuldade em encontrar amo ou cabeceira para comandar a “brincadeira” e,

geralmente, no sotaque de zabumba essa função é desempenhada por mais de uma

pessoa. Além disso, a preocupação de Antero em não convidar para seu grupo

recém formado pessoas do seu ex-grupo não é muito comum, pois como ele saiu

ressentido com o senhor Lauro poderia perfeitamente cogitar a possibilidade de

trazer os seus ex-companheiros na tentativa de aumentar o seu grupo e enfraquecer

a turma da Ivar Saldanha, pois havia uma eminência da diminuição do número de

“brincantes” que teoricamente prejudicaria as apresentações do grupo.

Antônio Fausto, convidado por Antero Viana para ser cabeceira o amo do

Boi do Monte Castelo, em 1996, deixou o grupo e foi fazer parte de um outro na Vila

Lobão atitude está anteriormente tomada por Antero Viana, Leonardo, Dona Zeca,

etc., indicando que era uma constante os “brincantes” dos grupos de bumba-bois

mudarem de grupo sempre que havia divergência interna ou possibilidade de uma

ascensão em uma outra agremiação folclórica.

Ainda a respeito das providências organizacionais a serem tomadas no

recém formado grupo de Bumba-meu boi do Monte Castelo, a senhora Maria Lúcia

Viana e Antero Viana, relatam que [...] “para que o boi brincasse houve divisão de

tarefas entre familiares e outras ajudas, porque ninguém vive sem política”[...] [...] “O

32 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.25.

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governo não é obrigado a ajudar ninguém. Antes todos faziam a brincadeira com

seus próprios recursos.”33

Percebe-se que na gênese de uma organização de um grupo de boi,

geralmente depara-se com muitas dificuldades; no caso do Boi do Monte Castelo,

para tentar amenizar os obstáculos as tarefas foram divididas entre familiares, e

embora os órgãos governamentais não tivessem ajudado houve auxílio de amigos e

“de outros”, deixando transparecer que políticos contribuíram na formação da

entidade folclórica.

A participação de políticos em grupos da cultura popular não parece ruim,

desde que venham somar, contribuir de alguma forma para o crescimento da

entidade e não tirar proveito próprio com ações clientelista do “tipo toma lá dá cá”

com intenções puramente eleitoreiras.

Com relação ao governo, que não ajudava os grupos recém formados,

demonstra uma postura receosa de investir recursos públicos numa organização que

não estava solidificada, podendo haver desperdício de verbas. Além disso, o Estado

não deve distribuir auxílio financeiro público a nenhuma entidade sem um critério

sério, pautado em princípios éticos e transparentes.

Percebe-se que faltou uma política cultural por parte do Poder Público

voltado para incentivar as entidades a desenvolverem suas atividades culturais,

artísticas, sociais e recreativas de forma autônoma, pois o papel dos governantes

não é apenas destinar verbas no orçamento visando ajudar grupos culturais e sim

tratar todos como parceiros que se ajudam mutuamente.

33 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.26.

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Nessa perspectiva, podemos pensar uma política cultural que perceba o

pluralismo e as diversidades culturais dos grupos, que possibilite uma infra-estrutura

necessária para funcionar as entidades culturais, mormente as menos aquinhoadas,

que precisam de ajuda, estabelecer parcerias com sindicados, igrejas, associações

da sociedade civil, da iniciativa privada, no sentido de construir um liame salutar

entre os gestores públicos e privados.

Enfim, estimular a realização de oficinas culturais envolvendo a

participação da população, pois através da cultura pode-se instigar no indivíduo o

espírito de cidadania coletiva e uma consciência crítica que possibilite a preservação

dos valores culturais de um povo, para que o conhecimento possa ser socializado

entre gerações.

Com relação ao Bumba-meu-boi do Monte Castelo, Américo Azevedo

Neto tem a concepção que o grupo está associado à tendência africana, subgrupo

zabumba e sotaque de Antero, justificando dessa forma o seu ponto de vista:

O boi do Monte Castelo entre os de representatividade, é o mais novo conjunto de São Luís. Boi de Zabumba. No que tange ao guarda-roupa do cordão, permanece fiel ao subgrupo, embora não use perneiras, polainas ou botas. Sua grande inovação é a revolucionária característica que vem dando às representações, onde inclui novas alegorias e uma variedade enorme de personagens. Seu proprietário, Antero, possui indiscutível e talentosa intuição teatral. Daí o cuidado, o esmero e a singularidade de suas matanças. É um conjunto eminentemente cênico. Todas os seus preparativos são em função de cenas. Assistir a este boi apresentar-se é assistir ao teatro em sua forma mais espontânea e natural.34

Percebe-se no cotidiano que os Bois de zabumba, dependendo do grupo,

normalmente utilizam no guarda-roupa polainas, chapéus no formato de cogumelo

cheio de fitas cumpridas, ou chapéus adornados sem fitas, além de golas, gangas;

34 AZEVEDO, Bumba-meu-boi no Maranhão.São Luís, 2ª, Alumar, 1997, p.59.

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tudo inteiramente bordado com canutilho e miçanga, proporcionando um visual cheio

de cores e brilho.

Quanto ao boi, verifica-se que tem o tamanho pequeno e no seu interior

fica o “brincante” denominado de miolo, a quem cabe a tarefa de fazer o boi

“brincar”, dançar ou rolar através de um ritmo seqüenciado das zabumbas

acompanhadas pelos sons vibrantes dos pandeirinhos e maracás. Também tem as

índias ou tapuias que dançam utilizando principalmente os braços e as pernas,

assim como, os vaqueiros que seguram as varas enfeitadas e dançam com o boi.

No caso do Boi do Monte Castelo, Américo Azevedo Neto destaca a

maneira como era feita a representação, ou seja, o auto do boi, pois a festa

freqüentemente relaciona-se com a matança. Todavia, deixa transparecer que o

grupo embora fosse probo no que tange ao guarda-roupa do cordão, não tinha o

mesmo esmero com algumas indumentárias tradicionais, assim como não faz

nenhuma referência ao batuque.

Ressalta-se que, na época da observação de Américo Azevedo Neto, o

grupo do Monte Castelo era o mais recente entre os de representatividade no

sotaque de zabumba. Contudo, parece que a visibilidade do boi estava relacionada

com a forma acurada que era desenvolvido ao auto.

Normalmente os grupos de bois de zabumba, além da preocupação com o

auto, têm a tendência de tentar superar o outro no batuque e mostrar roupas

tradicionais, pois essas questões dão visibilidade perante o “contrário” ou

“adversário”, e eleva socialmente a turma. Portanto, parece estranho que o boi do

Monte Castelo não tivesse esmero com essas questões apontadas por Américo

Azevedo Neto, principalmente porque seu fundador Antero Viana era acostumado no

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traquejo da “brincadeira” de bumba-meu-boi, e certamente teria condições de corrigir

essas eventuais falhas, caso contrário, estaria propenso à crítica dos co-irmãos.

Com relação à questão fonográfica o grupo do Boi do Monte Castelo, em

1976, gravou o LP(disco vinil) através da gravadora discos Marcus Pereira35,

chamado Música Popular do Norte, Volume 2. No encarte do LP, o produtor cultural

Marcus Pereira comenta que o lançamento desta obra musical completa o “Mapa

Musical do Brasil”, que se compõe ainda das coleções “Música Popular do

Nordeste”, “Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste” e “Música Popular do Sul”.

Figura 04 (Brincantes do bumba-meu-boi do Monte Castelo)

Observa-se que na época da gravação do disco Música Popular do Norte,

que foi feito em 1976, Grupo de Bumba-meu-boi de zabumba do Monte Castelo

tinha apenas um ano de fundação, já que o mesmo foi criado em 1975, porém foi

escolhido para participar do projeto cultural fonográfico de âmbito nacional, inclusive

no encarte do disco constam brincantes do bumba-meu-boi de zabumba do Monte

Castelo com as indumentárias tradicionais, chapéus de fita longos, coloridos;

peitorais e cangas bordados, e até uma criança com uma roupa de tapuia o que

demonstra a preocupação em inserir menores no grupo possibilitando a perspectiva

35 PEREIRA, Marcus. Produziu o LP Música Popular do Norte, v.2, com a participação do Boi do Monte Castelo. Fabricado e distribuído no Brasil pela SOM INDÚSTRIA E COMÉRCIO, registro nº MPA 9353, São Bernardo do Campo, 1976.

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do trabalho não sofrer solução de continuidade, pois as meninas e meninos

“brincantes” tenros poderiam continuar no futuro, inclusive substituindo os de idade

mais avançada.

Paulo Eduardo Neves comenta em um artigo36, que a gravadora Discos

Marcus Pereira foi o mais importante projeto fonográfico nacional, pois ela foi a

primeira no país a adotar uma política de produção alternativa, fora da indústria

cultural, de grandes grupos fonográficos e do mecenato estatal.

Esse projeto de produção fonográfica alternativa e independente abordava

manifestações culturais populares de todas as regiões do Brasil possibilitando que

as pessoas tivessem contato com as diversidades e variedades de expressões

musicais existentes no país, apresentadas em forma de canções e agrupadas em

discos organizados pela gravadora Marcus Pereira.

Também a Rádio Universidade FM, 107,9 Mhz, que é uma emissora de

caráter educativo-cultural ligada à Fundação Sousândrade, concebeu o Projeto

BATUQUE37 com o objetivo de registrar aspectos da cultura maranhense, pouco

divulgados, utilizando os grupos naturais das manifestações populares.

Figura 05 (Capa do LP – brincantes do bumba-meu-boi do Monte Castelo)

36 Disponível em: http://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/2519. Acesso em: 08/10/2006. 37 Da Fundação Sousândrade e Rádio Universidade com apoio da UFMA. São Luís.

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Em 1993, num esforço conjunto da Fundação Sousândrade/Rádio

Universidade e Universidade Federal do Maranhão-UFMA e com apoio da ALUMAR

foi produzido o primeiro disco( LP ou vinil) registrando o toque secular das caixas do

Divino Espírito Santo da Casa das Minas, que tinha como responsável pela festa

dona Celeste Santos; a força dos pandeirões e os sons das matracas do bumba-

meu-boi de Gago, no sotaque de Pindaré; a africanidade da batida vibrante do

bumba-meu-boi de Antero Viana, no sotaque de zabumba do bairro do Monte

Castelo a alegria do tambor de crioula “Amor de São Benedito”, dirigido por

Terezinha Jansen.

No lado B do disco Batuque consta três toadas do Bumba-meu-boi do

Monte Castelo, chamadas Lá Vai Monte Castelo Pesado, Linda Morena e Jovem

Criança, cantadas pelo amo Antônio Fausto. Também participaram da gravação os

“brincantes” Mariano Clarindo Teixeira, Antônio José Ferreira da Costa e Antero

Viana, nas zabumbas; Ciríaco Seguins, Antero Viana, César Roberto da Purificação

Viana, nos pandeirinhos; Maria Antônia Soares Seguins, no tambor-onça; Terezinha

de Jesus Algarve e Antônio Fausto da Silva, nos maracás.38

A filosofia do Projeto Batuque, idealizado pela Rádio Universitária, foi

proporcionar que grupos tradicionais da cultura popular maranhense pudessem

divulgar seus trabalhos, pois parece que sem parceria dificilmente o Grupo do Monte

Castelo conseguiria gravar um disco.

Com a relação à divulgação das atividades do boi do Monte Castelo, o

amo do grupo, senhor Antônio Fausto, afirmou o seguinte:

Cantei aproximadamente 12 anos no Boi do Monte Castelo e na década de 90 ganhei o primeiro lugar no festival de toadas promovidas pelo jornalista

38 Capa do LP Batuque. Disco gravado pela Fundação Sousândrade e Rádio Universidade com apoio da UFMA. Contém a gravação de três toadas do Bumba-meu-boi do Monte Castelo, São Luís, 1993.

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José Raimundo Rodrigues, cantando o Urro do Boi, pelo grupo de Antero Viana”. (Antônio Fausto Silva, cantador do boi do Monte Castelo).39

Pela afirmação percebe-se que o Jornalista Jose Raimundo Rodrigues

promoveu um Festival de Toadas, em que os cantadores ou amos de diversos

grupos apresentavam suas toadas e no final era escolhida a música vencedora. O

senhor Antonio Fausto, “brincante” do boi do Monte Castelo, obteve o primeiro lugar.

Não obstante os critérios para determinar o vencedor de um concurso de

toada, o grupo que ganha parece alcançar visibilidade, status perante os demais e

tem a possibilidade de adquirir prestígio junto ao promotor do evento e alcançar uma

posição privilegiada na sociedade.

O boi do Monte Castelo vinha participando ativamente das festividades

juninas maranhenses. No entanto, em 1998, o grupo teve dificuldades para continuar

interagindo na cultura popular ludovicense. A respeito desse assunto destacam-se

abaixo os comentários das senhoras Terezinha de Jesus Viana e Ana Rita Cardoso:

Antero Viana adoeceu em 1993, a doença limitou seus movimentos. Isso aconteceu justamente na época do encerramento das atividades do grupo daquele ano. Então, eu fiquei tomando conta da brincadeira até 1998, porém as dificuldades e despesas foram avolumando-se, principalmente com transporte de brincantes do interior para São Luís, alimentação, faltou união e dedicação de todos os familiares. Por essas razões e outras não deu mais para continuar com a “brincadeira”. Contudo, se Antero fosse vivo e com saúde a “brincadeira” ainda estava em atividade.40 Eu nunca “brinquei” no grupo, porém sempre ajudei turma e pertencia ao grupo de torcedoras. A boiada terminou devido o grupo ser muito fechado em torno da família, faltou liderança e união dos próprios familiares para a “brincadeira” continuar. 41

Pelos depoimentos apresentados Antero Viana foi acometido de uma

enfermidade séria em 1993, que limitou sua locomoção, porém a “brincadeira”

39

Entrevista realizada com o senhor Antônio Fausto, cantador do Boi do Monte Castelo. São Luís, no dia 26 de novembro de 2005. 40 Entrevista realizada com a senhora Terezinha de Jesus Viana, esposa de Antero Viana. São Luís, no dia 19 de novembro de 2005. 41 Entrevista realizada com a senhora Ana Rita Cardoso, integrante do Boi do Monte Castelo. São Luís, no dia 18 de novembro de 2005.

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continuou com muitas dificuldades até 1998. Portanto, durante 6 anos foi possível

colocar o Boi para apresentar-se na temporada junina.

Percebe-se que mesmo o grupo já sendo conhecido, dispondo de

instrumentos, indumentárias, um certo número de pessoas não foi possível continuar

com a “brincadeira” ao que parece o grupo era muito concentrado na figura de

Antero Viana, que tudo indica não descentralizava o poder dificultando o surgimento

de novas lideranças que pudessem dar continuidade ao trabalho. Além disso, faltou

união entre os familiares no sentido de querer e lutar para o grupo continuar

ativo.Também a falta de patrocínio e as altas despesas para a manutenção do grupo

contribuíram para a parada da entidade folclórica.

A respeito do assunto mais alguns depoimentos: O boi do Monte Castelo parou de fazer apresentações em virtude da minha mãe não ter condições de bordar o couro, representar o grupo nas reuniões da Federação de Bumba-meu-boi de Zabumba e órgãos públicos, procurar e organizar “brincantes” consegui brincadas. Isso tudo não é tarefa fácil. Além disso, faltou apoio de pessoas comprometidas em ajudar.42 “Brinquei no boi do Monte Castelo desde criança e grupo parou porque faltou força dos diretores do boi para manter a tradição igual Antero” 43

No comentário inicial da senhora Mary Lucy percebe-se que a senhora

Terezinha Viana, que ficou à frente do grupo, estava exercendo diversas atribuições

sem condições de realizar todas as tarefas a contendo e que tudo indica não dividiu

os encargos ou faltaram pessoas comprometidas em ajudar.

Quando o senhor Antônio José Ferreira da Costa diz que faltou força dos

diretores para manter a tradição igual a Antero Viana, parece uma colocação

saudosista, porque na forma que o grupo vinha trabalhando mesmo com a presença

42 Entrevista realizada com a senhora Mary Lucy Viana, filha de Antero Viana. São Luís, no dia 20 de novembro de 2005. 43 Entrevista realizada com o senhor Antonio Ferreira da Costa, ex-brincante do Boi do Monte Castelo São Luís, no dia 26 de novembro de 2005.

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de Antero Viana saudável dificilmente a agremiação folclórica teria condições de

continuar.

Por outro lado, a senhora Terezinha Jansen, gestora do Boi de Zabumba

da Fé em Deus, na entrevista publicada no jornal O IMPARCIAL faz comentários a

respeito de “brincantes” do seu grupo: “São mais de cem integrantes, vindos de

todos os municípios do interior do Estado para brincar no boi que não tem período

para começar”44

Observa-se que cem “brincantes” do Boi da Fé em Deus são provenientes

de diversos lugares do interior do Estado, além dos que residem na capital.

Geralmente as despesas com transporte, alimentação, hospedagem etc., ficam por

conta do dono do boi, que muitas vezes ainda precisa dar uma ajuda financeira para

os componentes, pois as pessoas que fazem parte da “brincadeira” deixam suas

famílias, trabalho, e quando retornam para os lugares de origem levam dinheiro para

ajudar nas despesas domésticas. Portanto, para o grupo ter visibilidade na

sociedade necessita de investimento e as despesas não parecem ser poucas.

Entretanto, no que tange a preocupação com o futuro do Boi da Vila

Passo, o senhor Canuto Santos, tem a seguinte reflexão:

Na minha ausência, não sei quem vai assumir. Ninguém vai querer, porque não dão conta do recado. Existem vários descendentes de Misico, mas eles não querem assumir. Se quisessem, teriam feito desde o início. Não quiseram. Estavam com tudo nas mãos. Acho até que, quando eu parar, brincadeira pára.45

Percebe-se nesse depoimento do senhor Canuto dos Santos a

preocupação de o seu grupo encerrar as atividades quando ele não tiver mais

condições de estar à frente da “brincadeira”, pois no seu entender ninguém vai

querer assumir essa responsabilidade. O boi de zabumba da Vila Passos está em

44 Madrinha abençoada. Jornal O IMPARCIAL. São Luís, 20 jun.1996. 45 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.70.

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plena atividade, portanto, nesse momento é prematuro afirmar que não haverá

pessoas dispostas em condições de gerenciar o grupo. Parece prudente nessa fase

formar liderança, descentralizar o poder, fazer parceria com órgãos governamentais,

empresários e com a comunidade, para que no futuro o grupo não sofra solução de

continuidade.

E, ainda, segundo a senhora Maria da Paz:

Quando um “brincante” do boi de Zabumba morre deixa muitas saudades, pois todos se conhecem e sentem, e ainda é difícil encontrar um substituto abnegado. Quando um grupo de Bumba-meu-boi, principalmente o de Zabumba pára as atividades é pior ainda, porque é muito difícil encontrar pessoas dispostas em organizar um Boi de Zabumba. No entanto, todo ano surgem Bois de Orquestra e Matraca, porque encontram facilidades e quem ajude.46

Como o boi no sotaque de zabumba geralmente é formado por um número

pequeno de pessoas a tendência é todos se conhecerem e terem um

relacionamento próximo, principalmente quando a convivência vem acontecendo ao

longo do tempo. Nesse sentido é possível deduzir que a ausência de um “brincante”

faz falta, por conseguinte encontrar um substituto pode levar tempo até que o

mesmo esteja em condições parecidas com os demais.

Por outro lado, os grupos de bumba-meu-boi do Maranhão sofreram e

ainda sofrem processo de preconceito e discriminação, porém, hoje esse processo

preconceituoso e discriminatório está bem amenizado; tanto é que no dia 29 de

junho grupos de bumba-bois reúnem-se na capela de São Pedro, no bairro da Madre

Deus, com apoio dos órgãos governamentais e participação de pessoas da “elite”,

onde acontece uma grande festa.

O mesmo ocorre no dia 30 de junho no bairro do João Paulo quando os

grupos de boiada no sotaque de matraca desfilam misturando ricos, arremediados e

46 Entrevista realizada com a senhora Maria da Paz, gestora do Boi da Ivar Saldanha. São Luís, no dia 30 de novembro de 2005.

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pobres no mesmo espaço físico. Nessa festa todos dançam, cantam e tocam seus

instrumentos dando a impressão que já vão longe os tempos de discriminação e

preconceito.

Também no bairro do Monte Castelo, geralmente no primeiro sábado do

mês de julho, acontece o encontro dos bois de zabumba. É mais uma festa para

todos. Entretanto, o senhor Antonio Fausto tem a seguinte opinião:

Melhorou muito, porém ainda hoje o Bumba-meu-boi de Zabumba sofre discriminação, pois os cachês são menores, as brincadas são poucas em relação aos demais grupos; os empresários embora procurados, sempre recusam-se a ajudar na produção fonográfica, em contribuir com patrocínio.47

E, ainda, outras opiniões acerca do assunto:

O boi de zabumba continua sendo discriminado e sobrevive graças à força de vontade dos componentes que não querem deixar a tradição morrer. O grupo da Ivar Saldanha é um dos mais antigos, inclusive do grupo fizeram parte Leonardo Martins, Antero Viana, Dona Zeca, Antonio Fausto e outros; porém, na temporada junina, é o que menos recebe ajuda oficial, embora as despesas com transportes, alimentações, indumentárias etc. sejam muitas. Além disso, é difícil conseguir conversar com os governantes tanto municipal como estadual, mas aqueles que têm livre acesso conseguem tudo.48 “Há três anos que luto para fazer um disco, ninguém dar valor. No entanto, foram chamados ao programa de José Raimundo: Chiador e Humberto de Maracanã para tratarem dos discos para o ano que vem. O meu, peço a um, peço a outro... Deus queira que saia neste ano[...]49

Pelos depoimentos apresentados acima, com relação aos bois de

zabumba a discriminação continua, porém de forma diferenciada. Agora o

argumento não é mais no sentido que os grupos folclóricos perturbam ou atentam

contra a moral, mas sim com cachês mais baixos, os empresários não ajudam na

47 Entrevista realizada com o senhor Antonio Fausto, gestor do Boi Unido Venceremos. São Luís, no dia 26 de novembro de 2005. 48

Entrevista realizada com a senhora Maria da Paz, gestora do Boi da Ivar Saldanha. São Luís, no dia 30 de novembro de 2005. 49 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.79.

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produção de CD, o acesso às autoridades governamentais é dificultada, a imprensa

pouco divulga os trabalhos dos grupos dos bois de zabumba etc.

No programa diário sobre cultura chamado Show da Capital da

apresentadora Helena Leite, na emissora Rádio Capital, no horário vespertino,

dificilmente são tocadas toadas de Bumba-meu-boi no sotaque de Zabumba, e

quando toca são pequenos trechos ou apenas como música de fundo. Enquanto

isso, as produções fonográficas dos outros sotaques são bastante divulgadas,

principalmente os de Matraca e Orquestra.

O jornalista José Raimundo Rodrigues tem um programa diário na TV

Difusora, chamado Maranhão TV, no horário das 12:50 às 13:30, que aborda

assuntos variados, inclusive uma parte é dedicada às manifestações culturais do

Maranhão, porém quase nada é divulgado a respeito do Bumba-meu-boi sotaque de

Zabumba, e não é por falta de material, pois os grupos a Fé em Deus, Liberdade,

Monte Castelo, São Cristóvão, Bairro de Fátima, Ivar Saldanha atualmente têm

produções fonográficas gravadas.

Observa-se que o processo de aceitação das “brincadeiras” de Bumba-

meu-boi e dos “brincantes” pelas “elites” e órgãos governamentais, principalmente

no que tange aos grupos de zabumba, já melhorou muito; contudo, precisa haver

mais sensibilidade por parte dos governantes, da sociedade e dos meios de

comunicação, para diminuir as desigualdades.

4.1 TRADIÇÃO E MODERNIDADE NO BUMBA-MEU-BOI

Sabe-se que no cotidiano dos “brincantes” de bumba-meu-boi ocorrem

transmissões de valores, geralmente de forma oral, que são guardados na memória

e passados de geração; para geração que, ao longo da história tende a solidificar-

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se. Contudo, esses valores podem no tempo vivido sofrer modificações pontuais ou

estruturais. Nesse sentido, Éster Marques, comenta:

[...] Primeiro é possível perceber que os conceitos de tradição e modernidade servem como referências históricas e simbólicas, distintas e variadas, dependendo do aqui e agora de cada grupo. Assim, enquanto a tradição funciona como uma fonte de memória, um arquivo de referências sagrados de Bumba-meu-boi no cotidiano que faz com que cada participante se reconheça parte de um universo simbólico singular e mítico, a modernidade define as significações estéticas, a produção criativa profana, a identificação catártica com o povo, numa eterna substituição do valor de culto pelo valor de exposição e visibilidade.50

O bumba-meu-boi, que no cotidiano tem visibilidade de tradicional, assim

reconhecido pelos seus integrantes que trazem referências simbólicas sedimentadas

em concepções referenciais parece que nessas condições o moderno não encontra

ambiente fácil para promover uma constante modificação de valores. Embora os

grupos sociais não estejam imunes a modernidade.

Podemos pensar a modernidade como questionadora de práticas

internalizadas no convívio grupal e conservadas ao longo do tempo na forma

costumeira. Portanto, o moderno busca a novidade semeando no cotidiano a troca

do culto pelo profano, para atrair adeptos dispostos a aparecerem nas vitrines dos

costumes atualizados. Todavia, percebemos que nem todos os grupos estão

dispostos a embarcar nessa moda de forma rápida, pois cada um tem o seu

momento, embora os conjuntos que não são considerados tradicionais, ou seja, os

parafolclóricos observem as modificações de forma mais rápida.

Nesse sentido, Carlos Lima argumenta em seu artigo que [...] “Na verdade,

tais grupos não têm qualquer responsabilidade com essa história, com o fato

folclórico, manifestação secular que se denomina “Bumba-meu-boi do Maranhão”51.

50

MARQUS, Éster. Artigo publicado no Boletim nº 17, CMF, mês de agosto. 2000. p.10. 51 LIMA. Carlos. Artigo publicado no Boletim nº 20, CMF, mês de agosto de 2001.

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Partidário das tradições maranhenses, o autor do artigo citado visualiza os

grupos parafolclóricos como descompromissados com história do bumba-meu-boi,

mormente as questões relacionadas com o auto e o sentido sociológico que os

Bumbas representam. Entretanto, parece que a proposta das companhias

parafolclóricas é apresentar o boi de forma diferenciada que, embora inspirados nos

grupos tradicionais, tendem a seguir uma linha de inovações recentes.

Os grupos de bumba-meu-boi, principalmente no sotaque de zabumba,

geralmente são integrados por pessoas humildes do povo que tentam manter a

tradição. Porém, o viés do modismo que corteja a cultura popular influencia o

comportamento dos brincantes que passam a absorver as tendências vigentes

oriundas das ações modernizantes aceitas no seio da sociedade, que pressionam a

“brincadeira” do bumba-meu-boi a mudar a feitura das apresentações, assim, a festa

espontânea tende a sofrer adaptações.

Nesse sentido, Michol, faz a seguinte observação:

[...] Brincar boi, por devoção, por gosto, por prazer, para homenagear o Santo e honrar o costume. Dançar o boi, por força de um compromisso oficial, um contrato, do qual decorre dinheiro, prestígio e que gera a obrigação de se apresentar bonito e se portar bem. Essas duas facetas marcam a atual existência de bumba, estando presentes na sua maneira de ser hoje. Não se pode dizer a priori que a primeira versão corporifica a tradição e a segunda a modernidade. Na verdade, o boi doméstico e o boi espetáculo caminham lado a lado. Eles coexistem. Podem até haver momentos em que uma feição predomina sobre a outra, como uma resposta ao contexto de circunstâncias que agem sobre o bumba, diante das quais ele também reage.52

O bumba-meu-boi é uma manifestação espontânea do povo que

geralmente é feita por questão de gosto e satisfação pessoal. Contudo, quando as

apresentações são dirigidas à “elite” dominante nota-se que os “brincantes” são

estimulados a fazer tudo certo, sem erros, caprichar nas toadas, para agradar ao

contratante. Nesse sentido, a festa acontece muito em função dos critérios exigidos

52 CARVALHO, Maria Michol Pinho de. Matracas que desafiam o tempo: é o Bumba-boi do Maranhão: um estudo da tradição modernidade na cultura popular. São Luís: EDUFMA, 1995. p. 193.

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pela clientela, excluindo-se muito da espontaneidade festiva que envolve os

“brincantes”, porém é possível aparecer o improviso, uma crítica satirizada que pode

mostrar a livre vontade, o impulso natural e o modo próprio do “brincante”. Assim, a

espontaneidade floresce e o boi guarnece.

No que concerne a descaracterização do boi, AZEVEDO afirma que:

O Bumba-meu-boi maranhense está se descaracterizando a um tal ponto que a sua própria classificação como dança dramática, num futuro não muito distante, talvez não seja mais possível. A tendência é a de que o Bumba deixe de ser feito assim e assim classificado para tornar-se, simplesmente, um folguedo. Um folguedo onde suas figuras sejam inconseqüentes como as de um Cordão-de-Urso ou como as de Cordão-de-Bichos de Tautí; onde a intenção de divertir-se sucumba ante a objetividade de apresentar-se; onde, ao invés de enredo/crônico de seu alienado, com intenções meramente estéticas; onde sua característica alegórica perca a capacidade analítica e finalmente, onde o seu poder de criticar desapareça em meio aos favores recebidos e compromissos assumidos.53

Sabe-se que o bumba-boi vem sofrendo um processo de

descaracterização ao longo dos anos. Contudo, seria muito difícil que o bumba-meu-

boi mantivesse suas características originais imutáveis, embora as pessoas mais

antigas que militam nos grupos folclóricos tradicionais tendem a amenizar os efeitos

dessa mudança.

Porém, afirmar que a descaracterização pode levar a transformar do

bumba-boi em um grande folguedo descompromissado e alienado parece

precipitado, pois o “brincante” de bumba-meu-boi que é atuante participa dos

ensaios, canta as toadas, vai às apresentações, o faz por questão de gosto. Isto

está impregnado nos seus valores individuais, que podem sofrer algumas alterações,

mas não a ponto de abandonar seus senso crítico e deixar de reagir com a ameaça

de um folguedo único.

53 AZEVEDO, Bumba-meu-boi no Maranhão.São Luís, 2ª, Alumar, 1997, p.59.

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Freqüentemente encontramos trabalhos enfocando a temática da tradição,

modernidade e descaracterização do bumba-meu-boi do Maranhão; percebe-se que

existe uma preocupação muito grande de pesquisadores, donos de bumbas,

“brincantes” no assunto. Nesse sentido, Corrêa, apresenta o seguinte argumento:

O debate sobre a manutenção da tradição, embora não fosse novo, era recorrente, como forma dos defensores da cultura popular manifestarem suas preocupações frente à modernidade que provocava alterações nas manifestações culturais.54

Como se observa, a modernidade provoca modificações nas relações

sociais com conseqüências imprevisíveis, o que gera desconforto para os grupos

que estão adaptados numa determinada sistemática de funcionalidade

aparentemente satisfatória. Ocorre que o moderno não respeita o sedimentado e

estimula a alteração, pois precisa de visibilidade no cotidiano.

Essa tendência na busca incessante da atualização aos tempos atuais não

encontra ressonância nas concepções pautadas na tradição, que preferem atenuar a

saga voraz da modernidade, pois o grupo que não tem alicerce na tradicionalidade

parece que não tem história.

Destarte, os grupos de Bumba-meu-boi, alicerçados na história parecem

que preferem optar pelo tradicional, porque desconfiam das vitrinas sofisticadas

recém inauguradas.

No que concerne a tendência do bumba-meu-boi do Maranhão verificamos

que as práticas de hoje são diferentes de outrora e nem podiam ser iguais, pois

fatores econômicos, sociais, políticos, modernizantes agem diretamente sobre os

costumes e hábitos culturais, na tentativa de alterá-lo.

54 CORREA, Helidacy Maria Muniz. O bumba-meu-boi do Maranhão: a construção de uma identidade. Dissertação de Mestrado, Recife: UFPE, 2001, p. 87.

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No boi de zabumba, considerado o mais tradicional, observamos que o

auto não está sendo realizado habitualmente nas apresentações, apenas nos

ensaios, as toadas estão mais curtas sem versos parados, os padrinhos de

preferência são pessoas de visibilidade social em vez do povo da comunidade, as

“brincadas” são em função da determinação dos órgãos governamentais. Entretanto,

sabe-se que as senhoras continuam fazendo parte do grupo das tapuias ou índios,

as fogueiras são acesas, as ladainhas são rezadas. Enfim, os traços tradicionais

continuam.

Como se observa, embora tenham ocorrido mudanças a tradição

permanece. Nesse sentido, destacam-se abaixo os seguintes depoimentos

relacionados com tendência do Bumba-meu-boi:

Eu pensava que o Boi de Zabumba iria acabar, mas ele resiste principalmente graça à força de vontade dos “brincantes” que não deixam a tradição morrer, mesmo com muita dificuldade. No entanto é preciso que os donos de Bois de Zabumba se unam mais através de uma entidade própria, forte, que possa lutar pelos interesses comuns.55 “O boi de zabumba não será extinto caso seja mais aberto, interagir com o público, proporcionando livre acesso para quem queira participar da festa, caso contrário estará fadado ao isolamento”.56 [...] “No boi de zabumba, o que falta é organização dos proprietários, que são pessoas convencidas e egoístas... Todas muito longas” 57

Observando os depoimentos acima verifica-se, inicialmente, a

determinação de não deixar a tradição acabar mesmo com as dificuldades que os

grupos de bumba-boi enfrentam e a formação de uma entidade especifica, para lutar

55 Entrevista realizada com senhor Wiliam Vieira de Sousa ex-brincante do Boi do Monte Castelo. São Luís, no dia 15 de novembro de 2005. 56 Entrevista realizada com a senhora Ana Rita Cardoso, torcedora do Boi do Monte Castelo. São Luís, no dia 18 de novembro de 2005. 57 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.27.

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pelos interesses comuns, certamente facilitaria o trabalho de todos, pois as

reivindicações coletivas são mais propensas a serem atendidas.

Não se vislumbra a extinção do boi de zabumba, todavia é necessário que

os gestores dos grupos e “brincantes” entendam que a festa do boi é para todos, por

isso deve haver uma interação entre grupo e espectador, para que o espetáculo

fique bonito e aconteça. Impedir a participação do povo na brincadeira não é

sensato.

Na direção do bumba-meu-boi de zabumba geralmente tem homens e

mulheres de idades bem avançadas, como é o caso de Terezinha Jansen, no Boi da

Fé em Deus; Constâncio, no boi da Areinha; Canuto, no boi da Vila Passos; Chico

Coimbra, no boi da Liberdade; Hilda, no boi do São Francisco; Maria da Paz, no Boi

da Ivan Saldanha etc. Contudo, rotular essas pessoas de convencidas e egoístas

parece desproporcional, porque ao que tudo indica são pessoas simples do povo

acostumadas no trato com o pessoal da boiada. Quanto à gestão centralizada, essa

questão precisa ser trabalhada, pois distribuir tarefa facilita o envolvimento de todos,

assim como pode proporcionar o surgimento de novas lideranças.

Tradicionalmente as toadas do boi de zabumba eram bastante longas,

inclusive com vários versos; ultimamente vem acontecendo uma mudança e os

cabeceiras ou amos têm feito cantorias bem curtas e com poucos versos, isso é uma

tendência para atender a uma demanda do espectador.

No que tange ao bumba-boi popular que interage com a população, o

senhor Alauriano Campos de Almeida tem a seguinte opinião:

[...] “Tenho para mim que o Boi de Zabumba não é do coração do povo, pois nós, os proprietários e o próprio brincante, não aceitamos que brinquem à paisana na roda”.No Boi de Orquestra, de Axixá, as pessoas chegam, pulam, brincam, saltam e dançam. No Boi de Matraca, ninguém sabe nem quem é componente ou quem deixa de ser. As pessoas chegam com os tamancos e estão no Boi. Está certo, que um paisano fique de lado, mas, às vezes, ele vem bêbado, no momento da apresentação da comédia, perturbar, atrapalhar. Então eu digo: se não tiver quem incentive, dê força, o

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Bumba-boi de Zabumba vai desaparecer, podem ficar tranqüilos, despreocupados.

58

As pessoas de um modo em geral gostam das apresentações dos bois de

todos os sotaques, principalmente os de orquestra e matraca, que proporcionam

uma maior interação entre o espectador e o grupo, que geralmente não faz restrição

para as pessoas participarem da roda do boi, mesmo à paisana. Nesse sentido, o

boi de zabumba precisa mudar a postura e permitir que o povo interaja com o grupo,

pois as pessoas não querem perturbar, atrapalhar, e sim participar da festa que é de

todos.

O senhor Canuto Santos faz os seguintes comentários:

Aqui na Vila Passos, eles não vão muito comigo porque não aceito o que querem fazer. Uns dois que entraram aqui, eu botei para a rua. Aqui não tem polícia. A polícia sou eu. Quando a polícia chega, o problema já esta resolvido. A polícia sou eu porque não coloco policial na minha porta. Se o individuo vem para minha festa, ele vem para brincar, não é para arrumar confusão. Sou o dono da casa, eu coloca para a rua. Brincando direito, tudo bem. Agora, se ele vem com mau pensamento, sai logo. Não vou estar incomodado a polícia. Eu mesmo resolvo, não fico naquela de esperar a polícia. Convido-o para sair.[...] “Rapaz, é o seguinte: você está convidado a sair. Não quer mais participar, o ambiente não dá, não serve”.[...]“Se ele sai numa boa, tudo bem, se se alterar, tenho que agarrá-lo e coloco na rua.”59

À primeira vista parece um relato de homem prepotente, grosseiro e sem

modos educados para gerenciar uma organização. Contudo, Canuto é um ancião

simples, aspecto físico debilitado e não tem condições, nessa fase da vida, de

agarrar uma pessoa e colocá-lo para a rua de forma ríspida.

Agora, os diretores de um grupo de bumba boi, por mais bem intencionado

que estejam não pode manter a ordem e o respeito exercendo o poder de polícia.

Atitude dessa natureza, se prosperar, afastam as pessoas que “brincam” e os que

assistem. Assim, o Boi de Zabumba perde espaço ficando fadado ao fracasso.

58 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.80. 59 MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.69.

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Por outro lado, na apresentação de um grupo de Bumba-meu-boi é um

espetáculo teatral, geralmente ao ar livre, com vários pontos cênicos, culminando

com o auto do boi, que é apresentado de várias maneiras de acordo com o grupo.

Porém, na maioria das vezes os personagens principais são o fazendeiro, o vaqueiro

Francisco (negro Chico) e sua esposa Catirina, que, grávida deseja comer a língua

do boi do fazendeiro. No desenrolar do enredo, negro Chico mata o boi e é

descoberto. Depois o boi ressuscita, patrão perdoa o empregado e acontece uma

grande festa.

Com relação ao auto do boi Antero Viana tinha a seguinte opinião:

“A MARATUR ajudou a acabar com o auto nas apresentações porque se o

boi não tem auto, a brincadeira não tem história”60. Antigamente a MARATUR

(Empresa Maranhense de Turismo S/A) e atualmente os órgãos governamentais que

cuidam da política cultural, quer seja no Estado, quer seja no Município não

estimulam a realização dos autos nas apresentações, sempre o tempo exíguo e os

grupos têm que se deslocar de um lado para outro fazendo apresentações,

preocupados em não perder o cachê e ninguém ligar para o auto do Bumba. Os bois

de Zabumba, nos ensaios, ainda realizam o auto, a comédia que enriquece a

“brincadeira”. Porém, fica só nisso e nunca é mostrado nas apresentações.

A responsabilidade pela não apresentação do auto do boi não é só dos

governantes, e sim dos gestores dos grupos e “brincantes” que não têm nenhuma

preocupação em mostrar essa tradição. Percebe-se que muito estão acomodados e

interessados em quanto vão ganhar ou então o boi não “brinca”. Em razão disso, o

60

MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de cultura Popular domingos Vieira Filho. Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense. São Luís, LITHOGRAF, 1999, p.26.

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povo não tem mais aquela cultura de apreciar o auto do boi. Então, urge a

necessidade desse movimento emergir de dentro para fora, ou seja, do interior das

agremiações folclóricas para o público externo envolvendo também os órgãos

governamentais.

Outrora os grupos de bumba boi “brincavam” para seus componentes e

era exigido o auto. Entretanto, nos tempos modernos, se não tiver transporte,

alimentação, bebida, cachê etc., a festa não acontece.

Manter a tradição nas manifestações folclóricas só será possível quando

ainda existir sentido para os entes envolvidos, caso contrário, chegará o moderno, o

novo, que modificará o tradicional. Contudo, deve permanecer a autenticidade, que

só sucumbirá diante de relações sociais utópicas.

Por outro lado, verifica-se que a festa do bumba-meu-boi não feita é

apenas pelos adultos, pois a participação das crianças parece ser uma realidade,

conforme destacava o jornal O Estado do Maranhão e O IMPARCIAL, na matéria

abaixo:

Quem pensa que só o bumba-meu-boi de adulto anima os arraiais da cidade está severamente enganado. Os bois mirins também estão dando o seu recado nos festejos juninos, animando tantos nos terreiros quanto em clubes, colégios e aniversários de crianças, com dedicação de gente grande.61 “O boi Estrela da Rua é formado por meninas e meninos de rua atendidos pela Casa João e Maria, situada na rua da Palma”62 [...] “Terezinha Jansen coordenar um grupo de Tambor de Crioula infantil composto por 28 crianças[...]”63

Como se observa, o envolvimento de menores na cultura popular,

mormente nos grupos bumba-meu-bois, é uma realidade crescente possibilitando a

visibilidade do folclore nas escolas, festas familiares, associações, e outros, locais

61. Caderno A. Jornal O Estado do Maranhão São Luís, 26 jun.1996. 62. Meninos e Meninas de rua atendidas pela casa de João e Maria estão com um grupo de bumba-boi. Jornal O IMPARCIAL São Luís, 27 jun.1996. 63 Jornal O IMPARCIAL. São Luís, 20 jun.1996.

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que normalmente os agentes da cultura não têm acesso regular e a lacuna é

preenchida pelas crianças que aos poucos vão adquirindo o gosto de “brincar” no

boi, que pode desencadear o senso de preservar a festa.

Nessa perspectiva, os grupos de bumba-bois de todos os sotaques

contam nos seus contingentes com menores, que no espetáculo parecem adultos

experientes que na forma espontânea contribuem para manutenção da festa profana

do povo, que resiste e permeia o espírito festivo dos maranhenses.

Nesse sentido, percebe-se uma preocupação em preparar crianças

compromissadas com a festa dos bumbas, ensejando no futuro a continuidade da

festa folclórica. Assim, as gerações vão se sucedendo revigorando e oxigenando a

tradição de “brincar” no boi, pois a tendência é o bumba-meu-boi continuar vivo nas

festividades juninas porque consegue se adaptar ao contexto social.

Ressalta-se, que o boi não está recolhido ao seu sítio natural, nos

“rebanhos”, mas fazendo espetáculos na temporada do São João ou em qualquer

período, basta o convite ou a solicitação que a festa continua. Além disso, as toadas,

as indumentárias, o ritmo etc., estão presentes nas músicas populares, nas

pesquisas acadêmicas, em peças teatrais, obras literárias, nos trabalhos dos artistas

plásticos, artesãos, e outros, inclusive nas campanhas eleitorais já é possível

observar a presença de cantadores e grupos de bumba-meu-bois de diversos estilos

ou sotaques participando de programas partidários com fins eleitoreiros. Enfim, é o

bumba-meu-boi diversificando e ocupando espaços na sociedade na tentativa de

permanecer em evidência mesmo depois da temporada junina, sinalizando para um

São João fora de época, assim a festa não pára.

5. CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que:

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O Bumba-meu boi do Monte Castelo foi fundado em 1975, pelo senhor

Antero Viana, que antes já participava de outros grupos do gênero, inclusive na

turma do senhor Lauro, proprietário do Boi de Zabumba do bairro da Ivar Saldanha,

onde teve um desentendimento. Percebe-se também que a fundação do Boi de

Antero deveu-se à necessidade de conquistar espaço na cultura popular para

apresentar uma nova proposta de trabalho.

O Boi do Monte Castelo encerrou suas atividades porque Antero Viana

gerenciava o grupo de forma centralizada, não teve a preocupação de formar

lideranças que pudessem aglutinar idéias e interesses conflitantes na sua ausência.

Além disso, faltaram recursos financeiros e união entre os familiares para manter o

grupo em atividade.

Quando uma manifestação folclórica pára as atividades todos perdem,

principalmente no Estado do Maranhão, onde o povo é vocacionado para a festa.

Isso repercute de forma negativa no cenário cultural, pois é uma opção que deixou

de existir.

O boi de zabumba não é antipático, e sim belo como os demais. No

entanto, os proprietários desses grupos precisam mudar a postura e permitir que o

povo entre na roda do Boi, mesmo à paisana. É preciso entender que a festa é de

todos. Isolados, os grupos do gênero estão fadados ao fracasso.

O Boi de Zabumba não vai acabar, muito menos a abnegação dos seus

proprietários e “brincantes”. Entretanto, é necessário trazer o espectador para dentro

da “brincadeira”, descentralizar o poder, conviver com o novo, cultivar o auto do boi

e nunca desprezar a espontaneidade.

A tradição nunca deve ser menosprezada, pois é uma das formas de

transmitir valores de uma época para gerações futuras. Porém, a modernidade

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constitui ressonância do tempo presente. Portanto, ambas são essenciais nas

manifestações culturais de um povo.

Os grupos e companhias parafolclóricos existente no Estado do

Maranhão, que se apresentam concomitantemente com os demais grupos

considerados tradicionais na temporada junina, não desvirtuam ou pervertem a

tradição, apenas devem ser entendidos como mais uma opção para o povo, pois há

espaço para todos.

No Maranhão o bumba-meu-boi está impregnado na alma do povo. O

sotaque de zabumba, mais tradicional de todos, resiste apesar do modismo, dos

grupos alternativos, da discriminação e preconceito. É verdade que muitos pararam

suas atividades, como o do Grupo do Monte Castelo, porém outros lutam

bravamente; e um bravo nunca morre.

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REFERÊNCIAS

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São Luís: Alumar, 1997.

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BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BURKE, Perter (org.). A Escrita da História - Novas Perspectivas. São Paulo:

Editora Unesp, 1992.

BURKE, Perter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das

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CARVALHO, Maria Michol Pinho de. Matracas que desafiam o tempo: é o Bumba-boi do Maranhão: um estudo da tradição modernidade na cultura popular. São Luís: EDUFMA, 1995.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro, 2 ed. Rio de

Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1962, 795 p. 2 vol.

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CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988.

CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. O Bumba-meu-boi do Maranhão: a construção

de uma identidade. Dissertação de mestrado. Recife: UFPE, 2001.

Disponível em: www.samba-choro.com.Br. Acesso Em: 23 de setembro de 2005.

DURKHEIM, Émile – "A função da divisão social do trabalho [Capítulo 1: Método

para determinar essa função]" in Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

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Entrevistas: questionário

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 3. ª edição, Lisboa: Editorial Presença,

1989.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro

perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

LIMA, Carlos. Boletim nº 05, de junto de 1996, da COMISSÃO MARANHENSE DE

FOLCLORE.

MARANHÃO. Fundação Cultural. Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho.

Memória de Velhos. Depoimentos: uma contribuição à memória oral da

cultura popular maranhense. São Luís: LITHOGRAF, 1999. V.5: il., 22cm.

NISBET, Robert – "Conservadorismo e Sociologia" in José de Souza Martins

(org.) Introdução crítica à Sociologia Rural. São Paulo: Hucitec, 1986.

UNESCO; MEC. Nossa Diversidade Criadora: Relatório da Comissão Mundial de

Cultura e Desenvolvimento. Org.: Javier Pérez de Cuéllar. Campinas, SP: Papirus,

Brasília: UNESCO, 1997.

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ANEXOS

ANEXO 1 - Questionário

ANEXO 2 - Instrumentos utilizados no bumba-meu-boi no sotaque de

zabumba

ANEXO 3 - Folder do Maranhão Vale Festejar de 2005

ANEXO 4 - Termo de abertura do livro de Ata do Grêmio Recreativo Escola

de Samba Império Serrano

ANEXO 5 - Ata de Fundação do Grêmio Recreativo Escola de Samba

Império Serrano

ANEXO 6 - Estatuto do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império

Serrano

ANEXO 7 - Lei Municipal nº 3.432, de 06 de fevereiro de 1996

ANEXO 8 - Folder do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano

do carnaval de 1997.

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ANEXO I QUESTIONÁRIO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA

CURSO DE HISTÓRIA 1 – NOME: __________________________________________________________ 2 – QUANDO FOI FUNDADO O BUMBA-MEU-BOI DO MONTE CASTELO? ___________________________________________________________ 3 – QUANTO TEMPO “BRINCOU” NO BOI DO MONTE CASTELO? ____________________________________________________________ 4 - O QUE CUSOU O ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DO BOI DO MONTE CASTELO? ____________________________________________________________ 5 – O QUE OCORRE QUANDO UM GRUPO DE BUMBA-MEU-BOI ENCERRA SUAS ATIVIDADES? _____________________________________________________________ 6 – EXISTE DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO CONTRA O BUMBA-MEU-BOI NO SOTAQUE DE ZABUMBA? ( ) SIM ( ) NÃO COMO?________________________________________________________ 7 – QUAL A TENDÊNCIA DO BOI DE BUMBA-MEU-BOI NO SOTAQUE DE ZABUMBA? _______________________________________________________________ 9 – CONHECEU ANTERO VIANA? _______________________________________________________________ 10 – QUANDO FOI FUNDADO O GRÊMIO RECREAIVO ESCOLA DE SAMBA IMPÉRIO SERRAO? _______________________________________________________________ ASSINATURA: _____________________________________ DATA: _____/_____/____ ENDEREÇO: FONE: